ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Doutorado. Rio de Janeiro/2015.Disponível em: http://www2. dbd.puc-rio. Br/pergamum /tesesabertas/1111921_2015_completo.pdf. Acesso em: 20/11/2017. SANTOS, Thaís Calixto dos. Diversidade e representação: os(as) quilombolas no ensino superior. X COPENE (Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros), (Re) Existência intelectual negra e ancestral 18 anos de enfretamento – 12 à 17 de outubro 2018/Uberlandia-MG. Disponívelem:https://www.copene2018.eventos.dype.com.br/res ources/anais/8/1538350556_ARQUIVO_TrabalhoCompletoXCOPENE-2018.pdf.12. acesso em: 05/03/2020. 2798
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A CONTRARREFORMA DO ESTADO E A EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: impactos para a política de assistência estudantil THE STATE CONTRARREFORM AND THE EXPANSION OF HIGHER EDUCATION IN BRAZIL: impacts on student assistance policy Luana dos Santos Nogueira1 RESUMO O presente artigo, resulta de um estudo bibliográfico o qual reflete sobre o processo de expansão e de “democratização” do ensino superior brasileiro intensificado a partir da década de 1990, bem como debate sobre os impactos desse movimento para a política de Assistência Estudantil a partir da regulamentação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) por meio do Decreto nº 7.234/2010, considerando que esse processo de reformas foi direcionado pela adoção de medidas neoliberais como estratégia de enfrentamento da crise do capital e de inserção no mercado mundial. Neste sentido, verifica-se que a contrarreforma neoliberal conduzida pelo Estado implicou alguns limites na materialização do PNAES, moldando-se de acordo com os interesses do capital, em contraposição a uma perspectiva universalizante. Palavras-Chaves: Expansão do Ensino Superior. Democratização. Contrarreforma Neoliberal e Assistência Estudantil. ABSTRACT This article is the result of a bibliographic study which reflects the process of expansion and “democratization” of Brazilian higher education, intensified since the 1990s, as well as a debate on the impacts of this movement on the policies that regulates Student Assistance Programs from the regulation of the National Student Assistance Program (PNAES) through Act Nº. 7.234/2010, considering that this reform process was guided by the adoption of a neoliberal 1 Assistente Social da Universidade Federal Rural do Semi-árido do Campus Pau dos Ferros. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), graduada em Serviço Social pela UERN. E-mail: [email protected]. 2799
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI agenda as a strategy to face the capital crisis and to enter the global market. In this sense, it appears that the neoliberal counter-reform conducted by the State, implied some limits in the materialization of the PNAES, molding itself accordingly to the interests of capital, opposed to a universalizing perspective. Keywords: Expansion of Higher Education. Democratization. Neoliberal Counter-Reform and Student Assistance. INTRODUÇÃO Este artigo sintetiza o debate sobre o processo de expansão e de “democratização” do Ensino Superior no Brasil e o viés assumido pelo Estado na configuração desta política, principalmente a partir dos anos 1990 onde se deu início mais efetivamente a um pacote de “reformas” neoliberais que modificou significativamente o cenário da educação superior no Brasil. Diante desse contexto este artigo também busca refletir sobre os rebatimentos desta conjuntura para a política de assistência estudantil operacionalizada nas IFES brasileiras voltada para o atendimento à necessidade de garantir condições de permanência aos estudantes que se encontram em baixa condição socioeconômica. Pautamos nosso debate no reconhecimento da educação como direito social e um instrumento fundamental para o processo de formação humana e para o desenvolvimento da sociedade. A partir de uma percepção mais ampla corroboramos com Mészáros a compreensão de que “os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes estão intimamente ligados” (2008, p. 25). Assim, entendemos que não se pode analisar a educação de forma isolada, alheia ao movimento da sociedade, pois ao contrário, as relações sociais na qual se insere atravessam e conformam sua estrutura. No contexto econômico e social que estamos vivenciando, a educação, enquanto política pública, responde nitidamente aos interesses econômicos por meio da qualificação da mão de obra necessária para reprodução do capital. Contudo, sua contribuição também abrange uma dimensão política, cultural e ideológica a partir da difusão de discursos e padrões de comportamento compatíveis com a manutenção do sistema produtivo vigente e assim, se constitui “uma das práticas sociais mais 2800
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI amplamente disseminadas de internalização dos valores hegemônicos na sociedade capitalista” (ALMEIDA, 2011, p. 12). Contudo, concebemos que a política de educação “[...] resulta de formas historicamente determinadas de enfrentamento das contradições que particularizam a sociedade capitalista pelas classes sociais e pelo Estado, conformam ações institucionalizadas em resposta ao acirramento da questão social” (CFESS, 2014, p.19), ou seja, ela expressa um espaço de disputa de interesse e de projetos distintos de educação, bem como em processos antagônicos de negação e reconhecimento de direitos sociais. Neste sentindo, se materializa em uma estratégia de intervenção estatal para assegurar as condições necessárias à sua reprodução, mas também manifesta a luta política da classe trabalhadora. A partir desses pressupostos, por meio de um levantamento bibliográfico, este artigo inicialmente discute o processo expansionista e de “democratização” do ensino superior brasileiro que conviveu ambiguamente com o reconhecimento da educação enquanto direito social e contraditoriamente se dá uma ampla abertura para o mercado privado e introdução de medidas mercantis na educação superior, causando a dualidade entre o direito e a mercadoria na concepção da educação. Posterior a esses apontamentos debatemos sobre a política de assistência estudantil, partir da sua regulamentação através do Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010 onde foi institucionalizado o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), afim de problematizar os aspectos que o processo expansionista e de contrarreforma neoliberal do Estado na condução das políticas educacionais impactaram a política de assistência estudantil operacionalizadas nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) brasileiras. 2 A EXPANSÃO E A “DEMOCRATIZAÇÃO” DO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: direito x mercadoria O processo de redemocratização que o Brasil atravessou, marcado pela atuação de movimentos da classe trabalhadora em defesa dos direitos sociais, representou um avanço social e político para a sociedade, tendo como marca para história política do país o reconhecimento dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988. Na Carta 2801
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Magna um dos princípios basilares da educação é “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (Art. 206) e no artigo 207 prevê que “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Estas previsões legais traduz uma conquista histórica dos movimentos sociais da educação na busca por uma universidade mais democrática, autônoma e com liberdade acadêmica. Entretanto, de acordo com Minto (2006) os avanços introduzidos na CF de 1988 apesar de ter sua relevância, não significou grandes mudanças na realidade, contudo foram mudanças meramente formais, pois logo ficaria muito evidente o caminho que as políticas sociais, dentre elas a educação, seriam direcionadas “ [...] de ampla liberdade de mercado que instituiu cortes dos gastos sociais do Estado, desregulamentações, flexibilizações/ precarização no mundo do trabalho – com destaque para a onda de privatizações dos serviços públicos” (NASCIMENTO, 2013, p. 45). Segundo Kolwaski (2012) a materialização das garantias sociais da CF de 1988 é marcada por retrações e movimentos políticos de desmantelamento e considera que Essas grandes ondas de transformações e as contradições da transição democrática do Brasil depois da ditadura militar criam condições políticas, econômicas e intelectuais para a projeção da “reforma”. Essencialmente ela provoca a retração na esfera dos direitos, rebate no mundo do trabalho e na direção sociopolítica, delimitando-se um modelo de Estado em consonância com as determinações do Consenso de Washington, o que cria condições para a consolidação do Estado neoliberal (KOLWASKI, 2012, p. 45). A esse processo “reformista”, identificamos como contrarreformista parafraseando Behring e Boschetti (2009) ou também identificado como contrarrevolucionário, conforme Lima (2019), tendo em vista que as medidas conduzidas pelo Estado neoliberal significam uma redução do seu papel no campo social e regressiva perdas das garantias constitucionais. São medidas orientadas para o mercado em detrimento aos direitos sociais conquistados na Constituição Federal de 1988, sobretudo com prejuízos para as políticas sociais, já que o fundo público é prioritariamente destinado para o pagamento da dívida pública e em contrapartida há o enxugamento com gastos sociais. Segundo Nascimento (2013), esse processo redefiniu e refuncionalizou a educação de acordo com os interesses dominantes, evidenciando a fragilização ou a ruptura do princípio da educação pública como direito do cidadão e dever do Estado, 2802
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sendo paulatinamente direcionada para a esfera privada a responsabilidade da oferta da educação superior, ampliando o atendimento de serviços educacionais privados de cunho mercadológico (ALMEIDA, 2019). Nesse sentido, a educação superior sob o discurso da eficiência e da produtividade, é pensada sob um caráter econômico e operacional, voltada para atender ao mercado capitalista que demanda mão de obra qualificada, porém com uma formação mais acelerada que prepara o indivíduo para ser um trabalhador apto a atender as necessidades de reprodução do capital. A tentativa de consolidação de um modelo de universidade operacional no Brasil, está sendo viabilizada pelo acirramento da lógica privatizante, e produtivista na orientação dos processos de ensino, pesquisa e extensão universitária. O ataque à autonomia universitária, traduz-se na estagnação/redução do orçamento das IFES e na precarização do trabalho docente. Estes processos refletem o caráter conservador das medidas em curso, no sentido da restauração da universidade para legitimação da ordem social do capital. (NASCIMENTO, 2013, p.93). Na educação superior brasileira a contrarreforma universitária neoliberal foi implementada desde o governo Collor de Melo (1990-1992), acelerada no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002); intensificada no governo de Luiz Inácio Lula Silva e Dilma Roussef (2003-2016) e aprofundada e ampliada no governo Michel Temer (2016-2018). A partir desse último até os dias atuais se verifica, uma orientação “conduzida pelas frações mais agressivas e ultraconservadoras da burguesia em sua luta ágil, intensa e direta em defesa de seus interesses econômicos e políticos” (LIMA, 2019). No governo de Cardoso, a direção neoliberal é muito clara. Segundo Lima e Pereira (2009) este governo apresentou uma concepção de universidade restrita a partir da destituição da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Também há o incentivo à privatização interna das instituições públicas, o aumento do número de Instituições de Ensino Superior (IES) privadas e da isenção fiscal para os empresários desse ramo, bem como acentua-se a precarização das condições de trabalho e de salário, a partir do estímulo à lógica produtivista e da competição pelas verbas dos órgãos de fomento. Essas medidas respondem às determinações dos organismos do grande capital para os países de capitalismo dependente, como o Banco Mundial (NASCIMENTO, 2013; ALMEIDA, 2019; MINTO,2006; KOLWASKI, 2012). Este organismo identifica a educação como um bem de natureza privada, antes de público. Suas orientações para a educação superior em países em desenvolvimento 2803
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI como o Brasil enfatizam a necessidade da adoção de princípios e práticas mercantis, tais como a ampliação de matrículas em instituições privadas e a adoção de mecanismos empresariais para a esfera pública, como por exemplo a cobrança de taxas e mensalidades. Ele também enfatiza o papel fundamental da educação superior para o desenvolvimento econômico e social dos países em desenvolvimento, ressaltando o papel da educação como estratégia de redução da pobreza (ALMEIDA, 2019). Neste sentido, a educação é uma estratégia para acumulação e legitimação do capital direcionada para atuar na minimização das desigualdades sociais. Essas recomendações possibilitariam a concretização de três princípios centrais da contrarreforma neoliberal: a redução de investimento público na educação superior, para aprofundar o ajuste fiscal dos Estados e garantir o pagamento de suas dívidas; a ampliação do espaço do mercado educacional para responder às demandas expansionistas do próprio capital e a aproximação da educação superior aos interesses pragmáticos do capitalismo (ALMEIDA, 2019, p. 51). No processo de contrarreforma universitária, sob o viés de governo social- liberalismo ou novo-desenvolmentista (NASCIMENTO, 2013) adotados durante o Governo Lula , os programas de expansão da educação superior foram uma continuidade das tendências adotadas durante o governo Cardoso e se caracterizou como uma nova fase do “milagre educacional” forjada de “democratização do acesso”, marcadas pela implementação de medidas neoliberais, que representaram o fortalecimento do “empresariamento” da educação (LIMA;PEREIRA,2009). A expansão no ensino superior no Governo Lula no setor privado se deu principalmente pelos seguintes programas ou políticas: ampliação do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI). Já no setor público se destacam o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), a Universidade Aberta do Brasil e o Sistema de Seleção Unificada (SISU). Se faz necessário ainda mencionar outras medidas adotadas no governo Lula que dão continuidade a lógica de mercado nas IFES foi o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) que possui lógica produtivista e meritocrática; a Lei de inovação tecnológica que evidencia uma aproximação entre conhecimento/mercado, universidade/setor privado; a Lei nº 11.079/2004 que autoriza o governo federal contratar parcerias público-privadas, entre outras (ANDRADE; SANTOS; CAVAIGNAC, 2016). 2804
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Em suma, essas medidas que estruturaram as ações expansionistas do ensino superior no processo de contrarreforma no governo Lula estão baseadas em quatro nucleações básicas: O fortalecimento do empresariamento da educação superior; 2) a implementação das parcerias público- privadas/PPP na educação superior; 3) a operacionalização dos contratos de gestão, eixos condutores da contra- reforma do Estado brasileiro, de Bresser-Cardoso a Paulo Bernardo-Lula e; 4) a garantia da coesão social em torno das reformas estruturais realizadas pelo governo federal em absoluta consonância com as políticas dos organismos internacionais do capital (LIMA; PEREIRA, 2009, p. 38). Sobre a quarta nucleação apontada pelas autoras, destaco uma singularidade do governo Lula pois, concomitante as medidas privatistas e mercadológicas nas IFES públicas, o governo também iniciou um processo de ampliação das IFES, com a interiorização e maior investimento nas políticas de acesso e inclusão na educação, principalmente com a implementação do REUNI. Essas medidas representam, sem dúvidas, respostas as reivindicações dos movimentos sociais da educação pela ampliação de acesso dos estudantes das classes mais populares, ainda que atendendo as reivindicações apenas parcialmente (ALMEIDA, 2019). Entretanto, também compreendemos que as medidas populares adotadas pelo governo Lula possuíram paralelamente a função estratégica do governo para alcançar a conformação social para as medidas neoliberais que conduzia e exercendo a função na difusão da hegemonia. Segundo Lima (2019, p. 517), “um processo contrarrevolucionário conduzido pela política de coalizão de classes”. O governo Dilma foi uma continuidade do governo Lula, no entanto evidencia-se a introdução do sistema de cotas que prevê 50% das vagas reservadas para estudantes com renda familiar de até 1,5 salários mínimos que cursaram ensino médio em escolas públicas, negros, pardos ou indígenas. Essa medida possui suma importância na proposta de democratização do ensino superior diante das desigualdades sociais históricas do Brasil. Nesse período também se ampliou o processo de diversificação das IES, de instituições privadas e do ensino à distância (LIMA, 2019). No governo Michel Temer se intensifica o processo de ajuste fiscal do Estado. No governo Temer o eixo condutor da contrarreforma da Educação Superior se fundamenta pelo tripé do ajuste fiscal direcionado ao “pagamento dos juros e amortizações da dívida 2805
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI pública; diminuição da alocação da verba pública para o financiamento das políticas públicas e fortalecimento do setor privado via fundo público” (LIMA, 2019, p. 520). Uma das medidas mais duras para as políticas sociais, incluindo a educação superior, foi a EC 95 /2016 que institui o novo regime fiscal, limitando os gastos públicos por vinte anos por meio do congelamento dos investimentos públicos nas políticas públicas. Essa normativa elimina a vinculação das despesas com saúde e educação aos percentuais da receita líquida da União e passa a ser considerado o orçamento do ano de 2017 como base para os investimentos dos vinte exercícios seguintes. Essa política se traduz em progressiva perda orçamentária das universidades que já vinha em déficit, bem como implica na estagnação dos reajustes salariais de funcionários públicos e na realização de concursos públicos, ou seja, conduz para um processo de precarização das IFES brasileiras (LIMA, 2019). O Estado brasileiro historicamente tem se posicionado na direção de uma educação voltada para atender aos interesses do capital, que evidencia uma perspectiva econômica da educação, vista enquanto mercadoria e bem privado em dentrimento da perspectiva de direito social e bem público, o que favoreceu ao processo de mercantilização da educação superior nas últimas décadas. As medidas de restrição dos gastos do fundo público na educação superior pública e ampliação de programas sob viés do mercado têm sido tomadas estrategicamente como forma de recuperação do capital e para o aumento dos seus lucros. Assim, “as propostas de universalização e democratização da educação são reordenadas de acordo com as atuais necessidades de reprodução do capital” (ALMEIDA, 2019, p.74). Avalia-se que o Estado adotou uma concepção limitada de democratização da educação, focada principalmente na ampliação de vagas e matrículas (majoritariamente no setor privado) e na inclusão social de estudantes em situação de desigualdade social devido pobreza, raça-etnia, gênero, entre outros. No entanto, a “democratização” não se limita a esses aspectos, apesar de serem relevantes, mas abrange também a garantia de condições adequadas de permanência. Em decorrência desse novo panorama social universitário que passou a refletir no seu cotidiano os conflitos sociais inerentes a sociedade capitalista, principalmente a partir dos anos 2000, se ampliou o debate sobre a necessidade de criar políticas que provessem a manutenção desses estudantes de baixa condição socioeconômica, por 2806
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI meio da assistência estudantil. Porém, nesse limiar do processo de “democratização” executadas por programas como o REUNI a “assistência estudantil é incorporada na agenda de ‘reformas’ do governo federal”. (NASCIMENTO, 2013, p. 14, grifos no original). Neste sentido, iremos abordar no próximo item os rebatimentos que esse processo contrarreformista teve sobre o PNAES. 3 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: reflexões para o debate crítico A assistência estudantil surgiu como uma das principais diretrizes do REUNI e suas ações foram formalizadas, em âmbito federal, a partir da institucionalização do PNAES, regulamentado pelo Decreto Presidencial Nº 7.234, de 19 de julho de 2010. O programa tem por finalidade “ampliar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal” (BRASIL, 2010, p. 01) através da democratização das condições de permanência dos (as) estudantes, visando a minimização dos efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão do ensino superior; redução dos índices de retenção e evasão, bem como contribuir para a promoção da inclusão social pela educação. Neste sentido, a assistência estudantil executa ações de cunho assistencial direcionadas para o atendimento às condições necessárias para a permanência dos seus estudantes (NASCIMENTO, 2012). Segundo Brasil (2010), o programa se dirige prioritariamente ao atendimento aos estudantes com renda familiar per capita de até 1,5 salários mínimos ou oriundos de escolas públicas. As ações de assistência estudantil deverão ser desenvolvidas nas áreas da moradia estudantil; alimentação; transporte; atenção à saúde; inclusão digital; cultura; esporte; creche; apoio pedagógico; e acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação. A formalização do PNAES é, sem dúvidas, um importante instrumento de legitimação de parte das reivindicações do movimento sociais da educação por serviços de assistência estudantil e se configura uma conquista que possibilitou maiores condições de permanência na universidade para um grande contingente da classe trabalhadora. A partir do PNAES a assistência estudantil é reconhecida enquanto direito social e conduz para um processo de ampliação e maior sistematização das ações que 2807
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI antes ocorria de forma pontual e desarticula nas IFES. Desde então passou a ser objeto de orçamento específico e de serviço obrigatório das IFES (ANDRADE; SANTOS; CAVAIGNAC, 2016). No entanto, o processo de “democratização” não ocorreu de forma articulada e simultânea entre as medidas de ampliação de acesso e as políticas de permanência. Esse processo foi desigual, pois houve um enfoque na ampliação do acesso e posteriormente é que se amplia os serviços de assistência estudantil. Apesar disso, essas medidas têm se mostrado insuficiente para atender a demanda decorrente das políticas de ingresso. Ao contrário do que previa o REUNI “a infraestrutura das universidades, a contratação de recursos humanos e a adoção efetiva de ações de assistência estudantil não tiveram o mesmo ritmo de expansão das políticas de ingresso no ensino superior público” (ANDRADE; SANTOS E CAVAIGNAC, 2016, p.37). De acordo com o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE, 2018) foi identificado um exponencial crescimento do público- alvo do PNAES, o percentual de estudantes pertencentes a famílias com renda mensal per capita “Até 1 e meio SM” saltou de 44,3%, em 1996, para 66,2% em 2014, alcançando 70,2% em 2018, o maior patamar da série histórica. Em contrapartida, os recursos não acompanharam esse crescimento pois, os recursos do PNAES que desde 2008 estavam sendo ascendentes, em 2017 decresceu 4,1% em relação ao ano anterior, ou seja, os recursos insuficientes quando comparado à demanda existente. Uma das consequências dessa condição é que uma grande quantidade de estudantes, mesmo possuindo os critérios de elegibilidade do programa, não conseguem ou enfrentam dificuldades para ter acesso aos seus serviços e/ou benefícios, seja por insuficiência de recursos financeiro ou de profissionais diante da demanda assoberbada. A vinculação única do PNAES ao REUNI impõe alguns limites, pois neste viés, a assistência estudantil é elaborada no limiar desse programa desconsiderando as bases históricas de lutas dos movimentos da classe trabalhadora em defesa de projetos educacionais emancipatórios. Sob a luz do REUNI, a assistência estudantil também incorpora as metas e lógica produtivista diante das pressões de rentabilidade exercidas pelos organismos internacionais ao qual a educação brasileira está submetida (NASCIMENTO, 2013). 2808
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Essa lógica impõe alguns entraves na execução da política dentro das instituições de ensino como: a imposição de condicionalidades para a concessão do benefício mediante o aumento ou mais rigor na exigência de contrapartidas aos (as) alunos (as) através da obrigação de um bom desempenho acadêmico e/ou de prestação de serviços à universidade. Desse modo, o direito sob a condição da contrapartida segue a lógica do cidadão consumidor “o qual necessita ‘dar’ algo em troca como meio de garantir um direito assegurado por lei, o qual está em desacordo com a concepção universalista de direitos” (KOWALSKI, 2012, p. 152, grifos do original). Outra tendência é a bolsificação para atendimento às necessidades sociais a partir de uma concepção reduzida às necessidades de sobrevivência, em detrimento de uma perspectiva de assistência ampliada mediante a compreensão crítica das reais necessidades estudantis, nos aspectos materiais e imateriais, a partir da condição e realidade social na qual estão inseridos, que extrapola a dimensão meramente biológica (NASCIMENTO, 2012). Nesses moldes, a assistência estudantil tem se caracterizado uma política restritiva, burocratizada, focalizada e imediatista, que remetem ao caráter assistencialista de enfrentamento da pobreza em detrimento à lógica do direito universal, ou seja, funcional ao projeto contrarreformista em curso. Sob essa perspectiva, os usuários, sujeitos de direito, são reduzidos a beneficiários que “receberão os serviços e benefícios sob a forma de políticas sociais e/ou programas compensatório, paliativos e/ou auxílios temporários, emergenciais, focalizados” (PASTORINI, 2004, p.93). Segundo Nascimento (2012, p. 151), a Assistência Estudantil “reduzida a benefícios focalizados, emergenciais, destinados a um público específico, é fruto da forma como se configurou o assistencial, no Brasil, nos limites da formação social do país”. Lima (2019, p.518) corrobora ao afirmar que “a defesa da política de ajuste fiscal para garantia do pagamento da dívida pública e de congelamento no financiamento público das políticas públicas é associada à defesa de focalização das políticas sociais para atendimento dos mais pobres “ Neste sentido, o projeto de assistência estudantil oferecido pelo Estado representa um processo contraditório que provocou mudanças essenciais no formato e no conteúdo da política, sendo verificada a significativa expansão da assistência estudantil nos aspectos legais e no alcance quantitativo e, ao mesmo tempo, a 2809
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI “reconfiguração regressiva de seu histórico conteúdo político e pedagógico” (NASCIMENTO, 2018, p. 369). Assim, diante da materialização da assistência estudantil pode-se concluir que o objeto de luta do Movimento Estudantil foi apropriado pela burguesia moldando-o para atender aos interesses do capital compatíveis com a proposta de conformação social e apresenta muitos desafios na sua materialização (NASCIMENTO, 2013). 4 CONCLUSÃO A análise bibliográfica apresentada evidencia que sob a ideologia neoliberal, o processo de expansão e “democratização” do Ensino Superior no Brasil se deu dentro do decurso da contrarreforma do Estado que direcionou o ensino superior e a política de assistência estudantil para um movimento de subsunção do direito a educação e a permanência à lógica do mercado, produtivista e privatista. No que tange a política de Assistência Estudantil, as tendências incorporadas pelo Estado comprometem significativamente o impacto das ações desta política na garantia das condições de permanência adequadas e na minimização das desigualdades sociais no contexto da universidade, pois reflete uma perspectiva restrita aos limites do capital, sendo manifestada através da focalização e seletividade, em detrimento a uma perspectiva universal. Desse modo, percebemos que o ensino superior e a assistência estudantil nos moldes que se regulamenta atualmente, está imerso em uma relação contraditória, por um lado possibilita a garantia do direito e contraditoriamente, também atende às necessidades capitalistas. São processos conforme observados por Behring e Boschetti (2009, p. 195) sobre a apreensão contraditória das políticas sociais, que “pode possuir tanto um caráter de espaço de concretização de direitos dos trabalhadores, quanto ser funcional à acumulação do capital e à manutenção do status vigente”. Essa característica não diminui o “valor” das conquistas para o conjunto dos estudantes, apenas nos faz enxerga-lo criticamente e evidencia a necessidade de aprofundar o debate sobre ampliação das ações de acesso e permanência no ensino superior, buscando a superação desses limites, a partir de uma perspectiva universal e em defesa da educação pública, gratuita, de qualidade e democrática. 2810
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS ALMEIDA, Mônica Rafaela de. A Assistência Estudantil como estratégia de combate à evasão e retenção nas Universidades Federais: um recorte do semiárido potiguar. 2019. 231 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. Apontamentos sobre a Política de Educação no Brasil hoje e a inserção dos/as assistentes sociais. In: CFESS. Subsídios para o debate sobre Serviço Social na Educação. Brasília: CFESS, 2011. Disponível em: http://cfess.org.br/arquivos/subsidios-servico-social-na-educacao.pdf. Acesso em: 25 abr. 2020. ANDRADE, Francisca Rejane Bezerra; SANTOS, Geórgia Patrícia Guimarães dos; CAVAIGNAC, Mônica Duarte. Ingresso e Permanência no Ensino Superior: A assistência Estudantil em debate. In: Educação em debate: reflexões sobre o ensino superior, educação profissional e assistência estudantil. Fortaleza: Eduece, Imprece, 2016. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2009. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 out. 2019. BRASIL. Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Brasília-DF: Presidência da República, 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm. Acesso em: 25 out. 2019. BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil. Brasília –DF: Presidência da República, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7234.htm. Acesso: 27 out. 2019. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Subsídios para a Atuação de Assistentes Sociais na Política de Educação. Série Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Sociais. Brasília: CFESS, 2014. KOWALSKI, Aline Viero. Os (des) caminhos da política de assistência estudantil e o desafio na garantia de direitos. 2012. 179 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. Disponível em: 2811
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI http://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/5137/1/000438212- Texto%2bCompleto-0.pdf. Acesso em: 15 nov 2019 LIMA, Kátia R. de S. Educação superior em tempos de ajustes neoliberais e regressão de direitos. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 513-524, set./dez, 2019 disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-02592019v22n3p525. Acesso em: 15 abr. 2020 LIMA, Kátia; PEREIRA, Larissa. Contra-reforma na educação superior brasileira: impactos na formação profissional em Serviço Social. Revista Sociedade em Debate, Pelotas, n. 15, v. 1, p. 31-50, jan.-jun./2009. http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/358/315. Acesso em: 20 out. 2019 MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2008. MINTO. Lalo Watanabe. As reformas do Ensino Superior no Brasil: o público e o privado em questão. Campinas: Autores associados, 2006. NASCIMENTO, Clara M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FONAPRACE. Revista Comemorativa 25 anos do Fonaprace: histórias, memórias e múltiplos olhares. Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (org.). Coordenação, Andifes. UFU, PROEX: 2012, p. 147 à 157. NASCIMENTO, Clara M. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. 2013. 157 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Pós-Graduação em Serviço Social, Universidade Federal do Pernambuco, Recife, 2013. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/11438/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o %20-%20Clara%20Martins%20do%20Nascimento.pdf. Acesso em: 10 out. 2019 NASCIMENTO, Clara M. O Serviço Social e a crítica da Assistência Estudantil consentida: tarefas teóricas. Temporalis. Brasília/DF, ano 18, n. 36, p. 365-378, jul./dez. 2018. Disponível em: http://periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/19733. Acesso em: 15 out. 2019 PASTORINI, Alejandra. A categoria “questão social” em debate. São Paulo: Cortez, 2004. (Coleções Questões da Nossa Época, 109) 2812
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS DAS AÇÕES E ESTRATÉGIAS DO GOVERNO FEDERAL PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA. INTRODUCTORY NOTES TO THE FEDERAL GOVERNMENT ACTIONS AND STRATEGIES FOR TRAINING BASIC EDUCATION TEACHERS. Katiucia e Silva 1 Lucimary Bernabé Pedrosa de Andrade 2 RESUMO A formação de professores tem sido apontada como um importante fator para a qualidade da educação o que exige do governo ações para garantia da formação inicial e continuada dos profissionais da educação. Desta forma, este artigo tem como objetivo discutir algumas das ações e estratégias que o governo federal estabelece no âmbito das políticas para formação de professores no país. A metodologia utilizada é por meio de levantamento bibliográfico, em obras de autores como Nóvoa e Imbernón, que discutem a questão da formação de professores e em documentos do Ministério da Educação, para uma identificação das ações no contexto de políticas públicas educacionais e contribuições para a qualidade da educação Palavras-Chaves: Políticas Públicas. Governo Federal. Formação de Professores. ABSTRACT Teacher training has been identified as an important factor for the quality of education, which requires government actions to guarantee the initial and continuing training of education professionals. Thus, this article aims to discuss some of the actions and strategies that the federal government establishes within the scope of policies for teacher training in the country. The methodology used is through bibliographic survey, in works by authors such as Nóvoa and Imbernón, which 1 Aluna do Programa de Pós-Graduação do curso de Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. E-mail: [email protected]. 2 Professora da Pós- Graduação do curso de Planejamento e Análise de Políticas Públicas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. E-mail: [email protected]. 2813
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI discuss the issue of teacher training and in documents from the Ministry of Education, for the identification of actions in the context of public educational policies and contributions to the quality of education. Keywords: Public Policy. Federal Government. Teacher Training INTRODUÇÃO A formação de professores, são ações inseridas no contexto de políticas públicas educacionais, e que ao longo dos últimos anos, vem ganhando visibilidade, devido a sua expectativa na contribuição da qualidade da educação. Com dimensões políticas, decorrente da construção de uma identidade e profissionalização docente, tornando-se relevante para uma educação eficiente para todos. Por este motivo é fundamental atenção a formação de professores, enquanto política pública, pois está representa as mudanças significativas não somente na prática pedagógica, mas no cenário educativo do país e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Atualmente há legislações que regulamentam a formação de professores inicial e contínua como políticas públicas, e estabelecem a assistência de qualidade nos serviços educacionais prestados, garantindo direitos fundamentais de cidadania. Destaca-se a Lei de Diretrizes e Bases (lei 9.394/96), como uma das mais importantes legislações de políticas educacionais, de forma estruturada, viabilizando uma educação democrática, em especial, com atenção aos aspectos essenciais que está possibilita. Um dos aspectos importantes da Lei 9.394/96, está em seus artigos, revela: Art. 61, considera profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, detalhado em seus incisos, trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia e suas habilitações, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim, profissionais graduados que tenham feito complementação pedagógica, conforme disposto pelo Conselho Nacional de Educação; e o Art. 62, determina que a formação de docentes da educação básica, será em curso de licenciatura plena, com formação 2814
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mínima para o exercício do magistério na educação infantil e séries iniciais. (BRASIL, 1996) Outro aspecto a ser considerado legislação e política educacional, e que está fundamentado nas diretrizes educacionais, são os profissionais da educação, em atenção a formação destes profissionais, que estabelece a formação em nível superior- graduação, licenciatura, que admita uma formação mínima para o exercício do magistério. Visto que, a formação de profissionais da educação, em especial os professores, são instrumentos de melhorias na educação, contribuindo para o desenvolvimento dos alunos, e garantia de sucesso na aprendizagem. A formação dos profissionais em educação, possui grande relevância em especial na construção da identidade deste profissional, diante dos novos cenários políticos, e da atual e complexa realidade brasileira. Os pressupostos das formações devem articular práticas educacionais, e profissionalização pautado na concepção de competência profissional. “O processo de formação deve dotar os professores de conhecimentos, habilidades e atitudes para desenvolver profissionais reflexivos ou investigadores” (IMBERNÓN, 2011, p.41) O Ministério da Educação (2019, p.3) por meio do seu Conselho Nacional de Educação, em sua versão atualizada, estabeleceu parecer que institui e definiu a Base Nacional Comum Curricular (2017), este documento aponta alguns dos esforços que o país realizou nas últimas décadas, no campo de políticas públicas, de formação de docente, nesse sentido, destaca-se a valorização do professor, e a necessidade de dialogar com o novo momento da educação básica do nosso país, o documento indica através dos seus incisos, as seguintes ações, destaca-se: (vi) Fóruns das Licenciaturas se constituíram como importantes espaços de debates nas 123 universidades para discutir políticas de expansão e projetos pedagógicos articulados para as licenciaturas. (vii)Rede Nacional de Formação Continuada foi criada em 2004, pelo MEC, visando a criação de uma maior organicidade entre os programas e os gestores responsáveis pelas políticas de formação continuada. (viii) Programas de apoio à formação docente foram instituídos, merecendo destaque o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), e o Programa de Consolidação das licenciaturas (Prodocência), além do apoio dado a cursos de segunda licenciatura e cursos experimentais destinados à formação de professores direcionados à educação do campo e indígena. (ix) Comissão Bicameral foi criada no âmbito do CNE: para tratar das normas e diretrizes para a formação de profissionais 2815
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI do magistério da educação básica. Entre 2012 e 2014, em particular, importantes debates e apresentações de estudos foram realizados, reunindo importantes subsídios 136 no âmbito das políticas e experiências internacionais para a formação de professores, que culminaram com a Resolução CNE/CP N o 137 02/2015. (BRASIL, 2019, p. 3). Em uma linha histórica, a formação de professores pode ser compreendida como um marco de reformulações políticas, sociais, e de relação de poder, e está estabelecido, que esta, será norteada pelas regras da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O principal objetivo da formação de professores ser norteada pela BNCC, pode ser descrito como orientação para uma linguagem comum sobre o que se espera da formação de professores. (BRASIL, 2018, p.1) Essa linguagem comum aponta para quais são os direitos de aprendizagem, competências e habilidades essenciais, o foco está na prática pedagógica, aproximando da sala de aula, desta forma, a formação deve proporcionar e valorizar a criatividade pedagógica. Os governos incentivarão a criatividade sobre a base de qualidade do método pedagógico, a contenção de orçamentos, a qualidade dos espaços e seu resultado formal, doméstico, amável e evidentemente sustentável. (JARAUTA e IMBERNON, 2018, p. 118). A formação de professores, é um ponto de atenção na educação, visto a grande oferta de curso em licenciatura, deste, o maior número é em cursos de pedagogia, o qual habilita profissionais para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. Assim, o presente estudo, por meio de levantamento bibliográfico em obras de autores que discutem a questão da formação de professores e em documentos do Ministério da Educação, busca-se uma identificação das ações no contexto de políticas públicas educacionais e contribuições para a qualidade da educação. 2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES O decreto no 8.752, de 9 maio de 2016, que dispõe a Política Nacional de Formação dos profissionais da Educação Básica, estabelece as iniciativas e os programas de formação implementados pelos Estados, pelo Distrito Federal e Municípios. A formação de professores, de certo modo é uma fatia de interesse na educação, tanto que estratégias e ações importantes são discutidas e implementadas há décadas, é o que evidencia Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica 2816
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (2007), podendo citar como exemplo dessa discussão, a ação em conjunto das secretarias dos estados e municípios, de acordo com as necessidades, e a criação de vagas de cursos de nível superior em universidades públicas. Destaca-se: Cursos regulares existentes de primeira licenciatura na modalidade presencial Atendimento às redes públicas de educação básica, com estímulo à destinação prioritária emergencial de vagas a professores em exercício. A ampliação programada de vagas de licenciatura nas Ifes poderá contar, no futuro, com apoio específico do programa Reuni. b) Cursos regulares existentes de primeira licenciatura na modalidade a distância Ampliação do atendimento pelo sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), com destinação de vagas a professores em exercício. c) Cursos especiais emergenciais de primeira licenciatura Atendimento de professores da rede pública mediante a oferta de cursos com financiamento especial para este programa pelo Ministério da Educação. (BRASIL, 2007, p. 8). Outra ação conjunta das secretarias dos Estados e Municípios, de acordo com o Plano Nacional de formação de Professores da Educação Básica (2007, p. 8), são cursos presenciais especiais de segunda licenciatura Planejados segundo a Resolução CNE/CP nº 1, de 11 de fevereiro de 2009, que estabelece diretrizes para a implantação do Programa Emergencial de Segunda Licenciatura, para professores em exercício na educação básica, esses cursos destinam-se a professores que atuem há pelo menos três anos em área distinta da sua formação básica na educação básica pública. Há ainda os cursos especiais de formação pedagógica. Vale destacar que, de acordo com Nóvoa (1999), a formação deve ser concebida como um processo crítico-reflexivo do saber docente, para isto, é necessária uma formação que possibilite um pensamento autônomo e responsável pelo seu próprio desenvolvimento, pautado em valores e compromisso éticos. É importante também associar a valorização ao magistério, especialmente no Brasil, onde pesquisas indicam que a maioria dos jovens não desejam a profissão docente. 3 AÇÕES E ESTRATÉGIAS DO GOVERNO FEDERAL PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES O Governo Federal evidencia suas as iniciativas em objetivamente habilitar os professores, em suas respectivas áreas, através da oferta de cursos de graduação, com o discurso de desenvolvimento de competências essências e comuns do ser professor, essas competências, tanto na formação inicial, quanto na continuada estão baseadas 2817
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI em três dimensões, conhecimento, prática e engajamento, a dimensão do conhecimento está relacionada ao domínio dos conteúdos; a prática refere-se a saber criar e gerir ambientes de aprendizagem; a terceira dimensão, engajamento, diz respeito ao comprometimento do professor com a aprendizagem e com a interação com os colegas de trabalho, as famílias e a comunidade escolar. (BRASIL, 2018, p.1). Essas iniciativas podem ser identificadas através dos seguintes programas, Formação no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (2012), ProInfantil (2005), Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Parfor (2009), Proinfo Integrado e e-Proinfo (1997), Pró-letramento, Rede Nacional de Formação Continuada de Professores. (BRASIL, 2018, p.1) A formação no pacto nacional pela alfabetização na idade certa, é um curso presencial para professores alfabetizadores da rede, de duração de 200 horas, e com oferta em universidades públicas. O curso tem por objetivo, contribuir com conhecimento e informações sobre a aprendizagem e alfabetização, bem como os acompanhamentos, processos, planejamento da aprendizagem e avaliação. O ProInfantil, é curso em nível médio, oferecido a profissionais da educação infantil, da rede pública e privada, que não possuem a formação atuar ainda com magistério. O Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Parfor, através do programa é oferecido curso de nível superior para professores em exercício da rede pública da educação básica, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB. De acordo com o Ministério da educação (data) o Proinfo Integrado, é uma formação orientada para o didático – pedagógico das tecnologias da informação e comunicação, dentro do contexto escolar, articulando a oferta de equipamentos e conteúdos multimídias e digitais; e o e-Proinfo, é apresentado como um ambiente virtual colaborativo de aprendizagem, que em síntese, é uma forma de apoio a distância com cursos, projeto de pesquisa e ao processo de ensino aprendizagem. Outro programa de formação continuada, é o Pró-letramento, com objetivo de melhorar a qualidade da aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental. 2818
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, criada em 2004, o programa tem por finalidade auxiliar na melhoria da formação de professores e alunos do sistema público de educação. Esses programas ajudam a entender a relação da educação e políticas públicas, na atualidade, um momento histórico, da atuação do governo federal frente a demanda educacional e social, por meio de suas características e foco, como o conhecimento pedagógico, formação, metodologias ativas. De acordo com o Conselho de Educação (2019), a contribuição e eficácia desses programas descritos acima, em seus respectivos focos são: o conhecimento pedagógico, tem garantido resultado na melhoria da prática educacional, em especial como ensinar conteúdos; oportunidade do professor praticar, refletir e dialogar sobre o processo, o uso de metodologias ativas, mostra melhorias também na prática docente, tornando os formadores ativos do processo, seu uso e manuseio desenvolve competências investigativas do professor; Esses conjuntos de estratégias e ações, retratam um dos maiores recursos que se dispõe para enfrentar o desenvolvimento de um país, porém é necessário lembrar que a formação deve promover além do desenvolvimento profissional do professor, a qualidade e melhoria na educação básica, mediante dados, indicadores da eficácia dos resultados desses programas. 4 CONCLUSÃO Observa-se iniciativas do Governo Federal, ao propor ações e estratégias, na tentativa de capacitação e valorização do profissional docente, neste trabalho enfatizado por meio dos cursos e programas. Mediante o exposto, os programas de formação de professores atualmente ofertados, apontam suprir uma deficiência da formação inicial de profissionais, ou seja, não licenciados e graduados, mas que já atuam no magistério. Desta forma, ainda não é possível identificar uma valorização e criação de uma linguagem comum na educação, como mencionado, visto que o Governo Federal, ainda trabalha para habilitar o profissional de educação em suas respectivas áreas de atuação. 2819
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site. pdf . Acesso em: 04 jan. 2020. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 fev. 2020. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. 3ª. Versão do parecer. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=124 721-texto-referencia-formacao-de-professores&category_slug=setembro- 2019&Itemid=30192 . Acesso em 25 fev. 2020. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional. Lei: 9.394 de 20.12.1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso em: 30 abr. 2020. BRASIL. Ministério da Educação. Educação básica- formação de professores. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article/211- noticias/218175739/72141-formacao-de-professores-sera-norteada-pelas-regras-da- bncc?Itemid=164 . Acesso em: 22 fev. de 2020. Decreto no 8.752, 9 de maio de 2016. Dispõe sobre a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/D8752.htm . Acesso 25 Jan. 2020. JARAUTA, Beatriz; IMBERNÓN, Francisco (Orgs.). Pensando no futuro da educação: uma nova escola para o século XXII. Tradução de Juliana dos Santos Padilha. Porto Alegre: Penso, 2015. 160p IMBERNÓN, F. Formação Docente e Profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011. Ministério da Educação. Plano nacional de formação dos professores da educação básica. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/livro.pdf . Acesso em 03 fev.2020 NOVOA, A. Profissão professor. Portugal: Porto, 1999. NÓVOA, A. (Org). Os professores e a sua formação. Portugal: Porto, 1992. 2820
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS LIMITES E POSSIBILIDADES PARA A MATERIALIZAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR EM MOSSORÓ-RN LIMITS AND POSSIBILITIES FOR THE MATERIALIZATION OF THE ETHICAL-POLITICAL PROJECT OF SOCIAL SERVICE IN PUBLIC INSTITUTIONS OF HIGHER EDUCATION IN MOSSORÓ-RN Karolayne de Souza Fernandes 1 RESUMO O presente trabalho propõe-se a discutir os desafios e potencialidades para a materialização do Projeto Ético-Político (PEP) do Serviço Social nas instituições públicas de educação de nível superior do município de Mossoró-RN, IFRN, UFERSA e UERN. Utilizamos como método de pesquisa o materialismo histórico dialético de caráter qualitativo. Em nossa pesquisa de campo, utilizamos como instrumento para coleta de dados um roteiro de entrevista, que foram respondidas por 06 (seis) profissionais das instituições acima destacadas. Com isso, observamos que a principal demanda é a de concessão de bolsas e auxílios estudantis, limitando a participação em outras atividades próprias do Serviço Social na educação. Notou-se que o maior desafio que permeia a prática profissional é a insuficiência de recursos para atender à crescente demanda pelos programas da assistência estudantil. Paralelo a isso, observamos que o Serviço Social na educação possui o compromisso na busca pela materialização do PEP na Educação, reconhecendo sua importância para atuação profissional e alinhando no seu trabalho esse projeto. Palavras-Chaves: Serviço Social. Projeto Ético-Político. Educação. ABSTRACT This work aims to discuss the challenges and potential for the materialization of the Social Service's Ethical-Political Project (PEP) in public higher education institutions in the municipality of Mossoró-RN, 1 Pós-graduada em Educação e Contemporaneidade pelo Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected] 2821
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI IFRN, UFERSA and UERN. We use qualitative historical dialectical materialism as a research method. In our field research, we used an interview script as an instrument for data collection, which were answered by 06 (six) professionals from the institutions mentioned above. Thus, we observed that the main demand is for the granting of scholarships and student aid, limiting participation in other activities 2of the Social Service in education. It was noted that the biggest challenge that permeates professional practice is the lack of resources to meet the growing demand for student assistance programs. Parallel to this, we observe that the Social Service in education is committed to the pursuit of the PEP in Education, recognizing its importance for professional performance and aligning this project in its work Keywords: Social Work. Ethical-Political Project. Education. INTRODUÇÃO O Serviço Social na Educação não se constitui um campo totalmente novo, desde a gênese da profissão atuava no tocante a controlar as insatisfações dos trabalhadores, atendendo assim as requisições da classe dominante no que tange. Diante disso, a inserção do Serviço Social, ligado às políticas sociais, teve como parâmetro a atuação no tocante as expressões da questão social, materializada também na política de educação. Nesse sentido a atuação do (a) assistente social ocorre em vários âmbitos da educação pública e privada (educação básica e ensino superior). Nessa perspectiva, o Serviço Social tem sido requisitado a atuar nas redes municipais, nos institutos federais e universidades, ainda que de forma bastante tímida. Nestes espaços as demandas postas à profissão referem-se, em suma, a garantia de acesso e a permanência dos estudantes na política de educação. Sendo assim, o presente artigo é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso da Especialização em Educação e Contemporaneidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Objetivamos conhecer os limites e possibilidades para materialização do Projeto Ético-Político do Serviço Social na atuação dos (as) assistentes sociais na educação, particularmente nas instituições de ensino superior (públicas) no município de Mossoró/RN. 2 A questão social não é senão as expressões de formação e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo o seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manutenção, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão (IAMAMOTO; CARVALHO, 1983, p. 77). 2822
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Para a concretização dos objetivos, buscamos adotar como método de pesquisa, o materialismo histórico dialético, tendo em vista que esse método nos permite a análise dos fenômenos para além do aparente, conectando o objeto de estudo ao contexto social em que está inserido e nos possibilitando um entendimento do homem enquanto ser social em sua relação com o desenvolvimento da sociedade. Dessa forma, o método dialético nos possibilita compreender que, qualquer objeto existe na realidade concreta, e só por isso pode ser analisado, compreendido e problematizado. Utilizamos ainda nesse trabalho, a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. Na pesquisa bibliográfica buscamos nosso referencial teórico a partir de livros, artigos, e autores que discutem a temática para fundamentar teoricamente nossas análises. Quanto à pesquisa de campo investigamos como os (as) assistentes sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) Campus Mossoró, materializam o seu projeto profissional no cotidiano das instituições. Os (as) assistentes sociais estão divididos em setores diversos e exercem funções diferenciadas, realizamos a pesquisa com os (as) assistentes sociais que estão lotados nas Ações Afirmativas, Assistência Estudantil e Ação Inclusiva, totalizando 08 profissionais, entretanto, somente 6 profissionais se dispuseram a participar da pesquisa. Utilizamos como instrumento de coleta de dados um roteiro de entrevista semiestruturado, que constou perguntas com alternativas já definidas e perguntas abertas, em que o profissional pôde justificar suas respostas. A natureza da pesquisa foi qualitativa, tendo em vista, que se configura mais eficaz para análise e interpretação dos dados obtidos em todo o processo investigativo. 2 UM BREVE HISTÓRICO DA PROFISSÃO DE SERVIÇO SOCIAL E A CONSTRUÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO PROFISSIONAL O Serviço Social foi introduzido no Brasil na década de 1930, como estratégia da classe dominante para conter os males sociais advindos da expansão capitalista e para 2823
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI disciplinar a classe trabalhadora e suas famílias, pautada em um trabalho de cunho educativo na perspectiva da manutenção do status quo. De acordo com José Paulo Netto (2009, p.17), “[...] não há dúvidas em relacionar o aparecimento do Serviço Social com as mazelas próprias à ordem burguesa, com as sequelas necessárias dos processos que comparecem na constituição e no evolver do capitalismo”. Inicialmente, a profissão atuava com viés extremamente conservador, pois, acoplada à burguesia e aos preceitos da Igreja Católica, desenvolvia estratégias de controle social, alienação e manutenção do sistema vigente, na perspectiva de assistencialismo e caridade. O Serviço Social assumiu ao longo da história um papel importante na reprodução das relações sociais no capitalismo, sendo inserido em algumas instituições como a Legião Brasileira de Assistência (LBA) criada por meio do Decreto Lei nº 4.830/1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) criado pelo Decreto Lei nº 4048/1942 e o Serviço Social da Indústria (SESI) criado pelo Decreto Lei nº 9.403/1946. Institucionalmente, o Serviço Social insere-se em um contexto de tensões sociais e de luta dos trabalhadores na construção e execução de políticas sociais advindas do Estado. Com efeito, na segunda metade dos anos 1960, ocorre o Movimento de Reconceituação na América Latina, o qual sinalizava os primeiros passos para um novo fazer profissional da categoria. No Brasil, em 1977, inicia-se o movimento que “[…] configurou a constituição de uma nova e explícita vontade política da categoria” (SERRA, 2007, p. 182). Em setembro de 1979 ocorreu em São Paulo, o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS) que ficou conhecido como “Congresso da Virada” que se constituiu um marco para profissionais e estudantes de Serviço Social no tocante a dimensão política da profissão, buscando um renovo nas bases filosóficas e metodológicas da formação de assistentes sociais e em todas as suas dimensões. Ancorado nessa perspectiva é aprovado em 1986 o Código de Ética Profissional que se constituiu um dos marcos de ruptura com o tradicionalismo. Esse código deixou claro seu compromisso com a classe trabalhadora, tendo em vista que sua prática estava voltada às necessidades dos usuários, contém onze princípios que fundamentam o trabalho profissional dos (as) assistentes sociais e se constituem como valores da profissão. 2824
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ainda na década de 1990, em 7 de Junho de 1993, é sancionada a lei que regulamenta o exercício da profissão do (a) Assistente Social, a Lei n. 8.662/93 que dispõe sobre a profissão, instituindo as competências do profissional, suas atribuições privativas, normatizando as ações do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e dos Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), designando as atribuições dessas entidades com o objetivo de defender os interesses da categoria, além de fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão em todo o território nacional. Em 26 de Agosto de 2010 foi acrescentada à lei que regulamenta a profissão, o Art. 5o-que trata da jornada de trabalho do(a) Assistente Social, alterando de 40 para 30 horas semanais sem redução salarial (incluído pela Lei nº 12.317, de 2010). Vale salientar que a referida Lei ainda não se efetivou para os (as) assistentes sociais vinculados ao serviço público federal, Estados e municípios já reconheceram a legitimidade da Lei. A luta pelo reconhecimento em todas as esferas ainda continua com atuação significativa do CFESS e CRESS. 3 A EDUCAÇÃO NO BRASIL A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A INSERÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO A declaração do direito a Educação no Brasil foi marcada pela Constituição Federal de 1988 (CF, 1988) constituindo normas que estabelecem funções e competências do Estado com a sociedade, representando um grande avanço se compararmos com a legislação educacional anterior, tendo em vista que a educação passa a ser vista na perspectiva de política e de interesse público, tratando-a como direito social. Dessa forma, a educação passa a ser um direito garantido constitucionalmente em todo território nacional, propiciando o acesso a todo cidadão, atribuindo ao Estado a responsabilização por esse direito no Artigo 205º “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988, p.63). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, Lei 9394/96, regulamenta o sistema educacional no setor público e privado da educação básica ao ensino superior e 2825
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI vem reafirmar o direito a educação, estabelecendo os princípios da educação e os deveres e responsabilidades do Estado em prover uma educação escolar pública de qualidade, organizando a educação em três níveis: pré-escola, ensino fundamental e ensino médio. O Serviço Social na Educação ainda não se configura como uma área legítima de atuação do (a) assistente social, uma vez que o Projeto de Lei que regulamenta a inserção do Serviço Social na Educação ainda não foi aprovada. Fruto das lutas da categoria, representada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) e instituições de ensino, acerca da qual a contribuição que a profissão daria na execução dessa política, a sua importância para a comunidade escolar na formação dos indivíduos e na luta pela efetivação dos direitos dos estudantes. O Serviço Social no âmbito educacional tem a possibilidade de contribuir com a realização de diagnósticos sociais, indicando possíveis alternativas à problemática social vivida por muitas crianças e adolescentes, o que refletirá na melhoria das suas condições de enfrentamento da vida escolar [...] o assistente social tem, entre outras, a atribuição de analisar e diagnosticar as causas dos problemas sociais detectados em relação aos alunos, objetivando saná-los ou atenuá-los (CFESS, 2001, p.12). Nessa perspectiva, é perceptível o amplo campo de possibilidades para atuação do Serviço Social no campo educacional, principalmente na rede pública onde encontramos inúmeras dificuldades dos estudantes em permanecerem nos espaços escolares, sendo necessária a presença desses profissionais para junto a equipe pedagógica propor intervenções que visem à garantia do acesso a uma educação de qualidade a todos. Faz-se necessário, sobretudo, que os (as) assistentes sociais se apropriem dos componentes que constituem o projeto profissional, para que esse conhecimento se concretize no cotidiano do seu trabalho. Vale salientar que a atuação do Serviço Social nas universidades públicas e institutos federais, ainda são, em sua maioria, ligados a operacionalização da PNAES, conforme veremos no tópico seguinte. 3.1 O Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) e o Serviço Social Como explicitado anteriormente, a Constituição Federal de 1988 configurou-se como um instrumento legal de extrema relevância para a Educação. 2826
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ancorado nessa premissa é criado, em 1987, o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudantis (FONAPRACE), com o objetivo primordial de “formular políticas e diretrizes básicas que permitam a articulação e o fornecimento das ações comuns na área de assuntos comunitários e estudantis, em nível regional e nacional”. A referida entidade junto à União Nacional dos Estudantes (UNE), foram os principais atores políticos na luta pela efetivação de uma política para a assistência estudantil. Com esse objetivo o FONAPRACE desde a sua gênese, empreendeu pes1quisas para traçar o perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das universidades federais. Diante do quadro em tela, é aprovado em 2007 o Plano Nacional de Assistência Estudantil, base fundante do PNAES, como também a institucionalização do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). É nesse contexto de educação que o Serviço Social está inserido, a partir do conhecimento da realidade dos seus usuários, predominando as ações que são voltadas para a assistência estudantil, sendo executores de programas e políticas com esse caráter, assumindo uma postura crítica frente a educação. Posto isso, o trabalho do assistente social ocorre primeiramente a partir da seleção de alunos para a inserção nas bolsas, auxílios e programas da assistência estudantil de uma maneira geral, a identificação do perfil dos alunos, as condições sociais e econômicas são postas ao Serviço Social, sendo operacionalizadas mediante visitas domiciliares e entrevistas, além de avaliações dos documentos comprobatórios de renda familiar bruta mensal de até 1,5 salário mínimo per capita ; apesar da expansão dos programas de assistência estudantil nas universidades e institutos federais, suas características são de focalização, distanciando-se do princípio de universalidade, tendo em vista que para que alunos possam se encaixar nos critérios de participação dos programas, muitos são deixados de fora por não estarem dentro dos critérios, entretanto, possuem dificuldades de acesso e permanência que não são quantificados. 5 Projeto de Lei Da Câmara (PLC) 060/2007, que dispõe sobre a inserção de assistentes sociais e psicólogos nas escolas públicas de educação básica. 2827
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Diante desses desafios, é importante a presença, o compromisso e a luta do Serviço Social nesse campo de atuação, balizando seu fazer profissional na dimensão socioeducativa da assistência estudantil. 4 LIMITES E POSSIBILIDADES PARA A MATERIALIZAÇÃO DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL NAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE ENSINO SUPERIOR EM MOSSORÓ-RN Inicialmente, para melhor compreensão dos dados que serão apresentados, traçamos um breve perfil das profissionais entrevistadas, no que tange ao tempo de atuação na instituição, jornada semanal de trabalho e formação profissional. Nossa pesquisa de campo ocorreu com 06 profissionais lotadas na UERN, UFERSA e IFRN. Abaixo dispomos das informações solicitadas na primeira indagação. Nesse sentido, indagamos acerca da jornada de trabalho das assistentes sociais, 50% relataram trabalhar 30h semanais, 33,3% 40h e 16,6% não responderam. Entretanto, mediante a análise dos dados coletados, percebemos que 33,3% das profissionais trabalham com 40 horas semanais, contrariando a lei que reduziu a jornada de trabalho da categoria. A justificativa, segundo a Advocacia Geral da União (AGU) é que a jornada de trabalho destinada aos servidores públicos, prevista na Lei 8.112/1990 é de 40 horas semanais. As profissionais que trabalham atualmente com 30 horas relataram que estão sob acordos temporários, mas, que o concurso estabelecia jornada de 40 horas. O CFESS publica com frequência notas da luta em defesa do cumprimento da lei que contemple todas as conquistas da categoria. Posteriormente, indagamos as entrevistadas acerca de quais as demandas apresentadas no cotidiano de trabalho, em suma, todas as demandas informadas direcionam para a permanência dos estudantes nas universidades, a busca por bolsas, auxílios e benefícios que venham garantir que os alunos que se encontram em situação de vulnerabilidade econômica e social tenham condições de dar continuidade no ensino superior A maioria que a gente atua é na questão da assistência estudantil, no fornecimento e avaliaçõ2es de bolsas, auxílios, do programa institucional de 6 Art. 5º Serão atendidos no âmbito do PNAES prioritariamente estudantes oriundos da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário-mínimo e meio, sem prejuízo de demais requisitos fixados pelas instituições federais de ensino superior (BRASIL, 2010). 2828
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI permanência, é a principal demanda, existe também demanda de conflitos, ou situações que ocorrem na universidade que chegam até a gente (Assistente Social 04). Mediante as demandas que são postas ao Serviço Social no cotidiano das instituições e frente aos limites institucionais latentes no espaço de trabalho, indagamos se as assistentes sociais consideram que o seu trabalho contribui para a inserção e permanência dos estudantes na política de educação Com certeza, o serviço social faz um trabalho importante de orientação, de informação de direitos desses alunos e que muitas vezes sem essas orientações e informações que são garantidos através do trabalho, esses alunos não teriam como permanecer estudando na universidade (Assistente Social 05). Como podemos observar, mediante a realidade que se apresenta no trabalho das assistentes sociais, balizando seu fazer profissional em seu Projeto Ético-Político (PEP) no que tange a busca pelo acesso a política de Educação, o Código de Ética Profissional do Assistente Social, a PNAES, entre outros documentos, se constitui como parâmetro que fortalece a luta pelos interesses dos estudantes junto a política educacional, se concretizando por atividades junto à comunidade acadêmica. Posteriormente, questionamos às assistentes sociais entrevistadas acerca de quais os programas de assistência estudantil utilizados para a permanência de estudantes na instituição. De acordo com o que foi respondido, os programas, bolsas e auxílios atuam de forma semelhante. Nós temos o Auxílio moradia, auxilio creche, auxilio transporte, auxilio didático pedagógico, e nós temos os atendimentos com o pedagogo, psicólogo, assistente social, temos esportes, atividades esportes, inclusive se tem aluno com depressão, ansiedade, a gente busca pra ele fazer essas atividades esportivas, tem o médico [...] nós conseguimos uma parceria. (Assistente Social 03). Entretanto, uma queixa de todas as profissionais é a quantidade limitada desses auxílios frente às demandas necessárias reivindicadas pelos alunos, “não é a quantidade suficiente se a gente for olhar a demanda e o que é oferecido, tanto que ficam muitos alunos de fora (Assistente Social 04)”. Ocorre um processo citado por uma das 7 Todas as pessoas entrevistadas são do sexo feminino. Essa questão reflete uma particularidade histórica da profissão, resultado da sociedade patriarcal que separa o trabalho pelo sexo. O predomínio das mulheres na profissão é uma nítida herança da história do Serviço Social, atrelada as pioneiras da profissão: as damas de caridade. 2829
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI profissionais como “bolsificação”, onde muitos atrelam o papel do Serviço Social somente a essa atividade, conforme a fala da entrevistada “a gente meio que fica só muito ligado a assistência estudantil bolsificada, entrega a bolsa para o aluno, dar o benefício financeiro e isso para o profissional impede dele muitas vezes se aplicar em outras atividades (Assistente Social 02)”. Ante o exposto, vemos que esses programas, bolsas e auxílios operacionalizados pelas assistentes sociais agem “[...] como técnica de administração da pobreza, da barbárie capitalista”. (MOTA; AMARAL, 2016, p. 95). Neste viés, as assistentes sociais precisam selecionar o pobre dos mais pobres, para atender as demandas das instituições, não conseguindo atender as reais necessidades da população usuária dos serviços educacionais. Doravante, analisaremos o que as assistentes sociais entendem e praticam acerca do seu Projeto Ético-Político Profissional, inicialmente indagamos às profissionais o que elas entendem por Projeto Ético-Político Profissional, vejamos. O Projeto Ético Político do Serviço Social é o que nos norteia, norteia a profissão em relação de como agir, como proceder, das orientações, das deliberações em relação a nossa profissão, nos dá um norte de que público nós nos voltamos, os direitos que defendemos, nos faz lembrar dos princípios norteadores da profissão, do nosso código de ética, é importante pro nosso agir profissional (Assistente Social 05). Frente a isso, podemos perceber que há clareza nas respostas em relação a compreensão das profissionais sobre o Projeto Ético-Político, consideramos de grande importância essa apreensão, pois este entendimento contribuirá para que o exercício profissional esteja em consonância com os princípios defendidos pela profissão. A partir do entendimento que as entrevistadas demonstraram possuir sobre o PEP, questionamos se elas, no seu cotidiano de trabalho, conseguem materializar o Projeto Ético-Político do Serviço Social e por quê, as respostas foram diversas, nenhuma assistente social negou a materialização do projeto, entretanto, algumas esclareceram que “nem sempre”, ou seja, é latente a dificuldade da materialização do PEP em sua totalidade. Materializo, não quero nem me gabar.... eu sou muito conhecida no sentido de dizer “ah, ela não fica calada” talvez seja uma falha, uma falha minha, não ficar calada, [...] a matéria do projeto ético político eu materializo demais, eu digo ao aluno “busque seu direito, tem ouvidoria, entre com processo” (Assistente Social 03). Nem sempre, as correlações de força as vezes não nos permite, a gente sabe que o aluno tem direito, que atende os critérios, mas não existe recurso, a gente vê que o aluno precisa de um atendimento 2830
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI diferente sistemático, contínuo, mas a gente não consegue devido as dificuldades do dia a dia (Assistente Social 04). Tendo como referência a primeira fala citada, a profissional descreve que consegue sim materializar o projeto, com base no Código de Ética Profissional e as demais legislações que regulamentam o exercício profissional, e que é notório o comprometimento, autonomia e interesse em pautar seu trabalho em princípios éticos defendidos pela categoria junto as necessidades dos seus usuários, a escuta, a intervenção dos profissionais, a conversa, uma simples orientação, os encaminhamentos e esforços em defesa dos direitos dos estudantes no âmbito da política educacional, concordando com os princípios éticos que regem a atuação das assistentes sociais. Conforme regulamenta o CFESS (1993, p.24). II. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; IV. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática. Porém, é inegável os percalços que atravessam o cotidiano das universidades e institutos federais para que se torne possível balizar toda a atuação do Serviço Social a luz do PEP. Conforme a fala da segunda assistente social acerca da materialização do PEP, a burocracia, os limites institucionais, os critérios, acabam deixando muitos profissionais de “mãos atadas” diante das situações que se apresentam, ocorrendo muitas vezes uma atuação fragmentada, focalizada e individualista. Dessa forma, a importância que é dada a sua profissão, o PEP, e consequentemente a luta pela sua materialização, fortalece a ação profissional frente a correlação de forças dentro da instituição, além de direcionar o planejamento e a execução das ações, possibilitando a qualidade do atendimento e garantia dos direitos a educação. 5 CONCLUSÃO O Serviço Social na Educação vem garantindo e reafirmando a necessidade e a relevância do seu trabalho no que tange a luta pela garantia dos direitos da classe 2831
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalhadora e a consolidação do seu projeto profissional no âmbito dessa política. Nesse sentido, desde a sua inserção, a profissão enfrenta diárias lutas que são travadas desde a viabilização do papel do Serviço Social nas instituições, às condições de trabalho e demandas de caráter seletivo e focalizado em razão dos poucos recursos, além da burocratização por parte dos gestores às atividades elaboradas pelo Serviço Social. Nesta premissa, mediante as pesquisas realizadas, foi possível uma relevante aproximação com o cotidiano de trabalho das profissionais, ponderamos que conseguimos alcançar nossos objetivos no desenvolvimento do presente trabalho. Em linhas gerais, consideramos que as assistentes sociais dispõem de uma autonomia relativa dentro das universidades e instituto federal, já esperado nos processos institucionalizados, observamos alguns limites na concretização de projetos, ações que perpassem as demandas postas pelos gestores, tendo em vista que diariamente é preciso lutar pelo fortalecimento do Serviço Social nesses espaços para além da concessão de bolsas e auxílios, defender aquilo que é considerado atribuição privativa das assistentes sociais (como, por exemplo, elaborar e avaliar estudos inerentes a prática cotidiana do Serviço Social na instituição), bem como suscitar discussões para atividades que não lhes competem (como acompanhamento da execução de cardápios alimentares). No que se refere às demandas que são postas às assistentes sociais, faz-se necessário ressaltar a importância do tipo de educação que é defendida pela categoria, que é uma educação transformador. Para isso, se faz necessário que as profissionais desenvolvam estratégias para que essas demandas sejam respondidas de maneira satisfatória; a assistência estudantil como direito a educação, garantindo e democratizando esse direito, mobilizando e viabilizando as reivindicações dos estudantes na luta pela universalização e ampliação do acesso aos serviços relativos à política, afinando sua atuação com o Projeto Ético-Político do Serviço Social. Frente a essas dificuldades, constatamos o compromisso ético-político das profissionais, alinhando sua prática profissional ao Código de Ética Profissional, nos documentos norteadores do fazer profissional nessa política, se concretizando por meio de atividades junto à comunidade acadêmica, mediante orientações, encaminhamentos, atuando por meio de medidas interventivas que visem à defesa dos direitos da classe trabalhadora e a consolidação do projeto profissional do Serviço Social. 2832
REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.1988. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Lei nº 9394/1996. CFESS. Código de Ética Profissional do Assistente Social. 1993. Brasília, 1993. ______. Projeto Ético-Político do Serviço Social: 30 Anos na Luta em Defesa da Humanidade. São Paulo, 2009. ______. Subsídios para a atuação de assistentes sociais na Política de Educação. Brasília, 2012. ______. Observatório das 30 horas. Conheça a luta do CFESS em defesa da implementação da Lei nº 12.317/2010. Disponível em: < http://www.cfess.org.br/visualizar/noticia/cod/473> ______. Regulamentação da profissão de Assistente Social. Lei nº 8.862 de Junho de 1993. ______. Serviço Social na Educação. Grupo de estudos sobre o Serviço Social na Educação. Brasília: DF, 2001. PAULO NETTO, José. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009. MOTA, Ana Elizabete; AMARAL, Ângela. Projeto profissional e projeto societário. In: Revista Inscrita, nº 12, Brasília: CFESS/CRESS, 2009, p. 49-55. SERRA, Rose (org.) Democracia e Serviço Social. In: Revista em Pauta. Rio de Janeiro. Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. N. 19. 2007. 2833
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS DIREITO X MERCADORIA: os rebatimentos do neoliberalismo na política de educação LAW X MERCHANDISE: the returns of neoliberalism in education policy Karolayne de Souza Fernandes 1 Gleidiane Almeida de Freitas 2 Gleicyanna Almeida de Freitas 3 RESUMO O presente artigo tem como objetivo analisar os rebatimentos do ideário neoliberal na Política de Educação, especificamente nas escolas e Instituições de Ensino Superior (IES) no cenário brasileiro. Dessa maneira, utilizamos a pesquisa bibliográfica que fundamentou a discussão da educação na concepção mercadológica, a partir da perspectiva crítico-dialética, possibilitando compreender o modelo educacional inserido na sociabilidade capitalista, que visa à educação não como direito e, sim, como um mero serviço a ser comercializado para o alargamento dos grandes nichos do mercado financeiro. Resultando em disputas entre o público e o privado, bem como a dualidade nas respostas do Estado acerca da sua insustentabilidade em prover o acesso a uma Educação pública, igualitária, de qualidade, como também as condições dignas de trabalho ao corpo docente. Essa fragmentação sucateia a esfera pública em prol do investimento na iniciativa privada, para possibilitar a falsa democratização do ensino público. Palavras-Chaves: Educação. Neoliberalismo. Mercantilização ABSTRACT The present article aims to analyze the refutations of the neoliberal ideology in Education Policy, specifically in schools and Institutions of 1 Pós-graduada em Educação e Contemporaneidade pelo Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected] 2 Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected] 3 Graduada em Ciências Contábeis e pós-graduada em Contabilidade Gerencial e Controladoria pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected] 2834
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Higher Education (HEI) in the Brazilian scenario. In this way, we use the bibliographical research that founded the discussion of education in the market conception, from a critical-dialectical perspective, making it possible to understand the educational model inserted in capitalist sociability, which aims at education not as a right but as a mere service to be marketed for the expansion of the great niches of the financial market. Thus, it results in disputes between the public and the private, as well as the duality in the responses of the State about its unsustainability in providing access to a public education, egalitarian, quality, as well as decent working conditions for the teaching staff. This fragmentation ends up scrapping the public sphere for private investment in order to allow the false democratization of public education. Keywords: Education; Neoliberalism; Commodities. INTRODUÇÃO Na década de 1990 no Brasil é implementada a ideologia neoliberal, que prega o não investimento por parte do Estado em políticas sociais, priorizando o âmbito econômico em detrimento do setor social, com a intenção de sanar as constantes crises capitalistas. Tendo por entendimento que o neoliberalismo atinge toda a sociedade em seus diferentes setores, sejam eles, Educação, Saúde, Assistência Social, dentre outros, queremos aqui enfatizar os drásticos e avassaladores rebatimentos que essa ideologia de cunho capitalista trouxe para a Política de Educação, tendo em vista que seus aspectos negativos refletem em grandes impactos na precarização do trabalho docente, bem como na mercantilização do ensino, assunto que abordaremos no decorrer deste artigo. Essas consequências são refletidas nas reformas educacionais que influenciam diretamente o interior das políticas sociais, segundo Gandin (2000, p. 08) “o sistema escolar se organiza segundo as linhas estruturais da sociedade em que se insere [...]”, a partir da mercantilização do ensino, onde a escola ou as Instituições de Ensino Superior (IES) passam a ser vista apenas como uma forma de ter acesso ao mercado de trabalho. À vista disso, este artigo objetiva trazer os elementos da ideologia neoliberal no contexto educacional, particularmente nas instituições de ensino, repercutindo em uma educação voltada para o trabalho, não considerando a democratização da educação para o exercício da cidadania, dos direitos sociais, civis e políticos. 2835
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O interesse pela discussão desta temática adveio a partir da percepção da expansão neoliberal nas políticas sociais, bem como das transformações da educação na contemporaneidade. Na pesquisa bibliográfica, buscamos nosso referencial teórico a partir de livros, artigos, e autores que discutem a temática para fundamentar teoricamente nossas análises. Ancorados nos objetivos acima explicitados, o presente artigo foi dividido em quatro tópicos, além do resumo, introdução e considerações finais. No primeiro tópico apresentaremos acerca da Educação pública e as conquistas com a Constituição Federal de 1988; no segundo tópico traremos um breve histórico do neoliberalismo e seus rebatimentos no cenário brasileiro; e no terceiro tópico problematizaremos a Educação na perspectiva do trabalho. 2 EDUCAÇÃO PÚBLICA E AS CONQUISTAS COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 regulamentou no artigo 6º que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988, p.11). Com isso, o direito a educação passa a ser promovida com a colaboração da sociedade e responsabilidade do Estado para todo cidadão, visando o pleno desenvolvimento do cidadão em todos os aspectos e dimensões, sua participação na sociedade, além de preparar para o mercado de trabalho. Reitera ainda que a educação não é dever exclusivo do Estado, tendo a família papel primordial a essa responsabilidade. O artigo 206º também elenca os princípios basilares do ensino, com ênfase à igualdade de condições para o acesso à escola, à garantia de uma educação de qualidade, à gratuidade do ensino público, à valorização dos profissionais da educação e à liberdade de aprender e ensinar, assegurando ao cidadão o acesso ao conhecimento sem qualquer distinção e permitindo a sua emancipação a partir do acesso à educação e a permanência nas instituições de ensino, oferecendo-se condições para ela (BRASIL, 1988, p. 64). É importante darmos ênfase ao princípio que se refere à gratuidade no 2836
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ensino em todos os níveis da rede pública, alcançando o ensino médio e superior, diferente das legislações anteriores a CF. A CF/88 traz aspectos da educação de forma genérica e superficial, ficando o detalhamento da forma de provimento e demais regulamentações a cargo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, Lei 9394, foi sancionada em 20 de dezembro de 1996, e abriu espaço para consolidar direitos que ampliaram o acesso e permanência dos estudantes na política de educação. Na década de 1990 no Brasil é implementada a ideologia neoliberal, que prega o não investimento por parte do Estado em políticas sociais, priorizando o âmbito econômico em detrimento do setor social, com a intenção de sanar as constantes crises capitalistas. Tendo por entendimento que o neoliberalismo atinge toda a sociedade em seus diferentes setores, sejam eles, Educação, Saúde, Assistência Social, dentre outros, queremos aqui enfatizar os drásticos e avassaladores rebatimentos que essa ideologia de cunho capitalista trouxe para a Política de Educação, tendo em vista que seus aspectos negativos refletem em grandes impactos na precarização do trabalho docente, bem como na mercantilização do ensino, assunto que abordaremos no decorrer deste artigo. Essas consequências são refletidas nas reformas educacionais que influenciam diretamente o interior das políticas sociais, segundo Gandin (2000, p. 08) “o sistema escolar se organiza segundo as linhas estruturais da sociedade em que se insere [...]”, a partir da mercantilização do ensino, onde a escola ou as Instituições de Ensino Superior (IES) passam a ser vista apenas como uma forma de ter acesso ao mercado de trabalho. Desde sua promulgação, em 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional vem redesenhando o sistema educacional brasileiro em todos os níveis: da creche, desde então incorporada aos sistemas de ensino, às universidades, além de todas outras modalidades de ensino, incluindo a educação especial, indígena, no campo e ensino a distância (LDB, 2010, p. 3). A LDB vem discutir acerca de pontos importantes na Educação, como a Gestão democrática do ensino público e progressiva autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira das unidades escolares (artigo 3º e 15º); educação básica 2837
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI obrigatória e gratuita, a partir dos 04 anos de idade (artigo 4º); a criação do Plano Nacional de Educação (artigo 87º), além de outros assuntos pertinentes ao ensino, como a educação especial, indígena, no campo e o Ensino a Distância (EaD). A LDB propõe uma educação muito mais humana e formativa, objetivando que a educação seja prioridade, com sujeitos participativos no tocante a família, as relações humanas, sociais e culturais. Portanto, todos os avanços na Política de Educação regulamentados em base jurídica foram baseados aos processos de efervescência e mobilizações sociais, tendo como o marco primordial a CF de 1988, porém ocorreu no cenário brasileiro uma reversão em direitos conquistados arduamente pela classe trabalhadora, por meio da estruturação da política neoliberal adotado pelo Estado brasileiro na década de 1990. Dessa maneira, veremos no item a seguir. 3 BREVE HISTÓRICO DO NEOLIBERALISMO NO BRASIL O neoliberalismo consiste em uma estratégia ideológica, política e econômica, na qual se originou logo após a Segunda Guerra Mundial, nos países centrais do capitalismo. Segundo Anderson (1995), o receituário neoliberal foi difundido pelas ideias do economista Friedrich Hayek que tinha a finalidade de desmontar a estrutura do Welfare State ou Estado de bem-estar social4 para possibilitar a expansão da economia. Essas concepções neoliberais se espraiaram como pacotes de medidas, sendo disseminado para todos os países, inclusive chegou ao cenário brasileiro com todo o vapor nos anos 1990, para promover ajustamentos fiscais em toda esfera pública em nome do equilíbrio financeiro do Estado, sendo necessário reduzir os gastos públicos, no que tange as políticas sociais estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 para proporcionar a estabilidade e desenvolvimento social e econômico. Desta forma, o neoliberalismo foi instalado sob o comando do governo Collor de Mello e realçado na administração do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994- 1998), em que criou o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRAE), realizado pelo 4 O modelo de bem-estar social acaba se baseando na ampliação da política social aliada ao capitalismo, caracterizando-se pelo caráter imediatista e corporativista no cenário mundial, implementando o crescimento de programas sociais para dar assistência às famílias e trabalhadores e trabalhadoras, sejam, na cobertura de acidentes, seguro-desemprego, aposentadorias e pensões 2838
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) em 1995 (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Essas reformas, de acordo com Behring (2003), consistem em retrocessos e desmonte em direitos promulgados pela Constituição Cidadã de 1988, na qual acaba corroborando para o alargamento nos processos de sucateamento, privatização e mercantilização das políticas públicas, em que termina refletindo nos serviços públicos, acarretando impactos negativos na expansão e efetivação dos direitos sociais, políticos e civis para o contexto brasileiro. Ainda com a interpretação de Behring (2003), existe uma contrarreforma em curso, na qual consiste em uma reforma não administrativa, e sim política, que contém o discurso de insustentabilidade do Estado para com as políticas públicas, em especial no campo da educação que iremos abordar a seguir. Essas reformas tem o intuito de desvincular recursos públicos, para a realização do pagamento da dívida externa, como também serem injetadas nos grandes grupos e empresas estrangeiros para expandir e alavancar o nicho do mercado financeiro. Essa ampliação do setor privado ocasiona a redução dos gastos para com as políticas públicas, corroborando assim, para a precarização e sucateamento destas, em particular na Política de Educação. Com isso, o capital financeiro apropria dos orçamentos públicos, como também difunde o discurso da necessidade de reformular o escopo do Estado para recuperar o patamar do desenvolvimento do país, e possibilitar um futuro melhor para os cidadãos. A corrente neoliberal está ancorada na máquina estatal, nas palavras de Netto e Braz (2007, p. 227), na qual o Estado tem o intuito de “diminuir o Estado e cortar as suas ‘gorduras”, no tocante as políticas públicas, disseminando argumentos da suposta crise fiscal e a sua inviabilidade com o setor social, priorizando as relações de mercado. Desse modo, o aparato estatal faz com que as políticas públicas fiquem a mercê das relações do mercado financeiro que tentam se apoderar, e, principalmente, desmontar todas as conquistas alcançadas pela classe detentora da força de trabalho. Nesse sentido, em consonância com Harvey (2005), a tendência do receituário neoliberal é a de encolher infimamente os direitos conquistados na justificativa de controlar os custos e obter uma maior lucratividade para o mercado. É importante destacar que o Estado constitui o regulador e o produtor das ações financeiras, acaba 2839
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI transferindo suas incumbências para o setor privado, proporcionando uma parceria “complementar” ao acesso de bens e serviços, desresponsabilizando de suas obrigações para com a sociedade. Dessa forma, abordaremos no item a seguir, os rebatimentos do ideário neoliberal no campo da educação. 3.1 Os rebatimentos do neoliberalismo na Política Educacional Com o avanço do neoliberalismo no contexto brasileiro, as políticas públicas, especialmente a Política de Educação, passaram a ser disputadas pelas novas adaptações do mercado financeiro, a fim de alavancar a economia internacional. A lógica neoliberal objetiva desmontar toda a estrutura do setor público, fortalecendo os processos de privatização no campo educacional. Dessa forma, de acordo com Ferrarez (2016), a Política da Educação, passa a ser tratada como um processo de mercantilização, isto é, na sociabilidade capitalista em que estamos inseridos, o campo do ensino deixa de se constituir como um direito e passa a se estabelecer como um produto para a comercialização para os grandes grupos de empresas que movimentam o mercado. Ainda na interpretação de Antunes e Lemos (2018), a questão da contrarreforma na educação está articulada ao crescimento do setor privado, ou seja, a venda de serviços educacionais, em que podemos mencionar o avanço das Instituições de Ensino Superior (IES) no setor privado em diminuição do ensino superior público. Este modelo de educação mercantil, está atrelada a lógica do mercado, podemos destacar que este sistema mercantil da educação é pertencente ao projeto burguês, no qual Estado se apropria do argumento de ineficiência para o não arcar com educação preconizada como dever, e acabam repassando as suas responsabilidades ao âmbito privado para ser desempenhadas. De acordo com o discurso da ofensiva neoliberal acerca da educação nas escolas, o ensino público é visualizado pela lógica capitalista como algo que não funciona, sendo preciso flexibilizar esta política, utilizando assim, as estratégias de transferir a respectiva política para o campo privado, devido à instabilidade de o Estado arcar com os custos da crise para gerenciamento e execução das políticas públicas, o campo da educação pública fica prejudicada com a fragmentação de investimentos que são ínfimos (GENTILI; SILVA, 1999). 2840
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ainda na interpretação de Gentili e Silva (1999), a estratégica da ofensiva neoliberal é disseminar a insustentabilidade para promover a precarização na Política de Educação ocasionando assim, intensos rebatimentos que refletem na classe trabalhadora que mais utiliza os serviços e atendimentos públicos. Frente a isso, torna-se perceptível mencionar os cortes nos recursos financeiros das Instituições de Educação Superior ao não incentivo do ensino, pesquisa e extensão que resulta na fragmentação. Desse modo, percebemos a falta de priorização do Estado em relação ao setor público no que se refere a ter uma educação de qualidade, com pouco investimento no ensino público impacta diretamente no contexto social das crianças, adolescentes e jovens desse país. Isto posto, podemos apresentar a interpretação de Ferrarez (2016, p. 82), sobre o maior investimento do Estado para o campo privado do que no setor público, especialmente no ensino superior, A educação, por exemplo, passou e passa por um processo de mercantilização. O Estado deveria investir em uma educação de qualidade para todos os brasileiros como forma de proporcionar igualdade de acesso ao mercado de trabalho, mas (desde a ditadura militar) os governos fortaleceram o repasse de verbas públicas para IES privadas como forma de garantia de acesso ao ensino superior (FERRAREZ, 2016, p. 82). Dessa maneira, não podemos dissociar a política de educação do contexto capitalista, sob a luz da economia, da política e do social, segundo Antunes e Lemos (2018), destaca na Constituição Cidadã de 1988, acerca do papel essencial do Estado de assegurar e efetivar com ações e serviços o acesso gratuito que corresponde o direito a educação para todos os cidadãos brasileiros. Entretanto, o que vem acontecendo é a inversão de responsabilidades, em que a máquina estatal repassa recursos públicos e fortalecendo as universidades privadas, ao que concerne aos diversos programas e modalidades do ensino particular que reforça a precarização e o sucateamento do ensino, particularmente no nível superior público. A educação que deveria ser encarada como direito que permite o acesso de forma igualitária para todos os brasileiros, passa ser vislumbrada como um mero negócio de fonte lucrativa e, principalmente disputada pelos grandes nichos do capitalismo para promover a acumulação, centralização, obtenção e geração de lucros. 2841
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A expansão da iniciativa privada nas escolas, como também no ensino superior, vem crescendo de maneira exorbitante devido a inserção e desenvolvimento da ideologia neoliberal. Segundo Antunes e Lemos (2018, p. 20), o que vem ocorrendo no cenário brasileiro é ampliação “desenfreada de cursos e vagas no ensino superior na esfera privada e implementação da modalidade a distância, no sentido de galgar um novo nicho mercadológico em países da periferia do capital”. Nesse sentido, os programas de oferta de cursos do ensino superior citados por Antunes e Lemos (2018), são conhecidos como Programa Universidade para Todos (PROUNI)5 e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)6, existindo a modalidade de Ensino a distância nas IE’S privadas e também nas públicas. O crescimento da iniciativa privada acaba sendo priorizado acentualmente pela política do Estado neoliberal que se articula com os grandes grupos do capital internacional, por meio da falsa democratização do ensino que tenta camuflar a concepção de educação como direito de todos, utilizando uma nova roupagem do ensino associada como um mero serviço a ser comprado e ofertado em todas as instituições de ensino, particularmente na iniciativa privada. A disponibilização da educação como mercadoria está vinculada cada vez pactuada ao mercado financeiro e ao processo de lucratividade, tornando a Política de Educação no âmbito público flexível e, principalmente sucateada pelos ínfimos recursos recebidos pelo Estado. Dessa maneira, iremos aprofundar a educação na perspectiva do trabalho atrelado a concepção mercadológica no próximo item. 4 A EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA DO TRABALHO: EDUCAÇÃO MERCADOLÓGICA Com o contexto neoliberal nos anos 1990 e as reformas educacionais ocorridas nos anos posteriores, as escolas passam a assumir novas funções, deixa de ter como 5 De acordo com o site do Ministério de Educação (MEC), o Programa Universidade para Todos - Prouni tem como finalidade a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas. Criado pelo Governo Federal em 2004 e institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005 oferece, em contrapartida, isenção de tributos àquelas instituições que aderem ao Programa (BRASIL, 2018). 6 Segundo o site do Ministério de Educação (MEC), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em cursos superiores não gratuitas na forma da Lei 10.260/2001. Podem recorrer ao financiamento os estudantes matriculados em cursos superiores que tenham avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2018). 2842
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI principal objetivo a construção do conhecimento, para se adequar a novas realidades e demandas, visando atender às necessidades básicas de aprendizagem. Mediante a esses processos, é próprio da perspectiva neoliberal, a educação mercadológica, ou seja, a educação associada às necessidades do mercado de trabalho. Segundo Silva (2002, p. 20). [...] a estratégia neoliberal não se contentará em orientar a educação institucionalizada para as necessidades da indústria nem em organizar a educação em forma de mercado, mas que tentará reorganizar o próprio interior da educação, isto é, as escolas e as salas de aula, de acordo com esquemas de organização do processo de trabalho. O sistema educacional tem se ajustado a demandas específicas, promovendo a empregabilidade, reduzindo o papel da educação a oferecer ferramentas necessárias para atuar no mercado, além do crescimento do ensino técnico, que contribui diretamente na estreita relação entre escola e trabalho. Deste modo, a escola passa ser vista não mais com caráter educativo, um espaço de desenvolver suas potencialidades, exercer a cidadania, mas, visando um aprendizado que gere trabalho imediato, “a grande operação estratégica do neoliberalismo consiste em transferir a educação da esfera política para a esfera do mercado” (GENTILI; SILVA, 1999, p. 20). Posto isso, o Estado neoliberal é mínimo para o financiamento da escola pública e máximo para definir mecanismos de avaliação pedagógica antidemocrática, verticalizada, retirando a autonomia das instituições de ensino e dos professores, a conhecida dinâmica autoritária. Dessa forma, as novas configurações ocorridas no mundo do trabalho rebatem em alterações no perfil profissional dos trabalhadores, de acordo com Guerra (2010), essas mudanças estão relacionadas a desregulamentação do trabalho, ou seja, constantes alterações na legislação trabalhista, subcontratação, desiguais formas de contrato e vínculos empregatícios que se tornam cada vez mais precários e instáveis a terceirização, emprego temporário, informalidade, jornadas de trabalho, como também salários flexíveis, polivalência, precariedade dos espaços laborais. Diante desses novos padrões de trabalho, em um cenário de reformas no mundo do trabalho, é posto aos professores a necessidade de possuir novas práticas e novos saberes no seu cotidiano de trabalho, são muitas as novas exigências pedagógicas e 2843
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI administrativas que os profissionais da educação são forçados a responder, sendo apresentados como novidade ou inovação, são vistas como algo natural e indispensável para os trabalhadores. Conforme Oliveira (2004) frente a essas exigências o que se nota é a sensação de insegurança e desamparo, faltam condições adequadas de trabalho; as reformas educacionais, alterações no trabalho pedagógico, sem uma atenção específica para as necessidades dos professores, implicam em processos de precarização do trabalho docente. Sendo assim, a desvalorização, desqualificação e precarização do trabalho docente, estão estreitamente relacionados aos rebatimentos da conjuntura neoliberal, tendo em vista que a educação, passa a ser transformada em um mero serviço prestado, sofrendo com o desmonte dos direitos sociais no interior da política educacional, dos seus usuários, e principalmente, atingindo os trabalhadores diretamente ligados a ela, provocando perdas de direitos trabalhistas, historicamente conquistados. Na interpretação de Oliveira (2004), a ideologia neoliberal resulta em um percentual cada vez mais crescente de contratos temporários nas redes públicas de ensino, chegando, em alguns estados, a número correspondente ao de trabalhadores efetivos, o arrocho salarial, o desrespeito a um piso salarial da categoria, a inadequação e ausência de planos de cargo e salários, a perda de garantias trabalhistas e as reformas nas leis previdenciárias, oriundas dos processos de reforma do Estado têm tornado cada vez mais agudo o quadro de instabilidade e precariedade do emprego no setor público. Segundo Silva e Gentili (1999), ocorre atualmente o processo de mcdonaldização, que transfere princípios de funcionamento dos fast foods a espaços escolares, baseado na ideologia neoliberal de transferir a educação à esfera do mercado, reestruturadas sob o padrão produtivista. Nesse cenário, o processo de mcdonaldização reflete nas políticas de formação dos docentes, que são desenvolvidas por técnicos e consultores da área de mercado, e repassadas para os profissionais mediante capacitações de forma centralizada, sem a mínima intervenção dos professores, são treinamentos rápidos e focalizados, ainda de acordo com Silva e Gentili (1999), esses novos formatos assemelham-se a manuais que visam estimular o êxito empresarial nas instituições educacionais. 2844
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Aliado a este fato, outra característica inerente ao neoliberalismo no campo educacional, é a constante busca por avaliações e controle de qualidade, a lógica de mercado na esfera escolar promove, por meio de indicadores de desempenho de profissionais e instituições, avaliações do sistema de ensino em busca por resultados concretos. Em consonância com Santos (2004), essa nova lógica de avaliação serve como medida de produtividade, em que os professores passam a ser monitorados em todas as suas atividades pedagógicas, desenvolvendo seu trabalho a partir do que foi definido pelas autoridades educacionais como indicadores de bom desempenho, diante disso, é desenvolvido sutilmente a culpabilização e responsabilização dos professores por metas que não foram alcançadas, não levando em consideração os aspectos econômicos, sociais e institucionais que os profissionais estão inseridos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nessa conjuntura, vivenciamos os diversos ataques e retrocessos do neoliberalismo para com as políticas públicas, em especial, podemos mencionar o campo da educação que tem se tornado uma dualidade nas respostas do Estado que deveria efetivar a Política de Educação como direito a todos, acaba transformado esse processo em serviços a serem comercializados para que atendam os grandes anseios ou interesses do grande capital financeiro. Desse modo, com a minimização da máquina estatal para com as políticas públicas, particularmente na Política de Educação, o Estado termina priorizando e reconhecendo os serviços disponibilizados pela iniciativa privada, tais como o alargamento do ensino privado nas escolas e nas IES, na ampliação da oferta de cursos e modalidades de ensino para aqueles que podem efetuar o pagamento, revertendo o direito ao ensino público, igualitário e de qualidade que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora em uma mera mercadoria a ser comprada, transformando o cidadão em um mero consumidor nesta sociabilidade capitalista. Portanto, são acentuados os reflexos e rebatimentos da ofensiva neoliberal para com as políticas públicas e, principalmente, para a classe trabalhadora. O que ocorre é o aumento dos processos de privatização no âmbito público, a expansão da precarização das estruturas físicas das escolas e IES públicas, como também a fragmentação do 2845
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalho docente com o incremento das intensas terceirizações que resultam nos baixos salários, garantia de direitos inexistentes, acarretando assim, na desvalorização e desqualificação do trabalho, no qual acaba penalizando na disponibilização do ensino público. REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In SADER, Emir; GENTIL, Pablo. (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas iniciais e o Estado democrático. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995, p. 09-23. ANTUNES, Andressa Elisa Martos; LEMOS, Esther Luíza de Souza. A contrarreforma no ensino superior brasileiro: determinantes históricos. Temporalis, Brasília (DF), ano 18, n. 35, jan./jun. 2018. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e história. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica de Serviço Social; v.2). BEHRING, Elaine, Rossetti. Contra-reforma do Estado, seguridade Social e o lugar da filantropia. Serviço Social e Sociedade. Nº73. São Paulo; Cortez, 2003, p.101-117. BRASIL. Conceito sobre o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). Disponível em:< http://sisfiesportal.mec.gov.br/?pagina=fies> Acesso em: 19 de novembro de 2018. BRASIL. Conceito sobre o Programa Universidade para todos (PROUNI). Disponível em: <http://prouniportal.mec.gov.br/o-programa> Acesso em: 19 de novembro de 2018. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.1988. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB. Lei nº 9394/1996. FERRAREZ, Cyntia Santos. Mercantilização da educação superior brasileira e a formação profissional do serviço social. Temporalis, Brasília (DF), ano 16, n.31, jan/jun.2016. GANDIN, LUIS A. A Escola a Procura de Clientes. In Revista de Educação AEC, v. 29, n. 116, Brasília, 2000. GENTILI, P. A Educação e as razões da esperança numa era de desencantos. In. OSOWSKI, C. I. Educação e Mudança Social: por uma pedagogia da esperança. São Paulo: Loyola, 2002, p. 25-40. GENTILI, Pablo; SILVA, Tomaz Tadeu (Orgs.). Escola S.A.:Quem ganha e Quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. Brasília: CNTE, 1999. 2846
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