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EIXO 7 - Direitos Humanos, Violência e Políticas Públicas

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 22:38:03

Description: Direitos Humanos, Violência e Políticas Públicas

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Esses instrumentos legais norteiam a produção de dados e informações para a construção e o desenvolvimento de políticas e ações para a garantia de direitos dos adolescentes, amenizando a vulnerabilidade ou a exclusão social as quais estão expostas, haja vista que o atendimento socioeducativo foi pensado para integrar diferentes sistemas e políticas, o que exige a atuação dos executores tanto no critério de “responsabilização”, quanto na satisfação de direitos. Contudo, o que se verifica na prática através dos dados de mapeamentos das Medidas Socioeducativa no Brasil, e em especial no Estado do Piauí responsável pelo atendimento e execução das políticas de proteção e promoção de crianças e adolescentes desde o ano de 2003, através da Secretaria de Assistência Social e Cidadania – SASC, são ações ainda bastante pontuais e que não inferem diretamente no contexto de melhoria na gestão de suas Unidades de Atendimento Socioeducativo – UASE, aplicada nas seguintes unidades: CEM (Centro Educacional Masculino), CEIP (Centro Educacional de Internação Provisória), Semi-Liberdade, Complexo em Defesa da Cidadania e CEF (Centro Educacional Feminino). No documento instituído Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo do Estado do Piauí - 2015 a 2023 enumera-se uma série de propostas que visam à garantia e o atendimento efetivo, bem como a organização dos serviços intersetoriais. Ao considerar o tempo de execução do atendimento (2003) e de elaboração do último plano de referência (2015), verifica-se pouco avanço no cumprimento da política, tendo em vista os inúmeros problemas apontados na pesquisa de Mapeamento das Medidas Socioeducativas de Meio Fechado do Piauí, elaborado pela EDUFPI (2009), a saber: superlotação das unidades de internação, infraestrutura inadequada, falta de capacitação profissional, ausência de um modelo de gestão participativa, não cumprimento dos parâmetros do SINASE, falta de profissionais técnicos para atender a demanda, precarização dos equipamentos e materiais para a realização de atividades de educação, esporte e lazer, entre outras problemáticas. Destaca-se ainda, os números de 2016, conforme os resultados do Levantamento Anual SINASE, os quais indicam que 15 (quinze) Unidades da Federação tiveram aumento no total de adolescentes e jovens atendidos, enquanto 11 (onze) UF’s apresentaram diminuição. No total, a variação é de mais 5,7% atendidos. Observa-se ainda um aumento acima de 9,1% (média nacional), neste dado negativo. O Piauí 3077

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI aparece com um aumento no atendimento de 194 para 269 no mesmo ano (SINASE, 2017). O Piauí aparece também nos dados apresentados pelo relatório das visitas realizadas simultaneamente em 22 (vinte e dois) estados brasileiros e no Distrito Federal, sob a responsabilidade do Conselho Federal de Psicologia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, em 2006, intitulado “um retrato das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei”. No relatório constam problemáticas parecidas, tais como: alojamentos inadequados e precários, assemelhados a celas; áreas de desenvolvimento das atividades pequenas e inapropriadas; local adaptado para acolher os adolescentes; adolescentes com problemas de saúde, tais como, drogadição e transtornos psíquicos; ausência de um local que ofereça tratamento; número de profissionais da saúde insuficiente para atender às demandas, e superlotação no atendimento. O que supõe uma não consonância com o SINASE, que na prática exige de seus executores uma ação “articulada”, atuando em diferentes áreas, visando à garantia dos direitos aos adolescentes em cometimento de ato infracional: políticas de educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência social, cultura, esporte, lazer, segurança pública. Constatando, portanto, a não existência de uma gestão participativa e articulada. Com isto, observa-se que mesmo com as condições objetivas da ação socioeducativa, não é possível implementar as alterações propostas pelo marco legal - SINASE. As condições de trabalho dos socioeducadores, por exemplo, estão ainda mais precarizadas após o avanço das políticas neoliberais – a exemplo o aumento exponencial da terceirização no serviço público. A SASC em toda sua trajetória de consolidação da política da Assistência Social no Estado Piauí, somente realizou um concurso público para compor seu quadro de profissionais efetivos no ano de 2006. Citam-se, ainda, os cortes e os desvios nos gastos públicos que interferem diretamente nas estruturas físicas, que carecem de reformas que favoreçam a alteração da concepção de funcionamento das unidades, e na utilização dos parcos recursos que chegam até essas. Embora o texto base do SINASE preveja uma proposta de gestão democrática dos programas socioeducativos e apresente parâmetros de gestão pedagógica para o atendimento socioeducativo, algumas questões carecem de maior clareza e precisão, 3078

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI tendo em vista que ao longo desses anos houve uma carência na formulação de metodologias que pudessem orientar a gestão das unidades socioeducativas numa perspectiva democrática. O desafio aqui consiste em superar as práticas enraizadas destes modelos de atendimento que tanto influencia os socioeducadores. Para o estudioso Antônio Carlos Gomes da Costa, posterior a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, incorporou-se a discussão de dois conceitos apontados pelo autor como princípios, quais sejam: da incompletude institucional e o de incompletude profissional (COSTA, 2006). Ainda que os modelos democráticos, participativos e metodológicos dos processos de gestão das políticas sociais se apresentem com várias interpretações diferentes de como a agenda pública deve ser construída frente às demandas sociais, “[...] em todas as perspectivas, ela é entendida como um processo coletivo e conflituoso de definição” (JANNUZZI, 2011, p. 260). De fato, o ciclo de elaboração das políticas públicas tal como descrito nos manuais de gestão e nas pesquisas acadêmicas, é certamente um modelo idealizado, com aderência bastante limitada ao cotidiano dos servidores. As linearidades das etapas nem sempre comungam com a realidade objetiva posta e a percepção dos envolvidos em definir a prioridade na elaboração da política social, o que nos leva a refletir sobre o tema da administração pública e sua influência sobre a gestão socioeducativa. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos últimos anos ocorreram significativas conquistas na política de atendimento a criança e ao adolescente que alteraram as legislações e a reestruturação das instituições em seu ponto de vista arquitetônico, de recursos humanos e de organização/gestão de uma metodologia de atendimento. Contudo, o histórico que assola a execução das medidas socioeducativas tem impedido a incorporação de novos arranjos institucionais, e assim mantêm-se um modelo de gestão que não consegue ser efetivamente participativo e democrático, impedindo que o socioeducador apreenda sobre a necessidade de um processo humanizador no estabelecimento de vínculos com o adolescente. 3079

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Com isto, a execução da política de atendimento ao adolescente em cometimento de ato infracional, possui ênfase na participação e no envolvimento do sistema de garantia de direitos, não limitado apenas à dimensão da execução ou fiscalização da política, mas focado no planejamento estratégico das ações socioeducativas, tendo em vista que não é possível a articulação de um trabalho em rede se não houver planejamento de gestão. Visto que o atendimento socioeducativo acontece num ambiente permeado por contradições, conflitos interpessoais e de forte hierarquia, é importante não apenas subjulgar os conceitos de gestão democrática, mas inseri-los na realidade cotidiana das instituições, levando em consideração as peculiaridades de cada Unidade. Considera-se a gestão dos programas, projetos e atividades socioeducativas, nos moldes democráticos, aquela cujo processo de decisão compartilha entre o nível central da gestão e as unidades descentralizadas do sistema; acrescida de atividades transdisciplinares entre os profissionais na execução do processo socioeducativo, onde o adolescente possa fortalecer o protagonismo juvenil cotidianamente. Para tanto, o trabalho técnico desenvolvido deve pautar-se pelo incentivo às novas experiências em que a busca de direitos e deveres permita condição concreta no cotidiano, além de oferecer informações e orientações. De acordo com o SINASE, os adolescentes das Unidades e/ou programas de atendimento socioeducativo e os profissionais que atuam na execução das medidas socioeducativas compõem a comunidade socioeducativa, a qual deve funcionar de acordo com os parâmetros que regem uma gestão democrática, ou seja, com transversalidade em todas as operações que digam respeito à deliberação, planejamento, execução e monitoramento das ações. E, para que os objetivos e demais parâmetros estabelecidos para o Programa de Atendimento obtenha êxito, é necessária a proposição de um modelo de gestão, que, ao mesmo tempo, mobilize os envolvidos em torno de diretrizes comuns e, de forma democrática, também possibilite o controle institucional. Por fim, tem-se que a comunidade socioeducativa se efetiva mediante a observância de aspectos importantes, que auxiliam as práticas cotidianas, a saber: gestão participativa; diagnóstico situacional dinâmico e permanente; assembleias: comissões temáticas ou grupos de trabalho; avaliação participativa; rede interna 3080

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI institucional; rede externa; equipe técnicas multidisciplinares; Projeto Pedagógico; Rotina da Unidade e/ou programa de atendimento. É necessário, portanto, criar estratégias que sejam capazes de assegurar a ressocialização de fato destes sujeitos, permitindo assim que seu retorno à sociedade ocorra de maneira eficaz. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. ______. Lei n° 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Diário Oficial da União, Brasília. 19 jan. 2012. ________. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Brasília: Conanda, 2006. ________. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. BRASÍLIA: Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, Departamento da Criança e do Adolescente, 2002. BRASIL, Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – SPDCA/SEDH; UNICEF; LAV/UERJ. Índice de Homicídios na Adolescência [IHA]: Análise preliminar dos homicídios em 267 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes. 2009 (52 p.) COELHO, Ricardo Corrêa. O público e o privado na gestão pública. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração /UFSC; [Brasília]: CAPES: UAB, 2009. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Natureza e essência da ação socioeducativa. In: Justiça, Adolescente e Ato Infracional. Socioeducação e Responsabilização. Ilanud, ABMP, SEDS (MJ), UNSPA (orgs.) São Paulo, Método, 2006. CADERNOS DE SOCIOEDUCAÇÃO. Secretaria de Estado da Criança e da Juventude – SECJ, CURITIBA, 2010. DAGNINO, Renato Peixoto. Planejamento Estratégico Governamental. Florianópolis: Departamento de Ciências de Administração/UFSC; [Brasília]. CAPES: UAB, 2009. GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. Tradução de Dante Moreira Leite. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008. JANNUZZI, Paulo de Martino Indicadores socioeconômicos na gestão pública. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília]: CAPES:UAB, 2009. LIBERATI, Wilson Donizeti. O Adolescente e ato infracional: consequências da realidade brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. p. 50. 3081

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI SANTOS, Maria Paula Gomes dos. O Estado e os problemas contemporâneos. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração / UFSC; [Brasília]:CAPES :UAB, 2009. SILVA. M. J. Carneiro Jovino da. A centralidade na família no discurso da política de assistência social brasileira: imprecisões, continuidades e rupturas. (Tese de Doutorado) São Luís. PPPG/UFMA, 2012. (Biblioteca Virtual da UFMA). VOLPI, Mário. O adolescente e o ato infracional. São Paulo: Cortez, 2006. ______ (Org.). Adolescentes privados de liberdade: a normativa nacional e internacional & reflexões acerca da responsabilidade penal. FONACRIAD, 3. ed. São Paulo: Cortez, 1998. _______. Sem liberdade, sem direitos: A privação de liberdade na percepção do adolescente. São Paulo: Editora Cortez, 2001, p. 15-16. SINASE, MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANO. Levantamento anual SINASE 2016. Brasília, 2018. SOCIOEDUCAÇÃO: Estrutura e Funcionamento da Comunidade Educativa. Coordenação técnica: Antônio Carlos Gomes da Costa. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006. RELATÓRIO (2006). Direitos humanos: um retrato das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei. Brasília: Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. 3082

EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PROCESSOS EDUCATIVOS: contribuições da educação para a valorização da cultura africana e afro-brasileira no estado do Maranhão Matheus Carvalho Lima1 Ilenilde de Sousa Cruz Carvalho2 Jailson de Macedo Sousa3 RESUMO Este estudo apresenta como finalidade compreender as contribuições da inserção do ensino da cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar da educação básica maranhense, buscando atender a lei 10.639/03. Acredita-se que no momento em que o professor trabalha a cultura de origem africana como inerente à sociedade, equipara essa cultura às demais, quebrando as exaltações relacionadas à cultura europeia, que fora supervalorizada em detrimento das manifestações culturais trazidas do continente africano. Esta leitura foi mediada em face das ações desenvolvidas pelo CDVDH/CB (Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos/Carmem Bascarán) que atua na luta pela equiparação de direitos para as minorias sociais. Esta pesquisa assenta-se na abordagem qualitativa de caráter exploratório. Além da revisão bibliográfica sobre o tema que lhe é pertinente, também realizamos entrevistas semiestruturadas com representantes da organização mencionada. Palavras-Chaves: Relações Étnico-Raciais. Ensino. Cultura Africana e Afro-Brasileira ABSTRACT This study aims to understand the contributions of the insertion of the teaching of African and Afro-Brazilian culture in the school curriculum of basic education in Maranhão, seeking to comply with law 10.639 / 03. It is believed that the moment the teacher works the culture of 1 Acadêmico do Curso de Letras – Licenciatura – Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão – UEMASUL – Campus de Açailândia – Pesquisador pela FAPEMA. E-mail: [email protected] 2 Acadêmica do Curso de Letras – Licenciatura – Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão – UEMASUL – Campus de Açailândia – Pesquisadora pela FAPEMA. E-mail: [email protected] 3 Professor Adjunto do Curso de Geografia – Licenciatura. Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão – UEMASUL – Campus de Imperatriz. E-mail: [email protected]. 3083

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI African origin as inherent to society, he equates that culture to the others, breaking the exaltations related to European culture, which had been overvalued at the expense of cultural manifestations brought from the African continent. This reading was mediated in the face of the actions developed by the CDVDH / CB (Center for the Defense of Life and Human Rights / Carmen Bascarán) that works in the fight for the equalization of rights for social minorities. This research is based on the qualitative approach of exploratory character. In addition to the bibliographic review on the topic that is relevant to you, we also conducted semi-structured interviews with representatives of the organization mentioned. Keywords: Ethnic- Racial relations. Teaching. African and Afro-Brazilian culture Keywords: Ethnic-Racial Relations. Teaching. African and Afro- Brazilian Culture. INTRODUÇÃO A instituição da Lei 10.639/2003 alterou sobremaneira a lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB) de 1996, tornando obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nos estabelecimentos educacionais públicos e privados do país. Esse passo foi dado na tentativa de sanar os preconceitos ocorridos na escola e de reparar danos sociais causados historicamente às populações afro-brasileiras e africanas. Sabe-se que apesar da criação da lei em voga, observa-se que esta, ainda se encontra muito distante de ser cumprida, haja vista que no cotidiano da sociedade são muitas situações que envolvem as questões do racismo e discriminação racial, uma vez que esta problemática ainda é visível na conjuntura social brasileira, principalmente, no contexto escolar. Sendo a escola um ambiente de formação do sujeito, ofertar o ensino da cultura africana e afro-brasileira contribui para o reconhecimento da importância da presença do negro na construção do nosso país, além de contribuir na formação de pessoas mais empáticas, oportunizando espaço para a conscientização acerca do preconceito e discriminação na sociedade, visando uma sociedade que valoriza sua história e a história de seus antepassados, levando os indivíduos a pensar e lutar por uma sociedade mais igualitária e democrática. Neste cenário, tem emergido muitas instituições no país que reivindicam a equiparação de direitos, sobretudo, o direito à vida. Ao considerar este contexto, o presente estudo ressalta a importância das contribuições fornecidas por meio das ações 3084

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desenvolvidas pelo CDVDH/CB (Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos/Carmem Bascarán) e também pelo CCN/NC (Centro de Cultura Negra/ Negro Cosme) que atuam nos municípios de Açailândia, Imperatriz e região na luta pela igualdade de direitos para as minorias sociais, cujo maior público-alvo são os negros. É reconhecido que as atividades desenvolvidas por estes organismos têm favorecido a busca pela equiparação de direitos. Estas organizações são compreendidas no cenário local, regional e nacional como porta-vozes da luta pela igualdade de direitos dos povos marginalizados, estejam eles associados às comunidades negras ou não. Diante do exposto, nota-se que o ensino da cultura africana e afro-brasileira oportuniza a propagação do reconhecimento da presença negra na construção da identidade nacional, além de uma compreensão mais ampla acerca da diversidade cultural existente no país. Uma vez que o sujeito tem contato com a cultura africana e afro-brasileira na escola, esse conhecimento pode ultrapassar os muros da escola e refletir na sociedade, tornando-se um agente na luta contra o preconceito para com a diversidade cultural presente no Brasil. 2 O ENSINO DA HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA NO COTIDIANO ESCOLAR Sabe-se que a escola atua como forte aliada na formação de sujeitos, pois além de construir conhecimentos, espera-se da instituição escolar a formação de cidadãos conscientes, preparados para viver em sociedade, em que se preze o respeito às deferenças culturais, de crenças e tradições. Desse modo, o professor estimulará o aluno a alargar sua visão acerca das diferenças culturais existentes na sociedade brasileira. Nesse contexto, a escola assume um papel de suma importância na formação integral do indivíduo, por isso é importante que no ambiente escolar seja abordada a temática do protagonismo negro na construção social e econômica da sociedade brasileira. Assim sendo, a Base Nacional Comum Curricular orienta: Inferir a presença de valores sociais, culturais e humanos e de diferentes visões de mundo, em textos literários, reconhecendo nesses textos formas de estabelecer múltiplos olhares sobre as identidades, sociedades e culturas e considerando a autoria e o contexto social e histórico de sua produção. (BRASIL, 2015, p. 155). 3085

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI À escola é incumbida a função de possibilitar que o aluno receba uma formação integral e que seja efetiva, compreendendo as diferenças socioculturais presentes na sociedade. Esse processo se dá por diversos caminhos, um deles é propiciar debates acerca da diversidade cultural existente no país. Nesse sentido, os estudos sobre a valorização da história e cultura afro-brasileira também precisam ser abordados em sua totalidade em sala de aula, quiçá ela também reflita além dos muros da escola, de modo que possa alcançar as comunidades. De acordo com Costa e Melo (2018, p. 1), é necessário para que se tenha uma verdadeira valorização da história africana “ampliar o diálogo democrático nas salas de aula sobre as questões étnico-raciais, inserindo mais autores de literatura afro-brasileira e africana nos livros didáticos de língua portuguesa”. A inserção efetiva da cultura africana e afro-brasileira será plena quando, de fato, esse conhecimento estiver presente nos livros didáticos que são ofertados nas escolas, aliado à formação de professores acerca da diversidade cultural. Para tanto, é preciso de início conhecer a história do povo africano e suas contribuições para a formação sociocultural no Brasil, construção essa que levou séculos e perpetuou-se na história. Faz-se necessário analisar além da escravização do negro, que, por vezes, foi a única história abordada nos livros didáticos. O que se pretende, hoje, é refletir sua importância na área cultural, política e econômica. Essa é a história que necessita ser recontada, como previsto pela lei n° 11.645 de 10 de março de 2008, que diz: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro- brasileira e indígena. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). § 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (BRASIL, 2008). 3086

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Assim, fica evidente a partir da elaboração dessas leis a obrigatoriedade de ensinar a história e cultura africana e afro-brasileira em sala de aula, que se dirige não apenas às instituições públicas, mas deve ser, também, aplicada nas instituições privadas em todo o território nacional. Essa conquista tornou possível a abertura do currículo de nossas escolas brasileiras e ampliação desse debate no meio social, de modo que esta temática seja trabalhada em sala de aula, nas distintas modalidades de ensino. O negro, por muito tempo, manteve-se à margem da sociedade. Essa discriminação se deu em virtude do processo de colonização, no qual os negros foram arrancados de sua terra de origem para viver em regime de escravidão, estendendo-se assim, por mais de quatro séculos. A situação de escravidão fez com que a sociedade, até hoje, veja o negro, bem como toda manifestação cultural trazida da Africa e continuada do Brasil como práticas refutáveis, ou seja, o negro não é reconhecido pela população majoritária brasileira como ser que é inerente à formação sociocultural do país. Esse pensamento advém da supervalorização da cultura europeia em detrimento da cultura africana. Mesmo com o fim da escravidão no Brasil em 1888, o negro enfrenta o preconceito racial como resquícios de anos de escravidão. A escola deve, portanto, ser o lugar onde os alunos irão aprender sobre a riqueza de diversidades culturais oriundas da África. Este povo que veio com suas crenças, tradições, costumes, entre outros. Entretanto, por muito tempo o ensino sobre a história africana abordou apenas o processo de escravização, enquanto o protagonismo negro na formação do povo brasileiro fora silenciado. Essa história também precisa ser contada em nossas escolas. Com a sanção da lei n° 10.639/03, que estabelece as diretrizes sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, vê-se a oportunidade de recontar e ressignificar esta história que por muito tempo manteve-se fora do currículo das escolas brasileiras. Essa lei oportuniza que os educandos desde cedo tenham contato com a história e cultura africana. Ao se depararem com as produções que tratam da africanidade, certamente, tornar-se-ão sujeitos que respeitam e valorizam as diferenças e a diversidade cultura existente no país. 3087

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 A CULTURA AFRO-BRASILEIRA NO CONTEXTO ESCOLAR MARANHENSE: contribuições do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos – Carmén Bascarán O estado do Maranhão foi um dos estados brasileiros a receber uma quantidade significativa de escravos negros africanos durante o século XVIII. Por esta razão é o segundo estado com maior população de afrodescendentes do país, contando com mais de 600 quilombos registrados nesta unidade da federação. Sua cultura é rica em tradições como a dança, música, religião, artes e costumes, isso se deu em virtude, de que, mesmo sendo obrigados a serem batizados pela igreja católica, nunca abandonaram suas tradições e crenças. A diversidade cultural existente no Maranhão é marcada por uma trajetória de muita luta e resistência, que começa no século XVIII, com um dos maiores conflitos registrados na história do Maranhão: a Balaiada, a revolta dos pobres, que teve como líder Negro Cosme liderando mais de três mil negros. Nessa direção, para Araújo (2009, p. 22) destaca “a prioridade de Negro Cosme não estava apenas em se defender, mas proporcionar liberdade, não de cativeiro, mas, de mente, a que se adquiri por meio do conhecimento”. Mesmo sendo um importante marco da história maranhense, a Balaiada é pouco conhecida, uma vez que a cultura europeia é predominante. Mas, após anos de muitas lutas criam-se leis obrigatórias para o ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas como, a Lei nº 10.639/2003; a Lei nº 11.645/2008; as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004); Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2009); as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (2012). A crescente implementação de ações afirmativas, como as leis antes mencionadas e reiteradas na modalidade de cotas étnico-raciais desde o ano de 2003, que se tornou obrigatória nas instituições federais de ensino superior a partir da Lei nº 12.711/2012 muito tem contribuído para uma reparação de danos e equiparação de direitos sociais, sobretudo, da população negra marginalizada em nosso país. Além disso, trazem novas questões, críticas e proposições que podem contribuir com a 3088

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI problematização das relações étnico-raciais na educação, oferecendo subsídios para uma escolarização que contemple a diversidade brasileira. No estado do Maranhão mesmo com toda sua diversidade cultural, foram por volta de 15 anos após a criação da lei 10.369/03, para que os líderes governamentais se posicionassem para fazer valer a obrigatoriedade do ensino das Relações Ético-Raciais e da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, nas escolas. Este reconhecimento se deu, sobretudo, através da Seduc (Secretária de Educação do estado do Maranhão), que manifestou a sua preocupação na valorização e desenvolvimento de duas importantes ações de valorização e respeito à História Afro- brasileira, que é a nossa história, difundido-as junto à Formação em Educação Quilombola para educadores da rede educacional. A outra é um convênio firmado com a Universidade Federal do Maranhão, que recentemente implantado tem propiciado que estudantes desta instituição, e docentes promovam e cursos da História Afro- brasileira nas escolas da educação básica. Contudo, afirma a Procuradora de Estado e Coordenadora do CAOP/DH, Elouf (2018), que a criação da lei que determina a obrigatoriedade da temática da história e cultura afro-brasileira no currículo da rede de ensino oficial é, até hoje, uma parcela muito pequena dos municípios maranhenses que cumprem a determinação. E para que se faça valer os direitos adquiridos ao logo dos anos com muitas lutas, algumas instituições vão surgindo no contexto nacional e mundial, como os Centros de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos. O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán e a defesa dos direitos sociais das populações afrodescendentes Desde a sua fundação, que seu deu no ano 1996, o CDVDH/CB desenvolve várias ações no município de Açailândia e regiões próximas, por meio de uma articulação de intervenção social intregrada que inclui prevenção das violações dos direitos por meio de repasse da conscientização popular; formação; mobilização e organização social para emancipação e exercício da cidadania das pessoas, famílias e grupos mais vulneráveis. Ao considerarem as intervenções difundidaspor este órgão, Santos; Silva e Nascimento (2015) relatam que 3089

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A atuação do CDVDH/CB não se limita ao atendimento e encaminhamento dos casos que chegam ao seu conhecimento através de denúncias de violações de Direitos Humanos, entre as suas intervenções, estão as denúncias que envolvem o trabalho escravo. O Centro realiza um trabalho de articulação e mobilização social, visando intervir no cotidiano dos sujeitos, sobretu-do, aqueles que encontram-se em situações de vulnerabilidade social. Busca fortalecer a política relacionada aos movimentos sociais, atuando na defesa de Direitos dos cidadãos. (SANTOS; SILVA; NASCIMENTO, 2015, p. 77). No conjunto destas intervenções, destacam-se as ações de caráter socioeducativo que constituem em um aspecto notório que além de buscar reparar os danos sofridos pelas populações marginalizadas, também se ocupa em resgatar a auto- estima destes sujeitos e prioriza a reinserção social como caminho necessário à dignidade humana. No bojo das ações desenvolvidas pelo CDVDH-CB, destaca-se principalmente, o combate ao trabalho escravo. Segundo a organização, do total de trabalhadores escravizados no Brasil, cerca de 20% são do Maranhão. De acordo com o Ministério do Trabalho e emprego, de 1995 a 2013 foram resgatados mais de 43 mil trabalhadores em todo país, sendo que no Maranhão responde por 7,1%. Trinta e três propriedades foram incluídas numa lista de trabalho escravo. Em relação ao tráfico de mulheres, foram identificadas 45 rotas no Maranhão. Dito isso, o CDVDH/CB também faz pressão política e social para o combate ao trabalho escravo e outras formas de violação de direitos. No tocante à cultura, como forma de valorização das culturas africanas e afro- brasileira temos as ações desenvolvidas pelo CDVDH/CB (Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos/Carmem Bascarán), que tem como objetivo valorizar a vida e fazer valer os direitos dos ciadadõs endependentimente de sua classe social ou da cor de sua pele. As ações socioeducativas desenvolvidas pelo CDVDH/CB e a valorização da cultura afro-brasileira no estado do Maranhão O CDVDH/CB, dentre outras atribuições, investiga as violações dos direitos humanos no Maranhão; receber e encaminhar às autoridades competentes as denúncias recebidas; e estudar e propor soluções para os problemas referentes à defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana e da cidadania, tais como: Igualdade Étnico-racial, Mobilidade Urbana, Moradia e Habitação, Conflitos Agrários, População 3090

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI LGBT, Prevenção da Tortura, Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas, Defesa da Mulher, dentre outras. Desde sua fundação, em 1996, na cidade de Açailândia o CDVDH/CB, tem buscado contribuir com o combate ao tráfico humano e o trabalho escravo no Maranhão, como também possibilitar uma vida digna para os mesmos, em dois municípios, Açailândia e Santa Luzia, abrangendo os assentamentos da região, aumentar a participação e organização social de comunidades vulneráveis e principalmente promover ações que garantem cidadania. Para isso, conta com ajuda de profissionais como assistentes sociais e advogados para promover ações de capacitação profissional. E por reconhecer que não consegue sozinha, estabelece parcerias como: a Comissão Pastoral da Terra; Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo; conselhos municipais e estaduais, entre eles o Conselho Estadual de Direitos Humanos. Dentre as ações desenvolvidas pelo CDVDH/CB, as mais recorrentes são: • Preparação de materiais pedagógicos e de divulgação sobre o tráfico humano e trabalho escravo; • Visitas institucionais em escolas, igrejas, associações, grupos minoritários, organizações e sindicatos; • Encontros de formação sobre o tráfico humano dirigidos a líderes comunitários; • Encontro com as comunidades alvo; • Realização de reuniões de planejamento para as ações de multiplicação de informações; • Jornadas de mobilização. Contribuições do Centro de Vida e Defesa dos Direitos Humanos para a educação no Maranhão É a partir do diálogo democrático que será possível uma compreensão mais polida da cultura afro-brasileira, sendo a escola um ambiente propício para discussões acerca do protagonismo negro na sociedade. Essa discussão precisa envolver a comunidade, trazendo para dentro do ambiente escolar as diversas manifestações culturais presentes na comunidade. 3091

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A discussão sobre a inserção do Ensino da História e Cultura Africana e Afro- Brasileira nas instituições educacionais é complexa, ocorre com tensões e está relacionada aos processos sociais, políticos, econômicos e culturais e das especificidades e complexidade das relações étnico-raciais no Brasil, marcadas pelo mito da democracia racial e pela ideologia de branqueamento. Ademais, é marcada pela resistência daqueles(as) que consideram que o referencial eurocêntrico é o único válido, como se, naturalmente, fosse a indicação do que 9 é importante para ser ensinado e não o resultado de uma construção histórica, permeada de relações de poder, hierarquias e privilégios, (GOMES, 2009, p. 42). A fim de articular os conhecimentos teóricos estudados na disciplina de relações étnico-raciais e direitos humanos, nos propusemos investigar as questões que envolvem os direitos sociais das populações negras atendidas pelo CDVDH/CB. A seguir, expomos os principais resultados que foram obtidos por meio da pesquisa empírica realizada junto a este órgão. Vale ressaltar que essa pesquisa está associada ao primeiro seminário de relações étnico-racial e direitos humanos ocorridos em tanto onde foram direcionados vários questionamentos, envolvendo os direitos sociais, em particular, os direitos negados às populações negras resi-dentes na cidade de Açailândia e atendidas pela referida instituição. Importa ressaltar que a presente pesquisa está fundamentada na abordagem de natureza qualitativa. Nesse contexto, convém ressaltar as contribuições de Antonio Chizzotti (2003) sobre a importância da pesquisa qualitativa: O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível, e após este tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência científicas, os significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa (CHIZZOTTI, 2003, p. 221). Os resultados obtidos a partir dessa pesquisa empírica foram sistematizados, em dois blocos distintos. De início destacamos o primeiro bloco de questionamentos direcionados aos/às representantes do centro de defesa da vida e dos direitos humanos. Neste contexto, privilegiamos reconhecer as bases de sua fundação, bem como as suas finalidades e os profissio-nais que estão inseridos nesta importante instituição de Direitos Humanos. • Quando foi fundado o CDVDH/CB e quais são as suas finalidades? • Discorra sobre as principais ações que são desenvolvidas pelo CDVDH/CB; 3092

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI • Que profissionais estão inseridos no desenvolvimento dessas ações e quais são as suas atribuições? Criado em 1996. Acolhe e protege trabalhadores explorados que fogem de fazendas e conseguem chegar a sua sede em Açailândia, MA. 2- Tem como finalidade informar os trabalhadores sobre os seus direitos e os apoia por meio da sua assessoria jurídica, nas ações de reparação de dano moral movidas por ele. Assistente social, advogados, voluntários, dentre outros. Suas atribuições são: Informar sobre os direitos dos trabalhadores, amparar, proteger e dar apoia apoio por meio de sua assessoria jurídica. Adquirir conhecimentos e ter a conscientização de que somos todos iguais independentes de cor, raça ou classe social. (Entrevista realizada em 12/12/2019). Em virtude das discussões realizadas e dos dados obtidos por meio das entrevistas realizadas com representantes do CDVDH/CB, entende-se que as suas contribuições têm sido essenciais para o desenvolvimento socioeducativo dos cidadãos, pois através da conscientização e propagação da importância da valorização cultura africana, pode-se conhecer verdadeiramente os fundamentos da sociedade brasileira, possibilitando direitos de igualdade para todos sem distinção de etnia, classe ou cor de pele. Esta preocupação se faz presente no desenvolvimento das ações que o CDVDH/CB tem realizado, possibilitando a inserção de crianças e jovens em projetos socioeducativos, como é o caso da capoeira e outras expressões artísticas e ainda através da valorização direta da cultura afro-brasileira e africana. Sabe-se que estas ações podem ser potencializadas, a partir das contribuições que devem ser prestadas pelos órgãos governamentais. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das ideias abordadas e discutidas neste artigo, é reconhecida a necessidade de ampliação da temática que envolve as populações africana e afro- brasileiras no contexto escolar. Sabe que esta temática se torna relevante para discussão e aprendizado, visto que o estudo da cultura africana e afro-brasileira, certamente, tornar-se-á imprescindível na formação social e cultural dos sujeitos. Para tanto, houve a necessidade da criação da lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira na educação. 3093

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Desse modo, o estudo da história e cultura africana e afro-brasileira precisam fazer parte do currículo de nossas escolas brasileiras, não apenas na intenção de trasmitir mais um conteúdo, mas permitir que o aluno perceba e valorize a construção de sua identidade nacional a partir da história de resistência da comunidade africana, bem como de sua participação efetiva na formação cultural, econômica e social no Brasil. As abordagens acerca da cultura africana e afro-brasileira são mais eficazes à medida que toda a sociedade se envolve nesse processo. Partindo desse pressuposto, percebe-se que quando a escola traz para dentro do contexto escolar as temáticas sobre o racismo e envolve ONGs e órgãos públicos que atuam ativamente na sociedade em prol do combate a qualquer tipo de preconceito, visando a democracia, o indivíduo em formação começa a olhar com outros olhos para essa realidade. Estes fatos são notórios e evidenciam a relevância das ações desen-volvidas pelo CDVDH-CB e CCN, pois além de fortalecer esta discussão, as ações difundidas por estas instituições favorecem à valorização e a constituição de uma cultura de respeito às diferenças, sobretudo, das culturas que foram secularmente marginalizadas em nosso país. Portanto, faz-se necessário o engajamento dos alunos nas atividades que tratam dessa temática, isto é, nas atividades concernentes às relações étnico-raciais, a fim de que o racismo seja descortinado, e o sujeito aprenda a conviver com o diferente. Além disso, no tocante ao ensino da história e cultura africana, o educando é levado a compreender melhor a riqueza cultural trazida pelos africanos e continuada no Brasil. REFERÊNCIAS BORRALHO, Henrique. A Atenas Equinocial: a fundação de um Maranhão no Império brasileiro. 2009. Tese (Doutorado em História). PPGH-UFF. BRASIL. Base Bacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEF, 2018. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/28001127/artigo-26a-da-lei-n-9394-de-20-de- dezembro-de-1996?ref=serp-featured. Acesso em: 21 dez. 2019. BRASIL. Secretaria de Educação. Governo participa de Seminário ‘Conhecendo a História Africana e Afro-brasileira’ promovido pelo Ministério Público. Disponível em: http://www.educacao.ma.gov.br/governo-participa-de-seminario-conhecendo-a- 3094

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI historia-africana-e-afro-brasileira-promovido-pelo-ministerio-publico/. Acesso em: 22 nov. 2019. BRASIL. Ministério Público. Inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena é tema de reunião. Disponível em: https://mpma.mp.br/index.php/menu- caop-dh-noticias2/13077-inclusao-do-ensino-de-historia-e-cultura-afro-brasileira-e- indigena-e-tema-de-reuniao. Acesso em: 22 nov. 2019. CENTRO de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán – CDVDH/CB. Disponível em: https://www.fundobrasil.org.br/projeto/centro-de-defesa-da-vida-e- dos-direitos-humanos-carmen-bascaran-cdvdhcb-maranhao/. Acesso em: 22 nov. 2019. CENTRO de cultura negra do Maranhão: política e cultural negra. Disponível em: http://www.afreaka.com.br/notas/centro-de-cultura-negra-maranhao-politica-e- cultura-negra/. Acesso em: 22 nov. 2019. CHIZZOTTI, Antonio. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais: evolução e desafios. Revista Portuguesa de Educação, Braga, vol. 16, n. 002, p. 221-236, 2003. GUIMARÃES, Antonio Sérgio. Raça e os Estudos de relações raciais no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 54, p. 147-156, 1999. ARAÚJO, Iramir, Balaiada- A Guerra do Maranhão. Editora Independente. Ed. Especial, 2009. MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira. Niterói: UFF, 2000. SANTOS, Brígida Rocha dos; SILVA, Fabrícia Carvalho da; NASCIMENTO, Nádia Socorro Fialho. Centro de Referência em Direitos Humanos de Açailândia: enfrentamento do trabalho escravo na Amazônia maranhense. In: SILVA, Fabrícia Carvalho da; ZAPAROLI, Witemberg Gomes. (Orgs). Trabalho escravo contemporâneo: reflexões e militancia do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos – Carmem Bascarán. Imperatriz: Ethos, 2015. SILVA, L. H. O.; MELO, M. A. Em torno de O cego Entrelinho: contribuições da semiótica para as reflexões entre literatura e história. Fênix, Revista de História e Estudos Culturais, v. 12, ano 12, n. 1, p.1 – 18, 2015. SILVA, Petronilha. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil. Educação, Porto Alegre, n. 3, 63. P. 490. 2007 3095

EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DITADURAS MILITARES NA AMÉRICA LATINA E SEUS JULGADOS NA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS: COMPARATIVO ENTRE CASOS DA ARGENTINA, BRASIL E CHILE Larissa Cristine de Oliveira1 RESUMO Nas décadas entre 1960 e 1980 a América Latina viveu as ditaduras da Argentina, Brasil e Chile. Estes países foram marcados por momentos de supressão dos direitos humanos universais. Isso incentivado por uma política que apenas o “cidadão de bem” tem direitos, isto é, aqueles que obedeciam às normas autocráticas. Compartilhando assim o viés ideológico de seus líderes. Apesar dessas semelhanças quanto a ideologia, existem também diferenças como em relação ao nível de perseguição aos opositores, aceitação da sociedade e encerramento do regime. Com base nas semelhanças e distinções das ditaduras citadas, este artigo tem objetivo analisar os julgados referentes ao período em questão dos respectivos países em relação a Corte Interamericana de Direitos Humanos. A pesquisa deverá ser realizada com base na jurisprudência da corte, encontrada no site do órgão e também em pesquisa bibliográfica e após análise dos dados relacioná-los com a justiça transicional aplicada a cada caso. Palavras-Chaves: Justiça de Transição. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Argentina, Brasil e Chile. ABSTRACT In the decades between 1960 and 1980, Latin America experienced the dictatorships in Argentina, Brazil and Chile. These countries were marked by moments of suppression of the universal human rights. This was encouraged by a policy that only the “good citizen” should have rights, that is, those who obeyed autocratic rules, sharing the ideological bias of their leaders. Despite these similarities in ideology, there are also differences, such as the level of persecution of opponents, acceptance of society and the closure of the regime. Based on the similarities and distinctions of the aforementioned dictatorships, this article aims to analyze the judgments referring to the period in question in the respective countries in relation to the Inter-American Court of Human Rights. The research should be carried 1 Graduanda do 6º período em Direito, pelo Centro Universitário Asces-Unita. Membro do grupo de pesquisa “O sistema interamericano de proteção aos direitos humanos e o processo de justiça de transição no Brasil, Argentina e Chile” orientada pelo Prof. Msc. Emerson de Assis. [email protected]. 3096

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI out based on the jurisprudence of the court, found on the website of the organ, also in bibliographic research and after analyzing the data, relate them to the transitional justice applied to each case. Keywords: Transitional Justice. Inter-American Court of Human Rights. Argentina, Brazil and Chile. INTRODUÇÃO Em períodos de regimes autoritários é de conhecimento público que várias são violações aos direitos humanos, o quê com a retomada da democracia causa dificuldades jurídicas. É então que se inicia a Justiça de Transição, sendo este momento de transição importante para a retomada do equilíbrio social e variável de país para país, de acordo com como se deu o fim do regime ditatorial. Sendo responsabilidade do novo Estado Democrático aplicá-la e definir seus rumos. Na América Latina, ao longo dos anos, vários são os exemplos de governos autoritários sendo estes de viés ideológico de esquerda ou de direita. As décadas de 1960 a 1980 ficaram marcada por regimes de recessão na Argentina, Brasil e Chile. Essas ditaduras, tem como características semelhantes não só o viés ideológico como também as técnicas de demonização da oposição, e o carácter nacionalista salvador. Nesse sentido o presente trabalho visa comparar julgados referentes aos períodos de recessão na Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH, observando o andamento da Justiça de Transição em cada um desses países, levando-se em conta o eixo da justiça. Sendo em um primeiro momento definido o conceito de justiça de transição e suas dimensões, especificamente a justiça. Em seguida traçar um apanhado histórico de como se deu os regimes ditatoriais da Argentina, Brasil e Chile, bem como os processos de redemocratização. E por fim analisar os julgados referentes aos regimes dos mesmos países na CIDH. Para tanto será utilizado pesquisa bibliográfica em artigos e livros nacionais e internacionais de autores da área de direitos humanos, assim como pesquisa dos julgados no arquivo da CIDH e das Comissões da Verdade dos respectivos países. 3097

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: BREVE HISTÓRICO E CONCEITOS BÁSICOS Na história da humanidade sempre existiram conflitos pelo poder, desde os povos da Antiguidade que lutavam pelo domínio de regiões e assim dizimavam sociedades inteiras, até os dias atuais quando grupos políticos distintos desejam ocupar o mesmo espaço de poder. Em nome de ideologias, o mundo já viu guerras entre nações, como as duas guerras mundiais, governantes depostos e guerras civis. Trocas de comando bruscas, em que para se implantar o novo regime constantemente se passa por cima de direitos inerentes de todo a todo ser humano. Associada essas mudanças de políticas, onde existem incertezas jurídicas e instabilidade social que se encontra a Justiça de Transição, que como afirmado por Ruti Teitel (2011) pode ser definida como “[...] a concepção de justiça associada a períodos de mudança política.” (TEITEL, 2011 p.135) Quinalha (2013) ainda nos apresenta então uma análise do significado dos vocábulos do termo: Ainda que essa expressão decorra da união de duas palavras que, isoladamente, carregam múltiplos significados, “justiça” e Transição, a expressão em seu conjunto não é difícil de ser entendida. A primeira palavra refere-se, genericamente, aos objetivos visados nesse tipo de experiência, remetendo a um ideal do que seja justo; a segunda, por sua vez, diz respeito ao contexto histórico particularmente considerado, nomeadamente, a um recorte temporal de excepcionalidade política, como discutido no capítulo anterior. (QUINALHA, 2013, pp.134-135). Dessa forma fica claro o sentido da justiça de transição de operar em períodos de rupturas políticas, endo seu objetivo “[...] de enfrentar crimes cometidos por regimes opressores do passado” (TEITEL, 2011 p.135). Apesar da história humana, a Justiça de transição como campo de estudo passou a ser vista a partir do Tribunal de Nuremberg pós as duas guerras mundiais. Existindo então três fases como explicado por Teitel (2011). A primeira fase, segundo a autora, tem como característica definir o que seria uma punição justificável e imposta pela comunidade internacional. Nesse contexto pode-se identificar dois momentos. Após a Primeira Guerra Mundial, onde sanções foram impostas pela comunidade internacional aos países derrotados, essas sanções coletivas serviram como combustível para o ressentimento nacional que levou a outra guerra. E após a Segunda Guerra Mundial com os julgamentos dos indivíduos 3098

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI responsáveis por crimes lesa humanidade, utilizando-se do direito penal internacional (TEITEL, 2011). Após a Segunda Guerra surgiu então o conflito pelo poder militar entre EUA e União Soviética, ambos com ideologias de governo opostas, um capitalista, outro comunista, e que foram fundamentais para a derrota da Alemanha e seus aliados. Sendo assim o mundo todo se dividiu entre apoiadores dos EUA, ou da União Soviética, não sendo diferente com a América Latina. Na América Latina uma série de governos militares tomaram os governos, com o apoio dos EUA. Ao término da Guerra Fria, esses governos saíram de cena, observando-se uma nova fase da Justiça de Transição. Uma fase que buscava a paz social, e para isso aceitou-se Anistias, (CASTRO, 2014) Por fim, o mundo se encontra em tempos mais pacíficos, existindo conflitos mais isolados decorrentes da fragmentação política de alguns Estados. Porém, sem existir a divisão entre capitalista e comunismo como visto anteriormente e isso também acaba por refletir na Justiça de Transição. Sendo a principal característica do período atual a normatização da Justiça de Transição e a volta da punição de forma justa e individual dos indivíduos responsáveis por violações dos direitos humanos em regimes opressores, aproximando-se do que se viu na primeira fase. (TEITEL, 2011) Para Castro o que define o atual momento é a sistematização da Justiça de Transição em 4 eixos: No atual paradigma transicional ocorre a sistematização das políticas em quatro principais focos de estruturação: a busca pela verdade e a recuperação da memória, a reparação das vítimas do regime autoritário, a reforma das instituições envolvidas durante o conflito e a responsabilização dos agentes estatais que atuaram na repressão promovida durante o estado de exceção. (CASTRO, 2014, p.200). Quinalha (2013) também entende a existência de eixos na Justiça de Transição, porém vai defender a existência de 5 deles, separando verdade e memória em eixos distintos. Sendo o primeiro deles, para o autor, o direito a reparação “Essa tarefa concretiza-se, normalmente, mediante a oferta de reparações pecuniárias e simbólicas para os perseguidos políticos ou para as famílias dos mortos e desaparecidos.” (QUINALHA, 2013, p.144) Em seguida viria o direito a memória, sendo esse um eixo fundamental para a construção de uma memória coletiva lembrando a sociedade não só dos acontecimentos autoritários, mas também a importância de se resistir as violações dos 3099

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI direitos humanos. Para o autor esse eixo se dá através de “[...]políticas públicas e outras iniciativas que orientam tanto para homenagear os que foram perseguidos quanto para esclarecer o funcionamento da repressão, dando ampla repercussão social a essas informações.” (QUINALHA, 2013, p.144) Em terceiro lugar seria o direito a verdade, no qual se faz necessário então a abertura e divulgação dos arquivos do período, para tanto, um importante mecanismo são as Comissões da Verdade, que buscam investigar os fatos e produzir relatórios referentes ao período ditatorial, criando assim através de seus relatórios uma lembrança autorizada dos acontecimentos (SALMÓN, 2011). A respeito delas Elizabeth Salmón afirma: [...] as comissões da verdade são órgãos de investigação criados para ajudar as sociedades que padeceram de graves situações de violência política ou de conflitos internos a enfrentarem criticamente seu passado, a fim de superar as profundas crises e traumas gerados pela violência e evitar que tais fatos se repitam no futuro. (SALMÓN, 2011, p.248). Junto aos eixos anteriores estaria o direito à Justiça, que “[...] consiste na investigação dos fatos e na responsabilização jurídica (civil, penal e/ou administrativa) dos agentes violadores dos direitos humanos.” (QUINALHA, 2013, p.146) Esse eixo que teria como objetivo uma resposta aos atos cometidos pelos agentes violadores, e servindo como um desincentivo a queres que quiserem cometer tais delitos no futuro (QUINALHA, 2013). No entanto, apesar de sua importância é um dos elementos que mais encontra obstáculos para sua efetiva prática, principalmente as leis de anistia, o que foi muito visto principalmente na política restaurativa da segunda fase da Justiça de Transição como explica Elizabeth Salmón: Nesta etapa posterior ao conflito em si, a obrigação de cumprir as normas sancionadoras de DIH poderia ser vista como um obstáculo ao processo transicional, na medida em que os grupos que ainda retêm cotas de poder veem na aplicação destas normas uma razão para não ceder ao processo reconciliatório. Como resposta a isto, vários Estados latino-americanos promulgaram as denominadas leis de autoanistia que se constituíram em sinônimo de impunidade, ou as próprias comissões da verdade que, se chegaram a alcançar o objetivo de elucidar os fatos, nem sempre asseguraram a consecução da justiça e da reconciliação. (SALMÓN, 2011, p.232). Por fim tem-se a reforma das instituições envolvidas, a fim de não se repetir os eventos ocorridos. Segundo Quinalha essa limpeza pode se dar através de “[...] reformas 3100

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI institucionais e nas legislações, pode-se mencionar o afastamento dos criminosos do regime anterior de órgãos relacionados ao exercício da lei e de posições de autoridade.” (QUINALHA, 2013, p.149) Isso se faz necessário porque durante o período autoritário, o próprio Estado de torna instrumento de perseguição aquele discordante, sendo assim as instituições e seus agentes instrumentos para um fim. 3 PROCESSOS HISTÓRICOS DOS REGIMES TOTALITARIOS NO BRASIL, CHILE E ARGENTINA O período da Guerra Fria, pós Segunda Guerra Mundial colocou todo o mundo em expectativa. Duas grandes potências bélicas brigavam entre si para saber quem sairia “ganhadora” da guerra. Isso refletiu-se também nos países da América do Sul, onde influenciados pelos Estados Unidos surgiu uma onda ditaduras cívico-militares, que buscavam derrotar o comunismo/socialismo. Dentre estas ditaduras pode-se citar Brasil, Chile e Argentina. (CASTRO, 2014) Como observado por Castro: Como se sabe, os reflexos da guerra fria na América Latina puderam ser sentidos com a intervenção de ditaduras civil-militares que, apoiadas pelos Estados Unidos, anunciavam a luta contra o comunismo. A derrota do projeto soviético na década de 1980, seguida pela posterior onda de liberalização dos regimes militares do Cone Sul, da América Central e do Leste Europeu. (CASTRO, 2014, p.198). Os regimes militares citados possuem condições similares, segundo Anthony W. Pereira em seu livro “Ditadura e Repressão”, eles são comparáveis, pois além do militarismo, os três também se baseavam na oposição aos movimentos de esquerda populista, assim como possuem proximidades de datas e de geolocalização. Porém, como o autor observa estes não são totalmente similares: o Brasil teve uma tomada de poder preventiva, para evitar que os movimentos de esquerda chegassem ao poder; Já o Chile teve um golpe ofensivo, porém com pouca oposição; E a Argentina, por sua vez, também foi ofensivo, porém como bem mais oposição o que se refletiu no caráter mais sangrento do regime. Essas diferenças se refletem assim na intensidade de cada ditadura. (PEREIRA, 2010) No Brasil a ditadura tem seu dia decisório em 31 de março de 1964, porém as circunstâncias sociais que levaram até esse momento iniciaram-se muito antes. Dentre elas 3 se destacam: A crise econômica, o crescimento dos movimentos sociais, nas 3101

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI cidades e sua expansão para áreas rurais, junto a isso a já citada influência externa devido a polarização social. Esses três fatores junto ao posicionamento mais social do então presidente João Goulart, foram vistos como ameaça por parte da população. (BRASIL, 2014) Tal como citado no relatório da Comissão da Nacional da Verdade brasileira. Em 1964, em meio às tensões sociais e à pressão externa, precipitaram-se os acontecimentos. O ponto culminante, e que veio a transformar-se em um marco simbólico da derrocada do regime, foi o comício de 13 de março na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro: uma manifestação a favor das “reformas de base” em que o presidente João Goulart discursou para 150 mil pessoas, anunciando reformas como a encampação de refinarias privadas de petróleo e a desapropriação de terras por interesse social ao longo de rodovias, ferrovias e açudes, em áreas superiores a 500ha numa extensão de 10km. (BRASIL, 2014, p.97). Após esse discurso uma série de fatos, que culminariam com o golpe de 1964, ocorreram como: a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, Revolta dos Marinheiros e o discurso do Presidente para mais de 3 mil militares defendendo as revoltas. Em 31 de março, o exército força João Goulart a desistir de seu cargo. O exército então se fortalece com um discurso anti-comunista, e com o apoio de parte da população que era contrária as reformas propostas por João Goulart. O parlamento então fragilizado se reúne e elege o Marechal Humberto Castelo Branco como novo presidente do Brasil, iniciando assim o período de presidentes militares que duraria por 21 anos. (BRASIL, 2014) Desde o início do regime já se notou o seu cunho repressor, ficando claro com a publicação em 10 de abril de 1964 de uma lista do cassados, que já estavam sob observação do novo regime, sendo 102 nomes integrantes da lista, dentre eles personalidades, diplomatas e políticos. A prática reiterada de autoritarismo, privação de direitos fundamentais, perseguições a pensamentos destoantes e coação física e moral por parte do Estado brasileiro se deu então desde o início desse governo em 1964 até o seu término em 1985. (BRASIL, 2014) Como ficou concluído pela Comissão Nacional da Verdade: Na ditadura militar, a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares. Operacionalizada através de cadeias de comando que, partindo dessas instâncias dirigentes, alcançaram os órgãos responsáveis pelas instalações e pelos procedimentos diretamente implicados na atividade repressiva, essa política de Estado mobilizou agentes públicos para a prática sistemática de 3102

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI detenções ilegais e arbitrárias e tortura, que se abateu sobre milhares de brasileiros, e para o cometimento de desaparecimentos forçados, execuções e ocultação de cadáveres. (BRASIL, 2014, p.993). Nove anos após a instauração do regime militar brasileiro, foi a vez do Chile, onde a força bruta utilizada e os níveis de perseguição aos opositores foram consideravelmente mais drásticos do que o que ocorreu no Brasil. Em 1970, Salvador Allende assumiu a presidência da república chilena, sendo o primeiro líder socialista- marxista a assumir a presidência do país. Ele instituiu uma série de reformas a exemplo da agrária, e nacionalização de boa parte da indústria. (GALINDO, 2012) Em 1973, a bancada esquerdista no congresso chileno aumentou após as eleições, isso alarmou os setores mais conservadores do país e junto com uma crise econômica deu forças para setores militares, liderados por Augusto Pinochet tomarem o poder, em 11 de setembro de 1973. A perseguição aos “allendistas” foi tão grande que não havia recintos que coubessem a quantidade de pessoas presas, para isso então o maior estádio de futebol chileno da época foi transformado em campo de concentração, onde diversos presos políticos foram torturados e executados. Cerca de um mês depois a “Caravana da Morte” foi enviada ao norte do país, essas missões militares, torturaram e executaram sumariamente os opositores do regime. (GALINDO, 2012) Pinochet de início dissolveu o congresso e suspendeu as garantias individuais existentes na constituição da época. Em 1980, uma nova Carta Magna foi promulgada, e mesmo essa tendo princípios democráticos, Pinochet continuou no comando do Chile. Ao todo o regime militar chileno durou 17 anos e inúmeras violações aos direitos humanos foram constatadas como descritas no relatório da Comissão Nacional da Verdade Chilena. (GALINDO, 2012) Bem como relatado por Galindo: No Informe da Comissão, constatou-se que entre opositores assassinados e desaparecidos políticos, o regime chileno teve responsabilidade direta em 3.178 deles, afora os 27.855 sobreviventes de torturas por agentes estatais. (NEIRA, 2011, p. 287 APUD GALINDO ). Na apuração posterior da Comissão Nacional sobre Prisão Política e Tortura, já na primeira década do século atua, chegou ao número de 3.197 executados e desaparecidos políticos, bem como a 33.221 pessoas detidas pela repressão política das quais quase 95% confirmaram terem sido vítimas de tortura nos porões do regime. (GALINDO, 2012, p.222). Porém, entre as três ditaduras apreciadas no presente artigo, a mais violenta de todas foi a ditadura argentina. Após um breve período de redemocratização, a 3103

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI instabilidade política e uma crise econômica e social, fizeram em março de 1976 que as Forças Armadas intervissem no governo e depusessem a então presidente Maria Estela Martinez de Peron. Sem revogar a constituição os militares instituíram o Estatuto do PRN (Progresso de Reorganização Nacional) que criava a Junta Militar como órgão supremo do Estado. Assim foi iniciado o Processo de Reorganização Nacional. Ocorrendo uma ampla perseguição contra opositores de forma oficial e também não oficial com o triplo A (Aliança Anticomunista Argentina) uma força para estatal de extrema direita que agia contra opositores. (GALINDO, 2012) Como narrado por Galindo: De fato, os números da ditadura argentina impressionam: e de longe a ditadura latino-americana proporcionalmente mais assassina. Apesar de haver profundo dissenso estatístico, as estimativas mais modestas em relação ao total de assassinados e desaparecidos políticos giram em torno de doze mil, tendo algumas outras chegando a mais de trinta mil cidadãos argentinos provavelmente assassinados, já que na maioria dos casos parece não terem deixado rastro. (GALINDO, 2012, p.211). No entanto, o regime argentino tem uma característica diferenciada em relação aos demais que é a prática de desaparecimentos forçados muito maior do que as praticadas nas demais ditaduras como observado por Quinalha, “Não por outra razão, os desaparecimentos forçados chegarão a ser conhecidos como um método por excelência e tipicamente argentino.” (QUINALHA, 2013, p.292). Sendo esse um método prático e rápido para se livrar de seus inimigos “Assim, não se impunha o desaparecimento nítido da vida, mas da própria morte desses perseguidos político, cujos destinos estavam relegados a uma zona de penumbra e de sombra.” (QUINALHA, 2013, p.294) E é dai que surgem movimentos como Madres de la Plaza de Mayo que eram mães em busca respostas para seus filhos que sumiram. O enfraquecimento econômico e a derrota na Guerra das Malvinas foram fatores decisivos que aumentaram a pressão popular para a saída dos militares do poder. A ditadura militar Argentina durou apenas 7 anos (QUINAHA, 2013). 4 ATUAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS EM CASOS DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO Com mais ou menos duração, todas as três ditaduras anteriormente citadas tiveram seu fim, não sem antes serem assinadas as leis de anistias. Esses perdões 3104

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI concedidos nos casos citados pelos próprios opressores a eles mesmos, impossibilitaram a aplicação e diversos elementos para que ocorresse uma Justiça de Transição efetiva. Principalmente quando se avalia no quesito referente a justiça. Inúmeras garantias constitucionais, assim como Direitos Humanos foram violados sistematicamente pelo Estado e por suas instituições, no entanto ao término do regime as vítimas se viram impossibilitadas de ter justiça em relação aos seus violadores. Nesse contexto Bruno Galindo (2014) observa a importância da Corte Interamericana de Direitos Humanos “[...]responsável pela interpretação da CADH, [Convenção Americana sobre Direitos Humanos] desenvolveu a partir de 2001, jurisprudência em sentido contrário aos impedimentos de se julgarem crimes de lesa humanidade cometidos no âmbito de regimes autoritários”. (GALINDO, 2012, p.215) assim ela se torna imprescindível para garantir a justiça, logo no artigo primeiro de seu estatuto a Corte IDH traz a seguinte a seguinte definição: A Corte Interamericana de Direitos humanos é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Corte exerce suas funções em conformidade com as disposições da citada Convenção e deste Estatuto. (CORTE IDH, 2019). Cabe ressaltar que essa convenção, citada no trecho, foi redigida em novembro de 1969 em San José da Costa Rica, pelos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), e entrou em vigor em 18 de julho de 1978. Ela tem como países membros: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile, Dominica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. (CORTE IDH, 2019) Acerca da aplicação de suas sentenças, seguir o tratado é obrigatório para os países que o ratificaram. Sobre o tema, em seu site a Corte IDH (2019) define que as sentenças são vinculantes, e além disso produzem jurisprudência para amplo debate de temas, além da importância de segui-las para garantir o cumprimento dos Direitos Humanos na América Latina. (CORTE IDH 2019) Analisando-se as demandas contra cada país destes na Corte IDH, encontra-se os seguintes números: Brasil tem nove casos julgados dentre estes dois são referentes ao período autocrático; Chile tem dez casos, dentre estes quatro são referentes ao período 3105

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI da ditadura; Argentina tem dezesseis casos e apenas um referente ao regime militar. Não ocorrendo assim proporcionalidade em relação ao nível de violência empregado nos períodos em questão. (CORTE IDH 2019) No entanto, não se pode deixar de observar que no caso da Argentina, apenas um caso referente ao período foi encontrado, sendo esse o país onde ouve um maior nível de tentativa de punição para os responsáveis pelas violações aos direitos humanos. Ao término da ditadura os militares argentinos ainda tiveram força suficiente para aprovar no congresso duas leis, denominadas “Do ponto final” e “Da obediência devida”, que lhes deram anistia por seus crimes. No entanto, ao longo dos anos vários casos emblemáticos assim como a jurisprudência da Corte IDH fizeram com que a própria Suprema Corte em junho de 2005 declarasse a inconstitucionalidade das duas leis. (SALMÓN, 2011) Sendo assim, o número de casos resolvidos pelo próprio sistema jurídico argentino é considerável como pode ser observado pelas estatísticas do Centro de Estudos Legais e Sociais – CELS “Hasta el 31 de diciembre de 2017, se dictaron 201 sentencias, en las que se condenó a 864 personas por delitos de lesa humanidad y se absolvió a 109.” (CELS, 2019) O que mostra a pouca necessidade do sistema da Corte IDH para solucionar esse tipo de conflito jurídico, nesse país. Em relação ao Chile, tem-se o maior número de casos julgados pela Corte IDH. Isso pode ser relacionado com o fato de mesmo devolvendo o poder aos civis em 1990, Pinochet continuou com muita força no país de início se mantendo como Comandante do Exército até 1998, e após isso assumindo o cargo de senador vitalício até sua morte. Além disso, o Chile é mais um caso em que se pode observar leis de anistias, impedindo julgamentos de crimes de lesa humanidade. (SALMÓN, 2011) Como exposto por Elizabeth Salmón: De fato, este foi o caso do Chile, com a autoanistia promulgada pela ditadura de Pinochet mediante Decreto Nº 2.191, de 19 de abril de 1978, a qual significou benefício tangível para as forças militares e de segurança, estabelecendo a impunidade total da Junta e seus agentes. Esta anistia foi confirmada em 1990 pela Corte Suprema do Chile, que a considerou válida. (SALMÓN, Elizabeth, 2011). Porém com a mudanças da Suprema Corte Chilena em 1998, algumas jurisprudências podem ser observadas em relação a responsabilização pelos desaparecimentos de pessoas, tipificando como sequestro. Ademais, ocorreu a prisão 3106

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de Pinochet em Londres, onde o mesmo só não foi responsabilizado por seus crimes por que morreu em 2006. O que se mostra também com a condenação de dois agentes do Estado pelo desparecimento de Miguel Ángel, entre outros casos que começaram a abrir a jurisprudência do país em relação a crimes cometidos durante a ditadura. (PEREIRA, 2011) O mesmo não ocorre em relação a aplicação do eixo justiça da Justiça de Transição no Brasileira. Como observa Bruno Galindo (2012): Argentinos e chilenos tem tido maior empenho em atender os objetivos da justiça de transição, o que, so muito tardiamente, tem sido feito no Brasil e de forma ainda fragmentada. Todavia, a alvissareira condenação do Estado brasileiro na Corte IDH no Caso Gomes Lund “Guerrilha do Araguaia”, assim como ocorreu no Chile (Caso Almonacid Arellano), deu novo impulso as possibilidades desse processo em nosso país. (GALINDO, 2012, p.230). Por fim temos o Brasil onde a lei 6.683 de 1979, chamada de “Lei da Anistia”, tem impedido a realização de justiça em casos referentes a ditadura. Assim apenas dois julgados referentes a esse período são encontrados na Corte IDH, dentre eles, o da “Guerrilha do Araguaia”, não só condena o Estado Brasileiro como também declara a invalidade da lei da Anistia e pede a revisão da mesma pelo STF. (SALMÓN, 2011) 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Justiça de transição é importante para encerrar de fato ciclos de violações aos Direitos Humanos. Dessa forma é extremamente importante a aplicação efetiva de cada um dos eixos anteriormente especificados. Dentre eles o eixo da justiça é o que mostra para as consequências para quem viola prática crimes contra a humanidade, além de reparar moralmente a vítimas desses atos. Na América Latina, dentre os vários casos de autoritarismo três foram analisados no presente artigo: Brasil, Chile e Argentina. Isso por terem características similares, como o carácter militarista, a demonização do inimigo e a ideologia nacionalista das mesmas. Apesar das semelhanças a forma de aplicação da Justiça de Transição em cada um desses países são distintos. Podemos encontrar uma justiça mais efetiva na Argentina, sendo ela realizada no próprio país. Já no Chile, a jurisprudência começou a mudar mais recentemente após a morte de Pinochet, e atualmente pode-se encontrar julgados nacionais e da Corte IDH. Já o Brasil não possui jurisprudência interna, em relação a sentenças penais. Ao serem 3107

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI analisados os casos da Corte IDH nos três países, não foi possível encontrar um padrão de julgados. Apesar disso a jurisprudência da Corte e suas decisões são extremamente relevantes para mudanças referentes aos julgados no território de cada país. REFERÊNCIAS BRASIL. Comissão Nacional da Verdade (CNV). Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014, v. 1. Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/index.php/outrosdestaques/574-conheca-e-acesse-o- relatorio-final-da-cnv>. Acesso em: 15 ago. 2018. CASTRO, Ricardo Silveira. A dimensão da \"justiça\" na Justiça de Transição: uma aproximação com o caso brasileiro. In: MEYER, Emílio P. N.; OLIVEIRA, Marcelo A. C. (org.). Justiça de transição nos 25 anos da Constituição de 1988. Belo Horizonte: Initia Via, 2014, pp. 191-231. CORTE IDH. ABC de la Corte Interamericana de Derechos Humanos: El qué, como, cúando, dónde, y porqué de la Corte Interamericana. San Jose C.R: Corte IDH, 2019. Disponível em: < http://www.corteidh.or.cr/tablas/abccorte/abc/3/index.html#zoom=z>. Acesso em: 01 mai. 2019. GALINDO, Bruno. Justiça de transição na América do Sul: Possíveis lições da Argentina e do Chile ao processo constitucional de transição no Brasil. In: FEITOSA, Enoque... [et al.] (org.). O judiciário e o discurso dos direitos humanos: volume 2. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012, pp. 197-240. PAMELA, Pereira. Os caminhos da judicialização: uma observação sobre o caso chileno. In: REÁTEGUI, Félix (org.). Justiça de Transição: manual para a América Latina. Nova York: Centro Internacional para Justiça de Transição, 2011, pp. 291-305. QUINALHA, Renan Honório. Entre o luto e a melancolia: Modos de elaboração diante do desaparecimento forçado na Argentina. In: FILHO, José C. M. S.; ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo D. (org.). Justiça de Transição nas américas olhares interdisciplinares, fundamentos e padrões de efetivação. Belo Horizonte: Fórum, 2013, pp. 286-312. SALMÓN, Elizabeth. Algumas reflexões sobre o Direito Internacional Humanitário e a justiça transicional: lições da experiência latino-americana. In: REÁTEGUI, Félix (org.). Justiça de Transição: manual para a América Latina. Nova York: Centro Internacional para Justiça de Transição, 2011, pp. 227-262. 3108

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI TEITEL, Ruti G. Genealogia da Justiça Transicional. In: REÁTEGUI, Félix (org.). Justiça de Transição: manual para a América Latina. Nova York: Centro Internacional para Justiça de Transição, 2011, pp. 135-170. 3109

EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS A CONTRIBUIÇÃO DAS INVESTIGAÇÕES NA PERSPECTIVA DE GÊNERO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS: caminhos para garantir a dignidade da pessoa humana Ana Rebeca Oliveira Cirilo1 Cirlene Aparecida Hilário Da Silva Oliveira2 RESUMO A violência de gênero é resultante de uma desigualdade estrutural e histórica entre homens e mulheres. Nas últimas décadas foram elaboradas diversas medidas para elidir essas agressões. Para conduzir a fase investigatória dessas mortes foram elaboradas orientações de âmbito internacional, adaptadas pelo Brasil logo em seguida. O objetivo desse trabalho é promover a discussão teórica sobre a utilização dos dados obtidos na metodologia investigatória nos casos de feminicídio para inserção de políticas públicas que tenham como finalidade romper com o ciclo da violência e garantir a dignidade da pessoa humana. Para o estudo da temática foi desenvolvida pesquisa bibliográfica e documental, com revisão das legislações nacionais e internacionais. A análise realizada demonstrou a insuficiência da tipificação isolada quanto à violência de gênero, concluindo-se a importância da aplicação de uma metodologia investigatória que garanta um enquadramento penal satisfatório, utilizando esses dados na criação de políticas públicas capazes de erradicar essa violência. Palavras-Chaves: Violência de Gênero. Feminicídio. Políticas Públicas. ABSTRACT Gender-based violence results from structural and historical inequality between men and women. In recent decades, several measures have been devised to prevent these aggressions. In order to conduct the investigative phase of these deaths, guidelines of international scope were developed, adapted by Brazil shortly thereafter. The objective of this work is to promote the theoretical discussion on the use of the data obtained in the investigative methodology in cases of femicide to 1 Aluna do programa de pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a nível de mestrado, e-mail: [email protected]; 2 Docente Visitante do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPI, Docente do Programa de Pós- Graduação em Serviço Social da UNESP, Doutora em Serviço Social pela UNESP, Pós-Doutora em Serviço Social pela UERJ. 3110

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI insert public policies that aim to break the cycle of violence and guarantee the dignity of the human person. For the study of the theme, bibliographical and documentary research was developed, with review of national and international legislation. The analysis carried out demonstrated the insufficiency of isolated typification regarding gender violence, concluding the importance of applying an investigative methodology that guarantees a satisfactory penal framework, using these data in the creation of public policies capable of eradicating this violence. Keywords: Gender Violence. Femicide. Public policy. INTRODUÇÃO A morte de mulheres por razões de gênero é um problema social decorrente de uma desigualdade estrutural histórica. Às mortes ocorridas nesse contexto dá-se o nome de feminicídio. O contexto em que essas mortes ocorrem são os mais diversos e estas podem acontecer tanto no âmbito público, onde não há relação interpessoal entre vítima e agressor, como no privado, em que existe um vínculo entre o agressor e vítima. Mesmo com a existência de previsões internacionais e nacionais que se propõem a formular orientações de caráter geral para investigar as mortes violentas de mulheres e, ainda, previsão de uma metodologia estadual para ser utilizada nesses casos, alguns órgãos que integram a Segurança Pública ainda desconhecem esse compilado normativo, investigando feminicídios em potencial à revelia dessas orientações e metodologia. Partindo dessas considerações, o presente trabalho tem como objetivo promover a discussão teórica sobre a utilização dos dados obtidos na metodologia investigatória nos casos de feminicídio para inserção de políticas públicas a fim de romper com o ciclo da violência e garantir a dignidade da pessoa humana. Para a realização adequada deste trabalho utilizou-se a pesquisa bibliográfica, essencial para fornecer o embasamento teórico necessário. Recorreu-se, portanto, a banco de teses, artigos científicos, legislação nacional e internacional, para situar e compreender os objetivos específicos propostos na presente pesquisa. 3111

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 CATEGORIAS DE ANÁLISES PARA TIPIFICAÇÃO PENAL DA VIOLÊNCIA LETAL DE MULHER Atualmente, a violência baseada no gênero é reconhecida como um fenômeno social perversamente democrático e que permeia a sociedade desconhecendo as barreiras de classe com seus limites econômicos e culturais. As mortes violentas de mulheres por razões de gênero ocorrem tanto no âmbito privado como no âmbito público, em diversas circunstâncias e cenários, que podem variar, inclusive, dentro de um mesmo país (CHIAROTTI, 2011). Para compreender o surgimento desse conceito e sua proteção normativa é preciso lembrar que o tema direito das mulheres passou a integrar a pauta dos direitos humanos de maneira mais presente na década de 1980, em virtude da atuação de movimentos de mulheres e feministas. A partir disso, na década seguinte, países latino- americanos passaram a tipificar violência contra a mulher, principalmente doméstica e familiar e, nos anos 2000 passou-se a reconhecer femicídio/feminicídio como delito específico (CAMPOS, 2015, p.105). A Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher, ocorrida na Cidade do México, em 1975, foi marco importante para avanços nos Direitos Humanos das Mulheres. A partir disso, foram firmados compromissos e obrigações entre a organização das Nações Unidas (ONU) e os Estados-Membros para efetivação de direitos das mulheres, entre eles a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), que trazem uma definição minuciosa sobre o que constitui violência contra a mulher, incluindo aquela “perpetrada ou tolerada pelo Estado ou por seus agentes, onde quer que ocorra” (ONU Mulheres, 2016, p.48). Embora não haja uma definição consensual no meio acadêmico, nem em ações políticas e órgãos nacionais, o conceito femicídio foi cunhado por Diana Russel, na década de 1970, para definir o “assassinato de mulheres nas mãos de homens, por serem mulheres” (PONCE, 2011, p.108). Posteriormente, a autora, juntamente com Jane Caputi, apresentou uma definição mais explícita deste conceito: “O assassinato de mulheres realizado por homens motivado por ódio, desprezo, prazer ou um sentido de propriedade das mulheres” (CAPUTI, 2011, p. 112). 3112

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A expressão foi utilizada em oposição ao termo homicídio que, por ter aplicabilidade neutra, corroborava para manter a invisibilidade dos casos de mulheres assassinadas por homens pelo fato de serem mulheres (ONU Mulheres, 2016, p.19). Tal expressão possui o “objetivo político de reconhecer e dar visibilidade à discriminação, à opressão, à desigualdade e à violência sistemática contra a mulher, que, em sua forma mais extrema, culmina na morte” (ONU Mulheres, 2014, p. 16). Outras definições surgiram de acordo com as transformações do próprio fenômeno, dentre elas: \"o assassinato misógino de mulheres por homens” (FRAGOSO, Julia Monarréz apud ONU Mulheres, 2014, p. 16) e “a forma extrema de violência de gênero entendido como violência exercida por homens contra mulheres, em seu desejo de obter poder, dominação e controle” •. Para fins didáticos, a definição para o termo femicídio pode ser entendida como “a morte violenta de mulheres por razões de gênero, quer ocorra dentro da família, unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, na comunidade, por parte de qualquer pessoa; que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado e seus agentes, por ação ou omissão” (MESECVI, 2014). Já com relação ao termo feminicídio, termo cunhado pela pesquisadora Marcela Lagarde, houve a preocupação de dar um significado político para confrontar a inércia do Estado com relação a estes casos, de maneira que, para a autora, feminicídio trata- se de um crime de Estado (LAGARDE, 2004, p. 6) ou, em suas próprias palavras: “um fraturado Estado de Direito que favorece a impunidade” (LAGARDE, 2004, p. 20). Desse modo, a definição de feminicídio possui duas acepções: de um lado, todos os tipos de violência contra mulheres, do outro, a impunidade decorrente da negligência estatal nos casos de mortes de mulheres por razões de gênero (ONU Mulheres, 2014. p. 17). Na visão de Júlia Monarréz. Feminicídio compreende toda uma progressão de atos violentos que vão desde o dano emocional, psicológico, as agressões, os insultos, a tortura, o estupro, a prostituição, o assédio sexual, o abuso infantil, o infanticídio de meninas, as mutilações genitais, a violência doméstica, e toda política que resulte na morte de mulheres, tolerada pelo Estado (ONU Mulheres, 2014. p. 17). Independentes da nomenclatura, ambas são utilizadas para definir essas mortes prematuras, injustas e evitáveis (MENEGHEL; PORTELLA, 2017, p. 08) fundamentadas em uma cultura de violência e discriminação baseada no gênero (ONU Mulheres, 2014. 3113

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI p. 18). No entanto, no desenvolvimento do presente trabalho será adotado o termo feminicídio, pois foi à nomenclatura adotada pela legislação brasileira para incluir essa modalidade no ordenamento jurídico. Proteção normativa Alguns países optaram por criar um tipo penal específico para conceituar essas mortes, como a Costa Rica, que limitou a tipificação ao âmbito doméstico e familiar, ou ainda a Guatemala, que abrange todo homicídio cometido em razão de gênero, doméstico ou não. Outros países, como a Colômbia, por exemplo, reformaram a legislação para incluir o feminicídio como agravante. Por fim, há países que reconhecem a existência do femicídio/ feminicídio, mas não alteraram o Código Penal, como é o caso do México (SALVATIERRA, 2011, p.98). O Brasil acompanhou a tendência latino-americana de criminalizar de maneira específica o feminicídio, dando continuidade à criação de leis que tipificavam a violência doméstica e familiar. A Constituição Federal de 1988 foi, sem dúvida, um marco para o desenvolvimento dos Direitos das Mulheres em várias áreas, como tratamento igualitário e garantias judiciais (ONU Mulheres, 2016, p.48). Outra contribuição que influiu para que esses direitos começassem a ser incorporados ao ordenamento jurídico interno foi a Emenda Constitucional 45/2004 (BRASIL, 2004), que alterou os parágrafos 3º e 4º do Artigo 5º da Constituição. Tais parágrafos dispunham sobre Tratados e Convenções e a equivalência destes à Emenda constitucional e ainda, à submissão do Brasil à jurisdição de Tribunal Penal Internacional. Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. § 4º O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão. Com a ratificação da Convenção Americana de Direitos Humanos e o reconhecimento por parte do Congresso Nacional da competência obrigatória da Corte 3114

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI interamericana de Direitos Humanos, os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos passaram a ser julgados por essa corte. Foi nesse contexto que, em 1992, o caso de Maria da Penha Maia Fernandes foi encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A partir de então, iniciou-se o processo no qual resultaria a Lei 11.340/2006, que trouxe instrumentos para a redução da violência contra a mulher. Essa Lei ganhou reforço com o advento da Lei 13.104/15 uma vez que estendeu as medidas de prevenção, proteção e punição para todas as mulheres que tenham sido vítimas de tentativas ou mortes violentas decorrentes de razões de gênero nos casos previstos na Lei Maria da Penha (ONU Mulheres, 2016, p.97). Nesse cenário, a investigação de casos de mortes violentas de mulheres surge para viabilizar o correto enquadramento normativo de acordo com o tipo penal estabelecido pela Lei 13.104/2015. Condições estruturais de gênero Em 2019, a Atlas da Violência ao tratar sobre homicídios de mulheres apontou um aumento quantitativo dessas mortes para o intervalo de 2007-2017, que passou de 3,9 para 4,7 mulheres assassinadas por grupo de 100 mil mulheres (Ipea e FBSP, 2019). A esse respeito, vale lembrar que não se pode considerar apenas os números apresentados, visto que muito dos casos de violência doméstica não são denunciados e as mortes de mulheres por razões de gênero são erroneamente investigadas como homicídio. Esse tipo de violência é formado por um complexo de comportamentos que compreendem agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial reproduzidas de forma encadeada, e é resultado de uma organização social de gênero pautada na dominação-exploração das mulheres pelos homens (SAFFIOTI, 2004). De acordo com Lagarde: “Feminicídio se flagra na desigualdade estrutural entre mulheres e homens, assim como na dominação dos homens sobre as mulheres, que têm na violência de gênero, um mecanismo de reprodução da opressão das mulheres. Dessas condições estruturais surgem outras condições culturais como ambiente ideológico e social do machismo e misoginia, e da normalização da violência contra as mulheres” (LAGARDE, 2008, p. 2017). 3115

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Dentro desse contexto, a desigualdade de poder que inferioriza e subordina mulheres aos homens pode ser explicada através do sistema patriarcal e sua dominação (MENEGHEL; PORTELLA, 2017, p.08). Isso porque, de acordo com o sociólogo francês Pierre Bourdieu: A força da ordem masculina pode ser aferida pelo fato de que ela não precisa de justificação: a visão androcêntrica se impõe como neutra e não tem necessidade de se enunciar, visando sua legitimação. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica, tendendo a ratificar a dominação masculina na qual se funda: é a divisão social do trabalho, distribuição muito restrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu lugar, seu momento, seus instrumentos (BOURDIEU, 2012, p.18). Essa visão androcêntrica, que nada mais é do que a visão masculina do universo, está sendo usada para legitimar a violência contra a mulher, naturalizá-la e, ainda, utilizá-la como meio de resolução de conflitos. Essa visão apropria-se justamente de diferenças biológicas para impor a cada sexo atributos opostos que, uma vez desenvolvidos, alcançarão a normalidade do comportamento esperado. Isso porque na construção social baseada no discurso da superioridade masculina qualquer desvio deve ser corrigido para recuperar a ordem e fortalecer a cultura (ONU Mulheres, 2014, p. 43). Exemplo prático é a tentativa, quase que reflexa, de tentar justificar casos de violência contra a mulher. Quando a agressão não causou lesões graves, é apresentada como um “conflito de casal” que deve ser resolvido no próprio relacionamento. Quando o caso é mais grave ou leva à morte da mulher, buscam-se justificativas junto ao agressor (álcool, drogas, transtornos psíquicos, alterações emocionais, etc.) ou à própria vítima, que às vezes é considerada como “provocadora” da própria reação violenta que pôs fim à sua vida. Desta forma, uma parte da violência sofrida pelas mulheres fica invisível e a outra parte, na impunidade, fazendo com que não se modifiquem as circunstâncias que causam esta violência (ONU Mulheres, 2014, p. 43). Para combater essa “naturalização” a aplicação da palavra “gênero” é necessária para fazer distinção entre diferenças biológicas e aquelas que são construídas culturalmente. Quando as distribuições desiguais de poder entre homens e mulheres são vistas como resultado das diferenças, tidas como naturais, que se atribuem a uns e outras, essas desigualdades também são “naturalizadas”. O termo “gênero”, em suas versões mais difundidas, remete a um conceito elaborado por pensadoras feministas precisamente para desmontar esse duplo procedimento de naturalização mediante o qual as diferenças que se atribuem a homens e mulheres são consideradas inatas, derivadas de distinções naturais, e as desigualdades entre uns e outros são percebidos como resultado dessas diferenças. Na linguagem do dia a dia e também das ciências a palavra sexo remete a essas distinções inatas, biológicas. Por esse 3116

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI motivo, as autoras feministas utilizaram o termo gênero para referir-se ao caráter cultural das distinções entre homens e mulheres, entre ideias sobre feminilidade e masculinidade (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2017, p. 15). Importante ressaltar que no estudo das ciências sociais constatou-se que o sexo da vítima é fator determinante para a ocorrência da violência, comprovando a necessidade de uma distinção terminológica para nomear estes casos e dessa maneira, evitar que eles se percam na neutralidade que o termo homicídio carrega. 3 POLÍTICAS PÚBLICAS NA METODOLOGIA INVESTIGATÓRIA DE GÊNERO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Não se pode, no entanto, analisar a tipificação de maneira isolada, pois ela sozinha é ineficaz na mudança desse quadro de mortes por razões de gênero. A tipificação, portanto, deve ser articulada com políticas públicas que forneçam as ferramentas necessárias para dar eficácia às metodologias de investigação desenvolvidas, pois as alterações normativas carecem de efetividade, que só é alcançada através do diálogo com a sociedade, como explica Beccaria: Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, uma espécie de catecismo, enquanto forem escritas numa língua morta e ignorada do povo, e enquanto forem solenemente conservadas como misteriosos oráculos, o cidadão, que não puder julgar por si mesmo as consequências que devem ter os seus próprios atos sobre a sua liberdade e sobre os seus bens, ficará na dependência de um pequeno número de homens depositários e intérpretes das leis. Colocai o texto sagrado das leis nas mãos do povo, e, quanto mais homens houver que o lerem, tanto menos delitos haverá; pois não se pode duvidar que no espírito daquele que medita um crime, o conhecimento e a certeza das penas ponham freio à eloquência das paixões (BECCARIA, 2001, p. 13). Nesse viés, tanto a investigação na perspectiva de gênero quanto as políticas públicas voltadas às questões de gênero demandam um “fazer” do poder público, convidando-o para o campo prático onde, mais do que alterações na lei, é necessário a implementação de políticas de ações afirmativas para que a sociedade compreenda o que está por trás das mortes violentas de mulheres. As políticas de ações afirmativas, dentro do contexto de investigação na perspectiva de gênero, devem extrair as informações da investigação na perspectiva de gênero para compreender o ciclo de violência e a partir daí criar mecanismos para 3117

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI impedi-la, ou seja, é a partir dos dados colhidos na investigação que se pode falar em políticas públicas efetivas para o combate à violência contra a mulher. Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional, de compleição física e situação socioeconômica (adição nossa). Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, como também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade de observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. (GOMES, 2001, p. 6-7). Tais ações são necessárias para garantir a igualdade e a dignidade da pessoa humana. Basterd (2007) afirma: Se os avanços legislativos são inquestionáveis, são também constantemente desafiados e tensionados pela drástica realidade de violação dos direitos humanos em escala planetária. Tanto no plano internacional quanto no Brasil, há um enorme fosso entre o reconhecimento da necessidade de formulação de políticas de promoção da igualdade de gênero, como dimensão constitutiva dos direitos humanos, e a implementação efetiva desses direitos (BARSTED, 2007, p. 119). Implementar políticas públicas que abordem gênero é, portanto, um desafio, pois trata-se de vencer estruturas arcaicas que ainda estão arraigadas na ideologia popular e é dever do Estados utilizar essas políticas para a defesa dos direitos das mulheres e interromper o ciclo de violência. 4 CONCLUSÃO A tipificação por si só vem se mostrando incapaz de romper com o ciclo da violência; portanto, é necessário estudar o cenário em que se está atuando para combater a violência desde o seu cerne. Isso significa expandir os horizontes das investigações policiais para além das mortes ocorridas, é preciso investigar as influências culturais, econômicas e políticas da vítima e do agressor. A partir disso, o papel do Estado é criar mecanismos, baseados nos dados apresentados nos inquéritos policiais de casos de mortes violentas de mulheres 3118

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (feminicídios), que busquem erradicar ou ao menos amenizar as desigualdades; defender os direitos humanos em toda sua totalidade a fim de garantir a dignidade às mulheres em situação de risco. Nesse viés, tanto a investigação na perspectiva de gênero quanto as políticas públicas voltadas às questões de gênero demandam um “fazer” do poder público, convidando-o para o campo prático onde, mais do que alterações na lei, é necessário o diálogo com a sociedade sobre o porquê das mulheres morrerem em razão de sua condição de mulheres. REFERÊNCIAS BARSTERD, Leila Linhares. Lei Maria da Penha: uma experiência bem-sucedida de advocacy feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris.2011. BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Ed. Ridendo Castigat Mores, 2001. Disponível em: < http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf>. Acesso em: 22 fevereiro de 2020. BEZERRA, Juliana. Lei Maria da Penha: história, características e resumo. Disponível em: < https://www.todamateria.com.br/lei-maria-da-penha >. Acesso em 18 jun 2020. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. BRASIL, Emenda Constitucional 45/2004. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/.../emc45.htm>. Acesso em 28 de Fevereiro de 2020. CAMPOS, Carmen Hein de. Feminicídio no Brasil: Uma análise crítico-feminista. Porto Alegre: PUCRS, 2015. CHIAROTTI, S. Contribuições ao debate sobre a tipificação penal do femicídio/feminicídio. Lima: CLADEM. 2011. FRAGOSO, Julia Monarréz apud ONU Mulheres. Modelo de Protocolo Latino- Americano de Investigação das Mortes violentas de Mulheres por Razões de Gênero (Femicídio/Feminicídio). Brasília: ONU Mulheres, 2014. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Orgs.). Atlas da violência 2019. Brasília; Rio de Janeiro; São Paulo: IPEA; FBSP, 2019. 3119

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INSTITUTO PATRÍCIAGALVÃO. Feminicídio: #invisibilidade Mata. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, 2017. LAGARDE, Marcela. Antropología, Feminismo Y Política: Violencia feminicida y Derechos Humanos de lãs mujeres. San Sebastián: Ankulegi, 2008. MENEGHEL, Stela NAZARETH; PORTELLA, Ana Paula. Feminicídios: Conceitos, Tipos e Cenários. Disponível em: <oasisbr.ibict.br/.../ABRASCO- 2_9a539135e6a90af450351aa82d79>. 2017. p. 8. Acesso em 28 de Fevereiro de 2020. MESECVI, Declaração sobre o Femicídio, 15 de agosto de 2008, MESECVI/CEVI/DEC.1/08, ponto 2. Apud Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação das Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero (Femicídio/Feminicídio). Brasília: ONU Mulheres, 2014. Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação das Mortes Violentas de Mulheres por Razões De Gênero (Femicídio/Feminicídio). Escritório Regional para a América Central do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos; Escritório Regional para as Américas e o Caribe da Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres). Brasília: ONU Mulheres, 2014. OnuMulheres; Oacnudh (Org.). Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação das Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero (Femicídio/Feminicídio). Brasil, 2014. PIAUÍ. Secretaria De Segurança Pública. Apostila de capacitação: Metodologia Investigatória na Perspectiva de Gênero - Núcleo de Estudo e Pesquisa em Violência de Gênero. Teresina: [s.n.], 2017. Ponce, M.G.R. Mesa de Trabalho sobre femicídio/feminicídio. In: Contribuições ao debate sobre a tipificação penal do feminicídio/femicídio. Lima: CLADEM, 2012. SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. 3120

EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS AS VISITAS VIRTUAIS COM ESTRATÉGIA DE CUIDADO E GARANTIA DE DIREITOS EM UM HOSPITAL EM TEMPOS DE COVID19 Julianna Sampaio de Araújo1 RESUMO Nos ambientes hospitalares o isolamento social faz com que os paciente hospitalizados tenham restrições no que diz respeito a receber visitas e ter acompanhante durante o processo de internação. As visitas virtuais se apresentam nesse cenário como alternativa para minimizar as distâncias entre pacientes internados e seus familiares sendo também uma estratégia de cuidado, de garantia de direitos e de materialização da Política Nacional de Humanização. Palavras-Chaves: Visita Virtual. Cuidado. Política Nacional de Humanização. ABSTRACT In a hospital, social isolations causes hospitalized pacients to have restrictions with receiving visits and having a companion during the hospitalization process. Virtual visits are presented in this scenario as an alternative to minimize the distance between hospitalized patients and their families, as well a strategy os care guarantee of rights and materialization od National Humanization Poticy. Keywords: Virtual Visits. Care. National Humanization Poticy. INTRODUÇÃO Em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou como pandemia o novo coronavírus, Covid 19. Desde então OMS, o Ministério da Saúde e as Secretariais Estaduais de Saúde tem tomado uma série de medidas para prevenir a 1 Psicóloga e Coordenadora do setor de Psicologia do Hospital Estadual Dirceu Arcoverde –HEDA. Mestra em Saúde Coletivas: Políticas e Gestão em Saúde. E-mail: [email protected] 3121

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI disseminação de casos de pessoas contaminadas pelo vírus e para se preparar para a chegada de casos de pessoas com Covid19 nos estabelecimentos de saúde. Devido a sua acentuada taxa de transmissão e à inexistência de vacinas e tratamentos efetivos, a OMS passou a orientar a necessidade de higienização das mãos, o incentivo a comportamentos de etiqueta respiratória, o distanciamento social de pelo menos um metro, o uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e a imposição de medidas de isolamento social (OPAS, 2020). A doença é contagiosa e não apresenta barreiras etárias, sexuais ou de raça. A transmissão acontece por meio de contato pessoal próximo ou com objetos e superfícies contaminadas, ou por meio de gotículas de saliva, espirro, tosse, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos (SCHUCHMANN, 2020). Em virtude disso, ainda em março de 2020 foi decretado no Brasil que a transmissão do vírus era comunitária, não podendo identificar a origem contaminação, desde então o Ministério da Saúde, passou a recomendar medidas de isolamento social para toda a população brasileira. O isolamento social comunitário tem como objetivo reduzir o número de reprodução da infecção gerado por contato com um infectado exigindo que as pessoas permaneçam em suas residências. Entretanto a medida tem encontrado resistência por parte de alguns governos estaduais, municipais e grupos de empresários porque as medidas de isolamento precisam ser mantidas até “por tanto tempo quanto o vírus estiver circulando na população, ou ao menos até que se desenvolva uma vacina” (SCHUCHMANN, p. 3561, 2020). Nos ambientes hospitalares o isolamento social sugerido pela OMS e imposto pela Covid19 exige que os pacientes internados fiquem sem acompanhantes e sem a possibilidade de receber visitas. O desafio que se apresenta para as equipes de saúde é, para além do manejo dos sintomas respiratórios dos pacientes internados com suspeita ou confirmados de Covid19, manejar os impactos do isolamento na realidade emocional e comportamental da população atendida. Situações como estas, demandam além do treinamento técnico da equipe de saúde da unidade para a triagem adequada, identificação precoce e tratamento assertivo dos casos, treinamento de equipe com foco no humano, a humanização das 3122

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI relações de cuidado em saúde, ancorada na Política Nacional de Humanização (PNH) e preocupada com o cuidado com o paciente, seus familiares e a equipe de saúde. Garantir a comunicação efetiva, a escuta qualificada, o acolhimento do sofrimento do paciente e seus familiares, influencia diretamente nos desdobramentos do tratamento minimizando sentimentos como angústia, ansiedade, medo, choro, insegurança, etc. nos pacientes assistidos. Esse estudo se direcionou a refletir sobre o relato de experiência do uso de aplicativos de mensagens de vídeo e voz por meio de celulares e tablets, na promoção de visitas virtuais para pacientes internados em um hospital regional do município de Parnaíba/Piauí. Discute-se sobre o impacto da aproximação virtual entre famílias e pacientes durante o tratamento de Covid19 nos sintomas de ansiedade, medo e depressão dos pacientes internados. A intenção é problematizar: Como as visitas virtuais se apresentam como estratégia de garantia de direitos? Os pacientes reconhecem as visitas como cuidado? Como os familiares têm respondido aos encontros virtuais promovidos pela equipe de Psicologia do hospital? Qual a adesão dos demais profissionais da equipe às visitas virtuais? Quais os principais desafios do uso desses recursos no ambiente hospitalar? Para tanto, foram entrevistadas seis pessoas sendo elas, dois pacientes internados num hospital regional do município de Parnaíba/PI dois familiares de pacientes internados e dois profissionais da equipe de enfermagem que atuam no hospital. Os participantes foram abordados e entrevistados mediante chamada de vídeo, na ocasião em que foram feitas pergunta disparadora sobre a relação deles com as visitas virtuais. Como procedimentos de análise e tratamento dos dados, apoiamo-nos na técnica de Análise de Conteúdo com base em Minayo (2001). Os resultados foram organizados em três grandes eixos de discussão, sendo eles: a) O uso de mensagens de vídeo como estratégia de cuidado, b) O impacto das visitas virtuais frente aos sintomas do isolamento para pacientes e familiares e c) A adesão da equipe de saúde ao uso de remotas de comunicação e os desafios para o uso dessas tecnologias. 3123

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 O USO DE RECURSOS DE VÍDEO PARA MINIMIZAR DISTÂNCIAS E GARANTIR DIREITOS Isolamento, quarentena e contenção comunitária (também chamada de isolamento social) são algumas medidas sanitárias de intervenção no controle do contágio de uma doença infecciosa. O isolamento consiste na separação das pessoas sabidamente contaminadas das não contaminadas. Tal medida tem sua eficácia questionada no tratamento da Covid19 em função da possível transmissão da doença antes do período dos sintomas. Já a quarentena é caracterizada pela separação/restrição de pessoas que ainda não estão doentes, mas, que foram expostas ao agente infeccioso com o objetivo de monitorar seus sintomas. Em Covid19 a quarentena é utilizada em pessoas que fizeram viagens ou tiveram contato com pacientes contaminados (SCHUCHMANN, 2020). No que diz respeito à contenção comunitária existem duas estratégias sendo elas o isolamento social horizontal (supressão) e o isolamento social vertical (mitigação). A supressão refere à necessidade de que as pessoas permaneçam em suas residências, tendo contato apenas com as pessoas com quem moram impedindo a completa da propagação da doença. Já a mitigação significa isolar de circulação apenas as pessoas que compõe o grupo de risco, “em outras palavras, não se espera uma interrupção completa da propagação da doença, mas sim uma redução do impacto dessa epidemia na saúde” (SCHUCHMANN, p 3561, 2020). No Brasil o Ministério da Saúde, seguindo as orientações da OMS, definiu como medida sanitária adotada a supressão. O isolamento social proposto tem provocado conflito entre as demais esferas de governo e grupos de empresários que acreditam que a mitigação já seria medida suficiente de contenção do vírus. Para além dos conflitos econômicos, o isolamento social também tem disparado uma série de efeitos sociais e psicológicos na população. A sobrecarga das mulheres no trabalho doméstico e nas atividades de cuidado, o aumento do número de casos de violência doméstica contra a mulher (PIRES, 2020), os relatos de sentimentos de culpa, medo, melancolia, raiva, solidão, insônia, sintomas de estresse, ansiedade e depressão, evoluindo para Transtornos como ataques de pânico, Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT), sintomas psicóticos, e comportamento suicida (PEREIRA et al, 2020). 3124

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Nos pacientes com Covid19 internados em ambiente hospitalar a alta taxa de transmissibilidade da doença tem exigido que o isolamento social seja ainda mais rigoroso impondo às pessoas internadas a impossibilidade de ter acompanhantes durante a internação e a inexistência da possibilidade de receber visitas. É usual nos pacientes internados relatos como medo de morrer, melancolia, insônia, saudade além de sintomas como alterações de humor, sintomas ansiosos e depressivos (SCHMIDT, 2020). Para minimizar os efeitos da internação e do isolamento social dos pacientes internados com Covid 19, intervenções psicológicas podem ser utilizadas para lidar com os impactos na saúde mental em decorrência da pandemia. A escuta, o acolhimento, as intervenções psicoeducativas, o uso de recursos lúdicos e educativos que preencham os tempos como jogos, são exemplos de estratégias de podem ser adotadas. Na Itália recursos como o uso de aplicativos de mensagens de texto e vídeo, mediados por profissionais dos hospitais, tem sido usado como estratégia de enfrentamento para encurtar as distâncias entre pacientes e familiares e para permitir que pacientes em fases terminais se despeçam de seus familiares (GALVÃO,2020). O que inspirou outros países a fazer o mesmo e promover estes encontros virtuais. O uso de recursos de áudio e vídeo em hospitais como garantia da PNH A Política Nacional de Humanização (PNH) existe desde 2003 como estratégia para efetivar os princípios do SUS nas práticas de atenção e gestão a saúde, estando presente em todos os programas e projetos do SUS. O HumanizaSUS apresenta dimensões que dão conta desde a qualificação do SUS até a relação entre gestores, trabalhadores e usuários, estimulando mudanças nas formas de gerir e cuidar em saúde (BRASIL, 2004). Seus métodos, princípios e dispositivos apresentam como diretrizes o acolhimento, a gestão participativa e cogestão, a ambiência, a clínica ampliada e compartilhada, a valorização do trabalhador e a defesa dos direitos dos usuários (PASCHE, 2010). 3125

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O uso de recursos de áudio e vídeo nos hospitais como tentativa de promover encontros entre pacientes e seus familiares é a materialização de uma mudança nas formas de cuidar e de promover saúde em tempos de pandemia. A visita virtual promovida pelos profissionais de saúde garante ao paciente atendido em uma unidade hospitalar o acolhimento, postura do técnico de considerar a singularidade do sujeito e de proporcionar escuta qualificada e atenta para as demandas sinalizadas. A cogestão, porque o paciente sinaliza com quem da família quer se encontrar e o momento que deseja realizar a visita. A clínica ampliada quando leva em consideração o sujeito e não a doença que este apresenta. E a defesa dos direitos dos usuários ao ser o paciente orientado sobre seus direitos e tendo o contato com acompanhante/familiar assegurados. Dessa forma este trabalho se faz relevante uma vez que se propões a apreender o impacto das visitas virtuais na garantia de direitos e minimização de sintomas de pacientes internados no setor Covid19 de um hospital regional. Com este estudo foi possível balizar a compreensão que equipe, pacientes e familiares têm sobre o uso de recursos de áudio de vídeo na melhoria da qualidade de saúde e do cuidado dos pacientes. 3 AS VISITAS VIRTUAIS COM ESTRATÉGIA DE CUIDADO E GARANTIA DE DIREITOS EM UM HOSPITAL EM TEMPOS DE COVID19 A princípio foi feita a leitura integral das transcrições das entrevistas realizadas, com a intenção de deixar emergir conteúdos, questionamentos, reflexões. Em seguida o conteúdo das entrevistas foi sistematizado em categorias a partir dos objetivos propostos na pesquisa e dos questionamentos por ela suscitados. Os questionamentos feitos, em consonância com objetivos propostos, levaram a organização das seguintes categorias de análise: a) O uso de mensagens de vídeo como estratégia de cuidado, b) O impacto das visitas virtuais frente aos sintomas do isolamento para pacientes e familiares e c) A adesão da equipe de saúde ao uso de remotas de comunicação e os desafios para o uso dessas tecnologias. Assim nesse tópico serão sinalizados os sentidos que as visitas virtuais têm na promoção de direitos e garantia de cuidado para pacientes, familiares e profissionais do setor Covid19 de um hospital regional. 3126


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