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EIXO 7 - Direitos Humanos, Violência e Políticas Públicas

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 22:38:03

Description: Direitos Humanos, Violência e Políticas Públicas

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Esse estudo aconteceu em um dos equipamentos de política pública que assistia a jovem vítima. O estudo das mortes violentas sempre tem um cunho formativo de educação permanente. Mediante a troca de informações para construção do genograma e ecomapa e ainda formação de encaminhamentos que provoca corresponsabilização e reflexões. 6 CONCLUSÃO Deste modo, o trabalho da Célula de Estudos das Mortes Violentas de Sobral gera momentos formativos tanto para os/as profissionais da UGP de prevenção de violências quanto para os gestores e as gestoras de equipamentos. É um espaço permanente de educação, um espaço de reflexão sobre a atuação dos gestores e das gestoras, de percepção de processos que comumente são invisibilizados pelas demandas urgentes e cotidianas. Por isso, o ato de refletir sobre o fazer profissional é potente e transforma as práticas territoriais, assim como conduz a construção de políticas mais humanas e centradas nas problemáticas do sujeito ou do território. Como afirma o teórico da educação Paulo Freire (2019) o termo práxis designa a atividade humana e social que se manifesta e se realiza e pela realidade. E enquanto forma específica do ser humano, a práxis torna-se uma atividade transformadora, criadora, autocriadora, uma atividade que produz, forma e transforma o homem social, seu meio, sua consciência e suas ações no mundo real. O genograma e o ecomapa são, portanto, responsáveis pela visualização dos laços estabelecidos pelo jovem, além de evidenciar as ausências das políticas públicas com relação às trajetórias dos jovens. Sendo então ferramentas potentes para prevenção de homicídios na adolescência, dentro de uma perspectiva de evitabilidade de novas mortes violentas. Diante da complexidade do fenômeno da violência destaca-se a necessidade de uma contínua investigação e produção técnico-científica para análises assertivas e sensíveis que reverberem desdobramentos e diálogos entre poder público, sociedade e comunidade científica. Estudos que refinem o entendimento sobre a relevância e potência do trabalho intersetorial das políticas públicas para evitabilidade de mortes violentas. 3277

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília, n. 13, 2019. CADA VIDA IMPORTA. Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. Fortaleza, 2016. CADA VIDA IMPORTA. Relatório do primeiro semestre de 2017 do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. Fortaleza, 2017. DAHLBERG, L. L. KRUG, E. G. Violência: um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva. v.11, p. 1163-1178, 2006. FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2009. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Atlas da Violência. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/quem/5/glossario. Acesso em 14 de junho de 2020. KIENLE, G S. KIENE H. Como escrever um relato de caso. Arte Médica Ampliada. n. 2. 2011. KRUG, E G. et al. Relatório mundial sobre violência e saúde. Organização Mundial da Saúde. Genebra, 2002. MARQUETTI, F. C. ADORNO, R. de C. F. Discursos e imagens da violência. Saúde Soc. São Paulo, v.23, n.3, p.749-763, 2014. MELLO, M. H. P. de. YUNES, J. J. Violência e saúde no Brasil. Revista Usp, São Paulo, n.51, p. 114-127, setembro/novembro, 2001. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Melhor em Casa: Caderno de Atenção Domiciliar. Secretaria de Atenção à Saúde Departamento de Atenção Básica. v. 2, Brasília, 2013. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE. A OPAS/OMS apoia os 16 dias de movimento pelo fim da violência contra as mulheres. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=4734:a- opas-oms-apoia-os-16-dias-de-movimento-pelo-fim-da-violencia-contra-as- mulheres&Itemid=820. Acessado em 14 de junho 2020. SOUZA, E. R. Homicides in Brazil: The Major Villain for Public Health in the 1980s. Cad. Saúde Públ. Rio de Janeiro, n. 01, 45-60, 1994. VIEIRA, I. M. de C. A violência e a Guerra: uma abordagem sócio-psicanalítica. Brasília. Universidade de Brasília. 2007. 3278

EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS A ATENÇÃO À SAÚDE DA POPULAÇÃO LGBTQIA+: dos movimentos à realidade. HEALTH CARE OF THE LGBTQIA + POPULATION: from movements to reality Nathállya Rayanne Soares1 Maria Luiza de Aguiar Interaminense Guerra2 Michelly Cristina Rozeno3 RESUMO Esse artigo faz um breve resgate aos movimentos sociais, ao processo histórico da saúde pública no Brasil, fazendo luz ao Movimento de Reforma Sanitária e a implantação do Sistema único de Saúde. Concomitante, reflete a relação entre as vivências sociais da população LGBTQIA+ e seus desdobramentos no acesso e na utilização dos serviços de saúde. A discussão a respeito da atenção à saúde da população LGBTQIA+ perpassa pelas políticas públicas destinadas a esse público, mas também na qualificação da rede de saúde e dos profissionais de saúde. É perceptível também que, apesar dos avanços, ainda há um caminho longo e desafiante a ser percorrido. Palavras-Chaves: Movimentos Sociais. Saúde. Reforma Sanitária. População LGBTQIA+. Políticas Públicas. ABSTRACT This article briefly reviews the social movements, the historical process of public health in Brazil, highlighting the Sanitary Reform Movement and the implementation of the Unified Health System. Concomitantly, it reflects the relationship between the social experiences of the LGBTQIA + population and its consequences in accessing and using health services. The discussion regarding health care for the LGBTQIA + population runs through public policies aimed at this public, but also in the qualification of the health network and health professionals. It 1 Assistente Social pela Universidade Federal de Pernambuco. Residente em Atenção Básica e Saúde da Família pela Asces-Unita. E-mail: [email protected] 2 Assistente Social pela Universidade de Pernambuco. Residente em Atenção Básica e Saúde da Família pela Asces- Unita. E-mail: [email protected] 3 Assistente Social pela Universidade de Pernambuco. Residente em Atenção Básica e Saúde da Família pela Asces- Unita. E-mail: [email protected] 3279

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI is also noticeable that, despite the advances, there is still a long and challenging path to be taken. Keywords: Social Movements. Health. Health Reform. LGBTQIA+ Population. Public Policies. INTRODUÇÃO Discutir a política de saúde sempre se faz necessário, principalmente, em tempos de privatização, sucateamento e subfinanciamento dos direitos sociais. Mesmo com normativas e dispositivos legais que garantem o acesso integral e universal à saúde a todos, direcionamentos estatais colocam o Sistema Único de Saúde em uma lógica mercadológica que desafia a sua efetivação. Concomitantemente, há grupos sociais que além desses desafios, precisam lidar com o preconceito e as dificuldades de acesso e uso dos serviços, que vão além da ausência de investimento e ampliação da rede de saúde. A população LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexuais e o +, sinal inclusivo) têm vivências específicas que muitas vezes não são levadas em consideração no processo saúde- doença. Os estigmas, os estereótipos, o preconceito, a exclusão social, que foram construídos historicamente, são elementos que condicionam e determinam a saúde da população LGBTQIA+ e que precisam ser superados. Esse artigo abordará discussões a respeito da saúde para a população LGBTQIA+, e os avanços legais e as políticas públicas que priorizam a atenção em saúde para essa população. Também trará uma breve reflexão a respeito dos estigmas vivenciados pelos LGBTQIA+, como uma forma de compreender a realidade dessa população dentro dos serviços de saúde. A construção desse artigo ocorreu mediante revisão bibliográfica que versam sobre movimentos sociais, o processo histórico da saúde no Brasil, o movimento de reforma sanitária, a atenção à saúde LGBTQIA+, bem como, as normativas e políticas que tratam da temática. 3280

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 DESENVOLVIMENTO Os movimentos sociais fazem parte da construção da humanidade e estão relacionados às transformações sociais. Há diversos autores que discutem a temática trazem algumas definições. Maria da Glória Gohn define os movimentos sociais como: Ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo de força social na sociedade civil. (GOHN, 1997, P.251). Já Alberto Melucci (1989, p. 57) como “uma ação coletiva baseada na solidariedade, desenvolvendo um conflito e rompendo os limites do sistema em que ocorre a ação”. Assim sendo, os movimentos sociais são ações coletivas organizadas por atores sociais, com um direcionamento ideológico, que dentro de um contexto social, buscam modificar a sociedade, ou trazer novas conjunturas e demandas. Até meados do século XX, os movimentos sociais estavam associados às lutas de classe e o operariado. Ou seja, o movimento operário era em si o movimento social, de tal forma que a ideia de movimento social estava associada à classe operária e à luta entre o capital e o trabalho. A partir da segunda metade do século XX, surgem os denominados “novos movimentos sociais”, que de acordo com Laclau (1986), são movimentos voltados às questões identitárias, na qual, as problemáticas dos atores sociais são vistas de uma outra maneira, abarcando questões que vão além das lutas de classes, como identidade e cultura. Esses movimentos, segundo o autor, produzem e politizam áreas diversas de lutas. Assim, esses “novos movimentos sociais” não enxergam a sociedade apenas por um prisma, ou de uma forma globalizante, como antes. Agora, são inseridos no cenário das ações coletivas novas demandas, novas lutas. Conforme Goss e Prudêncio: As organizações tradicionais, como sindicatos, partidos políticos e movimentos de trabalhadores eram definidas por meio da conjugação de três características: a identidade dos atores determinada por categorias relacionadas à estrutura social — camponeses, burgueses e trabalhadores — ; o tipo de conflito definido por um paradigma evolucionário, ou seja, haveria um esquema teleológico e objetivo que guiaria as lutas (o socialismo); e, por fim, os espaços dos conflitos reduzidos a uma dimensão política fechada e unificada (representação de interesses, institucionalidade política). Os “novos movimentos sociais” romperam justamente com a unidade desses três 3281

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI aspectos. Em relação ao primeiro, a posição que o sujeito assume nas relações de produção não determina necessariamente suas demais posições. No que se refere ao segundo aspecto, não é mais possível determinar a realidade por meio de estágios que apareceriam em sucessivas fases do desenvolvimento da sociedade. Finalmente, o político é uma dimensão presente em toda prática social e não um espaço específico. (GOSS E PRUDENCIO, 2004, P. 77 – 78). Laclau (1986) traz a discussão dos movimentos sociais em um contexto de pluralidade social. Não mais restrita à luta de classes, ao embate entre o capital e o trabalha, mas indo além desse campo. Traz o indivíduo com suas demandas e questões para além da relação capitalista. Questões essas que se relacionam diretamente com sua identidade dentro da sociedade. Melucci (2001) igualmente mostra outros aspectos dos “novos movimentos sociais”, que vão além do contexto político, de classe e identitário, engloba também elementos culturais. Para o autor, os movimentos sociais estão estritamente relacionados a vida cotidiana dos sujeitos sociais e suas relações. Esses novos movimentos sociais abarcam agora várias ações coletivas com pautas plurais, como, por exemplo: o movimento feminista, negro, gay, estudantil, das reformas sanitárias e psiquiátricas, entre outros. E marcam a Europa fortemente a partir da década de 1960, e chegam ao Brasil na década de 1980. O Brasil, na década de 1980, vivenciava um processo de democratização, com vários movimentos e reivindicações. Entre várias pautas e lutas sociais, a saúde se destacou através do movimento de reforma sanitária. O movimento de reforma sanitária no Brasil surge em um contexto de ditadura militar e vinculada aos Departamentos de Medicina Preventiva (DPM), que constituíam a base institucional que produziu conhecimentos sobre a saúde da população e conceitos sanitários. No Brasil, os primeiros DPM foram criados na década de 1950, na Faculdade Paulista de Medicina na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Em 1968, a Lei de Reforma Universitária incorpora a medicina preventiva aos currículos das faculdades. Esse novo campo permitiu que o movimento sanitário se organizasse. Nesse cenário de ditadura militar, a política de saúde tinha cunho exclusivamente individual e voltado para o modelo médico-privatista/curativo, sem levar em consideração ações de interesse coletivo. Dessa forma, atuando sob forte pressão dos militares, em regime autoritário, o movimento sanitário se caracterizou 3282

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI como força política, que gradualmente se organizava e articulava suas pautas contestatórias à ditadura. E para viabilizar as reivindicações, criou o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (CEBES). Uma ferramenta ade ampliação do debate em saúde. A saúde, nessa década, contou com a participação de novos sujeitos sociais na discussão das condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais apresentadas para o setor, contribuindo para um amplo debate que permeou a sociedade civil. Saúde deixou de ser interesse apenas dos técnicos para assumir uma dimensão política, estando estreitamente vinculada à democracia. Dos personagens que entraram em cena nesta conjuntura, destaca-se: os profissionais de saúde, representados pelas suas entidades, que ultrapassaram o corporativismo, defendendo questões mais gerais como a melhoria da situação saúde e o fortalecimento do setor público. (BRAVO, 2001, P. 08) O movimento de reforma sanitária influenciou academicamente e atuou como agente reformador da política de saúde. Lembrando que, até a Constituição Federal de 1988, a saúde não era vista como um direito de todos e essa era uma das principais reivindicações do movimento sanitário brasileiro. Os anos de 1980 são marcantes em diversos aspectos para o Brasil. Não apenas porque encerrou nessa década a ditadura militar, mas porque esses anos foram marcados por lutas e conquistas sociais e legais em muitos setores da sociedade. Na saúde, em 1986, ocorreu a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), um marco histórico para a política e a reforma sanitária brasileira. Com participação popular pela primeira vez, foi na 8ª CNS que se discutiu a criação de um sistema unificado de saúde, o conceito de ampliado de saúde e a saúde como um direito de todos e um dever estatal. O fato marcante e fundamental para a discussão da questão Saúde no Brasil, ocorreu na preparação e realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, em Brasília - Distrito Federal. O temário central versou sobre: I-A Saúde como direito inerente a personalidade e à cidadania; II- Reformulação do Sistema Nacional de Saúde, III- Financiamento setorial. (BRAVO, 2001, P. 09). A 8ª CNS buscava a construção de um sistema de saúde para todos e isso tornou- se real com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88). O sistema de saúde foi institucionalizado nesse marco legal, presente nos artigos 196 a 200 da CF/88. Na Constituição de 1988, a saúde é compreendida como um direito de todos, compondo o tripé da Seguridade Social (Assistência Social – Previdência Social - Saúde), com um conceito amplo. 3283

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 2016). Em 1990, a Lei Orgânica de Saúde 8.080 é promulgada, dispondo das condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, além da organização e funcionamento dos serviços em saúde. Materializando a VIII CNS e regulamentando o que está disposto na Constituição Federal de 1988. Entre os vários pontos importantes da Lei 8.080/90, os mais referenciados são os que dispõem sobre os determinantes e condicionantes da saúde e os princípios que regem o SUS. O Artigo terceiro da Lei, define como determinantes e condicionantes da saúde: a alimentação, moradia, lazer, transporte, educação, saneamento básico, trabalho, renda, entre outros. Já os princípios, presente no artigo 7°, dispõe sobre a universalidade, integralidade dos serviços, direito à informação, igualdade da assistência à saúde, participação da comunidade, descentralização, entre outros. São conquistas importantes que preconizam o acesso universal e pleno aos serviços de saúde para toda a população. No entanto, mesmo com esses notáveis avanços na saúde, na década de 1990, o Brasil entre em um processo de contrarreforma, que é definido por Bravo (2001) como um redirecionamento do papel do Estado para o mercado, influenciado pela política de ajuste neoliberal. A Reforma do Estado ou Contrarreforma é outra estratégia e parte do suposto de que o Estado desviou-se de suas funções básicas ao ampliar sua presença no setor produtivo, colocando em cheque o modelo econômico vigente. (BRAVO, 2001, P. 13). Dessa forma, apesar das conquistas, alguns aspectos prejudicaram os avanços do SUS. Com o redirecionamento o Estado para o mercado, a consolidação do SUS como uma política pública social não se efetivou até os dias atuais. Cada vez mais a saúde é vista pelo prisma da mercadoria e de forma seletiva. Em suma, é certo que houve avanços, principalmente, se compararmos à saúde antes da CF/88. O SUS tem capilaridade em todo o território brasileiro, e é uma política de Estado, não apenas de Governo. No entanto, ainda têm muitos desafios e problemas a serem superados, como: o direcionamento do SUS aos pobres, a privatização dos serviços, investimento em sistemas privados de saúde, e, claro, o subfinanciamento. 3284

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Como preconizam os dispositivos legais que institucionaliza e regulamenta o SUS, a saúde deve ser um direito, com acesso universal e descentralizado para a toda a população, respeitando as individualidades e especificidades de todos. No entanto, como já supracitado, nos anos de 1990, com o sucateamento da saúde, a focalização da política e a mercantilização da saúde, o acesso aos serviços tornou-se lento desafiante. Mas para além desses desafios, para alguns setores da sociedade, não existe apenas a problemática do acesso, há outros desafios. O início do debate sobre a saúde da população LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais, Travestis, Transgêneros, Queer, Intersexo, Assexuais e o +, sinal inclusivo) acontece conjuntamente ao surgimento da epidemia de HIV/AIDS, e isso ocasionou vários estigmas aos LGBTQIA+, que passaram a ser vistos como transmissores de uma doença incurável; além de ser uma das principais vítimas da própria doença. Além disso, a mídia teve papel importante na disseminação e cristalização desses estigmas. Em 1986, é criado o Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (PN DST/Aids), que há época, comandava as políticas voltadas à população LGBTQIA+. Entretanto, ainda se atrelava a saúde dos LGBTQIA+ às doenças sexualmente transmissíveis, como se essa fosse a única demanda e necessidade da população. Com o advento da Constituição Federal/1988 e do SUS, a saúde passou a ter um conceito amplo, considerando os determinantes e condicionantes, que vão além da doença em si. Que olham para a saúde dos indivíduos de uma forma integral e atentando para os aspectos sociais e da vida real, como o preconceito, a violência, as desigualdades sociais, o difícil acesso ao mercado de trabalho etc. Ou seja, além das questões de saúde em si, é preciso abrir o leque e enxergar as condições sociais e reais da população. Compreender a determinação social no dinâmico processo saúde-doença das pessoas e coletividades requer admitir que a exclusão social decorrente do desemprego, da falta de acesso à moradia e à alimentação digna, bem como da dificuldade de acesso à educação, saúde, lazer, cultura interferem, diretamente, na qualidade de vida e de saúde. Requer também o reconhecimento de que todas as formas de discriminação, como no caso das homofobias que compreendem lesbofobia, gayfobia, bifobia, travestifobia e transfobia, devem ser consideradas na determinação social de sofrimento e de doença. (MINISTÉRIO DA SÁUDE, 2013, P. 13). 3285

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Assim, em 2004, a Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou o programa: “Brasil sem Homofobia”, que inclui o Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra a população LGBT e Promoção da Cidadania Homossexual. O BSH é o marco brasileiro da inclusão na perspectiva de não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e de promoção dos direitos humanos de pessoas LGBT como pauta das políticas públicas e estratégias do governo a serem implantadas transversalmente (parcial ou integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias. (ALVES apud SARAIVA, 2017, p. 89). Esse programa defini ações para serem realizadas através da articulação entre as esferas federal, estadual e municipal, que são: A inclusão da perspectiva da não-discriminação por orientação sexual e de promoção dos direitos humanos de gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais, nas políticas públicas e estratégias do Governo Federal, a serem implantadas (parcial ou integralmente) por seus diferentes Ministérios e Secretarias. A produção de conhecimento para subsidiar a elaboração, implantação e avaliação das políticas públicas voltadas para o combate à violência e à discriminação por orientação sexual, garantindo que o Governo Brasileiro inclua o recorte de orientação sexual e o segmento GLTB em pesquisas nacionais a serem realizadas por instâncias governamentais da administração pública direta e indireta. A reafirmação de que a defesa, a garantia e a promoção dos direitos humanos incluem o combate a todas as formas de discriminação e de violência e que, portanto, o combate à homofobia e a promoção dos direitos humanos de homossexuais é um compromisso do Estado e de toda a sociedade brasileira (ALVES apud SARAIVA, 2017, p. 89). Outro ponto importante na conquista de direitos pela população LGBTQIA+, diz respeito a decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM), que em 1985, deixou de definir a homossexualidade como patologia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) obteve o mesmo entendimento em 17 de maio de 1990, retirando a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID). Essa data, tornou-se um marco histórico, reconhecida como o Dia Mundial de Combate à Homofobia. Em 2010, o Governo Federal, após reinvindicações do movimento LGBTQIA+, instituiu por meio de decreto o dia 17 de maio, como o Dia Nacional de Combate á Homofobia. Em 2013, o Ministério da Saúde lança a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNSI-LGBT), através da Portaria n° 2.836/2011, que orienta o Plano Operativo de Saúde Integral LGBT. A PNSI-LGBT busca dar a atenção adequada às demandas da população LGBTQIA+, atentando-se para os condicionantes e determinantes dessa população. 3286

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A Política LGBT tem como marca o reconhecimento dos efeitos da discriminação e da exclusão no processo de saúde-doença da população LGBT. Suas diretrizes e seus objetivos estão, portanto, voltados para mudanças na determinação social da saúde, com vistas à redução das desigualdades relacionadas à saúde destes grupos sociais. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, P. 06). A Política articula várias medidas de ação que fomentem o cuidado integral, sem desconsiderar as especificidades de cada indivíduo. Como por exemplo, questões relacionadas à discriminação de gênero, violência contra as mulheres, machismo, misoginia e a própria invisibilidade feminina, que marcam fortemente as mulheres lésbicas e bissexuais. Entender que cada elemento desse interfere diretamente da qualidade de vida, reforçam o preconceito e a exclusão social. O Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas – Promoção da Equidade e da Integralidade (2006), traz discussões importantíssimas a respeito da saúde das mulheres lésbicas, que perpassa pela invisibilidade do homoerotismo feminino e da própria sexualidade feminina e o preconceito existente na sociedade em relação à homoafetividade. Nesse documento, é evidenciado as desigualdades de acesso aos serviços de saúde pelas mulheres lésbicas e bissexuais. Com relação às mulheres que procuram atendimento de saúde, cerca de 40% não revelam sua orientação sexual. Entre as mulheres que revelam, 28% referem maior rapidez do atendimento do médico e 17% afirmam que estes deixaram de solicitar exames considerados por elas como necessários. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013, P. 14). O Dossiê (2006) traz um estudo de que quando se trata de exame para a prevenção de câncer do Colo do útero, o Papanicolau, as mulheres héteros têm mais acesso, cerca de 89,7%, do que as mulheres lésbicas, que tem 66,7% de cobertura, evidenciando uma vulnerabilidade maior desse último grupo. Os resultados sugerem que profissionais de saúde solicitam menos sua realização e que as mulheres nem sempre procuram cuidado, quando necessário, ou só o fazem quando surgem sérios problemas e em períodos de maiores agravos à sua saúde. (REDE FEMINISTA DE SAÚDE, 2006, P. 19). A Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais aborda outros aspectos significativos para a população LGBTQIA+, como a questão da saúde mental desse grupo, a exclusão social, a ampliação e qualificação dos 3287

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI serviços de saúde para atender à população, redução de danos, garantir o acesso ao processo transexualizador na rede do SUS, entre outros. No Plano Operativo definido na própria política é disposto 4 eixos de ação. O primeiro fala sobre o acesso integral da saúde pela população LGBTQIA+, o segundo, sobre ações de promoção e vigilância em saúde para a população LGBTQIA+; o terceiro, o qual é preciso dar atenção, fala sobre Educação Permanente e população em saúde com foco na população LGBTQIA+. Por fim, o quarto, traz o monitoramento e avaliação das ações em saúde para a população LGBTQIA+. Aqui, o Eixo 3, será discutido mais especificamente, pois traz uma ação que lida diretamente com a qualificação dos profissionais de saúde para atender as especificidades da população LGBTQIA+. Quando se pensa a saúde da população LGBTQIA+, ainda há muitos estereótipos, sempre relacionando a temática às infecções sexualmente transmissíveis (IST), sem considerar as vivências de cada grupo e indivíduo. Como supracitado, muitas mulheres lésbicas e bissexuais têm dificuldades de acessar alguns serviços e dispositivos, por não serem consideradas “grupo de risco” para alguns tipos de doenças que estão relacionadas à vivência heteronormativa. O Eixo 3 foca na capacitação dos profissionais de saúde e nos gestores como forma de combater comportamentos e falas discriminatórias de gênero, orientação sexual, raça, cor, etnia, e das especificidades da população LGBTQIA+. É um dos eixos fundamentais para a efetivação da saúde equânime e integral. 3 CONCLUSÃO O acesso à saúde é um direito constitucional. Por lei, os serviços devem ser oferecidos de forma integral, humana e plena. Porém, isso não é uma realidade vivenciada por muitos LGBTQIA+ nos serviços de saúde. Apesar dos nítidos avanços conquistados pelo movimento LGBTQIA+, ainda se tem um longo e desafiante caminho a ser percorrido. Precisa-se desvincular os LGBTQIA+ às ISTs, como se essa fosse sua única necessidade em saúde. Além disso, é preciso combater as violências, o preconceito, as desigualdades sociais vivenciadas pela população. Outro ponto, é nos próprios dispositivos legais. Ainda há poucas políticas públicas que versem sobre a saúde dos LGBTQIA+, especialmente nas esferas estaduais 3288

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI e municipais. E as que existem não são executadas em sua integralidade. Lembrando que, Política Nacional de Saúde Integral à população LGBTQIA+ é de 2013 e o próprio dispositivo não inclui em seu documento oficial as siglas “QIA+”. Essas siglas significam representação e visibilidade a uma população que sofre preconceito e é invisibilizada socialmente. Destarte, o próprio SUS precisa ser ampliado para receber as demandas dessa população. Por fim, além de ampliar as políticas, a rede e os serviços de saúde, é necessário qualificar e capacitar quem lida com os LGBTQIA+ diariamente nos serviços, da atenção básica à especializada, ou seja, os profissionais de saúde. A Política Nacional traz um eixo a respeito, mas na prática essa qualificação não é tão efetiva. É preciso criar ações e mecanismo que capacite os profissionais de saúde em serviços e os que estão em formação a entender as demandas da população LGBTQIA+ e lidar com ela respeitando os princípios do Sistema Único de Saúde. REFERÊNCIAS ALVES, Edhilson Dantas. A criação do programa brasil sem homofobia: progressos e crítica. ANPUH- Brasil. 30° Simpósio Nacional de História. Recife, 2019. Disponível em:https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1565802149_ARQUIVO_ACRI ACAODOPROGRAMABRASILSEMHOMOFOBIAPROGRESSOSECRITICA.pdf. Acesso em: 21/06/2020. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília - DF: Câmara dos Deputados, 1988. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro- 1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 17/06/2020. _______. Lei Orgânica da Saúde 8.080/1990. Ministério da Saúde. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/setembro/30/Lei-8080.pdf. Brasília, 1990. Acesso em: 17/06/2020. ________. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays Bissexuais, Travestis e Transexuais. Ministério da Saúde. 1ª edição: Brasília – DF, 2013. ________. Programa Brasil Sem Homofobia. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2004. GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais paradigmas clássicos e contemporâneos. Edições Loyola, São Paulo: 1997. 3289

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BRAVO, Maria Inês Souza. A política de Saúde no Brasil: trajetória histórica. In: Capacitação para Conselheiros de Saúde – textos de apoio. Rio de Janeiro: UERJ/DEPEXT/NAPE, 2001. GOSS, Karine Pereira; PRUDENCIO, Kelly. O conceito de movimentos sociais revisitado. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC Vol. 2, nº 1 (2), janeiro-julho 2004, p. 75-91. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/view/13624/12489> Acesso em: 17/06/2020. LACLAU, Ernesto. Os novos movimentos sociais e a pluralidade do social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 2, vol. 1, out. ,1986. MELUCCI, Alberto. A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001. _________. Um objeto para os movimentos sociais. Lua Nova, n. 17, junho. São Paulo: Cedec, 1989. P. 50-66. REDE FEMINISTA DE SAÚDE. Saúde das mulheres Lésbicas: promoção da equidade e da integralidade. Dossiê. Belo Horizonte, 2006. 3290

EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS A VIOLAÇÃO DA INTEGRIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: da violência à denuncia THE VIOLATION OF THE INTEGRITY OF THE PERSON WITH DISABILITIES: from violence to denunciation Maria Luíza de Aguiar Interaminense Guerra1 Michelly Cristina Rozeno2 Nathállya Rayanne Soares3 RESUMO É necessário iniciar este artigo com uma retrospectiva histórica sobre a deficiência, ressaltando a institucionalização como forma de controle disfarçada de tratamento para as pessoas com deficiência, inclusive, tratamento esse totalmente desumano e torturante com o uso de eletrochoques e medicalização. Após denúncias dos descasos, deu-se o início da luta antimanicomial juntamente com a reforma psiquiátrica onde se tinha como objetivo cuidar realmente da saúde das pessoas com deficiência e/ou transtorno mental, sendo um cuidar mais humanizado, terapêutico e respeitoso, com condições dignas para se tornar possível a desinstitucionalização e acompanhamento contínuo em instituições de convivência de modelo substitutivo. Fizemos a descrição da violência e quais são os seus tipos, buscamos dados estatísticos sobre as denúncias, de como é a relação entre o suspeito abusador e a vítima, a faixa etária mais recorrente, sexo e cor/raça. Palavras-Chaves: História da Deficiência. Liberdade. Política Pública. Saúde. Violência. ABSTRACT It is necessary to start this article with a historical retrospective on disability, emphasizing institutionalization as a form of disguised treatment for people with disabilities, including treatment that is 1 Assistente Social pela Universidade de Pernambuco. Residente em Atenção Básica e Saúde da Família pela Asces- Unita. E-mail: [email protected] 2 Assistente Social pela Universidade de Pernambuco. Residente em Atenção Básica e Saúde da Família pela Asces- Unita. E-mail: [email protected] 3 Assistente Social pela Universidade Federal de Pernambuco. Residente em Atenção Básica e Saúde da Família pela Asces-Unita. E-mail: [email protected]. 3291

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI totally inhuman and torturous with the use of electroshocks and medicalization. After denouncing the neglect, the anti-asylum struggle started along with the psychiatric reform where the objective was to really take care of the health of people with disabilities and / or mental disorder, being more humanized, therapeutic and respectful, with dignified conditions to make possible deinstitutionalization and continuous monitoring in institutions of coexistence with a substantial model. We described the violence and what its types are, we looked for statistical data about the complaints, about the relationship between the suspected abuser nad the victim, the most recurrent age group, sex and color/race. Keywords: History of Disability. Freedom. Public Policy. Cheers. Violence. INTRODUÇÃO Desde nossos primórdios a deficiência foi estigmatizada e excluída, e apesar das evoluções advinda do nosso processo histórico, ainda há preconceito excludente por parte da sociedade. E viemos, através deste trabalho realizado através de pesquisas e estudos para que pudéssemos alcançar os objetivos inicialmente propostos. Como por exemplo, o objetivo de analisar através embasamentos teóricos de artigos, sites, documentários e documentos estatais com dados estatísticos, para compreensão da importância da denúncia da pessoa com deficiência que tenha sido vítima de algum tipo de violência. Ressaltamos também a importância do entendimento do contexto histórico e social dessas pessoas, assim, dando ênfase em como ainda há muito silenciamento das vítimas e de como as denúncias aumentarem foi um dado positivo para a criação medidas emergenciais e principalmente preventivas. 2 DESENVOLVIMENTO No decorrer dos tempos, a visão sobre a pessoa com deficiência foi sendo modificada através de reivindicações sociais diante da realidade que se tinha em cada determinado momento da história, da exclusão e internamento em hospitais psiquiátricos à utilidade ao capitalismo como mão de obra barata. Com o surgimento dos hospitais psiquiátricos, a internação compulsória era a maior forma de exclusão, controle, descaso e violência que acometia os deficientes. 3292

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Muitas vezes, o abandono era realizado pelas próprias famílias ao internar e assim eram esquecidos até por quem ‘‘eram amados’’. E, apesar de ser algo tão desumano, existe uma ‘‘justificativa’’ não plausível para isso ter acontecido de forma tão ‘‘naturalizada’’. É necessário a compressão do porquê isso acontecia, pois diante das particularidades de cada deficiência e a falta de informações, essas famílias criavam uma visão preconceituosa, desprezível e discriminatória para com essas pessoas. Além disso, ainda havia e ainda há atualmente, uma cobrança social da maternidade compulsória para as mulheres e de serem geradoras de filhos perfeitos. Ou seja, o abandono por muitas vezes estava ligado a uma sociedade preconceituosa sobre tudo o que se considerava diferente do tido como ‘‘normal’’. Segundo Goffman (2008) as instituições totais se caracterizam como os hospitais psiquiátricos, prisões e conventos, eram lugares fechados que se institucionalizava não apenas pessoas com deficiência ou com algum tipo de transtorno mental, mas também negros, pedintes, mulheres grávidas de relações extraconjugais, etc, ou seja, os então rejeitados e marginalizados da sociedade. Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. (GOFFMAN, 2008, p.11). Como cita Guimarães; Borba; Larocca; Maftum, nesses hospitais psiquiátricos, mais conhecidos também como manicômios, o tratamento utilizado era através de ‘‘técnicas de hidroterapia, administração excessiva de medicamentos, até aplicação de estímulos elétricos ou o uso de procedimentos cirúrgicos.’’, ou seja, o principal objetivo não era tratar para possibilitar uma melhoria na qualidade de vida e dando suporte para isso, pelo contrário, se idealizava de forma perversa para a correção do que era tido como ‘‘anormal’’. Com o desenvolvimento do capitalismo durante os séculos XVIII e XIX, o maior interesse do sistema era obter cada vez mais mão de obra barata e consequentemente mais lucro, daí então, os deficientes passam a ganhar utilidade e gerar lucro, ao contrário dos gastos que se tinha nas instituições totais, foi assim que se iniciou o processo de desinstitucionalização. Contudo, a desinstitucionalização só ocorreu para 3293

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI as pessoas com deficiência menos graves, ou seja, os mais graves continuaram nesses lugares sendo violentados. Durante o século XX iniciou-se uma transformação do saber sobre às doenças mentais, a forma de tratamento e principalmente uma forte crítica às instituições psiquiátricas, esse movimento foi liderado pelo psiquiatra Franco Basaglia que foi um dos principais psiquiatras responsáveis pela modificação dos hospitais psiquiátricos. Ele não só modificou a visão sobre saúde mental e os tratamentos, como notou a necessidade de um cuidado humanizado com uma relação de respeito e dignidade entre paciente e cuidador/profissional de saúde. Assim, nos anos 70 iniciou-se a luta da reforma psiquiátrica italiana que repercutiu em todo o mundo. Devido a repercussão sobre Basaglia, o Brasil em meio a ditadura cívico militar que acontecia e com a efervescência dos movimentos sociais, surgiu as primeiras reivindicações sobre a saúde mental brasileira através de profissionais de saúde, associações de familiares, conselhos profissionais, sindicalistas, e pessoas com longo histórico de internações psiquiátricas, o então nomeado de Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). Nesse mesmo momento histórico também aconteciam reivindicações de profissionais de saúde, população e conselhos reguladores das profissões sobre o modelo de saúde pública brasileira, tendo até os dias atuais grande influência do médico sanitarista Sergio Arouca, que defendia um modelo de atenção à saúde de acesso universal, equânime e igualitário com ações preventivas, afim de possibilitar a identificação da situação de saúde de cada pessoa e consequentemente promovendo a saúde com qualidade de vida. As lutas e reivindicações sociais pelo sistema de saúde pública e saúde mental foram ganhando mais força e mais visibilidade. Com a VIII Conferência Nacional de Saúde no ano de 1986, visto como um marco histórico que propôs a reformulação do sistema de saúde brasileiro viabilizando a saúde como um direito social e dever do Estado, o que posteriormente se instituiu com a Constituição Federal de 1988. Com a grande conquista e desafios que ainda se sucedem até os dias atuais a saúde pública se destacou e vem sendo garantida à população brasileira. Contudo, a reforma psiquiátrica continuou na luta para ser modificada, ainda na década de 70, além de reivindicações com os movimentos sociais, se teve diversas 3294

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI denúncias sobre o cenário de descaso, violência e precariedade dos hospitais psiquiátricos que foram feitas pelos recém profissionais de saúde mental. Em meio às denúncias, no ano de 1978, o Hospital Colônia de Barbacena foi um dos maiores visibilizados participando de diversas reportagens sobre relatos e denúncias das atrocidades que ali eram acontecidas, ficando conhecido mundialmente através principalmente dos títulos ‘‘Em nome da razão’’ e ‘‘Nos porões da loucura’’. Ao ter acesso a esses documentários, Basaglia visitou a instituição e comparou a situação dos internos do hospital a um campo de concentração nazista. Assim, se fortalece o movimento da reforma psiquiátrica marcado pela defesa e integridade das pessoas com deficiência e transtornos mentais. As reivindicações eram contínuas pela melhoria das condições de trabalho, críticas devido a superlotação dos hospitais psiquiátricos, os tipos de tratamento e as condições insalubres que os internos viviam. As denúncias aumentavam e decorrente do modelo italiano de desinstitucionalização com surgimento de serviços substutivos servindo de inspiração para o fortalecimento da luta brasileira, propostas e ações de ruptura do antigo modelo surgiam cada vez mais. Neste período, são de especial importância o surgimento do primeiro CAPS no Brasil, na cidade de São Paulo, em 1987, e o início de um processo de intervenção, em 1989, da Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP) em um hospital psiquiátrico, a Casa de Saúde Anchieta, local de maus-tratos e mortes de pacientes. (BRASIL, 2005, p.7). A luta ainda estava começando, mas os avanços e desconstruções de modelos voltados a medicalização, eletrochoques e internação estavam sendo rompidos, e sendo muito mais do que denunciar os hospitais psiquiátricos sobre violências, e sim, propondo a construção de uma rede de serviços e estratégias solidárias, inclusivas, libertárias e humanizadas. E com o Projeto de Lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG) no Congresso Nacional, a Declaração de Caracas e a realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, a saúde mental enquanto política de saúde se torna ainda mais ampla e urgente de forma fiscalizadora, como cita BRASIL: entrar em vigor no país as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS, NAPS e Hospitais-dia, e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. (2005, p.8). 3295

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI E, finalmente, em 2001 é sancionada a Lei Federal 10.216 também conhecida como Lei Paulo Delgado. A Lei, que incentivava a criação de uma rede de serviços substutivos de acordo com a população de cada território e de egressos dos hospitais psiquiátricos, ainda que modificada da proposta original redireciona o modelo de assistência em saúde mental, prevalecendo a proteção e direitos das pessoas com transtornos mentais, serviços e estratégias de caráter substitutivo, porém não institui progresso na extinção dos hospitais psiquiátricos. Como foi dito anteriormente, as famílias excluíam e abandonavam as pessoas com deficiência da própria família, mas dentro deste contexto, é válido destacar que além do preconceito e estigmatização da deficiência, existia também a falta de recursos necessários para dar suporte à pessoa com deficiência, não que isso justifique o abandono, mas algumas destas famílias que abandonavam pela falta de condição que já vivia, já outras não, era puramente pelo preconceito e vergonha. Porém, com o passar dos tempos, a visão sobre uma pessoa com deficiência foi sendo modificada, e muitas famílias começaram a buscar mais por informações, e foi delas que se iniciou os primeiros movimentos sociais em prol dos deficientes. A concepção de família vai muito além do que foi definido socialmente, que se entende por família um homem e uma mulher que gerará filhos e assim sucessivamente. Contudo, essa concepção foi também se modificando, e o número de famílias tidas como ‘‘tradicionais’’ vem diminuindo ano pós ano. Devido a construção histórica, cultural e social do papel da mulher, a mulher é destinada à maternidade como sua principal identidade, fonte de felicidade ao exercer o papel de cuidadora do lar, do marido e dos filhos, e que ainda é reproduzido de forma moralista que produz várias implicações contra a autonomia de escolha delas. Com isso, é perceptível que apesar de se ter tido mudanças significativas como o direito ao voto, a lei do divórcio, direito ao ensino, direitos tão básicos como esses, mas ainda nota-se o quanto a sociedade cobra da mulher no âmbito privado através de exigências da construção de uma família ‘‘heteronormativa’’, execução de atividades domésticas como uma de suas principais funções impostas desde nossos primórdios, subestimando a capacidade das mulheres em áreas que as mesmas têm as mesmas competências que os homens. 3296

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A família sofreu mudanças significativas com o passar dos tempos. Atualmente, um número cada vez maior de mulheres trabalha fora de casa e contribui com a renda familiar. Além da maternidade, muitas mulheres preocupam-se com sua realização profissional, vislumbrando nessa atividade uma condição necessária ao sucesso a sua vida. (FLECK&WAGNER, 2003 Apud BORSA; FEIL, 2008, p.7). Além da maternidade compulsória, há também a exigência de que a mulher produza filhos totalmente perfeitos, e diante de mais essa exigência, quando se tem um filho com deficiência, tudo isso se torna pior pela cobrança exacerbada nessa mulher, incluindo a culpabilização tanto dos outros como até dela mesma. Pelo contrário do que acontece em muitos casos, ao se encontrar com um recém-nascido deficiente a família deve proporcionar um apoio mútuo, procurar ajuda de profissionais de saúde para a acessibilidade dos cuidados necessários e além disso, maneiras de enfretamento do preconceito e que as diferenças sejam aceitas para que possam viabilizar melhores formas de cuidar dessa criança. A família é um dos principais pilares para o bem-estar e sociabilidade das pessoas com deficiência, incluindo a busca para concretização de seus direitos. Grande parte de quem cuida de pessoas com deficiência é membro da família. Muitas dessas pessoas são unicamente às mães, que cuidam em período integral, o que ocasiona na sobrecarga do cuidar, adoecimento mental e físico, e consequentemente a falta de cuidado de si própria. Assim, é imprescindível a colaboração de outros familiares para a realização do cuidar, porém a inclusão de outras pessoas na casa ou no ambiente familiar pode-se ocorrer o que é mais temível, a violência. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) define-se por violência \"o uso de força física ou poder em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação\". É necessário a distinção dos tipos de violência. A sexual se configura na ação que obriga uma pessoa a manter relação sexual numa relação de poder da vítima sob controle do agressor, limitando a vontade da pessoa violada; a psicológica é ação que degrada e/ou controla as crenças, decisões, comportamentos e ações da vítima; a violência moral é a calúnia e difamação da reputação da vítima; a física é quando se há dando o risco a integridade física da vítima; a patrimonial quando a violência danifica, diminui ou destrói objetos e bens da pessoa agredida; a intrafamiliar ocorre dentro da 3297

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI casa ou o ambiente familiar da vítima geralmente por parentes de primeiro e segundo grau; e a institucional é aquela que decorre de algum preconceito e que ocorrem em organizações tanto privadas como estatais. Segundo Balanço Geral do Sistema de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos e Atendimento – SONDHA, as denúncias têm aumentado com o passar os anos, o que não significa que não haja pessoas que não realizam as denúncias, mas o aumento desses números é bastante significante para que se tenham medidas tanto preventivas como interventistas. De acordo com o documento, no ano 2012 teve um aumento de 180,43% se comparado ao ano de 2011, sendo esse, o maior aumento de denúncias realizadas entre os anos de 2011 a 2019, já comparando 2012 com 2013 os dados apontam aumento de 36,38%. Porém, fazendo um comparativo, entres os anos de 2013/2014 houve uma queda de 24,39% nas denúncias, e posteriormente só houve aumento nos números, exceto nos dados entre os anos de 2015 e 2016 com queda de 6,68%. Ainda de acordo com o documento, o ano de 2018 foi contabilizado como o de maior número de denúncias, sendo totalizado com 11.752. A seguir apresentamos o percentual sobre o número dos tipos de violência que mais se destacaram: Patrimonial 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Discriminação 911 2189 3009 2044 2398 2474 2886 3073 Negligência 318 525 426 320 240 194 250 218 Física 1556 5303 8008 6170 7062 6497 7897 8353 Institucional 1472 3494 3737 2858 3011 2883 3617 3616 Psicológica 189 242 380 328 311 335 949 997 Sexual 1417 4706 5804 4214 4259 4025 5888 5829 253 565 585 439 432 404 488 464 Além de citar os tipos que mais se destacam nos índices, é válido aqui expor que segundo o balanço geral da Ouvidoria, que outras violações que têm poucas denúncias são: tortura e tratamento desumano, exploração infantil, falta de acessibilidade e trabalho escravo, que por sinal, no mesmo documento foi retirado do gráfico de tipos de violência nos anos de 2018 e 2019. 3298

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Perante o gráfico acima, é perceptível que a violência que mais é denunciada é a negligência totalizando 50.846 entre os anos de 2011 e 2018, ficando em 2º no índice de denúncias com 38.142, a violência psicológica e em 3º totalizando 24.688 a violência física. Apesar de termos os dados estatísticos, sabe-se que muita violência ainda ocorre de forma silenciada e até mesmo romantizada pelos abusadores. Dentre os tipos de violência destacados acima, a violência sexual, na maioria das vezes é feita de forma perversa e romantizada pelo abusador, o que dificulta a diferenciação de abuso e relação sexual consentida, havendo assim uma grande dificuldade no momento de se realizar a denúncia ou até mesmo compartilhar um incômodo a alguma pessoa que se tenha uma confiabilidade. Quando uma pessoa com deficiência consegue identificar a violência há uma enorme dificuldade para se realizar a denúncia. Diante de pesquisas realizadas acerca deste tema, a maioria dos atendimentos são realizados por homens o que de certa forma intimida as mulheres que são vítimas, e, além disso, também há a falta de respeito, falta de credibilidade por não compreender o real motivo da vítima estar no local para fazer a denúncia. Se uma denúncia feita por uma mulher ser naturalizada por grande parte da sociedade e pelos responsáveis dos órgãos da lei, quando se trata de uma mulher deficiente, a invisibilidade se torna ainda mais forte e duplamente silenciada. Além disso, é inevitável não citar a falta de responsabilidade e empatia por parte dos prestadores de serviços, além de não se ter um atendimento especializado perante às demandas mais específicas, há a não compreensão e maus tratos à pessoa com deficiência, por suposições de que a forma que a vítima está se referindo à violência que lhe aconteceu ser algum tipo de manifestação do seu transtorno, é descredibilizada gerando a falta de proteção e continuidade da violência. Dessa forma, sendo mais uma vez violentada e desacreditada, no que se tipifica como violência institucional. De acordo com Balanço Anual de 2019, publicado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 51,02% das vítimas de violência é do sexo feminino, 45,03% do sexo masculino e 3,95% não informou no ato da denúncia. Já o perfil da vítima por faixa etária é de 24,43% de 18 a 30 anos, 23,49% de 41 a 50 anos, 21,95% de 31 a 40 anos, 21,14% de 51 a 60 anos, 1,44% de 61 anos ou mais, 0,66% de 0 a 17 anos e por fim, 6,88% não foi informado. Os tipos de deficiência que mais sofrem violência e 3299

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI chegam a fazerem a denúncias, segundo as estatísticas é a pessoa com deficiência mental com 64,45%, física 19,18%, intelectual 7,98%, visual 4,02% e auditiva 2,58%, e não informada com 1,65%. O gráfico a seguir, demonstrará a relação do suspeito violentador com a vítima: Sendo assim, como mais da metade da relação do suspeito e da vítima tem algum tipo de ligação, como ser um familiar ou vizinho é afirmativo que quando ocorre a violência seja ela patrimonial, discriminatória, negligência, física, psicológica e sexual, ocorre também a intrafamiliar. A violência intrafamiliar se caracteriza quando se ocorre dentro da casa ou o ambiente familiar da vítima, ou seja, ela ocorre no mesmo momento que as outras. Algo que é bastante importante é o perfil da vítima quando relacionado com a cor, sendo branca 33,98%, a cor parda 32,93%, preta 9,55%, amarela 0,98%, indígena 0,40% e não informada com 22,16%. 3 CONCLUSÃO Diante do exposto, é evidente que se teve muitos avanços em torno da saúde mental no Brasil, que o tratamento humanizado e digno é necessário em qualque instancia, e principalmente quando se trata de pessoas com deficiência. Ressalta-se também, a importância da família para a acessibilidade dos direitos dessas pessoas, em especial às mães/cuidadoras que muitas vezes abandonam a si mesmas para prestar os 3300

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI cuidados necessários para seu filho deficiente. Porém, como também foi exposto, há pessoas tanto entre os familiares como os próprios familiares que violam e causam danos a integridade física e mental da pessoa com deficiência de seu meio. Sendo assim, é conclusivo que as pessoas que mais sofrem e/ou estão vulneráveis à violência são pessoas com deficiência mental e/ou física, do sexo feminino, com faixa etária de 18 a 60 anos sendo as mais recorrentes a violência que negligencia, psicológica e física. Além disso, é necessário levantar um questionamento a sociedade como um todo, mas também aos órgãos públicos sobre o motivo de no ato da denúncia não haver informações básicas como idade e sexo, principalmente. Além disso que também exista urgentemente a formação de profissionais para um atendimento mais humanizado e que sejam profissionais do sexo feminino, visto que são as mulheres que mais sofrem violência. REFERÊNCIAS AMARANTE, Paulo; NUNES, Mônica de Oliveira. A reforma psiquiátrica no SUS e a luta por uma sociedade sem manicômios. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/csc/v23n6/1413-8123-csc-23-06-2067.pdf> Acesso em: 12.05.2020 BORSA, Juliane Callegaro; FEIL, Cristiane Friedrich. O papel da mulher no contexto familiar: uma breve reflexão. Cidade: Jun/2008. BRASIL. Balanço Anual Disque Direitos Humanos 2018. Brasília-DF, 2019. Disponível em:<https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a- informacao/ouvidoria/Disque_Direitos_Humanos.pdf > Acesso em:15.05.2020 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf Acesso em: 10.05.2020 BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Balanço Anual Ouvidoria 2017. Brasília-DF, Maio/2018. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt- br/assuntos/noticias/2018/maio/ministerio-dos-direitos-humanos-divulga-balanco- anual-com-dados-sobre-denuncias-de-violacoes-de-direitos-humanos> Acesso em: 14.05.2020 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2013. 3301

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI GUIMARÃES, Andréa Noeremberg; BORBA, Letícia de Oliveira; LAROCCA, Liliana Muller; MAFTUM, Mariluci Alves. Tratamento em saúde mental no modelo manicomial (1960 a 2000): histórias narradas por profissionais de enfermagem. 2013. Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 07072013000200012>. Acesso em: 14.05.2020. 3302

EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO: uma breve análise acerca da situação dos adolescentes autores de atos infracionais na realidade brasileira SOCIO-EDUCATIONAL MEASURE OF THE INTERNMENT: a brief analyze about the situation youngs who are authors of infractional acts into Brazil’s reality Maria Luiza Rodrigues da Cruz1 RESUMO Os adolescentes autores de atos infracionais egressos das Unidades de Internação (UI) representam uma parte da população brasileira que ao mesmo tempo em que conflita com a lei também sofrem o descaso pelas mãos do Estado, da família e da comunidade. Diante desse quadro, a atual conjuntura nacional apresenta desafios para a efetivação da Proteção Integral proposta pela lei. Assim, este artigo objetiva realizar uma breve análise acerca da situação dos adolescentes que cumpriram medida socioeducativa de internação no Brasil. Pôde ser observado que são muitos os obstáculos e que apenas aparatos jurídicos-legais são insuficientes para a garantia da Proteção Integral do adolescente, sendo necessário a interlocução de outros aparatos, como as Políticas Públicas, para a sua efetivação. Entretanto, eles ainda se mostram como importantes conquistas e acarretam a possibilidade de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Palavras-Chaves: Adolescentes. Proteção Integral. Medida Socioeducativa. ABSTRACT Adolescents who committed offenses from the Internment Units (UI) represent a part of the Brazilian population that, at the same time as it conflicts with the law, also suffer neglect at the hands of the State, the family and the community. In view of this, the current national situation presents challenges for the effectiveness of the Comprehensive Protection proposed by the law. Thus, this article aims to carry out a brief analysis of the situation of youngs who completed 1 Estudante de Graduação em Serviço Social, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]. 3303

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a socio-educational measure of internment in Brazil. It could be observed that there are many obstacles and that only juridical-legal devices are insufficient to guarantee the Comprehensive Protection of adolescents, requiring the interlocution of other devices, such as Public Policies, for their effectiveness. However, they still show themselves as important achievements and lead to the possibility of defending the rights of children and adolescents. Keywords: Adolescents. Comprehensive Protection. Socio-Educational Measure. INTRODUÇÃO A questão da situação dos adolescentes egressos de instituições de privação de liberdade tem gerado discussão tanto no âmbito da sociedade como no âmbito acadêmico. Contudo, essa questão não surgiu recentemente, mas aparece desde a instituição de organizações voltadas para a internação dos chamados “menores infratores”, a partir dos anos 1920 com os Códigos dos Menores (Decreto Nº 5.083, de 1 de dezembro de 1926; Decreto Nº 17.943, de 12 de outubro de 1927; e Lei No 6.697, de 10 de outubro de 1979), sob orientação da Doutrina de Segurança Nacional. Mário Volpi (2001) fala que a preocupação inicialmente se dava em saber se ao fim do cumprimento do tempo de reclusão o “infrator” teria possibilidades de retornar à sociedade, ou seja, se ele havia “pago” sua “pena” o suficiente para não oferecer mais risco à sociedade. Evidentemente esse pensamento desconsiderava as questões relacionadas à realidade objetiva e subjetiva do indivíduo, as quais revelam as reais condições do jovem retornar à vida em liberdade de forma integral, acessando todas as dimensões da vida social, como esporte, lazer, educação, etc. Entretanto, com o passar dos anos e durante o período de redemocratização do Brasil, o aprofundamento de estudos relacionados ao tema constatou que as antigas ações realizadas para “ajustar” o indivíduo à ordem estabelecida eram ineficientes, levando a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), que modificou legalmente a forma que o adolescente deve ser considerado e as ações estabelecidas no trabalho com ele ante a prática de ato infracional. 3304

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Nesse momento, ele já não deve ser mais chamado como “menor”, “infrator”, “marginal” ou “delinquente”, mas como adolescente em conflito com a lei ou autor de ato infracional, pois se considera que ele é um sujeito de direitos2 e uma pessoa em desenvolvimento (SANTANA, 2014), que deve receber proteção especial e prioritária do Estado. Dessa forma, a sanção deve ser fundamentada nos princípios do ECA, conforme estabelece a Doutrina de Proteção Integral para crianças e adolescentes. Segundo o Estatuto, o adolescente autor de ato infracional deve cumprir, conforme for a gravidade da infração, determinada medida socioeducativa (MSE) norteada pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). O objetivo dessas medidas é propor a responsabilização do sujeito sobre seu ato ao mesmo tempo em que se investe na sua socioeducação, a fim de apresentar ao adolescente novos caminhos e possibilidades através de uma perspectiva pedagógica. Nessa perspectiva, entre as MSE, a internação em estabelecimento educacional pode ser identificada como a medida mais severa, pois é aplicada apenas em casos de ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves; ou por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (BRASIL, 1990). Ela não tem prazo determinado, contudo deve ser reavaliada mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. Ela também não pode exceder o limite de 3 anos e, conforme determinação do ECA, a liberação do adolescente será compulsória aos vinte e um anos de idade. Outrossim, segundo o Levantamento Anual SINASE (BRASIL, 2018), os dados referentes ao ano 2016 revelam que há um total de 26.450 de adolescentes e jovens sendo atendidos pelo SINASE, sendo que 70% desse número (ou seja, 18.567) cumprem medida socioeducativa de internação, 8% (2.178) em regime de semiliberdade e 20% (5.184) em internação provisória. Sendo que ainda existem outros 334 adolescentes/jovens em atendimento inicial e 187 em internação sanção. 2 São direitos sociais, de acordo com Art. 6º da Constituição Federal (CF) de 1988: “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. 3305

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Todavia, considerando que os indivíduos são seres históricos, simultaneamente genéricos e singulares (CISNE e SANTOS, 2018), a experiência da restrição ou privação de liberdade pode inferir de forma diversa na sua vida, podendo contribuir para sua socioeducação de forma positiva ou cultivar um sentimento maior de revolta e insatisfação. Dessa maneira, a relevância da questão do egresso das instituições de internação ultrapassa o pensamento punitivista e conservador sobre o adolescente. Ela propõe, agora, que ele é um sujeito de direitos e que, por isso, ao fim do cumprimento da MSE de internação ele também possa acessar esses direitos. Logo, este estudo objetiva realizar uma breve análise acerca da situação dos adolescentes que cumpriram medida socioeducativa de internação no Brasil. Para tanto, a pesquisa utilizou como metodologia a pesquisa bibliográfica e documental. Portanto, a importância deste estudo se dá pela possibilidade de contribuir para as pesquisas sobre o assunto, podendo trazer novos rumos para a intervenção na realidade, além de se apresentar como um manifesto na defesa dos direitos da criança e do adolescente. 2 EXECUÇÃO DA MSE DE INTERNAÇÃO À LUZ DA LEI E A REALIDADE BRASILEIRA A promulgação do ECA e posteriormente a instituição do SINASE possibilitaram a transição dos modos de intervenção junto ao adolescente em conflito com a lei. Nesse caso, percebe-se que as MSE que tenham privação ou restrição de liberdade, como a internação e a semiliberdade, o lado punitivo da MSE fica mais visível, pois trata-se da própria retirada do adolescente da sociedade, por um determinado limite de tempo estabelecido em lei. Contudo, seu caráter educacional também merece destaque. Sobre isso, Teixeira (2014) discursa sobre a possibilidade do programa de execução da MSE se tornar uma referência importante para a socialização de novos caminhos de circulação pelo mundo, grupos e instituições, que possam vir a atender as necessidades e os interesses do jovem. A respeito das unidades de atendimento socioeducativo no país, o estudo feito pelo Ministério dos Direitos Humanos (MDH) constatou a existência de 477 delas pelo 3306

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Brasil, considerando as modalidades de atendimento de internação, internação provisória, semiliberdade, internação sanção e atendimento inicial. A maior expressão quantitativa de unidades se encontra na região Sudeste, com 218 (45,7%), seguida pela na Região Nordeste com 96 (20,1%), Região Sul com 74 (15,5%), Região Norte com 49 (10,3%) e Região Centro-Oeste com 40 (8,4%) (BRASIL, 2018). Diante deste quadro, ao contrário do que se pode pensar o senso comum, o trabalho desenvolvido pelo SINASE na internação não se delimita apenas no momento do acolhimento do adolescente na unidade de internação (UI) ou durante o cumprimento da medida. Há um acompanhamento posterior a desinternação, no qual o adolescente, quando por decisão judicial recebe a progressão da medida, ele vai ser encaminhado para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) de sua região a fim de cumprir MSE em meio aberto, no caso, liberdade assistida (LA). Esse acompanhamento é feito por meio da política de Assistência Social, através da equipe multidisciplinar do CREAS, assistente social, educador social e psicólogo. Nesse espaço, o adolescente será orientado, quanto ao significado da medida, e participará de atividades dirigidas pela equipe multidisciplinar. Diferentemente da internação, “a Liberdade Assistida pressupõe certa restrição de direitos e um acompanhamento sistemático do adolescente, mas sem impor ao mesmo o afastamento de seu convívio familiar e comunitário” (MDS, 2015). Nela é atribuído o prazo mínimo de seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída caso a Justiça determine. Todavia, quando o adolescente é desinternado com extinção de medida, torna-se praticamente impossível realizar o acompanhamento, porém a intervenção bem planejada e efetiva deve garantir que, ao sair, ele esteja com a documentação pessoal exigida, perspectiva de trabalho, garantia de continuidade de escolarização, entre outros (FREITAS, 2011). Entretanto, a realidade apresenta os desafios para concretizar tais disposições, devido o sucateamento das UI, muitas vezes, as más condições de trabalho da equipe profissional que atua com esses jovens, além do estigma que o adolescente recebe ao cumprir medida socioeducativa, pois ainda que juridicamente ele deva estar amparado 3307

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI pela doutrina de Proteção Integral, no cotidiano das relações sociais ele ainda sofre repressão da sociedade e até mesmo do Estado. Considerados por uma parcela significativa da sociedade como “bandidos” e tratados pelo Estado brasileiro como “menores infratores”, adolescentes e jovens autores de atos infracionais, quando privados de liberdade em unidades de internação no Brasil, receberam historicamente um atendimento institucional que passou alhures de um tratamento considerado humanamente aceitável, questão esta que em determinados aspectos sobrevive até a atualidade (SILVA, 2012, p. 103). Dessa forma, se faz preciso saber identificar, de fato, quem são esses sujeitos a fim de evitar suposições ou julgamentos inadequados e estigmatizantes como esses. Assim, conforme fala Evangelista (2008, p. 26) sobre os jovens autores de atos infracionais: Trata-se de jovens, cujas famílias, em geral, não dispõem de condições materiais e financeiras para garantir a satisfação de suas necessidades essenciais; jovens de baixa escolaridade, desempregados, pressionados pelos enormes e persistentes apelos de consumo e pela necessidade de sobrevivência, dispostos a realizar, a qualquer custo, qualquer atividade ou tarefa que os possa remunerar e garantir o seu sustento. Sem oportunidade no mercado de trabalho, acabam aceitando, por força das circunstâncias, assumir os riscos de furtos, roubos, assaltos, latrocínios, consumo e tráfico de drogas e de armas e até seqüestros (sic). Diante desta realidade, conforme Guerra e Henrich (2019, p. 448) elecam, dentre as expressões da questão social vivenciada por esses adolescentes destacam-se com maior visibilidade a “[...] violência, fragilização dos vínculos familiares, drogadição, não- acesso às políticas sociais públicas, baixa escolaridade e analfabetismo”. Para mais, o Levantamento Anual SINASE produziu um recorte étnico dentre esses jovens e foi demonstrado que 59,08% deles foram considerados de cor parda/preta, 22,49% de cor branca, 0,91% de cor amarela e 0,98% indígena, além de 16,54% sem registro quanto sua cor ou raça, sendo classificados na categoria “sem informação”. É importante notar que essa pesquisa também revela a existência da predominância masculina dos indivíduos em restrição e privação de liberdade, sendo sua estimativa de 96% enquanto jovens do sexo feminino representam apenas 4%. Sobre sua faixa etária, o estudo também mostra que “a maior proporção dos adolescentes está concentrada na faixa 3308

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI etária entre 16 e 17 anos com 57% (15.119), seguida pela faixa etária de 18 a 21 anos com 23% (6.728), entre 14 a 15 anos com 17% (4.074) e 12 a 13 anos com 2% (326), havendo, ainda, 1% sem especificação de faixa etária (203)” (BRASIL, 2018, p. 18). Logo, pode-se destacar que esses sujeitos são em sua maioria jovens negros ou pardos, do sexo masculino e da classe trabalhadora. Além disto, conforme o pensamento de Martins (1997) apud Cavalcante e Campos (2016), é preciso esclarecer que esses adolescentes não se encontram “fora da sociedade”, não são “excluídos”, como se após o cumprimento da medida eles tivessem de ser “reincluídos” na sociedade. Pelo contrário, pois eles também são partícipes do sistema social vigente, cumprindo uma função na produção e reprodução da ordem estabelecida, a ordem do Capital. Sua participação no sistema ainda que seja de forma “precária, instável e marginal” (CAVALCANTE; CAMPOS, 2016), em muitos ângulos, permite a socialização dos ditames do capitalismo, no qual se apresenta na forma da desigualdade social, da violência, da exploração do trabalho humano, do vício em substâncias psicoativas, do não atendimento das necessidades sociais, do racismo e do preconceito em suas diversas faces, dentre outros fatores. Trata-se, desse modo, de uma problemática profundamente ligada à estrutura social, legitimada pelo poder público, que perpassa a história e que não pode ser resumida simplesmente ao cometimento do ato infracional, assim como não pode ser solucionada apenas com aparatos jurídico-legais. Isto pois, ela requer a articulação de várias políticas sociais, como Assistência Social, Saúde, Educação, etc. Mas requer sobretudo a transformação da ordem social vigente. Ademais, o Levantamento Anual SINASE 2016 também apresentou um total de 27.799 atos infracionais, demonstrando a possibilidade do cometimento de mais de um ato infracional pelos adolescentes em cumprimento de MSE, visto que seu número é menor (26.450). A maior percentagem de atos infracionais corresponde ao ato análogo ao roubo (sendo 47% acrescidos de 1% de tentativa de roubo), 22% foram registrados como análogo ao tráfico de drogas. No que se refere a atos infracionais análogos a crimes contra a pessoa (homicídio e lesão corporal), crimes contra a dignidade sexual 3309

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (estupro) e crimes contra o patrimônio com resultado morte (latrocínio) as percentagens correspondem respectivamente à 10% para homicídios, 3% tentativa de homicídio, 1% lesão corporal, 1% estupro e 2% latrocínio. Entretanto, conforme demonstra o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo (BRASIL, 2013), o sistema socioeducativo nacional ainda não conseguiu universalizar em sua prática os avanços logrados na legislação, implicando, assim, na garantia dos direitos da criança e do adolescente brasileiro. Evidencia-se diversos elementos que têm impedido um reordenamento das ações nacionais visando mudar esse quadro. No caso das unidades para o Meio Fechado - ou a privação e restrição de liberdade o estudo mostra que alguns deles são: Violações constantes aos direitos dos adolescentes; Ausência de Projeto Político Pedagógico em todas as Unidades e Programas Socioeducativos, ocasionando a descontinuidade das ações; Baixa efetividade na execução do projeto político-pedagógico na aplicação das medidas privativas; Práticas desalinhadas do ponto de vista conceitual e prático entre unidades socioeducativas, nos programas e entre os órgãos operadores do Sistema; Superlotação nas unidades socioeducativas; Inadequação de suas instalações físicas: ausência de cofinanciamento na manutenção, condições insalubres e ausência de espaços físicos adequados para escolarização, lazer, profissionalização, saúde e outras políticas necessárias; Ausência de vagas no sistema para atendimento de todos os adolescentes a quem foi aplicada a medida, etc. Frente à esse quadro de desafios, a situação do sistema socioeducativo brasileiro encontra-se fragilizada e com sua eficácia dificultada. Eficácia essa que não pode ser identificada sob a perspectiva gerencial, a qual coloca os resultados solicitados pelo empregador - que no caso das MSE seria o Estado - acima da qualidade efetiva do serviço prestado à população, ou seja, ao adolescente, sua família e a comunidade. Outrossim, se refere ao sentido da garantia da efetivação da proteção integral ao adolescente e a qualidade da intervenção, podendo propiciar um pensamento emancipatório e pedagógico ao sujeito sob a perspectiva dos direitos e deveres. 3310

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 CONCLUSÃO Diante do contexto analisado, é possível refletir que na contemporaneidade são muitos os desafios postos para a efetivação da medida socioeducativa de internação, devido se tratar da medida mais severa e por dispor, muitas vezes, de condições mínimas para sua manutenção, tanto materiais como de recursos humanos, se tratando da qualificação permanente dos trabalhadores e do preenchimento da equipe profissional. Isso pois, verifica-se que num contexto de retirada de direitos, sucateamento da política pública e de desmonte do Estado a capacitação permanente, o debruçar nas leituras e em problematizações, se faz preciso para o enfrentamento da questão social e dos ataques ao Estado de direito. Logo, conforme Guerra e Henrich (2019) analisam, esse processo se dá devido os ditames do capital e do neoliberalismo, os quais acarretam na falta de investimento de políticas públicas de qualidade, o que impossibilita que os direitos assegurados pela lei venham a ser efetivos na realidade. Porém, também é necessário o entendimento de que num sistema social marginalizador, opressor e desigual, um pleno Estado de direito é impossibilitado de se realizar. A lógica do capital reproduz seus costumes, seus modos de produção e reprodução da vida social, fazendo com que todos, cientes ou não desse processo, participem e socializem sua lógica, gerando um ciclo vicioso de desigualdade e de crise social. A juventude, dessa forma, também se envolve nessa lógica. E as questões relativas à transgressão da lei, através do ato infracional, representam mais uma expressão da questão social, ocasionada, contraditoriamente, pelo próprio sistema social que as recrimina e sanciona. Considerando isso, a falta de acesso aos bens e serviços sociais e aos direitos; o rompimento com os vínculos afetivos familiares; a insuficiência das políticas sociais e a “reincidência” através do tráfego, dentre outros atos análogos ao crime, são alguns exemplos que podem incidir na vida do adolescente egresso da internação. Por isso, o acompanhamento após a sua saída da instituição é preciso e ainda mais a verificação se este acompanhamento está sendo eficaz de alguma forma na vida do jovem. 3311

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Por outro lado, é importante dizer que as disposições legais fornecem possibilidades para o enfrentamento da negação dos direitos e que devem ser utilizadas no combate contra a desigualdade, a violência e opressão acometidos contra as crianças e os adolescentes em situação de violação de direitos, buscando, assim a garantia da Proteção Integral desses indivíduos. Contudo, compreende-se que não basta somente estabelecer aparatos formais-legais para orientarem a execução da medida socioeducativa, sem que haja capacidade real de mudança da vida objetiva e subjetiva do sujeito. Se deve atentar quais são as determinações estruturais e históricas que podem tê-lo levado a praticar o ato, além de verificar se após o cumprimento da medida o sujeito terá possibilidades ou não de se direcionar por outros caminhos que não sejam o confronto com a lei. Daí vem a necessidade da articulação efetiva com as demais políticas públicas, Assistência Social, Educação e Saúde, como também a necessidade de praticar o exercício do senso crítico ao analisar a realidade e ir em busca por novas estratégias de intervenção. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto nº 5.083, de 1 de dezembro de 1926. Rio de Janeiro, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVil_03/decreto/Historicos/DPL/DPL5083-1926.htm>. Acesso em: 7 de set. de 2019. ______. Decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Código de Menores. Rio de Janeiro, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910- 1929/D17943A.htm>. Acesso em 7 de set. De 2019. ______. Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979. Código de Menores. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697.htm> Acesso em 7 de set. De 2019. ______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 13 ago. 2019. ______. Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Brasília, Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011- 2014/2012/Lei/L12594.htm>. Acesso em: 15 ago. 2019. 3312

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ______. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). LEVANTAMENTO ANUAL SINASE 2016. Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018. ______. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos (SDH). Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo: Diretrizes e eixos operativos para o SINASE. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2013. 39 p. CAVALCANTE, Carmem Plácida Sousa; CAMPOS, Herculano Ricardo. Adolescente “infrator”: Pensares e fazeres no Rio Grande do Norte dos governos militares ao ECA. Estudos de Psicologia, [s.l.], v. 21, n. 3, set. 2016. GN1 Genesis Network. http://dx.doi.org/10.5935/1678-4669.20160033. CISNE, Mirla; SANTOS, Silvana Mara Moraes dos. Fundamentos teóricos-políticos da diversidade humana, do heteropatriarcado e do racismo. In: CISNE, Mirla; SANTOS, Silvana Mara Moraes dos. Feminismo, diversidade sexual e serviço social. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2018. Cap. 1. p. 23-88. EVANGELISTA, Dalmo de Oliveira. Barreiras da sobrevivência: angústias e dilemas de jovens infratores pós-institucionalização. 2008. 228 f. Tese (Doutorado) - Curso de Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. FREITAS, Tais Pereira de. Serviço Social e medidas socioeducativas: o trabalho na perspectiva da garantia de direitos. Serviço Social & Sociedade, [s.l.], n. 105, p.30-49, mar. 2011. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0101- 66282011000100003. GUERRA, Simone Z.; HENRICH, Giovana. As implicações sociais da prática de atos infracionais e da privação de liberdade em uma instituição total para adolescentes em conflito com a lei. Serviço Social em Revista, v. 21, n. 2, p. 443-462, 2019. Ministério dos Direitos Humanos MDS. Medidas Socioeducativas. 2015. Disponível em:<http://mds.gov.br/assistencia-social-suas/servicos-e-programas/servico-de- protecao-social-a-adolescentes-em-cumprimento-de-medida-socioeducativa-de- liberdade-assistida-la-e-de-prestacao-de-servicos-a-comunidade-psc#wrapper>. Acesso em: 26 nov. 2019. SANTANA, Liliane Szczepanski. Adolescente em conflito com a Lei. In: LAZZATOTTO, Gislei D. R.; et al.. Medida Socioeducativa entre A & Z. Porto Alegre: Ufrgs: Evangraí, 2014. p. 24-26. SILVA, Silmara Carneiro e. Socioeducação e juventude: reflexões sobre a educação de adolescentes e jovens para a vida em liberdade. Serviço Social em Revista, [s.l.], v. 14, n. 2, p.96-118, 22 dez. 2012. Universidade Estadual de Londrina. http://dx.doi.org/10.5433/1679-4842.2012v14n2p96. 3313

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Medida Socioeducativa. In: LAZZATOTTO, Gislei D. R.; et al. Medida Socioeducativa entre A & Z. Porto Alegre: Ufrgs: Evangraí, 2014. p. 167-170. VOLPI, Mário. O novo contexto da doutrina de proteção integral aplicada aos adolescentes em conflito com a lei. In: VOLPI, Mário. Sem Liberdade, Sem Direitos: a privação de liberdade a percepção do adolescente. São Paulo: Cortez, 2001. Cap. 1. p. 23-35. 3314

EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NA SÉRIE GAME OF THRONES Sara kalinne Mendes1 Michelly Santos de Carvalho2 RESUMO Este trabalho busca analisar a violência contra a mulher na série Game of Thrones que reforça a cultura do estupro. Foram selecionadas três personagens que durante as oito temporadas da série sofreram abuso sexual. Para elaborar a análise recorremos à metodologia da análise de conteúdo de Bardin (1979) elegendo como categorias: o percurso das personagens na série e as formas de violência às quais foram submetidas. Foi possível observar que a série reitera a cultura do estupro banalização a violência sexual praticada com as personagens selecionada para a análise (Daenerys Targaryen, Cersei Lannister e Sansa Stark). Além de reforçar a cultura da violência contra a mulher a série destaca vários estereótipos de gênero. Palavras-Chaves: Game of Thrones. Violência contra a Mulher. Cultura do Estupro. Análise de Conteúdo. ABSTRACT This paper analyzes the violence against women in the Game of Thrones series reinforces the culture of rape. Three characters were who during the eight seasons suffered sexual abuse. To elaborate the analysis we resorted to the methodology of content analysis of Bardin (1979) choosing as categories: the trajectory of the characters in the series and the forms of violence to which they were submitted. It was observed that the series reiterates the culture of rape trivialization of sexual violence practiced with the characters selected for analysis (Daenerys Targaryen, Cersei Lannister and Sansa Stark). In addition to reinforcing the culture of violence against women, the series highlights several gender stereotypes. Keywords: Game of Thrones. Violence against Women. Rape Culture. Content Analysis. 1 Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão. Email: [email protected] 2 Doutora em Sociologia da Comunicação pela Universidade do Minho/UFRJ. Professora Adjunta da Universidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz. Email: [email protected] 3315

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO Game of Thrones é a adaptação dos livros de fantasia medieval escrita por George R.R. Martin, chamado de “As Crônicas de Gelo e Fogo”. A série criada por David Benioff e D.B. Weiss para a emissora HBO é um sucesso de crítica e público, no entanto, o programa peca em mostrar em excesso cenas de violência sexual contra personagens femininas importantes na trama. Já no primeiro episódio, a personagem de Daenerys Targaryen é estuprada depois de ter se casado contra a sua vontade. Cenas similares acontecem de novo com outras personagens femininas como Cersei Lannister, estuprada pelo “irmão-amante” em frente ao túmulo do filho deles; e Sansa Stark, que além de ser obrigada a casar contra vontade, é violentada pelo marido na noite de núpcias enquanto é assistida pelo “irmão de criação”, e que durante o período do casamento passa por inúmeras torturas psicológicas que quase a leva ao suicídio. Essas cenas especificamente são chocantes, principalmente questionamos o porquê de ter sido empregada tamanha violência contra as personagens já que não justificaria ter essas cenas no enredo delas, que estavam sendo construídas aos poucos na trama como: Cersei com sua obsessão em ser Rainha, jogando o jogo dos tronos como ela já citou; Daenerys que vive uma vida tranquila antes de ser vendida pelo irmão e na série é abusada na noite de núpcia; e Sansa que foi obrigada a se casar e ser estuprada física e psicologicamente pelo marido. Pois há outros meios que poderiam deixá-las fortes e determinadas, sem esses recursos, pois um estupro acaba devastando uma pessoa muitas vezes. Este estudo objetivou a violência contra a mulher na série Game of Thrones. O seriado é o mais rentável da emissora HBO, com o maior índice de público, alcançando em 2014 18,4 milhões de pessoas assistindo um episódio semanal ao vivo e pelo streaming HBO GO (HOLLYWOOD REPORTER, 2014). Este número é ainda mais surpreendente ao se pensar que se trata de um canal pago. (ROSA, 2018). Em Game of Thrones há mulheres fortes, mas com desenvolvimentos ruins e poucos aproveitáveis, em que mulheres com grandes poderes acabam tendo um fim trágico ou sofrido com estupros para se tornarem personagens fortes, o que reforça a cultura do estupro. 3316

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A escolha das três personagens se deu pelo fato serem as personagens que mais tiveram suas tramas alteradas e por sofreram violências sexuais, ao contrário do que acontece com outras personagens femininas mostradas na série como Arya Stark, Catelyn Stark e Margaery Tyrell. Além disso, são personagens que fazem parte de todos os episódios das oito temporadas de Game of Thrones. A metodologia utilizada é a análise de conteúdo (BARDIN, 1977) das temporadas da série estadunidense Game of Thrones. A análise de conteúdo foi feita a partir das seleções de cenas que mostram as trajetórias das personagens femininas principais: Daenerys Targaryen, Cersei Lannister e Sansa Stark, o perfil, as características e as transformações de cada uma das personagens escolhidas. Além de montar uma linha cronológica contando o rumo que a trama das personagens sofreu nas temporadas da série. 2 EPISÓDIO I - A CULTURA DO ESTUPRO O termo “cultura do estupro” surgiu em 1970, nos Estados Unidos, com o objetivo de mostrar como a sociedade culpava as mulheres vítimas de violência sexual. A cultura do estupro envolve crenças e normas comportamentais que banalizam e toleram a violência sexual contra a mulher. Para Quinan (2016), a cultura do estupro ainda é muito presente em nossa sociedade onde mulheres não se sentem seguras em andar sozinhas por ser simplesmente mulher, onde o homem ainda tem uma certa dominação em relação ao sexo oposto. Ela é consequência de toda a desvantagem da mulher em relação ao homem, principalmente em relação ao poder – podendo este ser sexual, político, social, familiar etc. A cultura do estupro acata o abuso sexual e o considera parte do “ser mulher”, e só é possível devido a uma socialização do gênero feminino submissa ao gênero masculino, reforçando valores de passividade e agressividade, respectivamente. (QUINAN, 2016, p.21). Segundo Renata Floriano (2017, p.5) “é denominado cultura do estupro o conjunto de violências simbólicas que viabilizam a legitimação, a tolerância e o estímulo à violação sexual”. A autora também explana sobre o papel do poder masculino em 3317

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI nossa sociedade em relação a cultura do estupro, em que o sexo e o poder não possuem uma linha que os separada e sim que os une: Não se trata de confundir a atividade sexual consentida com a violação sexual, nada disso, mas é importante compreender como os dois se cruzam na concepção do estuprador, da vítima, do Estado e da sociedade em geral, mesmo que estes não se deem conta disso. Uma grande parte desse problema está na notável repressão sexual sofrida pela mulher, em contraposição ao incentivo sexual recebido pelos homens. O que é um paradoxo numa sociedade majoritariamente heteronormativa, onde parece muito incoerente que os homens, desde a mais tenra idade, sejam incitados ao sexo, enquanto que as mulheres recebam instruções contrárias. Este problema tem um tratamento especial, sendo resolvido de maneira aparentemente muito simplista através das distinções sociais estabelecidas sobre as mulheres entre ‘mulher para casar’ e a ‘desviada’. (FLORIANO, 2017, p. 14) O homem ainda tem um muito poder em nossa sociedade. Sua palavra ainda é mais em comparação com a voz das mulheres que sempre são deixadas de lado quando dão opinião ou sofrem algum tipo de violência. Como já citado, a culpa pelas violências e abusos sofridos pelas mulheres ainda são colocadas na conta destas. A palavra da mulher não tem a mesma força que a do homem o que leva muitas vezes a impunidade. Assim, quando se fala em relações de poder “Na sociedade patriarcal, o sexo tem relação íntima com o poder, de modo a ser uma das formas de manutenção do status quo.” (FLORIANO, 2017, p. 15). O estupro faz parte da vida de todas as mulheres, seja através da experiência própria, de relatos, do medo ou da necessidade de evitar situações de risco. Desde jovem, recai sobre a mulher a responsabilidade de prevenir o abuso sexual, ao mesmo tempo em que o homem não aprende sobre consentimento, pelo contrário, é ensinado que o corpo da fêmea é uma extensão do seu próprio poder. (QUINAN, 2016, p. 09) Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 35% das mulheres em todo o mundo já tenham sofrido qualquer violência física e/ou sexual praticada por parceiro íntimo ou violência sexual por um não-parceiro em algum momento de suas vidas. Ao mesmo tempo, alguns estudos nacionais mostram que até 70% das mulheres já foram vítimas de violência física e/ou sexual por parte de um parceiro íntimo. 3318

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Cerca de 120 milhões de garotas em todo o mundo (pouco mais de 1 em 10) tiveram relação sexual forçada ou outros atos sexuais forçados em algum momento de suas vidas. De acordo com estudo da Unicef, os agressores sexuais mais comuns são os atuais ou ex-maridos, companheiros ou namorados. Segundo dados do IBGE, a cada ano, cerca de 1,2 milhão de mulheres sofrem agressões no Brasil. Pelas estimativas do Ipea, destas, 500 mil são estupradas, sendo que somente 52 mil ocorrências chegam ao conhecimento da polícia. Para Beauvoir (1970), a relação do homem com a mulher nunca foi oposta ou igual, e sim superior: “O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de dizermos ‘os homens’ para designar os seres humanos” (BEAUVOIR, 1970, p. 24), por outro lado, a mulher é considerada o lado “negativo”, o “Outro”. É preciso considerar, então, que existe toda uma produção midiática que não apenas é afetada por essa ideia, mas também a reforça e sustenta, muitas vezes culpabilizando a vítima de um abuso ou até mesmo relativizando a violência sexual. A violência sexual é mostrada em novelas, filmes, livros e todo tipo de produção cultural voltada para o entretenimento, muitas vezes de forma a extrair desse tipo de situação uma comicidade que não existe de fato – é criada para atrair audiência e como mais uma forma de banalizar essa violação. (QUINAN, 2016, p. 22). 3 EPISÓDIO II: A SINA DO SER MULHER EM GAME OF THRONES Daenerys Targaryen Originados de Valíria, os Targaryen não são nativos de Westeros. O brasão de sua casa é um dragão de três cabeças vermelho sob o fundo negro, seu lema é: “Fogo e Sangue”. Única família de Senhores de Dragões que sobreviveu à perdição de Valíria, os Targaryen permaneceram por aproximadamente 100 anos refugiados na sua fortaleza localizada na foz da Baía da Água Negra, Pedra do Dragão. Durante esse período, eles demonstraram pouco interesse pelos assuntos de Westeros, até que Aegon Targaryen, juntamente com suas irmãs/esposas Visenya e Rhaenys Targaryen que seguiam o costume de praticar o casamento incestuoso, casando irmãos e irmãs para manter o sangue de dragão “puro”, planejaram a conquista de todo o continente. Montados em três dragões, eles subjugaram seis dos sete reinos e foram coroados soberanos de todos aqueles domínios. Por quase 300 anos, a casa 3319

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Targaryen governou incontestável, em Westeros, contribuindo de forma significativa para a modernização do reino. Essa situação sofreu uma reviravolta quando Robert da casa Baratheon organizou uma rebelião para destronar Aerys II, conhecido como “o rei louco”. Em sua infância, Dany era uma garota tímida e dócil. Ela não conheceu outra vida além da que teve no exílio, dependente de seu irmão, Viserys Targaryen, que a amedrontava. Ele era a única família que ela conhecia, mas era cruel com a irmã, propenso a mudanças de humor e surtos de violência. Acreditando que conquistaria os Sete Reinos, ao invés de se casar com a irmã, Viserys a usa como moeda de troca e a vende para Khal Drogo, líder da tribo Dothraki (um povo nômade e de costumes próprios, que anda em bandos conhecidos como Khalasares), em troca de um exército que o ajudaria a reclamar seu posto como soberano de Westeros. Nos livros, a noite de núpcias é consensual mesmo que Dany não quisesse se casar, Khal não a obriga a ter relações com ele. Mas na série ocorre totalmente ao contrário, Drogo estupra Dany. A cena essa é apresentada no final do episódio inaugural da primeira temporada. Daenerys (agora Khaleesi), seu irmão e seu khalasar (grupo liderado por Khal Drogo) viajam para a única cidade Dothraki, Vaes Dothrak. Daenerys engravida e Viserys se torna cada vez mais impaciente com a espera da ajuda de Drogo e seu exército. Conforme a trama se desenvolve, Daenerys passa a ter voz e chega inclusive a enfrentar o irmão porque este não aceita receber ordens dela, e chega a dar um tapa em Daenerys por tê-lo enfrentado. É então que Daenerys se defende e bate no rosto de Viserys, e já em outra cena ela assiste a morte do irmão, quando este exige o seu pagamento a Khal Drogo e ameaça tirar o filho que Dany está esperando. Então, Khal Drogo dá a ele uma “coroa de ouro” – ouro derretido que é derramado na sua cabeça. A tribo khalasar de Drogo continua indo para o oeste conquistando terras estrangeiras. Em uma cidade Daenerys salva uma bruxa chamada Mirri Maz Duur, que é chamada de Maegi (uma espécie de feiticeira), e a coloca à seu serviço. Khal Drogo é ferido por uma luta e fica entre a vida e a morte, Daenerys pede a feiticeira que o salve, mas a mesma a engana e causa a morte de seu filho e marido. A Targaryen é abandonada pela maior parte do seu khalasar, mata Maegi, queimando-a na pira funerária de Drogo e entra no fogo juntamente com seus ovos de 3320

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dragão (presentes de casamento). Como resultado disso, os ovos dão vida a três dragões que a garota dá o nome de Viserion, Rhaegal e Drogon, em homenagem a seus irmãos e a seu marido. A garota sai intacta das chamas e é chamada de \"a não queimada\" e \"mãe de dragões\". Apenas os velhos e doentes do khalasar de Drogo, os remanescentes, juram lealdade a ela que se torna a primeira mulher a liderar um clã Dothraki, uma khaleesi. Daenerys passa por muitas dificuldades ao longo do caminho que percorre para conseguir o Trono de Ferro, ela consegue um exército de Imaculados e liberta uma cidade de escravos que passam a chamá-la de mhysa (mãe). Ela também consegue o exército de Dothraki depois que é sequestrada e mata os líderes da tribo queimados (essa cena não existe no livro apenas na série). Sansa Stark A Casa Stark é a família protetora do reino do Norte, sendo Winterfell sua sede, um dos sete reinos de Westeros unificados sob o Trono de Ferro. Seu símbolo é um grande lobo cinzento sob um fundo branco, representando um campo de neve. Formada por Eddard Stark e Catelyn Stark (antes pertencente a casa Tully, senhores de Correrrio, outro dos sete reinos), seus cinco filhos biológicos, Arya, Bran, Robb, Rickon e Sansa e pelo filho bastardo de Eddard, Jon Snow; e pelo protegido Theon Greyjoy (casa juramentada a Correrrio, também conhecido como as Terras Fluviais). Sansa Stark é a filha mais velha de Catelyn e Eddard Stark. Ela tem circo irmãos: Robb, Bran e Rickon, e ainda, sua irmã mais nova, Arya, e um irmão bastardo chamado Jon Snow. Sansa tem os cabelos ruivos que herda da linhagem de sua mãe, os Tully, além de ter os olhos azuis, é descrita nos livros como alta, educada, feminina e elegante. No começo dos livros ela tem onze anos. Na série de televisão ela aparenta ter 14 anos e é interpretada pela atriz Sophie Turner. Sansa deste de pequena foi ensinada a ser uma dama. Por conta destes ensinamentos, ela sabe bordar, cantar, dançar e recitar poesias. Ela é encantada por histórias de romance e aventura, principalmente aquelas que têm como tema princesas e cavaleiros. Inicialmente, essas canções e histórias eram a visão de Sansa sobre o 3321

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mundo. Ela foi brevemente acompanhada por um filhote de lobo gigante chamada de Lady. Nesse aspecto, Oliveira e Bastos (2016, p. 97-98) destacam como a personagem de Sansa reproduz o estereótipo donzelesco, “a princesa a espera de seu galante príncipe encantado” e que sonha com seu futuro casamento. Ao oferecer um banquete de boas-vindas para a família real “vemos a jovem Sansa em seu quarto, se arrumando, e indagando à sua mãe ‘Será que Joffrey irá gostar de mim? E se ele me achar feia? Ele é tão bonito. Quando vamos nos casar? Será logo ou teremos que esperar?’” (MARTIN, 1996, apud OLIVEIRA, BASTOS, 2016, p. 99). A relação de Sansa com sua irmã mais nova, Arya Stark, é geralmente problemática, as duas são opostas na maioria dos aspectos, enquanto crianças eram diferentes; suas personalidades e vontades, a maneira de ver e encarar a vida. Arya preferia andar a cavalo e brincar com os meninos do que aprender a cantar e bordar. Sansa e Arya acompanharam seu pai a Porto Real, capital do reino. Sansa estava prometida em casamento a Joffrey Baratheon, herdeiro do Trono de Ferro, e futuro Rei de Westeros, e se encantava com a ideia de se tornar rainha. Mas seus sonhos são destruídos quando por conspiração da família Lannister seu pai, que descobriu a verdade sobre os filhos da rainha Cersei Lannister (os filhos eram na verdade irmãos dela), é acusado de traição e, consequentemente, sentenciado à morte por Joffrey que agora havia se tornado rei. Depois desse trágico acontecimento Sansa passa por inúmeras torturas físicas e psicológicas nas mãos de Joffrey. Numa delas, Sansa foi obrigada a ver a cabeça decapitada de seu pai em uma estaca secando ao sol, além disso, ela sofre com inúmeras surras que o garoto manda aplicar a ela quando está com raiva. Para uma menina que cresceu lendo histórias de príncipes e princesas e romances perfeitos, não poderia mesmo ter sido diferente – como seria possível desconstruir uma vida inteira de ensinamentos patriarcais? Com o desenrolar dos fatos e o jogar dos dados, terminamos por encontrar Sansa não mais como convidada, mas prisioneira em Porto Real, longe da família e sozinha. Ela é obrigada pelos Lannister a se casar com o anão Tyrion Lannister contra a vontade de ambos. Sansa tenta o máximo esconder seus sentimentos sobre seu marido duende desfigurado, permanecendo cortês com ele, apesar de seu desgosto com a sua 3322

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI aparência física. Tyrion não exige que ela consume o casamento, e Sansa é grata a isso, especialmente depois de saber da morte de seu irmão Robb e da mãe no evento que ficou conhecido como Casamento Vermelho (tragédia orquestrada pelos Lannister em conjunto com as casas Bolton e Frey, que almejavam o domínio do Norte e de Correrrio, respectivamente). Sansa consegue fugir de Porto Real com ajuda de Petyr Baelish, mais conhecido pro Mindinho, e é levada para o Ninho da Águia onde vive sua tia Lysa Arryn e seu filho doente, Robin (nos livros chamado Robert em homenagem ao rei). Sua tia é apaixonada por Mindinho e logo se casa com ele quando chega ao Ninho da Águia. Mas Mindinho tem uma paixão secreta por Sansa por ela se parecer com sua mãe, antigo amor dele. Lysa vê o beijo dos dois e fica furiosa e tenta matar Sansa, mas é impedida por Mindinho e consequentemente Lysa é morta por ele. Ela passa por inúmeros abusos tantos físicos como sexuais, a ponto de não querer mais viver quando é ameaçada por outra personagem, amante de Ramsey. A partir daí tenta fugir de seu marido e é capturada. O casamento forçado de Sansa e Ramsey constitui uma tentativa de legitimá-los como Protetores do Norte, já que Sansa é a última remanescente da casa Stark. No fim, a Sansa Stark de Game of Thrones difere tanto de sua personagem original dos livros, como qualquer outra personagem. De uma garotinha sonhadora e frágil, passa a ser uma assassina vingativa, por conta dos abusos e violências sofridas. Cersei Lannister A Casa Lannister é uma das principais casas dos Sete Reinos sendo os Protetores do Sul, seu castelo é chamado Rochedo Casterly, seu lema é “Ouça-me rugir”, porém a frase pelo qual ficaram conhecidos é: “Um Lannister sempre paga suas dívidas”, seu brasão é um leão dourado sob um fundo vermelho sangue. Na série a família é composta por: Tywin Lannister, o patriarca; Cersei Lannister, a rainha regente; Jaime Lannister, o Lorde Comandante da Guarda Real e também irmão gêmeo de Cersei - tendo os dois uma relação incestuosa, na qual tem três filhos juntos (Joffrey, Myrcella e Tommen, que possuem o sobrenome Baratheon pois foram concebidos dentro do matrimonio entre 3323

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Cersei e Robert); Tyrion Lannister, o anão e filho mais novo de Tywin, considerado uma aberração dos deuses. Na série de TV, a personagem Cersei Lannister é interpretada pela atriz britânica Lena Headey. Cersei é descrita nos livros como uma mulher muito bonita, com claros traços típicos dos Lannister: cabelo loiro, olhos verdes, pele clara e um belo corpo. O incesto praticado pela rainha é um dos fatores que contribuíram para o início da guerra civil de Westeros. Isso porque, em sua passagem pelo Norte, o casal de irmãos é flagrado em uma relação sexual por um dos filhos de Ned Stark, Bran. O garoto escalou uma das torres de Winferfell e os observou por uma janela. Jamie, para proteger o segredo, empurra a criança, que fica entre a vida e a morte. Este acontecimento terá reverberações futuras, quando a esposa de Ned, Catelyn, ao descobrir que o atentado contra seu filho foi tramado pelos Lannister, sequestra o outro irmão de Cersei, Tyrion, o que causa uma animosidade entre os Stark e os Lannister, iniciando os conflitos da guerra. Bryan Cogman (2013), apresenta Cersei Lannister em seu livro “Por dentro da série da HBO Game of Thrones” como “Esposa do Rei Robert e rainha de Westeros3. Quando o rei Robert Baratheon marido de Cersei morre, ela assume a posição de rainha regente. Seu poder manipulador alcança outras escalas ao tentar ditar as novas regras para comandar Porto Real. Quando Ned tenta declarar a ilegitimidade de Joffrey no trono, é a rainha quem toma as decisões fazendo um esquema para que Ned seja desacreditado e sendo julgado por traição. Cersei acredita em uma profecia que ouviu quando era criança de uma suposta bruxa que lhe disse que ela seria infeliz no casamento e que seus filhos morrerão como reis e rainhas, e depois tudo que ela ama será tomado por uma rainha mais jovem e mais bela. Depois da morte de Joffrey quando Cersei fica sozinha com o corpo de seu filho na capela, Jaime seu irmão e amante entra e a obriga a fazer sexo com ele na frente do corpo do filho morto, Cersei recusa mais não consegue se soltar de Jaime. Esse fato acaba sendo esquecido pelo resto das temporadas. 3 Cersei [...] não tem medo de jogar sujo em favor de seus interesses. Ela não nutre amor ou afeição pelo marido – de fato, o amor de sua vida é seu irmão gêmeo, Jaime, com quem mantém uma relação incestuosa desde a juventude”. (COGMAN, 2013, p.76) 3324

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Cersei teme que Margaery Tyrell, a esposa de Tommen, tente usurpar o poder dela como rainha e tenta sem sucesso, separá-la do filho, com isso ela permitiu que o novo Alto Septão ressuscitasse a Fé Militante, ignorando os problemas que tal organização havia causado aos monarcas no passado. Mas ela cai em sua própria armadilha quando vai visitar o Grande Septo de Baelor, o Alto Pardal (líder da Fé) a aprisiona e faz com que confesse seus pecados, depois de muita humilhação ela confessa seu incesto com seu irmão para poder ser libertada da prisão, porém ela tem que fazer uma “caminhada da vergonha” para poder ser libertada, ela anda entre a multidão de Porto Real nua até a Fortaleza Vermelha, castelo da família real na capital. Ela arranja com seu colaborador Qyburn (um ex-meistre) explosivos de fogo-vivo a serem detonados durante a reunião da Fé Militante no Septo de Baelor para o julgamento de Loras Tyrell, e mata numa grande explosão o Alto Pardal, Margaery, e todo o Pequeno Conselho além dos soldados da Fé. Como resultado, Tommen comete suicídio saltando do alto do castelo, deixando Cersei completamente devastada ao ver a profecia de Maggy, a bruxa, se cumprindo. Com a Casa Baratheon oficialmente extinta e sem herdeiros, Cersei é oficialmente coroada como Rainha dos Sete Reinos. Na última temporada, Cersei descobre que está grávida de Jaime, mas este a abandona depois que ela recusa ajudar o Norte com o exército dos “Outros”. Mas Jaime (que estava no Norte lutando contra o exército) volta para o lado da irmã quando descobre que Daenerys vai para Porto Real reivindicar o Trono de Ferro. Os dois morrem juntos quando Daenerys Targaryen com seu dragão queima o castelo onde ela se encontrava e ambos morrem soterrados. 4 EPISÓDIO III: O ESTUPRO DAS PERSONAGENS O estupro de Daenerys Targaryen acontece no primeiro episódio da primeira temporada de Game of Thrones intitulado “Winter Is Coming” (O Inverno está chegando, em tradução livre), que foi ao ar em 11 de abril de 2011. Os personagens Daenerys e Khal Drogo são protagonistas, tal como ilustra a imagem 4. A cena acontece durante a noite de núpcias, nos minutos 57:15. Drogo se aproxima de Dany e tira a parte superior de seu vestido, deixado seus seios a mostra, a câmera foca neles, a garota até tenta colocar os braços em volta dos seios mas Khal tira. A cena não é muito longa mas 3325

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI percebemos o rosto de choro de Daenerys quando Drogo a faz ficar abaixada para penetrá-la, algo que fica bem explícito. Nos livros essa cena da noite de núpcias é completamente diferente. Embora ela também estivesse assustada com o casamento com um estranho selvagem, Daenerys é seduzida por ele depois do casamento. Drogo pede explicitamente o consentimento dela para consumar o matrimônio e a noiva diz “sim” aos seus avanços. Essa parte é importante porque é especialmente relevante já que essa parte nos livros é contada pelo ponto de vista da própria Daenerys, sendo que ela não precisaria ter motivos para mentir. O estupro criado na série confunde o desenvolvimento da relação destes personagens, já que Drogo e Daenerys acabam por se envolver afetivamente e viver momentos de cumplicidade e amor no decorrer da narrativa, à exemplo do que ocorre no livro. [...] quando está a sós com Drogo, a personagem entende que a escolha de consumar ou não o casamento naquela noite é dela. Nas páginas, ela dá uma permissão e toma a iniciativa. O livro, diferente da série, não explicita posições da relação sexual, pois o trecho literário termina antes dessa consumação. (SCHARDONG, 2015, p. 8). Recentemente a atriz que deu vida a Daenerys, Emilia Clarke deu uma entrevista ao podcast Armchair Expert (2019) onde disse que não ficou confortável nas cenas de nudez que teve que fazer na série. Ela era uma atriz inexperiente na época em sets de filmagens o que a deixou ainda mais constrangida. A atriz foi pressionada pela equipe a fazer as cenas para não “desapontar os fãs”. Emilia Clarke contou que não foi avisada sobre a quantidade de nudez na história antes de ler o roteiro. \"Eu tive brigas no set em que dizia: 'Não, o lençol vai me cobrir até o pescoço'. E eles diziam: 'Você não quer decepcionar os fãs de Game of Thrones, quer?'. E eu respondia: 'Vão se f*der'\". Ela ainda falou que chorava no banheiro do set quando tinha que fazer as cenas e fingir que tudo estava bem. O único que a ajudou a passar pelas cenas foi o ator Jason Momoa, o intérprete de Khal Drogo, que dizia para ela “Não, querida, não é certo [se eles te pressionarem a fazer algo que você não quer]”. 3326


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