EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E O ENSINO DE PORTUGUÊS PARA OS SURDOS EM BELO HORIZONTE - MG PUBLIC POLICIES ON SPECIAL EDUCATION AND TEACHING PORTUGUESE TO THE DEAF IN BELO HORIZONTE - MG Elayne Cristina Rocha Dias 1 Maria de Fátima Cardoso Gomes 2 Libéria Rodrigues Neves 3 RESUMO O presente artigo tem como objetivo geral fomentar uma reflexão acerca do processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa pelos Surdos no sistema de ensino, com modelo de Educação Inclusiva em uma escola pública municipal de Belo Horizonte - MG. Essa temática, surgiu através das vivências de cunho profissional e acadêmico ao logo desses anos, estabelecendo como relevância reflexões sobre o ensino do português para os Surdos. Utilizou-se como metodologia uma pesquisa qualitativa e com aplicação de questionários para a compreensão da problemática: Como ocorre o ensino do Português como segunda língua para os Surdos na escola pública municipal de Belo Horizonte – MG? Como embasamento teórico, foram analisados documentos e a legislação pertinente as Políticas Públicas de Inclusão. Os resultados apontam a falta de um trabalho Colaborativo dentro da instituição de ensino Palavras-Chaves: Surdo. Ensino de Português. Professor. ABSTRACT This article aims to promote a reflection on the teaching-learning process of the Portuguese Language by the Deaf in the education system, with an Inclusive Education model in a municipal public school in Belo Horizonte - MG. This theme emerged through professional and academic experiences over the years, establishing reflections on the teaching of Portuguese to the Deaf as relevant. A qualitative research with questionnaires was used as a methodology to understand the 1 Aluna do Doutorado em Educação: Conhecimento e Inclusão Social – UFMG. E-mail: [email protected] 2 Professora da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. E-mail: [email protected] 3 Professora da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. E-mail: [email protected] 2848
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI problem: How does Portuguese as a second language for the Deaf occur in the public school in Belo Horizonte - MG? As a theoretical basis, documents and relevant legislation were analyzed for Public Inclusion Policies. The results show the lack of collaborative work within the educational institution. Keywords: Deaf. Portuguese teaching. Teacher. INTRODUÇÃO O artigo tem como objetivo geral fomentar uma reflexão acerca do processo de ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa pelos Surdos no sistema de ensino, com modelo de Educação Inclusiva em uma escola pública municipal de Belo Horizonte - MG. Os específicos constam em identificar a formação do docente de Língua Portuguesa e o tempo de experiência, verificar as Políticas Públicas de Inclusão no Brasil e destacar as metodologias e recursos desenvolvidos no contexto de sala de aula. Essa temática, justifica-se através das vivências de cunho profissional e acadêmico ao logo desses anos, estabelecendo como relevância reflexões sobre o ensino do português para os Surdos. Utilizou-se como metodologia uma pesquisa qualitativa e com aplicação de questionários para a compreensão da problemática: Como ocorre o ensino do Português como segunda língua para os Surdos na escola pública municipal de Belo Horizonte – MG? Esse artigo, divide-se em tópicos tais como: introdução; referencial teórico que reflete sobre as Políticas Públicas de Educação Especial e Inclusiva; os professores de língua portuguesa e o ensino para os surdos e a conclusão. 2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA No Brasil, a partir do século XIX, surgem ideias voltadas para um atendimento especializado e inclusivo das pessoas com deficiência em diversos contextos sociais. Assim, por muito tempo esses sujeitos com alguma deficiência foram tratados indignamente perpetuando diversas fases ao longo da história de exclusão, segregação, integração até a inclusão. 2849
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A aceitação das pessoas com deficiência pela sociedade sempre foi algo complexo, permeado pelo preconceito, embora estas possam ser produtivas em várias atividades quando se tem uma escolarização acessível e um treinamento profissional adequado para a constatação das suas habilidades. O século XX apresenta modificações culturais, subjetivas e ideológicas, principalmente marcadas pelo avanço de um pensamento democrático na sociedade. Como a instituição de ensino comum de uma certa forma impedia o acesso para a maioria das pessoas com deficiência, ampliou-se a formalização de escolas especiais e classes especiais, constituídas de alunos com deficiência, integrando o contexto escolar. Os Surdos, apesar de não possuírem deficiência na área cognitiva, à época, foram levados a frequentarem tais classes. Assim, no ano de 1961, com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o atendimento educacional direcionado às pessoas com deficiências passa por uma fundamentação legal, que assinala seu direito à educação, com preferência no ensino comum. Posteriormente, em 1973, registra-se a instalação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) vinculado ao Ministério de Educação (MEC), responsável pela gerência da Educação Especial no Brasil, orientando metas sobre a inclusão. Corroborando com a proposta, a Constituição Brasileira de 1988 traz o Art. n. 208, prevê, de modo específico, que o “[...] dever do Estado com a educação será efetivado mediante [...] Atendimento Educacional Especializado [...], preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988). Sobre o papel do Atendimento Educacional Especializado – AEE nas instituições de ensino, faz-se necessário destacar que este significa um espaço organizado preferencialmente em escolas comuns das redes de ensino, atendendo também às escolas próximas, com a realização de atividades com seu público alvo no contraturno ao da sala comum. Este atendimento visa contribuir de maneira significativa para o processo de inclusão desses alunos nas escolas inclusivas. Considera-se como público alvo do AEE: a-Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. b. Alunos com 2850
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação. c. Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotora, artes e criatividade. alunos com deficiência física, intelectual, sensorial (visual e pessoas com surdez parcial e total), alunos com transtornos gerais de desenvolvimento e com altas habilidades (que constituem o público alvo da Educação Especial) também podem ser atendidos por esse serviço. (BRASIL, 2008, p.2) Para o AEE prevê-se a implantação das Salas de Recursos Multifuncionais – SRM, visando minimizar os impactos causados por essas transformações, construindo propostas específicas para cada sujeito atendido. As práticas pedagógicas da sala comum e as da sala de recursos devem ser interligadas por recursos e metodologias de ensino complementares ou suplementares visando estimular os conhecimentos prévios dos estudantes e mediar a construção de conhecimentos. Para a construção de uma rede de apoio ao professor na classe comum, além da interação com todos os profissionais da escola, o ensino inclusivo prevê a construção de recursos mediados pelo professor de AEE, em parceria com a família, com a Secretaria de Educação e com outras instituições, de modo que o trabalho ocorra num modelo de colaboração. Pode-se diferenciar um ensino colaborativo de um Trabalho Colaborativo, tratando-o como a capacidade de somar e compartilhar as responsabilidades e habilidades únicas de educadores, para promoção e desenvolvimento de demais habilidades e busca de resolução dos problemas. Dessa forma, o Trabalho Colaborativo pode diminuir distinções de papéis existentes entre os profissionais envolvidos, a fim de que cada um possa fazer o melhor uso possível de seus saberes onde o desafio reside; e definir um bom funcionamento da equipe, e melhor utilizar todos os conhecimentos existentes. (MACHADO, ALMEIDA, 2010, p.02). Assim, o Trabalho Colaborativo envolve várias condições e o desenvolvimento de estratégias que promovam uma parceria entre os profissionais para a construção de conhecimentos e para o benefício de saberes através das interações. 2851
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Recorrendo a Capellini (2004), a responsabilidade para com a educação dos alunos com deficiência é de todos os envolvidos, porém, torna-se de suma importância a atuação do professor especializado em parceria com o professor do ensino comum, a qual pode correr de diversas maneiras, desde que juntos, oferecendo suporte, orientações e sugestões um ao outro. Os profissionais do AEE atuam em Salas de Recursos Multifuncionais – SRM e, para tal, precisam ter formações especificas para trabalhar com os alunos, bem como trabalhar de forma colaborativa com os demais envolvidos nos processos educativos destes. No âmbito internacional, em 1994, entre 7 e 10 de junho, em Salamanca – Espanha, realizou-se a Conferência Mundial de Educação, objetivando reafirmar o compromisso com a educação para todos no sistema comum de ensino. Desse encontro, construiu-se o documento conhecido como Declaração de Salamanca, tornando-se referência para tratar dos princípios, da política e prática em Educação Especial, trazendo como indicação a inclusão social. A Declaração de Salamanca propõe mudanças para a sociedade, afirmando um pensamento democrático. De acordo com a Declaração mencionada, a Educação Inclusiva visa auxiliar o processo de ensino-aprendizagem das pessoas com deficiência em estabelecimentos de ensino, públicos ou particulares, como também promover assistência complementar e suplementar para garantir acessibilidade curricular, com apoio da área médica e social. Temos a aprovação e atualização da nova LDB, na qual percebe-se uma abertura de espaço para a proposição de medidas sintonizadas com uma concepção de educação como direito de todos, dever do Estado e da família. Sobre a Educação Especial, temos como perspectiva um currículo flexível e adaptado às especificidades das crianças com deficiência. Em 2008, é lançada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEEI, que procura acompanhar as transformações do conhecimento e da sociedade, objetivando a qualidade na educação para todos os alunos e os avanços na cultura e na estrutura das instituições de ensino. O intuito é que todos sejam atendidos de acordo com suas especificidades, como já apontado na Declaração de Salamanca, em 1994. 2852
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Na PNEEEI contempla-se a Educação Especial articulada com o ensino comum, bem como a orientação para o atendimento dos estudantes que constituem seu público alvo. A formação adequada dos docentes para o atendimento de alunos que são público alvo da Educação Especial é de suma importância para atender às necessidades educacionais vigentes, favorecendo a inclusão e acessibilidade na escola comum. Entendemos que a formação vem contribuir relevantemente para o processo de aprendizagem e para a ação docente enquanto mediação na escolarização desses estudantes. No município de Belo Horizonte, segundo dados da Diretoria da Educação Inclusiva e Diversidade Étnico-Racial – DEID (2018), existe um total de 60 salas de AEE. As salas são equipadas para o atendimento aos diversos públicos alvo, e recebem desde crianças da Educação Infantil até os matriculados na Educação de Jovens e Adultos – EJA. Possuem equipamentos específicos para o atendimento das diversificadas deficiências, mobiliário específico, materiais didáticos e pedagógicos de acessibilidade. Além do apoio do professor da Sala de Recursos Multifuncionais - SRM para com o docente da sala comum, a Secretaria disponibiliza para o atendimento aos Surdos e a sua família, instrutor e tradutor/intérprete de Libras. Existem em algumas instituições projetos que buscam ensinar a Libras para os funcionários das escolas com o objetivo de promover a comunicação entre Surdos e ouvintes. O próximo tópico, aborda aspectos do desenvolvimento da pesquisa diante das observações do campo, destacando a aspectos da sala de aula; da relação entre os elementos que compõem o modelo de educação inclusiva no município de Belo Horizonte – MG. 3 OS PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA E O ENSINO PARA OS SURDOS A realização do trabalho de campo ocorreu em uma escola pública municipal com modalidade inclusiva no município de Belo Horizonte. A escola está localizada na regional Centro/Sul de Belo Horizonte. Oferece Ensino Fundamental: na parte da manhã, do 5º ao 9º ano; e à tarde, do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental I. A escola contempla boa estrutura física e aproveitamento dos espaços para divulgação de seus projetos e eventos educativos. Nos turnos da manhã e da tarde 2853
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI contam cerca de 663 alunos frequentes no Ensino Fundamental I e II. Na Educação de Jovens e Adultos são 59 discentes. Figura 01: Corredor da escola Fonte: Arquivo da autora, (2018) Acredita-se que a instituição de ensino, ao estabelecer uma organização interna sobre a lotação dos docentes, diferente da proposta estabelecida pela rede, desenvolve positivamente o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, como segue o relato da professora da sala comum. A este respeito, a professora de Língua Portuguesa, a quem chamaremos de Érica, relata, ao ser questionada em entrevista, em relação à presença de um professor referência para a turma de 5º ano: Atuo somente com a disciplina de Língua Portuguesa, porém não é exigido uma formação em Letras português para atuar no 5º ano, mas como tenho essa formação, como também a professora de educação física e a de Artes, a direção especificou nossa lotação baseado em nossas formações acadêmicas. Os demais professores são formados em Pedagogia (cada uma atua com uma disciplina) tem essa especificidade. A lógica seria adotar um professor referência para cada turma como especifica a Rede. Essa é uma política interna da escola e nesse aspecto flexibiliza as disciplinas. Considero de grande valia essa lotação principalmente para os alunos, pois, oportuniza um professor com a formação específica para atuar na sua própria área. A prioridade são os alunos. Portanto, na instituição de ensino, a interação professor – aluno e a mediação com o outro é de suma importância para que ocorra de forma positiva a aprendizagem humana. Érica, além do curso de Magistério, tem formação em Licenciatura em 2854
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Letras/Língua Portuguesa, realizada na PUC Minas. Na escola, a lotação dos docentes baseia-se na sua formação acadêmica específica. Dessa forma, não se tem um professor de referência para as turmas e principalmente para o 5º ano. Na escola, constava uma aluna Surda (oralizada) no 5º ano do Ensino Fundamental I, de 12 anos de idade, a quem chamaremos pelo o nome fictício de Joana. Filha de pais ouvintes, aos 9 meses, recebe o diagnóstico da surdez como sequela de catapora, a qual chamaremos de Joana. Sua mãe, a quem chamaremos pelo nome fictício de Eronildes, relata que o processo de alfabetização de Joana teve a duração de quatro anos. Essa instituição, denominada Instituto Santa Inês – ISI. Tratava-se de uma Escola Especializada para Surdos e deficientes auditivos, que atendia desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental, incluindo serviços de fonoaudiologia, psicologia, pedagogia e assistência social. Ainda de acordo com a mãe, o período de alfabetização nesta escola acontecia no 1º e 2º ano do Ensino Fundamental, com duração 2 anos cada uma destas etapas. Com relação à instituição, Eronildes considera que: Era uma escola que respeitava a criança como um todo. Introduzia de forma conjunta a Libras e o Português e todos os profissionais eram formados em Libras. Pena que fechou. Tinha a parte visual também que agora com a internet se tornou um fator crucial para o entendimento de uma criança Surda. A criança que tinha a possibilidade em falar era cobrado a fala para não se acomodar na Libras. Eronildes relata ainda que o processo de oralização de Joana iniciou-se cedo e, objetivando a alfabetização, a mesma fez a introdução da Libras juntamente com a oralização, criando um método para trabalhar com a filha. Após o fechamento do Instituto Santa Inês – ISI, decidiram matricular Joana em uma escola regular comum. Assim, a opção da responsável pela escola campo desta pesquisa justifica-se pelo fato de ela proporcionar a participação e uma “preocupação” com os alunos com deficiências. Além disso, tal decisão resultou-se de pesquisas online, visitas ao sistema de ensino e conversas com alunos e funcionários. Na sala de aula comum, a distinção entre Joana e os demais alunos da classe, no início, é imperceptível. Depois se percebe sua 2855
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI presença devido a sua localização no canto esquerdo da sala de aula, na carteira da frente, junto à intérprete. É possível observar um distanciamento entre os alunos ouvintes em relação à aluna Surda. A tradutora/intérprete de Libras posiciona-se de frente para a aluna, mas sempre assentada; e sua interpretação consiste no conteúdo da explanação da professora, bem como no atendimento a algum tipo de dúvida por parte da aluna. Nas demais situações da sala de aula, que envolvem as relações entre os colegas de turma e a professora, não há interpretação. Assim, para a Joana é como se o universo da sala de aula se limitasse aos conteúdos da explanação da professora. Nessas situações, a aluna não se vira aos colegas para a busca de ajuda na compreensão dos fatos, pois no decorrer das observações existe um distanciamento entre a mesma e os estudantes ouvintes. Faz-se esta análise a partir das observações, confirmada pelo relato dado em entrevista pela tradutora/ intérprete de Libras, a quem chamaremos de Alessandra. Percebe-se, durante as observações de campo, que Érica e Alessandra (professora e tradutora/intérprete) interagem insuficientemente durante as aulas de Língua Portuguesa. Além disso, verifica-se que o contato entre Érica e Joana é quase inexistente; de modo geral. De acordo com as observações, constata-se que cada sujeito realiza seu trabalho sem haver uma comunicação e troca de experiências necessárias para um ensino inclusivo numa sala comum onde consta uma aluna Surda. Neste sentido, destacamos que as políticas afirmam que comunicação é um fator primordial e a Libras é a língua natural dos Surdos nesse processo de interação. No início, os intérpretes atuavam informalmente, mas, com a Lei 12.319, de 01.09.2010, regulamentou-se a profissão e a formação desse profissional na sociedade, surgido devido à necessidade da Comunidade Surda de se comunicar com os ouvintes. Cada uma reconhece suas funções em sala de aula, mas parecem realizar seu trabalho de forma individual, pouco colaborativa. Apesar da aluna ter poucas dificuldades com a disciplina de Língua Portuguesa, assim como no relato da professora Erica, a tradutora/ [intérprete de Libras também dá ênfase à desnecessidade da frequência da aluna Surda na sala de AEE. 2856
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI As aulas acompanhadas foram, em sua maioria, expositivas na escola. Inicialmente, a professora utiliza o quadro para passar o resumo do assunto que será tratado com os alunos, que copiam. Solicita-se a resolução de exercícios, produções textuais sobre a temática estudada e a leitura de textos. Portanto, apesar de ter recursos na instituição, as metodologias predominantes durante as aulas de Língua Portuguesa são voltadas para os alunos ouvintes com o uso praticamente somente do livro didático. Percebemos que a professora de Língua Portuguesa se utiliza predominantemente da exposição oral dos conteúdos, baseando-se no fonocentrismo, que significa privilégio da fala sobre a escrita. 4 CONCLUSÃO As observações constataram a falta de um Trabalho Colaborativo na escola campo entre professora da sala comum de Língua Portuguesa, professoras de AEE, a tradutora/ intérprete de Libra e instrutor dentro da instituição de ensino. Dessa forma, há um isolamento nas metodologias e estratégias utilizadas pelos sujeitos que compõem a Educação Especial na perspectiva inclusiva. A elaboração e execução de um PDI, coletivamente, talvez possa ser um caminho para o exercício de um Trabalho Colaborativo. Outro ponto marcante dentro da sala de aula, o intérprete aparece como um dos atores importantes dentro do cotidiano escolar, sendo este um dos elementos para a criação das relações. A presença do intérprete do intérprete em sala, parece gerar uma falsa inclusão dentro da sala de aula, pois o trabalho de campo demonstra um distanciamento entre docente e discente, o que pode ser gerado pela falta de comunicação. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília DF: Senado; 1998. _______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996. Disponível em: 2857
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/ leis/lein9394.pdf. Acesso em: 25 jul. 2017. ________. Lei n. 12.319, de 1 de setembro de 2010. 2010. Regulamenta a profissão de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 set. 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 3 jul.2017. _________. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. MEC; SEEP; 2008. CAPELLINI, V. L. M. F. Infância e inclusão escolar de crianças com necessidades educacionais especiais. In: VICTOR, S. L. (Org.). Educação especial e educação inclusiva: conhecimentos, experiências e formação. Araraquara: Junqueira e Marin, 2011. p. 128-151. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA. Necessidades educativas especiais (NEE) In: CONFERÊNCIA MUNDIAL SOBRE NEE, 1994, Salamanca – Espanha. Qualidade UNESCO. Salamanca: UNESCO, 1994. MACHADO, A. C.; ALMEIDA, M. A. Parceria no contexto escolar: uma experiência de ensino colaborativo para educação inclusiva. Revista Psicopedagógica São Paulo, v. 27, n. 84, 2010. 2858
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A RELAÇÃO DA PESQUISA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL THE RELATIONSHIP OF RESEARCH IN VOCATIONAL TRAINING IN SOCIAL WORK Samara Silva dos Santos 1 Laura Beatriz Dantas Guedes 2 RESUMO O artigo descreve e discute a importância da pesquisa na formação e no exercício do Serviço Social, uma vez que a profissão possui uma pesquisa como um de seus pilares construtivos, sendo esta uma base indispensável à composição profissional. A partir do estudo bibliográfico, apreende-se que a formação em Serviço Social, munida de produção de conhecimento científico, faz com que profissionais se moldem em práticas emancipatórias, sempre em defesa do projeto ético-político da profissão. Palavras-Chaves: Pesquisa. Formação. Serviço Social. ABSTRACT The article describes and discusses the importance of research in the formation and exercise of Social Work, since the profession has research as one of its constructive pillars, which is an indispensable basis for professional composition. From the bibliographic study, it is learned that training in Social Work, equipped with the production of scientific knowledge, makes professionals mold themselves in emancipatory practices, always in defense of the profession's ethical- political project. Keywords: Research. Formation. Social Work. INTRODUÇÃO As transformações ocorridas após o movimento de reconceituação do Serviço Social fez com que surgisse a necessidade de uma nova perspectiva para a profissão 1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí- UFPI. E-mail: [email protected] 2 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí- UFPI. E-mail: [email protected] 2859
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI perante a sociedade, com um olhar mais crítico e investigativo, assumindo a defesa pelos direitos da classe trabalhadora como constituição do seu projeto ético-político profissional. Com isso, faz-se necessário o uso da pesquisa científica e da produção de conhecimento na consolidação desse projeto e na formação profissional, uma vez que o objeto de estudo do Serviço Social é a sociedade e a pesquisa científica, segundo Silva e Silva (2015), é uma ferramenta que visa estudar a realidade, indagando, questionando e impondo necessidades vinculadas à reprodução material do ser. Nessa perspectiva, a análise aqui apresentada remete à discussão dos desafios colocados acerca da importância da pesquisa na graduação, considerando que, em maioria, o formato de ensino atual tem como propósito atender às necessidades do mercado, tornando imediatista e fragilizada a qualidade do ensino. Com o avanço da pesquisa e sua inserção na graduação, a formação profissional caminha para a melhoria dos serviços prestados por esses futuros profissionais, oferecendo um Serviço Social capaz de transformar realidades. “[...] é no contexto acadêmico que a pesquisa se revela como potencialidade para o Serviço Social, e é neste contexto que se enfrenta o desafio de construir articulações orgânicas, entre a produção de conhecimento e a prática profissional.” (BOURGUIGNON, 2007, p. 48). Este artigo está estruturado em duas partes. A primeira discorre sobre a construção e consolidação da relação entre a pesquisa e o Serviço Social; a segunda discute a importância da pesquisa na formação em Serviço Social, apreendendo a pesquisa como base indispensável à construção profissional, como pilar essencial da profissão. 2 PESQUISA E SERVIÇO SOCIAL O Serviço Social surge no Brasil nos anos 1930 sob bases conservadoras da Igreja Católica em um contexto de intensa industrialização e um ambiente favorável à consolidação do capitalismo, cenário de fragilização das relações sociais e agudização das diversas expressões da questão social. No que se refere ao âmbito da formação profissional, as primeiras escolas de Serviço Social brasileiras privilegiaram a “[...] dimensão técnico-operativa em detrimento da produção do conhecimento.” (SILVA; SILVA, 2015, p. 239). 2860
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ao final do ano de 1960 e início de 1970, ocorreu o movimento de reconceituação na América-Latina, — proveniente após o golpe de 1964, com a intenção de ruptura e com todas as transformações que lhe acompanharam — que modificou as matrizes teóricas do Serviço Social e sua posição perante a sociedade, permitindo a reflexão em todas as dimensões da profissão. Na acepção de Netto (2005), um movimento que ocorreu mesmo contido e pressionado nos limites de uma década. No início da década de 1980, o profissional do Serviço Social começa a ter uma aproximação com os debates universitários e com a pesquisa, possibilitando à profissão um olhar mais crítico perante a conjuntura da época, construindo questionamentos e reflexões acerca dos conflitos entre capital e trabalho, iniciando o rompimento com suas práticas conservadoras – o chamado Serviço Social tradicional, pautado na filantropia e na valorização do capitalismo. O novo Serviço Social coloca a pesquisa como uma constituinte da formação acadêmica e da sua práxis profissional. O presente artigo, com título “A Relação da Pesquisa na Formação Profissional em Serviço Social”, explora o estudo bibliográfico sobre a temática, com o objetivo de descrever e discutir a importância da pesquisa na formação e no exercício profissional do Serviço Social e foi elaborado como parte de avaliação da disciplina de Pesquisa Social I, da graduação em Serviço Social na Universidade Federal do Piauí- UFPI. Nas décadas seguintes (1980/1990) houve um expressivo empenho da categoria para fortalecer a base científico-profissional, sobretudo em relação ao processo de construção crítica da profissão e do exercício profissional, ambos pautados no aporte sócio-histórico da análise do real difundido pelo currículo de 1982. A partir desse momento, a categoria profissional dos assistentes sociais, por meio de suas principais representações (CRESS, CFESS, ABESS/ABEPSS), assumiu claramente uma perspectiva afinada com a defesa dos direitos dos trabalhadores. (SILVA; SILVA, 2015, 239). O Serviço Social se coloca em uma visão mais crítica e investigativa acerca da realidade, propondo uma nova construção curricular, valorização na área da pesquisa e na consolidação de um projeto ético-político, que acaba se tornando o direcionamento social da profissão, focado na investigação. Esse projeto ético-político, sob orientação da corrente marxista, coloca-se em defesa de uma sociedade mais justa e igualitária, lutando pelos mais vulneráveis, pela conquista de diretos da classe trabalhadora e pela emancipação do indivíduo, “[...] a categoria profissional dos assistentes sociais, [...] assumiu claramente uma perspectiva afinada com a defesa dos direitos dos trabalhadores.” (SILVA; SILVA, 2015, p. 239), 2861
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desenvolvendo seu posicionamento crítico com embasamento comprometido com a perspectiva ontológica de Marx. Para que o assistente social se configure como um profissional capacitado a atender demandas diversas, com consciência crítica, consolidando e defendendo seu projeto ético-político, é necessário desenvolva esses aspectos através da pesquisa, que gera debates e reflexões na sua formação profissional, uma vez que “Pesquisar é exercício sistemático de indagação da realidade observada, [...]” (BOURGUIGNON, 2007, p. 49). A profissão, de essência sócio histórica, tem como objeto de estudo a própria sociedade e, para entendê-la, a pesquisa científica se faz necessária, já que anda em consonância com os acontecimentos da atualidade e/ou estudos que possam explicá- los. “O Serviço Social [...] tem em sua natureza a pesquisa como meio de construção de um conhecimento comprometido com as demandas específicas da profissão e com as possibilidades de seu enfrentamento.” (BOURGUIGNON, 2007, p. 49). Contudo, entende-se que a pesquisa científica na formação profissional do assistente social se configura como base importante para a construção de um profissional capaz de atender às múltiplas demandas que lhe são postas, diariamente, pela sociedade. Apreende-se a pesquisa como um dos pilares essenciais da formação em Serviço Social, que possibilita ao profissional pensar além do senso comum, com ações que fogem do imediatismo, tendo como base a reflexão nas implicações, desafios e suas potencialidades para a promoção dos indivíduos. 3 A PESQUISA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL A pesquisa não é exclusiva do Serviço Social; ela se tornou uma parte inerente à profissão no contexto do Movimento de Reconceituação – sobretudo na fase da intenção de ruptura, influenciada pelo marxismo – onde os profissionais tiveram maior afluência ao mundo da pesquisa e pós-graduação. É nesse momento em que se inicia um aprimoramento na dimensão investigativa da profissão, considerando a importância da ciência e pesquisa para reconhecimento concreto da realidade vivenciada, tornando parte do cotidiano profissional e possibilitando aos profissionais ir além do pragmatismo. 2862
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Na formação profissional, a pesquisa social é colocada em local de construção do perfil profissional – que foge ao senso comum e às superficialidades – ao passo em que proporciona ao estudante estar em posição de interpretar o mundo de forma ancorada na teoria e na observação, tornando evidente os três pilares de uma formação: ensino, pesquisa e extensão. “A prática exige um reexame da teoria e a teoria serve para criticar a prática em profundidade, serve para questionar e corrigir a prática” (MARX; ENGELS; LÊNIN, apud KONDER, 1981, p.179). Na atual conjuntura, algumas formações profissionais em Serviço Social ocorrem de maneira superficial, aligeirada, buscando responder apenas as demandas do mercado de trabalho, “[...] vivenciamos a reorganização universitária com a subordinação da educação ao mercado, como mercadoria subjugada aos interesses do capital [...]” (SILVA; SILVA, 2015, p. 241). Essa lógica ocasiona uma formação puramente imediatista, fragilizada e precarizada; uma formação que não prioriza, tampouco reconhece, a importância da pesquisa e da produção de conhecimento, o que Chauí chama de “universidade operacional”, definida como: [...] estruturada por meio de normas e padrões totalmente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, pulverizada em micro-organizações, ocupando seus docentes e curvando seus estudantes à exigências exteriores ao trabalho intelectual. [...] uma universidade que opera, mas não atua.” (CHAUÍ, 1999 apud SILVA; SILVA, 2015, p. 241). Uma vez que “[...] o início de qualquer ciência é a própria realidade [...] que estimula, indaga, impõe necessidades vinculadas à reprodução material do ser [...]” (SILVA; SILVA, 2015, p. 242), a produção de conhecimento proposta pela “universidade operacional” impossibilita qualquer perspectiva elucidativa da realidade, por se submeter diretamente à lógica do capital, com caráter parcial e imediatista, fragmentando o conhecimento. “É impossível imaginar o desenvolvimento profissional sem que, na categoria profissional, exista um segmento dedicado expressamente à pesquisa [...]” (NETTO, 2009, p. 19) e, tendo em vista que o Serviço Social é uma profissão que pauta suas ações e preocupações nas demandas dos usuários, do trabalho e da sociedade, a pesquisa na formação desse profissional deve ter como foco a centralidade do sujeito, com um olhar crítico e reflexivo acerca da realidade vivenciada pelos indivíduos sociais. 2863
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Na acepção de Netto (2009), a pesquisa no Serviço Social se consolidou estritamente na pós-graduação, fazendo com que ocorressem discussões teóricas relevantes para a construção da profissão, dando condições para a sua entrada na participação da interlocução das Ciências Sociais, sendo assim, a pesquisa se torna produto exclusivo dos cursos de pós-graduação stricto sensu. Na atual conjuntura, a pesquisa aparenta ser pouco instigada e utilizada como ferramenta de produção de conhecimento na graduação em Serviço Social — uma profissão que se utiliza do senso investigativo, crítico e reflexivo, produzido pela própria pesquisa, fortalecendo o direcionamento ético-político da profissão. Nessa perspectiva, Amaro destaca: O conhecimento produzido pelo Serviço Social, além de abastecer os processos de trabalhos profissionais e o debate contemporâneo da profissão, sem dúvida, traz benefícios à ampla comunidade científica e social. [...] A amplitude temática e fértil produção de conhecimento no Serviço Social, não deiam dúidas de que se trata de uma profissão dotada de uma profunda vocação crítica e científica e que processa conhecimentos como mediações, tal como faz no exercício profissional. (AMARO, 2013, p. 65). Apreende-se que a pesquisa deve ser cada vez mais valorizada e instigada no campo da graduação, uma vez que ela rompe com o empirismo, com a imediaticidade e com o tecnicismo, reconstituindo as demandas profissionais e promovendo qualificação nas ações profissionais. Entretanto, essa valorização da pesquisa deve ocorrer de forma igualitária, fazendo com que se construa e estimule uma atitude investigativa para esse futuro profissional ainda em formação. É necessário, durante o processo de formação superior, que o ensinar e o aprender sejam orientados pelo acompanhamento sistemático do aluno, dos componentes curriculares, e que a dimensão do histórico e dos conhecimentos transmitidos sejam capazes de estabelecer relações que se coadunam com a defesa da vida e da cidadania. 4 CONCLUSÃO Diante das considerações realizadas no decorrer desse artigo, pôde-se apreender que a pesquisa se constitui como um dos pilares essenciais para o Serviço Social, tanto 2864
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI na formação quanto no exercício profissional, uma vez que a profissão tem, como objeto de estudo, a sociedade e as relações sociais. As instituições de ensino superior, no âmbito da graduação, demonstram uma certa fragilidade na formação, uma vez que pouco incentiva a pesquisa como forma de produção de conhecimento, visando apenas responder às demandas do mercado de trabalho, que, muitas vezes, requer uma formação imediata e superficial, fazendo com que o trabalhador se torne obsoleto em pouco tempo. É importante ressaltar que é responsabilidade das instituições formadoras o papel de formar profissionais de qualidade, inserindo e instigando a produção de conhecimento, através da pesquisa, como matriz teórica necessária na graduação. Faz-se necessário, mesmo diante de grandes transformações societárias, acreditar que a pesquisa faz com que o assistente social se posicione de maneira crítica em relação às novas necessidades, sendo ela um processo histórico de consolidação de um Serviço Social transformador de realidades. A formação profissional em Serviço Social, munida de produção de conhecimento científico, faz com que os profissionais se construam em práticas emancipatórias, em conjunto com os usuários, na luta contra todo tipo de violação de direitos; caminhando juntos na defesa do projeto ético-político profissional, que defende a emancipação do indivíduo e a liberdade. Entende-se que a atuação do profissional é baseada na compreensão dos desafios impostos pela atual conjuntura política e econômica, mas que é necessário que ocorra prévio processo de maturação intelectual, promovido durante sua formação acadêmica, no incentivo da pesquisa, ensino e extensão. Contudo, esse processo não deve se restringir apenas ao aprendizado na graduação, mas construir a necessidade da educação permanente e continuada, buscando reconhecer que o caminho para uma atuação profissional eficiente é preciso envolver pesquisas, investigações e aprendizados, além das exigências impostas. REFERÊNCIAS AMARO, S. 70 anos de Serviço Social no Brasil: tempo de reconhecimento do trabalho profissional. Curitiba: Appris, 2013. 2865
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BOURGUIGNON, J. A. A particularidade histórica da pesquisa no Serviço Social. Revista Katál. Florianópolis v. 10 n. esp. p. 46-54, 2007. KONDER, L.A.M.C, O que é dialética. São Paulo: Brasilience, 1981.p. 137-192. v.6 NETTO, J. P. Introdução ao método na teoria Social. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/Abepss, 2009. NETTO, J. P. Reconceituação do Serviço Social 40 anos depois. Serviço Social & Sociedade. nº 84, ano XXVI, São Paulo, Cortez Editora, 2005. SILVA, J. F. S. da; SILVA, M. I. da. Pesquisa e Serviço Social: contribuições à crítica. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 238-252, ago./dez. 2015. 2866
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS AS PERCEPÇÕES DOS USUÁRIOS DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL SOBRE A PERMANÊNCIA NA UNIVERSIDADE: um estudo de caso na Universidade Federal do Piauí, Campus de Parnaíba THE PERCEPTIONS OF STUDENT ASSISTANCE USERS ON STAY AT THE UNIVERSITY: a case study at the Federal University of Piauí, Campus de Parnaíba Grazielle Rodrigues Lopes Soares 1 Simone Maria de Sousa Silva 2 RESUMO A presente pesquisa tem como tema central a assistência ao estudante de baixa renda no âmbito universitário como direito social de equidade. Seu objetivo é analisar as percepções dos discentes beneficiários da assistência estudantil no tocante aos efeitos desta em suas vidas acadêmicas. A pesquisa possui abordagem qualitativa, de natureza bibliográfica e de campo, na qual foram entrevistados quatro acadêmicos beneficiários da assistência estudantil da UFPI, Campus de Parnaíba, e aplicação de questionário, a fim de mapear seus perfis socioeconômicos. O estudo contempla um breve resgate sócio histórico da assistência estudantil no Brasil e aborda sua materialização na vida acadêmica dos entrevistados. Os resultados do estudo permitiram o entendimento da percepção que os estudantes têm quanto à assistência recebida para sua permanência na universidade e êxito acadêmico, onde se identificou suas dificuldades socioeconômicas e o papel da assistência estudantil para superação destas. Palavras-Chaves: Assistência Estudantil. Permanência Estudantil. Ensino Superior. ABSTRACT This research has as its central theme the assistance to low-income students at the university level as a social equity right. Its objective is 1 Acadêmica do VIII período do curso de Graduação em Serviço Social da Faculdade UNINASSAU/Parnaíba (PI). E- mail: [email protected]. 2 Docente do Curso de Graduação de Serviço Social da UNINASSAU/Parnaíba (PI), mestre em Teologia, com linha de atuação em gênero, feminismo e diversidade. E-mail: [email protected]. 2867
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI to analyze the perceptions of students benefiting from student assistance regarding its effects on their academic lives. The research has a qualitative approach, of bibliographic and field nature, in which four academics who were beneficiaries of the student assistance of UFPI, Campus of Parnaíba, were interviewed and a questionnaire was applied in order to map their socioeconomic profiles. The study contemplates a brief socio-historical rescue of student assistance in Brazil and addresses its materialization in the academic life of the interviewees. The results of the study allowed the understanding of the perception that students have regarding the assistance received for their stay at the university and academic success, where they identified their socioeconomic difficulties and the role of student assistance to overcome these. Keywords: Student Assistance. Student Permanence. Highereducation. INTRODUÇÃO A ampliação do acesso à educação superior brasileira é pauta de atenção do Estado nas últimas décadas, de forma que, o espaço universitário ganhou viés democrático, alcançando estudantes de diversos contextos socioeconômicos e culturais. Discentes em situação de vulnerabilidades ingressam nas universidades com obstáculos que podem comprometer a conclusão da educação superior. Tal conjuntura suscita a assistência ao estudante viabilizando a permanência na universidade, no agir preventivo nas situações de retenção e evasão decorrentes da insuficiência de condições financeiras, possibilitando-os firmarem-se no espaço universitário em plano de iguais oportunidades. Nesse sentido, o estudo teve como objetivo geral analisar os efeitos resultantes das ações do Programa Nacional de Assistência Estudantil na vida acadêmica dos alunos da Universidade Federal do Piauí, Campus de Parnaíba. Acerca dos objetivos específicos, buscou-se resgatar o contexto sócio-histórico prepoderante à consolidação da assistência estudantil nas universidades federais, apresentar o perfil socioeconômico dos beneficiários entrevistados e identificar suas percepções quanto à assistência recebida na universidade. A pesquisa foi realizada no ano de 2019. A amostra do estudo deu-se em entrevista semi-estruturada a quatro discentes beneficiários da assistência estudantil. A 2868
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI escolha da amostra foi intencional ao se ter aproximação com as documentações dos beneficiários da assistência estudantil da UFPI, durante a vivência de estágio curricular em serviço social. O estudo realizado foi enquadrado na pesquisa pura aplicada, de abordagem qualitativa, caracterizando-se como exploratória e explicativa, porquanto analisa uma temática ainda pouco pesquisada. Quanto aos procedimentos técnicos, define-se como pesquisa bibliográfica, utilizando-se livros, dissertações e artigos científicos, e ainda pesquisa de campo, através da qual se identificou as percepções dos discentes quanto à assistência estudantil. De acordo com Gil (2002), o desenvolvimento do estudo sucedeu mediante os padrões que norteiam a ética da pesquisa, preservando-se a identidade dos/as entrevistados/as, os quais são identificados na pesquisa, respectivamente, como: Estudante 1, Estudante 2, Estudante 3 e Estudante 4. Nas ocasiões que se intercorreram as entrevistas, de antemão reforçou-se o objetivo do estudo aos/as informantes, bem como se lhes entregou o termo de livre e esclarecido para assinarem, os/as quais se mostraram disponíveis aos seus objetivos e a contribuir com esta. O estudo revela a contribuição da assistência estudantil para alunos superarem dificuldades de contextos sociais que lhes foram impostos, a fim que, pela educação se emancipem de situações de desigualdades do capital do saber e de abismos de oportunidades sociais. O trabalho está dividido em dois tópicos: o primeiro resgata, brevemente, a trajetória sócia-histórica da assistência estudantil no Brasil e o segundo aborda a materialização da assistência estudantil na permanência de estudantes de baixa renda da Universidade Federal do Piauí, tomando como delimitação do estudo o Campus de Parnaíba. 2 OS DESDOBRAMENTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL BRASILEIRA A política de assistência estudantil na universidade brasileira é um direito social que possibilita as condições de permanência de estudantes, prioritariamente, de baixa renda na educação superior. Remota aos anos finais da velha república, quando em 1928 criou-se a Casa do Estudante Brasileiro, em Paris, a fim de “auxiliar discentes que 2869
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI estudavam na capital francesa e tinham dificuldades em se manter na cidade” (IMPERATORI, 2017, p. 28). Nessa época ainda não havia universidades no Brasil e a assistência viabilizada alcançava, majoritariamente, a elite do país, a qual tinha possibilidades dos filhos estudarem no exterior. A assistência estudantil passou a estar presente na legislação do país desde a Constituição Federal de 1934, que assegurava serviços de assistência educacional em todos os níveis de ensino, onde os alunos de baixa renda recebiam assistência na perspectiva de ajuda, sem implicação direta do direito à educação. Somente na LDB de 1961 (Lei n°4024/61) é que a assistência se apresenta como direito de permanência na escola. Na década de 1970 houve a expansão das universidades federais brasileiras, ampliando o número de vagas e possibilitando um restrito acesso de estudantes de baixa renda na educação superior, os quais imprimiram lutas por condições de permanência na universidade (Imperatori, 2017). Essa conjuntura demandou a criação de programas de Bolsas Trabalho pelo decreto n° 69.927 em janeiro de 1972, o qual previa que o aluno de baixa renda deveria trabalhar em entidades públicas ou privadas para receber auxílio que provesse sua manutenção básica durante a graduação. Essa medida dificultava o satisfatório desenvolvimento acadêmico do estudante que necessitava conciliar o trabalho com os estudos (Carvalho, 2015). Em 1987 foi criado o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE), resultante de debates a respeito da assistência estudantil nas instituições federais de ensino superior, as quais eram espaços de disputas entre projetos de democratização e de continuidade da elitização do ensino, sendo que a perspectiva do primeiro reconhecia a tão igual necessidade de possibilitar condições de permanência, juntamente com o acesso a educação universitária. A Constituição Federal de 1988 reconhece ações de permanência de alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica nos estabelecimentos de ensino, ao afirmar a educação como dever do Estado e da família (art 205, caput), tendo como princípio a igualdade de condições de acesso e permanência na escola (art.206, I). Contudo, Alves (2013) atenta que até a década de 2000, a assistência estudantil ocupou posição periférica na legislação brasileira, de forma que a Constituição Federal de 1988 e a LDB 2870
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de 1996 (Lei n° 9394/96) mencionam sutilmente o tema, sem contemplar especificidades para a manutenção de estudantes de baixa renda nos estabelecimentos de ensino. A reforma universitária que ocorreu no governo Lula foi importante para a expansão, a democratização e a inclusão, com vistas a promover o desenvolvimento e redução das desigualdades sociais, a partir do Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) implementado pelo decreto n° 6.096/07, com a finalidade de “criar meios de ampliação ao acesso e permanência no ensino superior, no nível de graduação, bem como melhorar a estrutura física das universidades e de recursos humanos existentes nas mesmas.” Isso demandou uma assistência estudantil enquanto política social para que a democratização se efetivasse nas universidades federais (CARVALHO, 2015, p. 32). A partir disso, ocorreu a implantação do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), através da portaria normativa n° 39 de dezembro de 2007, um direito social de reconhecimento a necessidade de enfrentar as desigualdades sociais aliada à educação. O PNAES passou a ser a base para as ações e programas realizados nas instituições federais de ensino superior aos estudantes de cursos de graduação presenciais (Leite, 2015). O PNAES, na condição de portaria normativa, foi transformado no decreto 7.234, de julho de 2010, o qual detalha o perfil de estudante que deve ter prioridade no atendimento, sendo discentes vulneráveis em termos socioeconômicos, considerados sem condições financeiras suficientes para manterem-se na universidade durante a graduação. A legitimidade do PNAES, somada à Lei 12.711/2012, ampliou a cobertura de benefícios da Assistência Estudantil, especialmente, aos alunos de escolas públicas, de onde geralmente, emanam as maiores desigualdades sociais, que dificultam as possibilidades de os jovens adentrarem e permanecerem no ensino superior. Ressalta-se o papel estratégico das universidades na “contribuição com o desenvolvimento econômico e social do país”, devendo para isso possibilitar a democratização do acesso e da permanência de estudantes de menor renda na educação superior (ARRUDA, 2011, p. 506). Reverberando nessa direção, o PNAES 2871
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI apresenta suporte para “o combate das desigualdades sociais e regionais”, ao ser “instrumento para ampliação e a democratização das condições de permanência de jovens no ensino superior público federal” (ALVES, 2013, p.6). Dessa forma, junto à universidade, a política de assistência estudantil busca contribuir na redução dos efeitos das desigualdades sociais à medida que viabiliza condições para permanência de alunos de baixa renda em cursos de nível superior, a fim de que concluam a trajetória acadêmica de forma satisfatória. Isso ocorre através da promoção da assistência ao educando na forma de benefícios, viabilizando o direito de igualdade. 3 A MATERIALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NA PERMANÊNCIA DE ESTUDANTES DE BAIXA RENDA DA UFPI, CAMPUS DE PARNAÍBA A Universidade Federal do Piauí é uma instituição pública de ensino superior que tem as ações da assistência estudantil geridas pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Comunitários (PRAEC) com sede em Teresina e com instalações de Núcleos de Assistência Estudantil (NAE) nos demais campus situados nos municípios de Parnaíba, Floriano, Bom Jesus e Picos. A PRAEC implementa os benefícios da assistência estudantil como auxílios financeiros destinados a estudantes com necessidades socioeconômicas para sua manutenção na universidade durante a graduação, atendendo demandas a respeito de moradia, alimentação, transporte, material de estudo, creche (este último destinado para estudantes genitores de crianças de até 3 anos e 11 meses de idade), entre outras demandas pertinentes às vulnerabilidades sociais manifestas em suas vidas, que possam comprometer a permanência na universidade durante a graduação. Todos os benefícios da assistência estudantil da UFPI são destinados a estudantes oriundos de famílias com renda per capita de até um salário mínimo e meio, regulamente matriculados em cursos de graduação presencial, priorizando os advindos da rede pública de ensino de acordo com o perfil socioeconômico definido pelo PNAES (Decreto 7.234/10). 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS 2872
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A presente pesquisa procedeu mediante o seguinte questionamento: como os universitários da UFPI, Campus de Parnaíba, percebem os efeitos da assistência estudantil em suas vidas acadêmicas? O estudo buscou analisar a efetividade da assistência estudantil a partir da percepção dos próprios beneficiários, a fim de que se possa mensurar as contribuições dessa política na garantia da permanência e do êxito acadêmico de estudantes de baixa renda durante a graduação. No tocante aos perfis socioeconômicos dos entrevistados: todos são oriundos de escola pública e três deles acessaram o ensino superior por cotas raciais e/ou socioeconômicas. São acadêmicos dos cursos de pedagogia, ciências econômicas, medicina e psicologia. Três declararam-se do gênero masculino e uma do gênero feminino. Todos se afirmaram pardos. Em suas respostas prevaleceu a composição familiar de até três pessoas e renda per capita familiar de até meio salário mínimo. Cada participante recebe distintos benefícios da assistência estudantil: Bolsa de Apoio Estudantil, Auxílio Creche, Residência Universitária e Bolsa de Incentivo a Atividades Socioculturais e Educacionais. O fato dos quatro entrevistados serem oriundos de escolas públicas e três acessarem o ensino superior por cotas, sinaliza indícios de que o acesso a universidade com o mínimo de 50% das vagas destinadas aos estudantes da rede pública de ensino promove democratização desse espaço. Por outro lado, a renda per capita de baixa renda evidencia a necessidade de ações para que as dificuldades socioeconômicas dos estudantes não atinjam suas possibilidades de desenvolvimento acadêmico. Isto é, mesmo já tendo obtido o acesso, é preciso ter condições de permanência na universidade durante a graduação. No tocante as entrevistas concedidas pelos estudantes, foi perguntado como conceituariam, com suas palavras, os auxílios da assistência estudantil, obtendo-se respostas representadas nas seguintes falas: Estudante 1: A assistência estudantil, esses auxílios, são a vida praticamente. Eles representam uma forma de incentivo do próprio governo, que, na verdade não é uma bondade dele, é uma forma de tentar corrigir os erros dele, principalmente, em relação aos alunos de escola pública, como eu e outros. É um ingresso para o futuro, para as pessoas mais pobres pelo menos. Estudante 2: Esses auxílios tem a concepção da permanência aqui na universidade, de poder auxiliar na questão do transporte, de poder ir numa xerox, poder tirar cópias, cumprir com certas necessidades básicas que o estudante tem durante a universidade. 2873
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O estudante 1 expressa a assistência estudantil como representação de vida, dado o seu significado para a permanência dele na universidade durante a graduação. Sua narrativa evidencia a consciência cidadã politizada de saber o papel do Estado na garantia de direitos reparatórios das desigualdades sociais. (Carvalho, 2019). O estudante 2 traz em sua retórica a aplicação dos auxílios na vida acadêmica. Apesar de não mencionar que estes se destinam a estudantes de baixa renda, seu uso é atribuído ao atendimento das necessidades básicas de permanência na universidade, inerentes ao alcance do êxito acadêmico. Os entrevistados foram indagados ainda quanto às dificuldades socioeconômicas que tinham antes de a eles serem viabilizados os auxílios da assistência estudantil. Entre as respostas, obteve-se: Estudante 1: Eu sou de uma cidade pequena que realmente não tem acesso à informação. Minha família realmente não gosta de quem faz ensino superior, um tio meu tentou fazer universidade particular a distância, não conseguiu pagar, então minha família já tinha essa experiência: é melhor não fazer ensino superior. E quando eu passei, disseram para eu não vir porque não tínhamos condições. (...) a gente morava, inclusive em um barraco de taipa e palha até 2016. Na minha vinda para cá, eu não tinha outra opção senão a assistência estudantil, já que era impossível minha família me manter aqui com aluguel, comprar comida, pagar água, luz, internet, essa até que eu abriria mão no início, mas agora já vejo que é muito necessária, principalmente em relação aos trabalhos. A fala do estudante manifesta “os efeitos das desigualdades existentes provocadas pelas condições da estrutura social e econômica” presentes na realidade brasileira e imersa no contexto universitário, especialmente, a partir da democratização da educação superior, que por sua vez, não se efetivaria, não fosse as possibilidades de incorporação dos estudantes oriundas de famílias de baixa renda na universidade pela perspectiva da inclusão social. (ANDIFES, 2017, p. 02) Quanto a mesma pergunta, o Estudante 4 respondeu: Antes do auxílio da assistência estudantil faltava um mês para eu ser expulso de onde morava. Eu dividia aluguel com outros estudantes e não tinha dinheiro para pagar o aluguel no fim do mês. Meu pai mandava dinheiro para mim, mas não era suficiente para me alimentar direito, pagar xerox, pagar aluguel. Às vezes, eu tinha que pedir ficha do RU emprestado e dizer que depois pagava. 2874
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A resposta do estudante realça que a democratização do acesso ao ensino superior aos estudantes de baixa renda é um fato, pois na história da educação brasileira “raros eram os casos de estudantes de baixa renda, oriundos de escolas públicas, que conseguiam assento nos bancos das Instituições Federais de Ensino Superior (CARVALHO, 2019, p. 262). De igual modo, as refrações da questão social presentes na fala do entrevistado depreendem a legitimação de uma assistência ao estudante que adentra o espaço universitário com carências de necessidades básicas para alçar a permanência e sucesso acadêmico. Indagados sobre se a assistência estudantil contribuiu para o enfrentamento dessas dificuldades e, se sim, de que forma, as respostas obtidas foram: Estudante 1: Com certeza, sem dúvidas. A minha permanência aqui é por conta da assistência estudantil. A assistência é quase um sustento. Depois que cheguei na residência fui crescendo no curso, nela tive suporte de alimentação, de tudo de uma casa bancado pela universidade. Minha preocupação passou a ser só frenquentar as aulas e tirar notas boas que é a nossa contrapartida. Estudante 3: Apesar de que algumas pessoas digam que é pouco, para mim é algo que realmente importa para eu permanecer na universidade: eu comecei a utilizar a bolsa com responsabilidade, para me manter até me formar, algo que é meu sonho, que me faz crescer. As percepções dos estudantes são pautadas em suas próprias historicidades de vida marcadas por vulnerabilidades, o que realça a assistência estudantil como um mecanismo equitativo para superação de dificuldades socioeconômicas que podem incidir no desenvolvimento acadêmico desses estudantes. Uma vez que “a educação seja um direito de todos e todas, a assistência estudantil também deve sê-lo”. Contudo, a universalização ainda é um desafio posto a assistência estudantil, a qual foi legitimada como uma política focalista, que delimita o público de garantia a quem dela mais necessita, assim como a assistência social. Em maior complexidade a tal problemática, “os recursos destinados ao PNAES, muito embora historicamente crescentes, ainda são insuficientes para o atendimento de toda a demanda, implicando em evasão” (PAIXÃO et al, p. 103, 2016). Foi perguntado ainda se os estudantes participantes percebem resultados do auxílio da assistência estudantil em suas vidas acadêmicas e para sua permanência na universidade durante a graduação. Estudante 2: Se eu não recebesse auxílio creche, provavelmente, eu não estaria na universidade, tendo que trabalhar para sustentar meu filho. O 2875
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI auxílio me ajuda a pagar a escola do meu filho, enquanto ele tá lá, eu to aqui fazendo minhas atividades e trabalhos daqui da universidade. A resposta da entrevistada 2 condiz com Carvalho (2019), que destaca aquisição de material didático, a maior concentração nos estudos e maior tranquilidade familiar entre as principais mudanças ocorridas na vida acadêmica de beneficiários da assistência estudantil após aquisição dos auxílios financeiros que visam compensar as vulnerabilidades socioeconômicas que podem comprometer o êxito acadêmico. Os estudantes foram ainda indagados se seria possível permanecer na universidade sem o auxílio da assistência estudantil, os quais foram unânimes em afirmar que sem a assistência, provavelmente, desistiriam por ausência de mínimas possibilidades para se manterem frequentes nas aulas e permanecerem na universidade. Destacaram ainda: Estudante 2: Acredito que eu e muitos estudantes que conheço não conseguiriam concluir o curso sem os auxílios da assistência estudantil porque são de famílias realmente pobres e muitos dos cursos aqui da UFPI, por serem regime integral de aula, impossibilita dos estudantes de conciliarem estudos e trabalho para o próprio sustento. Estudante 3: Eu não estaria aqui porque priorizaria a falta da questão econômica da minha família, da minha situação e iria procurar um trabalho, não iria seguir os estudos e como o curso de psicologia é integral, né, o dia todo, isso dificultaria muito eu está aqui na faculdade e arrumar um emprego. Os dois estudantes reforçaram, que na ausência dos auxílios da assistência estudantil existiria a impossibilidade de conciliar emprego com estudos devido regime integral de aulas onde os alunos necessitam manterem-se presentes. Nesse caso, como os estudantes atestam superar dificuldades financeiras e acadêmicas mantendo-se na universidade com os recursos recebidos da assistência estudantil, evidenciam que esta é um mecanismo que contribui no combate a retenção e evasão decorrentes de insuficiência de condições financeiras. Os estudantes foram ainda questionados se considerariam a assistência estudantil um mecanismo que contribui para democratização e inclusão social da educação superior, com vistas à permanência de estudantes de baixa renda na universidade, os quais responderam: Estudante 1: A assistência estudantil te dá equiparidade, te torna no mesmo nível, ou quase lá, de outras pessoas da universidade, porque é o básico daqui é você se manter e estudar. Se você conseguir estudar com qualidade, se você conseguir se manter aqui com o mínimo de qualidade, você estará no mesmo 2876
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI nível de outras pessoas fazendo a gente ficar pelo menos perto daquelas pessoas com poder aquisitivo. A fala do estudante 1 afirma a universidade sendo um espaço que deixa de ser alcançado majoritariamente pela elite, e passa a ser um campo por onde pessoas podem vencer as dificuldades sócio-estruturais de pobreza pela educação. Contudo, acerca da mesma pergunta, o entrevistado 2 responde “a assistência estudantil trás inclusão, democratização, mas tem que haver uma ampliação das informações”. O discente considera que a ações da assistência estudantil ainda não são divulgadas suficientemente, fazendo com que alunos que também necessitam de auxílios não os acessem por falta de informação. Tal fator deve ser levado em consideração, pois para que a assistência estudantil se consolide como uma política que assegure direitos é necessária traçar estratégias para que o público de usuários saiba que dispositivos acionar frente às vulnerabilidades socioeconômicas que enfrentam. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse estudo teve a pretensão de possibilitar aos usuários da assistência estudantil externarem suas visões acerca do direito da assistência recebida, podendo a UFPI utilizar tais levantamentos para avaliar as próprias ações desenvolvidas no âmbito da assistência estudantil, conforme inciso II do art. 5° do PNAES, que versa sobre a atribuição das IFES em estabelecer mecanismos de acompanhamento e avaliação do PNAES. Os resultados logrados nessa pesquisa denotam os efeitos da assistência estudantil na permanência de estudantes com baixo poder aquisitivo na universidade. Expõem dificuldades que os estudantes trazem consigo para o contexto de vida acadêmica que implicam limitações no aproveitamento escolar e as subjetividades com que cada um utiliza os auxílios na superação das dificuldades socioeconômicas e acadêmicas. A hipótese de que os beneficiários da assistência estudantil percebem esse direito social como preponderante para permanência de alunos de baixa renda na universidade foi confirmada nas respostas dos entrevistados, pois todos asseguraram em suas falas a relevância da assistência estudantil para superação das dificuldades socioeconômicas a que lhes são impostas pelas relações de opressão social. 2877
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Embora um estudo de caso não tenha por pretensão explicar a realidade em sua integridade, seu recorte sinaliza indícios para melhor compreensão do fenômeno estudado, no caso dessa pesquisa, considera-se o olhar dos sujeitos entrevistados, beneficiários da assistência estudantil. A pesquisa obteve êxito no alcance de seu objetivo em analisar as percepções dos discentes da UFPI no tocante a assistência estudantil, uma vez que os resultados adquiridos permitiram identificar as dificuldades subjetivas dos estudantes e o papel da assistência estudantil em contribuir para superá-las, como política de inclusão e democratização que visa a equidade, justiça social enquanto mecanismo de redução das desigualdades sociais. Espera-se que a presente pesquisa seja um prelúdio e um estímulo para que próximos estudos abordem a assistência estudantil a partir da compreensão dos mais interessados nela: os próprios estudantes beneficiários. REFERÊNCIAS ALVES, E. J. Políticas sociais de assistência estudantil para estudantes pobres nas universidades públicas brasileiras. In: VI Jornada Internacional de Políticas Públicas. São Luís. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2013/JornadaEixo2013/anais- eixo5pobrezaepoliticaspublicas/politicassociaisdeassistenciaestudantilparaestudantes pobres.pdf>Acesso em: 03 de junho de 2019. ARRUDA, A. L. B. Políticas na educação superior no Brasil: expansão e democratização: um debate contemporâneo. Espaço do Currículo, v. 3, n. 2, PP. 501- 510. 2011. Disponível em: <http://flacso.org.br/files/2016/10/9661-12053-1-PB.pdf.> Acesso em: 15 de junho de 2019. ANDIFES, 2017. Pesquisa do Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das IFES, s/d. Disponível em: <http://www.andifes.org.br/wp- content/uploads/2017/12/I-Perfil-dos-Graduandos-IFES.pdf>. Acesso em 08 de outubro de 2019 BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm.> Acesso em: 15 de agosto de 2019. _______, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm.> Acesso em: 01 de maio de2019. 2878
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI _______, Decreto nº 6.096 de 24 de Abril de 2007. Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6096.htm.> Acesso em: 06 de junho de 2019. _______, Decreto nº 7.234 de 19 de Julho de 2010. Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, 2010. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7234.htm. Acesso em: 06 de abril de 2019. _______, Decreto n° 69.927, 13 de janeiro de 1972. Programa Bolsa de Trabalho. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto- 69927-13-janeiro-1972-418292-publicacaooriginal-1-pe.html> Acesso em: 07 de junho de 2019. _______, Lei nº 9.394, de 29 de Dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos.> Acesso em: 06 de junho de 2019. _______, Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 1961. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4024.htm> Acesso em: 07 de março de 2019. _______, Lei n° 12.711, de 29 de agosto de 2012. Lei de Ingresso nas Universidades Federais e nas Instituições Federais de Ensino Técnico de Nível Médio. 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm> Acesso em: 11 de agosto 2019. _______, Portaria Normativa N° 39, de 12 de Dezembro de 2007. Institui o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES. Brasília, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/portaria_pnaes.pdf.>Acesso em 01 de abril de 2019. CARVALHO, L. M. S. A atuação do assistente social na execução do Programa Nacional de Assistência Estudantil e o impacto deste na vida acadêmica dos alunos da Universidade Federal do Piauí, Campau Ministro Reis Veloso. 2015. In: FÉRRIZ, A. F. P; BARBOSA, M. Q. (Org.) Panorama da inserção do/a assistente social na política de educação. Salvador: EDUFBA, 2019. ________, L. M. S; BORGES, E. C. C; SOUZA, P. R. P. O impacto das ações do Programa Nacional de Assistência Estudantil na vida acadêmica dos alunos da Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Veloso. 2015. In: SOUZA, P. R. P. (Org.) Educação: caminhos para transformação. 178 p. Porto Seguro: Editora Oyá, 2019. 2879
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI FONAPRACE, Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários. Revista comemorativa, 25 anos. ANDIFES. PROEX: 2012. Disponível em: <http://www.assistenciaestudantil.cefetmg.br/galerias/arquivos_download/Revista_F onaprace_25_Anos.pdf> Acesso em: 04 de abril de 2019. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002. IMPERATONI, T. k. A trajetória da assistência estudantil na educação superior brasileira. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 129, p. 285-303, maio/ago.2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n129/0101-6628-sssoc-129-0285.pdf.> Acesso em: 03 de junho de 2019. LEITE, J. O. O Programa Nacional de Assistência Estudantil: uma medida socio-liberal em tempos de revisão ideológica do neoliberalismo. 2015. In: FÉRRIZ, A. F. P; BARBOSA, M. Q. (Org.) Panorama da inserção do/a assistente social na política de educação. Salvador: EDUFBA, 2019. PAIXÃO, M. V. S; TOREZANI, S. R; GONÇALVES, S. M. M; BOZETTI, M. A percepção dos discentes do IFES – Campus Santa Teresa sobre a assistência estudantil. Conhecimento e diversidade. Niterói, v. 8, n. 16, p. 100-112, jul/dez 2016. Disponível em: https://revistas.unilasalle.edu.br/index.php/conhecimento_diversidade/article/view/2 575. Acesso em: 08 de agosto de 2019. 2880
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A CONTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DE PROPOSTA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NA UnATI/UERJ THE CONTRIBUTION OF SOCIAL WORK IN THE CONSTRUCTION OF A UNIVERSITY EXTENSION PROPOSAL AT UnATI/UERJ Eds@1313 Alzira Tereza Garcia Lobato 1 Carla Virginia Urich Lobato 2 RESUMO Este trabalho apresentará os resultados de pesquisa sobre a contribuição do Serviço Social na construção de proposta de extensão universitária, articulada ao ensino e a pesquisa, em programa de universidade de terceira idade, de universidade pública do Rio de Janeiro Palavras-Chaves: Serviço Social. Extensão Universitária. Universidade Da Terceira Idade. ABSTRACT This work will present the results of research on the contribution of Social Work in the construction of a university extension proposal, linked to teaching and research, in a program for a third age university, a public university in Rio de Janeiro. Keywords: Social Work. University Extension. University to Third Age. INTRODUÇÃO O envelhecimento da população dá-se em nível mundial e torna-se um desafio pois requer a garantia de viver mais, com qualidade de vida e dignidade. No Brasil, o segmento de idosos, pessoas com 60 anos e mais, é o que mais cresce. De acordo com 1 Professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Serviço Social pela FSS/UERJ. Email: [email protected] 2 Residente do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Email: [email protected] 2881
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI o IBGE (2010) temos 21 milhões de idosos, quase 11% da população brasileira. Em 2015, chegamos a 14,3% e com a perspectiva de, em 2030, termos cerca de 18,6% de idosos. (IBGE, 2016). Considerando esse crescimento dos idosos, nos interessa destacar, para essa nossa análise as considerações de Lobato (2010) sobre os programas de universidade de terceira idade em nosso país, desenvolvidos desde a década de 1990, tendo como referência os programas franceses que buscavam a valorização dos idosos, no âmbito das universidades, através de programas de extensão universitária, muitas vezes associados à pesquisa e ensino sobre o envelhecimento, conhecidos como Université Du Troisième Âge. Dando visibilidade a uma grande parcela de idosos, em sua maioria mulheres, esses programas vêm traduzindo uma imagem da velhice como tempo de realizações, de atividade, de aprendizado e de conquista de direitos sociais para os idosos. Avançando na análise do processo de envelhecimento, Lobato (2010) explicita que a contribuição do Serviço Social sobre o envelhecimento, dá-se na compreensão de que estamos diante de um processo que não é homogêneo e nem a-histórico e que em nossa sociedade, o aumento da expectativa de vida é determinado pelas condições de vida dos sujeitos que envelhecem. Assim, a inserção de classe dos sujeitos é uma determinação central para as condições de vida e trabalho. Portanto, para aqueles que vendem sua força de trabalho ao longo de sua vida produtiva, o envelhecimento é acompanhado de desvalorização, vulnerabilidade social, e, mesmo com a garantia do direito à aposentadoria, esses trabalhadores têm perdas financeiras significativas, principalmente porque perdem o valor de uso para o capital. Teixeira (2008, p.40) analisando o envelhecimento e o trabalho na sociedade capitalista explicita que é na velhice que se evidencia a reprodução e a ampliação das desigualdades sociais sendo o envelhecimento do trabalhador uma das expressões da questão social o que por um lado remete à reconstrução dos processos materiais de existência sob a lógica do capital, que constituem seus determinantes fundamentais [e por outro] remete às lutas sociais de resistência que são o fundamento principal do rompimento dessa problemática no âmbito privado [...] e ascensão ao domínio público, como prioridade de políticas públicas, logo, da reprodução social sob responsabilidade dos fundos públicos. (Teixeira, 2008, p.43). 2882
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI No que tange às políticas para idosos no Brasil, Lobato (2010) esclarece que foram criadas ao longo da década de 1990, num contexto de hegemonia do ideário neoliberal, determinando a retirada de direitos e a ausência de financiamento público para as políticas sociais, o que tem gerado altas taxas de desemprego, expandindo o trabalho precário, informal, retirando dos trabalhadores as conquistas de direitos trabalhistas, como as aposentadorias. Behring e Boschetti (2008) analisando as políticas sociais no contexto de hegemonia neoliberal afirmam que os direitos sociais têm sido relegados e as políticas sociais são transformadas em ações pontuais e compensatórias. Apesar desse quadro desfavorável, desde a Constituição Brasileira de 1988, verificamos a garantia de direitos para os idosos, tendo em vista o Artigo 230 que atribui a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado no amparo à população idosa tendo o dever de assegurar a participação na comunidade e o direito à vida. A Política Nacional do Idoso aprovada em 1994 e o Estatuto do Idoso sancionado em 2003, tendo como objetivo a integração social e a participação social dos idosos, vieram ampliar e regulamentar direitos e garantir a educação continuada para idosos, através da criação de programas de universidade de terceira idade. Porém, tanto os direitos afirmados na Constituição como aqueles afirmados nas políticas ainda não realizaram seus objetivos completamente, por dificuldades orçamentárias, principalmente pelo estabelecimento, no atual governo, de um Estado mínimo, cada vez mais comprometido em restringir os direitos conquistados pela classe trabalhadora, desregulamentando nosso sistema de proteção social, o que afeta os idosos brasileiros no presente e no futuro. Neste contexto de precarização de políticas públicas no Brasil, podemos citar a aprovação da PEC 95, que congela os gastos públicos por vinte anos e as reformas trabalhistas e da previdência, realizadas com o objetivo de favorecer o capital financeiro, atendendo às exigências dos organismos internacionais como o Banco Mundial. Portanto, neste breve texto, objetivamos apresentar, alguns aspectos da pesquisa realizada para o doutorado do seguinte modo: utilizando levantamento bibliográfico e pesquisa documental. Assim sendo o foco deste trabalho é identificar a contribuição do Serviço Social no desenvolvimento de extensão universitária em programa de universidade aberta da terceira idade (UnATI) /UERJ e sua expansão, 2883
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI articulada ao ensino e pesquisa na Faculdade de Serviço Social (FSS) /Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 2 A PROPOSTA DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DO SERVIÇO SOCIAL NA UNATI/UERJ E NA FSS/UERJ A partir da década de 1990, conforme Lobato (2010) presenciamos a ampliação dos programas de universidade de terceira idade, no interior das universidades brasileiras, vinculados predominantemente, às atividades de extensão, mas também articulados ao ensino e à pesquisa, numa perspectiva de educação permanente para idosos, buscando garantir o direito à educação na velhice, uma das diretrizes das políticas para idosos. Assim, tratar do envelhecimento nas universidades significa valorizar a extensão universitária comprometida com a garantia de direitos dos idosos, seja contribuindo para melhorias na saúde e qualidade de vida como também na valorização da velhice, contribuindo para trocas geracionais entre jovens e idosos que construam representações mais positivas e redes de solidariedade entre aqueles sujeitos de direitos. A partir desses pressupostos, de uma extensão universitária voltada para o atendimento das demandas provenientes de diferentes segmentos da sociedade é que identificamos a criação do programa da Universidade Aberta da Terceira Idade/UERJ em 1993 com o objetivo de contribuir para a melhoria dos níveis de saúde física, mental e social das pessoas idosas. O programa conta com profissionais de diferentes formações como: pedagogos, educadores, psicólogos, psicomotricista, fisioterapeutas, nutricionistas e outros que coordenam cursos para idosos e se vinculam ao Centro de Convivência. Muitos são profissionais contratados, outros se vinculam à universidade e alguns são docentes de diferentes unidades de ensino. Outra grande área do programa, trata da saúde do idoso, através de atendimento aos idosos no ambulatório NAI – Núcleo de Atendimento ao Idoso que conta com equipe multiprofissional de saúde, com: médico, enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta, assistente social. A maioria desses profissionais tem vínculo empregatício com a universidade. 2884
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A aproximação das unidades de ensino da universidade com o programa deu-se a partir de convite do diretor, com o intuito de desenvolver atividades de extensão e pesquisa no interior do programa. O Serviço Social está presente no programa desde seu início, com a participação de docente da Faculdade de Serviço Social (FSS) o que possibilitou inserir a temática do envelhecimento na formação do assistente social. Inicialmente, o projeto de extensão se voltava mais para o desenvolvimento de cursos livres para idosos, alunos do Centro de Convivência cujo eixo estava voltado para os direitos dos idosos e sua participação na sociedade. A vivência com profissionais de diferentes áreas do conhecimento bem como a aproximação com os idosos, ainda pouco conhecidos quanto ao seu perfil, levou-nos a perceber a riqueza desse espaço, para o desenvolvimento de estágio curricular para alunos da graduação de Serviço Social. No âmbito do ensino, do curso de graduação, com a entrada de alunos em estágio, criou-se em 1994, a disciplina obrigatória de Estágio Supervisionado – Grupo Terceira Idade, que sob a coordenação do docente que desenvolve a extensão, ministra conteúdo sobre o Envelhecimento e o trabalho do Serviço Social, em diferentes espaços de atenção ao idoso. A expansão da proposta de extensão voltada para outros programas de idosos, no interior da universidade, deu-se articulado ao Programa de Preparação para a Aposentadoria, da então Superintendência de Recursos Humanos, através de palestras sobre o “Envelhecimento e os direitos dos idosos” para os docentes e técnicos que se encontravam há cinco anos da aposentadoria. A convite da diretoria da ASDUERJ – Associação de Docentes da UERJ, a atividade de extensão ampliou-se para um trabalho de aproximação dos docentes aposentados da associação, identificando suas demandas como aposentados. Com este grupo, durante dois anos, foi possível organizar Encontros de Docentes Aposentados, para discutir seus direitos, encaminhar suas demandas e ampliar sua participação na universidade. Chamou-nos atenção o envelhecimento de alguns docentes acompanhado de problemas de saúde e de baixas aposentadorias decorrentes do fato de não terem tido, quando na ativa, o regime de trabalho de Dedicação Exclusiva, o que os levava a terem outros vínculos empregatícios. 2885
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A articulação da extensão com o estágio supervisionado, em todos esses espaços da universidade, possibilitou que os alunos elegessem como temática de seu Trabalho de Conclusão de Curso, considerado disciplina obrigatória da graduação, a, sistematização das atividades desenvolvidas com os idosos pelo assistente social. Esse movimento resultou numa produção significativa sobre o trabalho do Serviço Social, não só na UNATI/Uerj, como em outros campos. No que diz respeito à articulação da extensão com a pesquisa, voltada para o universo de idosos da Universidade Aberta da Terceira Idade/UERJ, destacamos a realização do primeiro estudo sobre o perfil dos alunos idosos, ainda em 1994, envolvendo alunos de Serviço Social que participaram da elaboração, realização das entrevistas e análise, juntamente com a docente coordenadora da extensão. Este estudo identificou que as mulheres idosas eram maioria (84%) e os homens idosos minoria (16%). Ambos declararam que os motivos para participarem do programa eram basicamente: desenvolver a sociabilidade adquirir novos conhecimentos. Esse resultado veio a corroborar outros estudos de perfil de alunos de programas educativos para idosos, além de nos orientar nas atividades propostas aos alunos do programa. Outra pesquisa realizada a partir das demandas da extensão, ocorreu quando o programa completou quinze anos com o objetivo de identificar questões de gênero e geração, na permanência de mulheres idosas no programa. Essa pesquisa contou com a participação de bolsista de Iniciação Científica. Os resultados identificaram que a geração dessas mulheres não teve, ao longo da vida, acesso e valorização para a educação o que, de certo modo, fazia com que elas se interessassem pela educação na velhice, não formal, mais voltada para a área de atividades artísticas e culturais, cursos sobre o envelhecimento, educação e saúde e conhecimento de seus direitos. Assim, toda a produção de conhecimento que se dá na área do envelhecimento a partir da extensão, se traduz na publicação de artigos em livros, revistas da Universidade Aberta da Terceira Idade /UERJ, revista da Faculdade e Serviço Social e anais de congresso de Serviço Social e de áreas afins. Mais recentemente, em 2018, finalizamos nossa produção da tese de doutorado em Serviço Social. Portanto, através da extensão voltada para o Envelhecimento, Políticas para Idosos e o trabalho do Serviço Social com idosos, desenvolvemos na Faculdade de 2886
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Serviço Social, disciplinas com este conteúdo, tanto na graduação como na pós- graduação lato sensu curso de Especialização em Serviço Social e Saúde. Os assistentes sociais da Universidade Aberta da Terceira Idade/UERJ, atualmente seis profissionais, participam do Centro de Convivência, com dois assistentes sociais e um docente da FSS, com propostas educativas para idosos e do Núcleo de Atenção ao Idoso – NAI, com quatro assistentes sociais, sendo que uma delas é também docente da Faculdade de Serviço Social. Destacamos que todos os assistentes sociais são supervisores de alunos da graduação de Serviço Social. Especificamente, os assistentes sociais do Núcleo de Atenção ao Idoso são também, preceptores de assistentes sociais do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Idoso. De modo geral a equipe do Serviço Social, desenvolve um trabalho que tem a extensão universitária voltada para a garantia dos direitos dos idosos do programa, articulada às ações de ensino e pesquisa sobre o envelhecimento, envolvendo alunos de Serviço Social e assistentes sociais que se capacitam nas áreas de educação e saúde do idoso. Destacamos que o perfil dos assistentes sociais da Universidade Aberta da Terceira Idade/UERJ é de capacitação contínua, desde especialistas em Gerontologia, Mestrado em Serviço Social e outras áreas, como também, doutorado em Serviço Social. 3 CONCLUSÃO No âmbito da universidade pública, os programas educativos para idosos, tem referenciado a extensão voltada para resgatar o direito do idoso à educação na velhice, pois para muitos deles, principalmente as mulheres idosas, maioria nos programas para idosos, esse acesso lhes foi negado por serem mulheres de uma geração em que a desvalorização da educação predominava, tendência que vem sendo revertida na atualidade. Portanto, percebe-se que a contribuição do Serviço Social no programa da Universidade Aberta da Terceira Idade /UERJ, tem sido de construção de uma proposta de extensão universitária que articule também ensino e pesquisa objetivando a melhoria da qualidade de vida dos idosos, e a educação para a participação na luta pela garantia de direitos. 2887
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2008. BRASIL. Censo demográfico de 2010. Disponível em: < www.ibge.gov.br> Acesso em: 08 de julho de 2018. BRASIL. IBGE. PNAD 2015. Rio de Janeiro:IBGE, 2016. ________. Constituição Federal. Brasília, 1988. _______. Estatuto do Idoso. Lei n°10. 741 de 1º de outubro de 2003. _______. Política Nacional do Idoso. Lei n° 8. 842 de 4 de janeiro de 1994. LOBATO, Alzira Tereza Garcia. Considerações sobre o trabalho do assistente social na área do envelhecimento. In: FORTI, Valéria e GUERRA, Yolanda (Orgs.). Serviço Social: temas, textos e contextos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 213-226. LOBATO, Alzira Tereza Garcia. Serviço Social, envelhecimento e extensão universitária: a contribuição dos assistentes sociais na UnATI/UERJ. 2018. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) UERJ. Rio de Janeiro. TEIXEIRA, Solange Maria. Envelhecimento e Trabalho no Tempo do Capital: implicações para a proteção social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008. UnATI/UERJ. Atividade para a Terceira Idade. Rio de Janeiro. http://www.unatiuerj.com.br/atividades.htm . Acessado em 01 de junho de 2020. 2888
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS O TRABALHO NA SOCIEDADE DE CLASSES E A DUALIDADE NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO BRASILEIRA: dilemas colocados à educação profissional atual WORK IN CLASS SOCIETY AND DUALITY IN THE BRAZILIAN EDUCATION POLICY: dilemmas posed to current professional education Eliana Bolorino Canteiro Martins 1 Milena Ferraz Aud 2 RESUMO Estudiosos críticos alertam para a histórica dualidade existente na formulação da Política de Educação no Brasil. Dualidade essa estabelecida pela forma de produção capitalista – e, por isso, estrutural - e que remete a uma separação entre a educação dos sujeitos: educação instrumental focada no próprio processo de trabalho (oferecida à classe trabalhadora) versus educação geral centrada nas atividades intelectuais (voltada para a classe dominante), expressa pela forma como o capital realiza a divisão do trabalho. Este texto propõe um breve resgate teórico dos elementos que envolvem as mudanças ocorridas no mundo do trabalho no Brasil, promovidas pela flexibilização, a fim de refletir sobre os dilemas que se colocam atualmente à educação de formal geral e, especificamente, à educação profissional Palavras-Chaves: Trabalho. Sociedade de Classes. Política de Educação. Educação Profissional. ABSTRACT Critical scholars warn of the historical duality existing in the formulation of the Education Policy in Brazil. Duality is established by the capitalist form of production - and, therefore, structural - and which refers to a separation between the subjects' education: instrumental education focused on the work process itself (offered to 1 Docente do Curso de Graduação em Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UNESP/Campus de Franca/SP, Bolsista Produtividade em pesquisa do CNPq – nível 2. Email: [email protected]. 2 Doutoranda em Serviço Social pela UNESP/Campus de Franca/SP, relacionada à área de concentração Serviço Social, Formação e Prática Profissional. Atualmente é assistente social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. E-mail: [email protected]. 2889
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI the working class) versus general education centered on intellectual activities (focused on the ruling class), expressed by the way capital performs the division of labor. This text proposes a brief theoretical rescue of the elements that involve the changes that occurred in the world of work in Brazil, promoted by flexibilization, in order to reflect on the dilemmas that currently arise to the education of general formal and, specifically, to professional education. Keywords: Work. Class Society. Education Policy. Vocational Education. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas do século XX e início do XXI, vivenciamos mudanças e novas formas de degradação do trabalho próprias da fase de “flexibilidade toyotizada” (ANTUNES, 2013), dada as recentes configurações derivadas da (nova) divisão internacional do trabalho. Posto isso, segue-se o que está colocado à educação de formal geral e, especificamente, à educação profissional no Brasil: a oferta de uma formação profissional compatível com a organização do trabalho vigente, que responda aos interesses imediatos do trabalho e do capital. Este texto, por meio de um breve resgate teórico, tem como objetivo contribuir com o debate já bem consolidado no que se refere à dualidade histórica da Política de Educação brasileira, a partir de estudos e reflexões descritas na fundamentação teórica elaborada na Dissertação de Mestrado de uma das autoras e defendida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). 2 MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO: NOVAS REQUISIÇÕES À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL Se no século XX presenciamos a degradação do trabalho típica do taylorismo- fordismo (o trabalho maquinal e reificado, por um lado, e, por outro, a previsão de direitos e regulamentações); em suas últimas décadas e no início do XXI vivenciamos outras formas de degradação do trabalho próprias da fase de “flexibilidade toyotizada” (ANTUNES, 2013). O que caracteriza essa fase é a ampliação dos modos de funcionamento da lei do valor, convertendo toda a subjetividade do trabalhador à geração de mais-valor, precarizando e intensificando ainda mais o trabalho, dada as 2892
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI recentes configurações derivadas da (nova) divisão internacional do trabalho, o que Antunes (2013) denomina de “nova morfologia do trabalho”. Este autor afirma coexistir, desde o processo global de reestruturação do capital no início da década de 1970 até a atualidade, duas grandes tendências: de um lado, a informalização da força de trabalho e o aumento dos níveis da precarização dos trabalhadores; e, de outro lado, um processo produtivo que requisita crescentemente trabalhadores altamente qualificados do ponto de vista técnico-científico, em especial nos setores com maior impacto tecnológico e informacional. Com o amplo processo global de reestruturação da produção no início na década de 1970 e o consequente enfraquecimento do padrão de acumulação taylorista/fordista, colocou-se em questão o conhecimento formal adquirido pelo antigo trabalhador para atender as novas exigências produtivas. No padrão de acumulação taylorista, as qualificações estão relacionadas à lógica da especialização do trabalhador, remuneração, definição de postos de trabalho e de competência. No padrão de acumulação fordista [...] se exigia/exige dos trabalhadores [...] um cumprimento rigoroso das normas operatórias [...] a prescrição das tarefas e a disciplina no seu cumprimento, a não-comunicação (isolamento, proibição de diálogos durante o trabalho em linha etc.) (HIRATA, 1994, p. 129, grifo nosso). Está posta, assim, uma nova estratégia educacional destinada a formar mão de obra nas empresas flexíveis (o chamado “modelo de competência”), com base em novos métodos e processos de trabalho (fundada na automação de base microeletrônica). E, ainda, novos 1pad2rões de gestão e envolvimento da mão de obra, que tem relações de trabalho assentadas na desregulamentação dos direitos trabalhistas. Esse processo, associado à financeirização do capital, aos novos modos de ofertas dos serviços financeiros e às novas formas de comercialização, teve 3 Para Ramos (2001, p. 54, grifo nosso), “[...] a qualificação depende tanto das condições objetivas de trabalho quanto da disposição subjetiva por meio da qual os trabalhadores coletivos, como sujeitos ativos, constroem e reconstroem sua profissionalidade”. Ademais, “[...] a qualificação repousa sobre os repertórios relativamente estáveis: os postos de trabalho, cuja classificação é determinada de maneira estática; o diploma e a profissão, cuja possessão é a combinação de direitos precisos e duráveis e não podem ser questionados” (RAMOS, 2001, p. 61-62). 4 No Brasil, foi a partir da década de 1980 que alguns teóricos de um viés mais crítico se dispuseram reavaliar o conceito reducionista de qualificação, que vigorava na época. Colocou-se a categoria classe social na centralidade das análises sobre formação, qualificação e trabalho, a fim de criar uma atmosfera que possibilitasse a materialização dos interesses do trabalhador (RAMOS, 2001). 2893
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI repercussões gigantescas para a classe trabalhadora, com a exigência de um perfil de trabalhador mais disponível para utilizar de maneira intensa sua capacidade intelectual e emocional. Isso trouxe para o campo da educação brasileira ações sustentadas na noção de pedagogia das competências para a empregabilidade. O que remete à reflexão feita por Ferretti (1997) sobre as “relações causais” fortemente demarcadas na realidade brasileira na década de 1990 entre progresso técnico, as profundas transformações ocorridas no mundo do trabalho (mudança nos conteúdos e processos de trabalho) e a qualificação profissional, tendo como resultado insatisfatório a “desvalorização da qualificação como relação social” e a valorização da noção de competência. Nesse contexto, o “sistema educacional” é coagido a desenvolver a denominada “educação profissional”. [...] embora a educação profissional não se confunda com o sistema educacional, com ele se articula por mais de uma forma, em seus diferentes graus. Isto se deve, em parte, à concepção de que a formação geral básica é fundamental para a qualificação do “novo” trabalhador. Mas deve-se, também, ao fato de que a educação profissional pretende dirigir-se a uma multiplicidade de públicos, diferenciados em termos de idade (adolescentes, jovens e adultos), sexo, escolaridade, formação profissional prévia, interesses, necessidades e expectativas ocupacionais (FERRETTI, 1997, p.252). No contexto desta perspectiva, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica do Brasil (denominada Rede Federal), representada nacionalmente pelos Institutos Federais, vem reforçando e mantendo em sua institucionalidade essa característica “modernizante conservadora” de educação profissional (Frigotto apud Gouveia, 2016). Como sabe-se, as propostas de uma formação politécnica (Escola Unitária) estiveram presentes no Brasil desde a década de 1980, no debate travado pelos intelectuais e profissionais da educação de uma linha crítica que defendiam a relação entre trabalho e educação, a partir da “vinculação da educação à prática social e o trabalho como princípio educativo” (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 35). Porém, estas propostas “foram subsumidas pelo tecnicismo da ditadura militar e, na década seguinte, pela emergência da inspiração neoliberal no trato da educação” (SILVA, 2103, p. 135), que sob a égide da privatização da “coisa pública” e da estreita relação do Estado 2894
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI com o empresariado, trouxe consequências nefastas às políticas e ações na área da Educação, especialmente à educação profissional. Silva (2013) demarca a “ótica tecnicista” empregada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso na década de 1990 no âmbito da educação profissional. Nesse campo, Ferretti (1997, p. 230-231) elenca os principais desafios postos à formação profissional e que, ao nosso ver, retornam na atualidade com outra roupagem: a) dar respostas rápidas e flexíveis a situações de mudança também rápida, quer no referente às disputas no mercado internacional, quer no que diz respeito à inovação tecnológica, quer no tocante ao mercado de trabalho; b) considerar que, em decorrência das mudanças no conteúdo do trabalho, impõe-se rever e dimensionar, em outras bases, as relações entre o sistema de formação profissional e o sistema educacional [...]; d) levar em conta que as transformações que se operam na economia, na utilização de tecnologia, na qualificação dos recursos humanos não afetam da mesma forma, com o mesmo nível de intensidade e no mesmo tempo, empresas transnacionais de grande porte e pequenas e médias empresas [...]; e) rever as formas e responsabilidades do financiamento da formação profissional, em virtude da multiplicidade de agências e sistemas que passam a desenvolvê-la e da pressão por revisão e adequação de custos. Nessa direção, a fim de compreender a questão da educação tecnológica no ensino médio e no ensino superior na atualidade, por meio de um breve resgate histórico, Frigotto et al. (2012) se baseiam em duas perspectivas da educação profissional no campo da educação brasileira. Na primeira perspectiva a educação profissional é equiparada à educação que trata dos saberes relacionados às tecnologias aplicadas nos processos de produção e que formam, assim, pessoas aptas a “ocuparem um espaço específico na divisão social e técnica do trabalho”. A segunda perspectiva é baseada na proposta já conhecida, feita pelos teóricos e profissionais críticos na década de 1980, na defesa de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional à fim de superar a “dualidade” existente na educação brasileira (separação entre “instrução profissional” e instrução geral”), proposta não materializada em função de uma “manobra” do Senado na época da aprovação da atual LDB. Segundo os autores, a primeira perspectiva se origina na criação dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), que “tem orientado mudanças mais contemporâneas nas políticas educacionais e de trabalho, bem como de finalidades e funcionamento de instituições de formação profissional [modalidades específicas para 2895
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a formação imediata para o trabalho, tanto no ensino médio quanto no superior]” (FRIGOTTO et al., 2012, p. 40-41). A justificativa do Estado brasileiro, em 23 de setembro de 1909, para a criação de um conjunto de Escolas de Aprendizes Artífices era a necessidade de prover as classes proletárias de meios que garantissem a sua sobrevivência, isto é, prover os “desfavorecidos da fortuna”, expressão contida no Decreto nº 7.566 [...] Nesse sentido, não há dúvida de que os objetivos das Escolas de Aprendizes Artífices associavam-se a qualificação de mão de obra e o controle social de um segmento em especial: os filhos das classes proletárias, jovens e em situação de risco social, pessoas potencialmente mais sensíveis à aquisição de vícios e hábitos “nocivos” à sociedade e à construção da nação. Na origem dessas instituições, fica claramente identificado o atributo a essas escolas de importante instrumento de governo no exercício de política de caráter moral-assistencialista (BRASIL, 2010, p. 10). Apesar de ser uma instituição centenária, foi nos últimos quinze anos de existência que a Rede vivenciou a maior expansão de sua história: de 1909 até 2002, os municípios atendidos pela rede somavam 120, num total de 140 campi. Entre 2003 e 2016, o Ministério da Educação materializou a construção de mais de 500 novas unidades, totalizando 644 campi em funcionamento. Para Frigotto apud Gouveia (2016, p. 2), essa expansão atende aos interesses do “grande capital financeiro”, considerando que os IF, preservadas as relações que foram socialmente construídas, mantêm em sua natureza uma característica “modernizante conservadora”. Embora Frigotto afirme confiar no “potencial” da Rede Federal, segundo Gouveia (2016), em sua compreensão, o processo de expansão vem como ameaça, haja vista a dificuldade que a Rede possui para construir uma nova identidade institucional (passaram por diferentes “institucionalidades e culturas” - de agrotécnicas, escolas técnicas, CEFET até os atuais IF), além do fato da oferta de alguns cursos aligeirados indicarem um possível começo de “desmantelamento ou perda da prioridade” da oferta de um ensino médio técnico tradicional. Junta-se a isso, o fato da convivência de diversas gerações de servidores que disputam “poder político” e “projetos de educação” distintos. Nesse sentido, a produção de Arcary (2015) se faz adequada: apresenta um desenho da trajetória dessas instituições, chamando a atenção para as cinco significativas “fases” pela qual a Rede passou no último meio século, até a sua atual conformação em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Segundo o 2896
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI autor, a primeira fase ocorre no período de 1968 à 1988, quando o ensino público de segundo grau oferecido pelas Escolas Técnicas Federais atingiu o status de melhor ensino existente nessa modalidade. Esse status decorreu do fato do ingresso dos estudantes nas Escolas Técnicas se dar por meio de vestibulares, o que contribuía para uma formação profissional “promissora”, além de um preparo para o acesso às Universidades públicas. No que se refere à educação tecnológica no ensino superior nesse período, Frigotto et al. (2012) apontam que a reforma universitária de 1968 possibilitou a “diversificação do sistema universitário”, por meio da criação de cursos de tecnólogos, processo que não ocorreu de forma direta. O Parecer CFE 60/63 inseriu nas Escolas Técnicas o curso superior de “Engenharia de Operação” com o caráter de formação “tecnológica”, o que criou uma confusão em função da existência de “Centros de Engenharia de Operação” em algumas dessas Escolas Técnicas Federais. Devido à confusão gerada, a Reforma surge com a proposta de criar os cursos tecnólogos. Esses cursos, em função de sua característica de formações curtas e de não serem equiparados como cursos de graduação, não conseguiram inserir seus formandos na “divisão sócio-técnica do trabalho”. Deste modo, entendendo que a confusão ainda se mantinha, o curso de Engenharia de Operação foi transformado em Engenharia Industrial em 1972, quando o tempo de duração dos cursos de Engenharia foi “unificado” em cinco anos (o que diferenciava o curso de Engenharia Industrial dos outros era o tipo de formação, predominantemente prático e centrado na gestão de processos industriais) (FRIGOTTO et al., 2012). Com a possibilidade da transformação das Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica, por meio da Lei n. 6.545/78, foi determinado a essas instituições a incumbência de atuar com uma diversidade de níveis e modalidades de ensino: cursos técnicos, de nível superior (a Engenharia Industrial, os cursos de tecnólogos e as licenciaturas), a extensão e a pós-graduação lato sensu (FRIGOTTO et al., 2012). Cabe ressaltar que a implementação dessas modalidades e níveis de ensino se deu de forma gradual. A segunda fase considerada por Arcary (2015), se refere ao período de 1988 à 1996, quando, após o fim da ditadura e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ocorre uma mudança radical no tocante ao regime de contratação dos servidores 2897
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dos CEFET: passaram da condição de celetistas à condição de estatutários, dando-se início à abertura dos concursos públicos (embora com vagas insuficientes). Por outro lado, a precariedade da carreira docente, em especial o “congelamento salarial” foi um dos aspectos que se sobressaíram nesse período. As questões que foram surgindo no âmbito institucional criaram uma atmosfera propícia para uma organização coletiva tanto dos servidores, quanto dos estudantes, o que resultou na criação do primeiro sindicato unificado Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (SINASEFE) e dos Grêmios Estudantis com forte representatividade no movimento secundarista do país, e junto, a organização das primeiras greves de alcance nacional. Entre 1996 e 2003 a Rede Federal vive a terceira fase referenciada por Arcary (2015) com a “Cefetização” da maioria das antigas Escolas Técnicas (por meio do Decreto n. 2.406/97), com destaque ao fato de que o custo anual por aluno nos CEFET equivalia a “menos de um terço” do custo anual por aluno nas Universidades Federais. O autor chama a atenção também para a primeira reforma ampla da Rede, por meio do PROEP (Programa de Expansão da Educação Profissional), o que possibilitou, em 1997, o estabelecimento de um Acordo de Empréstimo no valor de US$250 milhões entre o Ministério da Educação e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), “conhecido como o modelo canadense, se inscrevia no projeto de reforma do Estado, no contexto da onda de privatizações, e estabelecia a separação entre o ensino médio e a educação profissional” (ARCARY, 2015, p. 3, grifo nosso). Os professores, servidores e estudantes ofereceram como respostas, diante da insatisfação quanto ao PROEP e da corrupção gigantesca por parte da SEMTEC (Secretaria de Educação Média e Tecnológica), greves anuais. Nesse contexto, materializa-se a equivalência do nível tecnológico com o nível superior da educação profissional e a separação entre os ensinos médio e técnico, por meio do Decreto n. 2.208/97. Com isso: [...] com as mudanças da base técnica da produção e com os novos modelos de gestão do trabalho, os níveis técnico e tecnológico da educação profissional formariam, respectivamente, operários (como o título de técnicos) e técnicos (com o título de tecnólogos) para o trabalho complexo, enquanto no nível básico seriam formados os operários para o trabalho simples. Um processo resultante da necessidade de se elevar a base de escolaridade mínima de todos os trabalhadores (FRIGOTTO et al., 2012, p. 47- 48). 2898
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Esses autores, apoiados na produção de Ramos, entendem que esse processo intensifica ainda mais a situação do Brasil como país de economia dependente, que tem como finalidade sustentar uma “[...] política de capacitação em massa, barateamento dos custos profissionalizantes, [...] criação de caminhos alternativos às universidades, e, finalmente, o não aniquilamento da necessária camada de técnicos adequados ao processo de reestruturação produtiva” (FRIGOTTO et al., 2012, p. 48). Ademais, com a Portaria n. 2.267/97, a Rede Federal foi separada em dois agrupamentos de CEFET: de um lado, os que foram criados antes de 1997, com autonomia para oferecer do ensino técnico à pós-graduação (incluindo pós-graduação stricto sensu nos níveis de mestrado e doutorado); e, do outro, os CEFET pós-1997, com autorização para ministrar, na modalidade de nível superior, apenas os cursos de tecnologia e as licenciaturas. (FRIGOTTO et al., 2012) O período de 2003 a 2008, segundo Arcary (s.d), demarca a quarta fase da história da Rede Federal. Com a posse de Lula na presidência, os ideais de democracia são almejados. Com a falta de direcionalidade para a Rede por parte do MEC, tendo Cristovam Buarque como Ministro, os diretores dessas instituições, por meio do Conselho de Diretores dos CEFET (CONCEFET) pressionam o governo a ampliar a oferta de cursos superiores nessas instituições, com o objetivo final de transformá-las em universidades tecnológicas (com a intenção de desvalorização do ensino médio e técnico) (ARCARY, 2015; FRIGOTTO et al., 2012). As representações interessadas nesta transformação assim se justificavam: O sistema educativo desse tipo de Universidade, associado à pesquisa e à extensão, se estruturaria em dois níveis de ensino: o ensino médio e o ensino superior. O nível médio, que compreenderia a transmissão do conhecimento a partir de uma dimensão global, deveria se apresentar como uma síntese superadora do academicismo clássico e do profissionalismo estreito. O ensino superior, por sua vez, corresponderia ao aprofundamento, à especialização do conhecimento científico e à formação profissional integral, definida como um processo técnico-pedagógico, que articule os conhecimentos teóricos e práticos da educação técnica profissional com os fundamentos da formação profissional integral (ANDES apud FRIGOTTO et al., 2012, p. 49-50, grifo nosso). Contudo, o governo manteve o compromisso com os profissionais e organizações com viés mais crítico e revoga o Decreto n. 2.208/97, por meio da promulgação do Decreto n. 5.154/2004, que, embora não tenha garantido mudanças 2899
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