ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS BOOG, M.C.F. Programa de educação nutricional em escola de ensino fundamental de zona rural. Revista de Nutrição, v. 23, n. 6, p. 1005-1017, 2010. BOTELHO, L.P. et al. Promoção da alimentação saudável para escolares: aprendizados e percepções de um grupo operativo. Nutrire-Revista da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, v. 32, n. 2, p. 103-106, 2010. BRASIL. Departamento de Atenção Básica. Secretaria de Atenção à Saúde. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2012. CARVALHO, A.P.; OLIVEIRA, V.B.; SANTOS, L.C. Hábitos alimentares e práticas de educação nutricional: atenção a crianças de uma escola municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais. Pediatria, v. 32, n. 1, p. 20-27, 2010. CERVATO-MANCUSO, A.M.; VINCHA, K.R.R.; SANTIAGO, D.A. Educação Alimentar e Nutricional como prática de intervenção: reflexão e possibilidades de fortalecimento. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p: 225-249, 2016. CHUPROSKI, P. Eating behaviors and the social status of families of malnourished children. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 46, n. 1, p. 50-57. 2012. COELHO, D.E.P. Vivências do plantar e do comer: produção de sentidos em escolas com horta. 2014. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 28. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. LOBSTEIN T. Child and adolescent obesity: part of a bigger picture. Lancet, v. 385, n. 9986, p. 2510-2520, 2015. MADRUGA, S.W. et al. Tracking of dietary patterns from childhood to adolescence. Revista de Saúde Pública, v. 46, n: 2, p. 376-386. MAGALHÃES, H.H.S.R.; PORTE, L.H.M. Percepção de educadores infantis sobre educação alimentar e nutricional. Ciência & Educação (Bauru), v. 25, n. 1, p. 131-144, 2019. 2950
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI MORGADO, F.S. SANTOS, M.A.A. A horta escolar na educação ambiental e alimentar: experiência do projeto Horta Viva nas escolas municipais de Florianópolis. Revista Eletrônica de Extensão, v. 5, n. 6, p. 1-10, 2008. NEVES, F.S.; CÂNDIDO, A.P.C. Prevalência e fatores de risco associados à hipertensão arterial em crianças e adolescentes: uma revisão de literatura. HU Revista, v. 39, n. 1, p. 45-53, 2013. OLIVEIRA, J.C.; COSTA, S.D.; ROCHA, S.M.B. Educação nutricional com atividade lúdica para escolares da rede municipal de ensino de Curitiba. Cadernos da Escola de Saúde, v. 1, n. 9, p. 150-166, 2013. PACHECO, S.S.M. O hábito alimentar enquanto um comportamento culturalmente produzido. Salvador: Edufba; 2008. PHILIPPI, S.T. et al. Pirâmide alimentar adaptada: guia para escolha dos alimentos. Revista de Nutrição, v. 12, p. 65-80, 1999. PORTO, E.B.S. et al. School canteens in the Federal District, Brazil and the promotion of healthy eating. Revista de Nutrição, v. 28, n. 1, p. 29-41, 2015. PRADO, B.G. et al. Ações de educação alimentar e nutricional para escolares: um relato de experiência. Demetra, v. 11, n. 2, p. 369-382, 2016. RIBEIRO, G.M. et al. Experiência do projeto horta didática nas escolas de Mossoró-RN como proposta de educação ambiental, alimentar e nutricional. Revista Extendere, v. 3, n. 1, p. 90-101, 2015. RODRÍGUEZ, R.O. et al. Impacto de una intervención educativa breve a escolares sobre nutrición y hábitos saludables impartida por un profesional sanitario. Nutrición Hospitalaria, v. 28, n. 5, p. 1567-1573, 2013. SILVA, R.H.M.; NEVES, F.S.; NETTO, M.P. Saúde do pré-escolar: uma experiência de educação alimentar e nutricional como método de intervenção. Revista de APS, v. 19, n. 2, p. 321-327, 2016 TOASSA, E.C. et al. Atividades lúdicas na orientação nutricional de adolescentes do Projeto Jovem Doutor. Nutrire-Revista da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, v. 35 n. 3, p. 17-27, 2010. TRICHES, R.M.; GIUGLIANI, E.R.J. Obesidade, práticas alimentares e conhecimentos de nutrição em escolares. Revista de Saúde Pública, v. 39, n.4, p. 541-547, 2005. VIEIRA, T.V.; CORSO, A.C.T.; GONZÁLEZ-CHICA, D.A. Organic food-related educational actions developed by dieticians in Brazilian municipal schools. Revista de Nutrição, v. 27, n. 5, p. 525-535, 2014. 2951
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI YOKOTA, R.T.C. et al. Projeto “a escola promovendo hábitos alimentares saudáveis”: comparação de duas estratégias de educação nutricional no Distrito Federal, Brasil. Revista de Nutrição, v. 23, n. 1, p. 37-47, 2010. 2952
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL E PRINCÍPIOS ÉTICO-POLÍTICOS: defesa da democracia em tempos de barbárie VOCATIONAL TRAINING IN SOCIAL WORK AND ETHICAL-POLITICAL PRINCIPLES: defense of democracy in times of barbarism Cirlene Aparecida Hilário da Silva Oliveira 1 Gabrielle Stéphany Nascimento Sgarbi 2 Laura Cristina Gomes Lima 3 Maicow Lucas Santos Walhers4 RESUMO A formação profissional em Serviço Social, historicamente está alicerçada no compromisso ético-político com a emancipação política e humana. Enquanto projeto emancipatório, supõe a superação da ordem societária do capital. Pensar em uma profissão comprometida criticamente com o processo político e emancipatório, exige uma formação que articule os fundamentos teórico-metodológicos em defesa de princípios éticos do projeto ético-político Profissional. Princípios que entende a democracia nos limites da sociedade capitalista e que se configura como meio para superação da sociabilidade burguesa em direção do pleno desenvolvimento dos sujeitos sociais. Dessa forma, a formação profissional em Serviço Social deve estar organicamente atrelada a dinâmica da realidade social, 1 Docente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas – UFPI/Teresina. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação Profissional em Serviço Social - GEFORMSS. E-mail: [email protected]. 2 Assistente social. Doutoranda em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca. Graduada e Mestre em Serviço Social pela UNESP/Franca. Especialista em Docência na Educação Superior pelo Centro Universitário Barão de Mauá. Membro pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação Profissional em Serviço Social - GEFORMSS. E-mail: <[email protected]> 3 Assistente social. Doutoranda em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca. Graduada e Mestre em Serviço Social pela UNESP/Franca. Membro pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação Profissional em Serviço Social - GEFORMSS. E-mail: <[email protected]>. 4 Assistente social. Doutorando em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca. Graduado e Mestre em Serviço Social pela UNESP/Franca. Especialista em Gestão de Organização Pública de Saúde – CEAD/UNIRIO. Membro pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação Profissional em Serviço Social - GEFORMSS e do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Dimensão Educativa no Trabalho Social - GEDUCAS. Bolsista DS/CAPES. E-mail: <[email protected]>. 2953
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desvendando seus limites e possibilidades diante do cenário perverso do capital. Palavras-Chaves: Formação Profissional. Serviço Social. Princípios Ético-Políticos. Democracia Burguesa. ABSTRACT Vocational training in social work is historically based on the ethical- political commitment to political and human emancipation. As an emancipatory Project, it requires overcoming the capital structure of companies. To think about a profession that is critical of the political and emancipatory process, training is required that formulates the theoretical and methodological foundations for defending the ethical principles of the professional ethical-political project. Principles that understand democracy within the confines of capitalista Society and that are configured as a means of overcoming civil Society for the full development of social subjects. Therefore, vocational training in social work must be organically linked to the dynamics of social reality and reveal its limits and possibilities in the face of the perverse capital scenario. Keywords: Professional Qualification. Social Work. Ethical-Political Principles. Bourgeois Democracy. INTRODUÇÃO A defesa da qualidade da formação profissional em Serviço Social perpassa pela perspectiva crítica e pelo direcionamento ético-político firmado, sobretudo, a partir da década de 1980, no compromisso com a classe trabalhadora, na busca de uma nova ordem societária pautada na liberdade como valor central, na equidade e na justiça social, o que supõe a superação do capital e de todo seu sistema sociometabólico, que tem como lógica a exploração e domínio do trabalho pelo capital, engendrando múltiplas determinações na produção e reprodução da vida em sociedade. Concretizar esse compromisso no cotidiano da formação e do exercício profissional supõe a articulação de fundamentos teórico-metodológicos que se embasam em princípios ético-políticos que direcionam a intervenção nos diversos espaços sócio-ocupacionais em que atua o Assistente Social. Esta prerrogativa, nos coloca algumas premissas, entre elas, que formação profissional e exercício devem estar articulados enquanto dimensões do mesmo processo. Uma atuação profissional que não esteja atrelada a uma clara fundamentação 2954
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI teórica, pode incorrer em diversos riscos: um trabalho onde o profissional não consegue visualizar a intencionalidade da sua intervenção e não consegue realizar a articulação com projetos societários mais amplos e que estão em disputa no terreno da luta de classes. Neste sentido, é fundamental que a formação profissional seja capaz, numa perspectiva de totalidade, de instrumentalizar crítica e conscientemente os Assistentes Sociais, para que entendam sua inserção em nível de conjuntura e estrutura, enquanto sujeitos sociais e políticos, dotados de conhecimento que permita o desvelamento da realidade social para além de sua imediaticidade construindo propostas de intervenção que superem práticas alienadas e que reproduzem as desigualdades sociais e formas de dominação, fortalecendo a luta contra a ordem societária vigente. Estas colocações nos permitem apresentar alguns elementos para reflexão em relação aos limites e possibilidades frente as intensas, dinâmicas e contraditórias mudanças vivenciadas no mundo do trabalho no contexto de barbárie. A pensar e repensar a formação no atual momento de desenvolvimento e expansão do capital, a visualizar as estratégias políticas possíveis diante das contradições do próprio capital e da sua democracia burguesa (e suas particularidades na sociedade brasileira) e como essa lógica antagônica se constitui em terreno de luta política para a classe trabalhadora e os seus limites ao pensarmos em projetos societários emancipatórios. A partir dessas reflexões iniciais apresentaremos alguns elementos para análise da configuração da formação profissional na contemporaneidade; enquanto projeto de enfrentamento ao contexto social vigente, ao capacitar de forma teórico-metodológica e ético-política para a intervenção profissional na perspectiva emancipatória, e quais os desafios, limites e possibilidades na ordem socioeconômica do capital, erigida pela democracia burguesa e as particularidades na realidade brasileira. Posteriormente, avaliaremos as estratégias e ações do Serviço Social na defesa da qualidade da formação profissional em tempos tão perversos, principalmente diante dos ataques a democracia brasileira, enquanto princípio contraditório onde perpassa a luta de classes, permitindo criar as condições para uma nova sociabilidade. 2955
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 AS BASES ÉTICO-POLÍTICAS DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL: ALGUNS ELEMENTOS PARA ANÁLISE A direção social e política da profissão oriunda da maturidade acadêmico- profissional e científica do Serviço Social a partir da conjuntura brasileira pós- movimento de reconceituação nas quadras históricas de 1970 e 1980, contribuiu para a construção de fundamentos teórico-metodológicos que se assentam em matrizes do pensamento social crítico marxista e marxiano. Verificamos o salto qualitativo da profissão nas últimas décadas, desde o Movimento de Reconceituação até a sua constituição na contemporaneidade, enquanto profissão politicamente antenada as transformações do mundo do trabalho e com arcabouço científico e profissional sustentada em uma postura ética e teórica que demarca sua posição em defesa dos direitos da classe trabalhadora e com a emancipação humana: No decorrer das últimas décadas, evoluiu no processo de pensar-se a si mesmo e à sociedade, produzindo novas concepções e auto representações como “técnica social”, “ação social modernizante” e posteriormente “processo político transformador. Atualmente põe ênfase nas problematizações da cidadania, das políticas sociais em geral e, particularmente, na assistência social. (JOSE FILHO, 2002, p. 57). Essas bases teóricas e políticas emanadas da teoria social crítica – enquanto perspectiva teórica sustenta uma determinada visão de homem e de mundo que permite a apreensão do real em sua complexidade histórica, social, econômica e cultural, instrumentalizando a classe trabalhadora como sujeito histórico de transformação social, esta direção que dá a dimensão política dos fundamentos da profissão, no sentido de fortalecimento da luta contra o capitalismo – também fundamenta e materializa o exercício profissional, através da práxis profissional, alicerçada em princípios ético-políticos emancipatórios e que supõe em sua concepção a superação do capitalismo enquanto sistema societário vigente. Ou seja, é uma práxis profissional que está organicamente vinculada a práxis social da classe trabalhadora e com a direção social que esta classe estabelece como sujeito coletivo e revolucionário. Esses avanços são notórios a partir da década de 1990, com construção da Lei 8.662 de 7 de junho de 1993, que regulamenta o exercício profissional em todo território 2956
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI nacional. Neste mesmo ano temos a aprovação do Código de Ética, que materializa os princípios do projeto ético-político profissional. O reconhecimento da profissão enquanto área de produção de conhecimento pelas agências de fomento e a consequente produção teórica, reconhecida no Brasil e em outros países; o aprofundamento e aproximação do marxismo enquanto teoria social crítica, expressam significativos avanços que foram possíveis devido o fortalecimento da categoria profissional e sua articulação através dos seus órgãos representativos: conjunto CFESS/CRESS, ABEPSS e a ENESSO. As Diretrizes Curriculares de 1996, aprovadas pela ABEPSS se constituíram num esforço de materializar esses avanços, a partir da fundamentação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, necessária para a intervenção profissional, procurando a partir de uma nova lógica curricular a superação da fragmentação de conteúdos e a construção de um perfil profissional crítico e competente capaz de intervir criticamente na realidade social. As DC’s reafirmam uma forma particular de compromisso com a formação profissional direcionada por valores e princípios no horizonte do projeto societário de superação da ordem burguesa, assumido por setores da categoria profissional e expresso em seu Código de Ética (1993). [...] Adota o referencial marxista na formação profissional, recuperando categorias centrais da teoria marxiana como o trabalho, ontologia e classes sociais. (SANTOS, 2007, p. 65). Entre os pressupostos da formação profissional, as Diretrizes Curriculares colocam a compreensão do Serviço Social enquanto particularidade nas relações de produção e reprodução social como uma profissão interventiva no âmbito da questão social, sendo expressão das contradições do desenvolvimento do capitalismo monopolista. O segundo pressuposto, relaciona a profissão com a questão social que é a sua base fundante na sociabilidade burguesa, cujas expressões são objeto de intervenção profissional do assistente social. Esses pressupostos dão a materialidade para a apreensão da identidade profissional numa perspectiva de totalidade, percebendo o Serviço Social a partir das contradições da realidade social e as possibilidades de intervenção que elucidam para o assistente social. Outro elemento importante, são os princípios que norteiam a formação profissional e que balizam a construção de um perfil profissional dotado de capacidade 2957
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa para a “1. Apreensão crítica do processo histórico como totalidade.” (ABEPSS, 2007, p. 73). Essa competência, deve contribuir para a instauração da dimensão investigativa no Serviço Social que permita: 2. Investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades da constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país. (ABEPSS, 2007, p. 73). Contribuindo para a “[...] apreensão do significado social da profissão, desvelando as possibilidades de ação contidas na realidade.” (ABEPSS, 2007, p. 73). Esse princípio contribui para que não incorra em uma visão messiânica e nem fatalista na profissão ao apreender as possibilidades reais de intervenção e: 4. Apreensão das demandas – consolidadas e emergentes – postas ao Serviço Social via mercado de trabalho, visando formular respostas profissionais que potenciem o enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre público e privado. (ABEPSS, 2007, p. 73). Esses avanços e acúmulos nos fazem refletir sobre as possibilidades da profissão no mundo do trabalho na garantia de direitos e na composição da luta política enquanto classe trabalhadora. Afirmar a importância da defesa dos direitos sociais em tempos de precarização das relações de trabalho e previdenciárias, a perda dos direitos outrora conquistados através da Constituição Federal de 1988, configura-se como um grande desafio para a profissão. A cidadania e os princípios democráticos colocados pela constituição cidadã e do Estado Democrático de Direito apresentam entraves para a acumulação infinita de capital, principalmente no seu atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas, onde o capital financeiro torna uma das facetas do capital gerar mais riqueza. Lembramos que a exploração do trabalho a partir do processo produtivo capitalista, continua sendo as bases da concentração de capital pela classe dominante. O caráter individual e liberal da emancipação, questionado por Marx parte dos direitos humanos instituídos pela Revolução Francesa, que resultaram em momentos contraditórios: “por um lado, revolucionaram as relações feudais; por outro, cercam o indivíduo em seu egoísmo, na sua propriedade, na sua liberdade, perdendo a dimensão da totalidade onde está inserido. (LUIZ, 2008, p. 119). 2958
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A teoria social crítica permite desvelar a lógica de produção e reprodução da sociabilidade burguesa: nela constituída pela produção da própria vida material e das relações sociais, mediatizada pelo capital e das relações capitalistas de compra e venda de força de trabalho, no antagonismo das classes sociais, onde a síntese é a luta entre trabalhadores e burgueses, classe dominante e classe dominada. Enfim, entre aqueles que detém os meios de produção e aqueles que se vê obrigado a vender sua força de trabalho para garantir a sua reprodução. Nessa relação e forma de constituição do mundo do trabalho na sociedade capitalista, o Estado desempenha um importante papel na garantia da reprodução social, através do seu poder ideológico e coercitivo, onde o sistema de garantia de direitos são importantes instrumentos de atender os interesses da classe dominante e conservar a lógica capitalista ao criar as condições para a reprodução da força de trabalho e de sua subsistência. Dessa forma, pensar em direitos sociais e cidadania é garantir os meios para a sobrevivência da população e de sua reprodução social, garantindo os mínimos sociais para atender a necessidade do mercado capitalista de consumo de mercadorias. Mesmo nesta lógica, a partir do avanço dos ideários neoliberais e suas particularidades na sociedade brasileira e a necessidade de expansão do capital em níveis jamais imaginados, a defesa dos direitos sociais e da cidadania enquanto forma de participação popular na política e no poder público, torna-se um grande desafio, diante das contradições com o processo de acumulação insano de capital. Destarte, a luta pela emancipação política torna-se um imperativo nos marcos da sociedade capitalista, que apesar de não garantir sua superação, permite criar as condições materiais e políticas para a emancipação humana que “[...] se realiza no processo que extrapola o círculo do indivíduo independentemente da sociedade, para converter suas relações individuais numa dimensão social, como força social organizada na construção democrática de outro tipo de sociedade.” (LUIZ, (2008, p. 119). Pois a luta se faz a partir de condições concretas e objetivas, postas no real e em seu movimento dialético: Os contornos assumidos pela concepção de emancipação humana em Marx indicam a necessidade da superação da mercadoria, do capital e do Estado; ainda, a necessidade de os seres humanos assumirem o controle consciente de sua existência, possibilitando-lhes a percepção sua história como fruto da ação humana em que o sujeito histórico é capaz de uma teleologia, isto é, 2959
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI capaz de projetar antecipadamente aquilo que será objetivado (BRESSAN, 2009, p. 76). O projeto de formação profissional em Serviço Social preconizado pelas Diretrizes Curriculares, buscam a construção de um perfil profissional capaz de compreender os limites e as possibilidades da intervenção no mundo do trabalho, tendo no horizonte, o projeto societário mais amplo, enquanto pertencente a classe trabalhadora: Preconizando uma formação crítica e comprometida com os valores e princípios expressos no projeto ético-político do Serviço Social, o projeto de formação profissional dos(as) assistentes sociais se confronta com esse modelo de educação superior que fortalece a privatização e a mercantilização da educação, respalda as formações aligeiradas, prioriza a quantidade em detrimento da qualidade e implementa processos avaliativos disseminadores da competitividade entre instituições, cursos e profissionais. (VASCONCELOS, 2007, p. 67). A articulação das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico- operativa é que dá a solidez e materialidade no exercício profissional. A relação entre a teoria e a realidade social acontece através da apreensão do movimento do real a partir das categorias de mediação. A direção política da profissão está assentada em valores humano-genéricos que apontam para plena expansão dos sujeitos sociais e da busca pela emancipação política e humana, que parte da compreensão crítica da realidade social em seu movimento contraditório e dialético, tendo na teoria social crítica marxista e marxiana, as bases de fundamentação para o desvelamento do real e nele intervir de forma competente e alicerçada no compromisso com a construção de uma sociabilidade justa e igualitária a partir da superação do capitalismo e da ordem societária burguesa: [...] o exercício profissional do assistente social, recebendo as determinações históricas, estruturais e conjunturais da sociedade burguesa e respondendo a elas, consiste em uma totalidade de diversas determinações que se autoimplicam, se autoexplicam e se determinam em si. Tais dimensões, em razão da diversidade que as caracteriza, constituem-se “síntese de múltiplas determinações”, ou seja, caracterizam-se como unidade de elementos diversos, que conforma a riqueza e a amplitude que caracteriza historicamente o modo de ser da profissão, que se realiza no cotidiano. (GUERRA, 2013, p. 45). 2960
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI É necessário defender a formação profissional de qualidade, enquanto espaço que contribua para que o estudante desenvolva competências e habilidades para decifrar a realidade social em sua dinâmica e criar respostas de enfrentamento da questão social em consonância com os princípios ético-políticos. Rompendo com posturas rotineiras no cotidiano profissional e procurando efetivar o projeto profissional nos diferentes espaços sócio-ocupacionais. 2.1 O Serviço Social no tempo presente: possibilidades de defesa da formação profissional em tempos de barbárie O Serviço Social brasileiro é uma profissão que se constrói na divisão social e técnica do trabalho, entre o conflito da burguesia e proletariado. Foi uma profissão que surgiu exatamente para amenizar tais conflitos que se agravavam na medida em que o capitalismo se consolidava no Brasil, ficando cada vez mais evidente as desigualdades sociais e exploração da classe trabalhadora. O Serviço Social caracteriza-se como uma profissão investigativa e interventiva que atua diretamente na realidade social; nesse sentido o assistente social trabalha com as mais variadas expressões da questão social que, essa por sua vez é: [...] apreendida como o conjunto expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 1998, p. 27). A profissão, desde o seu surgimento, passou por diversas transformações tanto em relação ao instrumental técnico-operativo de trabalho, como também em relação a concepções teóricas e metodológicas. A recusa e a crítica ao conservadorismo da profissão foram elementos essenciais para o surgimento de um projeto profissional na década de 1990 (PAULO NETTO, 2006). O Projeto Ético-Político do Serviço Social foi construído a partir do Movimento de Reconceituação, na transição das décadas de 1970 para 1980, que tinha um direcionamento na recusa e crítica ao conservadorismo (PAULO NETTO, 2006, p. 09). Explicita a atuação da categoria profissional na defesa “de princípios e valores de ordem humanística, libertária, democrática e igualitária” (BRAVO; MATOS, 2006, p. 56). Ele está materializado no Código de Ética do/a Assistente Social (CFESS 1993) nas 2961
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e no debate da categoria profissional no conjunto CFESS/CRESS. O projeto ético-político do Serviço Social possui como eixo central a liberdade dos indivíduos e o compromisso com a autonomia, emancipação e expansão dos direitos sociais (PAULO NETTO, 2006). O autor esclarece que: [...] este projeto se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero. A partir destas opções que o fundamentam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e o repúdio do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo, tanto na sociedade como no exercício profissional (PAULO NETTO, 2006, p. 155) A partir da década de 1990, com o avanço do ideário neoliberal surge uma nova configuração mundial que altera os modos de produção e também o papel do Estado, que passa a transferir suas responsabilidades para a sociedade civil, o terceiro setor e entidades filantrópicas, impactando as políticas sociais, principalmente no campo da seguridade social e do trabalho. Além disso, as políticas que deveriam ser universais passam ater cada vez mais um caráter focalizado e seletivo. Perante essa realidade, do contexto neoliberal ao qual estamos inseridos, torna- se mister compreendermos os desafios que perpassam o processo de formação profissional do assistente social na contemporaneidade. 3 CONCLUSÃO O Serviço Social possui um relevante papel socioeducativo ao propiciar por meio de seus atendimentos que a população tenha acesso a informação; desse modo, estes sujeitos passam a conhecer, compreender e reivindicar seus direitos, numa busca permanente de organização social que poderá culminar num processo de transformação da realidade social. A categoria profissional enfrenta diversos desafios na formação e atuação profissional, uma vez que o projeto ético-político da profissão possui um direcionamento que se contrapõe ao modelo de sociedade capitalista a qual estamos inseridos. Nesse sentido, faz-se necessário que a formação profissional possua um olhar crítico para a realidade social e que seja capaz de construir alternativas de superação 2962
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desses desafios apresentados no cotidiano. Não obstante as lutas pela efetivação de um projeto profissional que busca a ruptura com o conservadorismo profissional. O processo de formação do Assistente Social precisa vislumbrar a realidade concreta, identificando as particularidades do entorno que envolve seu cotidiano. Portanto, a qualificação e formação profissional permanente são inerentes à qualidade dos serviços prestados à população usuária, possibilitando superação da dicotomia entre teoria e prática; prática profissional e projeto profissional, visando responder de forma ética e competente às demandas presentes no cotidiano de atuação do assistente social. A profissão passou por um momento de ruptura com o conservadorismo, buscando a efetivação do projeto ético-político do Serviço Social, pautado na liberdade como valor ético central, compromisso com a emancipação humana e expansão dos indivíduos sociais, tendo como fundamento da intervenção profissional as expressões da questão social. Para a efetivação de um trabalho profissional comprometido com a direção social da profissão, torna-se determinante apropriar-se dos fundamentos teóricos metodológicos, ético-político e procedimentos técnico-operativos, focando na visão crítica da realidade, que possibilita ao profissional romper com a prática rotineira e burocrática, na defesa intransigente dos direitos sociais. REFERÊNCIAS BRAVO, M. I. S; MATOS, M. C. de. Projeto ético-político do serviço social e sua relação com a reforma sanitária: elementos para o debate. Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006. BRESSAN, C. M. F. Formação, Emancipação Humana e o Projeto-Ético Político do Serviço Social. Tese de doutorado. Universidade de Passo Fundo. 2009. CFESS. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Código de ética profissional dos assistentes sociais. RESOLUÇÃO CFESS Nº 273, DE 13 DE MARÇO DE 1993, com as alterações introduzidas pelas Resoluções CFESS nº 290/1994 e n. 293/1994. GUERRA, Y. A dimensão técnico-operativa do exercício profissional. In: SANTOS, C. M.; BACKX, S.; GUERRA, Y. (Org.). A dimensão técnico-operativa no Serviço Social: desafios contemporâneos. 2. ed. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2013. 2963
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI IAMAMOTO, M. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo, Cortez, 1998. JOSÉ FILHO, Pe. M. A família como espaço privilegiado de construção da cidadania. Franca: Unesp – FHDSS, 2002, 158. (Dissertação e Teses, n. 5). LUIZ, Danuta E. C. Emancipação social: fundamentos à prática social e profissional. ServiçoSocial e Sociedade, São Paulo: Cortez, ano XXIX, n. 94, p. 114-131, jun. 2008. PAULO NETTO, J. A construção do projeto ético-político do serviço social. Serviço Social e Saúde:formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006. SANTOS, T. B. A participação política dos estudantes de Serviço Social na defesa e consolidação da direção social da formação: a práxis política dos estudantes e a relação com a formação profissional. 2007. 279 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Serviço Social) -- Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007. VASCONCELOS, I. R. Estágio não-obrigatório na formação profissional dos(as) assistentes sociais: trabalho preconizado ou processo didático-pedagógico? 2007. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2007. 2964
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS CONDIÇÕES ESTRUTURAIS DE FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS, POLÍTICAS NEOLIBERAIS E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA COMARCA DE TERESINA - PI STRUCTURAL CONDITIONS OF SCHOOL OPERATION, NEOLIBERAL POLICIES AND THE PERFORMANCE OF THE PUBLIC MINISTRY IN TERESINA - PI Emerson de Souza Farias 1 Masilene Rocha Viana 2 RESUMO Análise da atuação do Ministério Público do Piauí (MP-PI) no âmbito das exigências por garantias de acesso à educação e das condições de funcionamento das escolas. Baseia-se em pesquisa documental alicerçada na análise de processos judiciais e extrajudiciais de autoria do MP-PI entre 2011 a 2017. Os resultados parciais indicam que a atuação do Ministério Público, derivada do processo de democratização e descentralização política e administrativa na educação a partir dos anos 1990 se ressignifica como ferramenta de exigibilidade do direito à educação. No caso particular no Piauí há uma baixa resolutividade dos problemas relacionados a garantia das condições de funcionamento das escolas de Teresina, atua com claras feições de legitimação da desresponsabilização do Estado com o ensino básico, na medida em que grande parte das demandas em torno de violação do direito à Educação não encontra soluções satisfatórias ou que superem as suas determinações causais. Palavras-Chaves: Políticas educacionais. Direito à Educação. Ministério Público do Piauí. ABSTRACT Analysis of the performance of the Public Prosecutor's Office of Piauí (MP-PI) within the scope of the requirements for guaranteeing access to education and the operating conditions of schools. It is based on documentary research based on the analysis of judicial and extrajudicial processes authored by the MP-PI between 2011 and 1 Professor Substituto do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Piauí. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da mesma instituição. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Ciências Sociais. Professora da Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected]. 2965
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2017. The partial results indicate that the work of the Public Ministry, derived from the process of democratization and political and administrative decentralization in education from of the 1990s resignifies itself as a tool for enforcing the right to education. In the particular case in Piauí, there is a low resolution of the problems related to guaranteeing the operating conditions of the schools in Teresina, it acts with clear features of legitimizing the State's lack of responsibility for basic education, as much of the demands surrounding violation of the right to Education does not find satisfactory solutions or that surpass its causal determinations. Keywords: Educational policies. Right to education. Public Ministry of Piauí. INTRODUÇÂO A Educação é direito social assegurado no ordenamento jurídico brasileiro demandando responsabilidade dos entes públicos e da sociedade em geral quanto a implementação de políticas compatíveis com a cidadania e da dignidade da pessoa humana, pilares fundamentais em estão edificados o Estado Democrático de Direito e os objetivos fundamentais da República1. Todavia, a vida nacional brasileira é marcada por violações ao direito à Educação e por óbices e dificuldades profundas das instituições públicas em garanti-lo, desde os tempos anteriores ao império até o presente momento. Assim, malgrado uma ordem constitucional assentada em propósitos democráticos, ainda paira sobre nós, a imensa desigualdade social e limitadas instituições, serviços equipamentos públicos frente às metas desafiadoras no âmbito da Educação como direito assegurado a todos. Como instituição fundamental na engrenagem do Estado, o Ministério Público (MP) vem se constituindo como um dos espaços de grande relevância na garantia de direitos educacionais a “cidadãos” com esses direitos violados. Entendendo que embora a atuação do MP como fiscal do cumprimento da lei, na defesa dos direitos constitucionais não seja uma expressão nova no âmbito da administração pública, sua interferência na educação ganha maior visibilidade na década de 1980, sobretudo com a constituição de 1988 e com as reformas no âmbito da administração pública experimentado pelos países latino-americanos a partir dos anos de 1990. Assim, o novo 1 Referimo-nos em especial aos fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Ver Art. 1, 2 e 6 da CF 1988. 2966
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI marco legal defendendo a noção de efetividade e eficiência dos direitos sociais e democratização na implementação e fiscalização das políticas públicas, apontou para a corresponsabilidade dos órgãos da administração pública e do setor privado como um princípio a ser considerado na operacionalização da gestão da educação no Brasil. Com efeito, a interferência do Ministério Público na educação a partir dos anos de 1990 embora associada ao fomento da ampliação da democracia e do reconhecimento da educação como direito público subjetivo2 estava associada a posição estratégica da educação para o desenvolvimento da sociedade de mercado, e pela lógica neoliberal de transferência da responsabilidade pela implementação a toda sociedade de forma que embora a atuação do MPPI apresente-se se como essencial para o enfrentamento dos problemas relacionados à violação do direito à educação, e até mesmo, como meio de avanço no campo das garantias dos direitos sociais, sua atuação em face da lógica neoliberal é implicada na operacionalização da legislação que condiciona o órgão do MPPI a exercer função social essencial à sociedade capitalista de amenizador das contradições das políticas públicas do Estado. Dessa forma, enquanto órgão do Estado que opera a partir das legislação liberais vigentes, tende a substituir a lógica da educação como direito por uma lógica da educação como resultados cumprindo um papel de complemento às estruturas econômicas do sistema do capital que tem como função primordial assegurar e proteger as realizações produtivas do sistema, tornando-se absolutamente indispensável para a sustentabilidade material de todo o sistema e instância de regulação política dos interesses neoliberais. A presente comunicação, com foco nas principais características da atuação do Ministério Público Estadual no âmbito das políticas públicas de educação no Piauí é parte dos esforços de uma pesquisa desenvolvida a partir de análise documental em processos judiciais e extrajudiciais que tiveram como autor o Ministério Público Estadual Piauiense por meio da 38ª Promotoria Especializada na defesa da educação. A pesquisa objetiva analisar como o Ministério Público do Piauí (MPPI) vem atuando para garantir 2 Trata-se de um direito reconhecido ao indivíduo em decorrência de sua posição especial como membro da sociedade, que se materializa na capacidade a ele conferida de colocar em movimento normas jurídicas no interesse individual. O direito público subjetivo confere ao indivíduo a possibilidade de transformar a norma geral e abstrata contida num determinado ordenamento jurídico em algo que possua como próprio Para Duarte (2004) 2967
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI o direito ao acesso às escolas e a melhoria das condições de funcionamento destas em Teresina entre 2011 a 20173. O texto a seguir está apresentado na forma de duas seções principais, a primeira, intitulada “Política Educacional, Neoliberalismo e Ministério Público” aponta aspectos mais gerais e contornos ideopolíticos do Brasil com efeitos particulares na área da Educação a partir dos anos 1990, período em que são implementadas mudanças significativas na Educação brasileira em função das emanações provenientes da constituição federal de 1988, mas, também consiste alterações na orientação das políticas públicas face ao avanço do projeto neoliberal na administração pública; a segunda, apresentando dados parciais de pesquisa analisa a atuação do Ministério Público no Estado do Piauí quanto ao direito à Educação em Teresina, em especial dirigindo o foco para as categorias acesso à educação e condições de funcionamento das escolas. 2 POLÍTICA EDUCACIONAL, NEOLIBERALISMO E MINISTÉRIO PÚBLICO A descentralização administrativa na busca pela efetividade do direito à educação foi uma das bandeiras populares levantadas no contexto das décadas de 1970 e 1980 contra o autoritarismo ditatorial, como expressão da importância do protagonismo do poder local nas políticas públicas brasileiras. E o reconhecimento de municípios como entes federados e autônomos na Constituição Federal de 1988 foi um dos principais resultados. Desde então, esclarecem Westphal e Ziglio (1999, p. 112), “é legalmente possível aos municípios darem conta dos problemas sociais do seu território”. No âmbito da educação, a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) favoreceu a descentralização administrativa e financeira das escolas na formulação do projeto político-pedagógico. Porém, as reformas do aparelho Estatal e da administração da educação e seus projetos de autonomização escolar tomaram rumos diferentes do pretendido, a partir da década de 1990, com as políticas neoliberais (SAVIANI, 2002). Para os críticos do tipo de controle característico da administração burocrática consolidado na Constituição de 1988, a exemplo do economista Bresser Pereira (1998) 3 Trata-se de pesquisa em andamento no âmbito de um doutoramento no Programa de Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí 2968
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI esse modelo “estariam emperrando e reduzindo a eficiência da administração, fazendo com que o Estado se voltasse para si mesmo e para os interesses corporativos dos funcionários públicos” (SILVA, 2002, p. 120). Com argumentos como esse a administração gerencial de matriz neoliberal passou a ser colocada como uma medida indispensável para a estabilidade e crescimento da economia. Ocorre que a descentralização administrativa do modelo gerencial ao invés de atuar no fortalecimento do serviço público, passa a compor as estratégias neoliberal de desresponsabilização do governo federal perante seus encargos sociais, transferindo à sociedade civil, sobretudo aos pequenos municípios, a incumbência de oferecer educação em diversas modalidades a toda população. Além disso, como destacam Gouveia, Pinto e Corbucci, (2011 p. 12,) as reformas da década de 1990 provocaram a concentração das funções de avaliação e fiscalização para grupos externos, favorecendo a pressões de grupos privados que também passam a disputar a hegemonia sobre o sentido que deveria ter o sistema escolar na rede de ensino público, de forma que o Estado se aproximou ainda mais das entidades que buscavam maximizar os resultados com cada vez menos gastos e a diminuição do papel do Estado nas políticas públicas educacionais, gerenciando o sistema como se uma empresa fosse. Para Dardot e Laval (2016, p. 231) essa “grande virada neoliberal” pós 1990, não foi nem tanto “a retirada do Estado”, mas a modificação de suas modalidades de intervenção em nome da “racionalização” e da “modernização” das empresas e da administração pública. Segundo o autor, duas mudanças importantes devem ser notadas com as reformas neoliberais da década de 1990: a primeira diz respeito à relativização do papel do Estado como agente integrador de todas as dimensões da sociedade. A segunda mudança deriva da primeira: todas as dimensões do Estado passam a ser geridas pela ótica gerencial, de forma que o Estado passa a ser gerido visando resultados financeiros. Assim, “os administradores públicos dóceis que nos diferentes campos em que deveriam intervir instauraram os novos dispositivos e modos de gestão próprios do neoliberalismo” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 230). Nesse particular, o Ministério Público como agente de fiscalização do cumprimento da lei teve o papel significativo de naturalizar a desresponsabilização do Estado e acompanhar a implementação do modelo gerencial na administração pública, 2969
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI além do papel de neutralização ideológica dessa lógica do mercado, e ainda, na sua implantação prática. Um exemplo prático da situação descrita é identificado em 3 Ações Civis Públicas4 onde o órgão ministerial se depara com demandas de violações do direito à educação do tipo fechamento de escolas, no qual a Secretaria Municipal e Estadual (SEMEC) e a Secretária Estadual de Educação (SEDUC) são demandadas por substituírem a existência das escolas pela implementação do sistema de transporte escolar com o consequente deslocamento de crianças da educação básica para escolas distantes da sua localidade de origem e da sua realidade sociocultural, nesses processos a interferência do MPPI ficou comprometida diante da lógica da redução dos gastos financeiros com educação embora essa medida estivesse em desacordo com o assegurado no caput do art. 40 da Lei no 9.394 , de 20 de dezembro de 1996 por conta de uma legislação limitadora de sua interferência no poder econômico teve que repassar a demanda ao Poder Judiciário, agente orgânico maior do neoliberalismo. De forma que restam notórias que as redefinições do papel do Estado e o fortalecimento do Ministério Público como órgão responsável para fiscalizar a execução das políticas educacionais permitiu o Estado brasileiro controlar, acompanhar o direcionamento dos gastos públicos a alvos específicos, otimizando os investimentos em educação, numa tentativa via política educacional, de combinar redução de gasto e ampliação dos serviços oferecidos, embora sem a devida qualidade e universalidade, assim como enfeitar de legitimidade as reformas dos aparelhos do Estado como um processo “neutro”, “ideologicamente isento”, e como que impregnado apenas de critérios “técnicos” (MÉSZÁROS, 2011). As mudanças na forma de atuação conduzida pelo Ministério Público brasileiro pós 1988, fez-se possível a partir das reformas institucionais ocorridas em meados dos anos 2000, como a Emenda Constitucional n° 45/2004, que aprovou a reforma do Judiciário e criou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), visando à celeridade na exigibilidade dos direitos sociais, possibilitando a otimização da administração pública no Brasil e a implantação do modelo gerencial de administração no serviço público, em especial na educação pública. 4 Como as citadas a seguir: ACP nº 014325-87.2011, ACP nº 0016729-72.2015 e ACP nº 0019490-42.2016. 2970
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Seguindo essa lógica, umas das formas de atuação do MP-PI nas políticas educacionais é na busca pela aceleração dos resultados, pela utilização dos instrumentos extrajudiciais5 (os Acordos Extrajudiciais, Recomendações e Termos de Ajustamento de Conduta – TAC). Identificamos na pesquisa direta junto aos processos extrajudiciais encontrados nos arquivos do MPPI, do período de 2011 a 2017 que quando o órgão utiliza esses instrumentos tem resultados rápidos apenas nos processos em que a matéria versa sobre garantia do “acesso à escola”, na qual sua atuação específica é no sentido de exigir a matrícula ou permanência do alunos na escola, ainda que em algumas situações adversas a qualidade do ensino, por sua vez, no que pesa aos processos que envolvem a garantia da melhoria das condições de funcionamento das escolas o órgão não consegue os mesmo resultados, pois encontra entraves impostos pela legislação que na maioria das vezes impedem as interferências dos órgãos nas matérias que exigem a alocação de recursos públicos. 6Destarte, o Ministério Público no Piauí atua com maior frequência por meio dos instrumentos extrajudiciais por terem, em comparação com a Ação Judicial, um formato mais flexível de transferir para a sociedade a responsabilidade pela solução dos conflitos de interesses envolvendo o direito à educação, por outro lado, na medida que protagoniza a resolução dos casos de violação do direito à educação sem a interferência do poder judiciário termina optando pela conciliação e não aplicação do conjunto da legislação que trata sobre direito à educação, ou dito de outra forma, troca a segurança jurídica por uma decisão rápida que sempre vem com perdas e danos aos direitos já consolidados. Com tais reflexões não desconsideramos que a atuação de forma extrajudicial possa ser considerada um avanço, principalmente considerando as dificuldades e a morosidade que possam ser encontradas na busca de solução para problemas educacionais pelo Poder Judiciário; contudo, importa observar, que a tendência de respostas rápidas que colocam a responsabilidade pela eficiência da educação no âmbito de uma esfera indefinida, aqui chamado de “sociedade”, transforma a educação 5 Atuação extrajudicial do Ministério Público revela-se pela existência de instrumentos que possibilitam uma resposta célere para a sociedade em relação à defesa dos direitos sociais, em comparação ao tempo para a conclusão de um processo no âmbito do Poder Judiciário. A atuação extrajudicial é apenas uma opção que o promotor de Justiça pode utilizar, de acordo com a conveniência ou com o nível de complexidade do caso (MACHADO, 2014) 2971
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI não em problema do governo e sim do privado, que em alguns casos ignoram a legislação consolidada, gerando prejuízos à coletividade, em especial nos casos de demandas por melhoria das condições de funcionamento das escolas públicas, matérias que exigem ação afirmativa do Estado e o deslocamento de recursos financeiros. 3 A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUANTO AO ACESSO À EDUCAÇÃO E CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS EM TERESINA Na mesma lógica das reformas da década de 1990, a Constituição do Estado do Piauí atribuiu ao Ministério Público Estadual a função de fiscal das normas educacionais e a responsabilidade pela promoção das medidas necessárias para sua garantia (PIAUÍ, 1989, art. 143). Em 1993 por meio da Lei Estadual nº 12 foram criados os pressupostos para a implantação de promotorias especializadas no Piauí e pela Lei Complementar nº 160/10 foi instituído a Promotoria Especializada na Defesa da Educação (PIAUÍ, 2016). A criação dessa promotoria especializada para a defesa da educação se deu, sobretudo, pela dificuldade de efetivação do direito à educação nesta unidade federada, reconhecidamente uma das mais pobres do Brasil, reflexo de que a municipalização da educação encontrou obstáculos sociais, econômicos e políticos enquanto solução para a democratização da educação com qualidade. Os desafios educacionais puseram o Ministério Público do Piauí, enquanto órgão instituído para fiscalizar a aplicação da legislação no Estado, diante de um grande dilema - que supera a questão meramente de guardião da norma -, o de optar por uma concepção de direito à educação. Afinal, como destacou Ferreira (2013, p. 548), “na área educacional o aspecto legal que cerca a atuação ministerial é apenas um fator que deve ser analisado, mas não o único”. Na prática entre 2011 e 2017 a promotoria especializada na defesa do direito à educação formalizou mais de 213 processos relacionados a denúncias de violação do direito à educação na cidade de Teresina, dos quais 87 eram relacionados a temática acesso à escola e 68 sobre as condições de funcionamento das escolas. 2972
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quadro 1 – Processos Relativos à violação do Direito à Educação em Teresina (2011-2017) Fonte: Pesquisa direta junto aos processos judiciais e extrajudiciais encontrados nos arquivos do MPPI, do período de 2011 a 2016. De forma que os 87 processos relacionados a “Acesso `a Educação”, foram divididos em quatro subcategorias, destes 57,5% relacionados à recusa de matrículas escolares, seguida de dificuldade de acesso à educação especial (14,9%), fechamento de escolas, com 16%, e problema de transporte escolar e/ou acesso às escolas próximas da residência do aluno, com 11,4%. A justificativa para o fechamento de escolas segundo as Secretarias de Educação (Estadual e Municipal) é em geral, visando à contenção de gastos públicos e devido o pequeno número de alunos matriculados; nesses casos, em face da atuação do Ministério Público os alunos foram todos remanejados para outras escolas, em alguns casos distantes da residência dos estudantes, sendo providenciado, transporte escolar. Curioso é que sendo a recusa de matrículas por falta de vagas o principal motivo das denúncias da categoria “acesso à educação”, os arqueamentos justificadores para o fechamento de escolas constituem-se como o segundo maior das denúncias na categoria acesso à educação, indicando o interesse predominante quanto à redução dos gastos com educação, e não a garantia desta como direito e implementado com qualidade na prestação do serviço. Cabe destacar que embora as escolas não tenho sido reabertas, todos os alunos envolvidos nas denúncias foram realocados, de forma que o MPPI conseguiu uma 2973
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI “resolução rápida” para o problema, gerando processos resolvidos e arquivados; o que oferece luzes para a explicar o motivo porque as demandas que requisitaram a atuação do MPPI por acesso à educação, mais de 90% dos casos tiveram uma resolutividade, embora as condições de permanência e a qualidade na prestação do serviço não tenha sido objeto de discussão nos referidos processos. Por outro lado, o mesmo não ocorreu no que diz respeito aos 68 processos da categoria condições de funcionamento das escolas. As demandas não resolvidas, ou transferidas para o poder judiciário são quase a totalidade dos casos, com exceção dos relacionados a reconhecimento de curso. Assim, em 88,2% dos casos dessa categoria houve a transferência da demanda ao poder judiciário, em face do insucesso do órgão ministerial em encontrar uma solução extrajudicial ou sucesso na tentativa de formalizar um acordo com as secretarias de educação demandadas. Nesses casos, a explicação para a não resolutividade é a falta de recursos, a aplicação do princípio da reserva do economicamente possível, o que demonstra que o índice de resolução do MPPI nessa categoria é muito irrelevante. Ainda nessa categoria condições de funcionamento das escolas, as maiores incidências são as relacionadas à falta reformas de escolas com 36,8% dos processos, seguidas da falta de professores e de funcionários nas escolas com 32,8%, material didático e ao reconhecimento de cursos ambos com 8% e por fim, a subcategoria sobre climatização das escolas, com 7,5%. Os dados revelam ainda que do total dos processos descritos aqui os que com maior tempo sem resolução tramitando na sede do Ministério Público são da categoria “condições de funcionamento das escolas”, revelando que, por mais eficazes e abrangentes que sejam os instrumentos extrajudiciais de abordagem do MPPI para resolver demandas por direitos sociais, tais iniciativas estão limitadas quando se trata de matérias que exigem destinação de recursos financeiros, pois a interferência do órgão no poder econômico encontra forte entrave inserido pela própria legislação, em 2974
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI face dos princípios da “reserva do possível”7 e da “separação dos poderes”8. Assim, dentro da lógica neoliberal, a atuação do MPPI termina sendo eficaz apenas em questões que envolvem a responsabilização da gestão escolar ou das secretarias de educação dos municípios mais pobres ou a sociedade pelo não cumprimento das metas da educação pública, negligenciando questões de ordem mais estruturais ou infraestruturais que demandem investimentos em qualidade e na melhoria das condições de funcionamento das escolas. Assim, entende-se que há uma baixa resolutividade dos problemas relacionados a garantia das condições de funcionamento das escolas da parte do MPPI. Assim, como agente orgânico da política hegemônica de bases neoliberais, o Ministério Público Estadual no Piauí atua enquanto órgão do Estado com claras feições de legitimação da desresponsabilização do Estado brasileiro com o ensino básico, na medida em que grande parte das demandas em torno de violação do direito à Educação não encontram soluções satisfatórias ou que superem as determinações causais que engendram os problemas. 4 CONCLUSÃO As novas formas de atuação do Ministério Público na defesa do direito à educação são, em grande medida, resultado do processo da administração gerencial no serviço público, desencadeado no Brasil nas últimas décadas do século XX. Enquanto na década de 1980, a descentralização política foi uma das principais bandeiras populares erigidas em contraposição à centralização política e administrativa dos tempos da ditadura militar; a partir da década de 1990, a descentralização foi incorporada e ressignificada pelo ideário neoliberal, tornando-se estratégia de operacionalização da desresponsabilização do Estado na implementação de políticas garantidoras do acesso à educação, transferindo responsabilidades para níveis mais locais de poder, em especial 7 O princípio da reserva do possível consubstancia aquele em que o Estado, para a prestação de políticas públicas – que incluem os direitos sociais e prestacionais – deve observar as peculiaridades de cada caso concreto, pois como o Poder Público não possui recursos financeiros suficientes para o atendimento de todas as demandas, deve-se fazer escolhas entre os casos mais necessários (LIMA, 2008, p. 319-323). 8 “Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário sejam desempenhados por órgãos diferentes, “de maneira que, sem nenhum usurpar as funções dos outros, possa cada qual impedir que os restantes exorbitem da sua esfera própria de ação” (CUNHA JÚNIOR, 2015). 2975
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI para a sociedade civil, gerando efeitos perversos reprodutores de desigualdades e padrões baixos de qualidade do ensino-aprendizagem. Por compor a articulação de planejamento, fiscalização e sanção em casos de descumprimento da legislação que referencia a educação aos princípios do mercado, o Ministério Público demostrou-se compatível com a perspectiva da educação como dever de todos nos moldes da democracia liberal, ou seja, integrado aos interesses comuns de oferecer soluções práticas e imediatas para os problemas da garantia do direito à educação com redução da responsabilização do Estado e com a máxima responsabilização dos municípios, das redes de ensino e dos profissionais da educação, mais resultados com cada vez menos financiamento. Embora não deixe de representar avanços e conquistas populares no âmbito das políticas sociais brasileiras no tocante à garantia do acesso à educação, os dados parciais aqui apresentados indicam que o Ministério Público no tocante a garantia das condições de funcionamento das escolas apresenta uma tímida resolutividade de forma que não se pode deixar de reconhecer o MPPI como expressão do processo capitaneado pelo movimento das forças neoliberais, que se instrumentalizam na busca de quantitativo de acesso à escola sem as devidas condições de qualidade na Educação, evidenciando uma atuação enquanto órgão de Estado que, malgrado oferecer algumas respostas pontuais a problemas específicos, ainda está longe de cumprir com os propósitos mais gerais de enfrentar as violações ao direito à Educação, firmando-se ainda como um agente reprodutor das contradições particulares de uma sociedade e Estado marcadas pela desigualdade e exclusão. REFERÊNCIAS ARAÚJO, G. S. de; MATOS, N. J. C. Avaliação e Monitoramento de políticas Públicas pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí: análise dos resultados iniciais da aplicação do Índice de Efetividade da Gestão Municipal In: SILVA, M. do R. de F.; FERREIRA, M. D. M.; GUIMARÃES, S. de J. (Org). Questão social e políticas públicas na atualidade. Teresina. EDUFPI, 2017. p. 285 – 298. BRASIL. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 05 out. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 nov. 2019. 2976
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BRASIL.1996. Lei nº 9.394. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília, 20 dez. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 19 nov. 2019. BRESSER PEREIRA, L. C. Reforma do Estado para a cidadania: a Reforma Gerencial brasileira na perspectiva institucional, Brasília- DF: ENAP, Editora 34, 1998. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2015. DARDOT, P; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016. DUARTE, C. S. Direito público subjetivo e políticas educacionais. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 18, n. 2, p. 113-118, abr./jun. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 88392004000200012>. Acesso em: 6 fev. 2017. FERREIRA, L. A. M. Ministério Público: Atuação na área de educação: avanços, dilemas e desafios. In: SABELLA, W. P.; DAL POZZO, A. A. F.; BURLE FILHO, J. E. (Coord.). Ministério Público 25 anos do novo perfil constitucional. São Paulo: PC Editora Ltda, 2013, p. 533-558. GOUVEIA. A. B.; PINTO. J. M. R.; CORBUCCI, P. R. Federalismo e políticas educacionais na efetivação do direito à educação no Brasil. Brasília: Ipea, 2011. LIMA, G. M. Curso de Direitos Fundamentais. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2008. MÉSZÁROS, I. Para além do capital: rumos à uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011. PIAUÍ. Constituição Estadual do Piauí. Teresina, 05 de out. 1989. Disponível em: http://www.cge.pi.gov.br/legis/legislacao/constituicao-do-estado-do-piaui-2013.pdf. Acesso em: 28 nov. 2019. PIAUÍ. Lei Complementar nº 12, de 18 de dezembro de 1993. Teresina, PI, 1993. Disponível em: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Normas/leis_dos_mps_estaduais/Piau i.pdf. Acesso em: 14 jul. 2014. PIAUÍ. Lei Complementar nº 160/10, de 17 de dezembro de 2010. Altera a Lei Complementar nº 12, de 18 de dezembro de 1993, que estabelece as normas de organização e funcionamento do Ministério Público do Estado do Piauí e dá outras providências. Teresina, dez. 2010. Disponível em: http://www.mppi.mp.br/internet/index.php?option=com_phocadownload&view=cate gory&id=913:lei-organica-do-ministerio-publico-do-estado-do-piaui&Itemid=132. Acesso em: 12 nov. 2017. 2977
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI PIAUÍ. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 fev. 1993. PIAUÍ. Ministério Público do Piauí (MPPI). 38ª Promotoria de Defesa da Educação e Cidadania. Ação civil pública nº 014325-87.2011em face de Secretária Estadual de Educação. Disponível em www.tjpi.jus.br. Acesso em: 12 nov 2017 PIAUÍ. Ministério Público do Piauí (MPPI). 38ª Promotoria de Defesa da Educação e Cidadania. Ação civil pública nº 0019490-42.2016 em face de Secretária Estadual de Educação. Disponível em www.tjpi.jus.br. Acesso em: 12 nov 2017 PIAUÍ. Ministério Público do Piauí (MPPI). 38ª Promotoria de Defesa da Educação e Cidadania. Ação civil pública nº 0016729-72.2015 em face de Secretária Municipal de Educação. Disponível em www.tjpi.jus.br. Acesso em: 12 nov 2017 SAVIANI, D. A Nova Lei da Educação: LDB, trajetórias limites e perspectivas. Campinas, SP: Autores Associados, 2000. SILVA, F. C. da C. Controle social: Reformando a administração para a sociedade. Rev. Organizações e Sociedade. v.9 - n.24 mai/ago 2002. WESTPHAL, M.F.; ZIGLIO, E. Políticas públicas e investimentos: a intersetorialidade. In: FUNDAÇÄO PREFEITO FARIA LIMA – CEPAM (Org). O município no século XXI: cenários e perspectivas. São Paulo, CEPAM, 1999, p. 111-121. 2978
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS VISIBILIZANDO AS INVISÍVEIS: O direito à Educação de crianças sob o Transtorno do Espectro Autista (TEA) VISIBILIZING THE INVISIBLE: The right to education for children under Autism Spectrum Disorder (ASD) Mirley Jordana Fernandes da Silva 1 Tibério Lima Oliveira 2 RESUMO O nosso objetivo consiste em analisar o acesso de crianças sob o Transtorno do Espectro Autista na Unidade de Educação Infantil em Mossoró-RN, no ano de 2019. Além disso, caracterizar as condições de acesso e permanência de crianças sob o Espectro e apreender os desafios desses no acesso à educação. Como método, utilizamos o materialismo histórico-dialético, sendo a pesquisa de cunho qualitativo. Para alcançar nossos objetivos, utilizamos a pesquisa de campo. Realizamos 3 (três) entrevistas semi estruturadas com 3 (três) mães de crianças com TEA da UEI e 1 (uma) profissional da direção da unidade. Apreendemos que o processo de precarização do Estado reflete na forma do acesso de crianças sob o TEA, metamorfoseando- se na alta demanda para a obtenção da matrícula, ao passo em que a estrutura da instituição é insuficiente para atender as particularidades desses. Em contrapartida, o sentimento de acolhimento por parte das mães entrevistadas é notório. Palavras-Chaves: Transtorno do Espectro Autista. Direitos. Educação. ABSTRACT Our objective is to analyze the access of children under Autism Spectrum Disorder at the Child Education Unit in Mossoró-RN, in the year 2019. In addition, to characterize the conditions of access and permanence of children under the Spectrum and to understand the challenges those in access to education. As a method, we use 1 Bacharela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail para contato: [email protected] 2 Assistente Social, Professor substituto na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e Doutorando em Política Social pelo Programa em Política Social da Universidade de Brasília. E-mail para contato: [email protected] 2979
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI historical-dialectical materialism, with research of a qualitative nature. 3To achieve our goals, we use field research. We conducted 3 (three) semi-structured interviews with 3 (three) mothers of children with ASD from the UEI and 1 (one) professional from the unit's management. We apprehend that the state's precarious process reflects in the form of children's access under the TEA, transforming itself into the high demand for obtaining enrollment, while the structure of the institution is insufficient to meet their particularities. On the other hand, the feeling of welcome by the mothers interviewed is notorious. Keywords: Autistic Spectrum Disorder. Rights. Education INTRODUÇÃO O presente trabalho intitulado por “VISIBILIZANDO AS INVISÍVEIS: O Direito À Educação de Crianças sob o Transtorno do Espectro Autista (TEA)” tem por objetivo discutir o acesso aos direitos das crianças sob o TEA4, observamos as garantias e violações referentes à essas legislações por parte desses sujeitos, metodologicamente a pesquisa foi empreendida a partir da Unidade de Educação Infantil5, localizada em Mossoró-RN. Além disso, enfatizaremos a necessidade do debate sobre TEA, relacionado aos direitos à educação das crianças pois, no tempo presente, a formação educacional de crianças sob o Transtorno do Espectro Autista é um debate que possibilita a ampliação dos nossos horizontes acerca da temática. Buscaremos conceituar o TEA, argumentando questões acerca do direito à educação das crianças sob o TEA no ato da matrícula, estendendo à sua permanência na instituição. Outrossim, traremos uma breve discussão sobre os desafios e condições de acesso das crianças sob o Espectro, articulando com as falas das mães entrevistadas durante o processo de pesquisa. Como método, utilizamos o materialismo histórico-dialético, pois este nos permite descortinar o Transtorno do Espectro Autista, permeado nas contradições existentes no âmbito da sociedade capitalista, que perpassam as fases da infância no processo educativo, esse método permitiu compreender as contradições e as principais 4 A Lei 12.764/2012, institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa Com Transtorno do Espectro Autista. Conforme estabelece a política, optamos utilizar a nomenclatura “Transtorno do Espectro Autista”. 5 Citaremos apenas o município da Unidade de Educação Infantil por motivos de sigilo na entrevista, tendo em vista que realizou-se com 3 (três) mães e 1 (uma) diretora 2980
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI determinações sociais sobre o fenômeno estudado. Além disso, fazer o processo de mediação dessa análise a partir da articulação entre as dimensões de universalidade, particularidade e singularidade, são necessários para compreender essa a partir da perspectiva da totalidade. Destarte, é preciso compreender os fenômenos rompendo com a aparência natural que nos apresenta no cotidiano e ultrapassar o puro imediatismo num processo de mediação dialética, que permite a ligação entre as particularidades (processo de mediação) em sua totalidade (PONTES, 1999). Portanto, este método é relevante para compreendermos o Transtorno do Espectro Autista, a infância e a educação como partes interligadas no conjunto de uma totalidade permeada por diversas determinações e relações. Desse modo, entendemos a importância da pesquisa qualitativa por atender as nossas perspectivas, principalmente por permitir a interlocução com os sujeitos, à subjetividade e a busca pelos sentidos. Desta maneira, fizemos uma revisão bibliográfica das categorias estudadas, subsidiadas em autores como Gomes (2011) para a categoria de Transtorno do Espectro Autista; Freire (1997) para a categoria de educação. Traremos, também, a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei 12.764/12). Destarte, realizamos 3 (três) entrevistas semiestruturadas com 3 (três) respectivas mães de crianças com diagnóstico de TEA da Unidade de Educação Infantil, bem como com 1 (uma) profissional da direção da unidade. Assim, o interesse em pesquisar na referida instituição deu-se em razão de ser localizada em nosso bairro, facilitando a nossa locomoção até a instituição. Como instrumento de coleta de dados, elaboramos 2 (dois) modelos de roteiros de entrevista para as mães e para a direção da unidade. Vale salientar que estas foram registradas por meio do gravador em um smartphone sob autorização das respectivas participantes da pesquisa, explícito no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e no Termo de Autorização para Uso de Áudio. Abordaremos, ao longo do trabalho, se a educação se constitui um direito de todas as crianças, com foco em crianças com Transtorno do Espectro Autista. Desvelaremos brevemente o que é o TEA. Trataremos também acerca dos seus direitos conquistados, a partir da Lei 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção 2981
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Outrossim, discutiremos sobre desafios postos na atualidade para assegurar o direito dessas crianças, no acesso à educação pública e de qualidade. 2 EDUCAÇÃO: Um direito de todas as crianças? Segundo Gomes, o Transtorno do Espectro Autista é “[...] caracterizado por prejuízos qualitativos na interação social e na comunicação, além da presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades [...]” (2011, p. 22). Ou seja, se distancia da percepção do transtorno no aspecto físico da pessoa de imediato, mas, é percebida pela sua singularidade, estando presente nas formas em que esta interage socialmente e se comunica. Evidentemente, existem algumas maneiras para conceber o diagnóstico de TEA, tendo em vista a diversidade de comportamentos e expressões, diferenciando de criança para criança. Não se trata de exames ou testes biológicos que podem ser conferidos geneticamente, mas observação e métodos que cabem à profissionais especializados da área da saúde diagnosticá-las (BRASIL, 2014). Nesse sentido, a criança sob o Espectro é assegurada pelo poder público quanto a sua oportunidade de ingressar na escola, desde os seus primeiros anos de vida, de acordo com a Lei nº 12.764/2012 no art. 3º, que afirma que “São direitos da pessoa com Transtorno de Espectro Autista: IV – o acesso: a educação e ao ensino profissionalizante”. Assim, se alguma instituição se recusar a fazer a matrícula da criança com TEA ou outra deficiência, receberá a punição conforme estabelecido no art. 7º da Lei 12.764/2012. Esse direito só foi possível mediante o processo de organização desses sujeitos, da organização coletivas de mães desses filhos, que por meio árduas lutas conquistaram essa legislação. Para materializar esse processo o relato seguinte demonstra a existência de situações em que escolas, no município de Mossoró/RN, resistem à efetivação do direito à educação de crianças com deficiência, com o foco em crianças com TEA. Sobre os motivos que fizeram as mães matricularem as crianças na UEI em Mossoró/RN, vejamos: [...] eu particularmente fui pra particular porque eu pensava que existia mais cuidado, mais compreensão, que eles iam gostar assim dele, mas eu não vi nenhum tipo de cuidado em relação a escola particular... nenhum tipo [...] aí vim pra cá (Entrevistada 1). 2982
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O sistema capitalista com o reforço ao individualismo, através de relações sociais desiguais (capital versus trabalho) naturaliza a rejeição pelo “diferente” ou pelo o que se encontra fora dos padrões socialmente hegemônicos na sociedade, já dizia Foucault: “O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma ‘anatomia política’, que é também igualmente uma ‘mecânica do poder’, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros” (1987, p. 164). Diante disso, faz-se necessário atentarmos para a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes que têm, muitas vezes, seus direitos violados, seus corpos controlados. O entendimento de que se trata de seres humanos em construção, com direitos que foram historicamente negados e, assim, faz-se importante garanti-los, mesmo na conjuntura atual de retirada de direitos. A lógica da educação “bancária” nos termos de Freire (1997), compreende que as pessoas precisam se adaptar e se ajustar ao modelo posto na sociedade. Não existe um compromisso com a diversidade, logo, a educação é baseada na lógica da tecnificação e não na emancipação. O sujeito destituído de sua humanidade, não se ver mais na estrutura de um sujeito cidadão, mas de um simples corpo sendo docilizado para o disciplinamento ao mundo do trabalho. Como analisou Foucault: “no bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido. Um corpo bem disciplinado forma o contexto de realização do mínimo gesto” (1987, p. 178). Nesse sentido, o processo em que escolas particulares do município rejeitam a permanência da criança com TEA, metamorfoseia-se na educação “bancária” na docilização desse corpo, na qual as crianças, por sua vez, precisam estar adequadas aos “padrões” técnicos da escola – portanto, sem deficiência. Além disso, adequando-se a uma cor e até a um comportamento. Destarte, “[...] o corpo, do qual se requer que seja dócil até em suas mínimas operações, opõe e mostra as condições de funcionamento próprias a um organismo. O poder disciplinar tem por correlato uma individualidade não só analítica e ‘celular’, mas também natural e ‘orgânica’ (FOUCAULT, 1987, p. 181). Desse modo, retomando ao pensamento freireano um fator que delineia a lógica da educação “bancária” de escolas é também a ideia – essencialmente – de formar 2983
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sujeitos distante da perspectiva crítica, transformando-se em uma educação reacionária. O processo de reflexão instiga a negação de elementos construídos socialmente que são postos na sociedade, podendo proporcionar inclusive a emancipação destes sujeitos. Por isso, faz-se necessário compreendermos a educação libertadora na perspectiva freireana, que consiste na “[...] concepção problematizadora que, não aceitando um presente ‘bem-comportado’, não aceita igualmente um futuro pré-dado, enraizando-se no presente dinâmico, se faz revolucionária” (FREIRE, 1997, p. 76). Outro aspecto se trata da insatisfação na fala da entrevistada 2, pelo fato da dificuldade na obtenção da matrícula da criança na unidade, no primeiro ano: “Foi difícil matricular. [...]. Porque a escola é pequena, você vê que a creche é pequena né... Pra demanda de crianças que é muito grande”. A alta demanda de crianças numa instituição atrelado à insuficiência quanto a estrutura, reforça o processo de precarização. Com isso, mecanismos que fortalecem o retrocesso dos direitos dessas pessoas são colocados em uma balança, sendo o peso maior da recaído para a classe trabalhadora. Esse contexto de regressão das políticas e dos direitos sociais fomentado desde os anos 1990 com o projeto neoliberal tem fortalecido a lógica de precarização e de privatizar o público. Assim, como reforça Cisne (2008, p. 75) “[...] conseguir manter direito já é uma conquista”. Durante o governo de Michel Temer (2016-2018) foi implementada à Emenda Constitucional 95 de 2016 que institui o novo regime fiscal, tratando fundamentalmente do congelamento dos gastos primários por 20 (vinte) anos, dentre estes, a educação. O Estado prioriza atender os interesses da classe dominante e, em contrapartida, responde expressões da questão social de forma pontual da classe trabalhadora. Mesmo em uma sociedade desigual, fazemos jus a necessidade de atender e amparar as necessidades das crianças, na constante luta pelos seus direitos. A importância em combater a desigualdade via a busca de uma sociedade emancipatória, com igualdade e justiça social, evidencia tarefa indispensável, neste cenário. É inegável que houve avanços na defesa da perspectiva de inclusão e inserção de crianças sob o Espectro Autista no ensino infantil, bem como conquistas na legislação do país com políticas de educação afirmando a necessidade da equidade, integralidade no ensino infantil. Porém, a sua real efetivação ou materialização na realidade 2984
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI necessitamos repensar. A conjuntura contemporânea do país coloca barreiras para que crianças com TEA tenham a garantia de estarem numa escola de qualidade, com a devida estrutura e com profissionais especializados para receber essas pessoas, a partir dos seus primeiros anos de vida. O governo atual presidido por Jair Bolsonaro, no ano de 2019, tem se pronunciado por meio do Decreto nº 9.759 no dia 11 de abril de 2019, que trata de restrições e extinções dos conselhos de participação popular, impactando diretamente na política de educação, nos conselhos e entidades organizativas. E, além disso, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Com Deficiência (CONADE), ora criado em 1999, que é um dos principais órgãos na atuação e defesa dos direitos da pessoa com deficiência, incluindo crianças. Um fator crítico frente a garantia dos direitos sociais da população também é o aprofundamento do conservadorismo e o processo de negações de direitos conquistados socialmente. Na atual conjuntura, discursos de cunho moralizador, por parte de algumas autoridades pública tem ganhado visibilidade pela sociedade e pela mídia. Resultando assim na desarticulação da sociedade e dos próprios conselhos. Como exemplo, vemos o discurso do presidente em relação aos conselhos de participação popular, em reportagem da RedeTV6 dizendo: “Como regra, a gente não pode ter conselho que não decide nada. Dada a quantidade de pessoas envolvidas, a decisão é quase impossível de ser tomada”. Ou seja, tal argumento se traduz no reforço as decisões serem tomadas antidemocraticamente, sem ouvir opinião dos participantes dos conselhos para aprovação (ou não) das diretrizes. São desafios postos que, necessariamente implicam na materialização da Lei 12.764/2012. A partir do momento em que o governo se posiciona na contra mão dos interesses da população, que busca pela efetivação dos direitos sociais das pessoas com deficiência, contrapõe também os artigos da legislação supracitada. Em outras palavras, percebemos que a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa Com Transtorno do Espectro Autista mesmo construída de forma satisfatória, abarcando aspectos que interessam às pessoas sob o Espectro, enfrenta sérios desafios para sua real efetivação. 6 O argumento foi concedido em reportagem no dia 22 de julho de 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8E-xGOSzlXE 2985
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O relato da Entrevistada 3 nos chama a atenção sobre os desafios para a permanência da criança na UEI: “[...] só tem uma dificuldade assim, de vir, porque muitas vezes, como eu dependo da minha mãe e do meu marido pra vir deixar ele aqui, aí, as vezes ele falta aqui porque não tem quem venha deixar ou quem venha buscar, entendeu? Porque eu moro muito longe [...]”. Tal fato elucida a ausência de políticas de transportes urbanos coletivos ou individuais que atendam as especificidades da pessoa sob o Espectro. Este problema ultrapassa a falta de transportes coletivos como um ônibus circulando, por exemplo. Mas, para atender as particularidades e respeitar as manifestações distintas do TEA de criança para criança, é algo que precisa ser problematizado, nesse sentido. Invisibilizar o TEA sob a perspectiva de que todas as crianças possuem as mesmas características, é um equívoco. Outro fator que vale a nossa ressalva é a particularidade de que a UEI é localizada em um bairro periférico do município de Mossoró-RN. Sendo assim, é possível de que a situação socioeconômica da família das crianças possua uma renda inferior, por exemplo, distintamente de uma criança que estuda em escolas privadas. Nesta situação, a dificuldade da mãe (entrevistada 3) no quesito transportar-se com a criança até a instituição, incorpora elementos que expressam o baixo poder aquisitivo da família, necessitando assim de um transporte acessível para a criança sob o Espectro e 100% público. Para além destes aspectos sociais, sabe-se que no entorno do sistema capitalista o individualismo e a competitividade se sobrepõem à lógica de enxergar o humano, de se enxergar no outro. Por isso, ressaltamos que as dificuldades são conjunturais. Nem sempre estarão atreladas restritamente a um transporte ou acesso à escola, mas a garantia dos direitos quanto ao respeito e empatia, para que se construa o elo do reconhecimento no outro para assim, efetivar o direito daquela criança à usufruir dos seus direitos. Existe uma particularidade que observamos no decorrer da nossa pesquisa, que é o fato de apenas mulheres e mães acompanharem os seus filhos. Nota-se que a sobrecarga de mulheres que, muitas vezes trabalham extra lar, ainda são necessariamente responsabilizadas para dar assistência as crianças na escola. Um fato é que o patriarcado coloca o homem no patamar de prover o lar, fundamentalmente. Em 2986
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI contrapartida, a mulher e mãe é alocada na condição de alimentar, educar, cuidar das tarefas domésticas, etc. Conforme salienta Narvaz e Koller (2006, p. 52): Se o papel prescrito aos homens na família patriarcal burguesa relaciona-se ao sustento econômico, o papel prescrito às mulheres é o de que sejam cuidadoras do marido, do lar e dos filhos. Essa prescrição parece ter atravessado os séculos, materializando-se na crença de que a mãe deveria dedicar-se integralmente aos filhos, crença encontrada em estudo recente com famílias da periferia de Porto Alegre (Cecconello, 2003). Por isso, concebemos que o sistema capitalista possui em seu bojo a divisão sexual do cuidado, reconhecendo que o patriarcado se apresenta como um fator crucial nas relações sociais intrafamiliar. Salientamos que o objetivo da nossa discussão no presente trabalho trata senão de visibilizar crianças sob o Espectro Autista, bem como o acesso e permanência dessas na Unidade de Educação Infantil. Porém, indiscutivelmente, o patriarcado perpassa nas relações sociais, principalmente se tratando de mulheres e mães, que são fortemente pressionadas a dar de conta de todo o processo do cuidado da criança. Em suma, apreendemos que a conjuntura atual nos demanda à postura de enfrentamento contra as desigualdades sociais, compreendendo que essas são frutos da contradição permeada no sistema capitalista, que estimula a reprodução do individualismo, invisibilização de pessoas que necessitam de maior assistência, negação de direitos e patriarcado. Por isso, a luta em favor da viabilização de direitos e da efetivação dos mesmos, se fazem necessário, para assim, combater as múltiplas expressões da questão social. Em suma, a pesquisa realizada na Unidade de Educação Infantil em Mossoró/RN acerca das condições de acesso e permanência de crianças com Transtorno do Espectro Autista, cumpriram os seus objetivos. A existência do compromisso ético-profissional por parte da equipe para essas crianças e o relato das mães entrevistadas, que reforçaram o sentimento de acolhida que receberam da instituição, nos dá suporte de que há garantias dos direitos de crianças sob o Espectro Autista. 2987
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreendemos que o processo de luta por direitos eminentemente da classe trabalhadora resultou na construção de políticas sociais e documentos legais para crianças e adolescentes. Além disso, estreitamos a nossa análise acerca dos direitos à educação de crianças sob o Espectro Autista fruto desse processo de luta. Podemos entender as particularidades desses sujeitos para acessar direitos que foram também fruto da organização coletiva das mães que acolheram a causa dessas, que, são muitas vezes invisibilizadas na sociedade. Salientamos também o processo de divisão sexual do cuidado sobre as crianças, que sobrecarregam as mulheres e mães para dar conta da educação e do cuidado. A pesquisa nos mostra que, por serem todas mães entrevistadas (ao invés de pais), materializa assim, uma das expressões da sociedade capitalista: o patriarcado. Outro aspecto relevante que a pesquisa nos trouxe, foi desmistificar a ideia de que o serviço privado é sempre melhor, tratado sob a ótica positiva (em termos de qualidade, estrutura, etc.) e o serviço público como negativo. De acordo com o relato das mães entrevistadas, analisamos o quanto a educação pública está preparada para receber crianças sob o Espectro Autista, ao contrário de algumas instituições privadas do município, tanto em relação às capacitações existentes como nos serviços prestados pela equipe multiprofissional. Algumas instituições do serviço privado, por sua vez, se indispõem a custear profissionais especializados para prestar assistência e ensino à crianças sob o TEA, principalmente, pelo fato de gerar gastos financeiros. Tal fato elucida a importância de valorizarmos em maior proporção o serviço público e a sua competência e qualidade na assistência à essas pessoas. Além disso, observamos a necessidade das constantes lutas para a efetivação, bem como da qualidade no serviço público, no município de Mossoró. Em suma, destacamos que no município de Mossoró-RN existe a Unidade de Educação Infantil que se compromete em garantir os direitos das crianças sob o Espectro Autista, no que corresponde à inclusão e ao ensino dessas. Mesmo com impasses e fragilidades em transporte público que atenda a demanda e as dificuldades em garantir a inserção da criança (para matricular na UEI), o acesso e permanência das mesmas evidenciam o caráter ético e responsável da unidade. Vale salientar que os impasses, 2988
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI conforme dissemos, são resultados da contradição do sistema capitalista, responsável pela agudização das expressões da questão social, materializas na desigualdade social. Por isso, acreditamos os nossos objetivos foram alcançados no que diz respeito a compreender, numa perspectiva de totalidade da realidade, a forma em que o Estado viabiliza políticas e legislações para crianças sob o TEA e suas fragilidades. Conferimos ao processo de precarização do Estado uma forma de estratégia do capital, ao passo da falta de investimentos em decorrência da alta demanda para a obtenção da matrícula de crianças e a consequente insuficiência da estrutura da instituição de ensino. Além disso, acerca das condições de acesso e permanência de crianças sob o Espectro na Unidade de Educação Infantil que foi o nosso campo de pesquisa, materializa-se na realidade de forma acolhedora, conforme os nossos resultados colhidos em entrevista. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtornos do Espectro do Autismo (TEA). - Brasília: Ministério da Saúde, 2014. p. 12- 15. BRASIL. Lei 12.764/2012, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera o § 3o do art. 98 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília: 27 de dezembro de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12764.htm Acesso em: 01 nov. 2019. CISNE, Mirla. Resistência De Classe No Brasil Contemporâneo: Mediações Políticas Para O Enraizamento Do Projeto Ético-Político do Serviço Social. In: Revista Temporalis, 2008, ano VIII, n. 16, p. 67-98. FREIRE, Paulo. Educação “bancária” e educação libertadora. In: Introdução à Psicologia Escolar. Maria Helena Souza Patto (org). 3. ed. Rev. Atual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhate, Petrópolis, Vozes, 1987. GOMES, Rosana Carvalho. Interações comunicativas entre uma professora e um aluno com transtorno invasivo do desenvolvimento na escola regular. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal- RN, 2011. 157 f. 2989
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI NARVAZ, Martha Giudice e KOLLER, Sílvia Helena. Famílias e patriarcado: da prescrição normativa à subversão criativa. Revista Psicologia e Sociedade. 2006, vol.18, n.1, pp.49-55. ISSN 1807-0310. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102- 71822006000100007. Acesso em: fev. 2020. 2990
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS CONTRIBUTOS DA EDUCAÇÃO POPULAR PARA O FORTALECIMENTO DA FUNÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICA DO ASSISTENTE SOCIAL Leiriane de Araújo Silva 1 Andreza Fedalto 2 Davi Cartaxo Rodrigues 3 Marinelsa Nunes de Sousa Silva4 RESUMO O presente trabalho tem por objetivo apresentar a contribuição da educação popular para o fortalecimento da função político- pedagógica do assistente social. O artigo traz um estudo exploratório de cunho bibliográfico. Como resultados preliminares tem-se que a partir das articulações dos princípios da autonomia, participação e emancipação, encontramos o ponto de convergência entre a educação popular e o Serviço Social, ponto a partir do qual se pode construir referências teóricas, operativas, éticas e políticas no trabalho político- pedagógico com a população nos diversos espaços de atuação profissional, no campo das políticas sociais públicas. Palavras-Chaves: Educação Popular. Serviço Social. Emancipação. ABSTRACT The present work aims to present the contribution of popular education to the strengthening of the political-pedagogical function of the social worker. The article brings an exploratory study of a bibliographic nature. As preliminary results we have that from the articulation of the principles of autonomy, participation and emancipation, we find the point of convergence between popular 1 Assistente Social, Mestre em Política Pública e Sociedade- UECE, Professora do curso de Serviço Social da Unifametro-CE e do Programa de Monitoria e Iniciação Científica – Promic. E- mail:[email protected] 2 Estudante de Serviço Social do curso de Serviço Social da Unifametro-CE. Mestre em ciências. Bolsista do Programa de Monitoria e Iniciação Científica – Promic. E-mail: [email protected] 3 Estudante de Serviço Social do curso de Serviço Social da Unifametro-CE. Bolsista do Programa de Monitoria e Iniciação Científica – Promic. E-mail: [email protected] 4Estudante do curso de especialização de Políticas Públicas e Gestão Social da Unifametro-CE. Assistente Social. E- mail: [email protected] 2991
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI education and Social Work, a point from which theoretical, operative, ethical and political references can be built in political-pedagogical work with the population in the various spaces of professional activity, in the field of public social policies. Keywords: Popular Education. Social service. Emancipation INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é apresentar parte dos resultados de uma pesquisa em andamento sobre Contributos da educação popular na assessoria e acesso aos direitos humanos e sociais vinculada ao Programa de Monitoria e Iniciação Científica - Promic do Centro Universitário Fametro- Unifametro. Trata-se, ainda da pesquisa bibliográfica que posteriormente se somará a documental e a de campo. Apresenta uma perspectiva de análise baseada no método histórico dialético, especialmente no debate da instrumentalidade do Serviço Social como mediação e sua relação com a educação Popular. Visa apresentar a partir dos estudos e elaborações teóricas sobre a função pedagógica da prática profissional do Serviço Social, a inserção da educação popular como instrumento para trabalho educativo com a população participante dos diversos serviço, programas, projeto benefícios, em que os profissionais de Serviço social estão inseridos. 2 A RELAÇÃO SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO: do ajustamento à emancipação A inserção do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho se dá na era dos monopólios, onde neste período sócio-histórico específico, o Estado se vê obrigado a intervir nas expressões da questão social (NETTO, 2011a). A estratégia utilizada para a realização de tal intervenção foi a implementação das políticas sociais, e é neste momento que o Assistente Social é legitimado e convocado como “um dos agentes executores das políticas sociais.” (NETTO, 2011a, p. 74). A função exercida pelos Assistentes Sociais na articulação das políticas sociais, explicita a função aparente e imediata desenvolvida por este profissional, mas a sua inserção no mercado de trabalho esconde também uma dimensão ideopolítica. Para que a perpetuação do capital se concretize, não basta apenas a acumulação de riquezas e a manutenção da propriedade privada, mas se faz necessário também a cooptação das 2992
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mentes, que é por meio desta estratégia que o capital garante o consentimento das massas para a sua perpetuação, exercendo assim o controle social das mesmas (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011). Tendo como base essa estratégia de dominação ideopolítica desenvolvida pelo capital, é que compreendemos que o Assistente Social não é apenas o executor das políticas sociais, mas também o agente do consentimento; o agente que atua no “cotidiano de vida dos indivíduos, reforçando a internalização de normas e comportamentos legitimados socialmente.” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p. 116). “A educação é um complexo constitutivo da vida social, que tem uma função social importante na dinâmica da reprodução social” (CFESS, 2011, p.16) e na organização e transmissão da cultura de uma determinada sociedade. Aqui trataremos de uma educação que vai além das instituições educacionais, em um processo que estendesse a toda a vida, visto como um meio de luta política. Neste processo, pode haver um agente facilitador, que através de problematizações provoque nos sujeitos envolvidos novas leituras do mundo e que assim percebam-se como protagonistas na história. Segundo Abreu (2016), o assistente social tem uma função pedagógica em seu fazer profissional, que é Determinada pelos vínculos que a profissão estabelece com as classes sociais e se materializa, fundamentalmente, por meio dos efeitos da ação profissional na maneira de pensar e agir dos sujeitos envolvidos nos processos da prática. Tal função é mediatizada pelas relações entre o Estado e a sociedade civil no enfrentamento da questão social, integrada a estratégias de racionalização da produção e reprodução das relações sociais e do exercício do controle social. (ABREU, 2016, p. 21) Esta função pedagógica, está presente na prática profissional ao longo de sua história, mesmo que em alguns momentos tenha se mostrado persuasiva e até de forma coerciva. Isto se dá, pois a execução desta tarefa delegada, ao profissional Assistente Social, se insere a sua função de dar continuidade ao cotidiano e não a sua superação (HELLER, 2000). Cotidiano esse caracterizado pela “imediaticidade e o pensamento manipulador” (NETTO; CARVALHO, 2012, p. 25). No início da profissão, não havia a percepção de vida emancipada, mas apenas em manter certa ordem, baseado na imediaticidade dos fatos. Assim o Estado legitima a profissão, atribuindo esta função educativa para ser exercida frente à classe subalterna. 2993
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI [...] o Assistente Social é solicitado não tanto pelo caráter propriamente “técnico-especializado” de suas ações, mas, antes e basicamente pelas funções de cunho “educativo”, “moralizador”, e “disciplinador” [...]. Radicalizando uma característica de todas as demais profissões, o Assistente Social aparece como profissional da coerção e do consenso, cuja ação recai no campo político. (IAMAMOTO, 2004, p.42) A função educativa, esteve em sua gênese, fundamentada na Razão Instrumental. Razão essa que “não nos permite avançar na construção do novo, do não instituído, do vir a ser. Ela se coloca na lógica da reprodução da sociedade, do seu status quo.” (GUERRA, 2014, p. 31), desta maneira não permitia uma ação interventiva emancipadora, mas antes, a execução da “mera repetição, da rotina, limitado ao âmbito das experiências imediatas, da empiria, do factual, dos imediatismos, do caos, do acaso, do fortuito.” (GUERRA, 2014, p. 33) Essa concepção conservadora passa a mudar significativamente a partir de um movimento denominado Reconceituação. Movimento esse que punha em questão as abordagens mais pragmáticas da profissão, conclamando uma abordagem praxiológica, ou seja, baseada na relação teoria e prática (MACÊDO, 1981). Desta maneira, desenvolveriam uma teoria e prática que estivesse em consonância com a realidade Latino Americana, abandonando assim à abordagem positivista norte-americana. A partir desse movimento, que foi impulsionado pelo menos por três fatores de ordem macroscópica, – a crítica às abordagens positivistas (MACÊDO, 1981), a aproximação dos movimentos progressistas da igreja católica e os movimentos estudantis (NETTO, 2011b) – o Serviço Social Brasileiro, em meados da década de 60, tem seus primeiros contatos com a Teoria Social de Marx e passam a rever sua teoria e prática profissional. A partir deste movimento de repensar as bases teóricas-metodológicas da profissão, a Razão Instrumental sai da centralidade, com seu caráter manipulador e imediato, surgindo agora uma instrumentalidade substantiva e emancipatória, representada pelo Razão Dialética, que incorpora a contradição, o movimento, a negatividade, a totalidade, as mediações, buscando a lógica da constituição dos fenômenos, sua essência ou substância. Nossa instrumentalidade é rica quando estimulamos a participação do usuário nas instituições, quando veiculamos as informações que são de importância para eles. [...] quando ousamos criar novos instrumentos emancipatórios em detrimento dos que subordinam, manipulam e exercem controle sobre os usuários e/ou suas famílias; [...] quando superamos a aparência da demanda imediata e atuamos para além das demandas 2994
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI emergenciais, quando atitude investigativa no cotidiano, quando refletimos criticamente e o superamos momentaneamente; [...] (GUERRA, 2014, p. 40). Para Abreu (2016), foi no movimento de reconceituação do serviço social, que há a construção do que ela vem a chamar de uma perspectiva pedagógica “emancipatória” no fazer profissional do assistente social que seria desenvolvida junto às classes subalternas. Esta pedagogia foi pensada através de uma análise gramsciana sobre relações de forças políticas, de autoconsciência e organização de grupos sociais visando o despertar de uma consciência política coletiva. Vem com o intuito de despertar, entre os usuários, uma reflexão sobre as contradições que se apresentam nos serviços institucionais da assistência e que estes são direitos conquistado através da intervenção política da sociedade que participa na sua construção histórica. Há um despertar para uma colaboração e solidariedade intraclasse subalterna, com a necessidade de ter uma visão crítica sobre a realidade, surgindo assim uma nova cultura, uma concepção de mundo próprio dos grupos subalternos, afastando-se da ideologia da classe dominante. Já que esta ideologia provoca uma dicotomia entre o pensar e o agir da classe subalterna. “Esse movimento objetiva-se segundo o pensamento gramsciano na formação de uma vontade coletiva como expressão do processo de reforma intelectual e moral a qual supõe uma vinculação orgânica a base econômica.” (ABREU, 2016, p 138). Ainda para Abreu (2016), é necessário criar uma nova linguagem com novos símbolos para o mundo, uma reforma com mudanças econômicas, intelectuais e moral, o que representaria a construção da hegemonia das classes subalternas. A autora cita a educação popular como instrumento da prática do assistente social, junto a pedagogia “emancipatória”, o qual é desenvolvido, mais frequentemente, junto aos movimentos sociais populares de base progressistas que lutam em defesa de direitos. Um trabalho de articulação política no fortalecimento de organizações populares, onde o assistente social pode se desenvolver uma assessoria técnica para a implementação de formas de lutas pela democracia e justiça social. O que converge com o trabalho do educador popular que é “o de um assessor de setores organizados do povo, que o convocam para fazer o que o povo ainda não sabe ou não pode fazer, ou para ajudar, com a sua contribuição específica, os trabalhos de educação que o povo começa a saber e a poder fazer.” (BRANDÃO, 2006, p 56) 2995
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A função educativa do Assistente Social passa a ser vista agora de forma mais ampla, e não meramente como uma ação que visava o ajustamento e a coesão das massas. Os profissionais passam a compreender o seu envolvimento político com as classes subalternas, comprometimento esse que visava e empoderamento político das mesmas. Por isso passam a ver a sua função educativa não apenas como “um simples veículo de transmissão, mas também um instrumento de crítica dos valores herdados e dos novos valores que estão sendo propostos. A educação abre espaço para que seja possível a reflexão crítica da cultura.” (ARANHA, 1996, p. 52). Desta maneira, podemos considerar que o Movimento de Renovação do Serviço Social brasileiro muda significativamente a natureza da função educativa do Assistente Social, fazendo com que este à exerça visando a emancipação do indivíduo e não o seu adequamento a realidade vivida. 3 SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO POPULAR: um encontro de ideias Foi a partir da construção de uma nova proposta de projeto ético-político para o Serviço Social, advinda do Movimento de Reconceituação nos anos 1960, que a profissão se familiarizou com aportes teóricos ligados a uma perspectiva crítica que iriam embasar, bem como oferecer novas possibilidades, a função educativa do assistente social. A Educação Popular surge no Brasil em busca de um novo projeto de sociedade, mais justa e igualitária e através do exercício da cidadania desenvolvido pela ação de sujeitos históricos organizados. Foi em período caracterizado como nacional- desenvolvimentismo, o qual demarcava o período de transição do capitalismo competitivo para o monopolista, entre os anos de 1930-1964. (MACHADO, 2013) O governo da época vinha com o propósito de promover a participação social enquadrado num modelo de sociedade mantido pela classe dominante. Porém, para além dos planos do governo, emergiram iniciativas que buscavam a democratização da cultura e a hegemonia das classes populares, como os Centros Populares de Cultura (CPC’s), ligado ao segmento universitário e o Movimento de Educação de Base, ligado à Igreja Católica. Nesse período o Serviço Social, conectava-se com a parte progressista da Igreja Católica, se engaja nos movimentos de esquerda da mesma, onde Paulo Freire também participava com seu método. Assim, a profissão passa a se comprometer com a 2996
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI perspectiva freireana ampliando a percepção da classe subalterna para que estes se tornarem agentes de sua própria história, iniciando uma aliança. Contudo, o período da ditadura barrou o desenvolvimento da Educação Popular por considerá-la subversiva. Em suma, as primeiras aproximações do Serviço social com as ideias de Freire se deram em dois aspectos: a vinculação do autor ao movimento católico e por meio das propostas e ações de desenvolvimento de comunidades ligadas a Educação de Base de Adultos. (SCHEFFER, 2013, p.297). Após a retomada da democracia, a Educação Popular passa a se reproduzir com maior força nas ONG´S e com Paulo Freire em São Paulo na Escola Pública popular se difundindo em diversos movimentos sociais e lutas políticas. Nesse momento, Paulo Freire marca a sua ruptura com o desenvolvimentismo e aproximação com o marxismo ao escrever o livro Pedagogia do Oprimido. Nessa obra ele rejeita a teoria da conciliação de classes e dá lugar a luta de classes e fortalecimento da classe trabalhadora, “vista como explorada e oprimida, cujo conhecimento crítico da realidade e de sua condição é a alavanca para engajamento na transformação social” (SCHEFFER, 2013, p.299). No âmbito do Movimento de Reconceituação materializado no método BH, o Serviço Social incorpora o ideal freireano de transformar o homem e a sociedade por meio do processo de conscientização. Paulo Freire se debruçou na construção e sistematização da prática pedagógica libertadora da educação popular, o que para ele é algo inacabado, pois parte da realidade concreta e se aperfeiçoa de acordo com sua dinâmica. Para o autor, os excluídos da sociedade detêm um saber que não é valorizado e por isso destaca a necessidade de que seja construída uma educação a partir do conhecimento do povo, para que o oprimido se conscientize da opressão para questioná-la e sair dessa condição (MACIEL, 2011). A metodologia contida na Educação popular foi construída a partir de experiências concretas de Paulo Freire com as camadas populares, a partir da elaboração de uma teoria que pudesse ser compreendida por elas, baseada no diálogo e na proposta de “uma nova relação social em que haja igualdade entre homens e mulheres projetando um bem comum” (MACIEL, 2011, p.338). Esta proposta se materializou em metodologias como os círculos de cultura, a qual consiste na transmissão de saberes através de uma troca de ideias entre os participantes. 2997
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A concepção de educação envolvida no processo tem a finalidade de libertar-se da realidade opressora e injustiça. A libertação vem no reconhecimento de cada indivíduo como sendo sujeito da sua própria história, e de como este está no mundo. A percepção histórica do mundo faz com que se perceba que este não está acabado e é passível de transformação. Educação é práxis, ação-reflexão, não fica apenas no campo das ideias e isto ficou evidente na história de vida de Freire. (FREIRE, 2016) A Educação Popular não se resume a uma simples transmissão de saberes, mas trata-se de um ato político, portanto “é um paradigma teórico nascido no calor das lutas populares que passou por vários momentos epistemológicos e organizativos, visando não só a construção de saberes, mas também o fortalecimento das organizações populares” (GADOTTI, 2012, p.22). O método em Freire vem com a intenção de uma prática reflexiva da realidade através de interações sociais e com a socialização de saberes. Seu método não vem como uma receita a ser aplicada, é um método dinâmico e que pode transformar-se em cada novo contextos de prática, vem como um instrumento de intervenção, centrado na libertação e emancipação do homem. (LIMA, 2014) Conforme aponta Machado (2013), existem elementos essenciais na educação popular que ajudam a pensar e a realizar as ações educacionais populares para o alcance da hegemonia das classes subalternas, são eles: a práxis, a conscientização, o diálogo, o conhecimento popular e a participação. A práxis é incorporada de acordo com a sua concepção marxista, a qual significa “[...] uma atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e para poderem alterá-la transformam-se a si mesmos. É a ação que precisa da reflexão, da teoria que remete a ação.” (MACHADO, 2013, p. 130). Partindo dessa concepção, a ação que deve ser desenvolvida na educação popular tem o objetivo de fazer os sujeitos envolvidos, participem de todo o processo. Não há uma hierarquia de saberes e o conhecimento que cada um traz sobre sua vivência tem seu valor. Assim devem ser direcionadas a eles, as indagações necessárias para que compreendam o mundo em que estão inseridos, a partir do que faz sentido para os mesmos. A ação desenvolvida pela educação popular se torna práxis porque transforma o homem, para que ele transforme a realidade. 2998
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI No que concerne à conscientização, pode se afirmar que esta é advinda do desvelamento da realidade, quando o indivíduo que a vivência começa a pensar sobre ela de uma forma crítica, e é a partir daí que ele se relaciona com o mundo. Freire trouxe a noção de estágios de consciência, onde a consciência crítica se dá em um processo de humanização, onde é possível entende-se no mundo como ser humano em sua transformação criadora. A conscientização é o desenvolvimento crítico da tomada de consciência, mas que deve implicar em uma ação. (FREIRE, 2016) O cotidiano transforma o real em algo alienante, uma vez que não nos atentamos a refletir sobre o que para nós é comum. Desse modo, o romper desse senso comum se constitui na conscientização. Sobre o diálogo, este se constitui num eixo central da educação popular. O processo dialógico se dá através da amorosidade, em um comprometimento com a promoção da vida entre o mundo e os homens. É através do diálogo que se desenvolve um círculo de cultura, onde os sujeitos podem lançar ideias, podem debater e assim passam a compreender o valor das suas vivências, tendo em vista que todos são convidados a participar em caráter de igualdade. Suas vivências são problematizadas para que seja fomentado um pensamento crítico acerca da realidade, e assim se perceba como um sujeito histórico capaz de agir no contexto que vive promovendo transformação. Assim o conhecimento é feito de forma coletiva e dialógica, com uma função social e intencionalidade. A prática da educação popular é voltada para a massa oprimida, com preocupação na formação do homem para a cidadania, seus fundamentos são a partir de uma leitura de mundo, que valoriza conhecimento de cada indivíduo em um processo de troca e de ressignificação. É feito de forma que envolva a própria vida dos sujeitos, a partir do seu cotidiano, de uma construção do real, indo para uma aproximação crítica da realidade. Propiciando a estes sujeitos que possam se ver em um processo históricos com a possibilidade de se reconhecerem num processo de exclusão social e assim caminhar para a sua emancipação na materialização da cidadania. (LIMA, 2014) Portanto, entende-se que o método de Paulo Freire e o Serviço Social assemelham no raciocínio dialético, na referência aos princípios da autonomia, participação, transformação, e em base ético-político ao firmarem compromisso com a classe trabalhadora e com a emancipação dos sujeitos. Logo, vale ressaltar as contribuições que o pensamento freireano trouxe para a profissão ao longo do tempo, 2999
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