ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Tabela 1: Motivo principal da não conclusão de curso técnico de nível médio por pessoas de 15 anos ou mais de idade no Brasil em 2014 – PNAD - 2014. Sociais e/ou Abs. Tipo de motivo Abs. % % Acadêmicas econômicas Dificuldade financeira 116 23,3 Falta de motivação 77 15,5 30 Dificuldade de acesso 150 6,0 porque o curso não trazia ao local do curso 125 o conhecimento que Dificuldade de cumprir o horário do curso esperava Falta de tempo para 30,1 estudar 25,1 Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2014 (IBGE, 2014). Os dois principais motivos de evasão no ensino profissional no Brasil, portanto, estão associados à dificuldade de conciliar trabalho e estudo, dado que 60% dos entrevistados estavam ocupados/trabalhando no momento da pesquisa (IBGE/2014). A pesquisa, portanto, corrobora as constatações dos estudos de realidades específicas realizados por Dore, Sales e Castro (2014), Figueiredo e Salles (2017) e Oliveira (2019). E entre os estudantes do ensino profissional do IFPI, quais os motivos de evasão? 4 MOTIVOS DA EVASÃO NO IFPI A evasão dos estudantes do ensino técnico de nível médio (integrado e concomitante/subsequente) do Campus Teresina Central do IFPI, beneficiários do PAEVS da Política de Assistência Estudantil foi investigada na unidade com maior número de alunos matriculados na educação profissional e entre os usuários de maior vulnerabilidade social. Os dados relativos aos motivos foram obtidos no sistema Q. Acadêmico, e/ou nos diários de classe que são, anualmente, analisados e sistematizados por meio do instrumental “Indicadores do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social”, preenchido pela Coordenação/Comissão de Assistência Estudantil, quando da reavaliação socioeconômica e da situação escolar, realizada, ao final de cada período letivo no Campus. Os motivos identificados para a evasão escolar no IFPI – Teresina Central, em 2014, como se constata na Tabela 2, foram os seguintes: dificuldade de conciliar 2592
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalho e curso (12,5%); doença do estudante ou de familiar (25%); dificuldade de acesso ao campus, em razão de local de moradia (25%) e falta de identificação com o curso (37,5%). Tabela 2: Motivos de evasão dos alunos atendidos pelo Benefício Permanente no IFPI – Teresina Central/2014 Sociais e/ou econômicas Abs. Tipo de motivo Abs. % % Acadêmicas Dificuldade de conciliar 1 12,5 3 37,5 trabalho e curso 2 Doença do estudante ou de 2 25 Falta de identificação com o familiar curso Dificuldade de acesso ao campus 25 Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponibilizados pelo IFPI. Os motivos se repetem. A não identificação com o curso e dificuldade de conciliar trabalho e estudo já haviam sido constatados nos estudos de Dore, Sales e Castro (2014), de Figueiredo e Salles (2017); Oliveira (2019); PNAD/IBGE (2014), que também enfocaram estudantes de cursos concomitante/subsequente ao médio; a dificuldade de acesso ao campus, de transporte para a instituição de ensino no de Oliveira (2019) ou de acesso ao local do curso na PNAD/IBGE (2014); e “doença do estudante” no estudo de Figueiredo e Salles (2017) entre as dificuldades pessoais. Portanto, os motivos de evasão dos estudantes dos cursos do ensino técnico de nível médio (integrado e concomitante/subsequente) do IFPI, beneficiados com o PAEVS, se assemelham aos identificados em outras investigações e que são múltiplos, sugerindo que o abandono da escola é o “ato final de um processo que se manifesta de muitas maneiras, visíveis ou não, ao longo da trajetória escolar do indivíduo” (FINI; DORE; LUSCHER, 2013, p.235). 5 CONCLUSÃO Este texto voltou-se para o exame dos motivos da evasão na educação profissional em instituições de ensino técnico no Brasil, valendo-se de estudos que abordaram a problemática em diferentes realidades: na educação técnica de nível médio da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica de Minas Gerais, no 2593
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI primeiro período de um curso técnico do CEFET/RJ – Petrópolis, nos cursos técnicos integrados do IFNMG - Campus Montes Claros, no curso técnico em Informática Subsequente/Concomitante no IF Goiano - Campus Ceres, presencial, noturno; na PNAD/2014 e no IFPI - Campus Teresina Central, entre os estudantes atendidos pelo PAEVS da Política de Assistência Estudantil (POLAE). Nesses estudos, os motivos de evasão se repetem, alguns em todos eles – relacionados à aprendizagem e aos cursos; outros dependendo da modalidade do curso − não identificação com o curso e as motivações socioeconômicas (necessidade de trabalhar, dificuldades financeiras, de conciliar trabalho e estudo, de transporte para instituição); outro relacionado a faixa etária dos respondentes – os motivos individuais (ausência de maturidade, influência dos amigos e sentimento de incapacidade e frustração); e outro ligado à instituição - falta de qualidade da instituição escolar. Portanto, os motivos da evasão encontrados nas instituições de ensino profissional são múltiplos, diversos, sendo os mais comuns: os socioeconômicos; os relacionados a não identificação do estudante com o ensino técnico; os problemas de aprendizagem e os relacionados ao curso. Alguns são individuais ou relativos ao grupo familiar, outros são acadêmicos e outros institucionais. Uns dependem do tipo de escola, curso ou etapa de formação, faixa etária dos sujeitos da pesquisa outros não dependem. Por conseguinte, a evasão ou a permanência na escola é um problema complexo, multifacetado, que demanda, além da oferta dos auxílios financeiros pelo PNAES, intervenções pedagógicas, psicológicas, sociais, acadêmicas, econômicas e culturais na prevenção dos motivos de evasão identificados nas instituições de educação profissional. REFERÊNCIAS BRASIL. Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas Universidades Públicas Brasileiras – ANDIFES/ABRUEM/SESu/MEC. Diplomação, retenção e evasão nos cursos de graduação em instituições de ensino superior públicas. Outubro, 1996. Disponível em: <http://www.andifes.org.br/diplomacao-retencao-e-evasao-nos-cursos-de- graduacao-em-instituicoes-de-ensino-superior-publicas/> Acesso em: 01 maio 2020. ______. Decreto nº. 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES. Diário Oficial da União, Brasília, 20 jul. 2010, página 5. 2594
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Brasília, 2010. ______. Ministério da Educação. Documento orientador para a superação da evasão e retenção na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – MEC. Brasília, DF: 2014. DORE, R; SALES, P. E. N; CASTRO, T. L. Evasão nos cursos técnicos de nível médio da rede federal de educação profissional de Minas Gerais. In: DORE, Rosemary (Org.). Evasão na educação: estudos, políticas e propostas de enfrentamento. 1. ed. Brasília: Instituto Federal de Brasília, 2014, v. 1, p. 379-413. FIGUEIREDO. N. G. S; SALLES, D. M. R. Educação Profissional e evasão escolar em contexto: motivos e reflexões. Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação [online]. 2017, vol.25, n.95, pp.356-392. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010440362017000200356&script=sci_abstract &tlng=pt >. FINI, R; DORE, R; LUSCHER, A.Z. Insucesso, fracasso, abandono, evasão...um debate multifacetado. In: CUNHA, D.M; FIDALGO, F. S.R; JÚNIOR, H.P.S; OLIVEIRA, M.A.M. (Org.). Formação/profissionalização de professores e formação profissional e tecnológica: fundamentos e reflexões contemporâneas. Belo Horizonte: PUCMinas, 2013. p. 235-271. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Educação e qualificação profissional, 2014. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO NORTE DE MINAS GERAIS (IFNMG). Regulamento dos Cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais, 2013. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PIAUÍ (IFPI). Resolução nº 14, de 08 de abril de 2014. Dispõe sobre a Política de Assistência Estudantil do IFPI. Conselho Superior/IFPI, Teresina, 2014. OLIVEIRA, F. A. C. Evasão escolar no ensino técnico profissionalizante: um estudo de caso no Instituto Federal Goiano – Campus Ceres. 2019. 145p. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica) - Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica, Instituto Federal Goiano, Morrinhos, 2019. PEREIRA, T. C. B. Avaliação dos efeitos da política pública de assistência estudantil no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Teresina Central. 2017. 89p. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) - Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2017. RAMALHO, L. E. G. Abordagem avaliativa da Política de Assistência Estudantil em uma instituição de ensino profissional. 2013. 164 f. Dissertação (Mestrado Profissional 2595
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI em Gestão e Avaliação da Educação Pública) – Programa de Pós-Graduação Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2013. Disponível em: <http://www.mestrado.caedufjf.net/wp- content/uploads/2014/02/dissertacao-2011-ludmila-eleonora-gomes-ramalho.pdf>. Acesso em: 01 maio 2020. SILVA, A. M. Evasão na educação profissional: perfil e motivações dos evadidos. 2017. 151p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Social) - Programa de Pós- Graduação em Desenvolvimento Social, Universidade Estadual de Montes Claros, Montes Claros, 2017. 2596
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL NO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PIAUÍ (IFPI) EVALUATION OF THE EFFECTS OF THE STUDENT ASSISTANCE POLICY AT THE FEDERAL INSTITUTE OF EDUCATION, SCIENCE AND TECHNOLOGY OF PIAUÍ (IFPI) Tulyana Coutinho Bento Pereira 1 RESUMO O texto versa sobre a avaliação dos efeitos da Política de Assistência Estudantil (POLAE) do IFPI, quanto a redução das taxas de evasão e reprovação dos estudantes da educação técnica do Campus Teresina Central. Para tanto, tendo por base as taxas de aprovação, reprovação e evasão dos estudantes beneficiários do PAEVS, de 2014 a 2016, obtidas quando da realização da dissertação de mestrado, comparam- se as taxas do primeiro ano de implementação da Política com as dos anos seguintes. Constatou-se que, entre os estudantes que ingressaram no Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS) em 2014, a aprovação e a evasão aumentaram e a reprovação diminuiu. Portanto, o Programa produziu o efeito “esperado” pela POLAE, apenas em relação à redução dos índices de reprovação, pois, no que tange aos de evasão, verificou-se que os alunos atendidos pelo Programa abandonaram a escola. Palavras-Chaves: Evasão. Reprovação. Assistência Estudantil. ABSTRACT The text deals with the evaluation of the effects of the IFPI's Student Assistance Policy (POLAE), regarding the reduction of dropout and failure rates for students in technical education at the Teresina Central Campus. To do so, based on the pass, fail and dropout rates of students benefiting from PAEVS, from 2014 to 2016, obtained during the completion of the master's thesis, the rates of the first year of implementation of the Policy are compared with those of the years 1 Assistente Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Pedro II. Doutoranda em Políticas Públicas pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected]. 2597
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI following. It was found that, among the students who joined the Social Vulnerability Student Assistance Program (PAEVS) in 2014, approval and avoidance increased, and disapproval decreased. Therefore, the Program produced the effect \"expected\" by POLAE, only in relation to the reduction of failure rates, because, with regard to dropout rates, it was found that the students attended by the Program dropped out of school. Keywords: Evasion. Disapproval. Student Assistance. INTRODUÇÃO O presente texto, parte dos resultados da dissertação de mestrado, versa sobre a avaliação da política de assistência estudantil do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), enfocando os efeitos do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) na redução das taxas de evasão e reprovação dos estudantes da educação técnica de nível médio do Campus Teresina Central, no período de 2014 a 2016. A implementação do PNAES no IFPI ocorreu através da Política de Assistência Estudantil (POLAE), desde 2014, com a instituição da Resolução do Conselho Superior do IFPI nº 014/2014. A POLAE contempla o Programa Universal e o Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS) (IFPI, 2014). O Programa de universal é destinado aos estudantes em geral e tem por objetivo assisti-los em suas necessidades básicas e incentivá-los na formação acadêmica e o PAEVS é voltado para aqueles em situação de vulnerabilidade social (IFPI, 2014). Os atendidos pelo PAEVS são aqueles alunos “regularmente matriculados, com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio, em condições de vulnerabilidade social e na iminência de evasão escolar em razão das condições socioeconômicas” (IFPI, 2014, p. 24). O objetivo é reduzir as desigualdades sociais e os seus efeitos na permanência e êxito escolar (IFPI, 2014, p. 15). Nesse programa, são concedidos auxílios monetários em caráter permanente ou eventual para os estudantes dos cursos técnicos de nível médio integrado, concomitante/subsequente e de graduação e para os que participam de atividades desportivas ou culturais de representação do IFPI, bem como para assegurar moradia estudantil, garantindo sua manutenção ou custeando-a para aqueles que dela necessitam (IFPI, 2014). 2598
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Neste trabalho, examinam-se os efeitos da Política de Assistência Estudantil do IFPI, inquirindo se as taxas de evasão e repetência foram reduzidas com a instituição desta Política. Trata-se de uma avaliação de efeito que consiste em examinar “todo comportamento ou acontecimento que se pode razoavelmente dizer que sofreu influência de algum aspecto do programa ou projeto” (COHEN; FRANCO, 1992, p. 92). Para isso, escolheu-se o Campus Teresina Central por ser a unidade com o maior número de alunos matriculados na educação profissional do IFPI e os usuários do PAEVS por serem os de maior vulnerabilidade social. Entende-se por vulnerabilidade social, conforme aponta a Política de Assistência Estudantil do IFPI, “um conjunto de incertezas, inseguranças e riscos enfrentados quanto à fragilização de vínculos familiares e o acesso e atendimento às necessidades básicas de bem-estar social, que envolvem condições habitacionais, sanitárias, educacionais, de trabalho, de renda e de bens de consumo” (IFPI, 2014, p. 15 e 16). Trata-se de pesquisa bibliográfica em que se vale dos dados de aprovação, reprovação e evasão dos estudantes beneficiários do PAEVS, de 2014 a 2016, obtidos quando da realização da dissertação de mestrado, no qual se comparam as taxas do primeiro ano de implementação da Política com as dos anos seguintes. Para análise dos dados, seguiram-se as indicações do referencial teórico, especialmente, no que se refere à avaliação de efeito e aos procedimentos para identificá-lo, contando, por um lado, com Cohen e Franco (1992), Cotta (1998), Costa e Castanhar (2003) e Souza (2014) e, por outro, com o auxílio dos softwares Microsoft Office Excel (2007) e do SPSS (Startical Package for the Social Siences - version 20.0). Os resultados estão expostos em quatro partes, incluindo esta introdução que é a primeira. Na segunda, expõem-se os conceitos e as características da avaliação de efeitos das políticas públicas e programas sociais, discutindo a diferença entre efeitos e impactos. Na terceira, apresentam-se e discutem-se os dados relacionados aos indicadores de evasão, aprovação e reprovação dos estudantes beneficiários da POLAE, no IFPI – Teresina Central, entre 2014 e 2016. Na conclusão, são analisados os resultados em cada um dos indicadores, examinando os efeitos da POLAE na redução das taxas de reprovação e evasão numa instituição de educação profissional de nível técnico. 2599
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 EFEITO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA A avaliação de efeitos se insere entre as avaliações de resultado, sendo aquela em que se inquire sobre as influências de uma intervenção na clientela atendida (COTTA, 1998), isto é, sobre as alterações provocadas por uma ação no comportamento ou problema em análise. Por efeito entende-se “todo comportamento ou acontecimento que se pode razoavelmente dizer que sofreu influência de algum aspecto do programa ou projeto” (COHEN; FRANCO, 1992, p. 92). Em outras palavras, é todo resultado das ações do programa ou projeto. Os efeitos podem ser: procurados ou não procurados, a depender da relação que possuem com os objetivos da intervenção. Os efeitos procurados podem se subdividir em previstos, positivos e relevantes. Por definição, esse tipo de efeito deve ser previsto (porque o projeto não pode solicitar ou desejar o que é desconhecido) e positivo (porque não é lógico elaborar projetos para alcançar resultados negativos) (COHEN; FRANCO, 1992). Já os efeitos não procurados, podem ser previstos no momento da concepção do projeto, podendo ser positivos, “quando se trata de consequências não centrais para os propósitos planejados, mas valiosas para outras considerações”, como também podem ser negativos, “quando podem influir sobre o possível êxito do projeto” (COHEN; FRANCO, 1992, p. 93). Há, também, os efeitos não previstos ou inesperados relacionados a falhas na elaboração do programa ou projeto e/ou falta de conhecimento sobre determinado assunto. Os efeitos de uma política ou programa integram a avaliação de resultados, que é aquela que “visa aferir os resultados intermediários da intervenção” (COTTA, 1998, p. 113). Esse conceito indica uma avaliação somativa que é aquela em que resultados ou efeitos dos programas são estudados com o objetivo de avaliar a necessidade de continuidade ou não do programa (AGUILAR; ANDER-EGG, 1994). Essa avaliação diferencia-se da de impacto pelo escopo de análise, pois essa “verifica a efetividade de programas e projetos, estabelecendo o grau de correspondência entre seus objetivos e resultados” (COTTA, 1998, p. 113), em um contexto mais amplo. Essa concepção se assemelha a de Costa e Castanhar (2003, p. 980), quando dizem que “avaliação de impacto procura identificar os efeitos produzidos sobre uma população-alvo de um programa social”. 2600
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Então, o que mais distingue os efeitos do impacto é a amplitude. Os efeitos referem-se, mais especificamente, a projetos, a uma população-alvo ou destinatária, a resultados intermediários e para um objetivo específico, enquanto o impacto relaciona ao programa como um todo, para outros grupos além do destinatário das ações. O impacto pode afetar o conjunto da população, sua qualidade de vida e o meio social e institucional; além de referir-se aos objetivos finais do programa e ser o último elo da cadeia causal (SOUZA, 2014). Desse modo, os efeitos são medidos em um tempo ou prazo curto, enquanto o impacto é visto em prazos médios e longos e abrange, também, o impacto potencial e futuro (SOUZA, 2014). Nos efeitos, relacionam-se duas variáveis e volta-se mais para a eficácia e a eficiência, enquanto o impacto envolve relações mais amplas e complexas de causalidade, no contexto mais amplo, numa avaliação mais qualitativa e voltada para efetividade em relação à vida da população (SOUZA, 2014). Investiga-se, portanto, em um tempo curto, de 2014 a 2016, a relação de duas variáveis, a redução das taxas de evasão e reprovação e a implementação da POLAE. Assim, pesquisa-se o “efeito procurado” pela POLAE – redução das taxas de evasão e reprovação entre os beneficiários do PAEVS. Também se pesquisam os efeitos indiretos, que são os “não procurados” positivos – aumento do percentual de aprovação - ou negativos – redução do índice de aprovação, bem como os “não-previstos”. 3 OS EFEITOS DA POLAE NAS TAXAS DE EVASÃO E RETENÇÃO NO IFPI – CAMPUS TERESINA CENTRAL 3.1 Indicadores educacionais dos beneficiários do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS) da educação profissional técnica de nível médio no IFPI – Campus Teresina Central A verificação dos efeitos das ações da Política de Assistência Estudantil (POLAE) na permanência e êxito dos estudantes, em situação de vulnerabilidade social, da educação profissional técnica de nível médio foi feita pela análise dos percentuais de aprovação, reprovação e evasão dos beneficiários do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS), nos anos de 2014 a 2016. 2601
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3.1.1 Evasão dos beneficiários do PAEVS A verificação dos efeitos da POLAE na evasão foi feita utilizando-se os seguintes procedimentos: primeiro, levantou-se o número de evadidos em 2014, 2015 e 2016 entre os beneficiários do PAEVS, que ingressaram e foram beneficiados em 2014. Em seguida, calculou-se a variação anual do percentual de evasão de 2014 a 2016. E, por fim, comparam-se esses percentuais, calculando a variação anual e no período. Entre os 119 que ingressaram, no ano de 2014, no Campus Teresina Central e foram beneficiados no mesmo ano no PAEVS, dados expostos na Tabela 1, 01 (0,8%), evadiu nesse mesmo ano, 8 (6,8%) evadiram em 2015 e 10 (9,1%) em 2016. Tabela 1 – Número absoluto de beneficiários do PAEVS no IFPI – Campus Teresina Central no início do ano, número absoluto e relativo de evadidos a cada ano e a variação de evadidos entre 2014 e 2016 Ano Beneficiários no início do ano Beneficiários Evadidos Δ anual e no período de evadidos Abs. Abs. % 2014 119 01 0,8 - 2015 118 08 6,8 750,0 2016 110 10 9,1 33,8 2014-2016 - -- 1037,5 Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponibilizados no Sistema Q. Acadêmico. O percentual de evadidos passou de 0,8% para 6,8%, de 2014 a 2015; de 6,8% para 9,1%, de 2015 a 2016 e de 0,8% para 9,1%, de 2014 a 2016, entre os beneficiados do PAEVS de 2014. No Gráfico 1, demonstra-se que o número de evadidos variou em 750,0%, entre 2014 e 2015; em 33,8%, de 2015 a 2016 e em 1037,5%, de 2014 para 2016: Gráfico 1: Variação do número de evadidos entre os beneficiários das seleções de 2014 do PAEVS no IFPI Campus Teresina Central, entre 2014 e 2016. Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponibilizados no Sistema Q. Acadêmico. 2602
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A elevação da evasão dos beneficiados a cada ano e no período mostra que a Política de Assistência Estudantil, por meio do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS), não produziu o efeito esperado de redução dos índices de evasão. 3.1.2 Aprovação e reprovação dos beneficiários PAEVS Examinam-se os indicadores de aprovação e reprovação dos beneficiários do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS) da Política de Assistência Estudantil do IFPI, pois esses são fatores desestimuladores ou estimuladores da evasão ou mesmo, no caso da reprovação, causa da retenção. Verificou-se que entre os beneficiários contemplados em 2014 que permaneceram no IFPI – Teresina Central, no primeiro ano de gozo do benefício, 92 foram aprovados e 26 reprovados, como demonstrado na Tabela 2. No segundo ano, 2015, 90 beneficiados foram aprovados e 20 reprovados. A variação, entre 2014 e 2015, do percentual de aprovados e reprovados é a seguinte: Tabela 2 – Número absoluto de beneficiários do PAEVS no IFPI – Campus Teresina Central, número absoluto e relativo de aprovados e reprovados a cada ano e a variação de aprovados e reprovados entre 2014 e 2015 Total de Δ Anual aprovados Reprovados Δ Anual reprovados Aprovados Ano Beneficiados Abs. Abs. % % Abs. % % 2014 118 92 78,0 - 26 22,0 - 2015 110 90 81,8 4,87 20 18,2 -17,27 Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponibilizados no Sistema Q. Acadêmico. O percentual de aprovados, entre os beneficiados do PAEVS em 2014, passou de 78,0% para 81,8%; e o de reprovados, de 22,0% para 18,2% entre 2014 e 2015. No Gráfico 2, demonstra-se que o número de aprovados variou em 4,87%; e o de reprovados, em -17,27%, de 2014 a 2015: 2603
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Gráfico 2: Variação do número de aprovados e reprovados entre os beneficiários das seleções de 2014 do PAEVS no IFPI – Campus Teresina Central, entre 2014 e 2015. Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponibilizados no Sistema Q. Acadêmico. A elevação de beneficiários aprovados e a redução de reprovados, de 2014 a 2015, mostra que a Política de Assistência Estudantil, através do PAEVS, surtiu o efeito esperado de redução dos índices de reprovação e aumento do de aprovação. Por conseguinte, como evidenciado no Gráfico 3, entre os beneficiados do Programa em 2014, a aprovação e a evasão aumentaram e a reprovação diminuiu, como demonstrado no Gráfico 3: Gráfico 3: Variação do número de aprovados, reprovados e evadidos entre os beneficiários selecionados em 2014 para o PAEVS no IFPI – Campus Teresina Central, entre 2014 e 2015, 2015 e 2016 e 2014 e 2016. Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponibilizados no SISTEC. Constata-se, portanto, que a Política de Assistência Estudantil, desenvolvida por meio do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS), 2604
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI produziu o “efeito procurado” na reprovação. Todavia, não logrou sucesso na redução da evasão, possivelmente, resta investigar, por focar nas dificuldades econômicas, não contemplando problemas de saúde do estudante ou da família, de aprendizagem e relacionados ao curso e de não identificação com o ensino técnico, dentre outros já constatados em estudos sobre a evasão na educação profissional, tais como, de Dore, Sales e Castro (2014), Figueiredo e Salles (2017), Silva (2017) e Oliveira (2019). 4 CONCLUSÃO Este texto voltou-se para a avaliação dos efeitos do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), desenvolvido no IFPI por meio do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS), nas taxas de evasão e reprovação dos estudantes da educação profissional técnica de nível médio dos matriculados no Campus Teresina Central. Os índices de aprovação e evasão aumentaram e o de reprovação diminuiu no Campus Teresina Central entre os beneficiários do Programa de Atendimento ao Estudante em Vulnerabilidade Social (PAEVS), que ingressaram no Programa em 2014. Por conseguinte, constata que as ações afetaram a reprovação e aprovação dos alunos, mas não logrou o mesmo êxito em relação a evasão. Portanto, o PAEVS produziu o efeito “esperado” pela POLAE, de reduzir a reprovação, mas o mesmo não se verificou na evasão, já que alunos atendidos pelo Programa abandonaram a escola. REFERÊNCIAS AGUILAR, M. J.; ANDER-EGG, E. Avaliação de serviços e programas sociais. Trad. Jaime A. Clasen e Lúcia Mathilde E. Orth. Petrópolis: Vozes, 1994. COHEN, E.; FRANCO, R. Evaluación de Proyectos Sociales. México: Siglo Veintiuno Editores, 1992. COSTA, F. L. da; CASTANHAR, J. C. Avaliação de programas públicos: desafios conceituais e metodológicos. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 37, n.5, p. 962- 969, set./out. 2003. 2605
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI COTTA, T. C. Metodologias de avaliação de programas e projetos sociais: análise de resultados e de impacto. Revista do Serviço Público, Brasília, a. 49, n. 2, p. 103-124, abr/jun, 1998. INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PIAUÍ (IFPI). Resolução nº 14, de 08 de abril de 2014. Dispõe sobre a Política de Assistência Estudantil do IFPI. Conselho Superior/IFPI, Teresina, 2014. SOUZA, L. M. de. Efeitos e impacto em políticas públicas. In: ARCOVERDE. Ana Cristina Brito. (Org.). Avaliação de políticas públicas em múltiplos olhares e diferentes práxis. Recife: Ed. Universitária/UFPE, 2014. 2606
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS UNIVERSIDADE EM VERTIGEM: apontamentos sobre a assistência estudantil na educação superior UNIVERSIDADE EM VERTIGEM: notes on student assistance in higher education Ailton Emerson Moura Ferreira 1 Jairo de Carvalho Guimarães 2 RESUMO O presente trabalho é uma revisão bibliográfica na qual foi situada a universidade e a assistência estudantil no contexto sócio-histórico dos anos 1990 até os dias atuais. Foi avaliado período de avanço do neoliberalismo e de alinhamento de todos os governos desde então com as diretrizes dos órgãos multilaterais de privatização- mercantilização das Educação Superior, sob aparência de “democratização” e modernização da universidade. A aprovação do Programa Nacional de Assistência Estudantil – Decreto-Lei 7.234/2010 – trouxe como conquista algumas das reivindicações históricas dos movimentos sociais da educação, mas que logo foi apropriada pela onda reformista da universidade. Palavras-Chaves: Educação Superior; Assistência Estudantil; Reforma Universitária. ABSTRACT The present work is a theoretical review in which the University and the student assistance was wanted in social and historical context in 1990 decade until nowadays. It has been a period of neoliberalism advance and alignment of all governments with the multilateral institutions of privatization-commodification of college education, under the appearance of “democratization” and modernization of University. The approval of Plano Nacional de Assistência Estudantil – Decree-law 7.234/2010 – has brought as achievement some of historical claims of education social movements, but it was taken by the reformist movement of University. Keywords: College education; Student assistance; University reform. 1Mestrando em Políticas Públicas-UFPI. Assistente Social no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí, lotado no Campus São João do Piauí. E-mail: [email protected]. 2Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas-UFPI e da Graduação em Administração- UFPI (Campus Amilcar Ferreira de Sobral). Doutor em Educação-UFRJ. E-mail: [email protected]. 2607
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo situar a universidade e a assistência estudantil no contexto sócio-histórico de avanço do neoliberalismo dos anos de 1990 até a presente data. Trata-se de resultado de uma pesquisa bibliográfica desenvolvida em nível de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí intitulada “A luta pela permanência na Universidade: estudo sobre as moradias estudantis da UFPI-Campus Amilcar Ferreira Sobral” Com o avançar da pesquisa, espera-se que novos trabalhos sejam publicados com o intuito de socializar os resultados e demonstrar a relevância da assistência estudantil no ambiente universitário. 2 O MAL-ESTAR DA UNIVERSIDADE: de FHC a Bolsonaro A inserção capitalista dependente do Brasil na divisão internacional do trabalho foi aprofundada na década de 1990 através de uma série de reformas neoliberais. O bloco no poder alinha-se com as reformas estruturais elaboradas pelos organismos internacionais para a periferia do sistema, principalmente no que diz respeito às políticas sociais, dentre as quais pode-se apontar a Educação Superior. No Governo de Fernando Henrique Cardoso, sob condução do ministro Bresser Pereira, a contrarreforma centrou-se em transferir para o setor privado a execução de serviços considerados não exclusivos do Estado. A universidade não ficou de fora dessa premissa, já que esta é um bem público diretamente ligado ao projeto de país (SANTOS, 2010) e a condução se dava no sentindo de a Educação Superior constituir em campo de exploração e valorização do capital. Na análise de a reformulação da Educação Superior realizada no governo Cardoso teve por base uma política de diversificação das instituições e dos cursos de nível superior, apresentada sob a imagem de expansão do acesso e democratização deste nível de ensino. Consequentemente, omitiu-se tanto a privatização interna das universidades públicas como o empresariamento da Educação Superior (LIMA, 2007, p. 144). Diversas medidas foram tomadas no sentido de estrangula Superior em um negócio mercantil, dentre elas podem ser citadas: congelamento r as universidades 2608
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI públicas para que se pudesse abrir caminho na transformação da Educação de recursos financeiros e salários, não criação de nenhuma universidade durante os dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), criação do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) em substituição ao Programa de Crédito Educativo (CREDUC), incentivo à captação de recursos das universidades públicas via terceiro setor/iniciativa privada/indústria, facilitação da legalização da Educação Superior privada. Todas estas medidas, de acordo com a tese do Banco Mundial, é de que o ensino superior seria um bem antes privado que público, porque ele responderia a muitas das condições e características de um bem privado “que se pode subordinar às forças do mercado” (WORLD BANK apud SGUISSARD, 2015, p. 874). A sequência presidencial de Luís Inácio Lula da Silva deu continuidade às políticas de estrangulamento das universidades. Ainda na campanha eleitoral visualizava-se como seria a gestão do Partido dos Trabalhadores, já que a Coligação Lula Presidente era composta por representantes e partidos políticos tradicionalmente alinhados com os interesses do capital, forjando um possível pacto de classes, expressada também no documento intitulado Carta ao Povo Brasileiro, assinada pelo então presidenciável Luís Inácio Lula da Silva em 22 de junho de 2002. Na condução do Ministério da Educação do primeiro governo Lula estava Cristóvam Buarque, que no seu discurso de posse considerou os representantes do Banco Mundial como colaboradores e fiscais da política educacional brasileira, agradecendo ao ex-ministro Paulo Renato Souza, afirmando que recebia um “ministério em marcha” (LIMA, 2007), sinal não só da continuidade, mas do aprofundamento das reformas contra a universidade. Buarque passou a defender o fim do ensino superior público com a cobrança de mensalidades, já que na sua visão a universidade era geradora e reprodutora de desigualdades e que possuía bandeira de lutas corporativistas. Para Lima, sua análise (de Cristóvam Buarque) desconsiderou que os limites na política de acesso e permanência à universidade pública constituem uma política de Estado vinculada à manutenção e ao aprofundamento do padrão dependente de educação escolar historicamente vigente em nosso país. (LIMA, 2007 p. 156). Dando continuidade às diretrizes do Banco Mundial para a Educação Superior, os governos petistas de Lula e Dilma (2003-2016) incrementaram o FIES direcionando 2609
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mais aporte de recursos para o programa, havendo continuidade no fortalecimento e expansão de grupos educacionais, garantindo um mercado lucrativo para os “banqueiros-educadores” (SANTOS FILHO; CHAVES, 2017). O sistema educacional privado passou a crescer vertiginosamente, já que o Estado garantia a compra de vagas dos conglomerados educacionais, dando-se ainda uma lógica perversa de acesso e democratização do ensino superior. Ainda segundo Santos Filho e Chaves: O processo de expansão da Educação Superior no setor privado ocorre no Brasil, historicamente, sob a aparência de ampliação do acesso, mas em sua essência, atende aos interesses dos empresários do setor de ensino privado, tendo em vista que o Estado brasileiro, por meio da destinação de recursos do fundo público para a iniciativa privada, submete a educação aos interesses do mercado, tornando o ensino superior um capo lucrativo para a atração do capital. O Fies se insere nesse contexto. (SANTOS FILHO; CHAVES, 2017, p. 78). Outra estratégia criada de sangramento do orçamento público para os conglomerados privados foi a criação do Programa Universidade para Todos (PROUNI), instituído pela Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004. O programa cria isenções fiscais para as IES (Instituições de Ensino Superior) privadas em troca de vagas para alunos oriundos de escolas públicas e a professores da rede púbica de ensino fundamental sem diploma de nível superior. Mais uma vez o discurso da “democratização” do ensino superior é evocado escondendo os reais objetivos do programa, que é resolver a crise de inadimplência vivenciada pelo setor privado (LIMA, 2007). Ao tempo que os governos petistas estrangulavam o orçamento das universidades federais, com a ampliação do FIES e a criação do PROUNI o Estado passava a ser o principal financiador dos grupos educacionais via orçamento público, garantindo acumulação financeira dos conglomerados educacionais. Nos governos Lula e Dilma, em nome da “democratização” do acesso ao ensino superior e do “alivio à pobreza” foram adotadas medidas semelhantes às da ditadura, não por meio de isenções tributárias para os estudantes, mas para as empresas educacionais via PROUNI e por meio de empréstimos subsidiados pelo orçamento público para os consumidores fortalecendo o FIES, a exemplo do CREDUC. Foi ainda em nome da ‘democratização’ do acesso à Educação Superior, que nos governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, via FIES e PROUNI, que a mercantilização tomou proporções que levou o Brasil a ter a Educação Superior mais mercantilizada do mundo (LEHER, 2019) e 2610
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI com escolhas políticas para o campo da Educação Superior repleto de contradições. Leher sintetiza as ações dos governos petistas para a Educação Superior: Conjugando a busca da governabilidade dos “de baixo” com sopros da democratização do acesso (por meio do Programa Universidade para Todos – PROUNI e do Programa de Financiamento Estudantil – FIES) e com os interesses do setor financeiro, os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff efetivamente ampliaram as matricular da Educação Superior – corroborando a crença de que seus governos tinham compromisso com a democratização do acesso ao ensino superior. No entanto, não pelo acesso prioritário às instituições universitárias e tecnológicas públicas, mas, principalmente por meio do repasse de verbas públicas para corporações do setor educacional. (LEHER, 2018, p.24) Alçado presidente da República via golpe em 2016, Michel Temer enviou para o Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional 95 que paralisa os investimentos públicos nas políticas sociais por vinte anos, tendo como referência o ano de 2016, sofrendo reajustes somente pela inflação do ano anterior, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA), afetando em cheio as políticas sociais, dentre elas a Educação Superior. Na análise de Behring, a EC 95, portanto, é de um aventureirismo irresponsável inimaginável, em que, independentemente do desempenho econômico, congelam os gastos primários do orçamento público brasileiro, no mesmo passo em que se libera a apropriação do fundo público pelo capital portador de juros e pelos especuladores. (BEHRING, 2019, p. 59-60) A Emenda 95 foi aprovada com fortes resistências e não à toa ficou conhecida como “PEC da morte” e “PEC do fim do mundo”, já que estrangula o investimento público, mas que garantiu os pagamentos relacionados a juros, encargos e amortização da dívida pública aponta que os “jogadores” financistas estarão protegidos nesses 20 anos de validade de “congelamento” orçamentários para as despesas primárias. (AMARAL, 2017). Antes mesmo de assumir a presidência, fato ocorrido em 2019, Jair Messias Bolsonaro já afirmava a Educação Superior como espaço de treinamento tecnicista, atrelada a uma busca paranoica por conteúdos “ideológicos” ministrados na IFES. Com Abraham Weintraub na condução do Ministério da Educação viu-se uma série de discursos de combate a “privilégios”, ineficiência da universidade e seus servidores e de combate às “ideologias” e “balbúrdias” nas IFES, que para Flores e Mattos (2020), longe 2611
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de indicar desconhecimento, são tentativas de defesa das propostas do governo federal de precarização das universidades e institutos federais. Como foi feito com a Reforma da Previdência e Reforma Trabalhista de Bolsonaro, apresentada como “único” caminho para a sobrevivência e “equilíbrio das contas públicas”, o Ministério da Educação de Weintraub apresenta em junho de 2019 o programa Institutos e Universidades Empreendedoras – Future-se, já com minuta de lei consolidada, com objetivo de atender demandas do setor empresarial, transformando o professor em um empreendedor na lógica da competitividade e governança, incentivando inclusive que as universidades possam tornar-se ela mesmo uma marca e negociar seus produtos (FLORES; MATTOS, 2020). Mudaram-se os governos, mas continuou, como estava desde os anos de 1990, a política de atendimento dos interesses dos órgãos multilaterais de transformar a Educação Superior em uma mercadoria adquirida, via mercado. O fato é que, neste bojo de arrocho e ingerência sobre a autonomia universitária, todas as atividades sociais implementadas neste ambiente sofreram, do mesmo modo, influência em suas diretrizes, como é o caso da assistência estudantil. No próximo tópico será discutido, nos limites desse trabalho, a construção recente da assistência estudantil enquanto política pública, já apropriada aos interesses de valorização do capital. 3 ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL: alguns apontamentos A assistência ao estudante confunde-se com o surgimento da universidade brasileira ainda na década de 1930 (KOWALSKI, 2012). Tal fato demonstra a preocupação das instituições de ensino superior com a questão social dos estudantes das camadas populares, oferecendo serviços como restaurantes universitários, moradias estudantis, suporte médico-odontológico, assistência psicológica, dentre outros. Estudantes que sentem dificuldades em sua manutenção no espaço acadêmico se fazem presentes desde o surgimento da universidade brasileira, o que designa um contraponto aos discursos elitistas e reformistas do ensino superior público. São esses jovens que continuam a reivindicar a universidade enquanto espaço legítimo de 2612
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ocupação e pertencimento, além de seu reconhecimento enquanto sujeitos de assistência estudantil por parte das instituições de ensino superior. Kowalski (2012), em sua tese de doutoramento, classificou a legitimação da assistência estudantil no Brasil a partir de três fases distintas. A primeira fase refere-se ao período em que o acesso à Educação Superior era um privilégio para poucos, remetendo ao período em que os filhos das elites iam estudar no exterior. Nesta época, foi construída a primeira Casa de Estudante, em 1928, durante o Governo de Washington Luiz, a qual ficava em Paris, voltada para o atendimento das necessidades dos filhos da elite brasileira. Na classificação da autora (KOWALSKI, 2012), a segunda fase situa-se nos anos de 1980 quando os problemas decorrentes do acesso e permanência na Educação Superior ganham espaço para serem discutidos nos Encontros Nacionais de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários/Estudantis e pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), surgindo o Fórum Nacional de Pró- Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE). Este Fórum colocou a Assistência Estudantil em local privilegiado de discussões, trazendo as primeiras sistematizações a respeito da mesma no Brasil. Para Nascimento (2014), o FONAPRACE desempenhou um papel de destaque na crítica ao lugar marginal ocupado pela assistência aos estudantes universitários na agenda educacional do governo brasileiro. Não se pode deixar de registrar a participação ativa do movimento estudantil através de novas organizações estudantis que foram sendo criadas para a defesa e ampliação das condições de acesso e permanência dos estudantes na universidade pública, como é o caso da Secretaria Nacional de Casas de Estudantes/SENCE. Porém, é somente nos anos 2000 que a assistência estudantil passa a ter legitimidade na agenda governamental. Segundo Kowalski (2012), inicia-se a partir de então a terceira fase, que segue até os dias atuais. No ano de 2007, foi publicada a Portaria Normativa nº 39 do MEC, que instituía a PNAES (Programa Nacional de Assistência Estudantil), tratando-se de um marco divisor para a Política de Assistência Estudantil por definir suas áreas de ação e ser o referencial para as ações desenvolvidas nas diversas IFES do Brasil. Na análise de Vasconcelos, 2613
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Essa conquista foi fruto de esforços coletivos de dirigentes, docentes e discentes e representou a consolidação de uma luta histórica em torno da garantia da assistência estudantil enquanto um direito social voltado para igualdade de oportunidades aos estudantes do ensino superior público. (VASCONCELOS, 2010, p. 45). No ano de 2010, cedendo à luta coletiva de grupos organizados (UNE, FONAPRACE, ANDIFES, SINASEFE), o ainda presidente Lula transforma o Programa em Decreto-Lei 7.234, o que contribuiu na consolidação da Assistência Estudantil em âmbito institucional e o reconhecimento legal enquanto política pública. Com o PNAES, os serviços, programas e benefícios de Assistência Estudantil passam a se articular com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, tendo como objetivo principal a permanência de estudantes de baixa renda na universidade. O PNAES tem como público-alvo estudantes matriculados em cursos de Graduação presencial nas IFES, subsidiando a permanência de alunos de baixa renda, com rendimento per capita de até um salário mínimo e meio. O propósito central é possibilitar o acesso e a permanência de alunos de graduação na Educação Superior, através de ações de: Art. 2º [ ... ] Parágrafo único. Compreendem-se como ações de assistência estudantil iniciativas desenvolvidas nas seguintes áreas: I – moradia estudantil; II – alimentação; III – transporte; IV – assistência à saúde; V – inclusão digital; VI – cultura; VII – esporte; e VIII – apoio pedagógico. (Decreto-Lei 7.234/10) Mesmo o programa sendo de âmbito nacional, cada instituição tem autonomia na utilização do orçamento destinado à Assistência Estudantil, conforme as demandas de particularidades locais e especificidades regionais. Para Imperatori (2017), é interessante observar que são definidas as ações e não as formas de se executar as ações, o que resulta na diversidade de projetos e serviços implementados em cada IFES. Elevada à condição de política de Estado, a Assistência Estudantil passa a ser convocada a integrar o discurso reformista da universidade brasileira, concretizando-se através de programas como o REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e o Novo ENEM/SISU (Novo Exame Nacional do Ensino Médio/Sistema de Seleção Unificado para ingresso na Graduação). 2614
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Lançado em 2007, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o REUNI – Decreto 6.096, de 24 de abril de 2007 – atendia algumas das lutas históricas dos estudantes, movimentos sociais e docentes, como aumento de vagas, criação de campi e novas universidades, trazendo em sua concepção, como propósito central, a perda de autonomia universitária (porque orientado por contrato de gestão) e instauração do ideário da produtividade acadêmica compatível com uma lógica mercadológica, ou seja, tendência de incorporação de indicadores de mercado que privilegiam a relação custo-benefício como parâmetros para gestão de desempenho das IFES e dos assuntos acadêmicos (ANDES, 2007, p. 25). No nível do discurso governamental é forçada uma aliança entre REUNI e PNAES, tendo em vista a “democratização” da Educação Superior no Brasil, dando-se ênfase exagerada no acesso e questões quantitativas (banco de horas de professores, número de ingressantes concludentes, etc), e não nas condições para efetivação de permanência dos estudantes, escondendo as determinações centrais que alertam para as contradições da universidade e dando continuidade ao processo de desistorização da Assistência Estudantil (NASCIMENTO, 2013). O Decreto 6.096/2007 que institucionalizou o REUNI apresenta como objetivo “criar condições para ampliação do acesso e permanência na Educação Superior, no nível de graduação” (BRASIL, 2007b, p. 1), pela via do “melhor aproveitamento” da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais, o que gerou muitas críticas por trazer embutida a concepção reformista da universidade, de que a crise dessa seria em decorrência de problemas de gestão dos seus recursos e orçamento, que resultaria no subaproveitamento de vagas oferecidas, recursos humanos e infraestrutura. À época de implantação de REUNI, além do aumento do número de vagas e criação de novos campi e universidades, foi celebrado também o aumento de verbas para custeio e infraestrutura. Entretanto, o que aconteceu foi, ainda que nominalmente haja uma ampliação de recursos financeiros e concursos públicos que o REUNI propõe, na prática, é uma redução proporcional do número de docentes nas universidades federais, por meio da ampliação relação professor-aluno de 1 para 18, bem como uma redução proporcional de recursos de custeio, o que amplia em, no máximo 25%, segundo o decreto, em troca da duplicação das vagas, na maioria das universidades (CISLAGHI; SILVA, p.498). 2615
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Em relação aos recursos financeiros destinados à Assistência Estudantil, a legislação do REUNI reconhecia a necessidade de ações na área, comprometendo-se com maior aporte de recursos financeiros. Logo em 2008, primeiro ano de funcionamento do REUNI, o Ministério da Educação teve que repactuar os orçamentos, já que esses mostravam-se insuficientes no atendimento à demanda. O MEC passou a exigir o cumprimento de metas por parte das universidades federais para que somente assim houvesse o repasse de recursos da Assistência Estudantil. Caso o contrário ocorresse, poderia haver o comprometimento de seus empenhos financeiros dos anos seguintes. É inegável que houve aumento em números absolutos de alunos atendidos pela Política de Assistência Estudantil pós-REUNI. Porém, o aumento não tem seguido a proporcionalidade no investimento para a Assistência Estudantil em relação ao aumento do número de vagas, evidenciando a insuficiência para atender à crescente demanda por assistência. Frente a essa realidade, Nascimento (2014) aponta as tendências de financeirização da política de Assistência Estudantil, além de práticas que a descaracterizam: A lógica de atendimento a um maior número de estudantes em um tempo menor e com orçamento reduzido intensifica, na realidade das IFES, a tendência de bolsificação da assistência estudantil em detrimento à criação de equipamentos sociais (Casas de Estudantes, Restaurantes Universitários) – sob o argumento da necessidade de atendimento emergencial aos estudantes; abertura de novos editais desconsiderando as demandas reprimidas da política – na tentativa de garantir a rotatividade dos estudantes; e, sobretudo, a intensificação das exigências da contrapartida dos seus usuários. (NASCIMENTO, 2014, p. 97) A Assistência Estudantil vem sendo apropriada pelo discurso reformista e privatizante da universidade. Na concepção do Banco Mundial em diversos documentos publicados a partir de 1998, esta política pública educacional se restringe à execução de empréstimos financeiros, de bolsas de trabalho na instituição de ensino superior e da realização dos cursos em instituições privadas que recebem isenção fiscal e incentivos financeiros para admitir o acesso deste alunos (LIMA, 2007), o que inverte a lógica de acesso e permanência para a lógica do capital, dando-se continuidade a um processo que Almeida et al. (2014, p. 907) chama de “exclusão do incluídos”, quando o 2616
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI aluno consegue ter acesso ao ensino superior mas enfrenta inúmeras dificuldades sem que seja dispensada condições de permanência e êxito até o fim do curso. 4 CONCLUSÃO A universidade pública enquanto bem público vêm sofrendo recorrentes de ataques por parte dos gestores que ocuparam e ocupam a gestão das políticas educacionais, alinhados ao interesse de privatização-mercantilização da Educação Superior para valorização do capital enquanto a Educação Superior enquanto novo espaço de valorização do capital. Nessa lógica, não há sentido uma política educacional consolidada que tenha entre suas ações para além do acesso no espaço acadêmico, que vislumbre condições de permanência e êxito até o fim do curso. Na lógica neoliberal, a Educação Superior torna-se uma mercadoria e as condições de acesso e permanência limitam-se a tornar o estudante uma matrícula, apenas um número, prioritamente em instituições privadas, sem levar em consideração os condicionantes históricos da sociedade brasileira extremamente desigual e de renda concentrada que reflete na permanência e êxito no espaço acadêmico. Recomenda-se que novos estudos na área ora investigada sejam implementados a fim de acompanhar e avaliar a Assistência Estudantil como um elemento relevante no contexto formativo dos alunos, os quais precisam de apoio institucional para desenvolver a sua plena capacidade de discernimento e compreensão. Neste sentido, sugere-se que os diversos campi da UFPI que oferecem assistência estudantil sejam pesquisados a fim de que averiguar em que estágio o papel social da universidade tem, de fato, promovido assistência aos estudantes, levando em consideração o protagonismo dos mesmos. Ademais, é importante investigar como tem se dado a participação efetiva dos estudantes e de suas entidades representativas na gestão e acompanhamento dos recursos orçamentários destinados à Assistência Estudantil. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Leandro et al. Democratização do acesso e do sucesso no ensino superior: uma reflexão a partir das realidades de Portugal e do Brasil. Avaliação (Campinas), Sorocaba, v. 17, n. 3, p. 899-920, Nov. 2012 2617
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI AMARAL, Nelson Cardoso, CHAVES, Vera Lucia (org). Politica de Financiamento da Educação Superior num contexto de Crise. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2017. ANDES-SN – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. As Novas Faces da Reforma Universitária do Governo Lula e os Impactos do PDE sobre a Educação Superior. Cadernos ANDES. nº 25. Brasília, ago., 2007. ANDIFES. 2018. Perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das universidades federais brasileiras. Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (FONAPRACE). Brasília, 2018. BEHRING, Elaine. Ajuste fiscal permanente e contrarreformas no Brasil da redemocratização. In: SALVADOR, Evilasio; BEHRING, Elaine; LIMA, Rita de Lourdes (org). Crise do capital e fundo Publico: implicações para o trabalho, os direitos e a política social. São Paulo: Cortez Editora, 2020. BRASIL. Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Brasília, 2007. ________ . Decreto n. 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES.Brasília, 2010. CISLAGHI, J. F.; DA SILVA, M. T. O Plano Nacional de Assistência Estudantil: Ampliação de Vagas X Garantia de Permanência. SER Social, v. 14, n. 31, p. 473-496, 1 mar. 2013. FLORES, Mariana; MATTOS, Vivian. O ultimo a sair apaga a luz? Contribuições à luta pela universidade pública. Universidade e Sociedade. Brasilia, n. 65, jan/mar. p. 7-23, 2020. IMPERATORI, Thaís Kristosch. A trajetória da assistência estudantil na educação superior brasileira. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 129, p. 285-303, Ago. 2017 KOWALSKI, Aline Viero. Os (des)caminhos da politica de assistência estudantil e o desafio na garantia de direitos. Tese (Doutorado). 179f. Porto Alegre: Faculdade de Serviço Social – PUCRS, 2012. LEHER, Roberto. Autoritarismo contra a universidade: o desafio de popularizar a defesa da educação pública. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, Expressão Popular, 2019 ______________ . Universidade e heteronomia cultural no capitalismo dependente: um estudo a partir de Florestan Fernandes. Rio de Janeiro: Ed. Consequência, 2018. LIMA, Katia. Contra-reforma na Educação Superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2007. NASCIMENTO, Clara Martins do. A assistência estudantil consentida na contrarreforma universitária dos anos 2000. In: Universidade e Sociedade. Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDIFES). n. 53, p. 88-103, 2014. 2618
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI __________________________. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. Dissertação (mestrado). 158f. Recife: Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós-graduação em Serviço Social, 2013 VASCONCELOS, Natália. Programa Nacional de Assistência Estudantil: uma análise da assistência estudantil ao longo da história da Educação Superior no Brasil. Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 399-411, jul/dez., 2010. SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. 3. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2010. SGUISSARD, Valdemar. Educação Superior no Brasil. Democratização ou massificação mercantil? Revista Educação e Sociedade. Campinas, v. 36, n. 133, p. 867-889, out- dez. 2015. 2619
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS LETRAMENTO DIGITAL PARA IDOSOS COMO MEIO DE INTEGRAÇÃO SOCIAL DIGITAL LETTERING FOR THE ELDERLY AS A MEANS OF SOCIAL INTEGRATION José Guilherme Campos Teles 1 Agnes Regina Aguiar Passos 2 Cecília Maria Resende Gonçalves de Carvalho 3 RESUMO Este trabalho pretende discutir o letramento digital para o público idoso como meio de integração social. Desse modo, buscou-se fazer uma retomada das modificações ocorridas com a revolução tecnológica da modernidade que criaram um novo contexto social, com novos modos de comunicação e interações sociais. A partir desta perspectiva, o estudo analisa como atualmente está inserido o idoso nesse contexto tecnológico e os direitos sociais que buscam garantir o acesso deste público à tecnologia. Por fim, se analisou a importância de políticas públicas que buscam efetivar esses direitos a partir do curso de informática para idosos desenvolvido pelo Programa de Educação Tutorial – PET Integração, na Universidade Federal do Piauí. Assim, verificou-se que é urgente a promoção de políticas públicas que visem inserir os idosos no âmbito da informática e da sua linguagem. Palavras-Chaves: Envelhecimento. linguagem tecnológica. políticas públicas. ABSTRACT This article intends to discuss digital literacy for the elderly public as a means of social integration. Thereby, it seeks to make a changes recapture of what occurred to the modernity technological revolution that creates a new social context, with new ways of communication and social interactions. Based on this problem, it tries to analyze how elderly people are currently inserted in this technological context and 1 Estudante de Graduação 5° período do Curso de Bacharelado em Direito na Universidade Federal do Piauí-UFPI, bolsista do PET -Integração – UFPI. E-mail: [email protected] 2 Estudante de Graduação 7° período do Curso de Bacharelado em Direito na Universidade Federal do Piauí-UFPI, bolsista do PET -Integração – UFPI. E-mail: [email protected] 3 Tutora do PET-Integração, Doutora e Professora do Departamento de Nutrição da UFPI. E-mail: [email protected] 2620
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI the social rights that seek to guarantee the technology access of this public. Finally, it analyzes the public policy importance that ensure these rights from the computing class for the elderly which was developed by the Tutorial Education Program (Programa de Educação Tutorial- PET Integração) in the Universidade Federal do Piauí. Thus, it was found that it is urgent to promote public policies aimed at inserting the elderly in the scope of information technology and its language. Keywords: Aging. Technological Language. Public Policy. INTRODUÇÃO Com o surgimento de novas tecnologias e com a difusão da internet pelo mundo ocorreram transformações sociais em várias áreas, tanto na vida pública quanto na vida privada. A exemplo, temos o surgimento das redes sociais que ganharam uma posição de protagonismo como principais meios de comunicação da atualidade fazendo com que outros meios, como a carta, perdessem sua posição de protagonismo, indicando que em um futuro bem próximo podem até mesmo entrar em desuso. Nesse sentido, observa-se que essas transformações ocorreram de forma muito rápida e, até certo ponto, de modo impositivo uma vez que as relações sociais passaram a exigir cada vez mais das pessoas conhecimento sobre as novas tecnologias. Além disso, os novos instrumentos tecnológicos vieram a se tornar aliados nos diversos âmbitos das relações entre pares, por exemplo, no ambiente de trabalho, no setor educacional, entre outros. No entanto, há uma grande parcela da sociedade que por ter sido inserida tardiamente no novo contexto tecnológico ficou desamparada: os idosos. Desde que foi identificada a problemática do processo de afastamento social dos idosos nas relações sociais, provocada pela não inserção destes no contexto das novas tecnologias, surgiram uma série de medidas do poder legislativo brasileiro por meio de marcos legais, que visam garantir direitos de acesso à tecnologia. Por exemplo, no que se refere à legislação pertinente, tem-se o Marco Civil da Internet, de 2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Além da produção normativa que busca garantir acesso à tecnologia, surgiram, em decorrência do processo de inserção social no contexto das novas tecnologias, uma serie de políticas, tanto por parte do poder público quanto de empresas privadas, que 2621
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI buscam contribuir para que grande parcela da sociedade tenha acesso às novas ferramentas, até mesmo o público da terceira idade. Assim, este trabalho buscará analisar a necessidade e importância de políticas públicas voltadas para o letramento digital do público geronte no Brasil. Para isso, foi necessário entender a conjuntura que excluiu os idosos e o que motivou o movimento de inseri-los no contexto das novas tecnologias. Também foi feito estudo da legislação brasileira vigente que trata do tema de acesso a informática e internet pela pessoa idosa. Por fim, por meio da análise de produções acadêmicas, foi verificada a importância das políticas públicas com o fim de mitigar a exclusão tecnológica de gerontes, em especial o curso de informática para a pessoa idosa, que é uma política pública desenvolvida pelo PET Integração na Universidade Federal do Piauí. 2 AS MODIFICAÇÕES SOCIAIS DA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA Atualmente, para grande parcela da população é praticamente impossível imaginar a vida sem aparelho celular, computador, internet, entre outras tecnologias que ajudam na execução de tarefas que antes dependiam de muito esforço. Esses instrumentos começaram a surgir com a revolução tecnológica que foi impulsionada pelas guerras mundiais, no entanto, foi com a popularização da rede mundial de computadores que as transformações ficaram mais evidentes a ponto de as pessoas se tornarem reféns destas tecnologias. Nesse sentido, surgida na década de 1960, a internet se propagou pelo mundo a partir da década de 1990, pois foi a partir desse período que ela passou a permitir interligação de redes em qualquer lugar que tivesse disponível a tecnologia básica necessária. Inicialmente, no Brasil, esta tecnologia só esteve disponível a partir de 1980 em Universidades e alguns órgãos públicos de pesquisa (LEANDRIN, 2018). Mas foi somente no ano de 1995 que a Internet no Brasil rompeu o ambiente acadêmico para se propagar em sua forma comercial pelo setor privado, pois o Ministério das Comunicações, por intermédio da portaria 148/005, fez aprovar a norma 004/95, que regulou o uso da Rede Pública de Telecomunicações para acesso à internet, possibilitando aos provedores e usuários a utilização de serviços de conexão à internet. (LEANDRIN, 2018, p.30). 2622
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Desde então, a internet veio se infiltrando cada vez mais nas relações humanas impulsionada principalmente pelas redes sociais e pelo desenvolvimento de aparelhos tecnológicos como celulares e computadores, principalmente por conta dos valores acessíveis às classes sociais mais desprivilegiadas. Desse modo, “a internet como realidade tecnológica favoreceu o desenvolvimento da chamada sociedade da informação, representando, assim, importante transformação social no campo da comunicação.” (LEANDRIN, 2018, p.32) Portanto, os avanços tecnológicos, dentre eles a expansão da internet, provocaram algumas transformações sociais, tais como a mudança no processo de comunicação e de acesso à informação; além de alterar o padrão de comportamento das pessoas nos vários aspectos da vida pública e da privada. 3 O IDOSO NO CONTEXTO PÓS REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA Na atual conjuntura social, as desigualdades e velocidade em que as transformações ocorrem entre as diferentes regiões e classes sociais do país promovem um significante afastamento dos idosos, assim, estes se encontram desamparados em alguns aspectos da vida social. A partir disso, evidencia-se o desinteresse para com grupo de indivíduos idosos da população brasileira. (KREIS, 2010) Somado a este fenômeno, atualmente há uma supervalorização da informação, que se difunde de forma rápida e intensa principalmente pelas redes sociais. Desse modo, atraídos pelos benefícios que a informática oferece, pôde-se perceber um número crescente de idosos que buscam a inserção nesse novo contexto das tecnologias. (KREIS, 2010) De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), considera-se idoso nos países em desenvolvimento, todo indivíduo com 60 anos ou mais, assim, o Brasil tem mais de 28 milhões de pessoas nessa faixa etária, número que representa 13% da população do país. (PERISSÉ; MARLI, 2019) Além disso, por ser eficiente na distribuição de informações, a internet é atualmente um dos veículos mais procurados por anunciantes que buscam apresentar seus produtos para a comunidade consumidora. Assim, principalmente baseados nos acessos de determinados sites ou pesquisas em sites de busca, é possível montar o perfil 2623
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de consumo individualizado para cada provável cliente, e então atingir o público alvo da marca de maneira mais rápida e fácil. No entanto, o que se observa é que mesmo o público com mais de 60 anos sendo uma parcela significativa da população brasileira, a quantidade de anúncios na internet voltados para idosos ainda é muito pequena, demonstrando que de fato estes não estão inseridos neste ambiente. (HOOTSUITE; WE ARE SOCIAL, 2020) Nesse sentido, conforme os dados do Hootsuite e We Are Social (2020) observa- se que o perfil de público-alvo das mídias sociais coloca as pessoas mais velhas em último plano. Desse modo, apenas 2% dos anúncios, dentre os voltados para mulheres, são direcionados às que têm mais de 65 anos. Já entre os homens da mesma faixa etária o índice é ainda menor, com apenas 1,3% dos anúncios. Apesar disso, esses dados demonstram que há sim pessoas que fazem parte do grupo da terceira idade e que buscam utilizar essas novas tecnologias, mas em números muito baixos. Nesse contexto é necessário se destacar o uso das mídias sociais, que correspondem atualmente a um dos principais meios de comunicação. Estas novas plataformas digitais permitem a aproximação entre pessoas superando a barreira das grandes distancias e também costumam substituir os meios tradicionais de entretenimento, como os canais televisivos. Segundo os dados do Hootsuite e We Are Social (2020) foi possível determinar, com base em relatos dos pesquisados, qual a plataforma mais utilizada em um mês por cada usuário. Assim, as 5 (cinco) mídias sociais mais utilizadas no Brasil pelos clientes de internet que foram entrevistados são: Youtube (96%), Facebook (90%), Whatsapp (88%), Instagram (79%) e FB Messenger (66%). Desse modo, é fato que grande parte da população do país utiliza essas plataformas por conta dos benefícios e facilidades que trazem para o cotidiano e, dentre estes, há alguns integrantes idosos. Nesta perspectiva, um caso em especial ganhou bastante repercussão na mídia no início do ano de 2019, neste, o senhor Nilson Isaias “Papinho”, de 73 anos, ficou conhecido em todo o país após postar um vídeo na plataforma Youtube tentando reproduzir uma receita de um brinquedo infantil chamada slime. Um ano após o Youtuber já conta com quase 5 milhões de inscritos no seu canal e em alguns vídeos agradece aos amigos que fez através da plataforma. Além disso, 2624
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI lembra que iniciou a postar vídeos justamente porque se sentia solitário e sem ter o que fazer após se aposentar. Isso demonstra o quanto é importante inserir os idosos no contexto das novas tecnologias, não somente das mídias sociais, mas em todos os meios que de alguma forma tragam benefícios as pessoas de idade mais avançada. (FARINACCIO, 2019) Portanto, as novas tecnologias compõem um novo estilo de vida em que foram modificadas as formas convencionais de lazer, comunicação e até mesmo de exercer a cidadania. Desse modo, o que se observa é que essas modificações e a não inserção da geração que está no grupo da população mais velha provocou uma perda de autonomia por parte deles, que em sua grande maioria se tornaram dependentes dos que detém conhecimentos na nova linguagem digital. (MORATO, 2018). Nesse sentido, “os idosos são considerados imigrantes digitais, ou seja, estão tendo que se adaptar para aprender a lidar com estas tecnologias, ao mesmo tempo em que elas estão em ininterrupta evolução” (PALFREY; GASSER, 2011 apud ESTABEL; LUCE; SANTINI, 2020, p. 4). Em razão desse novo panorama tecnológico e social que acompanha o envelhecimento da população brasileira torna-se fundamental garantir oportunidades de acesso da população mais idosa as informações e recursos informatizados, o que significam que as políticas devem ser orientadas por modelos sociais com abordagens inovadoras e inclusivas. 4 DIREITOS DO IDOSO REFERENTES AO ACESSO A INFORMÁTICA E À TECNOLOGIA O Poder Legislativo brasileiro é a instituição que através da sua atribuição constitucional tem o poder de criar Leis. Nesse sentido, as Leis podem ter a função de moldar um comportamento social a partir do momento que se impõe um dever de comportamento que deve ser seguido por todos, até mesmo pelo próprio Estado. Isto acontece porque “a sociedade necessita de uma organização que oriente a vida coletiva, que discipline a atividade dos indivíduos que vivem nela. Esta organização pressupõe regras de comportamento que permitem uma boa convivência social.” (MIGUEIS; SILVA, 2017) Desse modo, a Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, busca modificar a forma como a sociedade vê o idoso fazendo com 2625
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que ele seja visto como cidadão. A lei não tem o poder de mudar o ser humano, no entanto o ser humano é mutável e é capaz de criar novos valores, podendo então transformá-los em leis. Assim, ao criar o estatuto do idoso o legislador buscou o caminho inverso, aguardando que a lei modifique a sociedade. (ALMEIDA, 2003) Dessa forma, o artigo 21, § 1, da Lei n° 10.741 delegou ao poder público uma nova missão: ofertar aos idosos brasileiros educação em informática através de metodologias adequadas de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para que ocorra a sua reintegração deste público à vida moderna. Art. 21. O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados §1° Os cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna. (BRASIL,2003) Em seguida, coube à Lei 12.965 de 2014, conhecida como Marco Civil da Internet, estabelecer os princípios, garantias, direitos e deveres relacionados ao uso da rede mundial de computadores no país. Além disso, o artigo primeiro da referida Lei também traz diretrizes para a atuação do Estado brasileiro em relação ao uso desta ferramenta. (Brasil, 2014) Na mesma linha, o artigo 4° do referido diploma legal dispõe quais os objetivos se almejam ao promover e disciplinar o a utilização da internet no Brasil. Assim, garante a todos, sem excluir o público idoso, o acesso à internet, informação e as inovações tecnológicas que porventura surgirem. Art. 4º A disciplina do uso da internet no Brasil tem por objetivo a promoção: I - do direito de acesso à internet a todos; II - do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos; III - da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; (Brasil, 2014) Além disso, o artigo 7°, inciso XII, do Marco Civil da internet estabelece que ao se garantir o acesso a esta ferramenta há requisitos objetivos que devem ser levados em consideração. Desse modo, no que se refere ao público mais velho, a questão da acessibilidade ganha relevância uma vez que eles enfrentam muitas dificuldades no cotidiano que podem ser mitigados com o uso da rede. 2626
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: XII - acessibilidade, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos termos da lei; (Brasil, 2014) Portanto, o que se observa é que a legislação brasileira apresenta o rol extenso e aberto de Leis que visam garantir o acesso do público idoso às tecnologias. No entanto, a legislação promove apenas o acesso formal a este direito, uma vez que o simples ato de criar leis não capaz de promover efeitos concretos na sociedade. Assim, são necessárias ações voltadas para a materialização desses direitos, isto é, as políticas públicas. 5 POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS PARA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO DO IDOSO AO ACESSO À TECNOLOGIA As Políticas Públicas podem ser definidas como ações, metas e planos pensados pelos governos para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público. Para isso, os gestores públicos escolhem as demandas que eles entendem serem as mais importantes para a sociedade. Desse modo, o bem-estar da sociedade é sempre definido pelo governo porque a sociedade não consegue se expressar de forma integral, e nem todas as demandas conseguem ser atendidas. Assim, o povo do país leva suas demandas através dos membros do poder legislativo que foram eleitos e esses mobilizam os membros do Poder Executivo, que também foram eleitos para que atendam às demandas da população. (LOPES; AMARAL; CALDAS, 2008). Nesse sentido, pode-se afirmar que a sociedade se expressou através de seus representantes no poder legislativo na medida em que eles, através de leis, reconheceram o papel de destaque das novas tecnologias na comunidade e os benefícios que elas podem trazer inclusive para os idosos. Assim, após receber essa missão, coube e ainda cabe ao poder público através de ações, metas e planos buscar o bem-estar social e respeitar o interesse público no que se refere à efetivação dos direitos de acesso à tecnologia. Acontece que inicialmente as poucas políticas públicas existentes eram concentradas na inclusão digital da criança, do adolescente e do jovem, utilizava-se o argumento de que era necessário priorizar o futuro. No entanto, com o passar dos anos 2627
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI houve uma rápida hipervalorização da informática e os idosos ficaram totalmente alheios a este fenômeno, apesar de contar com uma legislação pródiga em favorecimento às pessoas idosas, o Brasil ainda não conseguiu oferecer-lhes políticas públicas bem formatadas. Assim, criou-se a ideia de que os gerontes não fazem mais parte da nova sociedade contemporânea e de que as suas contribuições para a construção de relações sociais eram apenas vaga lembrança de um passado ultrapassado, (MORATO, 2018), ficando os idosos reféns de gestores despreparados no trato das complexas questões gerontológicas. Nesse sentido, argumenta Morato: Em tal contexto, tanto a subsistência do idoso como o acesso a informações básicas e sua própria qualidade de vida (e aí podemos incluir o aproveitamento de sua valiosa experiência) são limitadas pela exclusão digital sem que se olvide aqui da óbvia constatação de que a exclusão digital do idoso desprovido de uma renda mínima representa um duplo desafio ao acentuar dramaticamente sua vulnerabilidade quando este desconhece as noções mais rudimentares de informática e está na chamada brecha digital que vem a ser a distância entre os que detêm conhecimentos em tal área e os que não detêm. (MORATO, 2018, p. 01) Logo, é evidente a escassez de políticas públicas que promovem a inserção do idoso no contexto das novas tecnologias, principalmente porque os governantes responsáveis por elaborá-las caminham no sentido contrário. Por conta disso, enquanto a linguagem tecnológica e as várias tecnologias avançam de maneira muito rápida se tornando mais complexas, os idosos cada vez mais são afastados das relações sociais, perdendo a sua autonomia enquanto pessoas. Em relação aos benefícios de políticas públicas voltadas para alfabetização digital destaca-se: Assim, a alfabetização digital não será somente um novo espaço de escrita, será também um novo significado de mundo e espaços de circulação. De tal modo, os alfabetizados, fazem parte do grupo que consegue, efetivamente, ser competente em diferentes eventos de letramento (comunicação visual, auditiva, espacial). (RIBEIRO, 2017 apud GONZATTI; REGINATTO, 2020, p.12) Portanto, é urgente a criação de políticas públicas educacionais que contemplem a parcela da terceira da idade no Brasil. Politicas estas que devem ser efetivas e planejadas, e não emergenciais como a maiorias das ações brasileiras voltadas para idosos, a exemplo das que são desenvolvidas no âmbito no Ensino de Jovens e Adultos (EJA). (JUNIOR et al., 2019) 2628
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 6 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL: UMA POSSIBILIDADE DE POLÍTICA PÚBLICA Mesmo que ainda escassas, as políticas públicas que levam a tecnologia e a linguagem tecnológica para idosos já existem. Nesse sentido, no Programa de Educação Tutorial, política pública na educação promovida pelo Ministério da Educação, os bolsistas que compõem os grupos PETs da UFPI também desenvolvem projeto de incentivo, geralmente locais, que se concentram em encontrar maneiras novas, melhores e favoráveis a inserção digital da pessoa idosa. Desse modo, a partir do ano de 2014 foram realizados cursos de “Informática para a pessoa Idosa”, construído pelo grupo do Programa de Educação Tutorial (PET), na modalidade interdisciplinar (PET Integração) que envolve os cursos de Pedagogia, Direito, Nutrição, Serviço Social e Ciência da Computação na Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Petrônio Portela. Assim, o curso teve por objetivo principal apresentar aos idosos participantes a nova linguagem da informática e contribuir com o Programa Terceira Idade em Ação (PTIA), também da Universidade Federal do Piauí. Para isso foi colocado à disposição dos idosos informações básicas em informática e conhecimentos para utilização na Internet. Conforme as atividades foram sendo desenvolvidas na extensão universitária pelo grupo comprometido com a melhoria do processo de ensinar-aprender percebeu-se a necessidade de produzir uma cartilha (PET/UFPI, 2014) com as principais informações referentes aos conhecimentos em informática, como forma de sistematizar o conteúdo e abranger o maior número de gerontes, até mesmo aqueles que não faziam parte do Programa Terceira Idade em Ação. O curso foi desenvolvido em dois módulos, o primeiro buscou apresentar as partes que compõem o computador e as ferramentas do sistema operacional, para isso, apresentou as funções das principais teclas de um computador, além de ensinar como utilizar um programa editor de textos. Já o segundo modulo teve como objetivo apresentar noções básicas de internet. Para isso, foi apresentado aos participantes o que era um navegador de internet dando exemplos dos principais utilizados pelos usuários. Além disso, foram mostradas ferramentas como o e-mail e as redes sociais, a exemplo o Facebook. 2629
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O conteúdo foi ensinado de modo expositivo e prático, levando em conta as especificidades dos participantes. Contou-se com a contribuição de estudantes do grupo do Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Ciência da Computação, dois monitores do curso de Serviço Social, além de estudantes do curso de Engenharia Elétrica (PET Potência), tutores e um participante da coordenação pedagógica do PTIA. A dinâmica utilizada nas aulas acontecia em ritmo adequado ao perfil do grupo de idosos, procurando-se estimular a participação para potencializar a troca de experiências e de conhecimentos, em uma perspectiva dialógica e ambiente acolhedor, respeitando as especificidades e subjetividades de cada indivíduo. De forma coletiva buscou-se superar as dificuldades e proporcionar a inclusão digital de todos os participantes. Dessa maneira, o Curso de Informática para a pessoa Idosa promovido pelo PET Integração da Universidade Federal do Piauí conseguiu levar até 100 (cem) idosos conhecimentos básicos para que começassem a entender a lógica de funcionamento da informática e sua linguagem. No entanto, as medidas locais de incentivo como a promovida pelo PET ainda são insuficientes no atual contexto e carece de novas políticas públicas globais no âmbito nacional que de fato promovam a inserção digital do público idoso. 7 CONCLUSÃO Pôde-se observar que as várias transformações sociais que ocorreram no mundo nas últimas décadas, promovendo uma profunda modificação no arcabouço das relações sociais, associadas a carência de políticas públicas com o intuito de inserir o público mais velho no novo contexto tecnológico criado, ocasionaram a perda da autonomia dos idosos para que realizassem algumas tarefas simples do dia a dia, pois, atualmente, tais atividades quase sempre envolvem a tecnologia. Além disso, a legislação do país garante através dos princípios constitucionais e normas infraconstitucionais, como o Estatuto do Idoso, deveres aos governantes para que estes promovam a inserção dos brasileiros idosos na conjuntura das novas tecnologias. Assim, as políticas públicas voltadas para este fim são um dever do Estado 2630
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI brasileiro com o seu povo. E, além de necessárias, estas políticas também são um direito das pessoas com idade avançada. Também cabe ressaltar que já existem modelos a serem seguidos de políticas criadas com o fim de promover o ensino da linguagem tecnológica dentre os mais velhos, por exemplo, o curso de informática para pessoa idosa do PET Integração da Universidade Federal do Piauí que trouxe contribuições importantes para a superação das dificuldades apresentadas pelos idosos ao inseri-los no mundo digital. Assim, os cabe aos governantes responsáveis por estabelecer as diretrizes de ensino e cidadania do país intensificarem os estudos nesta área e pôr em pratica ações que efetivamente possam satisfazer as necessidades desta parcela tão estigmatizada na sociedade. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Dayse Coelho de. Estatuto do Idoso: real proteção aos direitos da melhor idade?. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 120, nov. 2003. ISSN 1518-4862. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4402. Acesso em: 22 abr. 2020. BRASIL. Lei nº 10741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasilia, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 8 maio 2020. ______. Lei nº 12965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasilia, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 8 maio 2020. ESTABEL, Lizandra Brasil; LUCE, Bruno Fortes; SANTINI, Luciane Alves. Idosos, fake news e letramento informacional. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 16, p. 1-15, mar. 2020. ISSN 1980-6949. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/1348/1206. Acesso em: 08 maio 2020. FARINACCIO, Rafael. Quem é Nilson Izaías Papinho, o senhor de 71 anos que conquistou o YouTube. Tecmundo, 2019. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/internet/138463-nilson-izaias-papinho-senhor-71- anos-conquistou-o-youtube.html. Acesso em: 08 maio 2020. GONZATTI, Valeria; REGINATTO, Andrea. A experiência de alfabetização digital nas totalidades iniciais da modalidade EJA. Revista Educação, Artes e Inclusão, Florianopolis, v. 15, n. 2, p. 08-25, 01 abr. 2020. Disponível em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/arteinclusao/article/view/13263. Acesso em: 08 maio 2020. 2631
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI HOOTSUITE; WE ARE SOCIAL. Digital 2020: Brazil [s. L.]: Kepios, 2020. 92 slides, color. Disponível em: https://datareportal.com/reports/digital-2020-brazil. Acesso em: 08 maio 2020. JUNIOR, Ailton Batista de Albuquerque et al. A política pública proeja (informática) no instituto federal de educação, ciência e tecnologia do Ceará (IFCE) de UMIRIM. Brazilian Applied Science Review, [s. l.], v. 3, n. 6, p. 2323-2331, 2019. DOI https://doi.org/10.34115/basrv3n6-003. Disponível em: http://www.brazilianjournals.com/index.php/BASR/article/view/4311/4055. Acesso em: 8 maio 2020. KREIS, Rosana Alfinito et al. O impacto da informática na vida do idoso. Revista Kairós: Gerontologia, [S.l.], v. 10, n. 2, jan. 2010. ISSN 2176-901X. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/kairos/article/view/2596/1650. Acesso em: 08 maio 2020. LEANDRIN, Fernando Henrique Anadão. O direito de acesso a internet. 2018. 177 p. Monografia (Mestrado em direito) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/21937. Acesso em: 18 abril 2020. LOPES, Brenner; AMARAL, Jefferson. Ney; CALDAS, Ricardo Wahrendorff. Políticas Públicas: conceitos e práticas. Belo Horizonte: Sebrae, 2008. Disponivel em: http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/E0 008A0F54CD3D43832575A80057019E/$File/NT00040D52.pdf. Acesso em 08 maio 2020. MIGUEIS, Ana Gláucia Lobato Campos; SILVA, Luiz Henrique Migueis da. A função social do Direito. Jusbrasil, 2017. Disponivel em: https://anaglc.jusbrasil.com.br/artigos/450535880/a-funcao-social-do-direito. Acesso em: 08 maio 2020. MORATO, Antonio Carlos. O idoso na sociedade da informação: da inclusão social à inclusão digital. Consultor Jurídico, 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-jan-08/direito-civil-atual-idoso-sociedade- informacao. Acesso em: 08 maio 2020. PERISSÉ, Camille; MARLI, Mônica (org.). Caminhos para uma melhor idade. Retratos: a revista do ibge, Rio de Janeiro, n. 16, p. 18-25, fev. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/d4581e6bc87a d8768073f974c0a1102b.pdf. Acesso em: 08 maio 2020. PET/UFPI (Teresina-PI). Programa de Educação Tutorial. Informática para a Pessoa Idosa. Teresina: [s. n.], 2014. 48 p. 2632
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS O MÉTODO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO COMO FORMA DE EFETIVAR A POLÍTICA DE COTAS E CONCRETIZAR A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA THE METHOD OF HETEROIDENTIFICATION AS A WAY TO ACCOMPLISH QUOTA POLICY AND ACHIEVE DISTRIBUTIVE JUSTICE Agnes Regina Aguiar Passos 1 José Guilherme Campos Teles 2 Cecília Maria Resende Gonçalves de Carvalho 3 RESUMO O presente trabalho analisa o método de heteroidentificação como uma alternativa às fraudes ocorridas nas autodeclarações para o ingresso no ensino superior por meio da política de cotas. Logo, a pesquisa objetiva averiguar se a submissão dos candidatos à comissão de validação de autodeclaração étnico-racial se adequa à finalidade precípua das cotas raciais. Nesse sentido, realizou-se uma pesquisa de opinião com estudantes submetidos à heteroidentificação, além de análises das decisões judiciais e da produção acadêmica sobre o tema. Concluiu-se, que esse método de verificação é uma maneira de concretizar a política de cotas e a justiça distributiva, desde que sejam preservados os direitos fundamentais do candidato. Palavras-Chaves: Heteroidentificação. Ação Afirmativa. Política De Cotas Raciais. ABSTRACT This paper analyses the heteroidentification method as an alternative to the frauds that occur in self-declarations for entry into higher education through the quota policy. Therefore, the research aims to find out if the submission of the candidates to the validation 1 Estudante de Graduação 7° período do Curso de Bacharelado em Direito na Universidade Federal do Piauí-UFPI, bolsista do PET -Integração – UFPI. E-mail: [email protected] 2 Estudante de Graduação 5° período do Curso de Bacharelado em Direito na Universidade Federal do Piauí-UFPI, bolsista do PET -Integração – UFPI. E-mail: [email protected] 3Tutora do PET-Integração, Doutora e Professora do Departamento de Nutrição da UFPI. E-mail: [email protected] 2633
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI commission of ethnic-racial self-declaration fits the main purpose of racial quotas. In this sense, an opinion survey was conducted with students submitted to heteroidentification, in addition to analysis of judicial decisions and academic production on the subject. It was concluded that this method of verification is a way to achieve the policy of quotas and distributive justice, provided that the fundamental rights of the candidate are preserved. KEYWORDS: Heteoidentification. Affirmative Action. Racial Quota Policy. INTRODUÇÃO O trabalho apresenta uma análise do tema de heteroidentificação na universidade acrescido da pesquisa realizada com cotista no âmbito da Universidade Federal do Piauí (UFPI). O percurso de aproximação com a temática, assim como os procedimentos adotados no âmbito da pesquisa teve início no ano de 2019 e decorreu do Projeto “Balcão acadêmico e social”, que foi inspirador neste caminho. O projeto construído pelo Programa de Educação Tutorial (PET), modalidade interdisciplinar (PET Integração) envolve grupo de estudantes de graduação dos cursos de Pedagogia, Direito, Nutrição, Serviço Social e Ciência da Computação, sob a orientação de um professor tutor na Universidade Federal do Piauí - UFPI, Campus Ministro Petrônio Portela. Os alunos envolvidos no referido projeto realizam atividades de informação, esclarecimentos e orientação com o objetivo de facilitar os trâmites burocráticos e o percurso dos novos estudantes na universidade, além de contribuir para a garantia da efetividade da inscrição dos aprovados no processo seletivo do SISU no campus de Teresina. Assim, o projeto tem por objetivo principal auxiliar o ingresso e a permanência dos alunos na universidade, buscando amenizar a desigualdade educacional no contexto do Campus supracitado. Nesse diapasão, o grupo PET Integração prestou atendimento aos ingressantes do período 2019.2 que foram submetidos à comissão de heteroidentificação na UFPI, e, concomitantemente, fez a pesquisa para conhecer a opinião dos candidatos que ingressaram pelo sistema de cotas sobre a alteração na organização do processo de matrícula, uma experiência recente na instituição e importante para avançar, ainda mais na garantia do direito as vagas a quem de fato tem esse direito. 2634
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Diante disso, o presente trabalho justifica-se pela necessidade fundamental de acompanhar o processo e analisar a heteroidentificação como uma alternativa para o combate a fraudes no sistema de cotas e, assim, garantir que a real finalidade da política de cotas seja efetivada. Desse modo, a pesquisa analisa a legalidade, a finalidade e a importância do método de heteroidentificação, tendo em vista que no ano de 2019 tal procedimento se tornou requisito obrigatório para efetivação das matrículas de candidatos aprovados para as vagas reservadas a pretos, pardos e indígenas na Universidade Federal do Piauí. Este objeto fez-se relevante porque com a mudança no processo da autodeclaração para heteroidentificação, tornou-se mister discutir os fatores que motivaram as alterações no método de aplicação da política de cotas e a opinião de estudantes sobre o tema. Trata-se de um estudo transversal, descritivo, utilizando-se a pesquisa bibliográfica de produções acadêmicas e jurídicas sobre o tema como forma de embasamento teórico dos pesquisadores. Para o levantamento de dados aplicou-se um questionário durante os procedimentos de matrículas entre os estudantes aprovados na 2ª chamada do SISU, no dia 2 de junho de 2019. O instrumento de autopreenchimento contemplava 2 (duas) questões fechadas e 3 (três) questões abertas com a finalidade de conhecer e analisar a opinião dos estudantes acerca da introdução do processo de Heteroidentificação na UFPI. O questionário foi aplicado numa amostra de 46 estudantes que aceitaram espontaneamente responder o questionário, após a explicação e esclarecimentos dos objetivos da pesquisa. Foi garantido o anonimato dos participantes e os dados levantados foram analisados quantitativamente e qualitativamente, expressos em porcentagem e na forma de gráficos, além de confrontados com a doutrina acadêmica consolidada sobre o tema. 2 AS COMISSÕES DE HETEROIDENTIFICAÇÃO COMO FORMA DE EFETIVAR A POLÍTICA DE COTAS E A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA 2.1 A política de cotas como uma política pública As políticas de Ações Afirmativas, como A Política de Cotas, por exemplo, se apresentam como políticas públicas pois são ações que visam resolver um problema secular na sociedade brasileira, a desigualdade de oportunidades educacionais geradas pela escravidão. Nesse sentido, quando os governantes elencam o problema da sub- 2635
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI representação dos grupos menos favorecidos nos mais elevados níveis de ensino como um obstáculo a ser superado, os mecanismos utilizados para a solução são as denominadas políticas públicas. Para Lopes: Dito de outra maneira, as Políticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os tomadores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem serem as demandas ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade é sempre definido pelo governo e não pela sociedade. Isso ocorre porque a sociedade não consegue se expressar de forma integral. Ela faz solicitações (pedidos ou demandas) para os seus representantes (deputados, senadores e vereadores) e esses mobilizam os membros do Poder Executivo, que também foram eleitos (tais como prefeitos, governadores e inclusive o próprio Presidente da República) para que atendam às demandas da população. (LOPES, 2008, p.5) As políticas de ação afirmativa possuem caráter reparatório diante de todas as mazelas sofridas pelos afrodescendentes durante a escravidão e pelos efeitos decorrentes dela, como a marginalização e a dificuldade para ingresso no ensino superior. Dessa forma, as cotas raciais para ingresso nas universidades públicas apresentam-se como uma importantíssima forma de inclusão social e de diminuição da desigualdade educacional entre o grupo que historicamente sofre com o racismo e o grupo socioeconomicamente privilegiado. 2.2 A autodeclaração e a ocorrência de fraudes É importante destacar que no início da implementação das cotas nas universidades públicas, por volta dos anos 2000, o método utilizado era o da autodeclaração, no qual o candidato afirmava a raça a qual se identificava no ato da inscrição para concorrer à vaga na universidade. Nesse modelo, apenas a declaração do indivíduo era necessária para a comprovação da raça, mas para enquadrar-se no perfil dos destinatários da cota também são exigidos comprovantes de renda, a fim de averiguar a condição socioeconômica do candidato. Ou seja, tanto a raça quanto os perfis socioeconômicos são avaliados no método de autodeclaração, tendo em vista que a desigualdade de oportunidades não pode ser aferida apenas pelos critérios fenotípicos, mas também são analisados o contexto social e as condições econômicas da família. 2636
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Entretanto, esse método possui algumas lacunas que permitiram a ocorrência de fraudes, nas quais pessoas que não se configuram como os reais destinatários da política de cotas conseguiram adentrar na universidade utilizando de forma fraudulenta autodeclarações e ocupando as vagas reservadas aos afrodescendentes. Um exemplo dessa situação de desvio de vagas reservadas pode ser verificado na notícia veiculada pela BBC Brasil News (2020), na qual o jornal expõe a imensa quantidade de fraudes nas autodeclarações no Rio de Janeiro e em São Paulo: Só na UFRJ já foram 280 denúncias de possíveis fraudes nas cotas raciais desde a implantação do sistema. Segundo a universidade, dos 186 já analisados, 96 foram considerados aptos a ocuparem as vagas reservadas para pretos, pardos e indígenas (PPI). [...] A USP investiga 41 denúncias. A Unicamp desligou nove alunos e a Unesp expulsou 30 que tiveram as autodeclarações consideradas inválidas. A reiterada ocorrência desse desvio de finalidade da implementação das cotas raciais causa enormes prejuízos aos verdadeiros destinatários. Afinal, a cada vaga preenchida de forma fraudulenta, um indivíduo que tinha o justo direito de preencher aquele espaço perde essa oportunidade. Portanto, os fatos expostos estimularam a implementação das comissões de validação da declaração étnico-racial, denominadas “comissões de heteroidentificação”, nas universidades públicas do Brasil. 2.3 Heteroidentificação Diante desse contexto, as instituições de ensino superior começaram a organizar e a implementar as chamadas “comissões de heteroidentificação” que vem sendo reconhecida como novo método de verificação da veracidade da autodeclaração de cor ou raça feita pelo candidato. Dessa forma, é instituído nos processos seletivos adotados pelas universidades e pela administração pública esse sistema misto de identificação. A comissão necessariamente deve ser composta por membros com diversidade de raça e gênero, representantes do movimento negro e pessoas relacionadas ao contexto regional no qual está ocorrendo o processo seletivo (VAZ, 2018). Além disso, é necessário que os componentes dessas comissões passem por um rigoroso processo de seleção e treinamento, com o intuído de evitar decisões arbitrárias, baseadas em opiniões subjetivas. Afinal, as decisões da comissão de verificação étnico- 2637
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI racial devem ser impessoais e devidamente fundamentadas para que não sejam consideradas como ilegais. Outrossim, caso o candidato não concorde com o parecer emitido é possível recorrer na via administrativa para ser submetido novamente à comissão e, caso necessário, pode recorrer na via judicial. Esse órgão colegiado verifica a veracidade da autodeclaração do candidato a fim de efetivar o objetivo da política de ações afirmativas, que é a inserção de negros em espaços de poder, como a universidade e o desenvolvimento das capacidades individuais, como forma de efetivar a justiça distributiva e reduzir desigualdades (IENSUE, 2016). Nesse sentido, em 2009, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186 (BRASIL, 2009) que a autodeclaração não possui caráter absoluto. Portanto, que poderiam realizados procedimentos posteriores à autodeclaração, como heteroidentificação, a fim de averiguar a veracidade das declarações prestadas. Assim, cabe salientar que o Supremo Tribunal Federal atualmente possui o entendimento, de acordo com a Ação Declaratória de Constitucionalidade 41 (BRASIL, 2018, pag. 4), no sentido de que: É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. Logo, a decisão do Supremo Tribunal Federal reitera a legalidade do procedimento de heteroidentificação, desde que o candidato tenha preservada a sua dignidade e que lhe seja garantido os direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa. Assim, desde que os direitos básicos do indivíduo submetido à comissão sejam devidamente respeitados, não há o que se falar em inconstitucionalidade. Ademais, alguns teóricos argumentam que ao defender somente a heteroidentificação, como uma avaliação da autodeclaração realizada por “técnicos” que considerem apenas o fenótipo, ou seja, as características físicas do indivíduo, seria almejar uma eugenia às avessas (BASTOS, TERRA, NUNES, 2014). 2638
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Nesse sentido, os autores BASTOS, TERRA e NUNES afirmam que para evitar possíveis fraudes, sem que ocorresse um “eugenismo às avessas” a solução não estaria apenas implementação de comissões de heteroidentificação, mas sim a união desse método com a análise socioeconômica dos candidatos. Tal análise contextualizada entre fenótipo e condição socioeconômica já ocorre em praticamente todo os certames. Afinal, a condição de marginalização do sujeito é a que o enquadra no rol de indivíduos beneficiados por essa política pública: O objetivo teleológico da política de cotas é incluir aqueles que estão esquecidos e a margem da sociedade. A marginalização não tem cor; a pobreza não tem cor. A política de cotas adotada na UERJ não se restringe somente a questão étnica, mas também ao caráter econômico. Na verdade, todo ordenamento elaborado sobre este tema (estadual ou federal) aglutinou os dois critérios. Ou seja, dizer que a vaga é para “negro” ou “índio”, frisa-se mais uma vez, tem intuito de dar status a esse grupo. É demonstrar que há política inclusiva para esta parcela da população brasileira que sofreu no passado. Contudo, não é absurdo dizer que a questão do fenótipo ou genótipo fica em segundo plano frente a questão socioeconômica e cultura porque a marginalização, frisa-se mais uma vez, não tem cor. (BASTOS, TERRA, NUNES, 2014; p.12) Sobre o tema, a promotora de justiça Lívia Maria Santana e Sant'Anna Vaz afirma que o método de heteroidentificação apresenta-se extremamente útil e necessário para concretização do real objetivo da política de cotas, que é a inserção da população negra nos espaços de poder (VAZ, 2018). Assim, um mecanismo que protege essa política pública de condutas fraudulentas, que desviam a ação do poder público de sua real função, é extremamente necessária e cumpre um papel importantíssimo para realizar o objetivo teleológico da política pública: Diante dessa realidade, as chamadas comissões de verificação têm se estabelecido, nos últimos anos, como mecanismo de concretização do direito à (dever de) proteção contra a falsidade de autodeclarações raciais. Sem elas tais ações afirmativas são esvaziadas e perdem seus fundamentos, por não serem capazes de alcançar o resultado a que se destinam, qual seja: o efetivo incremento da representatividade negra nos espaços de poder. (VAZ, 2018, p.5) Vaz (2018) reitera que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica ao afirmar que autodeclaração não é absoluta e que a instituição de comissões de verificação é de grande importância para evitar o fenômeno da afroconveniência e do afro-oportunismo: 2639
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quando, pela primeira vez no Brasil, garante-se um direito – de caráter reparatório –, cujo gozo depende da condição de negro do sujeito, então, não tarda a proliferação do fenômeno que se convencionou denominar de afroconveniência ou afro-oportunismo. Pessoas brancas passam a se autodeclarar negras, com o objetivo de se beneficiarem da reserva de vagas para negros, o que configura não apenas uma burla ao sistema de cotas, mas também revela mais uma das facetas do racismo (VAZ, 2018, p.36) Em suma, é importante que o método de heteroidentificação, aplicado pelas comissões de verificação étnico-raciais sejam implementados de forma a respeitar os critérios estabelecidos pelos especialistas, a fim de que não haja desrespeito aos direitos dos candidatos. Além disso, a análise não deve ser reduzida aos aspectos fenotípicos, pois o fenômeno do racismo no Brasil, tem grandes reflexos na condição socioeconômica dos indivíduos, e, portanto, deve ser analisada. Cumpridas tais exigências, o método tende a ser muito eficiente na redução do desvio de finalidade da política pública de cotas. 2.4 Implementação do método de Heteroidentificação na Universidade Federal do Piauí Analisando os dados da pesquisa realizada em 2019 com 46 ingressantes na Universidade Federal do Piauí, 17 mulheres e 19 homens, observou-se que a grande maioria se reconheceu como pardo. Nesse sentido, mesmo o Brasil sendo predominantemente miscigenado houve um aumento na quantidade de pessoas que se declaram negras devido ao reconhecimento da população em relação à própria cor, que faz mais pessoas se identificarem como pretas (SARAIVA, 2017). Já em relação à primeira questão que indagava se os participantes sabiam a diferença entre a comissão de heteroidentificação e autodeclaração, a maioria mencionou conhecer a diferença entre as duas formas de verificação. Contudo, 35% (16) dos entrevistados disseram não saber o significado dos termos, dentre estes, alguns relataram ter ciência apenas de um dos métodos, mas que não saberiam diferenciá-los. Com isso, observa-se que uma quantidade relevante de indivíduos não tinha conhecimento sobre o método a qual eles seriam submetidos, o que demonstra um problema a ser analisado. Afinal, para poder identificar uma lesão a seus direitos e posteriormente reivindicar que eles sejam garantidos é preciso conhecê-los. Logo, se tais candidatos ainda não conheciam o método, possivelmente muitos outros também 2640
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