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Direito do trabalho de emergência

Published by Papel da palavra, 2021-08-12 15:29:30

Description: Direito do trabalho de emergência

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“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 249 Desenvolvimento Econômico (OCDE), a desigualdade no Brasil é colossal e os brasileiros na parte inferior da escala de renda têm poucas chances de subir, tanto que como nos países latino-america‐ nos, a maior mobilidade do grupo de baixa renda também é acompa‐ nhada por um alto nível de recorrência de períodos de baixa renda, por exemplo, pelo emprego instável. O aumento da renda pode, portando, não durar com o tempo, e as pessoas podem facilmente voltar a pobreza. Nesse ínterim em apoio ao estudo no Brasil e a perspectiva que a meritocracia vem sendo questionada, no raciocínio é que a vitória é fruto do merecimento, vale observar outra contribuição de Charon23: “É fundamental perceber que classe, sexo e raça são estruturas com posições e que essas posições também têm poder a elas vinculado. Em geral, os ricos têm mais poder na sociedade do que os pobres, os homens mais do que as mulheres, os brancos mais do que os não-brancos.” Assim, não é forçoso observar o esforço dos entregadores por aplicativo em alcançar melhorias de condição de trabalho frente ao poderoso mundo de aplicativos. Em um país onde a própria sociedade não oferece uma condição social igualitária às pessoas, como equilibrar a desigualdade dos trabalhadores neste trajeto? Observamos os entregadores, com empregos instáveis e desregu‐ lamentado ora trabalho por intermédio de aplicativos tentarem uma autogestão, buscando o reconhecimento de melhores condi‐ ções de trabalho e, no mínimo, algum tipo de dignidade. A profissão tão pouco reconhecida, a qual salva a vida da popu‐ lação durante principalmente a pandemia mundial decorrente do COVID-19 insurge pelo reconhecimento público e legislativo, tanto de sua essencialidade quanto de sua regulamentação. Em pesquisa coletiva realizada em 2020 no âmbito da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (REMIR) do

250 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA universo de 270 entregadores pelo país, verificou-se que antes da pandemia 47,7% recebiam até dois salários mínimos. Na pandemia fica ainda pior. Enquanto as empresas-aplicativo veem o número de entregas crescer exponencialmente, a queda na remuneração dos trabalhadores se intensifica: 73,3% ganham até dois salários mínimos, sendo que 34,4% têm remuneração de até um salário mínimo24. A essencialidade do trabalhado desenvolvidos pela classe é inquestionável, entretanto, as indagações quando se analisa as condições de trabalho surgem de forma automática: quais são as condições de trabalho destes trabalhadores? quantas horas traba‐ lharam diariamente e semanalmente? quais são os intervalos? obstáculos? E mais em uma análise ao mundo capitalista como os trabalha‐ dores são vistos pelo Estado? pela Justiça? pela população? e pelas empregas dos aplicativos? O eixo central de análise se resume a frase de Bert Hellinger “A maioria das vezes você não precisa de um novo caminho, você precisa de uma nova forma de caminhar”, ou seja, no que se restringe a ao trabalho dos entregadores por aplicativos emerge a necessidade de um novo caminhar e, sendo redundante, um novo olhar. Ludmila Costhek Abílio analisando a uberização afirma que houve uma redução do motoboy a entregador sob demanda e ainda com mais subordinação, aponta “A uberização nomeia um processo de informalização do trabalho que corre junto com práticas voltadas à monopolização dos setores de atuação das empresas-aplicativo. Trata-se, por um lado, de centralizar o controle sobre a distribuição do trabalho, o que, no caso do deli‐ very de alimentos, vem subordinando não só os entregadores, mas restaurantes e outros estabelecimentos5. Por outro, vemos a formação da multidão de trabalhadores informais. Desprovidos de qualquer direito associado a seu trabalho, arcam com os riscos

“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 251 e custos de sua atividade. O viver do trabalhador just in time uberizado é feito de uma total ausência de garantias, inclusive sobre sua própria remuneração ou tempo de trabalho. Ele inicia o dia sem saber quanto terá de trabalhar para alcançar o ganho necessário. Terá permanentemente de traçar estratégias que, entretanto, estarão sempre subordinadas ao controle e definições da empresa. Nessa condição, o trabalhador está disponível ao trabalho, mas só é utilizado quando necessário.” É perigosa e até mesmo primitiva aceitar a ideia de um “novo normal”, o qual sendo ausente a regulamentação e limites gera o descontrole, ou seja, impõe-se a ideia de uma nova realidade em detrimento do retrocesso do “antigo normal”. Nas palavras de Jorge Luiz Souto Maior “Essas e outras respostas são fundamentais para a formulação de um projeto de reconstrução nacional, ainda mais porque esta é uma realidade que atinge, segura‐ mente, mais de 5 milhões de brasileiros e que, se inicialmente foi vista como uma espécie de bico ou uma atividade passageira diante de uma situação de desemprego, tem se estabilizado como uma autêntica profissão”25. A pandemia decorrente do COVID-19, a qual apresentou a essen‐ cialidade dos serviços dos entregadores, a ausência de empregos, induzindo os trabalhadores a aderirem ao novo formato de trabalho de entrega por aplicativos, intensificou-se a concor‐ rência entre trabalhadores. E nesse embaraço de crise econômica ameaçada pela oferta (muitos trabalhadores na nova modalidade) e procura, os próprios aplicativos geraram uma competição e diminuição de ganhos dos trabalhadores, conforme uma recente matéria disponibilizada na folha de São Paulo “Sobre oligopsô‐ nios e entregadores, alguns números”26. Em dados dos primeiros impactos da crise sanitária no mercado de trabalho o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

252 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Socioeconômicos – DIEESE apresenta o boletim “As perdas de rendimento foram maiores entre os ocupados dos serviços, do comércio e da construção e entre os trabalhadores informais” e “As perdas de rendimento foram expressivas também entre os ocupados em serviços essenciais na pandemia, como os entrega‐ dores e os trabalhadores da saúde e da limpeza”27. Pois bem, mais do que nunca é necessário que os entregadores por aplicativos sejam reconhecidos e necessitam proteção, inclu‐ sive, é inquestionável o clamor por cuidados pela classe, visto que o entregadores são de grande importância e gerador de renda durante o momento de crise sanitária que vivenciamos. Em uma pandemia mundial houve uma sujeição dos trabalha‐ dores em exposição ao risco do contagio do vírus, com menores remunerações, sujeitando os trabalhadores a realizarem várias manifestações pelo país em um apelo “grevista”, entretanto, por “não serem empregados” denominado “breque”. O movimento se tornou de grande adesão pelos trabalhadores, tanto que nas mídias a partir da HASTAG #BrequeDosApps, a greve vem ganhando não apenas as redes sociais, mas permitindo que entregadores de todo país se comuniquem e narrem seus sufocos nas exaustivas jornadas de entregas de refeições, compras e produtos, amplificadas pela pandemia da COVID-1928. O movimento “breque” é também observado em outros países latinos americanos como Colômbia, Argentina e Chile, o que somente enriquece a busca de melhores condições de trabalho desta classe , vejamos as reivindicações29: Aumento do valor mínimo da corrida; Seguro de roubo e acidente; Aumento do valor por km percorrido; Auxílio-pandemia; Fim do sistema de pontuação (no caso do Rappi) e ainda em outros jornais de grande circulação a insurgência dos trabalhadores são: reajuste anual; tabela de preços; fim dos bloqueios indevidos

“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 253 (reclamação constante dos entregadores, que questionam as polí‐ ticas das empresas que os punem com bloqueios); entrega de EPI ´s e programa de pontos (alguns entregadores questionam sistemas que fazem ranking de entregadores. Gringo cita o da Rappi que, segundo ele, exigiria que a pessoa trabalhasse \"de domingo a domingo para pegar os melhores pedidos30. A primeira manifestação nacional para as reivindicações ocorreu em 01 de julho de 2020, sendo que a paralização segundo as fontes acima citada no item antecedente ocasionará um docu‐ mentário denominado Pandelivery - Quantas vidas vale o frete grátis, que mostrará a rotina e, claro, os sufocos pelos quais passam os entregadores de aplicativos em São Paulo - maior mercado para essas empresas. A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa empresas como Uber Eats e iFood informaram, por meio de nota “Mesmo diante de um cenário crítico, as empresas associadas à Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (“Amobi‐ tec”) que atuam no setor de delivery implementaram, desde o início da pandemia, diversas ações de apoio aos entregadores parceiro, tais como a distribuição gratuita ou reembolso pela compra de materiais de higiene e limpeza, como máscara, álcool em gel e desinfetante, e a criação de fundos para o pagamento de auxílio financeiro para parceiros diagnos‐ ticados com covid-19 ou em grupos de risco. Além disso, os entregadores parceiros cadastrados nas plataformas estão cobertos por seguro contra acidentes pessoais durante as entregas”31. As manifestações dos entregadores geraram a ideia e reportagem jornalísticas ‘Adeus, ifood”: entregadores tentam criar coopera‐ tiva para trabalhar sem patrão32, Ora está construída a tormenta, com base na queda nos rendimentos e o aumento dos riscos pela crise sanitária, ou seja, o “novo normal” e melhores condições de trabalho, os entregadores se mobilizam para oprimir as princi‐

254 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA pais empresas como Uber, Rappi, Ifood houve nova paralisação nacional no dia 25 de julho de 2020 nas maiores capitais do Brasil e por uma via alternativa cogitam um caminho alternativo para a fundação de uma cooperativa. Na segunda manifestação dos entregadores por aplicativos, a frase do “Sorriso” Alessandro da Conceição, organizador em Brasília/DF, merece destaque: \"A expectativa é bem grande. Sinto um pouco de desmotivação de alguns, mas promete ser grande. Estou vendo alguns Estados mais ativos por causa do oportu‐ nismo de sindicatos. A categoria optou pela não ajuda de sindi‐ catos porque foram oportunistas no primeiro breque. É um movimento sem partidos, da categoria\"33. Afastar o sindicato em um slogan de “oportunismo de sindicatos” é um “tiro no pé”, visto que somente com a função protetiva podemos observar a defesa e proteção dos interesses dos traba‐ lhadores. Assim, pelo afastamento da atual sindical proposta pela “reforma trabalhista” agora observamos um movimento de descontentamento sendo que pela história somente com diálogo social e atuação sindical séria é o caminho para a conquista dos direitos requeridos. A existência da atuação sindical é a sobrevivência da categoria e, em um total descredito de proteção dos entregadores por aplica‐ tivos, seja pelo não reconhecimento do vínculo de emprego impulsionado por todo o já apresentado é enfraquecer ainda mais a atuação sindical e em uma revolução tecnológica como a atual nunca o sindicato foi tão importante como na atualidade. Em um cenário onde se observa a tempestade à vista no mundo do trabalho, onde se questiona ou a vida ou a Economia. Em março, quando a covid-19 começava a se alastrar, Jair Bolsonaro estabe‐ leceu esta disjuntiva absurda – e optou pelo segundo termo. Numa lógica quase-nazista, a população deveria se sacrificar,

“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 255 para que os negócios prosperassem. O governo recusou-se a adotar medidas de distanciamento social e sabotou, legal e simbolicamente, as tímidas ações de estados e municípios neste rumo. As consequências começam a surgir. Sanitariamente, o Brasil rivaliza apenas com os Estados Unidos, como campeão funesto de mortes e contágios. Temos apenas 2,7% da população do mundo, mas 12,9% dos óbitos por coronavírus – e a conta não para de crescer34. Apresentando um cenário político insurge inúmeras manifesta‐ ções no Brasil denominadas “antifascista em defesa da democra‐ cia”, ou seja, nas palavras de Valério Arcary, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), explica que o fascismo surge para anular a força política da classe trabalhadora para garantir a manutenção e o desenvolvimento dos negócios capitalistas35. E nesse viés é a fundamentação para a criação de uma coopera‐ tiva \"A luta não é só por melhoria dentro do aplicativo. Até porque muito foi refletido internamente de que lutar por melhoria dentro do aplicativo não resolve nossos problemas, né? Os donos de aplicativos querem encher o bolso de dinheiro, não querem de fato melhoria do trabalho do entregador” e “Então, eles (as grandes empresas) podem até fazer alguma coisa (atender algumas reivindicações) para calar nossa boca, mas a única possi‐ bilidade de melhora mesmo é com autogestão\". E ainda a própria entrevista da liderança do grupo Paulo Lima, vulgo “Gallo” \"É lógico que a gente sabe das limitações que a gente tem, talvez a gente comece num Estado (do país), mas a ideia é que seja uma cooperativa geral, e se puder internacional. A gente está em contato com a Argentina, com outros países aí, com Chile, com o México, com a Colômbia. É viver e deixar viver, sabe? Vamos vendo o que acontece\", disse à BBC News Brasil36.

256 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA É uma inversão de valores ou sobrevivência? Ora, os movimentos sequer cogitam o reconhecimento da figura do empregado nas relações dos entregadores com o aplicativo, mas sim baseiam-se exclusivamente na ideia, após inúmeras decisões judiciais de ausência de vínculo de emprego em criar uma personalidade jurí‐ dica própria de auto gestão. Nessa análise observamos o descrédito com o direito do trabalho em uma ótica empregatícia até mesmo pelas recentes alterações de retrocessos seja pela “reforma trabalhista”, Lei nº 13.467/17 e demais alterações posteriores. O que é inquestionável é a figura de “liberdade econômica” posicionada na psique dos entregado‐ res, inclusive, com a criação de coletivos de entregas, como o “despatronados”37. Ocorre que o questionamento insurge, as cooperativas poderiam eliminar as grandes empresas? Seria esse o caminho para melhores condições, não me parece o razoável. Nos ascende a liberdade econômica afrontar a Constituição Federal38 e o valor social do trabalho previsto do artigo 7º do diploma, direito social atingindo pela contemporaneidade capi‐ talista. O diretor-geral da Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (Escoop), Mario De Conto, avalia que um dos principais desafios para as cooperativas concorrerem com grandes empresas é \"a escala\". Ao contrário de empresas como Uber Eats, iFood e Deliveroo, que operam em centenas de cidades, e até mesmo em diferentes países, as coopera‐ tivas de entrega costumam atuar localmente e com poucos cooperados39. O pesquisador e procurador Rodrigo de Lacerda Carelli afirma em sua pesquisa que será que realmente os trabalhadores sabem e preferem uma autonomia ou gostariam de ter carteira assinada?40 Em um contexto de desemprego e sujeição capital x trabalho, não é difícil analisar a falácia de empreendedorismo e autonomia

“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 257 desses profissionais frente a uma sujeição economia aos aplicati‐ vos. O sociólogo Henrique Amorim afirma em entrevista “Longe de trabalhar como entregador por conta de um desejo de se tornar microempreendedor, o entregador está lá, na imensa maioria das vezes, por falta de alternativa a outras formas mais dignas de trabalho, ou seja, o que caracteriza o engajamento a esse tipo de trabalho não é uma adesão voluntária, mas uma ‘adesão social compulsória’”41. A exploração de mão de obra observa novas nuances, mas está presente, ou seja, é a sujeição ao capital. Em um país desigual como o Brasil, o que podemos fazer para reparar as diferenças sociais no universo do direito do trabalho dos entregadores por aplicativos? O mais grave que o panorama social apresentado é a realidade jurídica em não reconhecer os trabalhadores como empregados. A realidade jurídica não é diferente, apoiando-se que tais traba‐ lhadores não são empregados e dificultando ainda mais o reco‐ nhecimento da classe, vejamos a jurisprudência e entendimento dos tribunais brasileiros. Não é novidade que o senso comum brasileiro enxerga que o trabalho autônomo seria o sinônimo da liberdade em relação das regras impositivas das relações de emprego. Atualmente estamos diante da imposição de uma liberdade contratual a partes desi‐ guais da relação afrontando as lutas históricas, principalmente do pilar da proteção do direito do trabalho ao hipossuficiente da relação de emprego e prevalecendo o capital. Nesse cenário surge ainda um Projeto de Lei 3728/202042 de autoria de Tábata Amaral e analisando atentamente o seu conteúdo resumidamente a o tempo de trabalho passa a ser o somente tempo efetivamente produzido e, assim, qualquer período a disposição não seria computado como tempo de traba‐

258 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA lho. Portanto, garantindo um valor de hora mínima vinculado ao salário mínimo, entretanto, limitando apenas as horas efetiva‐ mente trabalhadas e mais sem limitar a jornada máxima constitu‐ cional diária e semanal. Ora após a crise sanitária do COVID-19 presenciamos o desmonte do direito do trabalho e como um salvo conduto de “emergia” e/ou “crise”, observamos a evolução do retrocesso dos direitos, exterminando os direitos conquistados durante anos de luta. Diante de tal contexto, observamos estudos do perigo da nova legislação como de naturalização da legislação trabalhista de emergência na pandemia, visto que a legislação de emergência na pandemia deve ser acompanhada com cautela, para que não se natura‐ lize a ruptura com as principais conquistas civilizatórias alcançadas no campo do Direito do Trabalho brasileiro43 A crise sanitária causada pelo COVI-19 vem causando inúmeras mudanças e transformações, inclusive, na maneira do consumo. Diante do novo cenário, ou até mesmo do “novo normal” impostos pelas medidas de isolamento social e, notoriamente, as imposições do Ministério da Saúde, os consumidores apresentam um comportamento mais digital, o qual utiliza-se de um e- commerce ou comércio eletrônico cuja a entrega será realizada, na maioria dos casos, por aplicativos de entrega, objeto de estudo. O questionamento final e atual é como o estudo apresentado um elevador quebrado? como amparar a vulnerabilidade e invisibili‐ dade do trabalho dos empregadores por aplicativos? Esse é o ponto central para preservas a condições de trabalho, bem estar e coesão social da classe e, mas que tudo, a dignidade do traba‐ lhador em um estado democrático de direito. Como será o futuro do pós COVID-19? As pesquisas apontam que 50% das empresas manterão as mudanças adotadas na pandemia44, como as vendas online pelo

“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 259 comercio eletrônico, mundialmente conhecido como e-commerce e por essa nova forma de se reinventar na economia a necessi‐ dade de entregadores por aplicativos será ainda mais latente e, portanto, se a invisibilidade e vulnerabilidade não foi amparada instantaneamente o retrocesso social é o futuro, afrontando o princípio da vedação do retrocesso social. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após todo o estudo a indagação ressurge, quais as lições que aprendemos com a pandemia do COVID-19? sociais? governa‐ mentais? e jurídicas? A resposta não é simples, mas pessoas melhores e mais humanas certamente conquistam uma sociedade mais justa e solidaria, intenção do preambulo da Constituição Federal Brasileira, ou seja, assegurar os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e inter‐ nacional, com a solução pacífica das controvérsias. O perigo de naturalização do comportamento de emergência na pandemia é real e o risco ao retrocesso social é aceitar o “novo normal” e não se insurgir quanto a destruição dos direitos sociais e retroceder o “antigo normal” em homenagem ao uma “liberdade econômica” sem limites. A única certeza que temos é que a pandemia decorrente do COVID-19 é uma caixa de pandora, como na mitologia grega de que “deuses colocaram todas as desgraças do mundo, entre as quais a guerra, a discórdia, as doenças do corpo e da alma. Contudo, nela havia um único dom: a esperança.45”. Assim, ainda não conseguimos identificar todos os males da atualidade no

260 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA direito do trabalho e, como no trabalho em estudo, a classe dos entregadores por aplicativos, nos restando apenas esperança e trabalho árduo na defesa da vulnerabilidade e invisibilidade. Nessa linha, é apresentar um novo cenário juslaboral para um futuro, bem como fortalecer a imagem de uma atividade empre‐ sarial sadia, protegendo o núcleo da proteção dos direitos mínimos. A observância da frase consagrada do jurista francês Georges Ripert é de notório realce: Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito, portanto, o “novo normal” não pode ocasionar o retrocesso do “antigo normal”, protegendo assim o bem-estar comum. O dilaceramento contemporâneo a pilares do direito do trabalho nos insurge iremos consolidar o sonho da redução do trabalhador a força de trabalho? REFERÊNCIAS ABÍLIO, Ludmila Costhek. Breque no despotismo algorítmico: uberização, trabalho sob demanda e insubordinação. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/07/30/breque-no- despotismo-algoritmico-uberizacao-trabalho-sob-demanda-e- insubordinacao/#_ftn2. Acesso em 15/09/2020, 19h26 ABÍLIO, Ludmila Costhek. Breque no despotismo algoritimo: uberização, trabalhos sob demanda e insubordinação. Disponível em https://blogdaboitempo.com.br/2020/07/30/breque-no- despotismo-algoritmico-uberizacao-trabalho-sob-demanda-e- insubordinacao/#_ftn2. Acesso em 08/08/2020, 11h24. BRASIL. Decreto nº 591 de 6 de julho de 1992. <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Acesso em 13.09.2019, 15h28min

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“NOVO NORMAL”: UMA ANÁLISE DA INVISIBILID… 263 desemprego-pnad-continua-ibge.htm>. Acesso em 13.09.2019, 14h10min. Mais de 50 empresas manterão mudanças adotadas na pandemia. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/ 07/mais-de-50-das-empresas-manterao-mudancas-adotadas-na- pandemia.shtml. Acesso em 08/08/2020, 09h57 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Resenha Trabalhista – Programa VII:”Pedido virtual, entrega concreta: a realidade do trabalho dos entregadores”. Disponível em: https://www.jorgesoutomaior. com/blog/previous/3. Acesso em 25/07/2020, 10h21min. PANDELIVERY. Quantas vidas vale o frete grátis? https://www. youtube.com/watch?time_continue=110&v=NplGEx4SBAY& feature=emb_logo. Acesso em 28/07/2020, 19h32 Por trabalhadores para trabalhadores. Disponível em: https://despatronados.wixsite.com/cooperativa. Acesso em 28/07/2020, 19h02. Primeiros impactos da pandemia no mercado de trabalho. http:// abet-trabalho.org.br/primeiros-impactos-da-pandemia-no- mercado-de-trabalho/. Acesso em 28/07/2020, 18h36min. Projeto de Lei nº 578/2019. http://splegisconsulta.camar a.sp.‐ gov.br/Pesquisa/DetailsDetalhado?COD_MTRA_LE‐ GL=1&ANO_PCSS_CMSP=2019&COD_PCSS_CMSP=578. Acesso em 08/08/2020, 10h53. Projeto de Lei nº 130/2019. Disponível em: http:// splegisconsulta.camara.sp.gov.br/Pesquisa/DetailsDetalhado? COD_MTRA_LEGL=1&ANO_PCSS_CMSP=2019& COD_PCSS_CMSP=130. Acesso em 08/08/2020, 10h54. Projeto de Lei 3728/2020. https://www.camara.leg.br/proposic oesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2257468.

264 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA RAMOS, Letiane Corrêa Bueno Nogueira. ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA: UMA ANÁLISE A “INVISIBILIDADE DO DESCONTROLE”, IX Congresso Internacional da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. 2019. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000, p. 85. Sobre oligopsônios e entregadores, alguns números. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/06/sobre- oligopsonios-e-entregadores-alguns-numeros.shtml?origin= facebook#_=_Acesso 25/07/2020, 10h33. TEDESCHI, W. Meu chefe é um robô. 2017. Disponível em: <https://blogs.atribuna.com.br/direitodo traba‐ lho/2017/10/meu-chefe-e-um-robo/>. Acesso 21 Jul.2018. Treine enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem, persista enquanto eles descansam, e então, viva o que eles sonham. Disponível em https://www.pensador.com/frase/ MTg5ODM2Nw/. Acesso em 25/07/2020, 10h48min. Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº 1000123- 89.2017.5.02.0038. 5ª Turma. Relator . Disponível em: https:// www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/uber- quinta-turma-afasta-reconhecimento-de-vinculo-de-emprego- de-motorista. Acesso em 08/08/2020. Um Elevador Social Quebrado? Como Promover a Mobilidade Social. Disponível em: https://www.oecd.org/brazil/social-mobililty- 2018-BRA-PT.pdf. Acesso 25/07/2020, 10h58min. #BrequeDosApps: a paralisação dos entregadores dos aplicativos ganha o Brasil. Disponível em: https://canaltech.com.br/apps/ brequedosapps-a-paralisacao-dos-entregadores-dos-aplicativos- ganha-o-brasil-167326/. Acesso 25/07/2020, 10h42min.

O DIREITO DE EMERGÊNCIA E O LEGADO DA DESPROTEÇÃO VINICIUS MOTA DE JESUS RESUMO ESTE ARTIGO APRESENTA REFLEXÕES SOBRE AS OPÇÕES ADOTADAS pelas autoridades públicas e pela sociedade brasileira para fazer frente à crise decorrente do COVID19, privilegiando as negocia‐ ções individuais e os atos unilaterais dos empregadores em detri‐ mento do princípio da proteção e em contradição com as diretrizes da OIT e políticas adotadas por outros países. Palavras-chave: Direito do Trabalho; crise do COVID19; prin‐ cípio da proteção; negociação individual ABSTRACT This article offers reflections regarding the measures adopted by the Public authorities and the Brazilian society to face the COVID19 crisis, which grant privilege to individual negotiations and employers' unilateral acts to the detriment of principle of

266 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA protection and in contradiction with ILO guidelines and policies adopted by other countries. Keywords: Labour law; crisis of COVID19; principle of protec‐ tion; individual negotiation INTRODUÇÃO É lugar comum nos livros de direito do trabalho e nas decisões do Poder Judiciário considerações sobre o princípio da proteção, que se desenvolve a partir da constatação de dois aspectos funda‐ mentais na relação capital-trabalho: o antagonismo dos interesses e a desigualdade de forças que colocam o empregado na condição de hipossuficiente. Nesse cenário, o direito do trabalho visa conferir proteção jurí‐ dica aos que vivem da venda de sua força de trabalho, e, como efeito decorrente, assegura a própria manutenção dessa forma específica de atividade econômica, conferindo direitos mínimos à força produtiva e pacificando relações sociais. Todavia, o ideal de proteção não é uma ideia que se desenvolveu de maneira genuína na sociedade brasileira. De fato, a transpo‐ sição desse ideário encontrou em solo brasileiro noções prece‐ dentes caracterizadas pela desvalorização daquele que vive do seu labor. Não é por outra razão que o direito do trabalho, ao esti‐ pular condições mínimas em benefício dos obreiros, é tido como um entrave ao desenvolvimento do país. É nesse contexto que podemos compreender como que durante a crise sanitária e econômica deflagrada pelo COVID19, o Brasil fez a opção por promover uma legislação que privilegia a negoci‐ ação individual e amplia os poderes dos empregadores no âmbito da relação de trabalho.

O DIREITO DE EMERGÊNCIA E O LEGADO DA DE… 267 Veremos como a MP 927 e a MP 936, esta convertida na Lei 14.020/2020, se inserem na lógica de desproteção do trabalho, sob o argumento de que a ampliação das hipóteses de alteração unilateral do contrato são, ao mesmo tempo, promovidas no inte‐ resse de quem trabalha e a única resposta possível para a crise. Mas, será efetivamente a única resposta possível? E deveríamos assumir que as modificações unilaterais estão afinadas, a priori, com o interesse dos trabalhadores? Ou que é viável pressupor a livre manifestação de vontade do hipossuficiente em um contexto no qual ele está premido pelo medo do desemprego? Qual a resposta adotada em outras sociedades e o quanto isso diz a respeito da sociedade brasileira? É o que pretendemos abordar nas páginas seguintes. 1. O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO (EM)NA CRISE O direito do trabalho somente tem lugar com a consolidação do trabalho livre como principal forma de desempenho do labor nas sociedades capitalistas. A sua premissa é que a prestação de serviço é ajustada entre sujeitos livres e iguais perante a lei, sendo essa uma concepção decorrente do desenvolvimento dos direitos humanos como fruto da ascensão política da nova classe social burguesa e da derrocada das classes aristocráticas do Antigo Regime. Todavia, no contexto do Estado Liberal, no qual o poder público se caracteriza por não interferir nas atividades econômicas e sociais, a liberdade irrefreada na relação entre os tomadores de serviço e aqueles que vivem da venda de sua força de trabalho se evidencia nociva ao próprio desenvolvimento das atividades econômicas, provocando convulsões sociais e adoecimento dos trabalhadores1. É para responder aos problemas da livre negoci‐

268 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA ação que surgem normas legais ou autônomas para regulação do trabalho. A pedra angular do direito do trabalho é o princípio da proteção, resultante da observação de um simples fato: na relação entre os sujeitos livres e iguais existe uma distinção de forças, implicando no desequilíbrio material na expressão da vontade dos agentes contratantes.2 Porém, se no continente europeu observamos a maturação do ideal liberal, o rompimento com as noções de privilégio, com o posterior desenvolvimento dos ideários da igualdade e da frater‐ nidade, justificando a construção de normativos para garantia de condições adequadas ou mínimas para os que trabalham, no Brasil não acontece o mesmo. Adotando importantes marcos históricos, poderíamos indicar que o desenvolvimento acima apontado poderia ser sinalizado entre a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e a Encíclica Rerum Novarum (1893). Por sua vez, enquanto transcorre esse período no continente europeu, o Brasil sustenta em seu ordenamento jurídico o trabalho escravo até 18883. Ou seja, a noção do trabalho livre, desenvolvido por um sujeito de direito, igual de dignidade a qualquer outro membro da sociedade, aporta no Brasil como uma “ideia fora de lugar”4. Não é por outra razão que até os dias atuais, os direitos trabalhistas são apontados como entraves ao desenvolvimento econômico do país e como demasiadamente excessivos. Neste ponto, nosso argumento não desconsidera os aspectos controversos do desenvolvimento do direito do trabalho no Brasil, como sua origem preponderante de normas heterônomas e com restrição ao desenvolvimento das forças sindicais, bem como não se contrapõe às propostas de modernização da legisla‐ ção. O que estamos da colocar em destaque é que, num país em

O DIREITO DE EMERGÊNCIA E O LEGADO DA DE… 269 cuja história o agente de trabalho não era sujeito de direitos, devemos estar atentos para não reproduzirmos apreciações ideo‐ lógicas que, sob a denominação de modernidade, estejam efetiva‐ mente dirigidas ao retrocesso.5 As contradições entre a ciência do Direito do Trabalho e o desen‐ volvimento histórico-cultural da sociedade brasileira ajudam a explicar como expressiva parcela dos operadores do direito admitiram que em um momento de crise, quando as tensões entre empregados e empregadores recrudescem, fosse possível um alinhamento automático dos interesses entre esses agentes econômicos. 2. A DIRETRIZ DE DESPROTEÇÃO PRESENTE NAS MEDIDAS PROVISÓRIAS N. 927 E N. 936 E AS ALTERNATIVAS. Podemos observar o acolhimento da negociação entre empre‐ gado e empregador e dos atos unilaterais como saída para a crise nos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal nas ações que questionaram a constitucionalidade de dispositivos das Medidas Provisórias n. 927 e n. 936 (hoje convertida na Lei 14.020/2020). O art. 2º da referida MP 927 dispõe que o acordo individual escrito, firmado entre o trabalhador e o empregador, teria preva‐ lência sobre os instrumentos normativos, legais e negociais, respeitando-se tão somente os direitos previstos na Constituição. Observa-se que esse normativo, surgido em um momento de crise, foi além da própria reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), estendendo a possibilidade de negociação direta que caracteriza o contrato do empregado considerado hipersuficiente (ou autossu‐ ficiente) para todo e qualquer empregado. E, por outro prisma, ressuscitou os efeitos do contrato verde e amarelo, da MP

270 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA 905/2019, que agora, curiosamente, se aplicaria a todos os contratos de trabalho vigentes, sem qualquer restrição. Como é sabido, o art. 444, parágrafo único, da CLT, especifica que a livre negociação entre empregador e trabalhador terá a mesma eficácia legal do art. 611-A, da CLT, bem como terá preponderância sobre os instrumentos normativos da categoria. Por sua vez, o art. 611-A, da CLT, concretiza o princípio do nego‐ ciado sobre o legislado, estabelecendo que as cláusulas das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho terão prevalência em face da lei, valendo lembrar que este artigo apre‐ senta um rol exemplificativo, em tese limitado apenas em face do disposto no art. 611-B, da CLT, o qual, sinteticamente, reproduz os direitos constitucionais previstos no artigo 7º da Constituição da República. Portanto, o acordo previsto no artigo 2º da MP 927, ao se sobrepor às normas coletivas e à lei, representou uma inaudita concretização do negociado sobre o legislado, com eficácia similar àquela então reservada ao empregado considerado hiper‐ suficiente, portador de diploma de ensino superior e com padrão salarial diferenciado. Embora possamos considerar que em um momento de crise, a livre manifestação de vontade do empregado hipossuficiente possa ser impactada, não sendo recomendável sustentar a consti‐ tucionalidade de um dispositivo tão amplo, o Supremo Tribunal Federal, inicialmente em decisão liminar, no âmbito da ADI 6342, albergou o referido dispositivo, sob os seguintes fundamentos: “[d]escabe, no que ficou prevista a preponderância do acordo individual escrito, voltado à preservação do liame empregatício – repita-se – ante instrumentos normativos legais e negociais, assentar, no campo da generalidade, a pecha de inconstitucionali‐ dade.”6. Quando da apreciação pelo Plenário, formou-se maioria

O DIREITO DE EMERGÊNCIA E O LEGADO DA DE… 271 pela manutenção do texto, restando vencidos os Ministros Fachin, Weber e Lewandowski. Trazendo especificidade ao comando da livre negociação indivi‐ dual, o artigo 3º da MP 927 apresentava rol exemplificativo de ações que poderiam ser adotadas pelos empregadores, a fim de fazer frente à crise decorrente da pandemia de COVID19. Nesse contexto, foram estabelecidos importantes diretrizes para facilitar a implementação do teletrabalho, considerando a neces‐ sidade urgente de promover o isolamento social. De tal modo, a alteração do regime presencial para o regime de trabalho à distância, bem como sua reversão, passou a decorrer de ato unila‐ teral do empregador, dispensando-se a concordância do empre‐ gado para implementação do teletrabalho prevista no art. 75-C, § 1º, da CLT. Por certo que essa medida tem aspectos positivos, assegurando a continuidade da prestação de serviço por aqueles que podem trabalhar à distância, porém alguns desdobramentos merecem nossa reflexão, considerando o pressuposto de que os interesses entre empregadores e empregados nem sempre serão coin‐ cidentes. Um primeiro aspecto importante é que deveria ter sido incenti‐ vada a adoção de instrumento normativo coletivo (convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho) para disciplinar o retorno do trabalho ao regime presencial. Com efeito, enquanto em condições normais, os normativos da CLT definem que há necessidade de consentimento para intro‐ duzir o trabalho à distância e unilateralidade no retorno, no cenário da pandemia da COVID19, observa-se que o conflito entre as partes da relação de trabalho tem se caracterizado quanto à volta ao regime presencial.

272 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Diversos trabalhadores integram os grupos de risco ou então coabitam em suas residências com parentes que fazem parte do grupo de pessoas mais propenso a graves complicações. Esses empregados, submetidos ao ato unilateral do empregador, não dispõem de meios válidos para objetarem o retorno ao trabalho presencial, ainda que isso possa implicar ampliação do risco de contágio de seus pais, mães, avós, resultando em angústia diante dessa perspectiva. Por isso, temos verificado que nas categorias que promoveram normas coletivas regulamentando o teletra‐ balho no contexto da pandemia e estabeleceram grupos prioritá‐ rios para a retomada da atividade presencial, a situação tem sido conduzida de maneira mais harmônica. Outro aspecto relevante diz respeito à saúde do trabalhador em teletrabalho. O trabalho à distância, nos termos do artigo 62, III, da CLT, não está submetido ao controle de jornada, portanto os trabalhadores que estão nesta modalidade, em razão da pande‐ mia, não têm direito a horas extras, intervalo para refeição e descanso, bem como não dispõem de mecanismos eficazes para limitarem as horas trabalhadas por dia. Por isso, não causa surpresa o aumento de relatos de empregados que se sentem esgotados em razão do labor, não sendo inoportuno lembrar que em razão do isolamento social, para muitos trabalhadores, foi temporariamente afastado o desgaste decorrente do tempo despendido no deslocamento para o trabalho e seu retorno para residência. Ainda quanto ao teletrabalho, é preciso considerar os aspectos relativos à adequação ergonômica do ambiente doméstico para o desempenho do labor, evitando agravos à saúde dos empregados. Outros pontos da referida medida provisória n. 927, observados atentamente, conduzem à percepção de que não se pode assumir,

O DIREITO DE EMERGÊNCIA E O LEGADO DA DE… 273 de maneira acrítica, a harmonização dos interesses entre o capital e o trabalho. Lembre-se que em seu texto originário, no artigo 18, a medida provisória contemplava a possibilidade de o empregador ajustar com o empregado acordo individual para suspensão do contrato de trabalho, para participação em curso ou programa de qualifi‐ cação profissional, com afastamento do pagamento da bolsa- qualificação prevista no artigo 476-A, da CLT. A opção posta à mesa era a seguinte: manutenção do vínculo empregatício por até quatro meses, sem pagamento da remune‐ ração e sem pagamento de qualquer benefício por parte do poder público, ou então a dispensa. Certo que o empregador poderia, se quisesse, conceder ajuda compensatória, de caráter indenizatório, em proveito do trabalhador, porém não existia obrigação nesse sentido. Conceber que optar entre manter um vínculo empregatício, sem receber qualquer valor, com a expectativa de voltar a prestar serviço no futuro (o que poderia não se concretizar, destaque-se) ou ir direto para o olho da rua é a mais evidente prova de que a livre manifestação de vontade do empregado, no cenário da pandemia, poderia ser mera ficção, de que a convergência de interesses é ilusória e expressão de desrespeito à dignidade do trabalhador. Passadas vinte e quatro horas, o próprio executivo federal editou a medida provisória n. 928, no intuito de revogar o espantoso artigo 18 da MP 927. Também podemos destacar os artigos 29 e 31 da mencionada medida provisória, os quais estipularam, respectivamente, que os casos de contaminação por coronavírus não seriam considerados como doenças ocupacionais, exceto mediante comprovação do

274 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA nexo causal por parte do trabalhador e que os auditores fiscais do trabalho deveriam ter atuação meramente orientadora pelo período de cento e oitenta dias (o que foi justificado, na liminar concedida na ADI 6342, para uma medida destinada a “não perturbar, além do necessário a vida empresarial”7). Felizmente, em plenário, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia dos dois normativos. Por sua vez, a medida provisória n. 936, convertida na Lei 14.020/2020, também privilegiou, em certas circunstâncias, a adoção de soluções negociadas diretamente entre empregador e empregado para fazer frente a crise. Essa medida provisória insti‐ tuiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda contemplando a possibilidade de redução proporcional da jornada e de salário, assim como a suspensão dos contratos de trabalho, cumprindo à União o pagamento do Benefício Emer‐ gencial de Preservação do Emprego e da Renda, calculado em conformidade com os parâmetros aplicáveis ao seguro- desemprego. Na hipótese dos empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (três salários mínimos), dos empregados tidos como hipersuficientes (portadores de diploma de ensino superior e com salário igual ou superior a duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social – R$ 12.202,12) seria possível promover a redução proporcional de jornada e salário, bem como a suspensão do contrato de trabalho, por intermédio de acordo individual escrito. Este instrumento também poderia ser adotado para redução proporcional de 25% (vinte e cinco por cento), inde‐ pendentemente da faixa salarial do empregado. A Lei 14.020, de 06 de julho de 2020, conversão da medida provi‐ sória mencionada, promove alterações nas possibilidades de acordo individual escrito. Agora, considera-se também a capaci‐

O DIREITO DE EMERGÊNCIA E O LEGADO DA DE… 275 dade econômica do empregador, de maneira que o acordo indivi‐ dual fica restrito aos empregados com salário igual ou inferior a R$ 2.090,00 (dois salários mínimos) nas médias e grandes empre‐ sas, ao passo que essa forma de ajuste para redução de jornada e salário ou suspensão se aplica àqueles que percebem até três salá‐ rios mínimos no âmbito de empresas cuja receita bruta tenha sido igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (micro e pequenas empresas). Ademais, permanece a hipótese do ajuste direto para os empre‐ gados hipersuficientes e no caso de redução proporcional de 25%. Não obstante, também passa a ser prevista a possibilidade de acordo individual escrito quando a redução de jornada de trabalho e salário ou a suspensão do contrato não importarem em diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empre‐ gado, considerando, de maneira global, o benefício prestado pelo poder público, a ajuda compensatória de caráter indenizatório e o salário mantido nas reduções proporcionais. Essas medidas contrariam balizas constitucionais, de maneira frontal. Com efeito, o artigo 7º, VI, da Constituição da República assegura o direito à irredutibilidade salarial, excetuando a possi‐ bilidade de redução por intermédio de norma coletiva. O consti‐ tuinte originário definiu um comando claro: não há espaço, à luz dos parâmetros constitucionais, para redução salarial por acordo individual. Tal vedação concretiza o princípio da proteção, na medida em que o direito do trabalho foi erigido sobre a constatação do anta‐ gonismo entre quem vive do trabalho e o empregador, da desi‐ gualdade de forças entre as partes envolvidas e, ainda, considerando o aspecto essencial que o salário guarda na vida do trabalhador, representando o sustentáculo de sua sobrevivência e de sua família.

276 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA Em contrapartida, é razoável supor que o constituinte, ao fixar a necessidade de participação do sindicato obreiro na construção da norma que reduz salário, anteviu situações como a de uma empresa atravessando por dificuldades financeiras ou econômi‐ cas, ou então um determinado setor produtivo, e talvez até crises econômicas de maiores proporções, todavia, a crise internacional decorrente do novo coronavírus singulariza-se, dentre outros aspectos, pela necessidade de adoção de medidas em curtíssimo espaço de tempo. Então, como adotar os tradicionais mecanismos de negociação coletiva quando se chega a conclusão de que é imperioso restringir ao máximo o convívio entre as pessoas, com o fechamento da maioria dos setores econômicos? Talvez por isso mesmo, a medida provisória n. 936, ao introduzir os mecanismos de redução de jornada de trabalho e salário e de suspensão dos contratos de trabalho contemplou que os acordos individuais firmados entre empregados e empregadores deveriam ser encaminhados aos sindicatos profissionais. A diretriz, no cenário de urgência, autoriza o ajuste direto, submetendo-os, posteriormente, aos entes coletivos obreiros, em sintonia com a percepção histórica de que é por intermédio de organização cole‐ tiva que os trabalhadores têm meios para expressar a sua vontade em condições de igualdade perante os tomadores de serviço8. Essa foi a compreensão adotada na liminar da ADI 6363, segundo a qual os acordos individuais escritos para redução de jornada ou suspensão produziriam seus efeitos imediatamente, não obstante deveriam ser encaminhados aos sindicatos para exercício de um juízo protetivo quanto ao interesse dos trabalhadores. Na hipó‐ tese de inércia sindical, os acordos seriam convalidados nos exatos termos em que foram firmados. Contudo, o plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria no sentido de que os acordos individuais escritos não

O DIREITO DE EMERGÊNCIA E O LEGADO DA DE… 277 estariam sujeitos a qualquer apreciação por parte dos sindicados, o que equivale a esvaziar o conteúdo da medida provisória quanto determina a submissão dos ajustes aos entes coletivos. Com esses exemplos, resta comprovado o argumento de que privilegiamos a negociação individual para responder aos desa‐ fios da COVID19, deixando em segundo plano o princípio da proteção. Diante disso, as questões que se colocam são: seria de fato essa a melhor resposta para a crise? Seria a única alternativa ou haveria outros modelos possíveis? Será que devemos acolher o argu‐ mento de que a ampliação dos poderes unilaterais e das negocia‐ ções diretas se concretizam em benefício dos empregados? A comunidade internacional respondeu negativamente a esses questionamentos. A Organização Internacional do Trabalho9 alertou que a resposta para a crise sanitária e econômica decorrente da COVID19 deveria ser encontrada, dentro da realidade de cada país, em construção conjunta tripartite de empregadores, trabalhadores e governos. Argentina10, Espanha11, Itália12 e outros países proi‐ biram a demissão de empregados pelo período de 60 dias. Dina‐ marca13 e Reino Unido14 assumiram o pagamento de expressivas parcelas do salário dos empregados (75% e 80%, respectivamen‐ te). O Uruguai15 concedeu subsídios para empresas contratarem durante a crise. Na Holanda16, o ordenamento jurídico define que as dispensas de funcionários devem ser ajustadas junto ao governo e com a adoção de critérios que uniformizem as demis‐ sões em diferentes faixas etárias, evitando discriminação contra os funcionários mais velhos. Dessa forma, os caminhos para se combater a crise econômica originada com o novo coronavírus são diversos e podem ser

278 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA construídos de maneira em que se privilegie o diálogo social. Essa opção, até o momento, não foi adotada em nosso país. CONCLUSÃO Por certo que as Medidas Provisórias n. 927 e 936 (atual Lei 14.020/2020) possuem seus méritos e contribuíram com dire‐ trizes para estimular o isolamento social, contudo esses norma‐ tivos foram marcados por privilegiar a negociação individual e a ampliação dos atos unilaterais do empregador. Essas características estão inseridas em uma lógica de despres‐ tígio do princípio da proteção, da normatização legal do direito do trabalho e da negociação coletiva. Outrossim, estão afinadas com os avanços recentes de precarização do trabalho, marcados, sobretudo com a reforma trabalhista e com a proposta (concreti‐ zada parcialmente durante a vigência da MP 905/2019) de desre‐ gulamentação do trabalho. Todavia, para que nossa sociedade encontre caminhos para enfrentar a crise econômica que sobrevirá ao final da pandemia, buscando concretizar o comando de construir uma sociedade justa, livre e solidária, contornando os riscos de convulsão social e adensando nossa experiência democrática, devemos privilegiar o princípio tutelar do direito do trabalho e incentivar o diálogo entre empresários, trabalhadores e governo. REFERÊNCIAS AS NORMAS da OIT e a COVID-19 (coronavírus). Organização Internacional do Trabalho. Disponível em: https://www.ilo. org/brasilia/noticias/WCMS_745248/lang--pt/index.htm. Acesso em: 10 out. 2020.

O DIREITO DE EMERGÊNCIA E O LEGADO DA DE… 279 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitu‐ cionalidade n. 6342. Relator Ministro Marco Aurélio. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ ADI6342liminar.pdf. Acesso em 10 out. 2010. CAZARRÉ, Marieta. Coronavírus leva Argentina a proibir demissões por 60 dias. Agência Brasil. Montevidéu. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/ 2020-04/argentina-proibe-demissoes-por-60-dias-devido- pandemia-de-coronavirus. Acesso em: 10 out. 2020. COLLECTIVE redundancies. Netherlands Enterprise Agency, RVO. Disponível em: https://business.gov.nl/regulation/ collective-redundancies/. Acesso em: 10 out. 2020. COVID-19. A solução dinamarquesa: 75% do ordenado, durante três meses, a trabalhadores que têm de ficar em casa. Expresso. Disponível em: https://expresso.pt/coronavirus/2020-03-27- Covid-19.-A-solucao-dinamarquesa-75-do-ordenado-durante- tres-meses-a-trabalhadores-que-tem-de-ficar-em-casa. Acesso em: 10 out. 2020. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2018. EM MEDIDA sem precedente, Reino Unido vai pagar salários de trabalhadores para evitar demissões. O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/em-medida-sem- precedentes-reino-unido-vai-pagar-salarios-de-trabalhadores- para-evitar-demissoes-24318385. Acesso em: 10 out. 2020. ESPANHA proíbe empregadores de demitir em meio à pandemia. Valor Econômico. Disponível em: https://valor.globo.com/

280 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA mundo/noticia/2020/03/27/espanha-proibe-empregadores-de- demitir-em-meio-a-pandemia.ghtml. Acesso em: 10 out. 2020. MARQUES, Gina Azevedo. Itália proíbe despedimentos por motivos econômicos durante dois meses. TSF Rádio Notícias. Disponível em: https://www.tsf.pt/mundo/covid-19-italia- proibe-despedimentos-por-motivos-economicos-durante-dois- meses-11945162.html. Acesso em: 10 out. 2020. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Traba‐ lho. São Paulo: Saraiva, 2010 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Cia das Letras, 2019. SCHWARCZ, Roberto. As ideias fora de lugar. São Paulo. São Paulo: Penguin e Cia das Letras, 2014. VEJA ações de 7 países da América do Sul em resposta a Covid- 19. Insper. Disponível em: https://www.insper.edu.br/ conhecimento/politicas-publicas/veja-acoes-de-7-paises-da- america-do-sul-em-resposta-a-covid-19/. Acesso em: 10 out. 2020.

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO PÓS COVID-19 HELLEN DAMÁLIA DE SOUSA ANDRADE LIMA, ENNIO ALVES DE SOUSA ANDRADE LIMA RESUMO O PRESENTE TEXTO TEM COMO OBJETIVO REFLETIR ACERCA DO contexto social marcado pela pandemia da Covid-19, enquanto doença que trouxe um estado de fragilidade para as relações de trabalho, com repercussões futuras na vida dos trabalhadores, os quais serão os principais prejudicados pelas conjecturas socioe‐ conômicas ora em vigor. A escolha do tema se deve a sua perti‐ nência no tocante a ser uma angústia que assola todos os sujeitos envolvidos no combate à exploração e precarização das relações de trabalho, sendo um engodo pensar que a atual pandemia pode transformar o espírito do capitalismo, por excelência, realizando subitamente uma solidariedade comum e contagiante. É certo que a problemática que gira em torno desse estudo é saber, em que medida o trabalhador brasileiro será afetado pelas consequências resultantes de uma pandemia mundial, a qual trouxe novas conotações reais e subjetivas para a vida dos que labutam na sublime seara pela sobrevivência diária em setores que foram obrigados a diminuir e, em muitos casos, fechar suas

282 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA portas em prol do isolamento social. A metodologia para cons‐ trução do texto é uma revisão de literatura, com análise qualita‐ tiva, descritiva, como bem decorre da pesquisa bibliográfica. Em sede de conclusão, resta entender que, os prejuízos resultantes das consequências fáticas do novo coronavírus, acabarão anteci‐ pando o cenário de desolamento e prejuízos, frutos da Reforma Trabalhista, a qual subjugou a capacidade do trabalhador, fazendo com que se instale um comodismo ou até conformismo, no sentido de aceitar passivamente as perdas de direito, conside‐ rando-as insignificantes em comparação com a demissão e desli‐ gamento da empresa. O trabalhador prefere ser explorado do que ficar desempregado, ficando alienado, perdendo sua consciência de classe. E dessa forma ele terá que literalmente pagará a conta, de todo resultado imposto pelo sistema financeiro abusivo, fruto de um governo autoritário, inconsequente e sem nenhuma preo‐ cupação com a estabilidade dos que constroem o conjunto de obreiros que respaldam a sobrevivência diária de inúmeras famí‐ lias deste país. Palavras-Chave: Trabalho. Precarização. Pandemia. Covid-19. PRECARIOUS EMPLOYMENT RELATIONS POST COVID-19 ABSTRACT The present text aims to reflect on the social context marked by the Covid-19 pandemic, as a disease that brought a state of fragi‐ lity to labor relations, with future repercussions on the lives of workers, who will be the main affected by socioeconomic conjec‐ tures now in force. The choice of the theme is due to its relevance in terms of being an anguish that plagues all subjects involved in combating the exploitation and precariousness of labor relations, it is a sham to think that the current pandemic can transform the

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO P… 283 spirit of capitalism, par excellence, suddenly realizing a common and contagious solidarity. It is true that the problem surrounding this study is to know, to what extent the Brazilian worker will be affected by the consequences resulting from a worldwide pande‐ mic, which has brought new real and subjective connotations to the lives of those who work in the sublime field for daily survival in sectors that have been forced to decline and, in many cases, close their doors in favor of social isolation. The methodology for the construction of the text is a literature review, with quali‐ tative, descriptive analysis, as well as it follows from the biblio‐ graphic research. In conclusion, it remains to be understood that the losses resulting from the factual consequences of the new coronavirus, will end up anticipating the scenario of desolation and losses, fruits of the Labor Reform, which subjugated the capacity of the worker, causing him to install a commodity or even conformity, in the sense of passively accepting losses of rights, considering them insignificant in comparison with the dismissal and termination of the company. The worker prefers to be exploited than to be unemployed, becoming alienated, losing his class consciousness. And in this way he will have to literally pay the bill, for any result imposed by the abusive financial system, the result of an authoritarian government, inconsequen‐ tial and without any concern for the stability of those who build the group of workers that support the daily survival of countless families of this parents. Keywords: Work. Precariousness. Pandemic. Covid-19. INTRODUÇÃO É sabido que, as relações de trabalho possuem as características inerentes e reflexas do contexto social em que estão inseridas, demonstrando assim a valorização ou o ideal de trabalhador que

284 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA se configura, enquanto protagonista ou coadjuvante das relações de trabalho. E isso não seria diferente em tempos de pandemia, sendo um período excepcional, o qual impõem circunstâncias específicas para o trabalhador se adaptar. Dessa forma, o objetivo geral desse artigo é entender as relações de trabalho que emergem durante o período pandêmico, o qual trouxe um cenário catastrófico para a maioria dos indivíduos que laboram em espaços, que subitamente tiveram que se adequar ao novo normal. A pandemia veio antecipar algumas consequências da Reforma Trabalhista, tais como teletrabalho, o trabalho intermitente, ante‐ cipando de forma significativa as possibilidades mais imediatas de flexibilização e desregulamentação do trabalho. O trabalhador, em especial o brasileiro, nunca teve os seus direitos efetivamente resguardados e aplicados legalmente, pois ao longo da história, foi vítima de usurpação e degradação de sua condição. Mas, a partir da instalação de uma pandemia condicio‐ nada pela necessidade de isolamento social, qual seja, o Covid-19, com alto risco de contaminação, surpreendeu a população e realizou um estrago sobre medida na vida de quem sobrevivia de mercados como bares, turismo, shows, etc. Resta saber que esse texto tem a preocupação de tentar, dentro de suas possibilidades e limitações, demonstrar o panorama social presente, resultante de uma crise sanitária que declarou uma guerra contra um inimigo invisível, qual seja o coronavírus. Os reflexos da pandemia acentuaram ainda mais a precarização das relações de trabalho e confirmou um cenário caótico na vida dos trabalhadores uberizados (UCHÔA-DE-OLIVEIRA, 2020). Tais sujeitos foram fortemente prejudicados com a estagnação de suas atividades, que em larga escala foram suspensas, deixaram de exercer seus ofícios em favor das regras de distanciamento social.

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO P… 285 Para combater os infortúnios sofridos pelos cidadãos, o governo brasileiro promulgou a E.C. n° 106 de 7 de maio de 2020, que organiza um orçamento, caracterizado como “orçamento de guerra”, para distribuir materiais para hospitais, contratação de pessoal em regime especial e temporário, como também benefi‐ ciou cerca de 66,2 milhões de brasileiros com o auxílio emergen‐ cial, no valor de R$600,00 (seiscentos reais). (BRASIL, 2020). Com a instalação da pandemia do Covid-19 registou-se no Brasil uma redução de salário tendo como fundamento a suspensão do contrato de trabalho. O Brasil já tem 7,2 milhões de trabalhado‐ res com carteira assinada que tiverem o salário ou a jornada re‐ duzida devido à crise econômica provocada pela pandemia de covid-19. O número representa 21% dos traba‐ lhadores formais do país (RODRIGUES, 2020). As consequências nefastas para o trabalhador com a pandemia do covid-19 resultaram em um total de pelo menos 600 mil micro‐ empresas e pequenas empresas que foram levadas a fecharem as portas, o que ocasionou cerca de 9 milhões de funcionários demi‐ tidos em razão dos efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus (BROTERO, 2020). O empregado de bares, restaurantes, casas de shows, cantores, guia turísticos, dentre outros setores que lidam com circulação de pessoas, sofrem pela súbita necessidade de parar suas atividades e esperar em suas casas pelo retorno da normalidade, o que até então, torna-se inviável, sem uma vacina que controle e previna o crescimento do número de contaminados pelo coronavírus. É nesse sentido que este artigo traz a necessidade de reconhecer algumas nuances prejudiciais à vida do trabalhador e os reflexos nas relações de trabalho, demonstrando as consequências malé‐ ficas do momento pandêmico no qual estamos imersos.

286 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA RESULTADOS E DISCUSSÕES Precarização do trabalho em tempos de Pandemia Covid-9 É importante situar o contexto de pandemia como a proliferação em excesso de contágio de doença. Em fevereiro de 2020 o Brasil foi surpreendido com um surto pandêmico do denominado covid-19. Essa é uma doença respiratória aguda ocasionada pelo coronavírus da síndrome respiratória, sendo uma família de vírus que podem causar infeções nas pessoas. Normalmente estas infe‐ ções afetam o sistema respiratório, podendo ser semelhantes à gripe ou evoluir para uma doença mais grave, como pneumonia (SENHORAS, 2020). Destacando que em alguns casos as pessoas contaminadas são assintomáticas, isso faz com que o contato social daquelas pessoas com as demais, provoque o contágio, algumas doenças contagiosas apresentam um tempo de encubação maior, fazendo com que os hospedeiros propaguem a doença sem até mesmo saber que é portador da infecção (SENHORAS, 2020). Ao propormos uma reflexão acerca do momento presente se faz necessário entender que a vida em sociedade possui diversos âmbitos, os quais muitas vezes, estão entrelaçados. Dessa forma, compreender o cenário do trabalho é limitar ou recortar uma das múltiplas esferas de atuação humana, sendo que qualquer mudança brusca repercute de forma decisiva na vida das pessoas, pelo fato de ser do seu labor que o indivíduo retira o sustento e alimenta aspectos de sua subjetividade, como a autoestima e a alegria de se sentir útil (SORJ, 2000). Durante a pandemia milhares de trabalhadores tiveram que se adequar ao novo cenário de exigência de novas regras, seja com cumprimento de quarentena, ou isolamento social, sofrendo assim, uma queda em seus rendimentos. Mesmo com uma

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO P… 287 possível volta à realidade, definida como “novo normal”1 as rela‐ ções de trabalho ficarão desestabilizadas, sendo vítima da preca‐ rização, ou seja, fazendo com que o sujeito se subordine a qualquer condição para ser novamente inserido no mercado de trabalho. Com isso, a questão salarial é fator crucial na determi‐ nação de uma interação dos sujeitos em outros aspectos da socie‐ dade sejam, políticos ou culturais (SORJ, 2000). A instabilidade que terá consequências futuras chega a ser deno‐ minada de uberização do trabalho, já que confecciona novas formas de ser, de compartilhar emoções, de gerir prospecções futuras, no propósito de organizar e controlar o trabalho. Essa problemática assola tanto o Brasil, como o mundo inteiro (UCHÔA-DE-OLIVEIRA, 2020). Em linhas gerais é possível entender a uberização como apenas uma das faces dos reflexos tanto da reforma trabalhistas, como também após a pandemia do covid-19, que impôs tantas situações nefastas aos trabalhadores. Uma das principais características marcantes do trabalho em nosso país é a movimentação e circulação constante dos trabalha‐ dores pelas diversas partes, sejam periféricas ou centrais, ela é dinâmica e contínua. Essa pandemia obrigou aos trabalhadores a se limitarem aos seus lares e aguardarem uma solução para tal situação. E ainda mais se instala entre a sociedade, um senti‐ mento falso de harmonia, solidariedade entre as pessoas, restando o engodo de que, ao final desse caos social, sairemos mais coesos, unidos, o que sabemos que não é verdade, pois a desigualdade social é marca registrada de nosso território nacio‐ nal, uma questão histórica, que não seria mudada em poucos meses (PIZZINGA, 2020). De acordo com Uchôa-de-Oliveira (2020) é possível compre‐ ender a precarização do trabalho há algum tempo, tendo em vista que, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a mais

288 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA cidadã delas, propagou-se socialmente um sentimento baseado no laissez-faire, repassando erroneamente e enganosamente a noção de que os trabalhadores e patrões seriam indivíduos “livres” e “iguais” perante a Lei (UCHÔA-DE-OLIVEIRA, 2020). Sem saber qual posição tomar diante de uma crise sanitária ines‐ perada os trabalhadores brasileiros, que já sofriam com o roubo de sua subjetividade, que já vivenciavam a precarização das rela‐ ções de trabalho, também tiveram que lidar com a imposição de novas e variadas formas de criar trabalho, um dos exemplos são as lives (shows, palestras, conversas, ao vivo, transmitidas pela internet). Isso pode ser facilmente relacionado com a “uberização do trabalho” por vários autores ao redor do mundo. A partir daí foram criadas e instigadas, sob pressão inovadoras formas de prestação do trabalho, em prol de não parar com seu ofício. O mercado de trabalho requer pessoas com maior capacidade de reinserção, que domine técnicas e métodos tecnológicos, como vendas pelo mercado online, delivery entrega de produtos e merca‐ dorias nas casas dos consumidores), etc. (PIZZINGA, 2020). Com a realização do trabalho em casa, o home office, caracteriza o trabalhador como proletário da erra digital, pois se subordina aos preceitos de um teletrabalho como assevera Antunes (2018). Antunes (2018) apresenta a situação caótica vivenciada pelo trabalhador brasileiro no tocante ao aniquilamento das condições das relações trabalhistas. E a partir daí é que se pode vislumbrar um comparativo e até uma analogia no sentido de também reco‐ nhecer a situação dos trabalhadores tanto após a reforma traba‐ lhistas como também nesse momento de pandemia do covid-19. Nesse sentido, Antunes (2018) reflete sobre a pertinência de conceber a situação dos trabalhadores, como classe que sofre as imposições de um novo contexto marcado pela mediação do uso da tecnologia informacional, da internet. Isso são fatores histó‐

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO P… 289 ricos que hoje coloca os trabalhadores em situação análoga aos boias frias, dos empregados temporários e os que vivem na sombria situação de informalidade. Na verdade, algumas consequências desse contexto social no qual se emergem novas relações de trabalho serão visíveis no país através do aprofundamento de transformações pós reforma trabalhista e a intensificação do teletrabalho se consubstancia como evidência marcante. É interessante também destacar todas as configurações de trabalho pautadas pela realidade que ora nos é apresentada causa estresse, impaciência, rouba tempo de descanso dos mesmos, demonstra a fragilidade da economia ou gerencia‐ mento do tempo, não tem efeitos produtivos, gerando perturba‐ ções psicossociais e laborais (ANTUNES, 2003). O que supostamente pode ser visto como antecipação das consequên‐ cias nefastas da reforma trabalhista, marcadamente determinada pela flexibilização e desregulamentação das relações de trabalho. Os Aspectos Prejudiciais às relações de trabalho pós-Covid-19 É importante deixar claro que o trabalhador brasileiro ficará com o ônus dessa crise econômica financeira que paira atualmente no momento pandêmico do novo coronavírus. Vez ou outra se escuta um falso argumento de que a população ficará mais coesa e solícita após essa situação de crise sanitária. Mas fica claro que o indivíduo que foi surpreendido pelo novo modelo de trabalho instalado hodiernamente, sofrerá danos irreversíveis e pagará a conta de todo prejuízo atinente à economia. As perdas sofridas durante a crise pandêmica serão restabelecidas em condições dolorosas, tendo em vista a necessidade de uma reestruturação do capitalismo, o que consequentemente resultará

290 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA em exploração dos trabalhadores, enquanto parte mais fraca desse contexto social. Quando ocorrem momento de crise econômica em uma socie‐ dade, geralmente a saída mais usual, tem em seus pilares, uma contradição evidente, pelo fato de que os mais fragilizados arcarem com as consequências. No contexto das relações de trabalho ocorrem excessivas explorações, desumanas imposições de condições de trabalho, com supressão de salários e instabili‐ dade, no tocante ao contrato de trabalho temporal (MÉSZÁROS, 2009). A partir do instante em que os setores de serviços considerados essenciais houve uma implícita abertura de espaço para uma nova forma de organização, cujo impacto nas relações de trabalho e na economia mundial vem sendo amplamente documentado (UCHÔA-DE-OLIVEIRA, 2020) Pelo fato de precisar cumprir o isolamento, distanciamento social, o mercado de trabalho foi mediado e intensificado por aplicativos digitais, mídias de internet e é justamente por essa razão que, a uberização do trabalho na sociedade pós-pandemia será a tônica reinante. Isso tem estreita relação com a conecção via internet ofertada pelos prestadores de serviço a consumido‐ res, articulando os dados gerados por ambas as partes nesta inte‐ ração (PIZZINGA, 2020). Diante de tal cenário verifica-se, um novo tipo de efetivação da estrutura organizacional do trabalho, através de mediações inte‐ rativas das informações de tempos e movimentos dos trabalha‐ dores podem ser registradas pela criação e avanço das plataformas digitais, do mercado do e-comerce. Os consumidores estão sujeitos a uma nova forma de atrativos que inovam a maneira de compra e adquirir seus produtos, usufruindo de novas formas de lazer. É portanto, nesse sentido que a uberiza‐

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO P… 291 ção, transforma a relação de consumo em uma imposição a novas maneiras de trabalho, as quais os empregados devem e precisam se adaptar, sob pena de ficarem desempregados. Surge impositi‐ vamente, como meio de sobrevivência varidas maneiras de laborar em prol do seu sustento pessoal e familiar (UCHÔA-DE- OLIVEIRA). Isso posto, fica categoricamente comprovado que a partir de agora cresce e intensifica o fenômeno da a uberização do traba‐ lho, pois para não ficar desempregado, o trabalhador brasileiro aderiu a parcerias com empresas de aplicativo pela urgência de sobreviver ou de complementar suas rendas, cortadas em mais de da metade, pois os prejuízos foram significativos e não se limitam a épocas de covid-19, mesmo com a melhora desse quadro haverá precarização do trabalho, subordinação de trabalhadores e impo‐ sições de condições de trabalho desumanas e desafiadoras, estres‐ santes (UCHÔA-DE-OLIVEIRA, 2020). Dessa forma, a uberização das relações de trabalho se contextua‐ lizam na medida em que se verificam situações de fragilidade, informalidade e flexibilização do trabalho, deixando os trabalha‐ dores em situação de risco e vulnerabilidade social. E isso ocorre em todos os âmbitos, pois a mediação do trabalho por meio de recurso tecnológicos, Inteligência artificial, proporcionando autonomia no desempenho das tarefas e comodidade ao escolher a hora para exercer as atividades laborais (UCHÔA-DE- OLIVEIRA, 2020). Os trabalhadores sempre estão sujeitos a fragilidades que os prejudicam, trazendo desconforto e infortúnios ao seu contexto de vida. Acontece que na trama social, com a execução do seu ofício os obreiros, muitas vezes, nem percebem que estão sendo menosprezados, aviltados, eles não possuem uma consciência de sua condição trabalhista nas quais estão inseridos, e assim

292 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA produz-se uma alienação em relação ao resultado do trabalho (BIALAKOWSKY, 2006) Ao falar sobre os prejuízos do trabalho imposto pela pandemia do novo coronavírus, é importante atentar para o fato de que, todos os profissionais que têm o público como alvo de seu traba‐ lho, viu-se desnorteado em ter que sair do espaço físico e se amoldar a plataformas digitais. Os desafios hodiernos estão no enfrentamento de barreiras que, diuturnamente, estão somadas aos dilemas que são postos há tempos atrás, como por exemplo a aprovação da Reforma Trabalhista (LAPA, 2010) Não precisa dominar todas as técnicas e argumentos que assolam o contexto trabalhista atual para saber que após pandemia covid- 19 irá intensificar em grande medida a precarização do trabalho. Com a promulgação da Medida Provisória 936, de 1 de abril de 2020, algumas imposições legais em acordo com medidas sanitá‐ rias exigidas pela Organização Mundial de Saúde, facilitou e lega‐ lizou a redução da jornada de trabalho e, por conseguinte do salário, o que por si só já demonstra aspectos negativos para os trabalhadores, que se veem angustiados com tais surpresas. Ocorreu também a suspensão do contrato de trabalho por alguns meses, pois o isolamento social, distanciamento entre pessoas assim o exigia. Esses e tantos outros resultados terão reflexos após a pandemia (PIZZINGA, 2020). Em 2017 foi implementado no Brasil a nova reforma trabalhista, fruto de um contexto social marcado por adversidades e muitas polêmicas. Dessa forma, a relação de trabalho tomou uma nova configuração (FERRARI, 2017). As normas trabalhistas vigentes no Brasil concedem ao traba‐ lhador direitos e garantias que não podem ser suprimidos ou reduzidos. Nem mesmo a força de um negócio jurídico pode abalar esta conquista histórica.

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO P… 293 Não é recomendável de fato, tomar a crise econômica como alavanca para supressão de direitos, supondo que isto proporcio‐ naria o aumento de empregos. Todavia, não se pode negar a necessidade de revisão do modelo jurídico que temos seguido, tanto no âmbito individual como coletivo acompanhando as transformações do mundo do trabalho. Este é um compromisso de contínua adaptação e não deve tomar caráter de urgência apenas no enfretamento de dificuldades (FERRARI, 2017). O contrato de trabalho, hoje, apresenta-se como um verdadeiro contrato de adesão, no qual os trabalhadores devem aceitar os termos ali impostos mesmo que implique em perdas de garantias a ele devidas, pois o trabalho é fundamental para a subsistência do cidadão. Como consequência, os trabalhadores submetem-se a condições precárias estabelecidas pelos empregadores ou contra‐ tantes (FERRARI, 2017). Antes, durante o momento pandêmico o setor do turismo sofreu uma forte queda, ocasionado a consequente desvalorização do trabalhador, que está submetido a baixas remunerações e a rela‐ ções de trabalho precárias, tendo em vista que as viagens foram suspensas, canceladas, já que muitos países são epicentros do coronavírus. De forma geral os trabalhadores que laboram em espaços que demandam a aglomeração de pessoas, estão impedidos de exercer seus ofícios, de maneira plena, haja vista as novas normas de obediência geral, por ocasião do isolamento social, para evitar contágio do covid-19. E para adequação a essa nova realidade, são suprimidas as qualidades do trabalho, diminuído o total de trabalhadores em mesmo espaço e até supressão de apresentações e viagens (PIZZINGA, 2020). Diante tudo que já foi exposto fica a iminente necessidade de reafirmar que haverá a cooptação da subjetividade desses traba‐

294 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA lhadores (COSTA, 2008). Ou seja, haverá uma apropriação inde‐ vida da essência do indivíduo, que terá uma concepção enganosa de sua função no novo mercado de trabalho pós pandemia. O que houve na sociedade contemporânea foi tão intenso e tão marcante que atingirá o trabalhador de forma degradante e estrondosa, não se restringindo apenas ao aspecto subjetivo, mas ao âmbito financeiro, social, educativo, religioso, cultural. Com as empresas ou setores de serviços parados, os funcionários possuem uma falsa percepção de sua importância, se veem como peça-chave, indispensáveis e acabam romantizando a precari‐ zação do trabalho. É preciso entender que mesmo diante da inse‐ gurança e do medo de perder seus empregos, cada trabalhador deveria se colocar em estado de empatia, de alteridade e entender que os frutos negativos dessa pandemia repercutirão em suas vidas e trarão consequências ainda mais perversas. Isso culmina com os requisitos e marcas do precariado os quais trazem insegu‐ rança, subordinação e medo de perder o emprego, mesmo que este não garanta, de fato, sua subsistência. As condições insignes de contrato de trabalho, bem como e ausência de proteção contra a perda de vínculo, um salário desmotivante torna precária a condição de empregado no pós-pandemia (PEREIRA, 2020) O que fica entendido é que, com as adversidades da pandemia do novo coronavírus os trabalhadores tendem a se tornar ainda mais invisíveis e descartáveis o que se é um engodo pensar em coesão de relação trabalhista. A precarização do trabalho, a uberização, o roubo da subjetividade, serão tônicas reinantes no contexto pós covid-19. CONSIDERAÇÕES FINAIS Realizar um estudo acerca do contexto pós pandemia covid-19 não é tarefa fácil, não se trata de apresentar respostas prontas,

PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO P… 295 conclusivas, até porque a complexidade do tema não permite. O que se objetiva é tentar desvelar o real sentido da precarização do trabalho mediante novas formas impositivas de realização da prática laboral pelos obreiros que foram surpreendidos com as demandas de um momento pandêmico, o qual os atingiu de forma gigantesca e negativa. Acredito que o posicionamento dos que militam em favor da classe trabalhista é tentar entender o atual contexto, marcado por dúvidas, inseguranças e incertezas. É interessante admitir que as consequências da pandemia, afeta todos os âmbitos nos quais transitam os indivíduos que não possuem uma condição confor‐ tável de permanecer em isolamento social, afastando-se do seu trabalho e esperando passivamente um resultado ou final feliz para tal circunstância. De fato, torna-se necessário ter cautela nas conclusões resul‐ tantes de premissas inerentes a positividade dos resultados dessa pandemia. É bem verdade que seria mais reconfortante aderir ao pensamento harmonioso de que sairemos mais fortes e unidos, com afeição ao próximo. Mas imbuídos pelos ideais reforma‐ dores e até mesmo sofridos com tantas evidências passadas, já se vislumbra prejuízos a serem quitados pelos trabalhadores. As medidas governamentais em prol do controle e prevenção do desemprego não são eficientes, também não garantem total segu‐ rança aos trabalhadores. As novas formas de oferta de produtos e execução do trabalho foram mudadas, o que impõe ao sujeito um amoldamento repentino ao que se define como novo normal. Não se pode cair ingenuamente na falácia de que tudo ficará bem, terminando de forma solidária e sem prejuízos à classe menos favorecidas. É totalmente equivocado projetar um futuro latente calcado em esperanças românticas e pacíficas, com otimismo solidário pós-COVID. Isso é o que vem sendo divulgado como

296 DIREITO DO TRABALHO DE EMERGÊNCIA forma de consolar e iludir aqueles que terão de trabalhar para reduzir os impactos na economia prejudicada pela pandemia. Sem sombra de dúvidas que essa pandemia causou uma desestru‐ turação na economia global, restringiu o poder de escolha, cons‐ trangeu os governantes, demonstrou a fragilidade na habilidade em governar de alguns líderes despreparados, mas, acima de tudo, acabou afetando os mais pobres. Os direitos trabalhistas que já não eram totalmente respeitados, acaba sendo aviltado pela maciça alta no desemprego de trabalha‐ dores que exercem atividades em setores fortemente afetados pela pandemia. Ocorre que isso se estenderá após esse momento pandêmico, onde se efetivará substancialmente a expropriação de direitos de massas crescentes de trabalhadores (FONTES, 2017). O que já ocorria no contexto trabalhista, que já vinha sendo apontado como aspectos limitadores da qualidade de vida dos trabalhadores, a exemplo do sequestro da subjetividade, precari‐ zação do trabalho, uberização, com certeza irá se fortalecer e ganhar ainda mais visibilidade. Resta saber que o mercado de trabalho não será mais o mesmo de antes, e cada vez mais ocorrerá cenas protagonizadas por mão- de-obra desqualificada, deficitárias remunerações, aumento excessivo das jornadas de trabalho, crescimento da informal‐ mente, etc. E o mais revoltante é que o trabalhador tende a normalizar, a se adequar e achar que possui um papel relevante na seara empregatícia. Isso é a herança do pós-covid-19. REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. O caráter polissêmico e multifacetado do mundo do trabalho. Trabalho, educação e saúde, v. 1, n. 2, p. 229-237, 2003.

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