ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI autores de ato infracional. A definição de ato infracional está presente no artigo 103, sendo esse “a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (BRASIL, 1990, n.p.). Quando constatada a prática de ato infracional, o ECA prevê, em seu artigo 112 a aplicação das seguintes medidas socioeducativas aos adolescente: advertência, quando o adolescente deve comparecer a autoridade judicial para ser advertido no que tange ao ato infracional cometido; obrigação de reparar o dano, o adolescente deverá compensar o prejuízo à vítima; prestação de serviço à comunidade, o adolescente realizará tarefas gratuitas e de interesse coletivo; liberdade assistida, o adolescente será acompanhado por profissionais, por no mínimo seis meses, visando promover o adolescente e sua família, acompanhar a escolarização bem como a profissionalização; semiliberdade, podendo ser determinado logo de início ou como meio de transição para o meio aberto, o adolescente é privado da sua liberdade ao passo em que é acompanhado e possibilitado de realizar atividades externas; internação, última instância, é a mais severa das medidas, uma vez que o adolescente é privado totalmente da sua liberdade, só deverá ser aplicada em caso de ato infracional constituído como grave, descumprimento de medida anterior imposta, não devendo exceder à três anos de internação. (BRASIL, 1990) A medida de internação é estabelecida pelo ECA, no artigo 121, como “medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.” (BRASIL, 1990, n.p.). Destarte, é garantido aos adolescentes que estão cumprindo a medida de internação direitos tais quais: “ser informado de sua situação processual, receber visitas, corresponder-se com familiares e amigos, ser tratado com respeito e dignidade, ter alojamento com condições adequadas de higiene e salubridade, entre outros” (FREITAS, 2011, p.36). As medidas socioeducativas não podem ser aplicadas desvinculadas das medidas de proteção social também estabelecidas pelo ECA, pois os adolescentes que se tornam autores da violência, na maioria dos casos com práticas com potencial ofensivo contra a propriedade e não diretamente contra as pessoas, também são vítimas da violência em suas várias expressões sociais, institucionais e familiares. (VALE; NEVES, 2012, p.172). Tejadas (s.a., p.9) ressalta o campo contraditório em que se inserem as medidas socioeducativas “a iniciar pela sua almejada face responsabilizadora e socioeducativa, que se efetivam em um contexto de imposição ao jovem”. Devido a isso torna-se tênue 3049
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a linha entre o propósito educativo e o viés opressivo, no que se refere à medida de internação, uma vez que o contexto em que o adolescente autor de ato infracional é distinto do seu ambiente social e cultural. Faz-se necessário à articulação entre os aspectos socioeducativos e os disciplinares, de modo que preponderam as necessidades dos adolescentes. 3 CONCLUSÃO Diante do que foi elucidado, percebe-se o desenvolvimento em relação a garantia de direitos e dignidade da condição humana das crianças e adolescentes. Comparando-se ao final do século XIX em que as crianças e adolescentes eram tratados com a mesma compatibilidade que adultos, no século XX temos avanços em relação a esse reconhecimento de pessoas em estado de desenvolvimento, através de Declarações e Convenções, e do movimento da própria sociedade e de pensadores que começaram a visualizar as condições degradantes que esses seres humanos estavam sujeitos na sociedade, sem o mínimo de proteção. No Brasil esse avanço no assunto se dá apenas no final do século XX já com a Constituição Cidadã, que foi resultado da luta dos movimentos sociais brasileiros em busca da sua redemocratização, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que concerna em relação aos direitos que protegem, e os distanciam de condições que prejudiquem sua fase de desenvolvimento. Porém ainda existem lacunas na efetivação desses direitos e da proteção da dignidade humana desses adolescentes, algo que pode ser analisado e comparado ainda as antigas formas de tratamento que eram submetidos, antes da Constituição Cidadã e do ECA, isso pode ser visualizado principalmente quando averiguado as condições em que são tratadas os adolescentes que são direcionados ao regime de internação, que na sua execução se distanciam daquilo que é promulgado no ECA e se aproxima das condições degradantes que eram exercidos anterior ao Estatuto e atualmente ainda se aproximam no que tange o Código Penal, em relação ao seu encarceramento e os modos que são tratamentos, de forma punitiva e repressiva, sem o exercício de atividades pedagógicas, a estrutura das instituições de internação que se assemelham a presídios, as condições dos alojamentos que são comparados a celas, e outros fatores que se expressam de forma nítida. 3050
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS ANDRADE, L.B.P. Direitos da infância: da tutela e proteção à cidadania e educação. In: Educação Infantil: discurso, legislação e práticas institucionais. [Online]. São Paulo: Editora UNESP. São Paulo: Cultura Acadêmica. 2010. 193 p. ISBN 978-85-7983-085-3. Disponível em: http://books.scielo.org/id/h8pyf/pdf/andrade-9788579830853- 07.pdf?fbclid=IwAR01DfV4vLrHGCtQ2xQPW8_qmxm34PxDnxbNZfIzwif70UXIyRrycM- Qwqs. Acesso em: 15 mai. 2019. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 10 mar. 2019. BRASIL. Decreto n° 99.710, de 21 de Novembro de 1990. Promulga a convenção sobre os Direitos da Criança. Brasília, DF, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm. Acesso em: 10 mar. 2019. BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 10 mar. 2019. FREITAS, T.P. Serviço Social e medidas socioeducativas: o trabalho na perspectiva da garantia de direitos. Serv. Soc. Soc. São Paulo. n.105. Jan./Mar. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282011000100003. Acesso em: 10 mai. 2019. TEJADAS, S.S. Nota Técnica acerca da atuação das/os assistentes sociais em comissão de avaliação disciplinar conforme Previsão do SINASE. CFESS (org.). Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS-NotaTecnica-SilviaTejadas-Sinase.pdf. Acesso em: 6 mai. 2019. SCISLESKI, A.C.C.; BRUNO, B.S.; GALEANO, G.B.; et. al. Medida socioeducativa de internação: estratégia punitiva ou protetiva? Psicologia & Sociedade. 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v27n3/1807-0310-psoc-27-03- 00505.pdf?fbclid=IwAR00pYW8rjAKeOoUSq3TmGKnMm1aLFkD2rCO1XfrVkEn3ElSAPJc ftLiWt0. Acesso em: 10 mai. 2019. VALE, J.M.B.T; NEVES, A.S. Privativa de Liberdade: A reciprocidade de Violência na Contemporaneidade. Revista Mal-Estar e Subjetividade. Vol. XII. n. 12. p. 135-176. Mar./Jun. 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/malestar/v12n1- 2/06.pdf. Acesso em: 10 mai. 2019. 3051
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO PARA A PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL PUBLIC POLICIES AS AN INSTRUMENT FOR THE PROMOTION AND PROTECTION OF FUNDAMENTAL RIGHTS IN BRAZIL Cristiana de Oliveira 1 RESUMO Os direitos fundamentais, especialmente os sociais, estão em constante deterioração no Brasil, isso se deve ao atual cenário de crise político-econômica somado ao crescimento e à cristalização das doutrinas neoliberais. Diante disso, é essencial buscar ferramentas voltadas para a promoção e proteção dos direitos humanos fundamentais no país. Para tanto, o objeto de estudo fixado foi as políticas públicas, explorado por meio da revisão de literatura científica, de modo a verificar se de fato as políticas públicas são ferramentas eficazes para a promoção e proteção dos direitos fundamentais atualmente no país. Palavras-Chaves: Direitos Fundamentais. Políticas Públicas. Brasil. ABSTRACT Fundamental rights, especially social rights, are constantly deteriorating in Brazil, this is due to the current scenario of political and economic crisis added to the growth and crystallization of neoliberal doctrines. Therefore, it is essential to seek tools aimed at promoting and protecting fundamental human rights in the country. For that, the object of study was public policies, explored through the review of scientific literature, in order to verify whether public policies are in fact effective tools for the promotion and protection of fundamental rights in the country today. Keywords: Fundamental Rights. Public Policies. Brazil. 1 Advogada; Especialista em Direitos Humanos e Questão Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR; Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. 3044
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, verificou-se a constante evolução e dominação das políticas neoliberais ao redor do mundo. No Brasil, a implementação dos preceitos neoliberais vem ocorrendo desde o governo Collor, e, conjuntamente com a crise político- econômica vivida no atual cenário brasileiro, culminaram na constante deterioração dos direitos fundamentais no país, especialmente os sociais, o que resultou no alarmante número de 13,5 milhões de pessoas vivendo em situação de extrema pobreza no ano de 2018, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2019). Além do aumento da extrema pobreza, verifica-se ainda o aumento da já então alta concentração de renda, das desigualdades e exclusão social, conjuntamente com desregulamentação dos direitos trabalhistas e previdenciários (reforma trabalhista e da previdência). Em meio a este cenário, se faz necessário analisar os diferentes instrumentos existentes disponíveis para a promoção e proteção dos direitos fundamentais no país, sendo um dos mais relevantes, a formulação e implementação de políticas públicas. Para verificar a eficácia destas políticas como meio de promoção e proteção dos direitos fundamentais, buscou-se: a) definir direitos fundamentais e realizar sua conexão aos direitos humanos; b) analisar as características da República Federativa do Brasil; c) definir as políticas públicas e verificar sua eficácia na promoção e proteção dos direitos fundamentais. Assim, o objeto de estudo da presente pesquisa limita-se essencialmente à demonstração da efetividade das políticas públicas como instrumento para a promoção e proteção dos direitos fundamentais no cenário brasileiro atual, que resultou dos impactos da redemocratização no país após a queda da ditadura militar e a promulgação da Constituição Federal de 88, bem como da implementação dos preceitos neoliberais. Para a elaboração deste artigo, utilizou-se o método descritivo que segundo Costa e Costa (2015, p. 36) “[...] descreve as características de uma determinada população ou um determinado fenômeno e os interpreta”. Conjuntamente, utilizou-se a abordagem qualitativa, que por meio da interpretação, busca o aprofundamento na compreensão das questões levantadas. 3045
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O artigo foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos, teses e dissertações, localizados no portal de periódicos Cappes, na biblioteca eletrônica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e através de dados disponibilizados em sites oficiais do governo, como o IBGE; 2 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS A perseguição e busca pelos direitos humanos são tão antigas quanto a própria história da humanidade. Tais direitos são definidos segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), como aqueles inerentes a cada ser humano independendo de suas características individuais, possuindo, portanto, um caráter universal, supranacional e tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos foram adquiridos através de grandes processos de luta e desenvolvimento, por isso, utiliza-se como parâmetro para estudos e como referência histórica, a teoria geracional dos direitos humanos criada por Karel Vasak e amplamente difundida por Norberto Bobbio, que subdivide os direitos humanos em gerações ou dimensões, segundo Bobbio, representando para tanto a conquista gradativa destes direitos. A primeira geração representa a conquista dos direitos civis e políticos que exigiram a limitação do poder do Estado como resposta ao Absolutismo existente na época, e como resultado garantiu, além de outros, o direito à liberdade, à propriedade e à participação política. Os de segunda geração, representam a conquista dos direitos econômicos, sociais e culturais, e em contraponto aos de primeira geração, exigem uma conduta positiva do Estado, que deve fornecer, dentre outros, a saúde, o trabalho, a educação e a alimentação. Por último, surge a divisão dos direitos em terceira geração, conhecidos como direitos de solidariedade, ou aqueles de titularidade difusa ou transindividual, como a paz, o desenvolvimento e o meio ambiente, cujo contexto histórico para sua obtenção foi o Pós-Segunda Guerra Mundial e a revolução tecnocientífica. Ressalta-se que existem ainda outras gerações em discussão pelos mais diversos doutrinadores, mas ante a ausência de consenso e a não relevância para a presente pesquisa, optou-se por sua não descrição. 3046
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Um marco histórico para a luta dos direitos humanos, foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, obtida como resposta às atrocidades ocorridas durante a 2ª Guerra Mundial. A partir deste marco, segundo Piovesan (2006 apud JUNIOR, 2009, p. 31), os Estados firmaram um compromisso ético consistente na efetivação dos direitos universalmente considerados mais relevantes para o ser humano. No entanto, tal documento ainda que aborde inúmeros direitos, não vincula os Estados a cumprirem seus dispositivos, razão pela qual estes direitos devem ser institucionalizados. Como já defendia Alexy (1999, p. 57): como mera declaração, um catálogo de direitos do homem permanece sem efeito. Os direitos do homem devem ser transformados em direito positivo para que seu cumprimento esteja garantido. O preâmbulo manifesta isto claramente quando ele diz “é essencial proteger os direitos do homem pelo domínio do direito”. Esta passagem dos direitos do homem para o domínio do direito leva à metamorfose dos direitos humanos para os direitos fundamentais. Bem explica Alvarenga (2015): assim sendo, no momento em que os direitos humanos são incorporados pela Constituição de um país, eles ganham status de direitos fundamentais, haja vista que o constituinte originário é livre para eleger, em um elenco de direitos humanos, aqueles que serão constitucionalizados por um Estado ou nação. Diante do caráter abstrato dos direitos humanos e havendo a necessidade de sua concretização e proteção, surge, além da necessidade de sua institucionalização ou inserção no âmbito jurídico, a necessidade do Estado como interventor, organizador, concretizador, garantidor e protetor dos direitos fundamentais, tal como prevê Alexy (1999, p. 62): os direitos do homem conduzem, portanto, por três fundamentos para a necessidade do Estado e do direito: por causa da necessidade de sua concretização, se for necessário, também com coação, da necessidade de não só discutir sobre questões de interpretação e ponderação mas também decidí-las e por causa da necessidade de organização o cumprimento de direitos do homem. A simples inserção no sistema jurídico não é suficiente para a concretização dos direitos, é necessária a materialização na vida de cada indivíduo tutelado pela Constituição. Assim, garantir uma educação de qualidade, não necessariamente faz com que o sistema educacional brasileiro imediatamente atinja uma educação de qualidade. 3047
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Segundo Júnior (2009, p. 26), “A mera previsão abstrata do direito fundamental, sem a concessão material do bem de vida, implica igualmente em lesão e, portanto, sujeita o Estado à obrigação de satisfazê-lo”. O Estado então, aparece como o principal responsável, porém não o único, pela promoção e proteção dos direitos fundamentais, que podem ser obtidas através de diversas ferramentas, como a ação popular, mandado de segurança, ação civil pública e as políticas públicas. 3 CARACTERÍSTICAS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL A origem do Estado, segundo a teoria contratualista, baseia-se no produto de acordos individuais para a busca de determinado fim. Ele surge, portanto, para a consecução do bem comum, que consiste como detalha Matias-Pereira (2017, p. 12): [...] na realização de justiça, segurança, defesa do interesse geral, respeito e na proteção da pessoa e de seus direitos individuais. O Estado, dessa forma, tem a missão de cuidar diretamente, por meio de planejamento e coordenação da cooperação social, de todas as necessidades existenciais de seus habitantes. Isso se concretiza por meio de políticas públicas consistentes, e de um efetivo sistema de direitos humanos, que proteja o indivíduo, lhe ofertando a ajuda e facilitando para que tenha uma vida proveitosa, ordenada, justa e livre em sociedade. Assim, diante da realização de um pacto social que funda o Estado, legitimado quando, como prevê Matias-Pereira (2017, p. 14), está disposto a atender o que propõe a lei e quando expressiva parte da população o reconhece por estar cumprindo os objetivos propostos pelo grupo. A legitimação do Estado está intrinsecamente ligada a obediência às normas legais pelo aparato estatal, esta submissão tem como o ponto de origem o Estado Liberal, que fundamentou o Estado de Direito, implicando, segundo Liberati (2013, p. 51): a submissão do poder estatal à ordem jurídica, com a substituição da vontade do governante pela vontade geral expressa na lei, a primazia do Poder Legislativo sobre o Executivo, o reconhecimento da esfera de liberdade dos cidadãos, indevassável pelo Estado, e sujeita a restrições apenas se impostas pela via legislativa. Como evolução ao governo das leis, surge a supremacia da Constituição, submetendo toda a ordem legal e o poder público aos mandamentos desta, que ordena 3048
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a estrutura social do país e limita o poder estatal, conforme explica Júnior (2018, p. 81), com força normativa e caráter vinculativo e obrigatório. A Constituição possui caráter supremo frente às outras normas e atos dos poderes públicos, que devem possuir compatibilidade, segundo Júnior (2018, p. 201) “material (o conteúdo dos atos deve ser harmonioso com o conteúdo constitucional) e formal (os atos devem ser elaborados conforme os procedimentos estabelecidos pela Lei Maior). É possível observar, conforme demonstra Liberati (2013, p. 53) “A Constituição não é somente ordem que sistematiza o Direito; pretende também, estabilizar, assegurar e determinar um quadro para o desenvolvimento da vida social e política de uma determinada comunidade”. A função de assegurar um quadro para o desenvolvimento da vida social do país é fundamental e feita com maestria pela Constituição Federal de 88, a Constituição Cidadã, cuja promulgação foi resultado da queda do Regime Militar brasileiro (1964- 1985), fundando o Estado Democrático de Direito, fortemente atrelado à justiça social, como é possível observar em seus fundamentos (art. 1º) principalmente no que se refere à dignidade da pessoa humana e em seus objetivos fundamentais (art. 3º) constituídos pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O constituinte optou pela democracia como forma de governo, cuja característica é o controle das ações do Estado pela supremacia exercida pelo interesse geral da população. Tal como aponta Liberati (2013, p. 106), “No Estado Democrático de Direito, a soberania advém do próprio povo, cuja titularidade é exercida diretamente ou por meio de seus representantes [...]”. A democracia brasileira está em constante aprimoramento diante de seu caráter recente, tendo ainda baixa participação popular no controle governamental e na elaboração de políticas públicas. O regime democrático é um conceito essencial à efetivação dos direitos fundamentais, conforme Junior (2009, p. 35): democracia, portando é conceito obrigatoriamente anelado à efetiva proteção dos direitos fundamentais. Se o Estado garante a liberdade dos cidadãos, mas não executa os atos materiais necessários para a consecução 3049
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI efetiva da igualdade substancial, não pode ser realmente considerado democrático. A Carta Magna descreve em seu título II, um rol extenso e não exaustivo de direitos fundamentais, como por exemplo, em seus artigos 5º e 6º, sendo respectivamente os direitos e garantias individuais e direitos sociais. Segundo Neto (apud Alvarenga, 2015), para a promoção e proteção dos direitos fundamentais há a necessidade de três instrumentos básicos: a) o Estado Democrático de Direito, que vinculará e limitará o poder estatal; b) a rigidez constitucional, que excluirá a possibilidade de retrocesso em relação aos direitos conquistados; c) e o controle de constitucionalidade, que irá desconstituir os atos contrários aos direitos. Com um rol de direitos fundamentais garantidos constitucionalmente, principalmente os de caráter social, como a educação, alimentação, assistência social e trabalho, atrelado a existência das três características acima mencionadas, o Brasil, no entanto, ainda é um país com alta desigualdade social e concentração de renda, como apontam os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019), onde o rendimento médio mensal da população 1% mais rica é aproximadamente 34 vezes maior do que da metade mais pobre, isto no ano de 2018, de modo que o rendimento da parcela mais rica, em média, foi de R$ 27.744,00 por mês, enquanto os 50% da população mais pobre ganharam em média R$ 820,00. Complementando os dados acima mencionados, os 10% mais pobres possuíam 0,8 % da massa de rendimento enquanto os 10% mais ricos obtinham 43,1% da massa de rendimento brasileira. O IBGE (2019) também divulgou que no ano de 2018, 13,5 milhões de pessoas viviam com renda mensal per capita inferior a R$ 145, ou seja, em condições de extrema pobreza. Estes dados apontam sérias falhas quanto a efetivação dos direitos garantidos constitucionalmente, além ferirem a dignidade da pessoa humana e a igualdade material entre os cidadãos, conceitos basilares da República Federativa do Brasil. A pobreza, a concentração de renda, as desigualdades econômicas e sociais, a fome, a ausência de educação pública de qualidade, o desemprego, a desregulamentação de direitos, a violência, dentre outras características, é reforçada pela implantação do modelo neoliberal no Brasil, ocorrida desde o governo Collor, dificultando a garantia dos direitos humanos fundamentais previstos 3050
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI constitucionalmente, principalmente os de cunho social. Segundo Lima e Rossi (2017, p. 140): [...] as políticas neoliberais atuadas em mais de 30 anos parecem aprofundar os níveis de desigualdades sociais, em todo o mundo, mas especialmente nos Estados periféricos e semi periféricos e, não obstante, continuam avançando apesar mesmo da própria crise financeira global que atinge o capitalismo desde 2008. O cenário político-econômico atual é deveras preocupante, porém, com o auxílio da sociedade civil, fundado nos objetivos constitucionais, juntamente com a utilização de ferramentas disponíveis, como as políticas públicas, pode-se garantir a proteção e a promoção dos direitos fundamentais. 4 AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO INSTRUMENTO PARA A PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO BRASIL Fruto do Estado Social e da evolução do governo dos homens para o governo das leis, a atuação estatal está voltada para a implementação de políticas públicas que devem concretizar os direitos previstos na lei e fundamentalmente na Constituição Federal do país. O Brasil apresenta em sua Constituição, extenso rol de direitos fundamentais, que devem direcionar e vincular a implementação das políticas públicas. Mas o que seriam políticas públicas? Segundo Anastasia e Pires (2017, p. 51): em linha descritiva, o mote políticas públicas abrange o conjunto de estratégias, programas, objetivos, metas, atividades e ações articuladas desenvolvido pelo Estado, direta ou indiretamente, com vistas a assegurar direitos fundamentais, de forma geral, setorial ou por segmento social; a resolver problemas públicos que afetam a cidadania e o bem-estar da coletividade; e a propiciar ou fomentar o desenvolvimento estrutural, econômico e social sustentável mediante a interação dos múltiplos e distintos atores. Pode ter índole distributiva, redistributiva, regulatória, constitutiva ou compensatória. Ou ainda conforme Liberati (2013, p. 85-86): [...] das diversas definições de políticas públicas, adota-se uma posição mista, considerando-as como um processo ou conjunto de processos que culmina na escolha racional e coletiva de prioridades, para a definição dos interesses públicos reconhecidos pelo Direito [...]. Cabe ressaltar que as políticas públicas não efetivam apenas os direitos sociais, elas podem ser políticas públicas ambientais, econômicas, culturais, de defesa de 3051
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI direitos específicos, de infraestrutura, entre outras. Logo, são importantes ferramentas políticas para a concretização dos mais diversos planos governamentais, nas mais diversas áreas de interesse, possibilitando a realização do fim máximo do Estado, o bem comum. O Brasil, fixado como Estado Democrático de Direito, cujos alicerces foram fundados nos direitos humanos, disponibilizou os mais amplos instrumentos para a perseguição e proteção destes direitos, garantindo-os constitucionalmente como objetivos a serem buscados pelos governantes nos mais diversos mandatos e, sendo positivados, possibilitou inclusive a judicialização dos mesmos. No entanto, como qualquer instrumento de cunho político, as políticas públicas podem ser distorcidas para o atendimento dos interesses particulares e das elites econômicas. Para inibir estes atos discricionários visando “ganhos próprios”, a estrutura do Estado, do governo e social ordenada pela Constituição Federal de 88, favoreceu a participação da sociedade nos espaços públicos, especialmente no ciclo das políticas públicas. Conjuntamente com a estrutura organizada pela Constituição Federal, a gestão pública tem se desenvolvido para atingir o bem comum, como apresenta Procopiuk (2013, p. 292), a gestão pública do país passa por um intenso processo de transformação, influenciado pela redemocratização e reforma do Estado, cujo eixo principal é a descentralização com a finalidade de aproximação da ação pública das aspirações da sociedade. A institucionalização de práticas inovadoras nas relações entre níveis de governo e de sociedade e Estado, bem como a participação de novos agentes no ciclo das políticas públicas, contribuem para superar as deficiências na relação entre Estado e sociedade no Brasil. Assim, como o Estado se mostrou ineficiente em diversos momentos históricos para o gerenciamento de problemas sociais e econômicos, ficou garantida pela Constituição Federal de 88 a participação popular na gestão pública, o que pode mitigar o caráter altamente discricionário, permeado de interesses políticos e das elites no que se refere às decisões governamentais para a elaboração das políticas públicas, tal como Matias-Pereira (2017, p. 261): 3052
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI [...] torna-se necessário que a sociedade passe a participar de maneira mais ativa nas discussões que tratam da formulação e implementação de políticas públicas, pois é por meio dessa participação que serão, de forma gradativa, substituídas as soluções de interesse pessoal ou de grupos pelas de estrutura permanente e de alcance coletivo. A vontade da população, traduzida pela implementação das diferentes políticas, estará orientando os diferentes setores das atividades econômicas e sociais do Brasil, visando ao desenvolvimento e ao bem comum da sociedade. A participação da sociedade no ciclo das políticas é garantida por meio dos conselhos gestores de políticas públicas, e tal como afirma Liberati (2013, p. 150): os conselhos gestores de políticas públicas constituem uma das principais experiências de democracia participativa no Brasil contemporâneo. Estado e sociedade civil convocados pela Constituição, para, lado a lado, decidirem sobre a formulação e implantação das políticas públicas necessárias à comunidade. Constituem-se em um dos instrumentos de efetiva participação popular, no processo de gestão político-administrativo-financeiro e técnico-- operativo, com caráter democrático e descentralizado. Assim, a sociedade civil tem a possibilidade de participação, através destes conselhos, na idealização, formulação, implementação, fiscalização e avaliação das políticas públicas, podendo corrigir as parcialidades comuns na política governamental. Desse modo, serão apresentadas inúmeras propostas para a implementação de políticas pelos diversos atores sociais e pelos membros do próprio governo, e, diante da diversidade de interesses dos diversos grupos que compõem a sociedade, caberá ao poder público eleger àquelas prioritárias segundo sua proposta governamental e recursos financeiros disponíveis, mas que deverão ser vinculadas à promoção dos direitos humanos, como afirma Liberati (2003, p. 75) “O Estado não tem discricionariedade social em relação à proteção de todos os direitos do homem [...]. Como os direitos fundamentais gozam de um núcleo indisponível, o Estado sofre limitação pela regra constitucional da dignidade humana”. As políticas públicas são instrumentos de ação do governo, que conjuntamente com o crescimento de práticas democráticas exercidas pela sociedade civil, formam um grande canal para a promoção e proteção dos direitos fundamentais no país. Direitos estes eleitos pelo constituinte para formar a base, conjuntamente com Democracia, da República Federativa do Brasil. E, portanto, objetivos a serem alcançados pelo Estado. 3053
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 5 CONCLUSÃO A Constituição Federal, idealizada no pós-ditadura militar, garantiu a redemocratização do país e um extenso rol de direitos fundamentais aos brasileiros e brasileiras, fundou o Estado Democrático de Direito baseado na justiça social e na dignidade da pessoa humana, o que acabou por facilitar a exigência de direitos fundamentais frente ao Poder Judiciário e favoreceu o surgimento e crescimento da participação popular no espaço público. As políticas públicas são instrumentos de extrema importância para a efetivação dos direitos fundamentais no Brasil, no entanto, como estão fortemente atreladas aos interesses políticos particulares dos governantes e elites no poder, correm risco de perder o caráter promocional e protetivo dos direitos fundamentais, apresentando entraves ao desenvolvimento e inclusão social. Ainda que apresente este caráter discricionário, por meio da intensa participação dos brasileiros e brasileiras e o exercício de sua cidadania nos espaços públicos, seja por meio dos conselhos gestores de políticas públicas, garantidos constitucionalmente, seja pela crescente influência do terceiro setor ou da própria pressão popular através dos movimentos sociais, as políticas públicas podem garantir diversas e importantes mudanças estruturais, ambientais, econômicas e sociais, e com o devido controle da sociedade civil organizada podem inclusive possuir continuidade nos diferentes governos. É fundamental que para a ocorrência de todas estas mudanças na gestão governamental das políticas públicas, haja também uma mudança no próprio exercício da cidadania e no entendimento do que é a democracia no Brasil, que por si só, fundamenta a soberania popular frente às injustiças sociais e econômicas e as discricionaridades do Poder Público. É importante que o Estado se oriente de forma a cumprir o seu fim máximo, o bem comum, de modo a assegurar que os interesses e demandas sociais prevaleçam ante os interesses particulares. REFERÊNCIAS AIRES, Mariella Carvalho de Farias. Direitos Humanos. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria. Doutrinas Essenciais Direitos Humanos – Volume I. 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. 3054
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.217, p. 55-66, 1999. DOI: http://dx.doi.org/10.12660/rda.v217.1999.47413. Dispoível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/47413/0. Acesso em: 05 abril 2020. ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. Conceito – Objetivo – Diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_27021556_CONCEITO__OBJETIVO__DIFERENCA_ENT RE_DIREITOS_HUMANOS_E_DIREITOS_FUNDAMENTAIS.aspx. Acesso em: 22 mar. 2020 ANASTASIA, Antonio Augusto Junho; PIRES, Maria Coeli Simões. O papel do federalismo na execução das políticas públicas: impactos na distribuição de reiceita pública e nas responsabilidades dos entes federados. In: MENDES, Gilmar; PAIVA, Paulo. Políticas Públicas no Brasil: uma abordagem institucional. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2017 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Acesso em 14 abr. 2020. COSTA, Marco Antonio F. da; COSTA, Maria de Fátima Varrozo da. Projeto de Pesquisa Entenda e Faça. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 2015. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa Garcia. O futuro dos direitos humanos fundamentais. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria. Doutrinas Essenciais Direitos Humanos – Volume I. 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Extrema pobreza atinge 13,5 milhões de pessoas e chega ao maior nível em 7 anos. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao- maior-nivel-em-7-anos. Acesso em: 16 abr. 2020 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Renda do trabalho do 1% mais rico é 34 vezes maior que da metade mais pobre. 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/25702-renda-do-trabalho-do-1-mais-rico-e-34-vezes-maior-que-da- metade-mais-pobre. Acesso em: 16 abr. 2020 JUNIOR, Osvaldo Canela. A efetivação dos direitos fundamentais através do processo coletivo: o âmbito de cognição das políticas públicas pelo poder judiciário. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-03062011-114104/pt- br.php. Acesso em: 17 mar. 2020 MATIAS-PEREIRA, José. Finanças Públicas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2017. 3055
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI JÚNIOR, Flávio Martins Alves Nunes. Constitucionalismo. In: JÚNIOR, Flávio Martins Alves Nunes. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. cap. 1, p. 43-139. JÚNIOR, Flávio Martins Alves Nunes. Teoria da Constituição. In: JÚNIOR, Flávio Martins Alves Nunes. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. cap. 3, p. 157-231. LIBERATI, Wilson Donizeti. Políticas Públicas no Estado Constitucional. 1.ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2013. LIMA, Cézar Bueno de Lima; ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Direitos Humanos Fundamentais e Cosntituição: o constitucionalismo contemporâneo Latino-Americano e suas possibilidades emancipatórias no contexto da globalização neoliberal. Revista de Estudos e Pesquisas Sobre as Américas, Brasília, v. 11, n. 2, p. 127-144, 2017. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/repam/article/view/15954/14243. Acesso em 10 abr. 2020. MINHOTO, Antonio Celso Baeta. Os desafios contemporâneos da eficácia, da efetividade e dos conflitos no campo dos direitos fundamentais. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria. Doutrinas Essenciais Direitos Humanos – Volume I. 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. O que são direitos humanos?. Disponível em: https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/. Acesso em: 20 abr. 2020. PROCOPIUCK, Mario. Políticas públicas e fundamentos da administração pública. 1.ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2013. 3056
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: um diálogo através de diretrizes internacionais PUBLIC POLICIES TO COMBAT VIOLENCE AGAINST WOMEN: a dialogue through international guidelines Wannya Priscila Alves Fortes de Melo 1 RESUMO A presença da violência contra a mulher é a forma mais clara de evidenciar as marcas da desigualdade de gênero na sociedade. Em toda a sua existência, o ser mulher necessitou estar em posição de combate. Nesse sentido, o presente estudo, mediante abordagem que propicia a constante dignificação do ser humano, possui como escopo de discussão e análise as políticas públicas como instrumentos facilitadores na atenuação dos índices de violência contra a mulher. Bem como, instrumentos que traduzem em seu interior preceitos de importantes documentos internacionais que versam sobre os direitos humanos das mulheres. Palavras-Chaves: Violência Contra a Mulher. Desigualdade De Gênero. Políticas Públicas. Direitos Humanos. ABSTRACT The presence of violence against women is the clearest way to highlight the marks of gender inequality in society. In all its existence, being a woman needed to be in a combat position. In this sense, the present study, through an approach that provides the constant dignification of the human being, has the scope of discussion and analysis of public policies as facilitating instruments in mitigating the rates of violence against women. As well as, instruments that translate within it the precepts of important international documents that deal with women's human rights. Keywords: Violence Against Women. Gender Inequality. Public Policy. Human Rights. 1 Graduanda do Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí. E-mail: [email protected] 3044
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO Partindo do ponto que a lógica em que prevalece a violência é advinda de uma série de construções, entende-se que a formulação de políticas públicas constitui importante mecanismo de desconstrução da violência contra a mulher. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho consiste, inicialmente, em analisar a historicidade das políticas públicas como instrumentos que possibilitam atenuar os índices de violência contra a mulher, percorrendo para isso, um trajeto que data desde a década de oitenta, em que se contava com anseios ainda em construção, até os dias atuais em que se tem uma legislação mais amadurecida no que tange à proteção da mulher. Posteriormente, objetiva-se com o artigo, promover uma discussão sobre as perspectivas de as políticas públicas incorporarem ou não em seus núcleos diretrizes preconizadas em documentos internacionais. Quanto à metodologia, este estudo adotou como estratégia metodológica a revisão bibliográfica, realizada através de livros, artigos científicos e periódicos publicados em meio eletrônico. Ademais, optou-se por utilizar método de pesquisa documental essencialmente qualitativo. 2 DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E GÊNERO A presença da violência contra a mulher é a forma mais clara de evidenciar as marcas da desigualdade de gênero na sociedade. Conforme definição trazida por Santos e Izumino (2005, p.155-156), construída através de referências à estudos da historiadora e feminista americana Joan Scott, “gênero é definido como uma relação socialmente construída entre homens e mulheres, servindo como categoria de análise para se investigar a construção social do feminino e do masculino”. Nas palavras de Scott (1988) gênero é o primeiro campo no qual ou através do qual o poder é articulado. A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres considera o enfoque de gênero primordial para compreender o fenômeno da violência: A violência contra as mulheres só pode ser entendida no contexto das relações desiguais de gênero, como forma de reprodução do controle do corpo feminino e das mulheres numa sociedade sexista e patriarcal. As desigualdades de gênero têm, assim, na violência contra as mulheres, sua 3045
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI expressão máxima que, por sua vez, deve ser compreendida como uma violação dos direitos humanos das mulheres. (BRASIL, 2011, p. 21). Durante séculos o sexo feminino foi inferiorizado, reflexo de um longo processo de subjugação, no qual a figura da mulher criada unicamente para procriar e servir aos seus maridos foi notoriamente naturalizada em detrimento da figura de uma mulher que se opõe aos papéis preconizados pelo patriarcado em busca de sua dignidade como pessoa humana. A ótica segregacionista e a relação vertical que coloca homens e mulheres em posições diferentes, e nesse caso, mulheres em um posto inferior, construiu um cenário no qual a violência esteve presente na vida cotidiana das mulheres. De acordo com Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres, a violência contra as mulheres, é “a violação de direitos humanos mais tolerada do mundo”. Com base nessa afirmação, entender o histórico de violação dos direitos humanos das mulheres, o conceito de violência contra a mulher, seus tipos e a marcante diferença entre gêneros que perpetua a sociedade brasileira, é um dos passos para se construir um cenário onde convivem a tolerância e a liberdade. Conforme demonstra a Jurista Flávia Piovesan (2014, p. 21): Enquanto um construído histórico, os direitos humanos das mulheres não traduzem uma história linear, não compõem uma marcha triunfal, nem tampouco uma causa perdida. Mas refletem, a todo tempo, a história de um combate, mediante processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana, como invoca, em sua complexidade e dinâmica, o movimento feminista, em sua trajetória plural. Como bem enfatiza Piovesan, não se trata de história linear, muito pelo contrário, a história das mulheres traduz um longo caminho de luta e resistência. Em toda a sua existência, o ser mulher necessitou estar em posição de combate. No pós-guerra, ao passo em que os direitos humanos estavam sendo consolidados pelo mundo à fora, sobretudo através da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, existiam diversos obstáculos ligados a questões referentes às desigualdades sociais, saúde da mulher e violência doméstica. Somente com a criação de mecanismos especiais de proteção voltados especificamente às mulheres – nesse caso, o sujeito de direito – a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as 3046
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Formas de Discriminação contra a Mulher (1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), houve um fortalecimento no quesito direitos humanos das mulheres. Contudo, mesmo após significativos avanços, a questão da violência contra a mulher continua presente ao longo dos anos. Nesse sentido, com a tentativa de elucidar de forma clara, cabe fazer a devida conceituação da expressão “violência contra a mulher”. Marilena Chauí (1985), umas das primeiras estudiosas brasileiras a estudar a violência contra a mulher, a concebe como resultado de uma ideologia de dominação masculina, incorporada e reproduzida por homens e mulheres. Nas palavras de Santos e Izumino (2005, p.149) sobre os escritos de Chauí, a autora define violência, Como uma ação que transforma diferenças em desigualdades hierárquicas com o fim de dominar, explorar e oprimir. A ação violenta trata o ser dominado como “objeto” e não como “sujeito”, o qual é silenciado e se torna dependente e passivo. Nesse sentido, o ser dominado perde sua autonomia, ou seja, sua liberdade, entendida como “capacidade de autodeterminação para pensar, querer, sentir e agir”. De mesmo modo, para Strey (2004, p.13), a violência contra a mulher pode ser entendida como “a que incide, abrange e acontece sobre/com as pessoas em função do gênero ao qual pertence. Já para os efeitos da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, primeiro documento internacional que se preocupa em trazer à tona este problema, “Artigo 1 (...) entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. ” (ONU, 1994). Com base no art. 7° da Lei 13.340/2006, são formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, a física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Segundo a socióloga Heleieth Saffioti (1999, p.83), a violência familiar “envolve membros de uma mesma família extensa ou nuclear, levando-se em conta a consangüinidade e a afinidade. Compreendida na violência de gênero, a violência familiar pode ocorrer no interior do domicílio ou fora dele, embora seja mais frequente o primeiro caso.” 3047
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 INSTITUCIONALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL Segundo Tânia Pinafi (2007, p.1), em seu artigo intitulado Violência contra a mulher: políticas públicas e medidas protetivas na contemporaneidade, “a violência contra a mulher é produto de uma construção histórica — portanto, passível de desconstrução — que traz em seu seio estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder.” Visualizando a violência por esse viés, em que a violência se constrói com base em relações dinâmicas e mutáveis, entende-se que a desconstrução é não apenas possível, como, principalmente, ocorre mediante políticas públicas. Teles e Melo (2003) reforçam essa ideia ao afirmarem que as políticas públicas nascem como um importante mecanismo para a implementação da igualdade entre os gêneros. No Brasil, apenas na década de oitenta começaram a ser implementadas políticas públicas voltadas às questões de gênero, a fim de promover assistência à vítima violentada. A esse avanço pode-se atribuir diversas ações conjuntas, tanto de movimentos feministas como também de inúmeras Conferências Internacionais sobre os direitos das mulheres que estavam ocorrendo pelo mundo à fora, a exemplo da Conferência sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979. A respeito disso, Cavalcante e Oliveira (2017) acreditam ser resultado de diversos acordos internacionais aos quais o Brasil é signatário, surtindo efeito exatamente na implementação de políticas públicas que dialogam com documentos internacionais. No início da década de 80 grupos de feministas chamados SOS Mulheres começaram a ganhar força pelo país, fortalecendo a ideia de proteção aos direitos humanos das mulheres. Como destaca Cecília Macdowell (2010, p. 6), “estes grupos visavam conscientizar as mulheres sobre a dominação masculina, bem como chamar a atenção da sociedade para um problema que, naquela época, era considerado privado e “normal””. A partir do momento em que grupos como esses começaram a ganhar cada vez mais voz, as demandas sociais foram aumentando, sendo complexa a manutenção de um sistema de denúncias em delegacias policiais não especializadas. Nesse sentido, ainda na década de 80, mais especificamente em 1985, surge a primeira Delegacia 3048
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Especializada de Atendimento à Mulher (DEAMs), no estado de São Paulo. Para Izumino e Santos (2008, p. 34), as DEAMs “constituem ainda a principal política pública de enfrentamento à violência doméstica contra mulheres”. Além disso, as autoras reforçam a ideia de que a criação de Delegacias está atrelada a dois fatores: a expansão de movimentos feministas e de mulheres e ao processo de transição política do governo militar para o civil e de redemocratização do Estado, dando lugar a um Estado de Direito Democrático. (IZUMINO; SANTOS, 2008). Posteriormente, diversas políticas públicas surgiram, reforçando cada vez mais a necessidade de reconhecer direitos humanos às mulheres. Ainda em 1985 foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Logo em seguida, em 1986 surgia a primeira Casa-abrigo para mulheres em situação de risco de morte. (CAVALCANTE; OLIVEIRA, 2017). No ano de 2003, inaugura-se uma nova fase na promoção de políticas públicas destinadas às mulheres, quando é fundada a Secretaria de Políticas para Mulheres. Segundo Lourde M. Bandeira (2014, p.165), secretária executiva da Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, “A SPM tomou como tarefa urgente na efetivação das políticas públicas a discussão do enfrentamento das condições de desigualdades e discriminações vivenciadas pelas mulheres.” Além disso, a autora afirma que: A criação da SPM e a incorporação da temática de gênero/mulheres nas políticas públicas representaram um espaço inaugural no Estado Brasileiro, centrado no reconhecimento de que a desigualdade de gênero altera a estrutura de sustentação do desenvolvimento socioeconômico e cultural. (Bandeira, 2014, p.165). A autora continua sua discussão afirmando que em um mundo sustentável não pode existir a violência contra as mulheres, desafio que está sendo encarado de forma ativa pela SPM. (LOURDES, 2014). Uma das ações mais significativas e de grande alcance desenvolvida nos últimos anos para tratar da questão da violência doméstica e familiar contra a mulher foi a Lei 13.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Como bem destaca Flávia Piovesan (2014, p. 34), “ao repudiar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório concernente à violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha constitui uma conquista histórica na afirmação dos Direitos Humanos das mulheres”. 3049
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A Lei modificou o Código Penal Brasileiro criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de trazer diversas particularidades, as quais fazem parte, “medidas preventivas, assistenciais, educativas e de proteção à mulher e aos filhos, trabalho que é realizado por uma equipe técnica, geralmente formada por psicólogos e assistentes sociais”. (MORAES; RIBEIRO, 2012, p. 41). Além disso a Lei conta com medidas protetivas de urgência, dispostas no Título IV, Capítulo II e dispõe sobre a criação de Juizados de violência doméstica e familiar. Contudo, por maior que tenha sido as iniciativas favoráveis a implementação efetiva da LPM, desde a data de sua promulgação esta enfrenta resistências, obstáculos e desafios. (OBSERVE, 2010). Levando em consideração que a taxa de violência doméstica e familiar não havia diminuído significativamente, no ano de 2012 o Congresso Nacional resolveu investigar a respeito, por meio de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Além de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil, a Comissão se propôs a verificar casos de omissão por parte do Poder Público com relação à aplicação de instrumentos necessários à proteção de mulheres em situação de violência. O Relatório da CPMI apontou a deficiência das Políticas Públicas nesse sentido, além de trazer “como um de seus maiores propósitos a tipificação do Feminicídio, inclusive em atenção a recomendações internacionais, a fim de fortalecer as políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, visando efetivar o papel assumido pelo Estado”. (ROCHA; CARDOSO, 2016, p. 8). Nesse sentido, como resposta a uma recomendação da CPMI, é sancionada no ano de 2015 a Lei 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio, a qual altera o artigo 121 do Código Penal, prevendo o feminicídio como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio, além de considerar o crime como hediondo. Dessa forma, Apesar de suas falhas quanto à prevenção de crimes e proteção as mulheres, com a Lei n°13.104/2015, foram possíveis iniciarem um processo de desconstrução simbólica, imprescindível a conjuntura social da mulher, estimulando discussões para que evolua a difusão de políticas públicas, demostrando que esse é também um problema do estado e da sociedade. (LIMA; SANTOS, 2016, p. 8). 3050
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4 UMA SÍNTESE DE DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER De acordo com o Mapa da Violência de 2015, entre os anos de 1980 e 2013 morreu um total de 106.093 mulheres, vítimas de homicídio. (WAISELFISZ, 2015). Já no ano de 2017, conforme dados trazidos pelo Atlas da Violência de 2019, houve no Brasil 65.602 homicídios, número recorde em toda a história brasileira. (IPEA, 2019). O número é ainda mais alarmante se considerarmos não apenas os índices de homicídios, mas também o número de mulheres que são violentadas todos os dias. De acordo com um levantamento do Data Folha em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Nacional realizado no ano de 2019,16 milhões de mulheres maiores de 16 anos já sofreram algum tipo de violência, sendo que 42% dos casos aconteceu em casa. Além disso, a pesquisa revelou que em média, no espaço de uma hora, 536 mulheres são agredidas fisicamente. (FBSP, 2019). Outra pesquisa bastante significativa foi realizada no mesmo pelo Instituto de Pesquisa Data Senado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, com o intuito de ouvir as mulheres brasileiras acerca das agressões sofridas. Em resposta à pergunta “Você já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homem?”, 27% das mulheres responderam que sim, número que diminuiu em relação ao levantamento anterior de 2017, o qual era 29% para a mesma pergunta, mas que ainda continuou alarmante. (BRASIL, 2019). A pesquisa também demonstrou que 41% dos agressores eram marido/companheiro/namorado da vítima. Além disso, 31% das entrevistadas relataram não ter feito nada em relação a última agressão sofrida. (BRASIL, 2019). Os dados acima, ainda que expositivos, corroboram para entender a triste realidade vivenciada todos os dias por uma mulher que vive no território brasileiro, exposta a uma sociedade machista que mata mulheres por razões únicas e exclusivas pautadas em diferenças de sexo e gênero. 5 UM DIÁLOGO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS Como delimitado no segundo tópico desse artigo, desde a década de oitenta, diversas iniciativas sociais e governamentais foram criadas com o intuito de combater a 3051
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI violência contra a mulher de forma integral. Sem entrar no mérito de efetividade e eficácia dessas políticas públicas, é fato que foram embasadas por toda uma conjuntura e agenda internacional sobre direitos humanos. Cavalcante e Oliveira (2017, p.12) afirmam que: Foi a partir das conferências internacionais sobre a mulher e as lutas do movimento feminista que a questão da violência de gênero passou a ser considerada como um problema social, passando a requerer da sociedade e do Estado um entendimento mais amplo acerca da complexidade da questão. Nesse sentido, a maior parte das políticas públicas criadas voltadas a proteger as mulheres de qualquer forma de violência, possuem como alicerce Documentos e Convenções Internacionais aos quais o Brasil é signatário. O maior exemplo nesse sentido é exatamente a promulgação da Lei Maria da Penha. De acordo com o texto presente em seu artigo 1°: Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil. Como se pode observar, a criação da Lei carrega em seu núcleo toda uma trajetória de documentos que simbolizam em suas essências marcos de proteção aos direitos humanos da mulher. Parte do artigo 7° da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher endossa exatamente essa questão, “Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência. ” À vista disso, Flávia Piovesan (2014, p. 34) destaca que “a adoção da Lei Maria da Penha permitiu romper com o silêncio e a omissão do Estado brasileiro, que estavam a caracterizar um ilícito internacional, ao violar obrigações jurídicas internacionalmente contraídas quando da ratificação de tratados internacionais. ” Logo, a institucionalização dessa política pública está imbricada com o panorama internacional. (MARTINS, 2018). 3052
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 6 CONCLUSÃO O tema central de discussão e análise delimitado neste artigo – políticas públicas à luz dos Direitos Humanos- representou um marco na história do combate à violência contra a mulher em diversos aspectos. A fim de existir não apenas como objeto – retrato fiel pintado pelo seu opressor - o ser mulher necessitou resistir e lutar para ser o sujeito de sua história. A perda de sua autonomia, retratada através da criação de estereótipos com bases extremamente machistas, a colocou em uma posição de alvo da violência. Ao longo do artigo, constatou-se diversas políticas públicas que buscaram reconhecer no âmbito nacional direitos que ao longo de sua vida foram cerceados. Influenciados por movimentos de grupos feministas, pressões internas e externas, a formulação de políticas públicas voltadas a proteção dos direitos humanos das mulheres, permitiu e permite a desconstrução da violência. No momento em que foram criadas a Secretaria de Políticas para Mulheres e a Lei Maria da Penha, aquela especialmente para formular políticas públicas destinadas à promoção da igualdade social e de gênero, e esta para delimitar de maneira expressa os aspectos da violência doméstica e familiar contra a mulher e torná-la crime, foi possível observar quase que imediatamente a importância de existir tratados internacionais sobre Direitos Humanos que orientem as decisões nacionais. Dessa forma, ainda que se tenha um longo trajeto a percorrer para barrar de vez com a desigualdade de gênero e a violência contra a mulher, em especial a doméstica e familiar, diversas conquistas foram alcançadas, deixando já traçado o caminho rumo a dignificação da mulher em sua completude. REFERÊNCIAS BANDEIRA, L. M. Políticas Públicas para Mulheres: mulheres e sustentabilidade. São Paulo: Cadernos Jurídicos, ano 15, no 38, janeiro-abril, p. 165, 2014. Disponível em: < http://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/CadernosJuridicos/38vd%2012.pd f?d=636688301325046003>. Acesso em: 24 mai. 2020. BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília, p. 21, 2011. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica- 3053
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres>. Acesso em: 24 mai. 2020. _______. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 26 mai. 2020. ________. Instituto de Pesquisa Data Senado. Violência doméstica e familiar contra a Mulher. Brasília: 8. ed. 2019. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/violencia-contra-a- mulher-agressoes-cometidas-por-2018ex2019-aumentam-quase-3-vezes-em-8-anos- 1>. Acesso em: 26 mai. 2020. CAVALCANTE, E. C. T.; OLIVEIRA, R. C. Políticas Públicas de Combate à Violência de gênero. A rede de enfrentamento à violência contra a Mulheres. Revista de Pesquisa Interdisciplinar, Cajazeiras, v. 2, n. 2, 192-206, jun/dez, 2017. Disponível em: < http://revistas.ufcg.edu.br/cfp/index.php/pesquisainterdisciplinar/article/view/194>. Acesso em: 26 mai. 2020. CHAUÍ, M. Participando do Debate sobre Mulher e Violência. In: CARDOSO, R.; CHAUÍ, M.; e PAOLI, M. C. (Org.). Perspectivas Antropológicas da Mulher 4, São Paulo: Zahar, 1985. FBSP – FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. Brasília: 2. ed. 2019. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/relatorio- vitimizacao-de-mulheres-no-brasil-2deg-edicao>. Acesso em 25 mai. 2020. IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Atlas da Violência de 2019. Brasília, 2019. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605 _atlas_da_violencia_2019.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2020. IZUMINO, W. P.; SANTOS, C. M. Mapeamento das delegacias da mulher no Brasil. Campinas: Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp, p.34, 2008. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a- violencia/pdfs/mapeamento-das-delegacias-da-mulher-no-brasil>. Acesso em 26 mai. 2020. LIMA, C. S.; SANTOS, R. O. dos. Lei do Feminicídio e a sua efetividade como instrumento e proteção à mulher. Realize Eventos e editora, p. 8, 2016. Disponível em: < https://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV127_MD 1_SA7_ID7301_13082019110504.pdf>. Acesso em: 26. Mai. 2020. 3054
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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI públicas sobre violência contra mulheres no Brasil. Coimbra: Oficina do CES, Centro de Estudos Sociais, Oficina n. 301, mar. p. 6, 2010. Disponível em: <file:///C:/Users/User/Downloads/Da_Delegacia_da_mulher_a_Lei_Maria_da_Penha_ Lutas_.pdf>. Acesso em: 26 mai. 2020. SAFFIOTI, H. I. B. Já se mete a colher. Em briga de marido e mulher. São Paulo em Perspectiva, vol.13 n. 4. São Paulo: out – dez, p. 83, 1999. Disponível em < https://www.scielo.br/pdf/spp/v13n4/v13n4a08.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2020. SCOTT, J. W. Gender and the Politics of History. New York, Columbia University Press, 1988. STREY, M. N. Violência de gênero: uma questão complexa e interminável. In: STREY, M. N; AZAMBUJA, M. P. R.; JAEGER, F. P. (Orgs.). Violência, gênero e políticas públicas. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 13. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=VSEPqowQz0QC&printsec=frontcover&hl=pt- BR#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 25. Mai. 2020. TELES, M. A. de A.; MELO, M. de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003. WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil. Brasil, 2015. Disponível em: < http://www.onumulheres.org.br/wp- content/uploads/2016/04/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf>. Acesso em: 26 mai. 2020. 3056
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS A JUSTIÇA RESTAURATIVA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS: os programas institucionalizados RESTAURANT JUSTICE IN THE COURT OF JUSTICE DE MINAS GERAIS: institutionalized programs Júlia Barella Moreira1 Liliane Cristina Oliveira Hespanhol2 Eliana Bolorino Canteiro Martins3 RESUMO A Justiça Restaurativa configura um procedimento de colaboração que visa incentivar o enfrentamento de conflitos criminais a partir do contato mediado entre autor, vítima e os demais envolvidos. O presente artigo traz resultado parcial da pesquisa de doutorado intitulada: A Justiça Restaurativa no Poder Judiciário Brasileiro. O objetivo desta etapa da referida pesquisa se constituiu no mapeamento dos programas de Justiça Restaurativa no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a fim de compreender em quais espaços a JR já foi inserida. A temática insere-se na discussão da democratização do acesso à justiça, diante da crise do paradigma punitivo. Para tanto, discutir-se-á o conceito de JR; em seguida, trabalhar-se-á a JR em suas raízes históricas, sob o enfoque internacional e nacional; e, por fim, será apresentada a análise do movimento de institucionalização da Justiça Restaurativa no Tribunal Mineiro. Palavras-Chaves: Justiça Restaurativa. Justiça Criminal. Sistema Penal Tradicional. ABSTRACT Restorative Justice sets up a collaboration procedure that aims to encourage the confrontation of criminal conflicts based on the 1 Discente do curso de Graduação em Direito da Universidade do Estado de Minas Gerais. E-mail: [email protected] 2 Docente do curso de Graduação em Direito da Universidade do Estado de Minas Gerais. E-mail: [email protected] 3 Docente do Curso de Graduação em Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UNESP/Campus de Franca/SP, Bolsista Produtividade em pesquisa do CNPq – nível 2. E-mail: [email protected] 3057
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mediated contact between the author, the victim and the others involved. This article brings partial results of the doctoral research entitled: Restorative Justice in the Brazilian Judiciary. The objective of this stage of that research was to map the Restorative Justice programs at the Court of Justice of Minas Gerais, in order to understand in which spaces the JR has already been inserted. The theme is part of the discussion on democratizing access to justice, given the crisis of the punitive paradigm. For this purpose, the concept of JR will be discussed; then, JR will work on its historical roots, under the international and national focus; and, finally, the analysis of the movement for the institutionalization of Restorative Justice in the Mineiro Court will be presented. Keywords: Restorative Justice. Criminal Justice. Traditional Penal System. INTRODUÇÃO O sistema penal vigente sempre sofreu críticas em virtude da ineficiência de seus procedimentos, tanto para a vítima do crime, que se vê desamparada pelo Estado – muitas vezes omisso e vagaroso –, quanto para o autor, cerceado de sua liberdade e sem condições para atingir a ressocialização. Nesse cenário, surgiram inúmeras tentativas de reforma da justiça criminal, emergindo na primeira metade do século XX a ideia de reabilitação (ZEHR, 2008, p. 89- 90). Desde então, diversos profissionais idealizam propostas para que sejam efetivadas as funções da pena de prevenção especial positiva – que consistente em reeducar, ressocializar e reinserir o indivíduo na comunidade – de forma a limitar o encarceramento, que compreende em um mecanismo do sistema penal fadado ao fracasso. O presente artigo aborda os resultados da pesquisa de iniciação científica, que traz um recorte da pesquisa de doutorado intitulada: A Justiça Restaurativa no Poder Judiciário brasileiro. O texto apresenta brevemente as nuances do conceito de Justiça Restaurativa (JR) acompanhado de uma abordagem histórica, além do mapeamento dos programas de JR no Tribunal Mineiro. O trabalho se constitui do método exploratório e descritivo, através da perspectiva de revisão bibliográfica e abordagem qualitativa. 3058
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 ABORDAGEM CONCEITUAL: UM MODELO CONTEMPORÂNEO DE JUSTIÇA A Justiça Restaurativa, apesar de não contemplar conceito definido e unânime entre os estudiosos, emerge como um modelo de administração de conflitos criminais, que prima pelo diálogo e acordo entre autor e vítima do fato delituoso, subvertendo o paradigma da punição e encarceramento aplicado pela Justiça Retributiva. Trata-se de outro modelo de responsabilização, que busca novas formas de enfrentamento do conflito criminal, com o olhar voltado para as necessidades da vítima e restauração dos laços sociais rompidos com a prática de um crime. Assim, é caracterizada pela participação da vítima nas discussões sobre o fato, com o escopo de que as partes estabeleçam um acordo comum para resolução do caso, e não mais os operadores jurídicos, o que acarreta em uma abordagem mais ampla e realista do conflito. É certo que o pacto firmado poderá não resultar em prisão, ainda que as provas confirmem a confissão do ofensor, haja vista que partirá somente da deliberação os envolvidos (ACHUTTI, 2016, p. 85). Aqui se faz necessário salientar que a Justiça Restaurativa não possui a pretensão de desassociar o fato delituoso de quem o acometeu, mas sim lidar com a situação como algo complexo que exige atenção singular. Portanto, a percepção que rege as práticas restaurativas é a de não buscar a todo custo enquadrar a conduta em um tipo penal fechado, que não permite analisar as circunstâncias em que os envolvidos estão inseridos, suas motivações e outras variáveis (ACHUTTI, 2016, p. 87). A prática restaurativa institui como princípio a oportunidade e a informalidade, de modo a demandar a presença de um mediador ou facilitador para que logre êxito ao ser acordado um resultado entre as partes (PINTO, 2005, p. 25). A Terminologia da Resolução nº 2002/2012 do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas propõe a seguinte definição para Justiça Restaurativa: É um] movimento por intermédio do qual busca-se estimular a utilização de processos nos quais a vítima e ofensor e, quando adequado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados pelo crime, participem ativa e conjuntamente na resolução de questões originárias do crime, em regra com o auxílio de um facilitador. (ONU, 2012). A Justiça Restaurativa tem o condão de retirar do Estado o monopólio da tomada da decisão de como lidar com o conflito criminalizado, e assim, devolver o protagonismo aos próprios afetados por ele, quais sejam: vítimas, ofensores e “comunidades de 3059
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI cuidado”, que compreende as pessoas que se consideram diretamente afetadas pelo delito, dando prioridade aos seus interesses na busca da solução que alcance as necessidades de todos (MORRIS, 2002, p. 598). Trata-se, portanto, de “uma concepção de justiça dialogicamente construída” (ACHUTTI, 2016, p. 35). A JR deve ser naturalmente considerada um movimento social propriamente dito. Isso porque uma vasta diversidade de iniciativas autônomas e separadas conduziram a práticas, movimentos sociais, formações teóricas, reflexão ética e pesquisa empírica que hoje denominamos “justiça restaurativa” (WALGRAVE, 2008, p.15). Nesse sentido, também pontuam Gerry Johnstone e Daniel Van Ness: A Justiça Restaurativa] é um movimento social global que apresenta enorme diversidade. O seu objetivo maior é transformar a maneira como as sociedades contemporâneas percebem e respondem ao crime e a outras formas de comportamentos problemáticos (2007, p. 5). Baseada em princípios e valores, a Justiça Restaurativa objetiva conceder autonomia aos principais envolvidos no conflito, (re) instaurando a convivência pacífica no ambiente afetado, principalmente nos casos em que são indivíduos submetidos ao convívio próximo. O resultado advindo do processo restaurativo é de ajuste bilateral, e inclui admissão de responsabilidades e ingresso a programas para alcançar o fim da restauração, restituição e reintegração, suprindo as necessidades individuais e coletivas das partes. Embora a Justiça Restaurativa detenha conceito aberto, renovado e desenvolvido empiricamente (JOHNSTONE; VAN NESS, 2007, p. 8), Tony Marshall a conceitua da seguinte forma: “[...] é um processo pelo qual todas as partes que têm interesse em determinada ofensa, juntam-se para resolvê-la coletivamente e para tratar suas implicações futuras” (MARSHALL apud LARRAURI, 2004, p. 73). Ainda, é possível avaliar que a construção em aberto da definição de Justiça Restaurativa contribui positivamente para sua aplicação, que não se sujeita a um engessamento, permitindo a adaptação casuística, sendo também inserida nos contextos culturais dos envolvidos (ACHUTTI, 2016, p. 66). Assim sugere Shapland et al.: A justiça restaurativa não é um pacote previamente elaborado de regras, ações e resultados que podem ser arrancados de forma bastante dolorosa, 3060
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI produzida a partir de seus ingredientes básicos pelos participantes específicos que vierem a se reunir em razão da ofensa. (2006, p. 507). O propósito da Justiça Restaurativa se resume em viabilizar “a construção de uma resposta inteligente ao pluralismo moral próprio de toda sociedade democrática” (GARAPON, 2001, p. 313 apud ACHUTTI, 2016, p. 89). Além do mais, é regida pelo fito de mitigar a aplicação do sistema penal e seus efeitos, concedendo maior protagonismo às partes para que se torne possível vivenciar a democracia na administração dos conflitos (ACHUTTI, 2016, p. 47). Espera-se, portanto, que o novo paradigma de justiça criminal oportunize a reflexão sem limitar-se aos ditames do modelo tradicional causal do crime-castigo, construído sob o amparo da retribuição e à mercê das necessidades dos envolvidos. 3 A INSERÇÃO DA JUSTIÇA RESTAUTIVA SOB A ÉGIDE GLOBAL: BREVES APONTAMENTOS As práticas restaurativas tiveram suas primeiras manifestações na cultura anglo- saxã e foram primordialmente concebidas na década de 1970 na Nova Zelândia, inspiradas nos métodos de solução de litígio de sua população nativa – aborígines maoris –, e posteriormente implementada nos Estados Unidos e Canadá, ganhando visibilidade em todo o mundo. Nos anos de 1990, os ideais de Braithwaite são propagados pelo continente europeu assim que a justiça restaurativa ganha força nos Estados Unidos, momento em que sua percepção de justiça foi aproximada à dos abolicionistas. Deveras, é possível reconhecer duas similitudes entre as tendências dispostas: o fim de sobre exceder o processo penal tradicional e o de conceder ao ofendido e à comunidade participação mais efetiva na resolução do conflito, visando que não haja apenas punição do autor, mas que se torne possível a compreensão do dano por ele gerado (PALLAMOLLA, 2009, p. 34-35). No Ocidente, as práticas de justiça restaurativa receberam visibilidade após um programa comunitário de reconciliação do Canadá tornar-se conhecido - os conflitantes eram mediados para solucionarem as divergências após a decisão judicial, o que acarretou em grande repercussão (ACHUTTI, 2016, p. 55). 3061
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Os mais relevantes acontecimentos a partir de práticas empíricas da técnica restaurativa no mundo foram: em 1976, com a criação do Centro de Justiça Restaurativa Comunitária de Victoria (Canadá); 1980, com a fundação de três Centros de Justiça Comunitária experimentais em Nova Gales do Sul; 1989, com a promulgação da \"Lei sobre Crianças, Jovens e suas Famílias\" na Nova Zelândia; 1994, através de uma Pesquisa Nacional que localizou 123 programas de mediação vítima-infrator nos Estados Unidos; em 2001, com fundamentada Decisão-quadro do Conselho da União Europeia sobre a participação das vítimas nos processos penais para implementação de lei nos Estados membros; e 2002, através de Resoluções do Conselho Econômico e Social da ONU sobre conceitos relativos à Justiça Restaurativa e outros4. A Colômbia foi um dos países que inseriram a Justiça Restaurativa em suas leis5 e em sua Constituição, no artigo 250, § 2º, in verbis: Atendendo a natureza do bem jurídico ou a menor lesividade da conduta punível, o legislador pode atribuir o exercício de ação penal à vítima ou a outras autoridades que não a Procuradoria Geral da Nação. Em qualquer caso, o Gabinete do Procurador Geral da Nação pode agir de maneira preferencial (COLOMBIA, 1991).6 Hodiernamente, na Nova Zelândia, país pioneiro nas práticas de justiça restaurativa, solucionar conflitos no tribunal é incomum, sendo considerado a última opção, pois há análise casuística dos fatos criminosos e realização de conferência restaurativa, diferindo de muitos países onde a justiça retributiva representa a primeira (e por muitas vezes única) via a ser apresentada. 4 A JUSTIÇA RESTAURATIVA À LUZ DO ENFOQUE NACIONAL O aparato judicial, dotado de trâmites que acarretam em um imenso desinteresse das partes (principalmente a vítima) e um considerável afastamento entre os conflitantes e o Estado-juiz, tem a sua capacidade questionada, para impor soluções pertinentes para os litígios hodiernos. 4 Informações fornecidas pelo sítio eletrônico do Ministério Público do Paraná. Disponível em: < http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1711.html>. Acesso em: 10/09/2019. 5 A cidade de Bogotá, já considerada uma das mais perigosas da América Latina, teve sua taxa de homicídio reduzida em 30% após a implementação dos procedimentos da Justiça Restaurativa. 6 No original: “Atendiendo la naturaliza del bien jurídico o la menor lesividad de la conducta punible, el legislador podrá asignarle el ejercicio de la acción penal a la víctima o a otras autoridades distintas a la Fiscalía General de la Nación. En todo caso, la Fiscalía General de la Nación podrá actuar en forma preferente”. 3062
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Para cessar esse paradigma é que emerge a necessidade de anunciar o propósito do Poder Judiciário, quando por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através da Resolução n. 125/2010, precisou que todos os tribunais do país deverão oferecer aos cidadãos meios não contenciosos de “resolução” de conflitos, instituindo assim a Política Judiciária Nacional de Tratamento aos Conflitos de Interesses, de modo a instaurar um marco normativo de um movimento pela desjudicialização dos conflitos sociais. No Brasil, a prática da Justiça Restaurativa passou a ser estudada ao final da década de 1990, a partir da prática judiciária sob a ótica restaurativa realizada pelo professor Pedro Scuro Neto, e hodiernamente é aplicada em escolas, comunidades, centros de saúde e também no Judiciário (LARA, 2013, p. 75). No ano de 2005, o Ministério da Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) patrocinaram três projetos pilotos de Justiça Restaurativa em três diferentes cidades do país: Brasília, cuja atuação se deu no Juizado Especial Criminal; Porto Alegre/RS, onde se efetivou o Projeto Justiça para o Século 21, direcionado à justiça da infância e juventude; e São Caetano do Sul/SP, também com enfoque nos conflitos com presença dos infantes (LARA, 2013, p. 76). Há, em Porto Alegre, o acompanhamento das atividades restaurativas em processos judiciais por ato infracional (crimes e contravenções praticados por adolescentes - menores de 18 anos), promovidos pela Central de Práticas Restaurativas do Juizado da infância e da Juventude (CPR-JIJ)7. Nesse período, eventos nacionais passaram a adotar a Justiça Restaurativa como tema para abordagens e discussões, o que gerou a disseminação do assunto. Ainda em 2005, na cidade de Araçatuba, localizada no estado de São Paulo, foi confeccionada a Carta de Araçatuba, cujo conteúdo incorpora os princípios delineadores da Justiça Restaurativa. E outros estados seguiram o mesmo caminho: Pouco tempo depois, nos dias 14 a 17 de junho de 2005, o conteúdo do documento foi ratificado pela Carta de Brasília, na conferência Internacional “Acesso à Justiça por Meios Alternativos de Resolução de Conflitos”, realizada na cidade de Brasília. Da mesma forma, a Carta do Recife, elaborada no II Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa, realizado na capital do Estado de Pernambuco - Brasil, nos dias 10 a 12 de abril de 2006, ratificou as estratégias 7 Informações fornecidas pelo sítio eletrônico do Ministério Público do Paraná. Disponível em: < http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1711.html>. Acesso em: 10/09/2019. 3063
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI adotadas pelas iniciativas de Justiça Restaurativa em curso, bem como sua consolidação. (LARA, 2013, p. 76). Por fim, o pesquisador Daniel Achutti sugere alguns caminhos para que o modelo brasileiro de Justiça Restaurativa se concretize como uma alternativa eficaz de novo modelo de justiça, sendo: (a) formação de uma nova linguagem que interdite a adesão da mediação à lógica estigmatizante do Direito Penal; (b) superação da dicotomia ilícitos civis e ilícitos penais; e, sobretudo (c) desprofissionalização – “não se deve deixar [a Justiça Restaurativa] dominar pelos profissionais, sob pena de ser sugada pela indústria do controle do crime e pela lógica burocrática” –; e (d) “participação ativa das partes na resolução dos seus casos, para que a decisão oriunda do encontro seja um produto das suas próprias propostas”. (2012, p. 250 apud 2016, p. 26/27). Portanto, tem-se que a implementação das práticas restaurativas no país evolui paulatinamente, sendo certo que a forma gradual é necessária para que a incorporação desse novo modelo seja real, concreta e, principalmente, se insira na práxis jurídica. 5 PROGRAMAS INSTITUCIONALIZADOS NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS No Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais (TJMG), há somente dois programas institucionalizados de Justiça Restaurativa, ambos regulamentados pela Portaria-Conjunta 211/2011, incumbida por adotar o projeto piloto de práticas restaurativas na comarca de Belo Horizonte, o que foi liderado pela então Terceira Vice Presidente do Tribunal, a desembargadora Márcia Milanez (LARA, 2013, p. 85). Através da Portaria, as diretrizes norteadoras da metodologia dos programas de Justiça Restaurativa em Minas Gerais foram estabelecidas. Para tanto, e para implementar o projeto piloto, foram consideradas as seguintes motivações: [...] no Projeto, são adotados métodos de mediação e de conciliação na solução de conflitos criminais e infracionais, com a participação da vítima, do ofensor e da comunidade na qual ocorreu o delito; a iniciativa constitui prática coincidente com um novo paradigma criminológico integrador, que tem como princípios a informalidade, a responsabilidade, a imparcialidade, a participação, a humildade, o mútuo respeito, a boa-fé, a honestidade, o empoderamento e a esperança; ser este um método de pacificação social e de solução de litígios, em que se busca a reparação dos danos causados ao invés de somente punir os transgressores, e tendo em vista seu caráter preventivo, pois atua nas causas subjacentes ao conflito, podendo contribuir na redução de recidivas. (MINAS GERAIS, 2011). 3064
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O TJMG também instituiu a Portaria Conjunta nº 778/PR/2018, que designa magistrados mineiros para exercerem a função de gestores do projeto “Justiça Restaurativa” no Judiciário de Minas Gerais, além de criar Grupo de Trabalho para avaliar os resultados angariados com o projeto nos locais de sua aplicação, tratados a seguir. As atividades dos programas institucionalizados concentram-se no âmbito dos Juizados Especiais Criminais (JECRIM) e no CIA-BH (Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional), onde se situa a Vara da Infância e Juventude, ambos com atuação na comarca da capital mineira. Nos Juizados Especiais Criminais, os processos que abarcam conflitos nos quais as pessoas envolvidas tenham vínculo familiar, afetivo, de vizinhança e de trabalho são os mais apropriados para a aplicação das práticas restaurativas, vislumbrando criar uma cultura de paz e restaurar os laços sociais preexistentes. As pessoas envolvidas em processos criminais que tramitam no JECRIM são convidadas a se reunirem com um ou mais mediadores ou facilitadores para conversarem sobre o ocorrido, momento em que as necessidades de todos os envolvidos serão consideradas para que se alcance um pacto de fato justo. O objetivo da aplicação das práticas restaurativas na seara do JECRIM é retomar a autonomia das partes e construir um acordo que beneficie a todos. Esse acordo, para ter validade e eficácia, deverá por óbvio respeitar as leis, e ainda ser homologado pelo juiz, contando com a anuência do Ministério Público. Entende-se que a lei permite a aplicação de programas restaurativos no âmbito dos Juizados em virtude do disposto no art. 74 da Lei 9.099/95(que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais), in verbis: “A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente” (BRASIL, 1995). Além do mais, ressalta-se a Resolução n. 225/2016 do CNJ no que dispõe ao elencar suas motivações: [Considerando que] os arts. 72, 77 e 89 da Lei 9.099/1995 permitem a homologação dos acordos celebrados nos procedimentos próprios quando regidos sob os fundamentos da Justiça Restaurativa, como a composição civil, a transação penal ou a condição da suspensão condicional do processo de 3065
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI natureza criminal que tramitam perante os Juizados Especiais Criminais ou nos Juízos Criminais. (CNJ, 2016). Já no CIA-BH, a atuação está atrelada às Varas da Infância e Juventude. A identificação de casos ocorrerá nas audiências preliminares, ou nas audiências de apresentação de ofício, ou ainda durante o curso da execução da medida socioeducativa. Além disso, a parte pode manifestar a intenção de participar do projeto. Acerca da fundamentação para sua aplicação, a Resolução 225/2016 do CNJ também esclarece: [Considerando que] o art. 35, II e III, da Lei 12.594/2012 estabelece, para o atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, que os princípios da excepcionalidade, da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo os meios de autocomposição de conflitos, devem ser usados dando prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e que, sempre que possível, atendam às vítimas. (CNJ, 2016). As equipes técnicas do judiciário (assistentes sociais e psicólogos) que acompanham o cumprimento de medidas socioeducativas também podem encaminhar casos para participarem dos programas de Justiça Restaurativa. Os objetivos e a metodologia de atendimento deverão ser esclarecidos ao adolescente e aos seus responsáveis, sendo necessária a confirmação da adesão, com a assinatura de um termo de consentimento. O Fórum Permanente do Sistema Socioeducativo de Belo Horizonte implementou o “Projeto NÓS” (Núcleo para Orientação e Solução de conflitos escolares), que contou com a adesão do Tribunal sendo firmado por meio do convênio nº 225/2018, cuja finalidade é a inserção nas escolas da rede pública de ensino municipal e estadual de uma política de orientação e solução extrajudicial de conflitos verificados nesse ambiente, com o intento de construir uma cultura de paz. Na implementação do referido Projeto, o TJMG contribui com a oferta de cursos para capacitação dos agentes facilitadores em Justiça Restaurativa e participa do Comitê Gestor, além de ser o responsável pela criação do hotsite do Programa. O objetivo é, portanto, implantar práticas restaurativas nas escolas públicas e nas unidades de atendimento socioeducativo em Belo Horizonte. Embora existam somente dois programas institucionalizados no Tribunal de Justiça de Minas, a Secretaria do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais e Solução 3066
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de Conflitos de Belo Horizonte (NUPEMEC) informou que há notícias sobre juízes das comarcas de Alfenas, Coronel Fabriciano, Ibirité e Juiz de Fora que já adotam os programas de Justiça Restaurativa. E outras comarcas como Araguari, Uberaba, Uberlândia e Ubá têm interesse em implementá-los. Aprofundar os conhecimentos sobre justiça restaurativa e mapear a realidade desta no estado de Minas Gerais, destacando os programas existentes, se constitui em uma etapa essencial para prosseguir a referida pesquisa. 6 CONCLUSÃO A Justiça Restaurativa emergiu, indubitavelmente, como um novo paradigma mundial de enfrentamento de conflitos, em face da justiça criminal tradicional, restrita a adequação do fato a norma, sem se preocupar com a diversidade de fatores que compõe um fato criminoso. É cediço que esse novo modelo vai além da mudança do paradigma punitivo enraizado na nossa sociedade, e trata-se, de fato, da restauração do conceito de justiça: recoloca a vítima – e suas possíveis consequentes aquietações e traumas – no centro do conflito, invertendo sua atuação segregada do âmbito da justiça comum, em que era indispensável muitas vezes apenas para figurar o rol de testemunhas da acusação. Os países desenvolvidos estão integrando a JR em suas legislações após anos de experiência prática, averiguando e corroborando seu êxito na ressocialização e reintegração dos envolvidos, através da restauração dos laços sociais. Para tanto, a implementação institucionalizada dos programas de Justiça Restaurativa no Tribunal de Minas Gerais representa um significativo avanço dessa prática para solucionar, de forma mais humanitária, os conflitos criminais instaurados no meio social, ainda que, por hora, restritos aos Juizados Especiais e às Varas da Infância e Juventude. E foi nessa perspectiva de análise, que está sendo desenvolvida pesquisa de doutorado que tem como objeto de estudo “O processo de formação do Facilitador da JR conduzida pelo Poder Judiciário brasileiro”, inserido no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Paulista – UNESP/Franca (SP). Espera-se com o desenvolvimento da referida pesquisa compreender o movimento de institucionalização da JR pelo Poder Judiciário, bem como, desvelar no decorrer da 3067
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI pesquisa como os tribunais estão se organizando para garantir uma formação de qualidade para os facilitadores, que possibilite o afastamento de um modelo punitivo. REFERÊNCIAS ACHITTI, Daniel Silva. Justiça restaurativa e abolicionismo penal: contribuições para um novo modelo de administração de conflitos no Brasil. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS, Porto Alegre, 2012. ACHUTTI, Daniel Silva. Justiça restaurativa e abolicionismo penal: contribuições para um novo modelo de administração de conflitos no Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 125. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 29 de Novembro de 2010. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 225. Dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 31 de maio de 2016. JOHNSTONE, Gerry and VAN NESS, Daniel W. The meaning of restorative justice. In: Gerry and VAN NESS, Daniel W (ed.). Handbook of Restorative Justice. Cullompton; Portland: WillanPublishing, 2007. LARA, Caio Augusto Souza. A Justiça Restaurativa como via de acesso à justiça. Dissertação (Pós graduação em Direito) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. MINAS GERAIS. Portaria-Conjunta nº 221/2011. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em <http://www.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pc02212011.PDF>. Acesso em 19/07/2019. MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. Justiça Restaurativa: Histórico. 2013. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1711.html>. Acesso em: 03/05/2019. MORRIS, Alisson. Critiquing the critics: a brief response to critics of restorative justice. The British Journal of Criminology, v. 42, n. 3, 2002. PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça restaurativa: da teoria à prática. São Paulo: IBCCRIM, 2009. p. (Monografias, 52). 3068
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In: Justiça Restaurativa – Coletânea de Artigos. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD. 2005. SANTOS, Cláudia. Um crime, dois conflitos (e a questão, revisitada, do “roubo do conflito” pelo Estado). Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 71, mar./abr., 2008. SHAPLAND, Joanna et al. Situating Restorative Justice Within Criminal Justice. Theoretical Criminology, v. 10, n. 4. Londres: SAGE, 2006. WALGRAVE, Lode. Restorative Justice, Self-interest and Responsible Citizenship. Cullompton: WillanPublishing, 2008. ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008. 3069
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS GESTÃO DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO E OS DESAFIOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO SINASE Ana Keuly Luz Bezerra1 Edilene Bezerra da Silva2 Vera Lúcia Silva Lustosa3 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de gestão das Unidades de Medidas Socioeducativas, com ênfase no Estado do Piauí, a partir do conjunto ordenado de princípios, regras e critérios estabelecidos pelo ECA em seu caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, em consonância com o SINASE. Utilizou-se revisão de literatura e pesquisa documental, e aplicou-se análise qualitativa aos dados coletados. Ao final foi possível compreender os limites e possibilidades para o aperfeiçoamento da gestão pública do atendimento ao adolescente em conflito com a lei, com o propósito de efetivar o sistema socioeducativo, mediante uma proposta crítica direcionada a esta Política Pública. Palavras-Chaves: Gestão Pública. Medida Socioeducativa. Adolescente. ABSTRACT The present work aims to analyze the management process of Socio- Educational Measures Units, with emphasis on the State of Piauí, based on the ordered set of principles, rules and criteria established by ECA in its legal, political, pedagogical, financial character and administrative, in line with SINASE. Literature review and documentary research were used, and qualitative analysis was applied to the data collected. In the end, it was possible to understand the limits and possibilities for improving public management of care for adolescents in conflict with the law, with the purpose of implementing 1 Professora colaboradora da Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da UFPI e Professora efetiva do Eixo de Gestão e Negócios do Instituto Federal do Piauí. Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente. E-mail: [email protected] 2 Especialista em Gestão Pública. E-mail: [email protected] 3 Especialista em Gestão Pública. E-mail: [email protected] 3070
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI the socio-educational system, through a critical proposal directed to this Public Policy. Keywords: Public Management. Socio-educational measure. Teenager. INTRODUÇÃO O presente artigo propõe uma reflexão sobre o modelo de gestão das Unidades de Medidas Socioeducativas que acolhem adolescentes privados de liberdade, com ênfase na sua organização administrativa e análise do planejamento e execução do processo direto de prestação de serviços para a garantia de direitos destes sujeitos, em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Para tanto, têm-se como objetivo analisar o processo de gestão das Unidades de Medidas Socioeducativas, com ênfase no Estado do Piauí, a partir do conjunto ordenado de princípios, regras e critérios estabelecidos pelo ECA em seu caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, em consonância com o SINASE. Inicialmente, tem-se um recorte histórico da trajetória do atendimento, defesa e promoção dos direitos da criança e adolescente, substanciado pela fase de rompimento da condição irregular atribuída anteriormente às crianças e adolescentes e pela posterior consolidação da proteção integral de atendimento, a fim de compreender os parâmetros de mudanças e atual conjuntura desta política pública. Em seguida, o estudo pontua aspectos importantes para a implementação das políticas públicas e estratégias de atendimento socioeducativo ao adolescente em cometimento de ato infracional, com o propósito de ampliar as discussões sobre a temática; apontar limites e novos desafios impostos às instituições operacionadores do sistema e caracterizar os modelos de gestão instituído na busca de práticas socioeducativas capazes de efetivar o ECA e o SINASE, no cumprimento de suas prerrogativas quanto à ressocialização e garantia de direitos dos sujeitos envolvidos. Por fim, realizou-se uma breve explanação do mapa das medidas socioeducativas de meio fechado no Brasil e destaque para o âmbito local – Estado do Piauí – com o propósito de conhecer o modelo e a estrutura de gestão estabelecido no estado e 3071
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI evidenciar os limites e possibilidades impostos às Unidades de Internação no que tange ao processo de mudanças ocorridas nos últimos anos no trato com esta política pública. 2 A POLÍTICA DA CRIANÇA E O DO ADOLESCENTE NO BRASIL PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1980 O cenário político de 1980 chega a sua efervescência com a implementação da Constituição Federal de 1988, inicia-se também neste período o processo de regulamentação da legislação de proteção à infância e juventude, cujo contexto consolida a garantia dos direitos da infância e da juventude, mediante definição de criança e adolescente como prioridade absoluta em seu Art. 227, baseado na Declaração Universal dos Direitos da Criança, que culminaria na formulação de uma normativa legal específica a esses sujeitos, adotando-se a Doutrina da Proteção Integral. A Constituição decretou ainda de forma genérica em seu Art. 228 que: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Parafraseando Liberati (2000), é possível entender que a história da infância e juventude no Brasil pode ser dividida em dois momentos, o antes e o depois do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, pois elevaram as crianças e adolescentes à categoria de cidadão, abrindo caminho para uma nova realidade histórico-social, que possibilitou que os adolescentes em conflito com a lei não viessem a ser tratados apenas como sujeitos de direitos, mas como cidadãos. Neste contexto, houve a extinção do Código de Menores e instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei federal nº 8.069 de 1990. A partir desse marco histórico, todas as crianças e adolescentes submetem-se a uma única legislação, estes passam a ser intitulados cidadãos, sujeitos de direitos que devem ser tratados com prioridade absoluta, “supera-se o binômio compaixão/repressão, passando a considerar criança e adolescente como sujeito de direitos exigíveis na base da lei” (BRASIL, 1998, P. 15). Convém esclarecer que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) resultou de uma forte mobilização social, tornando-se um mecanismo importante do marco histórico no desenvolvimento das lutas pelos direitos da infância e adolescência no Brasil. A legislação trouxe novos princípios para a política de atendimento, representando uma mudança significativa na condição social das crianças e dos 3072
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI adolescentes, “abrangendo a sobrevivência (vida, saúde e alimentação) o desenvolvimento pessoal e social (educação, cultura, lazer e profissionalização) e a integridade física, psicológica e moral” (BRASIL, 2018, p. 15). De modo que, a principal emergência para o surgimento do ECA era a transposição do assistencialismo para uma política de caráter emancipatório. O ECA está organizado em três eixos fundamentais: o primeiro, das políticas públicas universais, que engloba todas as crianças e adolescentes; o segundo, aborda as crianças e os adolescentes que sofrem abusos ou que tenham os seus direitos violados, ou seja, aqueles que necessitam de proteção, e, por fim, o eixo da responsabilização, destinado aos adolescentes autores de atos infracionais, foco deste estudo. Com base no último eixo apresentado, é que se aplicam as medidas socioeducativas, destinadas aos adolescentes que praticaram um ato infracional. Estas por sua vez, permeiam o resguardo de direitos como aquelas destinadas à proteção, quais sejam: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação sendo as duas últimas aplicáveis quando o adolescente pratica ato infracional passível de segregação, considerado de maior gravidade. De acordo com VOLPI (2001), existe na prática uma grande distância entre os avanços alcançados pelo direito assegurado na lei e o realizado no cotidiano, entretanto é importante mencionar que o ECA se distinguiu das leis anteriores e buscou a responsabilização dos adolescentes de forma diferenciada. Para o autor o cometimento do delito passou a ser encarado como fato jurídico a ser analisado, assegurando garantias processuais e penais, presunção de inocência, a ampla defesa, o contraditório, ou seja, os direitos inerentes a qualquer cidadão que venha a praticar um ato infracional. No artigo 103 do ECA, o ato infracional é compreendido como: “a conduta descrita como crime ou contravenção penal” e em relação ao adolescente autor de ato infracional, a legislação citada prevê em primeira instância a extensão entre12 e 18 anos, garantias processuais básicas do direito penal de adultos. Para Volpi (2006) a sociedade baseada no senso comum estigmatiza e rotula esses adolescentes, como bandidos, delinquentes, pivetes e marginais. No percurso do cumprimento da medida socioeducativa a internação de adolescentes autores de ato infracional, considerada dentre as medidas do ECA, como 3073
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sendo a mais grave, possui uma vertente sancionatória, ao privá-los do direito de ir e vir, contudo, deve-se atentar para o seu caráter pedagógico ao estabelecer metas para uma execução mediada por práticas socioeducativas que possibilitem e ampliem as escolhas do adolescente frente a sua visão futura. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), é um instrumento legal destinado a regulamentar a forma como o Poder Público, através dos seus diversos órgãos e agentes, deverá prestar o atendimento especializado aos adolescentes autores de ato infracional. Aprovado pela Lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012, o documento trouxe uma série de inovações no que diz respeito à aplicação e execução de medidas socioeducativas a adolescentes autores de ato infracional, dispondo desde a parte conceitual até o financiamento do Sistema Socioeducativo, definindo papeis e responsabilidades, além de prever correções das distorções verificadas no atendimento. Trata-se de uma ferramenta legal que norteia os procedimentos jurídicos envolvendo menores de idade, substanciadas desde a apuração do ato infracional até a aplicação das medidas socioeducativas, com diretrizes claras e específicas para a execução por parte das instituições e profissionais que atuam nesta área, a fim de evitar arbitrariedades e interpretações equivocadas dos artigos do ECA, que por muitas vezes trazem informações pouco precisas sobre a operacionalização dessas medidas. De acordo com o SINASE (2006) a ressocialização do adolescente em conflito com a lei, seus órgãos deliberativos e gestores devem servir como articuladores da atuação das diferentes áreas da política social para garantir esse retorno. A necessidade de articulação decorre de uma concepção própria do sistema; a Incompletude Institucional, princípio que norteia o direito da adolescência, perpassando as práticas dos programas socioeducativos e sua rede de serviços: educação, saúde, trabalho, previdência social, assistência social, cultura, esporte, lazer, segurança pública, etc., a fim de que seja garantida e efetivada a Doutrina da Proteção Integral da qual são destinatários os adolescentes. Destaca-se, nesse sentido, a concepção estabelecida pelo SINASE, no que tange ao processo de gestão, entendido como um conjunto de princípios, normas e funções cujo objetivo é direcionar “a estrutura e funcionamento de uma organização, 3074
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI implementar e avaliar a política pública através de funções estratégicas que colocam em ação instrumentos e princípios para permanente qualificação dos serviços” (BRASIL,2014, p. 13). Quanto à execução das medidas pela administração pública, esta se encontra sujeita à supervisão judicial e se insere no Plano de Promoção e Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente do programa dos Direitos Humanos, determinando o lócus institucional de um atendimento especializado. Trata-se de um “serviço administrativo, sob procedimento judicial de controle e supervisão própria e ao qual se aplica também subsidiariamente a norma processual competente” (BRASIL, 1998, p. 39). 3 A POLÍTICA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO CONTEXTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A política de atendimento socioeducativo estruturou-se a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), através dos parâmetros, normativas e proposições, que foram ampliados posteriormente, com especificações e descrições mais detalhadas por meio da Resolução nº. 119 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que editou o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e pela - Lei 12.594/12, que instituiu o SINASE. Os serviços destinados às medidas socioeducativas restritivas e privativas de liberdade – semiliberdade, internação provisória e sentenciada, precisam ser ofertados para cada medida e por sexo dos adolescentes. A oferta deve acontecer pelos municípios, dependendo do nível de gestão a que estão habilitados e seguindo a descentralização do SUAS e do SINASE. Porém, a maioria dessas Unidades, como a do Estado do Piauí, por exemplo, ainda está sob a responsabilidade das organizações governamentais que coordenam a Política de Assistência Social, ao nível da gestão estadual (SILVA, 2012, p.344). De modo, que a execução da política de atendimento ao adolescente, autor de ato infracional, caracteriza-se mediante a participação ativa do sistema de garantia de direitos e, além disso, o gestor precisa compreender que esses órgãos atuam não apenas na dimensão da execução ou fiscalização, mas também no planejamento estratégico das ações socioeducativas. 3075
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ao analisar a gestão dos programas, projetos e atividades socioeducativas, o modelo prevê a “(...) decisão compartilhada entre o nível central e as unidades descentralizadas; execução do processo socioeducativo, mediante atuação transdisciplinar dos profissionais” (PARANÁ, 2006, p. 17), e; no polo principal da gestão democrática estão os adolescentes, que devem ser ouvidos nesse processo democrático de gestão, com a “manutenção de canal de comunicação e escuta dos adolescentes, visando o fortalecimento do protagonismo juvenil” (PARANÁ, 2006, p. 17). Devendo, portanto, acontecer de forma contínua, principalmente na execução dos instrumentos metodológicos de gestão: assembleias, estudo de caso, conselho multidisciplinar, Plano Individualizado de Atendimento (PIA), dentre outros. Assim, no que se refere à promoção de direitos da infância, em cumprimento de medida socioeducativa, tal controle institucional poderá auxiliar na identificação de prioridades e na deliberação e formulação da política, que prioriza o atendimento das necessidades básicas dos jovens em desenvolvimento, através das demais políticas públicas, setoriais e intersetoriais. 4 METODOLOGIA Para delinear as discussões apresentadas neste trabalho, fez-se necessário a realização de uma pesquisa de natureza documental com subsídio bibliográfico, que possibilitou dialogar sobre o assunto na perspectiva de teóricos diversos, quais sejam: VOLPI (1998, 2001, 2006), GOFFMAN (2008), COSTA (2006), DAGNINO (2009), entre outros, bem como categorizar as indagações a partir das previsões legais em relação ao processo de gestão das medidas socioeducativas orientadas pelo ECA e pelo SINASE. Para interpretação dos dados coletados foi utilizada análise qualitativa. 5 RESULTADOS E DISCUSSÕES Ao longo dos anos, as políticas públicas e estratégias voltadas para o atendimento ao adolescente em cometimento do ato infracional fortaleceram o conjunto de trabalhos em favor da defesa e garantia de direitos deste segmento social, em prol da qualidade e eficiência das práticas/atividades desenvolvidas nas Unidades de Internação. 3076
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