ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Depois dessa entrevista da atriz, associação profissional de diretores do Reino Unido, Directors UK, lançou um manual com diretrizes para a realização desse tipo de gravação – cenas de nudez e simulações de sexo em filmes e séries. Com as novas diretrizes, o Directors UK espera-se evitar situações de desconforto iguais, com orientações para ensaios, direção de cenas de violência sexual e planejamento de gravações de forma que atendam as cláusulas contratuais. O manual tem o apoio de outras organizações importantes do audiovisual no Reino Unido, como o Bafta, BFI, o sindicato de diretores de casting e o sindicato dos roteiristas do Reino Unido, assim como grupos que advogam pela igualdade de gênero, como o ERA 50:50 e o Time’s Up UK. Já Cersei é violentada por seu irmão e amante Jaime Lannister na quarta temporada, episódio três intitulado “Breaker of Chains” (Quebradora de Correntes, em tradução livre), veiculado no dia 20 de abril de 2014, durante o velório de seu filho Joffrey, fruto do incesto dos dois. Jaime sempre mostrou ser contra abusos principalmente quando salva a personagem Brienne de Tarth de um estupro coletivo, apesar disso, violentou Cersei. Nos livros a cena de estupro entre Cersei e Jaime não existe, ela aceita o sexo com o irmão. O Jaime das páginas do livro estava na guerra havia meses e, ao finalmente regressar à capital, se depara com o filho morto e a mulher que ama entregue ao sofrimento. Mais do que mero desejo, o momento que partilham se trata de um reencontro, uma espécie de consolação. (SCHARDONG, 2015, p. 10). A cena acontece entre os minutos 14:50 a 15:23 a duração é a mais longa dos três estupros que acontecem na série. Enquanto Cersei tenta sair dos braços do irmão sempre falando para ele parar e como não está certo fazer isso em frente do filho morto (como ilustrado na imagem), mostrando claramente como Cersei não queria fazer sexo com o irmão. Com a grande repercussão do episódio do estupro de Cersei, o diretor do episódio, Alex Graves, se pronunciou no site Hollywood Reporter: (em livre tradução): Eu nunca fico empolgado ao filmar uma cena de sexo forçado. Pra mim, todo o ponto era ter o Joffrey deitado lá, vendo toda a coisa. David Benioff e Dan Weiss adoraram isso. Ele [Joffrey] é o primogênito dos dois, ele é o pecado dos dois. Ele é a 3327
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI luxúria, o amor, tudo dos dois. Se ele se foi, o que vai acontecer? Jaime está tentando se forçar ao máximo a acreditar que ainda está apaixonado por Cersei. Já o estupro de Sansa é o terceiro apresentado na série. Ocorre quando ela consegue finalmente fugir de Porto Real. Mindinho que arquitetou o plano de fuga arma um casamento com o filho bastardo de Roose Bolton, Ramsay que na temporada tem o controle de Winterfell (lar de Sansa). A cena acontece no quinto episódio da quinta temporada chamado de \"Unbowed, Unbent, Unbroken\" (Não rebaixados, não curvados, não quebrados, em tradução livre) na noite de núpcias do casal. Ramsay sempre se mostrou um personagem cruel e insano, principalmente quando tortura Theon Greyjoy (irmão de criança da personagem) o deixando a beira da loucura. Depois do casamento forçado de Sansa e Ramsay, eles juntos com Theon vão para o quarto, Bolton manda Theon ficar no quarto e o faz assistir o abuso de sua irmã de criação sem poder fazer nada a respeito. A cena acontece do minuto 53:33 ao 54:02, a câmera foca no rosto de uma Sansa indefesa e nos seus choros, depois corta para Theon que se vê obrigado a ver a cena. No fundo podemos ouvir os gritos de dor de Sansa. Quando o pai de Sansa é morto, ela se torna refém da família inimiga, que ocupa o trono. Nos livros, Sansa amadurece com as decepções sobre a corte, com as observações sobre os esquemas políticos, ardis e a violência, além disso, aprende a lidar com a própria força interna que a torna uma sobrevivente. Ela também é empática e gentil, o que também já a ajudou a se livrar de mortes violentas. No episódio exibido em 5 de abril de 2019, o roteiro força a personagem a reconhecer o próprio estupro como uma catapulta para o seu fortalecimento. “Sem Ramsay [seu estuprador], eu ainda seria apenas um passarinho”, ela diz, em referência à própria inocência. Dessa forma, os roteiristas da série induzem no espectador à noção de que garotas frágeis só se fortalecem mediante estupro e ainda se congratulam por utilizar em violência sexual como ferramenta para moldar caráter das personagens. Nos livros, Sansa não sofre esse abuso sexual (sendo o estupro protagonizado por uma personagem secundária menor), embora já tenha abandonado sua inocência e fragilidade sem passar por isso. Como ela mesma afirma no terceiro livro, A Tormenta de Espadas: “sua pele se transformou em porcelana, marfim e aço” (MARTIN, 2000, p.71). 3328
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A audiência de Game of Thrones obteve queda na quinta temporada e muitos atribuíram isso ao episódio “Unbowed, Unbent, Unbroken”. A partir dessa repercussão, os diretores, David Benioff e Daniel Brett Weiss, afirmaram em entrevista para a Forbes (2015), que “estavam interessados na discussão e houve diversas mudanças como resultado”. Os criadores, então, ouviram os fãs e, com isso, a sexta temporada da série passou a ter menos cenas de violência contra a mulher. (LUCCHI, 2017). O estupro de Sansa mostra ainda o poder do patriarcado apontando que a figura masculina tem poder sobre o corpo da esposa simplesmente por conta do casamento. “Os seus corpos não lhes pertencem, pertencem aos homens e devem agir e sentir conforme mandam os códigos masculinos”. (CAMPOS, 2016, p. 11). 5 CONCLUSÃO O presente trabalho mostra a importância de se refletir sobre como as séries de TV usam o estupro apenas como uma narrativa para gerar empatia do público em relação às personagens femininas e naturalizar a violência contra a mulher. Programas como Game of Thrones, usam desse tipo de violência sem dar importância ao fato, apenas o banalizam. Precisamos, cada vez mais, falar sobre a representação do estupro com responsabilidade. Não é apenas para o fetichismo como parece ser mostrado em escala bastante alta no seriado. Isso acontece quando em uma cena de estupro, o corpo da mulher é mostrado de forma sensualizada. Cenas terríveis e chocantes que, quando usadas, deveriam somente transparecer o horror que retratam. Para estabelecer essa distinção é sempre importante lembrar que estupro não é sexo. Estupro é uma agressão física e psicológica, e deve ser retratado como tal. Depois das constantes reclamações das cenas de estupros que vinham acontecendo na série os criadores David Benioff e DB Weiss e o diretor do episódio do \"Unbowed, unbent e unbroken\" decidiram reconsiderar o modo como retrataram o assunto na tela (O GLOBO, 2015). A série naturaliza a chamada “cultura do estupro”. Se Sansa fosse como a irmã Arya, lutasse e tivesse comportamentos mais masculinos e fosse menos feminina e infantil talvez não tivesse sofrido o estupro. Ou Cersei que tinha uma relação com o 3329
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI irmão, talvez se não tivesse um romance com Jaime não teria acontecido. A cultura do estupro é assim: culpa a mulher pela violência sofrida. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BEAUVOUIR, S. O segundo sexo. volume I. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CAMPOS, A.; A cultura do estupro como método perverso de controle nas sociedades patriarcais. Revista Espaço Acadêmico, n. 183, 2016. Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/32937/ 17062>. Acesso em: 04 mar. 2020. COGMAN, B.. Por dentro da série da HBO Game of Thrones. São Paulo: LeYa, 2013. FLORIANO, R. Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres. Revista Estudos Feministas, n. 25, v. 1, 2017. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/ref/v25n1/1806-9584-ref-25-01-00009.pdf> Acesso em: 01 mar. 2020. FORBES. “Game of Thrones” Rape Scene Repercussions Play Out In New Season. Disponível em:<https://www.forbes.com/sites/dongroves/2015/12/18/game-of- thrones-rape-scene-repercussions-play-out-in-new-season/#662d0a3d9102/> Acesso em: 22 mai 2020. HOLLYWOOD REPORTER. 'Game of Thrones' Director on Controversial Scene: Jaime 'Traumatized,' Cersei 'a Wreck' (Q&A). Disponível em<https://www.hollywoodreporter.com/live-feed/game-thrones-director- controversial-scene-697733>. Acesso em: 03 mar. 2020. HOLLYWOOD REPORTER; 'Game of Thrones' Now Rivals 'The Walking Dead' With 18 Million Viewers This Season. Disponível em: <http://www.hollywoodreporter.com/live-feed/game-thrones-rivals-walking-dead- 709041> Acesso em: 02 abr. 2020. LUCCHI, P..; SGORLA, P..; Recepção dos fãs de game of thrones em relação às cenas de violência sexual: uma análise dos episódios “Breaker of Chains” e \"Unbowed, Unbent, Unbroken''. Disponível em:<http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-0460-1.pdf> Acesso em: 14 de julho de 2018. MARTIN, R. R. George. A Guerra dos tronos. As Crônicas de Gelo e Fogo - Livro 1 . São Paulo: Leya, 2010. 3330
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O GLOBO. Criadores de ‘Game of thrones’ vão mudar cenas de estupro. 2015. Disponivel em <https://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/criadores-de-game-of- thrones-vao-mudar-cenas-de-estupro-18353937> Acesso em: 20 mar. 2020 OLIVERIA, A. M.; BASTOS, R. A. S. M. Gênero e imagem: reprodução do estereótipo donzelesco a partir da personagem Sansa Stark, da série Guerra dos Tronos. In: ROSAS, Maria F. E,; GONZALES, Eric P.; LUNELLI, Isabella C. (orgs.). Conhecimento, iconografia e ensino do direito. São Leopoldo: Casa Leiria, 2016. QUINAN, J. Abuso ou sedução? Uma análise da cultura do estupro em novelas brasileiras. 2016. Disponível em < https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/5571/1/JQuinan.pdf > Acesso em: 01 mar. 2020. ROSA, M. Feminilidade e representação: Análise de recepção de Sansa Stark. 2018. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/56880>. Acesso em: 30 mai. 2020. 3331
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS O TRABALHO DO ASSISTENTE JUNTO AOS POVOS IMIGRANTES: reafirmação do compromisso profissional Ana Karoline de Sousa Martins1 Claudia Carolina de Brito2 Dayse Ravena Pinheiro do Vale3 Pâmila Geovane da Silva Vieira4 RESUMO O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas reflexões teóricas acerca do tema proposto, e tendo como um dos elementos a crise do capital. Pretende discutir sobre as migrações e o Serviço Social na contribuição ao debate nas relações sociais ao capitalismo. Considerando o contexto discutido, o trabalho foi construído a partir da leitura de autores, dentre os quais destacam-se: Iamamoto (2009), Marx (2008), Perotti (2018), Santos (2014). Diante disso, considera este trabalho relevante à medida que acrescentará conhecimentos a cerca da temática trabalhada, uma vez que é um assunto não muito discutido tendo em vista que esses migrantes ocupam o espaço social e vivem em meio às marginalidades das questões sociais, e das consequências da crise estrutural do capital. Palavras-Chaves: Crise Estrutural do Capital. Imigrantes. Serviço Social. ABSTRACT The purpose of this article is to present some theoretical reflections on the proposed theme, with the capital crisis as one of its elements. It intends to discuss about migrations and Social Work in contributing to the debate on social relations to capitalism. Considering the context discussed, the work was built from the reading of authors, among 1 Estudante do 7º período do curso de Serviço Social do Instituto de Educação Superior Raimundo Sá. E-mail: [email protected] 2 Estudante do 7º período do curso de Serviço Social do Instituto de Educação Superior Raimundo Sá. E-mail: [email protected] 3 Estudante do 7º período do curso de Serviço Social do Instituto de Educação Superior Raimundo Sá. E-mail: dayse- [email protected] 4 Estudante do 7º período do curso de Serviço Social do Instituto de Educação Superior Raimundo Sá. E-mail: [email protected] 3332
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI which the following stand out: Iamamoto (2009), Marx (2008), Perotti (2018), Santos (2014). Therefore, it considers this work relevant as it will add knowledge about the theme worked, since it is a subject that is not much discussed in view of the fact that these migrants occupy the social space and live amid the marginalities of social issues, and the consequences structural crisis of capital. Keywords: Structural Crisis of Capital. Immigrants. Social Service. INTRODUÇÃO Por muitos anos populações estrangeiras se deslocaram de seu país para outro, ocasionados por inúmeros fatores, muitas vezes por motivos pessoais ou pela busca de melhores condições de vida e de trabalho por parte dos que imigram, ou ainda para fugir de perseguições ou discriminações por motivos religiosos, ou políticos ou então sobre guerras. O presente artigo visa apresentar algumas reflexões teóricas acerca do tema tendo como um dos elementos a crise do capital pretende discutir sobre as migrações e o Serviço Social na contribuição ao debate nas relações sociais ao capitalismo. Nesse sentido, seu objetivo é o percurso histórico e a conceituação sobre imigração; compreendendo a contribuição e compromisso do Assistente Social frente à questão da população imigrante; e evidenciando os direitos desta população no país ao qual passou a residir. Dessa forma, essa pesquisa busca-se responder a seguinte indagação: Como se da o processo de trabalho do Assistente Social frente à garantia de direitos da população imigrante? Nesse sentido essa pesquisa busca responder o problema abordado com os seguintes objetivos: Analisar e discutir a prática do Assistente Social, frente à garantia de direitos da população imigrante no Brasil; analisar o percurso histórico e a conceituação sobre imigração; compreender o papel do assistente social, frente às questões sociais presentes na vida da população imigrante; discutir os direitos conquistados por essa população. Para melhor analisar o artigo, ele encontra-se dividido em dois capítulos: o primeiro trata do modo e de como as migrações é dada como fenômenos do atual 3333
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI contexto de crise do capital; no segundo, relata quais as contribuições acerca do debate das migrações e o Serviço Social. Em prol da obtenção dos resultados e respostas diante das indagações realizadas sobre o objeto em questão, foi-se realizada uma pesquisa de caráter explicativa através da pesquisa bibliográfica, pois a mesma oferece meios que auxiliam na busca de conhecer melhor a temática em questão, e que por vez, consiste na consulta de periódicos, livros e outras fontes que ajudam a sustentar e esclarecer os aspectos teóricos da temática que aborda sobre os migrantes, analisando desde o seu contexto histórico até a importância do Assistente Social diante do processo de migrações até o atual contexto da crise do capital. 2 AS MIGRAÇÕES COMO FENÔMENOS DO ATUAL CONTEXTO DE CRISE DO CAPITAL Tido como deslocamento populacional desde o início da humanidade, podendo ser temporariamente ou permanente, as migrações ocorrem por alguma razão advinda de problemas econômicos, culturais, religiosas, políticas e naturais. Atualmente o principal problema a afetar esses migrantes são as diversas crises capitalistas advindas dos problemas econômicos. [...] O emigrante, segundo a sua condição migratória, isto é, naturais e não- naturais dos locais de destino, avaliando-se o seu perfil demográfico, educacional, ocupacional, de renda, etc., além de avaliar se há diferenciais significativos entre esses dois grupos de emigrantes e determinação dos principais fluxos migratórios (CUNHA, 2016, p. 1). Com isso é possível observar as condições migratórias de cada indivíduo e o seu perfil demográfico, e com isso obter pontos positivos e negativos de determinadas migrações. Avaliando um dos maiores grupos existentes, os portugueses e italianos esses grupos representam mais de 80% do total dos imigrantes. Valendo ressaltar que os grupos de emigrantes são tidos como grupos de diferentes países que se deslocam para outros em busca de uma vida melhor, na sua maioria, econômica. No século XIX a Europa e o processo de urbanização industrializavam o capitalismo, que antecedido pela expropriação da terra e dos meios de produção da subsistência, foi fundamental para a constituição de trabalhadores livres dispostos a vender sua força de trabalho na indústria nascente e a integrar o exército industrial de reserva nas cidades, lançando grandes massas de trabalhadores rurais para as cidades. 3334
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Na segunda metade do século, os imensos contingentes de pessoas buscaram possibilidades de vida e trabalho em outros continentes, particularmente as Américas. Com a migração internacional de milhões de pessoas deslocou-se o eixo de uma grande crise que atravessava países europeus no século XIX. De acordo com o resultado do deslocamento populacional, criou-se onde se deu o início de acumular objetos de valores para os donos do capital gerarem cada vez mais riquezas e assim fazer com quer o círculo do dinheiro percorra somente entre eles os Burguês, aumentando as desigualdades sociais e alarmando as questões sociais na sociedade capitalista uma poderosa sobrevida à acumulação capitalista. Pois essa chegada apresenta transformações significativas no seu comportamento desde as últimas décadas do Século XX, não só no Brasil como também em outras partes do mundo. De acordo com esse movimento em direção contrária é observado no final do século XX e início do XXI, quando milhares de trabalhadores e suas famílias migraram à procura de trabalho e de refúgio político, uma vez que as guerras civis e as ditaduras tinham tomado conta da América Latina. Muitos brasileiros, por exemplo, procuraram as regiões centrais do capitalismo, as quais alimentavam um enorme exército industrial de reserva, onde o trabalho precário crescia rapidamente, fazendo com que brasileiros se submetessem a trabalhar por dois e receber pelo salário de quase um, e sempre existia alguém disposta a enfrentar o trabalho em questão por ser o seu meio de sobrevivência. De acordo com (MARX, 2008, p. 735), ao abordar sobre as necessidades do capital: [...] O capital tem como a classe trabalhadora o exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira absoluta como se fosse criado e mantido por ele. Ela proporciona o material humano a serviço das necessidades variáveis de expansão do capital e sempre pronto para ser explorado, independentemente dos limites do verdadeiro incremento da população. Segundo Marx (2008), compreender a população trabalhadora excedente é produto e ao mesmo tempo alavancar da acumulação capitalista e constitui em determinado para a relação entre a massa dos meios de produção empregados a quantidade de trabalho necessário para eles serem empregados. 3335
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Os migrantes submetiam-se a baixos salários, longas jornadas de trabalho e ocupações simples, que exigiam pouca qualificação e são desprestigiadas socialmente. Deste modo, as migrações se tornaram um importante componente da urbanização e acumulação de capital. A migração da força de trabalho acompanha o próprio processo de expansão do capital na direção da acumulação, visto que a acumulação capitalista produz uma população trabalhadora supérflua disponível para ser lançada em diferentes locais e ramos de produção. No caso particular do Brasil, é possível identificar um intenso movimento migratório interno ocorrido no início do século XX, quando um conjunto de trabalhadores deixou o campo em busca das áreas onde se iniciava o processo de industrialização. Os deslocamentos populacionais costumam obedecer a uma lógica relativamente simples. As populações migram para melhorar a qualidade de vida. Migram para fugir de uma guerra, de uma crise econômica, da pobreza, de perseguição política, da seca e de outros cataclismos naturais. Migram para conseguir emprego, para estudar, para ter mais saúde, para continuar vivas. Nem sempre eles são bem vindos aos lugares de destino e muitas vezes enfrentamos a xenofobia do povo local, a discriminação e a marginalização, constituindo um grande contingente de cidadãos de segunda classe. Entende-se, que os movimentos migratórios são fenômenos complexos que envolvem uma situação onde se incluem tanto os movimentos populacionais registrados a nível internacional como os que ocorrem no interior dos diferentes estados - nação. Atualmente as migrações têm o seu número cada vez mais elevado, por problemas econômicos, religiosos ou sociais. Diante desses problemas apresentados um dos maiores é o econômico que já se faz presente há anos, originando com isso a extensa crise do capital. Onde muitos se migram de uma região para outra em busca de uma melhor qualidade de vida, deixando para trás seu país de origem e sua família. 3 MIGRAÇÕES E SERVIÇO SOCIAL: contribuições ao debate O imigrante nunca deve ser confundido com: nômade, emigrante, colonos, escravos, exportados. Muito se discute sobre a questão da imigração e suas consequências, mas pouco se sabe o que realmente é imigração, mas imigração é o ato 3336
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de imigrar, ou seja, é aquele que entra em um país estrangeiro para trabalhar ou residir (OKOIER, 2016). Visto que diante das dificuldades encontradas pelo povo imigrante, a coordenadora da Comissão de Relações Internacionais do CFESS, Esther Lemos, coloca que, dentre todas as categorias profissionais que atuam em prol da população imigrante, encontra-se o profissional de Serviço Social. Esther Lemos ainda coloca que: “assistentes sociais exercem a profissão nos mais diferentes serviços, programas e projetos, tanto no âmbito das políticas sociais implementadas pelo Estado, quanto por organizações da sociedade civil” (CFESS, 2015). Segundo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2016) a imigração é um fenômeno constituinte da formação econômica e social no Brasil, partindo-se das relações sociais do capitalismo. A migração na sua história veio para explicar a situação social que se encontram esses imigrantes perante o remoto período e escravidão no país. Até meados do século XIX, a sociedade brasileira se apoiava em uma economia, onde o trabalho era explorado e o salário era mínimo. Nesse mesmo período o poder político se fortalece e a propriedade rural passa a ganhar forças. No período seguinte, no século XX ocorreram mudanças significativas na política de imigração, pois houve a chegada de imigrantes que vinham ao Brasil como trabalhador. Os mesmos tinham uma vasta compreensão dos seus direitos e isso desencadeou uma série de problemas para os senhores do capital, pois de início ocorreu logo uma greve. Segundo Andrea Perotti (2018) “a assistência social se insere no contexto de uma política migratória, pela via de proteção social em situação de vulnerabilidades, risco e violação de direitos”. Em vista disso, cabe aos assistentes sociais o papel de defesa dos direitos e da liberdade dos imigrantes que chegam ao país. Os mesmos têm como base de apoio o projeto ético político e a política de migração, que são bases primordiais e essenciais na busca constante por seus direitos e na mediação que deve ser realizada para que os mesmos consigam adquirir tudo de forma correta. Segundo Santos (2014), as atribuições dos assistentes sociais não prescindem de fundamentos ideológicos e políticos. Dessa forma as atribuições dão sentido aos 3337
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI exercícios e atribuições dos assistentes sociais, uma vez que tratam das expressões da questão social. Tratando-se de conhecer os fenômenos norteadores da profissão, como o projeto ético político, se baseando em diversos estudos marxistas. Afinal, a luta pela ampliação dos direitos supõe a superação de práticas que reforçam a tutela e a criminalização dos usuários, uma vez que, atuamos, nos mais diversos campos sócio-ocupacionais, exercendo funções nos diferentes serviços, programas e projetos, seja no âmbito das políticas sociais implementadas pelo Estado, seja nas organizações da sociedade civil. Neste sentido, não é demais retomar os 11 princípios fundamentais do Código de Ética do assistente social, uma vez que sua efetivação remete à luta e a defesa pelos direitos humanos (IAMAMOTO, 2009). Sobre os direitos humanos dessa população, estão ligados às obrigações positivas e negativas do Estado, sendo que tanto os fatores positivos como negativos levam a migrar. Mas, sempre encontram contradições entre o que diz a lei e se o Estado realmente cumpre. Os imigrantes por sua vez, vêm ao Brasil por serem atraídos pela geração de renda e emprego, e muitas dessas pessoas acabam sendo terceirizadas e subcontratadas e passam a ser público de atendimento de assistentes sociais. Deste modo, os direitos dessa população no qual passou a residir, comparou que na realidade brasileira está bem distante da europeia, pois, a população ressalta igualmente que ambas se aproximam dos direitos frente a questão dos imigrantes, no que pertence à dificuldade de ajustar-se a crescentes fluxos migratórios. Os modelos jurídicos deverão sempre dá constante revisão e adaptabilidade as possíveis aproximações cotidiana profissional da população imigrante, em virtude da natural contingência do espaço globalizado. Diante deste contexto, o CFESS apresenta uma série de questionários propondo aos/às assistentes sociais uma reflexão sobre o preconceito de classe que atinge a maioria dos imigrantes, em especial contra ao preconceito dos imigrantes mais pobres que buscam refúgio, devido a guerras, conflitos, pobreza e outras mazelas provocadas pelas geopolíticas do capitalismo. Muitas vezes, o preconceito faz com que o imigrante ou refugiado sequer busque os órgãos competentes, buscando economias capitalistas para a verificação do mercado de trabalho. 3338
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho visou discutir como os grupos de imigrantes passam a habitar definitivamente outros países que não seja o qual se pertence. Entre os fatores adiante da imigração em grupo de pessoas, os acontecimentos dos imigrantes internacionais apontam para a necessidade de repensar-se o mundo não com base na competitividade econômica e sim os fechamentos das fronteiras nas condições de vida e trabalho. Esse trabalho teve como objetivo analisar o percurso histórico e a conceituação acerca a imigração, para compreender a contribuição e compromisso do profissional de Serviço Social frente a questão da população imigrante, em que foi evidenciado os direitos desta população no país ao qual passou a residir. No entanto, a partir desse esforço inicial foram possíveis algumas aproximações importantes para pensar e repensar no cotidiano profissional da população imigrante que se encontra no profissional do Serviço Social. Conclui-se que com o questionário sobre o preconceito atinge a maioria dos imigrantes, e a luta para acabar com a exploração e o preconceito com imigrantes, pois faz parte das classes de todos os trabalhadores e trabalhadoras. E apesar da participação de profissionais do Serviço Social relacionado ao CFESS os imigrantes têm as condições de demonstrar que os imigrantes tem os refúgios da segurança. REFERÊNCIAS CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL-CFESS. Migração é um direito humano. Brasília. 2015. CUNHA, Aparecido Soares da. Migração de retorno num contexto de crises, mudanças e novos desafios. p. 1-36, 2016. __________. Série Assistente Social no Combate ao Preconceito. Brasília (DF), 2016, p.30. IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na cena contemporânea. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. – Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.p.15-50. MARX, K.A lei geral da acumulação capitalista. Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008b. Livro 1, v. 2, cap. 24, p. 735. 3339
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ORGANIZAÇÃO KOINONIA DOS IMIGRANTES E REFUGIADOS – OKOIER. Imigrantes. São Paulo (SP). 2016. PEROTTI, Andrea. Papéis, especificidades e desafios da Assistência Social no contexto de uma política migratória de nível local. Pernambuco. 2018. SANTOS, Cleusa. Fluxos migratórios e atribuições do assistente social. Natal/ RN, 2014.p. 04-09. 3340
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS EGRESSAS/OS DO SISTEMA PRISIONAL: a negação de direitos no retorno à liberdade EGRESSES THE PRISON SYSTEM: the denial of rights in the return to freedom Amanda Daniele Silva1 Cirlene Aparecida Hilário da Silva Oliveira2 RESUMO Este artigo, resultante de estudos realizados a partir de pesquisa de Doutorado, visa discutir os rebatimentos do cárcere na vivência da condição de egressas/os do Sistema Prisional, apontando as inúmeras violações de direitos com as quais se deparam mulheres e homens que deixaram a prisão; em virtude do preconceito e discriminação ainda existente com relação a esta categoria populacional, a maioria é vista pela sociedade mais ampla como “irrecuperável”. Analisaremos a dificuldade de se concretizar o processo de reintegração social e, principalmente, a reinserção dos egressos nos diversos contextos da vida social como convivência familiar e comunitária e no mercado de trabalho. Palavras-Chaves: Egressa/os. Sistema Prisional. Direitos Humanos. Reintegração Social. ABSTRACT This article, resulting from studies carried out from the PhD research, aims to discuss the detention rebates in the experience of ex- prisoners, pointing out the countless violations of rights faced by women and men who left prison; because of the prejudice and discrimination that still exists in relation to this population category, which is seen by the wider society as “unrecoverable”. We will analyze the difficulty of realizing the process of social reintegration and, especially, the reintegration of graduates in the various contexts of social life such as family and community life and in the labor market. Keywords: Egress. Prison System. Human Rights. Social Reintegration. 1 Assistente Social da Secretaria de Ação Social – Prefeitura Municipal de Franca-SP. Doutora em E-mail: [email protected] Serviço Social pelo PPGSS da UNESP/Campus de Franca. E-mail: [email protected]. 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas – UFPI/Teresina. E-mail: [email protected]. 3341
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO Este trabalho é resultante de uma pesquisa de Doutorado em Serviço Social que abordou o trabalho dos assistentes sociais na busca pela efetivação de Direitos Humanos às egressas do Sistema Prisional, a partir de seus exercícios profissionais nas Centrais de Atenção ao Egresso e à Família – CAEF’s. Dentre os resultados obtidos no referido estudo, enfatizaremos neste trabalho as inúmeras dificuldades impostas às egressas e aos egressos, brasileiras e brasileiros, após o cumprimento da pena privativa de liberdade, as quais são permeadas pela discriminação, preconceito e negação dos direitos básicos, tornando inviável a concretização do processo de reintegração social proposto pela Lei nº 7.210 de 11 de julho de 1984 – Lei de Execuções Penais (LEP). Perante o crescimento acelerado da população carcerária brasileira e os altos índices de reincidência criminal, que comprovam a falência e ineficiência da pena privativa de liberdade na reintegração do recluso à sociedade e na sua “recuperação” criminal, o poder público constatou a necessidade de se cumprir a LEP em sua integralidade; ou seja, não apenas garantir o aprisionamento dos indivíduos que infringiram a lei, mas ofertar-lhes condições para o recomeço de suas trajetórias de vida após a prisão. Para isto, foi necessário definir a quem se estenderia esta política pública pós-reclusão e em que ela consistiria, o que ficou estabelecido da seguinte maneira na LEP: Art. 25. A assistência ao egresso consiste: I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade; II - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses. Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única vez, comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de emprego. Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento; II - o liberado condicional, durante o período de prova. Art. 27.O serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de trabalho. (BRASIL, 1984, online, grifos nossos). Estas definições legais já explicitam a condição de vulnerabilidade em que egressas e egressos deixam a prisão, ao apontarem os direitos elementares que deverão ser-lhes assegurados como alimentação e alojamento. A necessidade de garantir-lhes legalmente apoio e orientação após o cumprimento da pena, também confirma a 3342
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI realidade de dúvidas, inseguranças e, muitas vezes, solidão que permeia o recomeço da vida após o cárcere; esta realidade requer uma ação conjunta entre poder público, sociedade civil, familiares e egressos/as para amenizar as consequências da prisão na vida cotidiana destes homens e mulheres e aproximar-lhes ao usufruto dos direitos e da efetivação da cidadania. Entretanto, apesar de o artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu inciso XLVII, alínea “b” prever que em território nacional não haverá penas de caráter perpétuo, identificamos através dos estudos realizados, que o tempo que o indivíduo fica recluso não é proporcional ao tempo de duração de sua pena; isto é, a pena não termina quando o egresso deixa a prisão. E isto ocorre porque a pena privativa de liberdade suprime muito mais que a autonomia de locomoção do indivíduo; ela subtrai sua dignidade enquanto ser humano, suas relações sociais, seus direitos básicos elementares e, em muitas situações, ultrapassa a pessoa do condenado tendo reflexos na vida de seus familiares. São estas características extras e perversas da pena que lhe tornam infindável. A partir dessas considerações iniciais, abordaremos algumas peculiaridades da condição de egressos/as do Sistema Prisional, as quais foram impostas pela vivência no cárcere e resultam diretamente em situações de violência e negação de direitos, mesmo na vida em liberdade. 2 DESTITUIÇÃO DE DIREITOS ATRÁS DAS GRADES: a realidade do cárcere Apesar do aprofundamento das especificidades do Sistema Prisional Brasileiro não ser o cerne deste trabalho, imprescindível se faz a tarefa de elencarmos as três destituições que o cárcere provoca no indivíduo que, a nosso ver, influenciam diretamente na condição de vulnerabilidade do egresso: a destituição de direitos, a destituição do “eu” e a destituição da convivência familiar e comunitária. Segundo Dallari (1998, p. 14), a cidadania [...] expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social (1998, p. 14). 3343
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Assim, é indiscutível afirmar que o cárcere subtrai para si a condição de cidadãs e cidadãos das pessoas que nele são submetidos, mesmo que por curto período de tempo, causando a destituição de direitos. Ao adentrarem o cárcere, mulheres e homens têm seus direitos restringidos para além do ir e vir, isto é, a situação de “hóspedes” da justiça lhes acarreta o banimento ao acesso à saúde, à educação, ao trabalho, relegando- os a condições subumanas de sobrevivência. Os reclusos deixam de ter identidade própria e são banidos de exercerem atos cidadãos comuns como portar seus documentos pessoais; ter informações sobre suas vidas e participar de momentos que abrangem todos os cidadãos como, por exemplo, as eleições. Toda a estrutura que envolve o cárcere resulta em violação de direitos aos apenados, que são submetidos a tratamentos degradantes, num total desrespeito às condições de seres humanos em virtude de estruturas físicas precárias: superlotação dos espaços, alimentação insuficiente ou em condições impróprias de higiene, agravamento de problemas de saúde ou proliferação de doenças e morosidade do processo penal que, muitas vezes, acarreta no aprisionamento por um tempo superior que o determinado na sentença condenatória. Tais desrespeitos, bem como denúncias e apelos por parte dos encarcerados, não chegam às autoridades responsáveis e nem ao conhecimento geral da população. E, quando chegam, comumente não são vistas como violações de direitos e sim como uma complementação justa da pena de prisão; isto é, todo infortúnio que mulheres e homens passam dentro do cárcere é tido, por grande parte da população livre, como uma forma justa de punição aos delitos que cometeram, devendo ser a prisão o lugar mais inóspito que se deve existir na sociedade. Isso ocorre porque, numa sociedade como a brasileira, marcada pela desigualdade, pobreza e violação constante de direitos à grande parcela da população, “[...] é necessário que a situação da prisão seja muito pior que a situação dos simples desfavorecidos” (TAVARES; MENANDRO, 2004, p. 94). Assim, há pouco interesse pela vida intramuros e pelas inúmeras situações de ameaça à condição de seres humanos que os encarcerados estão submetidos. Eles são vistos como a escória da sociedade que não merece ter visibilidade ou atendimento às suas necessidades; pelo contrário, a entrada no cárcere representa a destituição da cidadania, do eu, da humanidade presente em cada pessoa, sendo muito difícil sua retomada quando se encontra na situação de egresso. 3344
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Prisão e encarcerados tornam-se fenômenos que representam uma ameaça tão profunda à sociedade normatizada, que as atitudes e reações da opinião pública frente à problemática da prisão revelam o desejo de que sejam excluídos do mundo dos humanos. (GUINDANI, 2001, p. 49). No tocante à destituição do “eu”, o aprisionamento numa instituição carcerária provoca no indivíduo aquilo que Goffman (2008) denominou de “contaminação simbólica” e Barreto (2006) de “prisionalização”; ou seja, a incorporação de costumes, práticas e condutas daquele espaço, a assimilação da cultura prisional por parte dos reclusos como forma de sobrevivência e adaptação àquele ambiente tão adverso à condição humana. A prisão se enquadra no rol de instituições caracterizadas por Goffman (2008) como “instituições totais”, sendo que o controle exacerbado sobre as pessoas que a elas estão subjugadas ocasiona a total anulação de suas identidades pessoais, no comportamento de subserviência e na padronização das condutas. Ao ser despido de suas roupas para dar lugar a um uniforme, de seu nome para ser reconhecido por um número de matrícula e de suas vontades para obedecer às ordens, a encarcerada e o encarcerado sofrem um processo de mortificação do “eu”. “Na verdade, juntamente com as roupas, muitas vezes, aos poucos, o direito de ser humano, de sentir e de chorar, para a maioria dos prisioneiros, se esvai ao longo do tempo” (BARRETO, 2006, p. 589). Assim, para sobreviver dentro do cárcere, reclusas e reclusos passam a incorporar as crenças, as atitudes, o comportamento, os hábitos e até o linguajar da massa carcerária, sendo que, mesmo as situações de violência e injustiças, tornam-se legítimas. É a partir da “prisionalização” que as tradições, valores, atitudes e costumes impostos pela população carcerária são aprendidos e assimilados pelos reclusos como uma forma natural de adaptação ou até mesmo de sobrevivência ao rígido sistema prisional. Ao longo do tempo, as experiências de injustiça, violência, entre outras vivenciadas no complexo carcerário, tornam-se “naturalizadas” em decorrência da internalização. Esse processo atenua o sofrimento do preso e funciona como um mecanismo de defesa que possibilita o sujeito a acostumar-se com as condições de vida que lhes são impostas. (BARRETO, 2006, p. 586). Com isto, há um paradoxo entre a vida em liberdade e a vida aprisionada. As regras, valores e comportamentos aceitos e exigidos dentro da prisão muito se diferem com os praticados na sociedade livre. O não abandono da rotina prisional torna-se mais um dificultador do início da vida em liberdade, o qual, somado ao preconceito da 3345
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sociedade contra o rótulo de “ex-presidiário”, acentua as barreiras impostas às egressas e aos egressos para retornarem ao convívio social de forma digna, com o devido acesso aos bens, direitos e serviços essenciais à sobrevivência humana. Se, no estabelecimento prisional, as pessoas devem ser passivas e submissas às regras institucionais, no mundo liberto, é importante que haja autonomia. Se, nas penitenciárias, os reclusos resolvem uma situação conflituosa por meio da força e da dominação, nas relações interpessoais do mundo externo, é preciso diplomacia. Se nas celas, a desconfiança é um sentimento sempre presente, na vida familiar, é indispensável confiança e o auxílio mútuo. Inúmeros são os aspectos que divergem entre uma cultura e outra, o que torna o indivíduo estranho ao seu próprio local de origem, como pássaro que, após ser retirado e aprisionado em uma gaiola, não mais consegue retornar ao seu ambiente natural. (BARRETO, 2006, p. 591). Por fim, para completar o contexto de privações que o cárcere impõe às encarceradas e aos encarcerados há a destituição da convivência familiar e comunitária que muito influencia na condição de egressa/o, pois, mostra-se como um apoio imprescindível para dar início a uma nova vida após a prisão. A forma humilhante, desrespeitosa e autoritária que o Sistema Penitenciário trata as reclusas e os reclusos é automaticamente repassada aos seus familiares. Inúmeros são os estudos que apontam o tratamento desumano às pessoas que visitam seus conhecidos na prisão (PEREIRA, 2005; JUNQUEIRA, 2005; HOWARD, 2006; CASTILHO, 2007, QUEIROZ, 2015), o que resulta na desistência deste contato pessoal por parte dos próprios familiares ou por parte das reclusas e reclusos, que optam por abrir mão da convivência para evitar situações de constrangimento. [...] muitas técnicas são aplicadas aos presos e às famílias, para que seu comportamento se adéqüe às normas e para que o próprio agente público esqueça a humanidade que existe em cada um. Despir as pessoas de suas vestes, observar detalhes de seu corpo, aproxima-as da condição de animais. As vestes são uma marca da humanidade. (PEREIRA, 2005, online). Os elementos que acabamos de apresentar sobre o cárcere nos dão uma compreensão, ainda que parcial, do quão degradante é a passagem de um indivíduo pela prisão. Tendo lhe sido restringidos seus direitos básicos e, principalmente, sua dignidade humana, inúmeras serão as dificuldades impostas para que seja possível um (re)começo desvinculado das incontáveis marcas deixadas pelo cárcere, sejam elas físicas, psicológicas, morais e relacionais. É na condição de egressa e egresso, que o indivíduo percebe que o cárcere subtraiu para si muito mais que sua liberdade: ele lhe 3346
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI roubou momentos de convivência, possibilidade de crescimento pessoal e profissional e a condição de ser humano. 3 DE VOLTA À LIBERDADE: um árduo caminho Egressas e egressos do Sistema Prisional, cujo cárcere roubou-lhes, muitas vezes, a juventude, os sonhos, os amores, o crescimento dos filhos e a velhice dos pais, têm a ilusória impressão de que o sofrimento e a negação de direitos se findarão ao destrancar do último cadeado das celas que as/os separam do mundo liberto. Triste expectativa! A saída da prisão é o momento mais esperado para aquelas/es que se encontram reclusas/os, principalmente à/aos que cumpriram longas penas. Entretanto, trata-se de um acontecimento permeado por contradições e inseguranças. Contradições porque a sociedade que aprisiona e cobra mudanças de comportamento é a primeira a excluir e duvidar que essa mudança de fato ocorreu. Inseguranças porque a realidade social que existia antes da prisão – casa, filhos, familiares, amigos – pode ter se perdido no tempo, juntamente com os dias que se passarão na prisão. O grito de “Cantou a liberdade! Pegue suas coisas que você está saindo” (MENDES, 2006, p. 13) ocorre de forma inesperada e sem preparação. Como estão na condição de “hóspedes da justiça” é ela quem determina o dia e a hora que chegará o alvará de soltura. Devido ao fato de a grande maioria das reclusas e reclusos deste país não dispor de condições financeiras para arcar com os custos de um advogado particular que acompanhe o processo penal, ínfimas são as informações que detêm sobre sua ação judicial, com isto, nem eles, nem seus familiares estão preparados para o grande dia da liberdade. Muitas vezes, ter para onde voltar não significa condições de sobrevivência adequadas, nem a vivência em ambiente livre de conflitos. As egressas e egressos, em grande parte, já vivenciavam configurações familiares permeadas por carências materiais, violências e envolvimento em práticas consideradas ilícitas e, seu retorno para esta realidade nem sempre é algo ansiosamente esperado por todos, pois, estando em situação de extrema vulnerabilidade, estas famílias veem nas egressas e egressos um aumento nas despesas; já eles anteveem a possibilidade de retorno para a prática de delitos, pois regressam para o ambiente onde, muitas vezes, iniciou sua 3347
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI criminalidade. Em muitas situações, a reincidência criminal está associada principalmente às dificuldades das egressas e egressos se (re)inserirem no mercado de trabalho, o que gera vulnerabilidade financeira a eles e seus familiares e os aproxima de práticas ilícitas como forma de obtenção de renda. Esta dificuldade em conseguir um emprego é relatada sempre que o tema “egressas/os do sistema prisional” vem à tona. O principal óbice é a rejeição, por parte dos empregadores, a pessoas que apresentem um atestado de antecedentes criminais constando o cumprimento de pena por qualquer crime que seja. Há uma insegurança por parte da sociedade civil em acreditar que o período passado na prisão tenha efetivamente eliminado a conduta delitiva da/o egressa/o. Isto certamente ocorre devido à difundida constatação de que a prisão, com sua estrutura e dinâmica de castigos e violações de direitos, não consegue cumprir seu compromisso ressocializador, contribuindo, muitas vezes, para confirmar a ideia de Foucault (2009) de que o cárcere produz a delinquência. Assim, os empregadores não se sentem confiáveis em dar uma oportunidade de trabalho às egressas e aos egressos, pois temem ter a imagem da empresa prejudicada ou serem vítimas de crimes cometidos por elas/es. Nem mesmo as empresas que utilizam de mão-de-obra carcerária, por meio da oferta de trabalho dentro dos presídios, contratam as egressas e os egressos após sua saída da prisão, o que reforça ainda mais o preconceito e rejeição por parte dos demais empregadores. Informação recebida pela diretora do presídio nos alerta sobre a não- contratação das mulheres que trabalharam nas diversas empresas na prisão em sua passagem para a liberdade. Esse fato pode demonstrar a não- superação do preconceito para com a população prisional [...] se a empresa que conhece a trabalhadora presa não a contrata quando está em liberdade, podemos inferir que o preconceito é maior entre os empregadores que interiorizam o senso comum para julgá-la. (ESPINOZA, 2004, p.142). Com isto, o atestado de antecedentes criminais impõe à egresso e ao egresso uma marca de incredibilidade muito difícil de ser superada, pois “[...] a sociedade não pergunta porque uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas apenas se esteve lá ou não” (BARRETO, 2006, p. 592), o que perpetua sua condenação de distanciamento da realidade social liberta, uma vez que, a (re)inserção no mercado de 3348
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalho se dá de forma precária, informal e frágil, fazendo da egressa e do egresso o alvo principal para possíveis demissões ou substituições de trabalhadores. Ao saírem da prisão, egressas e egressos representam para a sociedade o retrato da ociosidade e da improdutividade, sendo a conquista de um trabalho o elemento fundamental para iniciarem seu processo de “desinstitucionalização do cárcere” (CABRAL, et al., 2014, online), ou seja, de abandono das características de reclusa ou recluso. De acordo com as reflexões de Adorno (1991, p. 27), “Sabe-se que o estigma de desocupado costuma pesar desfavoravelmente sobre o destino de qualquer indivíduo que cai nas malhas das agências de contenção da criminalidade”; assim, a centralidade da categoria trabalho mostra-se ainda mais enfática na condição de egressa/o do sistema prisional, servindo-lhe de condição para inclusão social, bem como possibilidade de subsistência própria e familiar. A busca por um emprego vem acompanhada de outros obstáculos que fogem à alçada das/os egressas/os para solucioná-los. Ao serem presos, homens e mulheres têm a suspensão de seus direitos civis e, na grande maioria dos casos, ocorre apreensão dos documentos de regularidade civil. Ao retomarem a liberdade e iniciarem a busca por emprego, a regularização dos documentos se torna uma necessidade imediata; mas, que é acompanhada por inúmeros episódios de constrangimento, uma vez que, em muitas localidades, estes documentos ainda são requeridos em delegacias de polícia ou em Órgãos Públicos, cujo atendimento não garante o sigilo das informações e acaba por expor a condição das/os egressas/os. Egressas/os vivem cotidianamente um desencadeamento de incoerências e impossibilidades vindas de uma sociedade que lhes cobra a reinserção, principalmente por meio do trabalho, que tem como pressuposto o restabelecimento da condição civil, a qual lhes é negada logo que deixam a prisão, atestando que a imposição de penas não se restringe aos perímetros do cárcere, mas dilata suas fronteiras para a vida que, caracterizada como liberta, ainda dispõe de grades invisíveis que impedem egressas/os de se sentirem parte da sociedade. O depoimento de um egresso que integrou a pesquisa de Barros (2011, p. 77) ratifica esta sensação de não pertencimento à sociedade: [...] eu tô ilegal dentro de um país que eu vivo. A gente é ilegal porque ninguém dá oportunidade de emprego pra gente igual uns que viajam pros 3349
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Estados Unidos, vai clandestinamente, chega lá, não pode trabalhar de carteira assinada e assim somos nós dentro do nosso próprio Brasil. Apesar de a colocação no mercado de trabalho ser um elemento chave para a retomada da vida em liberdade, temos que estar conscientes que esta ação isolada não tem efeitos consistentes na vida de pessoas cujas violações de direitos atingem todas as esferas da vida social. Às egressas e aos egressos do sistema prisional devem ser oportunizadas políticas públicas, programas, projetos, ações e serviços que envolvam também a retomada dos vínculos familiares, a garantia de condições dignas de sobrevivência a elas/es e seus filhos, o acesso à informação, à cultura, ao lazer, à saúde, à educação, enfim, à cidadania plena, sendo esta entendida aqui como a participação na construção e usufruto dos direitos não apenas individuais, mas os sociais, econômicos, políticos e culturais. Egressas e egressos do sistema prisional têm que deixar de serem vistos como sujeitos do sistema penal, para serem compreendidas/os como atores de suas próprias trajetórias de vidas; vidas estas que não devem estar associadas aos denominados crimes cometidos no passado e sim à humanidade que deveria ter estado presente antes, durante e depois da prisão. A eles não basta a concessão de meios direitos. A complexidade de suas vulnerabilidades exige a garantia de direitos humanos. 4 CONCLUSÃO O estudo realizado reafirmou a necessidade de uma política de reintegração social que, de fato, possibilite através da sociedade civil e do Estado a proteção social devida aos indivíduos que saem do cárcere totalmente destituídos de direitos, de dignidade e de credibilidade; faz-se necessário oportunizar às egressas e aos egressos não apenas uma vaga de emprego, o retorno aos estudos ou um local para morar, mas, acima de tudo, a possibilidade de se sentirem novamente (ou pela primeira vez) seres humanos que participam ativamente das relações sociais, econômicas e políticas, tendo direito de se manifestarem, de ouvirem e serem ouvidas/os e, acima de tudo, de terem suas particularidades respeitadas e atendidas sem discriminação. Não há, desta forma, como se concretizar um efetivo processo de reintegração social, enquanto a sociedade, o Poder Público e a família não se despirem do olhar 3350
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI discriminatório sobre as/os encarceradas/os e egressas/os. Não haverá mudanças efetivas na vida dos que deixam a prisão se a sociedade que os recebe, se o local para onde retornam não tiver alterado suas dinâmicas de exclusão, desigualdade e criminalização das classes desvaforecidas economicamente. Se egressas e egressos não forem concebidos como sujeitos a quem cabem a efetivação de direitos e o exercício pleno da cidadania, bem como a participação, em condição de igualdade, em todas as esferas da sociedade, realmente a passagem pela prisão não lhes terá nenhum efeito a não ser a recorrência aos atos criminais. Se o Estado e a sociedade civil não conseguirem efetivar ações para o enfrentamento da questão social e suas múltiplas expressões, parte dos motivos que levam as pessoas ao cárcere, e tentar modificar, extingui-las ou, pelo menos, minorar seus efeitos, o ciclo vicioso “crime-prisão-crime” jamais cessará. É necessário que o conjunto da sociedade civil organizada conheça a realidade social das/os encarceradas/os, suas histórias de vida, bem como os motivos que as/os levaram à condição de aprisionadas/os; este é um dos caminhos para se contribuir na proposição de políticas públicas que combatam os efeitos do cárcere na vida das/os egressas/os, e possibilitem a garantia de direitos humanos à esta significativa parcela da população brasileira, tornando-a livre das amarras da opressão, da violência e da discriminação, com o reconhecimento de sua autonomia e liberdade, valores fundamentais no exercício profissional do assistente social, em consonância com a direção social da profissão, evidenciada em seu projeto ético-político profissional. REFERÊNCIAS ADORNO, Sérgio. A prisão sob a ótica de seus protagonistas. Itinerário de uma pesquisa. In: Tempo Social; Rev. Sociologia. USP, S. Paulo, 3(1-2): 7-40, 1991. BARRETO, Mariana Leonesy da Silveira. Depois das gardes: um reflexo da cultura prisional em indivíduos libertos. In: Psicologia, Ciência e Profissão, 26(4), 582-593, 2006. BARROS. Carolyne Reis. O real do egresso do sistema prisional: circulação de normas, valores e vulnerabilidades. 2011. 121f. Dissertação (Mestrado em psicologia) Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2011. 3351
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EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS INSTITUIÇÕES E PROJETOS DESTINADOS À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DO MUNICÍPIO DE MOSSORÓ/RN INSTITUTIONS AND PROJECTS FOR THE POPULATION IN THE STREET SITUATION OF THE MUNICIPALITY OF MOSSORÓ/RN Jhênifer Brena Soares de Medeiros1 RESUMO A população em situação de rua é um segmento cuja existência está correlacionada diretamente com a lógica do sistema capitalista e se caracteriza como uma complexa expressão da questão social. De acordo com o Serviço Especializado em Abordagem Social, que é realizado pelo Centro de Referência Especializado em Abordagem Social, o município de Mossoró/RN conta com 288 pessoas em situação de rua. O artigo tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa realizada durante a construção de um trabalho monográfico apresentado à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, que obteve como objetivo identificar as instituições e projetos que fornece algum tipo de serviço ao segmento rua do município. Através da técnica “bola de neve” a pesquisa identificou 14 instituições e projetos, sendo destas 6 instituições públicas e 8 surgiram a partir da iniciativa privada. Palavras-Chaves: Questão Social. Política Social. População em Situação de Rua. ABSTRACT The population in the street situation is a segment whose existence is directly correlated with the logic of the capitalist system and is characterized as a complex expression of the social question. According to the Specialized Service in Social Approach, which is carried out by the Reference Center Specialized in Social Approach, the municipality of Mossoró/RN has 288 people in street situation. The article aims to present the results of a research carried out during the construction of a monographic work presented to the State University of Rio Grande do Norte - UERN, which aimed to identify the institutions 1 Assistente Social. Perita do Núcleo de Perícia Judicial (NUPEJ). Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected]. 3353
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI and projects that provides some kind of service to the street segment of the municipality. Through the \"snowball\" technique, the research identified 14 institutions and projects, of which 6 were public institutions and 8 emerged from the private sector. Keywords: Social Issues. Social Policy. Population in Street Situation. INTRODUÇÃO A existência da população em situação de rua está diretamente ligada à lógica contraditória do capitalismo, sendo resultado dos antagonismos e das desigualdades procedentes desse sistema. São sujeitos que estão em condição de penúria, carentes de meios que lhe permitam obter uma vida digna, que possuem vínculos fragilizados não apenas com a sociedade, mas também com seus próprios familiares, e constantemente possuem seus direitos negados, assim como, são esquecidos e invisíveis para o restante da população e para o Estado. O presente artigo tem como principal objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa realizada durante a construção de um trabalho monográfico apresentado à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, cujo intuito foi identificar as instituições, os serviços e programas que ofertaram atendimento à população em situação de rua do município de Mossoró/RN no ano de 2018. Durante o percurso metodológico da referida pesquisa, foi utilizado o método materialismo histórico dialético e para coleta dos dados se utilizou o método de amostragem “Bola de Neve”. Por intermédio dessa técnica cada sujeito entrevistado apontava outro(s) sujeito(s) social(is) de seu conhecimento que fornecesse serviço à população em situação de rua do município e assim consecutivamente. 2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL Conforme mencionado anteriormente, a existência desse segmento possui ligação com a lógica contraditória do sistema em que estamos inseridos. Um sistema contraditório em que aqueles que produzem os meios de alcance da lucratividade, não usufruem dela; sistema que não é capaz de absorver a todos e cria uma população sobrante (desempregados) que fica à mercê da sorte, sistema que necessita dessa 3354
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI parcela para continuar aumentando seu lucro. (MUNIZ; DUARTE; PEREIRA, 2011; AMARAL, 2010). Ressalta-se que o fenômeno da população em situação de rua possui outras causas estruturais, sendo vários os motivos que levam os sujeitos à rua. Por possuir diversas particularidades que distingue esse segmento dos demais, ele se caracteriza como uma complexa expressão da questão social2.. E por ser um grupo bastante heterogêneo, há uma dificuldade em formular um conceito com somente uma única dimensão. Diante dessa situação, torna-se válido usufruir da definição presente no Decreto nº 7.053/09, que foi responsável por instituir a Política Nacional para a População em Situação de rua- PNPR, que define esse segmento como um […] grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. (BRASIL, 2009a). Tomando como referência a definição supracitada, pode-se se destacar três principais características do segmento rua, quer seja: extrema pobreza; ausência ou fragilidade dos vínculos familiares; e a inexistência de “moradia”. Entre agosto de 2007 e março de 2008 foi realizado o I Censo e Pesquisa Nacional sobre à População em situação de rua, que contou com dados de apenas 71 municípios e estimou-se que no Brasil obtinha 31.922 mil pessoas em situação de rua com idade superior a dezoito anos (BRASIL, 2009b). Sendo o único censo que apresenta dados relevantes a respeito desse segmento. Já em 2016 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, divulgou uma pesquisa que se estimou que em 2015 havia no Brasil aproximadamente 101.854 mil pessoas em situação de rua, contudo, para se chegar a esse número, foi utilizado dados presentes no Censo do Sistema Único de Assistência Social (Censo SUAS). Anos depois, o Brasil continua sem dados oficiais mais consolidados e é certo que sem eles a implementação de políticas públicas que venham atender de forma eficiente as necessidades desse segmento fica prejudicada. Afinal, como implementá-las, se não 2 “A questão social [...] é a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mas além da caridade e repressão.” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 83-84). 3355
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI se conhecesse as reais peculiaridades dessa população? A partir dos dados obtidos com o I Censo e Pesquisa Nacional sobre à População em situação de rua foi possível obter informações relevantes sobre essa população, a citar que essas pessoas possuem acesso ao trabalho por intermédio de suas formas mais precárias, visto que exercem trabalhos informais e atividades pontuais (os “bicos”). As atividades laborativas mais citadas foram: catador de material reciclado e flanelinha (BRASIL, 2009b). Destaca-se que durante essa pesquisa um pouco mais de 70% dos entrevistados informaram exercer alguma atividade remunerada, o que vai de encontro com a ideia difundida que a maioria desses sujeitos são mendigos e pedintes (LIMA, 2014). Por não estarem inseridos no mercado formal de trabalho não contribuírem diretamente com a economia, deixam de ser funcionais ao capitalismo e se constituem um obstáculo para o desenvolvimento da sociedade. A partir do referido Censo foi possível descobrir que das 31.922 pessoas identificadas, 54,2% são naturais de outras cidades e o principal motivo de deslocamento, mais precisamente 45,3%, foi a procura por emprego e a inexistência de oportunidades os levaram às ruas. Outro importante dado obtido foi que a população em situação de rua é predominantemente formada por negros e pardos (67%), sendo isto consequência da própria formação sócio histórica do país. Ademais, essa população é predominantemente masculina (82%) e o fato de a busca por emprego levar grande parcela dessa população às ruas, pode explicar um pouco dessa porcentagem, afinal, o modelo patriarcal de sociedade, que delimita os papeis dos gêneros, aponta que o homem é o responsável por ser o provedor da família. Esse Censo também apontou que os conflitos existentes no seio familiar motivaram 29,1% dos entrevistados irem para as ruas. Esse fato contribui para que o Estado retire sua responsabilidade, esquivando-se de suas obrigações e transferindo-as para as famílias. O elemento mais citado como motivador foi o uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas (35,5%), mas não são todos que fazem uso, cada um possui uma relação diferente com elas e a ideia de que todas as pessoas que estão situação de rua fazem uso problemático dessas substâncias, potencializa o preconceito e a aversão que a sociedade possui com essa população. Esses sujeitos sofrem diversas violações e violências, cometidas não somente pelo restante da sociedade, como também pelo Estado e por aqueles que também estão 3356
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI em situação de rua. Sofrem com agressões físicas e verbais; com extermínios e chacinas; possuem objetos saqueados e direitos negados (MNPR, 2010). Frisa-se que o próprio Estado se constitui como principal violador dos direitos, visto que, de acordo com o Centro Nacional de Defesa de Direitos Humanos da População em Situação de Rua e Catadores de Material Reciclável - CNDDH, das 419 denúncias de violências registradas no Centro, durante o período de março a agosto de 2017, em aproximadamente 272 (65%) o causador da violação foi um agente público (SCHRAMM, 2017). No Brasil, os primeiros tratamentos ofertados a esse segmento se alternavam em ações repressivas e filantrópicas. O caráter repressivo era consequência da criminalização da “vadiagem” e as ações filantrópicas eram bastante estimuladas pela Igreja, sendo motivadas pelo espírito de amor ao próximo e solidariedade com a pobreza; nessas ações havia distribuição de mantimentos, intervenções pontuais na área da saúde e educação cristã desses sujeitos. Foi no final da década de 1960 que surgiram no Brasil as primeiras iniciativas de organizações políticas desta população. Em 1988 houve a promulgação da Constituição Cidadã que trouxe consigo diversos ganhos, dentre eles os direitos sociais. Contudo, o ideário liberal difundido fortemente na década seguinte, conteve as conquistas alcançadas; e a diminuição do Estado no âmbito social gerou a precarização dos serviços públicos, o único meio de acesso do segmento rua aos seus direitos. Em agosto de 2004, ocorreu o ‘Massacre da Sé’, em que 15 pessoas foram atacadas enquanto dormiam na Praça da Sé, localizada na região central de São Paulo e dessas, sete acabaram falecendo. Com o ocorrido, várias cidades brasileiras se organizaram para pensar ações voltadas a população em situação de rua e o Estado passou a ser pressionado para intervir e elaborar políticas voltadas para o atendimento das necessidades deste segmento (Ibid.). Até início do século XXI não existiam políticas públicas voltadas diretamente ao atendimento. Uma das principais conquistas foi quando o Ministério de Desenvolvimento Social realizou a Pesquisa Nacional sobre a População em situação de rua, já citada anteriormente, que subsidiou a elaboração da PNPR, que foi instaurada em 2009, por intermédio do decreto de nº 7.053. A PNPR indica a complexidade dessa população e expressa a necessidade de uma política voltada unicamente para esse segmento, que venha a visualizar e atender suas especificidades. Essa política busca assegurar que essa 3357
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI população obtenha amplo, simplificado e seguro acesso aos serviços e programas fornecidos pelas demais políticas públicas. Apenas em 2011, através da Portaria nº 2.488, que aprovou a Política Nacional de Atenção Básica – PNAB, houve a preocupação em definir Equipes de Atenção Básica de Saúde que fornecessem o cuidado a populações específicas, dentre elas a população em situação de rua. Para isto foi instituído o Consultório de Rua, visando ampliar o acesso desses sujeitos aos serviços de saúde. Em 2015 foi criada a Comissão dos Direitos da população em situação de rua, que possui como objetivo, “receber, apurar e monitorar as denúncias de violações de direitos deste segmento social, propor recomendações para o aperfeiçoamento das políticas públicas relacionadas ao setor” (BRASIL, 2015). Apesar de haver uma política que indica a heterogeneidade destes sujeitos, de modo que necessitam de um olhar multifacetado e respostas que venham ser emitidas articuladamente, constata-se que no Brasil a população em situação de rua acaba sendo atendida apenas pelas ações das políticas de saúde e de assistência social e embora ambas sejam importantes e atendem algumas das necessidades dos sujeitos, elas não são suficientes para atender a todas, pois o segmento rua é bastante complexo. Mesmo com muitas conquistas, as políticas destinadas a essas pessoas, continuaram possuindo um caráter paliativo, com desenvolvimento de ações mínimas e fragmentadas; por vezes esses sujeitos ainda são alvos de ações truculentas e policialescas, que visam “limpar” a sociedade, pois a presença desses sujeitos não remete uma boa imagem para a cidade. 3 A REALIDADE MOSSOROENSE O Município de Mossoró está situado no interior do Rio Grande do Norte e de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, obtinha 297.378 mil habitantes em 20193. A análise quantitativa das pessoas em situação de rua no município é realizada desde 2012 pela Equipe multiprofissional do Centro de Referência Especializado de Assistência Social e através da expansão do Serviço Especializado em Abordagem Social, a equipe constatou do período de julho de 2017 a outubro de 2018, 288 pessoas em situação de rua em Mossoró/RN. 3Estas informações foram retiradas do site do IBGE. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rn/mossoro/panorama. Acesso em: 20jun 2020. 3358
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Visando identificar as instituições e projetos ofertados no município, foi utilizado o método de amostragem “bola de neve”. Essa técnica faz uso de uma cadeia de referência, em que para se dar início a pesquisa é necessário um informante-chave que vai ajudar ao pesquisador a realizar seus contatos, formando, posteriormente, todo o grupo a ser pesquisado (VINUTO, 2014). Durante a pesquisa foi utilizado a gerente executiva da proteção social especial do município como informante-chave. A escolha foi motivada pelo fato de que diante da realidade vivenciada por esta população, os serviços a eles direcionado no âmbito da assistência social, se enquadram na proteção social especial. Após o primeiro contato, obteve-se conhecimento de seis instituições que garante algum tipo de serviço à população em situação de rua e posteriormente se deu continuidade a pesquisa. Após a realização de mais 19 entrevistas4, foi possível identificar 14 instituições e projetos que executa algum tipo de ação. Para se chegar a esse número, não foi utilizada apenas as informações alcançadas com a técnica bola de neve, como também o conhecimento pessoal da pesquisadora. Dentre os 17 equipamentos que fornecem alguma ação a este segmento, 14 foram mencionados por algum entrevistado, os outros 3 foram identificados através de conhecimento adquirido anterior a realização da pesquisa. Foram identificadas não apenas instituições públicas, como também instituições e projetos organizados pela sociedade civil organizada e por instituições religiosas. Dentre as instituições públicas temos: o Centro de Referência de Assistência Social – CREAS, Plantão Social, Casa de Passagem Olga Pereira, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas III – CAPS AD III, Consultório na Rua e Centro Clínico Evangélico Edgard Bulamarqui. O CREAS executa o Serviço Especializado em Abordagem Social, que durante sua execução identifica a população em situação de rua e, a partir dos atendimentos psicossociais, toma conhecimento das necessidades da população atendida. Durante o 4 Além da informante-chave foi entrevistado 13profissionais ou representantes das instituições e projetos identificados no decorrer da pesquisa; 3 sujeitos que realizam de forma esporádica algum tipo de ação com a população em situação de rua; a gerente do Sistema Único da Assistência Social no município; um líder do Movimento Nacional da População em Situação de Rua; e um conselheiro do Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS. 3359
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI serviço a Equipe fornece informações e orientações sobre os serviços disponíveis e os direitos do segmento rua, bem como procura realizar os devidos encaminhamentos. O Plantão Social fornece o serviço de documentação cidadã, no qual a população pode solicitar a segunda via de alguns documentos, como a Carteira de Identidade. Na instituição os sujeitos também conseguem informações e encaminhamentos para outros serviços, programas e benefícios sociais, como o Bolsa Família. A Casa de Passagem Olga Pereira fornece acolhimento provisório para os adultos, podendo eles permanecer na instituição por quarenta e cinco dias. Seu principal objetivo é suprir algumas necessidades básicas dos sujeitos, a citar: moradia, higiene, lazer, alimentação e atendimentos à saúde. O CAPS AD III é “[...] destinado a proporcionar a atenção integral e contínua a pessoas com necessidades relacionadas ao consumo de álcool, crack e outras drogas [...]” (BRASIL, 2012). O profissional entrevistado declarou que a instituição possui uma alta demanda deste segmento, sendo mais frequente pela demanda espontânea. O Consultório na Rua foi o único equipamento mapeado que fornece atendimento exclusivo à população em situação de rua, todas as outras fornecem ações para diversos outros segmentos. Apesar de ter sido instituído nacionalmente em 2011, em Mossoró o Consultório foi criado apenas em 2016. O objetivo do Consultório é fornecer assistência à saúde ao segmento rua, de modo que esse atendimento ocorre tanto por intermédio de intervenções realizadas nas ruas, como através de encaminhamentos, a depender da demanda. O Centro Clínico Evangélico Edgard Bulamarqui foi apontado por diversos entrevistados como a Unidade Básica de Saúde referência para o segmento rua do município. O profissional entrevistado, informou que a população rua tem acesso em todos os serviços ofertados na Unidade, não havendo nenhum atendimento diferenciado. Com relação aos serviços públicos, aponta-se que apenas os profissionais do CREAS e do Plantão Social informaram que participaram de uma capacitação ofertada pela gestão municipal, contudo, essa capacitação não foi aberta para todos os equipamentos e não foi direcionada para como abordar e atender as necessidades do segmento rua, mas sim, para o debate e conhecimento das especificidades dessa população. A falta de capacitação é uma grande problemática, à medida que se corre o 3360
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI risco de que os agentes que deveriam garantir direitos, passem a violá-los. Outro grande problema condiz com a sobrecarga dos profissionais, visto que a maioria das instituições não atende unicamente as necessidades da população em situação de rua e se deparam cotidianamente com diversas demandas, gerando um esgotamento dos profissionais, que afeta diretamente a qualidade do atendimento. Acrescenta-se que o município recebeu verba para a construção de um Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua – CENTRO POP entre 2012 e 2013, entretanto devido a falhas na gestão o serviço não foi implementado, ficando o dinheiro parado por anos na conta do município, sendo depois realocado em outros espaços socioassistenciais. Por fim, foi observado que com relação as políticas públicas ofertadas ao segmento rua do município, não há um cenário distinto do nacional, no qual se foi observado apenas políticas da Assistência Social e da Saúde, não sendo constatado ações em outras áreas como por exemplo habitação ou educação. Conforme mencionado anteriormente a população em situação de rua de Mossoró/RN também é atendida por serviços ofertados pela sociedade civil. Das 14 mapeadas, 8 fazem parte do terceiro setor e destas 4 são instituições e projetos de cunho religioso e 4 são organizadas pela sociedade civil em geral. As instituições religiosas mapeadas foram: Projeto Santa Bakhita, Projeto Reviver, Desafio Jovem e a Associação Âncora Morada de Amparo e Restauração – AAMAR, mais conhecida como Casa Âncora. O Projeto Santa Bakhita é um dos projetos ofertados pelo Lar da Criança Pobre que existe no município desde 1979. O projeto consiste na oferta de um lugar para descanso noturno e outro para realização de atividades relacionadas à higiene, assim como três refeições diárias e mantimentos, a depender da necessidade de cada um. O Projeto Reviver, o Desafio Jovem e a Casa Âncora se enquadram como comunidades terapêuticas, os três projetos ofertam uma moradia de caráter temporário, para que os sujeitos com problemas com uso abusivo e problemático de substâncias psicoativas possam ser acolhidos para realização de tratamento. Todos admitem a espiritualidade como cargo chefe do tratamento, pois visualizam uma orientação religiosa como “cura”; estabelecem regras e horários; se utilizam de trabalhos manuais e domésticos com métodos psicoterapêuticos (laborterapia). Nesses 3361
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI projetos as ações ofertadas visam a transformação dos sujeitos, todavia o principal meio de alcance desse intuito é a inserção de princípios bíblicos, religiosos e morais. A presença dessas instituições religiosas na implementação de políticas públicas demonstra que o passado do Brasil não foi totalmente superado. Sua atuação é preocupante, à medida que suas ações habitualmente possuem um caráter conservador e filantrópico, que culpam os sujeitos pela situação vivenciada, não realizando uma análise crítica sobre a realidade ou executando suas atividades a partir de uma perspectiva de direitos. Por outro lado, não se pode negar a importância dos serviços que são ofertados por essas instituições. A pesquisa também mapeou projetos de iniciativa privada que realizam ações com o segmento rua, sendo estes: Os Marginais, Fabricando Sorrisos, Amor e Bem e Rotaract. As ações ofertadas por todos os projetos supracitados, consiste na oferta de alimentos e de mantimentos, a citar roupas e cobertores. Apenas o Rotaract que para além dessas ofertas, busca atender outras necessidades apresentadas pelos sujeitos. Ressalta-se que nenhum destes projetos realizam ações voltadas unicamente para a população em situação de rua. Para além de todos esses projetos e instituições já mencionadas, há um conjunto de pessoas que realizam ações de forma esporádica e descontínua, normalmente uma oferta de alimentos. Por vezes há uma vinculação religiosa entre os sujeitos, por outras, não. A presença desses projetos resulta por vezes a partir de um espírito de solidariedade coma pobreza, com o amor e da compaixão com o próximo, como também é resultado da ausência do Estado na área social. Observa-se que no município de Mossoró/RN a iniciativa privada possui um maior número de projetos destinado ao segmento rua. Contudo, elas visam o atendimento das necessidades mais imediata dos sujeitos, não realizam processos educativos ou de formação cidadã para os sujeitos, não abordando questões como garantia de direitos, sequer busca organizá-los enquanto movimento para reivindicação dos seus direitos. Foi observado também, que não há uma real articulação entre os equipamentos, de modo que há apenas um encaminhamento do sujeito, quando a demanda por ele apresentada não pode ser atendida pela Unidade. Comumente, as instituições atuam de forma isolada e fragmentada e não pensam as demandas da população de forma coletiva, o que dificulta um atendimento com qualidade, visto que 3362
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a heterogeneidade deste grupo populacional, demanda uma articulação, pois suas necessidades não serão atendidas por uma única política. 4 CONCLUSÃO É possível observar diversas conquistas no decorrer dos anos a partir da organização da população em situação de rua, junto de outros setores da sociedade e aqui destaco a implementação de uma política específica que trate as particularidades desse segmento social, a PNPR. Porém ainda é possível observar diversos obstáculos para materialização real desta política, como também que não ocorreu muitas modificações nas ações que estão sendo ofertados a estes sujeitos. Percebeu-se que na realidade no município de Mossoró/RN a maioria das instituições e serviços ofertados a esse segmento, não atuam com um viés de garantia de direitos, mas sim de ajuda, havendo a execução de ações emergenciais e pontuais, com caráter assistencialista e filantrópico. O que não se distingue de uma realidade nacional, ademais, historicamente são esses o tipo de ações que são principalmente ofertadas à população em situação de rua. Ressalta-se que não há a negação da importância dessas ações, mas sim uma crítica ao processo de desresponsabilização do Estado, de modo que esse se omite e abre espaço para atuação da iniciativa privada. Além desses serviços, observou-se que o segmento rua continua obtendo acesso unicamente a ações referentes a política de assistência social e a de saúde, não sendo observado ações de outras políticas, como habitacional e educacional. Um outro destaque é que no município foi verificado apenas um equipamento que está voltado unicamente ao segmento rua, quer seja o Consultório de Rua, todos os outros atendem a populações diversas. Tal fato dificulta o atendimento das particularidades das pessoas que estão em situação de rua. Durante a pesquisa, foi constatado que não há uma real articulação entre os equipamentos identificados, em que cada uma realiza suas ações de maneira fragmentada e isolada, no qual a articulação entre eles ocorre apenas durante o encaminhamento dos sujeitos. Ressalta-se que a complexidade do segmento rua, exige um trabalho em rede. Ademais, não há um planejamento em conjunto das ações, tampouco uma formação ou capacitação conjunta dos sujeitos que trabalham com o segmento rua. 3363
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Frisa-se que a pesquisa permitiu construir uma “rede” maior que a conhecida pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social e Juventude e mais ampla que a identificada pelos entrevistados, o que também demonstra que não há uma articulação entre os sujeitos, tanto que eles não se conhecem completamente. São sujeitos que não sofrem um só tipo de violação, que não possuem um único tipo de necessidade e diante do forte processo de exclusão e sua condição de extrema pobreza, carecem de uma atenção especial do Estado, que possui como obrigação, assegurar condições necessárias para que as políticas públicas consigam atende-las de forma continua e especializada. REFERÊNCIAS AMARAL, D. A rede de atenção a população em situação de rua: possibilidades de interferência na definição e concretização de uma política pública na cidade de São Paulo. 2010. 162f. Dissertação de Mestrado – Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2010. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/handle/handle/18044>. Acesso em: 20 out 2018. BRASIL. Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 2009a. ______. Ministério da Saúde. Portaria nº 130, de 26 de janeiro de 2012. Redefine o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas 24 h (CAPS AD III) e os respectivos incentivos financeiros. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Rua: pesquisa nacional sobre a população em situação de rua. Brasília, 2009b. ______. Resolução nº 06. Institui a Comissão dos Direitos da População em Situação de Rua, no âmbito do Conselho Nacional dos Direitos Humanos. Brasília, 2015. IAMAMOTO, M; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 41. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2014. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA -IPEA. Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil. Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/26102016td_2246.pdf>. Acesso em: 23 out 2018. LIMA. B. “Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir”: direito à cidade e população em situação de rua em Natal/RN. 2014. 244f. Dissertação de Mestrado – 3364
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Natal, 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufrn.br/jspui/browse?type=author&value=Lima%2C+Bruna+Mass ud+de>. Acesso em: 19 out 2018. MOVIMENTO NACIONAL DA POPULAÇÃO DE RUA - MNPR. Conhecer para Lutar: Cartilha para Formação Política. 2010. MUNIZ, L; DUARTE, S; PEREIRA, V. Pobreza e exclusão social: notas sobre um debate em curso e suas implicações na definição de políticas públicas. 2011. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/ IMPASSES_E_DESAFIOS_DAS_POLITICAS_DA_SEGURIDADE_SOCIAL/POBREZA_E_EXCL USAO_SOCIAL.pdf>. Acesso em: 01 nov 2018. SCHRAMM, F. Violência contra população em situação de rua no Brasil é denunciada à ONU. 2017. Disponível em: < https://terradedireitos.org.br/noticias/noticias/violencia-contra-populacao-em- situacao-de-rua-no-brasil-e-denunciada-a-onu/22629>. Acesso em: 20 out 2018. VINUTO, J. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. In. Revista Temáticas, n. 44, p. 203-220, ago./dez. Campinas, 2014. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/tematicas/article/view/2144/1637>. Acesso em: 01 dez 2018. 3365
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ESTUDO SOCIAL E SEUS REGISTROS NO SISTEMA DE JUSTIÇA: reflexões ético-políticas a partir do cotidiano profissional Gracielle Feitosa de Loiola1 RESUMO O presente trabalho constitui-se como uma pesquisa em exercício profissional cujo objetivo é refletir sobre o estudo social e seus registros no espaço sócio ocupacional do sistema de Justiça. Tem como base o cotidiano profissional da autora, que atua como assistente social no Poder Judiciário Paulista. Acredita-se que o documento escrito materializa o ato profissional, assim, ao realizar entrevistas e sistematizá-las em relatórios, laudos e pareceres sociais, registra-se um saber a respeito dos participantes que pode contribuir, ou não, para compreensão da realidade pro eles vivida, para a ampliação ou restrição de direitos. Palavras-Chaves: Estudo Social. Serviço Social. Parecer Social. Sistema de Justiça. ABSTRACT The present work constitutes a research in professional practice whose objective is to reflect on the social study and its records in the socio-occupational space of the Justice system. It is based on the professional daily life of the author, who works as a social worker in the São Paulo Judiciary Branch. It is believed that the written document materializes the professional act, thus, when conducting interviews and systematizing them in reports, reports and social opinions, there is a knowledge about the participants that may or may not contribute to understanding the reality pro they lived, for the expansion or restriction of rights. Keywords: Social Studies. Social service. Social Opinion. Justice System. 1 Assistente Social no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Mestre e doutoranda em Serviço Social pelo PEPGSS da PUC-SP, onde é bolsista Capes parcial. E-mail: [email protected] 3366
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO O presente trabalho constitui-se como uma pesquisa em exercício profissional cujo objetivo é refletir sobre o estudo social e seus registros no espaço sócio ocupacional do sistema de Justiça. Tem como base o cotidiano profissional da autora, que atua como assistente social no Poder Judiciário Paulista. Acredita-se que o documento escrito materializa o ato profissional, assim, ao realizar entrevistas e sistematizá-las em relatórios, laudos e pareceres sociais, registra-se um saber a respeito das pessoas que pode contribuir, ou não, para compreensão da realidade vivida, para a ampliação ou restrição de direitos. Mas do que falar pelo outro é importante se colocar no lugar de escutar plenamente o outro. A escrita também é um instrumento político, assim não pode ser meramente descritiva, verificatória e responsabilizatória. Nos documentos produzidos não pode desaparecer os sujeitos e a história por trás da história. É preciso registrar nos documentos produzidos sobre as famílias a realidade social, preservando, como nos diz Martinelli (informação verbal), “a centralidade dos sujeitos e a ética na circulação da informação”. Ou seja, com sustentações argumentativas que façam a diferença qualitativa no caminho processual dessas famílias, e não apenas no sentido de produzir e (re) produzir famílias “incapazes”. Portanto, um dos desafios postos está em como avançar para além da constatação de realidades de desproteção das famílias, e caminhar para a construção de práticas de resistência. É preciso avançar para que as pessoas, para além do âmbito do Judiciário, sejam mais do que informantes dos autos, sejam sujeitos participantes e não permaneçam ocultos nos processos e registros a eles referidos. 2 O TRIBUNAL DE JUSTIÇA COMO ESPAÇO SÓCIO-OCUPACIONAL DO SERVIÇO SOCIAL O Tribunal de Justiça de São Paulo foi instalado em 1874, na ocasião tinha a função de julgar todas as causas em segunda instância e era denominado Tribunal da Relação de São Paulo e Paraná, anteriormente julgadas pelo Tribunal de Relação do Rio de Janeiro. Com a Proclamação da República no Brasil, em 1889, ocorre a separação judiciária das províncias, em 1891, momento em que surgiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 3367
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI É um dos órgãos que compõem o poder judiciário e enquanto justiça estadual julga todas as causas que não são de competência de justiça especializada (tais como, justiça federal, do trabalho, eleitoral e militar). Entra, portanto, infância e juventude, família e sucessão, violência doméstica, crimes comuns, etc. Sua missão institucional é resolver conflitos da sociedade, no âmbito de sua competência, para preservação de direitos, por meio de julgamento de processos ou métodos adequados. Para tanto, precisa ser previamente provocado pelos interessados. Atualmente, o território do estado de São Paulo está dividido em comarcas (cada uma das unidades em que se divide o território dos estados da Federação para fins de administração da justiça), atualmente são 338. Cada comarca abrange um ou mais municípios e distritos. A comarca da Capital é dividida em foro central e 15 foros regionais. As comarcas do interior estão distribuídas em Circunscrições Judiciárias, que, hoje, totalizam 56, agrupadas em dez Regiões Administrativas Judiciárias. Contudo, no Tribunal de Justiça não há uma padronização unificadora dos processos de trabalho entre os Fóruns. Cada Fórum tem sua organização e os trabalhadores desenvolvem seus trabalhos sem estabelecer uma comunicação direta entre eles. Sob este aspecto observa-se que a subjetividade do magistrado produz rebatimentos nos processos de trabalho, o que contribui para uma diversidade nos processos de trabalho no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e outros desafios entram em cena, tais como: como garantir as peculiaridades da territorialidade, sem perder de vista ou por vezes violar direitos? Em algumas comarcas, por exemplo, os processos de destituição do poder familiar ocorrem de forma mais ágil, em outras são protelados por anos, enquanto crianças e adolescentes aguardam institucionalizadas por longos períodos. Por outro lado, há comarcas em que as crianças são colocadas em famílias substitutas sem sequer ter sido concluída a destituição o poder familiar em primeira instância. Assim, em umas comarcas há um aceleramento, em outras uma lentidão, em umas há uma atenção e proteção à família de origem, em outras uma priorização da família adotiva, e assim o entendimento de cada magistrado é que vai delimitando os caminhos e movimentos que são percorridos, ora garantindo justiça, ora violando direitos. Observa-se que a célebre afirmação – melhor interesse da criança – vai 3368
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI depender de quem está interpretando, bem como será influenciada por uma questão de classe, raça e gênero. O serviço social no sociojurídico compreende, além do Poder Judiciário, a Defensoria Pública, o Ministério Público, o Sistema Prisional e de Segurança Pública, e as organizações que executam medidas socioeducativas com adolescentes (CFESS, 2014). São espaços de atuação profissional muito propícios a uma ação conservadora, que por sua natureza, importam controle e punição do Estado. A inserção profissional do assistente social no judiciário data, no Brasil, da própria origem da profissão. Iamamoto (2008) menciona que a presença do Serviço Social na área2 sociojurídica acompanhada o processo de institucionalização da profissão no Brasil. Nos finais da década de 1930, já se constata a atuação do assistente social junto ao “juízo de menores” e serviços especializados do poder executivo, tanto no Estado de São Paulo quanto no Rio de Janeiro. No início da década de 1940 já havia a presença de assistentes sociais no Tribunal de Justiça de São Paulo, embora date de 1949 a instalação oficial do Serviço Social junto à justiça da infância e juventude paulista. Trabalhando, na maioria das vezes, com demandas sociais que permeiam o cotidiano das Varas da Infância e Juventude e Varas da Família e das Sucessões e, mais recentemente, também das Varas Criminais3, o assistente social intermedia ações judiciais que envolvem crianças e adolescentes que necessitam de medidas protetivas, jovens autores de atos infracionais, famílias em situação de conflito, etc. Nessa intervenção, principalmente, oferece subsídios sociais à autoridade judiciária, mediante relatórios, laudos e pareceres. Assim, o Serviço Social no judiciário tem como função central realizar estudos sociais e sistematizá-los através de laudos, relatórios e pareceres com vistas a instruir socialmente processos, sentenças e decisões judiciais. Portanto, a manifestação em um processo depende da solicitação do magistrado. O que está dado como desafio e possibilidade aos assistentes sociais que atuam nessa esfera em que o jurídico é a mediação principal — ou seja, nesse 2 É válido destacar que há um debate em torno da tentativa de definir se é “área” ou “campo” sóciojurídico. Contudo, tal discussão não será objeto de análise nesse ensaio. Para aprofundar a discussão ver: Borgianni (2013); Subsídios para atuação de Assistentes Sociais no sóciojurídico (CFESS/CRESS, 2013). 3 Sobretudo após a aprovação e vigência da Lei nº13.431, de 04 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, formalizando, legalmente, o depoimento especial e a escuta especializada. 3369
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI lócus onde os conflitos se resolvem pela impositividade do Estado — é trazer aos autos de um processo ou a uma decisão judicial os resultados de uma rica aproximação à totalidade dos fatos que formam a tessitura contraditória das relações sociais nessa sociedade, em que predominam os interesses privados e de acumulação, buscando, a cada momento, revelar o real, que é expressão do movimento instaurado pelas negatividades intrínsecas e por processos contraditórios, mas que aparece como “coleção de fenômenos” nos quais estão presentes as formas mistificadoras e fetichizantes que operam também no universo jurídico no sentido de obscurecer o que tensiona, de fato, a sociedade de classes. (BORGIANI, 2013, p.413). No entanto, Fávero (2014, p.04) menciona que “no âmbito do judiciário são mais comuns à constatação dos acontecimentos e a efetivação de ações que garantam alguma proteção à criança, enquanto ‘prioridade absoluta’, em detrimento da atenção à família”. Dessa forma, embora o ECA, por exemplo, estabeleça que a pobreza não constitui motivo suficiente para a perda do poder familiar e que, quando necessário, a família será incluída em “programas oficiais de auxílio”, percebe-se que diante de uma conjuntura de uma proteção social centralizada em programas de transferência de renda e com foco na ativação para o mercado de trabalho, muitas vezes o judiciário representa a ‘última etapa’ de um caminho percorrido pela família no interior de um processo de desproteção social. Sem acesso à proteção social via políticas sociais e, menos ainda via mercado, muitas crianças e adolescentes têm sido afastados da convivência com suas famílias. Porém, o assistente social no poder judiciário não opera imediatamente a elaboração e/ou implementação de políticas sociais, dada à natureza mesma desse poder, ainda que o profissional disponha de uma dimensão prático-interventiva junto aos sujeitos de direitos com os quais trabalha (IAMAMOTO, 2008). Não obstante, como sair deste lugar de apenas constatação das situações e necessidades apresentadas pelas famílias? O que se espera do profissional nesse espaço sócio-ocupacional? Como se dá o processamento do trabalho nesse espaço considerando as interfaces com o sistema de justiça e, por vezes, requisições conservadoras que são solicitadas aos profissionais? Por conseguinte, tem sido cada vez mais recorrente o fato da sociedade contemporânea ver no judiciário uma alavanca capaz de produzir políticas públicas e transformações sociais. A judicialização é abordada por Aguinsky e Alencastro (2006, p.21), como “o fenômeno que caracteriza-se pela transferência, para o poder judiciário, da responsabilidade de promover o enfrentamento à questão social, na perspectiva de 3370
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI efetivação dos direitos humanos”. No entanto, as respostas do judiciário são respostas individuais e focalizadas a demandas que são, muitas vezes, coletivas e estruturais. As autoras questionam ainda a supervalorização do poder judiciário no trato dos desdobramentos da questão social. Tal panorama levou a que o Poder Judiciário passasse a ser o depositário das demandas sociais dos segmentos mais fragilizados e subalternizados da sociedade, na busca de fazer valer os direitos sociais trabalhistas, de proteção de crianças, idosos etc. Ou seja, aquilo que pela pactuação política não está sendo possível conquistar em nosso país, desde Collor, Fernando Henrique, passando por Lula e agora Dilma — porque os interesses econômicos e financeiros das elites dominantes determinam claramente os rumos do Estado brasileiro —, está se buscando no Poder Judiciário, pois, sem muitas alternativas, a população não tem como reivindicar fácil acesso a direitos básicos de cidadania (BORGIANNI, 2013, p.426). Dessa maneira, no espaço do Tribunal de Justiça a barbárie chega fragmentada como demanda individual, com o risco do caso a caso se sobrepor aos interesses coletivos. E algumas requisições conservadoras afetam o cotidiano de trabalho do assistente social, tais como: Leis que buscam agilizar processos de adoção em detrimento da convivência familiar e comunitária; laudos usados como prova pericial; Lei da mediação de conflitos – desenvolver soluções consensuais para as controvérsias; foco na produtividade e despolitização dos sujeitos. Nesse sentindo, São questionadas as repercussões da centralidade desta instância estatal, carregada, muitas vezes, de autocracia e moralismo na gestão de conflitos e nas mediações com a realidade concreta, analisando o quanto suas respostas individuais e focalizadas, a demandas que são coletivas e estruturais, reverberam em um imaginário coletivo de concepção de Sistema de Justiça quanto à ideia de acesso à justiça em seu sentido mais amplo. (AGUINSKY & ALENCASTRO, 2006, p.20) Assim, pode-se dizer que as condições de trabalho dos assistentes sociais no espaço sócio-ocupacional do Tribunal de Justiça são condicionadas pela forma que o Direito e o Sistema de Justiça assumem nessa sociedade. O primeiro a considerar são alguns traços determinantes da instituição judiciária atravessado pela tradição do positivismo jurídico, o direito busca afirmar sua pureza científica metodológica, autonomizado das demais disciplinas e da dinâmica das desigualdades da vida real, a serviço de um ilusório interesse geral. (IAMAMOTO, 2004, p. 278). Portanto, essa tradição do positivismo jurídico, a busca de provas e pela verdade, a punição, ela atravessa o judiciário. É uma instituição contraditória, que tem uma 3371
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dimensão de classe, étnico-racial e de gênero. Os juízes são majoritariamente homens, brancos, e de classe alta. Assim, o assistente social no judiciário atua nessa contradição e tensão entre o projeto ético político e o projeto institucional, na busca por reafirmar a complexidade da realidade social dos sujeitos e o contexto de (des)proteção que estão inseridos, para além da criminalização e judicialização da vida e da lógica binária que está posta no sistema de justiça. 3 ESTUDO SOCIAL: ampliação ou violação de direitos? Em face desse contexto, como fica o trabalho do/a assistente social em tempos de requisições tão conservadoras? Em um cenário de desmonte das políticas públicas? Em um cotidiano que repõe as protoformas da caridade e da não profissionalização? Que tende a individualizar, por vezes, psicologizar, e não reconhecer as múltiplas determinações que incidem sobre a realidade vivida pelos sujeitos sociais? Nessa realidade, ações de resistência são necessárias e urgentes; práticas de resistências em face de um contexto repressor, punitivo e de controle que sob discursos de proteção, tem afastado, por vezes, de forma violenta crianças e adolescentes de conviverem com suas famílias de origem. A partir das expressões cotidianas mais singulares e aparentemente desprovidas de mediações sociais concretas é que os assistentes sociais que atuam nessa área têm que operar e trabalhar para reverter à tendência reprodutora da dominação, da culpabilização dos indivíduos e da vigilância de seus comportamentos. (BORGIANNI, 2013, p.413). Contudo, para ir além de discursos de culpabilização e responsabilização das famílias, torna-se importante avançar na compreensão de que “as vulnerabilidades” não são somente individuais e pessoais, são pobrezas e vulnerabilidades engendradas por um processo “desigual e combinado” da sociedade brasileira (IANNI, 2004). Refletindo sobre algumas situações vivenciadas no cotidiano de trabalho da autora, sobretudo as que se referem à situação de acolhimento institucional de crianças e adolescentes e a garantia de uma proteção social a suas famílias com vistas ao retorno ao convívio familiar, observa-se que prevalece uma visão moralista de apenas imputar na família todas as responsabilidades por sua situação vivida, de colocar exclusivamente no seu interesse, na sua insistência, no seu movimento para provar ao outro (ao 3372
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI profissional que a avalia, ao Juiz, ao Promotor, ao Conselho Tutelar, dentre outros) que tem condições de cuidar e de ter o seu filho de volta. Caso a família (genitora), ligue, procure, é porque está interessada e, se some, é porque não deseja ter o filho de volta, em uma avaliação mais de julgamento do que de compreensão da realidade vivida pela família. Assim verifica-se que, mesmo em tempos de proteção integral, ainda há resquícios do viés “menorista” na atenção às crianças, adolescentes e suas famílias. Sob esse aspecto, Rizzini (2004) enfatiza que, historicamente, famílias têm sofrido com a retirada de suas crianças em razão da situação de pobreza, com a justificativa de que elas estariam protegidas e em melhores condições longe de suas famílias. Porém, uma questão tão complexa como essa, muitas vezes, tem sido resumida como uma suposta incapacidade da família para cuidar de seus filhos, culpabilizando-a e cobrando dos pais que eduquem seus filhos, sem, no entanto, lhes assegurar o acesso aos direitos sociais que garantam uma vida digna. Observa-se que sob o discurso do melhor interesse da criança cria-se uma falsa dualidade, uma disputa entre os direitos das crianças e dos adolescentes e os direitos de suas famílias, como se fossem antagônicos por si só. Um falso dilema que se adequa perfeitamente em uma sociabilidade capitalista, permeada por interesses e valores da classe dominante, num contexto em que a “família que deseja adotar” aparece como a “família ideal” e capaz de cuidar e “salvar” o destino e a vida de crianças e adolescentes institucionalizados. Interessante destacar que muitas das situações de destituição do poder familiar, ou mesmo, o afastamento de crianças e adolescentes de suas famílias são subsidiados por documentos produzidos por profissionais, dentre eles assistentes sociais, que atuam em diferentes serviços que compõem a suposta rede de proteção. Que, por vezes, produzem documentos com maior centralidade na constatação e na verificação das incapacidades das famílias, do que na garantia de alguma proteção. Em seus estudos Eunice Fávero tem procurado demarcar o “saber-poder” desses documentos, que podem seguir em uma perspectiva de ampliação ou de violação de direitos. 3373
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O poder saber profissional pode ter direcionamentos distintos, a depender da visão de mundo do profissional e de seu (des) compromisso ético, pode ser direcionado tanto para a garantia de direitos dos sujeitos envolvidos na ação – na medida em que intervém no sentido do desvendamento e da denúncia dos mecanismos objetivos e subjetivos que contribuem, como no presente estudo, para que a pessoa se veja sem condições de criar seus filhos – como pode contribuir para o controle social e o disciplinamento, de cunho moralizando, culpabilizando as pessoas, individualmente, pelas condições socioeconômicas precárias em que vivem. A culpabilização pode traduzir-se, em alguns casos, em interpretações como negligência, abandono, violação de direitos, deixando submerso o conhecimento das determinações estruturais ou conjunturais, de cunho político e econômico, que condicionam a vivência na pobreza por parte de alguns sujeitos envolvidos com estes supostos atos. (FÁVERO, 2007, p.161). Assim, como destaca Fávero (2007, p.161), “o saber-poder pode, então ser utilizado como resistência à opressão ou como controle do que se classifica, na visão positivista, como disfunção emocional ou social, desvinculando a situação apresentada da questão social mais ampla”. Há assim, um conjunto de ritos judiciários que estão implicados no trabalho profissional. Os autos processuais, por exemplo, que são montados por uma série de documentos, ao descrever os casos, podem ocultar as pessoas. Como diz Bernardi (2011, p. 23), “mecanismos e estratégias de discurso, construção de figuras e personagens que podem ser, assim, muito diferentes das pessoas concretas que, por serem ditas, podem não dizer”. No entanto, é importante compreender o assistente social enquanto sujeito desse processo de trabalho, desnaturalizando aquilo que o capitalismo tende a estabelecer como natural. É, portanto, em um terreno de disputas e conflitos em que trabalham os assistentes sociais no Tribunal de Justiça, exercendo suas atribuições tendo em vista oferecer subsídios para a decisão judicial por meio do estudo social. As opiniões, tecnicamente fundamentadas, transformam-se em pareces que podem corroborar as decisões judiciais nos casos, contribuindo para a construção e sustentação de concepções sociais a respeito da população e de suas demandas, contribuindo para a proteção ou para a violação de direitos dependendo, não só, mas também, da intencionalidade e do direcionamento ético-político, teórico-metodológico e técnico- operativo do profissional. 3374
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: compromisso ético e político nos registros das histórias e vidas por nós acessadas Afirma-se o coletivo, o reconhecimento dos diversos arranjos familiares, mas no miúdo do cotidiano buscam-se respostas individuais e fragmentadas, enquanto há uma dimensão coletiva de desigualdade e violação de direitos que não estão postas. Nesse sentido, o direito à convivência familiar aparece esvaziado de suas determinações concretas se não forem buscados os nexos e as relações com a sociedade burguesa desenvolvida, como produto e expressão da luta de classes. Pois, o discurso abstraído de relações sociais e históricas, como nos lembra Guerra: Porta tendências conservadoras de reprodução da ordem social, porque tanto despolitiza a chamada “questão social”, naturalizando-a, quanto ao secundarizar as diferentes possibilidades de acesso aos bens e serviço dadas pela condição social das classes, acoberta as desigualdades (e a injustiça) e as condições históricas nas quais os direitos sociais resultaram de conquistas da classe trabalhadora. O próprio discurso de acesso à cidadania pela via dos direitos universais pasteuriza os interesses em jogo, transforma os sujeitos em – plagiando Marx (1985) – “gelatinas homogêneas”, categorizando-os como força de trabalho e consumidores, categorias sociais pertinentes à ordem burguesa, sobre as quais as instituições da sociedade burguesa visam a exercer seu poder de controle e de dominação (GUERRA, 2013, p.36). Há, portanto, um paradoxo entre o real e o formal, cuja questão de fundo reside na contradição central da sociedade burguesa: a apropriação privada da riqueza socialmente produzida. Não por acaso, a palavra liberdade tem sido muito usada na atualidade, pois se encaixa perfeitamente no contexto capitalista que imprime um modo de ser que atravessa as relações sociais, baseado na expropriação. No entanto, trata-se de uma liberdade fetichizada pois, como nos diz Virgínia Fontes (2017), “o capitalismo é a produção incessante de necessidades e uma sociedade que produz necessidades é contrária a liberdade”. O capitalismo, portanto, produz uma aparente liberdade, como se todos fossem iguais. No entanto, trata-se de uma igualdade que escamoteia a desigualdade social existente. Mas com base na defesa dessa liberdade, muitas famílias são afastadas cotidianamente do convívio com seus filhos por não serem protetivas, por não aderirem ao investimento de um Estado, cuja família entra em cena não pela ótica de uma proteção social pública, mas pela possibilidade de destituição do poder familiar de seus filhos. 3375
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Considerando este cenário, é importante destacar que a vida cotidiana com suas exigências de produtividade, imediaticidade, fragmentação, pode levar “a não enxergar o ser humano na sua complexidade”, mas também “pode se prestar à alienação”, como aponta Barroco (2010, p.72), Em função de sua repetição acrítica dos valores, de sua assimilação dos preceitos e modos de comportamento, de seu pensamento, repetitivo e ultrageneralizador, a vida cotidiana se presta à alienação. A alienação moral também se expressa através do moralismo, modo de ser movido por preconceitos. Devido ao seu peculiar pragmatismo e sua ultrageneralização, o pensamento cotidiano é facilmente tentado a se fundamentar em juízos provisórios, ou seja, em juízos pautados em estereótipos, na opinião, na unidade imediata entre o pensamento e a ação. Contudo, aqui se reconhece o cotidiano como um espaço de contradição, em que ao mesmo tempo, em uma mesma ação pode se servir ao capital e ao trabalho. Como nos coloca Iamamoto & Carvalho, Como as classes sociais só existem em relação, pela mútua mediação entre elas, a atuação do assistente social é necessariamente polarizada pelos interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição dominante. Reproduz, também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como as do trabalho e só pode fortalecer um ou outro polo, pela mediação de seu posto. Participa tanto dos mecanismos de dominação e exploração como, ao mesmo tempo e pela mesma atividade, de respostas a necessidades de sobrevivência da classe trabalhadora e de reprodução dos antagonismos desses interesses sociais, reforçando as contradições que constituem o móvel da história. A partir dessa compressão é que se pode estabelecer uma estratégia profissional e política para fortalecer as metas do capital ou do trabalho, mas não se pode excluí-los do contexto da prática profissional, visto que as classes só existem inter-relacionadas. É isso inclusive que viabiliza a possibilidade do profissional colocar-se no horizonte dos interesses das classes trabalhadoras (1982, p. 75). O reconhecimento da dimensão contraditória no cotidiano profissional expressa um divisor de águas em relação a análises que se fixam em posições unilaterais ou voluntaristas, e imprime a possibilidade de rupturas com em visões messiânicas, fatalistas ou possibilistas. É fato que no cotidiano profissional há “armadilhas” e potencialidades. As armadilhas podem levar a uma visão de descontextualização das determinações mais amplas que envolvem uma situação. Há o risco de sucumbir ao viés individual diante de uma enorme demanda de trabalho, e da precarização e intensificação desse trabalho, 3376
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