ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI segurança, saúde, assistência social, justiça e sociedade civil, de forma que adaptem-se à nova realidade vivenciada, onde as demandas chegam em menores números pessoalmente e em maior número virtualmente, através de telefone e demais meios de comunicação. Espera-se que o presente estudo possa contribuir para a continuação do debate sobre violência contra a mulher com ênfase na prevenção, a fim de garantir a esse público, pelo Estado e sociedade, o direito de viver sem violência e ter todos os seus direitos assegurados. REFERÊNCIAS BRASIL. Presidência da República. Lei n. 11340 de 7 de agosto de 2006 (BR). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 08 junho 2020. COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER; CÂMARA DOS DEPUTADOS. Mapa da Violência Contra a Mulher de 2018. Brasília/DF. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes- permanentes/comissao-de-defesa-dos-direitos-da-mulher-cmulher/arquivos-de-audio- e-video/MapadaViolenciaatualizado200219.pdf. Acesso em: 08 junho 2020. DUTRA, A. S.; MARTINS, L. K. Notas sobre a pandemia vista enquanto calamidade pública: um debate necessário para o serviço social. Jornalistas Livres, 2020. Disponível em: https://jornalistas livres.org/notas-sobre-a-pandemia-vista-enquanto-calamidade- publica-um-debate-necessario-para-o-servico-social. Acesso em: 10 junho 2020. PATERMAN, Carole. O contrato sexual. Trad. Marta Avancini. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. PÉREZ, Isabel Ruiz; MORENO, Guadalupe Pastor. Medidas de contención de La violencia de género durante La pandemia de COVID-19.G Model GACETA-1859; No. Of Pages 6, 2020. PORTAL INFOMONEY. Tudo sobre o coronavírus. 2020. Disponível em: https://www.infomoney.com.br. Acesso em: 08 junho 2020. SAFFIOTI, Heleieth. Papéis sociais atribuídos às diferentes categorias de sexo. In: Heleieth Saffioti. O poder do macho. São Paulo: Moderna, 1987. p. 8-20. 3227
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI UOL: Disque 100 e Ligue 180 recebem denúncias por aplicativo. Disponível em <https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2019/05/internet-disque-100-e- ligue-180-recebem-denuncias-por-aplicativo> Acesso em 20 de junho de 2020. UOL. Máscara vermelha: código ajudará vítimas de violência doméstica na argentina. Disponível em <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/04/11/mascara-vermelha- codigo-ajudara-vitima-de-violencia-domestica-na-argentina.htm> Acesso em 20 de junho de 2020. VIEIRA, Pâmela Rocha; GARCIA, Leila Posenato; MACIEL, Ethel Leonor Noia. Isolamento social e o aumento da violência doméstica: o que isso nos revela? Scielo Revista brasileira de Epidemiologia, 2020. 3228
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ENCARCERAMENTO FEMININO E QUESTÃO SOCIAL NA REALIDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Mariane Silva Cavalcante1 Laura Beatriz Dantas Guedes2 Rosilene Marques Sobrinho de França3 RESUMO O artigo discute os processos de encarceramento e as expressões da questão social que afetam as mulheres, tendo como referência a atual agenda ultraliberal e conservadora, discutindo-se o encarceramento em massa da população feminina na realidade brasileira contemporânea, em sua maioria, constituída por jovens, pobres, negras, com baixa escolaridade e oriundas da periferia dos centros urbanos. Os resultados mostraram que o cotidiano dessas mulheres é marcado pelas desigualdades sociais, histórica e socialmente construídas, cujos desdobramentos remetem à necessidade de implementação de processos de desencarceramento e de enfrentamento da perspectiva classista, racista e sexista que perpassa essas relações, como forma de defesa da democracia e exercício da cidadania. Palavras-Chaves: Encarceramento Feminino. Sistema Prisional. Questão Social. ABSTRACT The article discusses the processes ofincarceration and the expressions of the social issue that affect women, having as reference 1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí- UFPI. Bolsista PIBIC/PCPq. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Bolsista PIBIC/UFPI.E-mail: [email protected]. 3 Orientadora da pesquisa. Professora doutora do Departamento de Serviço Social (DSS) e do Programa de Pós- Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI); mestre e doutora em políticas públicas (UFPI); graduada em Serviço Social, Direito e História; especialista em Direito e Processo Civil, em História do Brasil e em Gestão de Cidades (Fundação Getúlio Vargas/RJ); pesquisadora membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Infância, Adolescência e Juventude e do Núcleo de Pesquisa sobre Questão Social e Serviço Social. Coordenadora adjunta do Núcleo de Estudos e Pesquisa Sociedade, Direitos e Políticas Públicas (NUSDIPP). Áreas de interesse de pesquisa: políticas públicas, assistência social, direitos, violência, família e gerações. E-mail: [email protected]. 3229
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI the current ultra liberal and conservative agenda, discussing the massin carceration of the female population in thec ontemporary Brazilian reality, mostly made up of Young people , poor, black, with low schooling and from the periphery of urban centers. The results showed that the daily lives of these women are marked by social, historically ands ocially constructed in equalities, the consequences of which lead to the need to implement processes of detachment and to confront the classist, racistand sexist perspective that permeates these relation ships, as a way of defending the democracy and exercise of citizen ship. Keywords: Female Incarceration. Prison System. Social Issues. INTRODUÇÃO O presente artigo intitulado “Encarceramento feminino e questão social na realidade brasileira contemporânea”, tem como objetivo analisar os processos que ensejam o encarceramento e as expressões da questão social que afetam as mulheres na atualidade. Como explicita Santoro; Pereira (2018, p.89) o cárcere feminino evidencia as desigualdades histórica e socialmente construídas, sobretudo de gênero, porém, no sistema prisional as mesmas “ganham maior proporção” em decorrência da falta de “assistência às presas que ali estão confinadas”. Com base em estudo bibliográfico e documental, trabalhar-se-á com a seguinte questão central: Como se apresentam os processos de encarceramento e as expressões da questão social que afetam as mulheres na realidade brasileira contemporânea? Em conformidade com Teles (2018, p. 7), o “principal afeto produzido pelo Estado brasileiro, ao longo de sua história, foi o do medo, a partir do racismo, do patriarcalismo e da profunda desigualdade social”. Nesse contexto, a repressão tem sido uma prática histórica de dominação “desde os pelourinhos, chibatas e calabouços que vem se sofisticando, ao longo do tempo [...], tornando-se elemento central de produção da força de trabalho precarizada e do terrorismo silenciador das lutas de resistência” (TELES, 2018, p. 7). Para Silva; Marcondes (2017, p. 1), o encarceramento em massa de mulheresse apresenta a partir de um “fenômeno racializado”. Nesse sentido, é importante salientar que o “racismo e a desigualdade de classe são os principais fatores que sustentam o 3230
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sistema penal brasileiro desde sua gênese até os dias atuais” (FLAUZINA, 2006, p. 33- 34apud SILVA; MARCONDES, 2017, p. 1). O artigo está estruturado em duaspartes. A primeira analisa a trajetória histórica de construção e a função do cárcere na realidade brasileira; e a segunda, discute os desdobramentos dos processos de encarceramento e as expressões da questão social que afetam as mulheres frente à agenda ultraliberal e conservadora na contemporaneidade. 2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DE CONSTRUÇÃO E A FUNÇÃO DO CÁRCERE NA REALIDADE BRASILEIRA A análise da função do cárcere na realidade brasileira mostra que este tem se apresentado como uma forma de “controlar e gerir a pobreza” e que em relação às mulheres, a “experiência do cárcere” tem promovido um redirecionamento destas ao “perfil racializado de feminilidade”, considerando que a “construção social dos papéis de gênero historicamente não é a mesma para mulheres negras e brancas” (SILVA; MARCONDES, 2017, p. 3). Considerando a trajetória histórica de construção das desigualdades, é importante destacar que nos processos de colonização e de escravidão a “idealização do padrão de feminilidade não correspondia às experiências concretas das mulheres negras escravizadas”, considerando que estas desde cedo executavam o “trabalho pesado, nas plantações, nas minas, nos canaviais, nas fundições de terra, na construção de casas”. Na contemporaneidade, estas mulheres “continuam tendo sua força ora deslegitimada para lutar por seus direitos, ora usada como justificativa para as violências institucionais da prisão” (DAVIS, 2016, p. 22-23 apud SILVA; MARCONDES, 2017, p. 3). A concepção de sistema prisional que teve início com o estabelecimento do Estado moderno no final do século XVIII e início do século XIX, foi configurada a partir de um aparato normativo e operacional que serviu de base para a substituição das penas anteriormente aplicadas, cujo cumprimento ocorria por meio de suplícios e de execuções públicas. De acordo com Foucault (1987), o suplício “repousa na arte quantitativa do sofrimento” (1987, p.36). [...] a morte- suplício é a arte de reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em “mil mortes” e obtendo, antes de cessar a existência [...] O suplício penal 3231
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI não corresponde a qualquer punição corporal: é uma produção diferenciada de sofrimentos, um ritual organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune: não é absolutamente a exasperação de uma justiça que, esquecendo seus princípios, perdesse todo o controle. Nos “excessos” dos suplícios, se investe toda a economia do poder (FOUCAULT, 1987, p. 36-37). Desse modo, os suplícios faziam parte do contexto da puniçãoe atendiam às diretrizes que eram impostasem seu processo de execução, que deveria incidir no corpo da vítima. Assim, em conformidade com tal concepção “o suplício deve ser ostentoso, deve ser constatado por todos, um pouco como seu triunfo” (FOUCAULT, 1987, p.37). Em termos de formatação do aparato institucional, a House of Correction,foi uma das primeiras penitenciárias do mundo, tendo sido implantada em Londres entre os anos de 1550 e 1552 (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013) A origem do conceito de prisão como pena teve seu início em mosteiros no período da Idade Média. Com o propósito de punir os monges e clérigos que não cumpriam com suas funções, estes que faltavam com suas obrigações eram coagidos a se recolherem em suas celas e se dedicarem à meditação e à busca do arrependimento por suas ações, ficando, dessa forma, mais próximos de Deus. (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013, p. 202). No século XX, a legitimidade social das instituições de detenção adquiriu variações visando estabelecer um “controle da população carcerária” (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013, p.204), emergindo tipos modernos de prisões, conforme o perfil e a categorização das pessoas encarceradas. [...] uma tentativa de racionalização do espaço, considerando o tipo do crime tendo por critério o grau de infração e periculosidade do réu [...] A separação do réu, levando-se em conta o sexo e a idade também deve ser observada pelo seu lado técnico. Ao isolar em lugar específico categorias específicas de presos, forma-se um saber mais aprimorado sobre os indivíduos e o controle sobre estes se torna mais direto e elaborado. Esse novo mecanismo, por outro lado, tinha por objetivo reforçar a ordem pública, protegendo a sociedade por meio de uma profilaxia apropriada: o isolamento em um espaço específico (MACHADO; SOUZA; SOUZA, 2013, p.204). Durante o Período Colonial no Brasil, o sistema prisional adotou as leis e o sistema penal da metrópole portuguesa, tendo sido, inclusive, implantado o em 1591 o Tribunal do Santo Ofício, nos estados da Bahia e de Pernambuco. No Período Imperial, com a introdução das ideias liberais, o país estabeleceu à “condenação a pena de prisão com trabalho”, com a dupla finalidade de “reabilitar e reprimir”. Porém, essa modalidade foi inserida no Brasil, somente a partir da segunda metade do Século XIX, 3232
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI com a implantação da Casa de Correção da Corte, representando a implantação do moderno sistema prisional brasileiro (ALMEIDA, 2014, p. 1-2). Tal instituição deveria tanto corrigir os criminosos, devolvendo-os como cidadãos produtivos ao seio da sociedade, como influir sobre os costumes e a moralidade do povo [...] O objetivo da Sociedade ao propor a criação da Casa de Correção era: tornar o império civilizado, manter a ordem pública, reprimir a mendicidade e principalmente, erradicar o “vício” da vadiagem transformando os detentos em “pobres de bons costumes” (ALMEIDA, 2014, p.5-6). A Proclamação da República não trouxe alterações para a situação do sistema penitenciário no Brasil, que continuava bastante precário. A partir de 1930, ocorreu uma intensificação dos processos de urbanização e de industrialização, contexto em que a questão social engendrada no contexto do capitalismo (SANTOS, 2019), passa a ser discutida na esfera pública, como resultado das lutas da classe trabalhadora. Apesar da aprovação da legislação trabalhista, na esfera social a ação do Estado se fez numa perspectiva higienista, com ações assistencialistas, pontuais e fragmentadas, com arepressão de pobres e negros, mostrando a presença do racismo estrutural nas sociabilidades que foram construídas no contexto do projeto modernizador do país. A partir das lutas sociaisque promoveram a redemocratização do país e da aprovação da Constituição Federal de 1988, as contradições engendradas no contexto do capital, bem como as causas sociais do crime, da miséria e da desigualdade passaram a serem discutidas (ALMEIDA, 2014, p.14). Apesar disso, de acordo com Pinheiro; Gama (2016, p. 183), atualmente, o sistema prisional brasileiro, ainda se parece com as antigas “prisões coloniais”, em grande parte, utilizadas para punir os escravos no século XVIII, visto que ideologicamente tem se apresentado como o lugar de um encarceramento pautado numa perspectiva de marginalização e seletividade tendo como base uma perspectiva classista, racista e sexista. São muitos os fatores que fizeram que o sistema carcerário brasileiro chegasse à precariedade em que se encontra atualmente. Os pontos mais graves são: o abandono, a falta de investimento e o descaso do poder público. Dessa forma, aquele sistema que tinha o intuito de se tornar um instrumento de substituição das penas desumanas, como as de morte e tortura, não tem desempenhado o seu papel e, muito ao contrário, tem se tornado um motivo para o aperfeiçoamento de criminosos, além de ter como principal atributo a 3233
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI insalubridade, já que se trata de atmosferas sujas, sem espaço suficiente para todos os detentos, sendo assim, impossível tratar da ressocialização de qualquer um deles (MACHADO, SOUZA, SOUZA, 2013, p. 205-206). O sistema penitenciário brasileiro tem como perfil da população encarcerada, em sua maioria constituída por homens, jovens, negros, pobres e com baixa escolaridade (BRASIL, 2015). Entretanto, nos últimos anos houve o aumento da população feminina encarcerada em todas as regiões (PASTORAL CARCERÁRIA, 2018). Nesse contexto a seletividade que rege a ação do Estado tem sido exercida pelos processos segregacionistas, que resulta na marginalização, sobretudo, de pessoas jovens, pobres e negros, que, de modo geral, são vistas como “ameaça à paz social, como seres desviantes que precisam ser controlados” (ABRAMOVAY; CASTRO, 2015, p. 20). 3 QUESTÃO SOCIAL E ENCARCERAMENTO FEMININO NA REALIDADE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA No Brasil, a questão social decorrente das contradições e explorações que se efetivam na relação entre capital e trabalho (SANTOS, 2019) se expressa a partir das desigualdades etárias, geracionais, de gênero, de classe, étnico-raciais, de orientação sexual e de renda, histórica e socialmente construídas. Os dados do Infopen (2019) mostram que o Brasil é um dos países que mais encarcera no mundo. Com a aprovação daLei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que institui normas “para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas”, a ação policial na periferia dos centros urbanos tem sido cada vez mais presente, com abordagens pautadas no critério de seletividade, onde pessoas pobres e negras são os principais alvos (BRASIL, 2006, p. 1). Em 2017 havia 37.828 mulheres encarceradas no Brasil (DEPEN, 2017). Nesse contexto, tem ocorrido um encarceramento em massa de mulheres, em grande parte, desempregadas e responsáveis pelo provimento de sua família. Em conformidade com os dados do Departamento Penitenciário Nacional relativos a 2017, o estado de São Paulo concentra “31,6% da população prisional feminina do país, com 12.183 mulheres privadas de liberdade, seguido por Minas Gerais com 10,6%, ou 3.365 mulheres e Rio de Janeiro com 7,3%, ou 2.168 mulheres” (DEPEN, 2017, p. 9). 3234
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Pastana (2009) defende que com a inserção das diretrizes do neoliberalismo e do Estado mínimo a partir da década de 1990, ocorreu um aumento nos índices de encarceramento, visto que o ideário neoliberal reduz a esfera deação estatal no âmbito econômico-social, ao passo em que passa a atuar no controle dos problemas sociais que emergem em decorrência desse modelo (GASPAROTTO; GROSSI; VIEIRA, 2014). Além disso, todos os problemas resultantes dessa desregulamentação, como a precarização das relações de trabalho, o desemprego e a dificuldade de acesso aos serviços essenciais, que levam invariavelmente ao aumento da criminalidade, não são solucionados, e apenas a consequência torna-se questão emergencial (PASTANA, 2009, p. 121-122). A ação do Estado e a agenda ultraneoliberal e conservadora na realidade brasileira contemporânea (WERMUTH, 2018), têm como foco as ações pautadas em questões econômicas, com a ampliação do controle penal sem problematizar as expressões da questão social, fazendo com que as frações de classe no poder passem a defender medidas punitivas cada vez mais amplas. Essa penalização liberal, denominada por Wacquant [...] de “ditadura sobre os pobres”, procura reprimir com severidade “as desordens suscitadas pela desregulamentação da economia, pela dessocialização do trabalho assalariado e pela pauperização relativa e absoluta de amplos contingentes do proletariado urbano, aumentando os meios, a amplitude e a intensidade da intervenção do aparelho policial e judiciário” [...] Essa massa excluída do trabalho e, consequentemente, do consumo, fica submetida a um gigantesco sistema penal responsável não mais por disciplinar os desviantes, mas sim por conter o refugo social produzido pelo recente contexto liberal (WACQUANT, 2001 apud PASTANA, 2009, p.126). Os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN Mulheres (2018), apontam para a ampliação da seletividade penal na realidade brasileira contemporânea, visto que o “aparato punitivo do Estado encontra-se voltado para a repressão a determinados tipos de crimes [...] e ao encarceramento de determinados grupos sociais, [...] em detrimento de outros tipos penais e grupos sociais envolvidos em delitos” (INFOPEN, 2018, p. 53). Em relação aos motivos que ensejam o encarceramento de mulheres, em 68% dos casos decorre de “crimes relacionados ao tráfico de drogas, muitas vezes por morarem junto com os companheiros e filhos em casas onde as drogas estavam sendo guardadas ou ainda por estarem levando drogas para o companheiro ou filho na prisão”. Nesse contexto, em apenas 30% das situações a prisão decorrede sentença 3235
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI condenatória, o que remete a uma “banalização do encarceramento, que, de acordo com os princípios internacionais do direito, deveria ser o último recurso do tratamento penal das tensões sociais”. De modo que, o encarceramento feminino está intrinsecamente relacionado com as expressões da questão social e as desigualdades que perpassam a realidade brasileira, com significativos desdobramentos junto à maternidade e a crianças e adolescentes, que, de modo geral, ficam desprotegidos (DIUANA, CORRÊA; VENTURA, 2017, p. 728). [...] traduz a banalização do encarceramento, que, de acordo com os princípios internacionais do direito, deveria ser o último recurso do tratamento penal das tensões sociais, e a grave violação do direito de acesso à justiça destas mulheres já atingidas por um amplo processo de exclusão social. Ressalte-se que as mulheres gestantes e mães que convivem com seus filhos (as) nas prisões, têm o direito de “cuidar e amamentar”. Contudo, estas devem entregá-los a terceiros conforme os prazos legais estabelecidos. Nesse sentido, o vínculo entre mãe e filho (a) é construído “em conexão com a vivência simultânea da separação”, em face do transcorrer do tempo que enseja a separação obrigatória ou da “ameaça de separação a qualquer momento em razão de problemas disciplinares” (DIUANA, CORRÊA, VENTURA, 2017, p. 732). Santoro; Pereira (2018, p 88-89) afirmam que o envolvimento de mulheres em atividades ilícitas está, em significativa maioria, vinculado à participação dos homens, isto é, o encarceramento feminino está quase sempre relacionado às suas “relações afetivas”. Ressalte-se ainda, que a mulher encarcerada é alvo de um tratamento inferiorizado, em face dos critérios que regem a formulação dos espaços prisionais, de modo geral, voltado para o público masculino4. Justamente pelas mulheres representarem uma parcela pequena da população carcerária quando comparada a população masculina, elas são tratadas com indiferença e inferioridade, haja vista que, no ambiente penitenciário, elas não usufruem equitativamente do atendimento que é dado aos homens, sendo este, por sua vez, já muito precário (SANTORO; PEREIRA, 2018, p. 90). 4 Mesmo com o crescente aumento do número de mulheres encarceradas, não é notória uma preocupação com a criação de espaços adequados para este fim, ao que Silva (2015, p. 175) constata: “o número de estabelecimentos prisionais femininos é consideravelmente menor que a quantidade de mulheres detidas, ocasionando em situações de extrema precariedade decorrentes da superlotação”. Dados do Infopen (2018) confirmam essa problemática, observa-se que os estabelecimentos prisionais do Brasil são, em 74%, destinados ao público masculino e apenas 7% ao público feminino. 3236
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Para Silva (2015, p. 160) as mulheres, em sua maioria, são afetadas pela criminalização da pobreza, que sofrem um agravante nesse processo, qual seja, o “fato de serem mulheres”. De modo que o cotidiano vivenciado pelas mulheres negras, pobres e moradoras da periferia é marcado pela desigualdade social presente no país, tendo como base as dimensões de classe, gênero e raça-etnia, que perpassam os processos de marginalização social e encarceramento que incidem sobre esses segmentos sociais. [...] a mulher quando chega ao extremo do encarceramento já enfrentou diversos processos que, também influenciados pela questão de gênero – como a não inserção no mercado de trabalho e [...] a responsabilização pela manutenção da família e do lar – a excluíram de alcançar a efetividade de seus direitos sociais, civis e políticos, resultando em sua maior estigmatização e vulnerabilidade atrás das grades quando comparada ao homem (SILVA, 2011 apud SILVA, 2015, p. 160-161). Esse cenário, aliado à superlotação de instituições prisionais femininas em virtude da falta de estabelecimentos adequados para tal público, leva a uma situação de violação de direitos e precariedade extrema para as mulheres encarceradas. A mulheres também vivenciam o abandono posteriormente a entrada nas prisões, tanto pela família, como pelos filhos e companheiros, devido a “vergonha em ter uma criminosa na família, a distância de localização dos estabelecimentos penais, assim como a rejeição dos familiares em se submeterem à revista íntima” (SILVA, 2015, p.177). De modo que existe uma intrínseca relação entre encarceramento feminino e a questão social engendrada no contexto do capital, cujos desdobramentos são aprofundados na atual agenda ultraneoliberal e conservadora, em face das desigualdades sociais, histórica e socialmente construídas, o que remete à necessidade de garantia das liberdades e dos direitos, bem como do enfrentamento da perspectiva classista, racista e sexista (DAVIS, 2016; FLAUZINA, 2006) que perpassa essas relações, como forma de defesa da democracia e exercício da cidadania. 4 CONCLUSÃO O estudo mostrou que é preciso desenvolver processos de desencarceramento e ampliar a ação do Estado por meio de políticas públicas, como forma de enfrentamento da questão social expressa nas desigualdades de classe, de renda, 3237
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI étnico-raciais, de renda, de orientação sexual e de gênero, enquanto elemento essencial à defesa da democracia e ao exercício da cidadania. A lógica do encarceramento em massa agrega um conjunto de práticas que confrontam a democracia e a cidadania, frente às torturas, mortes e violações de direitos que se apresentam. A violência institucional e simbólica, a banalização do cárcere e as práticas vexatórias de revista quando da visita de familiares têm sido fatores de marginalização e segregação das mulheres encarceradas, e, violam frontalmente o direito à dignidade humana e à liberdade, assegurados pela Constituição Federal de 1988. Apesar de o sistema prisional brasileiro ser um dos que mais realiza o encarceramento de mulheres no mundo, de modo geral, seus espaços são inadequados às necessidades das mulheres que se encontram em situação de privação de liberdade. O sistema prisional formatado no Brasil se apresenta como uma estratégia de controle social a partir de critérios seletivos e repressivos. Nesse contexto, a insalubridade e as violações de direitos do ambiente carcerário, se fazem mais presentes junto às mulheres diante da inadequação dos espaços, superlotação, alimentação precária e dos problemas em relação ao acesso a saúde e a educação. A repressão se apresenta como um mecanismo de controle da classe trabalhadora de forma a desarticular as formas de resistência. Assim, para que haja a concretização do Estado democrático e de direito é preciso desconstruir concepções, discursos e práticas autoritárias, no sentido de estar favorecendo a participação, acesso aos bens e serviços socialmente construídos e a garantia de direitos, como forma de defesa e exercício da democracia e da cidadania. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia. Ser jovem no brasil hoje: políticas e perfis da juventude brasileira. Cadernos Adenauer XVI, nº1, 2015. ALMEIDA, GelsomRozentino. Capitalismo, Classes Sociais e Prisões no Brasil. Disponível em: <file:///C:/Users/mary1/Desktop/pibic/Gelson%20Almeida%20Capitalismo,%20Classes %20Sociais%20 e%20Prisões%20no%20Brasil.pdf>. Acesso em: 4 de março de 2020. 3238
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BRASIL, Presidência da República, Secretária Geral. Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil/ Secretaria-Geral da Presidência da República e Secretária Nacional da Juventude. Brasília: Presidência da República, 2015. BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas. Brasília: Senado Federal, 2006. DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016. DEPEN. Departamento Penitenciário Nacional. Marcos Vinícius Moura Silva (Org.). Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade – junho de 2017. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen. Acesso em 18 de junho de 2020. DIUANA, V.; CORRÊA, M. C. D. V.; VENTURA, M. Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições da maternidade. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 27 [3], p. 727-747, 2017. FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto enocida do Estado brasileiro. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília, 2006. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete, Vozes, 1987. GASPAROTTO, Geovana Prante, GROSSI, Patrícia Krieger, VIEIRA, Monique Soares. O ideário neoliberal: a submissão das políticas sociais aos interesses econômicos. XI Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea / VII Mostra de Trabalhos Jurídicos Científicos, 2014. Disponível em: http://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8153/2/evento_006%20- %20Patr%C3%ADcia%20Krieger%20Grossi.pdf. Acesso em: 17 de Junho de 2020. INFOPEN.Informações Penitenciárias, 2019. Departamento Penitenciário (DEPEN). Ministério da Justiça e Segurança Pública. Disponível em http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen. Acesso em 18 de junho de 2020. MACHADO, Ana Elise Bernal, SOUZA, Ana Paula dos Reis, SOUZA, Mariani Cristina. Sistema penitenciário brasileiro- origem, atualidade e exemplos funcionais. Disponível em: < file://C:\\Users\\mary1\\Desktop\\pibic\\breve história sobre o sistema prisional.pdf>. Acesso em: 4 de março de 2020. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Levantamento nacional de informações penitenciárias INFOPEN Mulheres. 2ª ed. Organização, Thandara Santos; 3239
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI colaboração, Marlene Inês da Rosa. Brasília. Departamento Penitenciário Nacional, 2017. PASTANA, Débora. Justiça penal autoritária e consolidação do estado punitivo no Brasil.Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 17, n. 32, p. 121-138, fev. 2009. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/rsocp/v17n32/v17n32a08.pdf. Acesso em: 17 de Junho de 2020. PASTORAL CARCERÁRIA. Por Maria Carolina Trevisan. Brasil é o 4º país que mais prende mulheres: 62% delas são negras.21 de maio de 2018. Disponível em https://carceraria.org.br/mulher-encarcerada/brasil-e-o-4o-pais-que-mais-prende- mulheres-62-delas-sao-negras. Acesso em 18 de junho de 2020. PINHEIRO, Luci Faria, GAMA, Taíza da Silva. As origens do sistema penitenciário brasileiro: uma análise sociológica da história das prisões do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: < file:///C:/Users/mary1/Desktop/pibic/As%20Origens%20do%20Sistema%20Penitenciár io%20brasileiro.pdf>. Acesso em: 4 de março de 2020. SANTORO, A. E. R.; PEREIRA, A. C. A. Gênero e prisão: o encarceramento de mulheres no sistema penitenciário brasileiro pelo crime de tráfico de drogas. Meritum, Belo Horizonte, v. 13, n. 1, p. 87 – 112, jan./jun. 2018. SANTOS, Josiane Soares. O enfrentamento conservador da “questão social” e desafios para o Serviço Social no Brasil. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 136, p. 484-496, set./dez. 2019. SILVA, A. D. Mãe/mulher atrás das grades: a realidade imposta pelo cárcere à família monoparental feminina. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015. SILVA, Mariana Lins de Carli; MARCONDES, Nina Cappelo. Mulheres em prisão: reflexões para o desencarceramento. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2017, 12p. Disponível em http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499267649_ARQUIV O_Artigo_Mulheresemprisao_reflexoesparaodesencarceramento.pdf. Acesso em 18 de junho de 2020. TELES. Edson. A máquina de tortura e o projeto genocida. In: PASTORAL CARCERÁRIA.Tortura em tempos de encarceramento em massa, 2018. Disponível em https://carceraria.org.br/wp-content/uploads/2018/12/Tortura-em-tempos-de- encarceramento-em-massa-2018.pdf. Acesso em 18 de junho de 2020. WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi.Ultraliberalismo, evangelicalismo político e misoginia: a força triunfante do patriarcalismo na sociedade brasileira pós- 3240
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI impeachment.Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, www.ufsm.br/revistadireito, v. 13, n. 2 / 2018, p.455-48. 3241
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS FEMINICÍDIO NO PIAUÍ: uma abordagem teórica do início de uma pesquisa FEMINICIDE IN PIAUÍ: a theoretical approach from the beginning of a research Mariana de Carvalho Sousa1 Maria Clara Teresa Fernandes Silveira2 RESUMO Com a alteração do Código Civil através da Lei 13.104/15, que introduz o feminicídio como qualificador do crime de homicídio, passou-se a analisar as mortes de mulheres com um olhar mais voltado para as particularidades de gênero e as vítimas. Conceito este que se qualifica como causas externas e o rompimento do direito humano básico: o direito à vida. Compreendendo tal alteração, esta pesquisa é uma revisão bibliográfica sobre uma abordagem estruturalista de gênero e violência que fundamenta um estudo mais amplo (ainda em andamento) sobre crimes de feminicídio e sua associação com território, no estado do Piauí. Palavras-Chaves: Feminicídio. Violência de Gênero. Mulheres. ABSTRACT With the amendment of the Civil Code through Law 13.104 / 15, which introduces femicide as a qualifier for the crime of homicide, we began to analyze the deaths of women with a more focused look at gender and victims. This concept qualifies as external causes and the disruption of the basic human right: the right to life. Understanding this change, this research is a bibliographic review on a structuralist approach to gender and violence that underlies a broader study (still ongoing) on crimes of femicide and its association with territory, in the state of Piauí. Keywords: Femicide. Gender Violence. Women. 1 Bacharel em Ciência Política – UFPI. Coordenadora de Enfrentamento a Violência Contra a Mulher – Coordenadoria de Estado de Políticas para as Mulheres do Piauí – CEPM/PI Email: [email protected]. 2 Mestranda do Programa de Pós- graduação em Sociologia – UFPI; graduada em Serviço Social – UFPI. E-mail: [email protected]. 3242
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO Esse trabalho visa discutir o feminicídio, que é o assassinato de mulheres por causa do gênero. No Brasil, o feminicídio se transformou em crime a partir da Lei 13.104 de 09 de março de 2015 (BRASIL, 2015), que insere mais de uma modalidade de homicídio qualificado ao Artigo 121 do Código Penal, tendo se situado na modalidade de crime hediondo através da alteração do Artigo 1º da Lei 8.072/90 de Crimes Hediondos. Gebrim e Borges (2014, p. 59) assinalam que o termo femicide, “que caracteriza o assassinato de mulheres apenas por serem mulheres, foi usado pela primeira vez em 1976, no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas”. A definição do termo foi cunhada por volta dos anos 1990, quando Caputi e Russell o definem como sendo “o assassinato de mulheres especificamente por homens motivados por ódio, desprezo, prazer ou por um sentimento de propriedade”. Segundo as autoras, trata-se [...] de um continuum de violência que estabelece uma conexão com a mais variadas formas de agressão, tais como estupro, incesto, abuso físico e emocional, assédio, pornografia, exploração sexual, esterilização, maternidade à força, dentre muitas outras. No Brasil, fruto da mobilização dos movimentos sociais e da maior visibilidade que as questões que envolvem mulheres e a violência contra estas adquiriram ao longo do tempo, a Lei do Feminicídio surge como um ponto de inflexão na legislação brasileira buscando proteger a mulher, coibir sua prática e punir infratores que, junto à extinta Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres da também extinta Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, permite estimular políticas de cuidado e proteção à mulher. Dessa forma, esse estudo almeja constituir-se numa primeira aproximação teórica que permita visualizar a dinâmica entre feminicídio, gênero e violência enquanto fatores estruturais, para na sequência (em outros artigos), repensar as formas de intervenção sob a forma de políticas protetivas abrangentes no território do Piauí. 2 FEMINICÍDIO NO PIAUÍ Pensar o feminicídio é pensar, antes qualquer coisa, no caminho histórico que os direitos das mulheres percorreram até a culminar no reconhecimento do crime de 3243
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI homicídio doloso contra a mulher enquanto feminicídio – e toda a discussão política acerca da constituição da lei. O feminicídio no Brasil se configura como um resultado de uma tendência na América Latina, principalmente após as denúncias de assassinatos de mulheres em Ciudad Juarez – México, onde havia uma série de denúncias de casos de torturas, assédio, mortes violentas de mulheres e aliadas a um Estado omisso. No Brasil, os principais impulsos que fortificaram as políticas de gênero vieram com a Convenção de Belém do Pará (OEA, 1994) e a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW, 1979), que estabeleceram marcos legais de compromissos dos Estados para com a Sociedade Civil. A violência é uma questão de saúde pública, como um determinante social de “causas externas” 3, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), registrado na Classificação Internacional de Doenças - CID-10. Dessa forma, a morte de mulheres por serem mulheres é um determinante social da saúde, uma causa externa, onde o gênero aparece como agravante da situação de risco. O estabelecimento de uma lei para o feminicídio se constituiu num marco importante para reconhecer legalmente esse risco pessoal e social. Segundo Pasinato (2011, p. 223) a expressão “femicídio” é atribuída a Diana Russel, que a utilizou pela primeira vez em 1976, em depoimento no Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres. Pasinato apud Russel e Caputti define que o termo “femicídio” soa mais o último acontecimento dentre uma série de violências que a mulher passa ao longo de sua existência, não somente com homens enquanto atores primários, mas por toda a sociedade – com suas culturas determinando quais seriam estas violências. Portanto, a diferença de poder entre homens e mulheres não apenas perpetua essa violência, como a condiciona amplamente. Porém, o termo femicídio não é unânime, de forma que autores sugerem o uso do termo generocídio. Conceito particularmente interessante e abrangente, visto que as mulheres sofrem diversas formas de violência de gênero, não somente assassinatos são atentados 3 “As causas externas são traumatismos, lesões ou quaisquer outros agravos à saúde – intencionais ou não – de início súbito e como consequência imediata de violência ou outra causa exógena. Neste grupo, incluem-se as lesões provocadas por eventos no transporte, homicídios, agressões, quedas, afogamentos, envenenamentos, suicídios, queimaduras, lesões por deslizamento ou enchente, e outras ocorrências provocadas por circunstâncias ambientais (mecânica, química, térmica, energia elétrica e/ou radiação). (BRASIL, 2019)”. 3244
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI à vida. Pressões da estrutura patriarcal são opressoras à todo momento, seja com padrões estéticos quase inalcançáveis e objetificadores, seja com a não assistência/criminalização do Estado ao aborto seguro. Outras abordagens sobre o femicídio o aproximam dos direitos humanos nas suas convenções que, para Pasinato, permite a cobrança ao Estado de políticas, cumprimento de compromissos e a proteção à mulher, mas “a definição empregada pelas convenções de direitos humanos é limitadora, uma vez que falam em violência física, psicológica e moral, mas deixam de fora o caráter estrutural [...]”. Esvaziando o peso que o contexto político e social tem sob os ocorridos. Oliveira (2015) cita a perspectiva de femicídio de Carcedo e Sargot (2002), que o definem como assassinato de mulheres por razão do seu gênero, sendo uma forma extrema de violência exercida pelos homens sobre as mulheres como exercício de poder. Finalmente chega ao termo “feminicídio”, atribuindo este à Marcela Lagarde, [...] para que ocorra o feminicídio devem concorrer a impunidade, a omissão, a negligência e a conivência das autoridades do estado, que não criam segurança para a vida das mulheres, razão pela qual o feminicídio é um crime de estado. Assim, Lagarde introduz um elemento político na conceituação, isto é, a responsabilidade do estado na produção das mortes de mulheres (OLIVEIRA, 2015, p. 106). Como dito anteriormente, a lei Nº 13.104, de 09 de março de 2015, popularmente conhecida como “Lei do feminicídio” altera o Código Penal brasileiro, “[...] para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio [...]”, além de considerar este como crime hediondo (BRASIL, 2015). Importante frisar que o Projeto da Lei do Feminicídio continha o termo “gênero” em sua ementa, mas foi alterada por “sexo” durante o trâmite dentro da Câmara dos Deputados deixando, portanto, mulheres trans e travestis à margem, sem amparo da Lei para crimes de ódio. No Brasil, segundo o Atlas da Violência 2019, houve o crescimento de 30,7% no número de homicídios de mulheres entre 2007 e 2017, totalizando 4,7 por grupo de 100 mil mulheres (IPEA, 2019, p. 35). No mesmo período, houve um aumento na taxa nacional de homicídios de mulheres em 20,7%. Enquanto em 2017 foram registrados 1.075 feminicídios, no ano de 2018 foram contabilizados 1.206, mostrando um aumento de 10,86% entre os anos apurados segundo o anuário do Fórum de Segurança Pública (2019, p.108). 3245
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Faz-se necessário destacar que pode haver uma deficiência nos dados devido, principalmente, a três fatores: 1) subnotificação, 2) contemporaneidade da lei e 3) a configuração do CID 10 (IPEA, 2019, p. 39). O fato de que existem falhas nas notificações de crimes, tanto na área criminal quanto na saúde, especialmente aqueles que são “novos” na legislação, acarreta no registro oficial o uso de categorias bastante genéricas e inespecíficas tais como, outros crimes ou tipificações penais. O feminicídio, por ser uma tipificação relativamente nova, acaba também por depender da formação das autoridades policiais e judiciais. Quanto ao CID 10, este é técnico e “não lida com tipificação legal e muito menos com a motivação que gerou a agressão” (op. cit, 2009, p. 40). O Estado do Piauí, no que tange os níveis de homicídios femininos, representa 3,2% dos casos em todo o Brasil, sendo o que apresenta menos casos segundo o Atlas da Violência (IPEA, 2019, p. 35). E está entre os 4 estados do Brasil que apresentam os menores números de feminicídios por 100 mil habitantes (Op. Cit. p. 38). No Estado do Piauí, a implementação de Políticas Públicas de Segurança e Proteção à Mulher seguiu sua própria dinâmica. Com a criação da primeira Delegacia dos Direitos da Mulher/DEAM – em 1985, em São Paulo/SP – e da Lei Maria da Penha 11.340/2006, houve uma expansão dos dispositivos de segurança para mulheres no Piauí, como evidencia a figura 1 onde construímos a linha do tempo: Figura 1 – Linha do tempo de implementações de Políticas no Piauí. Fonte: Criação da autora com base no Plano Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher – SSP/PI 3246
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Apesar de haver diversos dispositivos de segurança como as Delegacias da Mulher, ainda ocorreram de março de 2015 a julho de 2019, cerca de 100 feminicídios em todo o Estado, demonstrando haver ainda insuficiência da quantidade e na localização territorial – está se tornando um dos eixos a que se direciona este trabalho. Gênero como um fator estrutural As análises de Saffioti (1987), Scott (1990), Blay (2002) e Campos (2015) tem assinalado que historicamente as mulheres estiveram em posição de desigualdade - participação social, voz, direitos, dignidade, condições de vida e também de morte - em relação aos homens. Analisam as autoras que essa relação de desigualdade está organizada em uma estrutura moldada por relações de poder e tentativas de dominação, patriarcal por exemplo, já definida por Saffioti (1987, p. 16) como “Sistema de relações sociais que garante a subordinação da mulher ao homem [...]”. Cumpre tentar apreender de que modo funciona esse sistema e como estas desigualdades afetam a vida de mulheres? A identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída através da atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver cumpridos pelas diferentes categorias de sexo. A sociedade delimita, com bastante precisão, os campos em que pode operar a mulher, da mesma forma que escolhe os terrenos em que pode atuar o homem (SAFFIOTI, 1987, p. 8). A delimitação de papéis por gênero atribui o lugar de participação e atuação de homens e mulheres no meio privado e no meio social. Ao homem pertence àquilo que é público, ativo, dominante, à mulher se reserva o privado, passivo e obediente. Este fato varia de sociedade para sociedade, bem como em razão de classe social e raça. Nada há de natural nestes arranjos. Em 1987 Saffioti publicava sua análise sobre as desigualdades, hoje precisamos identificar um cenário semelhante àquele já descrito pela autora, onde persiste uma estrutura rígida de reprodução que não se sustenta apenas no plano privado das relações afetivas entre homens e mulheres. O Estado, responsável pela proteção social, pode reforçar estereótipos e papéis de subordinação ao ignorar os impactos de risco devido ao gênero, não focalizando políticas sociais a esse segmento de população. A historicidade de opressão também implica uma historicidade de resistências. Para estarmos aqui, hoje, discutindo sobre os impactos de uma lei Federal vigente no 3247
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Estado brasileiro, décadas de lutas foram travadas. O movimento feminista foi de fundamental importância para todas as conquistas de direitos e espaços sociais, também na construção de teorias com bases epistemológicas justas, afirmando as relações de desigualdade como construções sociais, de caráter histórico, não como natural, inerentes à “superioridade natural do macho”. Pinto (2010) afirma que o movimento feminista produz sua própria reflexão crítica e teoria, o que é um diferencial, ou seja, um elo entre militância e produção científica. O que se apresenta como relevante nesta discussão é que, foi no decorrer desse longo processo de construção teórica feminista - sobre o gênero como categoria - que se embasou a militância, organizações não governamentais de apoio à mulher, leis de Estado (com políticas de proteção e enfrentamento à violência). Além disso, essa mobilização e essas lutas travadas na história numa perspectiva de longa duração contribuíram também para a consolidação de processos individuais de reconstrução da subjetividade feminina, e para a contestação do seu papel na sociedade, bem como para que houvesse uma lenta, mas gradual percepção que permite elas próprias possam construir uma visão crítica, sem a adoção de uma perspectiva analítica que reconheça como “obrigações naturais” a sujeição ao homem. Esse processo tem sido referido como uma perspectiva que contribui para o empoderamento da mulher. Cumpre destacar que essa perspectiva não significa a eliminação das estruturas subjetivantes. Violência de gênero como fator estrutural Almeida (2007) define o termo violência de gênero, apontando o porquê da sua utilização, bem como críticas: Violência de gênero designa a produção da violência em um contexto de relações produzidas socialmente. [...] Contra a violência de gênero, pode-se alegar que o seu uso deixa intocados os fundamentos da dominação patriarcal, contribuindo para o desaparecimento da análise das relações de poder entre os sexos em proveito da neutralidade quanto aos mecanismos de opressão (Louis, 2000). Pode-se também argumentar que, em razão da sua suposta neutralidade, é mais facilmente assimilável no meio acadêmico. Contudo, é o único qualificativo da violência, dentre as designações anteriormente enumeradas, que ultrapassa o caráter descritivo. Com efeito, gênero apresenta dupla dimensão categorial - analítica e histórica (ALMEIDA, 2007. p. 25). 3248
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Mas o que são relações de violência? Ao investigar sobre esta temática, a fim de um conceito, logo se percebe a dificuldade de fazê-lo e a variedade de análises já disponíveis. Aqui inicialmente discuto a temática com base em Arendt (1969/1970) e Minayo (2006). As autoras afirmam a complexidade do tema, sendo que Arendt (1969/1970) o faz de forma mais generalizada, relacionando-a à esfera da política dos Estados, com os regimes totalitários, a fim de perceber as diferenças entre relações de poder e violência, autoridade, dentre outros. Já Minayo (2006) relaciona violência e saúde, compreendendo os determinantes sociais voltados para a realidade do Brasil, para tal, faz uma análise sócio-histórica da temática, problematizando o conceito: A violência não é uma, é múltipla. De origem latina, o vocábulo vem da palavra vis, que quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. No seu sentido material, o termo parece neutro, mas quem analisa os eventos violentos descobre que eles se referem a conflitos de autoridade, a lutas pelo poder e a vontade de domínio, de posse e de aniquilamento do outro ou de seus bens. Suas manifestações são aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas segundo normas sociais mantidas por usos e costumes ou por aparatos legais da sociedade. Mutante, a violência designa, pois – de acordo com épocas, locais e circunstâncias – realidades muito diferentes. Há violências toleradas e há violências condenadas (MINAYO, 2006, p. 13). A autora segue afirmando que não é fácil conceituar, pois violência envolve diversas faces individuais, sociais e emocionais - de quem pratica, de quem sofre, bem como de quem presencia. No caso, a violência é múltipla, como os significantes de um assalto a mão armada (universalmente condenado) ou um estupro (que sempre abre portas a interpretações em relação ao papel e posicionamento da vítima). Isto quer dizer que as diversas manifestações de violência em uma sociedade têm interpretações populares diversas. Estas interpretações acabam legitimando ou condenando algumas práticas violentas. Sobre isso, de acordo com Celso Lafer (1994, p. 8)4, “É a desintegração do poder que enseja a violência [...] a violência destrói o poder, não o cria.” Se a violência aparece como uma manifestação de não poder, a morte de mulheres é a forma mais extrema da tentativa do homem de mostrar o mando. 4 Introdução do livro “Sobre a violência” de Arendt. 3249
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Saffioti (2001) afirma que existe uma estrutura de dominação/exploração dos homens sobre as mulheres, em contexto patriarcal. Essa dominação se dá de forma simbólica, com as normativas de papéis de gênero (estando a mulher sempre em condição de passividade, cuidado e obediência) e o homem como provedor. A autora afirma ainda que a ordem patriarcal não precisa necessariamente da presença física do homem para funcionar. Isto quer dizer que a mulher “desobediente” será culpabilizada e repreendida pela sociedade, uma violência simbólica. A exemplo desse funcionamento basta se observar toda a repercussão da mulher que trai o marido, são expostas nas redes sociais, ridicularizadas e taxadas de destruidoras da família. Quando ocorre o contrário, o homem como adúltero, pode até haver repercussão negativa, mas ele vai sair como “garanhão”, reforçando um signo de masculinidade, nem sequer existe uma palavra de ofensa na língua portuguesa que condene o exercício “indevido” da sexualidade masculina. A dominação masculina pode ser entendida, simplificadamente, como a sobreposição do homem (sexo masculino), sobre a mulher (sexo feminino), inscrita culturalmente, na sociedade e historicamente, fazendo com que a ordem social seja apenas reproduzida e mantida de forma natural. Isto só é possível por meio da violência simbólica, que é a violência sem coação física, é produto da conduta dos dominantes frente aos dominados, tangendo a todos e presente em vários níveis da sociedade. A violência simbólica é algo imperceptível, uma imposição arbitrária que, no entanto, é apresentado àquele que sofre a violência de modo dissimulada, que oculta às relações de forças que estão na base de seu poder. Ao se entender que o símbolo (algo que não está no campo material) está relacionado com a prática, colaborando com a integração social, e com o estabelecimento da ordem social, se compreende que a violência simbólica é um tipo de violência imaterial. Ela é instituída. Se “a violência dramatiza causas” ela o faz, nesse caso, porque as mulheres resistem, porque os homens “perdem o controle” da dominação em âmbito privado, e o fazem para o recuperar. Se o marido bate na esposa e o Estado não têm uma lei que a proteja, ou não “criminalize” essa violência conjugal, está simplesmente autorizando e legitimando a estrutura de subordinação feminina. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência é: 3250
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI [...] o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação (DAHLBERG; KRUG, 2007, p. 1165). É claro que as estatísticas de violência não se resumem a esses parâmetros. A violência para a OMS é causada propositalmente, ou seja, nela existe a intencionalidade, que constitui um fator importante a ser analisado. Também é adicionado a categoria poder, que se refere às negligências e comportamentos que, necessariamente, não se expressam sob a forma somente da agressão física, mas causam danos diversos. Dahlberg e Krug (2007, p. 1164) afirmam que a saúde pública pode prevenir a violência da mesma forma que tem reduzido as estatísticas de doenças contagiosas e contaminação. “Os fatores responsáveis por reações violentas, quer sejam derivados de atitudes e comportamentos ou de condições sociais, econômicas, políticas e culturais mais amplas, podem ser modificados”. Aqui aparece a importância dos estudos sociais na saúde, por isso que Minayo (2006) afirma que a violência abrange as pessoas em sua totalidade biopsíquica e social, de forma dinâmica. Ela também afirma que muitos pesquisadores tentaram encontrar causas biológicas que motivam comportamentos agressivos, apontando a natureza humana como violenta, mas ao fazerem, justificavam suas conclusões com fatos sociais. É o caso da justificativa de que o homem é violento e mais forte pelo excesso de testosterona em seu organismo, que é superior à mulher pela evolução das espécies e mais conclusões naturalistas para justificar os papéis sociais de gênero, seguindo a mesma linha, por exemplo, das justificativas naturalistas – que constituem um conjunto de argumentação absurda e sem fundamentos concretos – para legitimar, por exemplo, a escravidão. Nessa perspectiva de análise, entendemos o feminicídio como uma questão de saúde pública, sendo que, a morte de mulheres pelo simples fato de serem mulheres representam riscos sociais e pessoais para quem pertence a esse gênero. 3 CONCLUSÃO No site oficial do Ministério da Saúde do Brasil, está disponível a informação sobre como o Sistema Único de Saúde (SUS) está lidando com os determinantes e condicionantes da violência, que também tem como enfoque principal a prevenção, 3251
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI priorizando os grupos em situação de vulnerabilidade. Se o feminicídio ocorre por uma situação de violência, onde o exercício da dominação/exploração já perdeu o poder - seja em um término de relacionamento, uma traição, ou qualquer outro motivo - a prevenção deve ser voltada para a revisão dos papéis de gênero. Contudo, como acrescenta Almeida (2007), é necessário ultrapassar as propostas focalistas e fragmentadas, necessárias, mas insuficientes para enfrentar as questões estruturais da violência. Além das políticas voltadas para a mulher, é essencialmente necessário Políticas para o homem, de prevenção e enfrentamento da masculinidade tóxica, que está na raiz das motivações do feminicídio. Logo, a violência estrutural de gênero tem a masculinidade tóxica como uma grande contribuinte, sendo um caso de saúde pública, localizada na produção de fatores externos de risco. Expõe a mulher à dominação/exploração, que quando não funciona simbolicamente, quando o exercício de poder não acontece, seja por “desobediência” da mulher - quando não faz tarefas domésticas ou não deseja manter relações sexuais com o parceiro; seja por uma traição, e o macho “vai defender a honra”; seja por um término de relacionamento não aceito, ou rejeição - “se não fica comigo, não ficará com mais ninguém”. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-dumará, 1994. ALMEIDA, Suely Souza de. Essa violência mal-dita. In: ALMEIDA, Suely Souza de. Violência de Gênero e Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Ufrj, 2007. Cap. 1. p. 23-41. BOURDIEU, Pierre. A Dominação masculina. 1ed. Rio de Janeiro: Bestbolso, 2014. P. 5- 139. Blay, Eva Alterman. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estudos Avançados. V. 17 n.49: p. 87-98. 2002. BRASIL. Secretaria de Saúde. Governo do Estado da Bahia. Causas Externas. 2019. Disponível em: <http://www.saude.ba.gov.br/suvisa/vigilancia-epidemiologica/causas- externas-2/>. Acesso em: 06 nov. 2019. BRASIL. Lei nº 13104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de 3252
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Lei do Feminicídio. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm>. Acesso em: 25 nov. 2019. BRASIL. Lei nº 11340, de 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 24 nov. 2019. CAMPOS, Carmen Hein de. Feminicídio no Brasil: Uma análise crítico-feminista. Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p.103-115, 7 ago. 2015. EDIPUCRS. SCOTT, Joan. Gender: a useful category of historical analyses. Gender and the politics of history. New York, Columbia University Press. 1989. MINAYO, MCS. Violência e saúde [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2006. Temas em Saúde collection. 132 p. ISBN 978-85-7541-380-7. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. OLIVEIRA, Clara Flores Seixas de. DE “Razões De Gênero” A “Razões De Condição Do Sexo Feminino”: Disputas De Sentido No Processo De Criação Da Lei Do Feminicídio No Brasil. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero, 11., 2017, Florianópolis. Anais. Florianópolis: D, 2017. p. 1 - 12. SAFFIOTI, Heleieth I. B. Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu, 2001, p. 115-136. SAFFIOTI, Heleieth I. B. O poder do macho. São Paulo: Editora Moderna. 1987. DAHLBERG, Linda L.; KRUG, Etienne G. Violência: um problema global de saúde pública. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11, p.1163-1178, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0>. Acesso em: 04 out. 2019 PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, história e poder. Rev. Sociol. Polít, Curitíba, v. 18, n. 36, p.15-23, jun. 2010. PIAUÍ. Secretaria de Segurança Pública do Estado do Piauí. Plano Estadual de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. Teresina, PI. Disponível em: < http://www.ssp.pi.gov.br/download/201812/SSP11_be52c4a779.pdf> Acesso em> 19 nov. 2019. 3253
EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS CONHECIMENTOS DE GESTANTES SOBRE ALEITAMENTO MATERNO E SEUS DIREITOS1 KNOWLEDGE OF PREGNANT WOMEN ABOUT BREASTFEEDING AND THEIR RIGHTS Larissa Lima Emérito2 Ivonete Moura Campelo3 Guida Graziela Santos Cardoso4 Layane Batista de Araújo5 RESUMO A amamentação constitui uma das dimensões fundamentais do cuidado à saúde da mulher e proteção da criança. O objetivo é identificar o conhecimento de gestantes sobre amamentação e seus direitos. Pesquisa transversal, com aplicação de questionários em 199 gestantes. Quase metade das gestantes tinham realizado até 4 consultas, a maioria das gestantes participou de palestra sobre amamentação. Vantagens do aleitamento materno foram mencionadas mais para a criança. Prejuízos do uso de outros leites, chupetas, mamadeiras eram do conhecimento de 73,1%. Orientações mais recebidas: importância da amamentação, perigos do uso de mamadeiras, outros leites, chupetas, pega e posição corretas e direito a acompanhante. Menos referidas: importância de participar de grupos de apoio, onde buscar apoio quando precisar e direitos. Conclui-se que são necessárias ações educativas que contemplem os direitos fundamentais de proteção à maternidade garantidos por lei. Palavras-Chaves: Amamentação. Maternidades. Direitos humanos. ABSTRACT Breastfeeding is one of the fundamental dimensions of women's health care and child protection. The objective is to identify the 1 Projeto coordenado pela Professora, Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição, Tutora do Programa de Educação Tutorial, Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected] 2 Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bacharel em Nutrição. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Saúde. E-mail: [email protected]. 3 Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestre em Nutrição. E-mail: [email protected] 4 Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bacharel em Nutrição. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comunidade. E-mail: [email protected] 5 Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, ex-bolsista do Programa de Educação Tutorial - PET - Integração – UFPI. E-mail: [email protected] 3254
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI knowledge of pregnant women about breastfeeding and their rights. Cross-sectional survey with questionnaires applied to 199 pregnant women. Almost half of the pregnant women had attended up to 4 consultations, most of the pregnant women participated in a lecture on breastfeeding. Advantages of breastfeeding were mentioned more for the child. Losses in the use of other milks, pacifiers, bottles were known to 73.1%. Most received guidelines: importance of breastfeeding, dangers of using bottles, other milks, pacifiers, correct grip and position and the right to a companion. Less mentioned: importance of participating in support groups, where to seek support when needed and rights. It is concluded that actions on the rights of women and children are necessary. Keywords: Breast-feeding. Maternities. Human rights. INTRODUÇÃO A ideia de que o leite materno é o melhor alimento para a criança é defendida por várias organizações de saúde, em busca da redução da morbimortalidade infantil (SOUZA; MELLO; AYRES, 2013). Segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o aleitamento materno deve ser a forma exclusiva de alimentação da criança até o sexto mês de vida, após esse período faz-se necessária a introdução gradual de outros alimentos (WHO, 2001). A composição do leite humano varia conforme as necessidades do lactente. Especificamente para bebês prematuros o leite materno favorece a maturação gastrintestinal, diminui a incidência de infecções, aumenta o desempenho neuropsicomotor, reduz o tempo de hospitalização e a incidência de reinternações (FERREIRA et al., 2017). As vantagens da amamentação vão além do aspecto nutricional, pois protege o bebê contra doenças no início da vida, e pode reduzir o risco de doenças crônicas não transmissíveis. A lactação oferece vantagens não somente ao bebê, mas também à mãe, à família e ao Estado (MARQUES; COTTA; PRIORE, 2011). Dentre as vantagens que o aleitamento proporciona para a saúde materna destacam-se redução do estresse, melhora do humor, sensação de bem-estar, estímulo da contração uterina mediada pela ocitocina, além de reduzir o risco de algumas doenças como câncer, osteoporose e artrite reumatoide (WHO, 2001). As vantagens da amamentação para a economia das famílias, instituições de saúde e governos podem ocorrer de forma direta e indireta. Estes benefícios são diretos 3255
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI quando se compara o custo da amamentação com o do uso de substitutos do leite humano e indiretos, quando se leva em consideração os gastos com doenças relacionadas à utilização de fórmulas artificiais. Crianças em amamentação exclusiva possuem melhor qualidade de vida, apresentando menos episódios de adoecimento e menor gasto com medicamentos e hospitalizações (ARAÚJO et al., 2004). Apesar das evidências cientificas a respeito dos benefícios do aleitamento materno, seus índices e duração permanecem abaixo dos níveis recomendados pela OMS e o Ministério da Saúde do Brasil. O estímulo à amamentação na da primeira meia hora de vida, como aconselha a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), ainda não é efetivamente praticado em muitos países (BRASIL, 2015; HASHIM et al., 2017). O sucesso do aleitamento materno está intimamente relacionado a uma série de fatores (FALEIROS; TREZZA; CARANDINA, 2006). A amamentação requer esforços de diversos seguimentos e atores na perspectiva de auxiliar e orientar à mulher e sua família, por ser um dos processos humanos que integram dimensões de natureza biológica, psíquica e sociocultural. Nesse contexto, o profissional de saúde exerce papel crucial. Um bom conhecimento desses profissionais é fundamental no incentivo e apoio a lactação (CASTRO; ARAÚJO, 2006; CANÇADO; PEREIRA; FERNANDES, 2009). Em relação aos direitos que atendam às necessidades específicas das gestantes o Sistema Único de Saúde (SUS) vem construindo uma sólida base jurídica e um conjunto de políticas públicas para garantir os direitos dessas mulheres e do bebê de forma segura e digna (ARAÚJO et al., 2017). Embora haja respaldo legal, um contingente elevado de gestantes desconhece seus direitos e não os tem garantido em várias maternidades brasileiras. Esse cenário justificou a realização do presente estudo, que buscou identificar o conhecimento de gestantes sobre aleitamento materno e seus direitos. 2 MATERIAIS E MÉTODOS Caracterização do estudo Trata-se de um estudo descritivo, com delineamento transversal e abordagem quantitativa que integra o projeto de extensão intitulado “Acolher: em busca da 3256
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI promoção e proteção do aleitamento materno”, realizado em uma maternidade pública de Teresina - PI, selecionada por ser certificada pela IHAC. Amostra e critérios de elegibilidade A amostra foi do tipo intencional e compreendeu 119 gestantes que estavam em atendimento na maternidade, entre os meses de outubro de 2016 a fevereiro de 2017. Foram incluídas as mulheres que atenderam os seguintes critérios: gestantes em acompanhamento de pré-natal, que estavam na sala de espera ambulatorial e internadas. Procedimentos e instrumentos da pesquisa Inicialmente, estabeleceu-se contato com a direção da instituição solicitando permissão para a realização da pesquisa. Logo a seguir, foi realizado o convite pelos participantes do estudo, de forma individualizada às gestantes durante o horário de atendimento nas salas de espera e enfermarias de internação da maternidade. Nesse momento, as gestantes eram informadas sobre os objetivos e métodos da investigação, e foram incluídas aquelas que concordaram em participar, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme critérios éticos estabelecidos na Resolução 466/12 (BRASIL, 2012). Foi utilizado um questionário semiestruturado, previamente testado, contendo perguntas acerca do aleitamento materno e dos direitos referentes ao período gestacional. As entrevistas, realizadas individualmente, foram conduzidas pela equipe de estudantes de graduação da área de saúde e bolsistas do programa de educação tutorial da Universidade Federal do Piauí. Análise dos dados Os dados foram organizados em planilhas do Excel e exportados para o software Stata®, v.12 (Statacorp, College Station, Texas, USA) para a realização de análise descritiva das variáveis observadas apresentadas por tabelas com frequências absoluta (n) e relativas (%), cálculo de médias e desvios-padrão. 3257
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO A pesquisa realizada com 119 gestantes revelou que as participantes tinham, em média, 26±6,86 anos, sendo 15 anos a idade mínima e a máxima, 44 anos. A idade gestacional média encontrada foi 27 semanas. A atenção pré-natal é um fator essencial para a proteção do binômio mãe-bebê, identificação de fatores de risco e prevenção de eventos adversos, além de ser um momento propício para a aquisição de conhecimentos. A decisão de amamentar muitas vezes ocorre durante o pré-natal e o aprendizado adquirido nesta etapa exerce influência na duração do aleitamento materno (NASCIMENTO et al., 2013). A maioria das gestantes desta pesquisa (58%) havia assistido a alguma palestra sobre amamentação e dentre elas, 85,5% na maternidade referenciada. Este resultado assemelha-se com de Barbosa et al. (2017), conduzido em três hospitais com o título de HAC no norte de Minas Gerais, no qual 57,6 % das gestantes receberam orientações em relação à amamentação durante o pré-natal. Ressalta-se que, no presente estudo, a maioria das entrevistadas encontrava-se nas primeiras consultas (46,2% haviam realizado até 4 consultas). A palestra é um instrumento de educação importante, que transmite informações seguras acerca dos temas pertinentes à clientela e permite esclarecer dúvidas e questionamentos. Simioni, Comiotto e Rêgo (2005), em pesquisa realizada durante o período gestacional e após o nascimento dos bebês de mulheres em acompanhamento pré-natal em um hospital na cidade de Natal (RN) constataram que a palestra educativa durante o período gestacional favoreceu atitudes positivas realizadas no pós-parto, porém faz-se necessário o acompanhamento da puérpera e do núcleo familiar para que estes hábitos sejam efetivados. Observou-se que 45,3% das mulheres tiveram direito a acompanhante na gestação anterior. Reitera-se que é direito da mulher, garantido pela lei 11.108/2005, ter um acompanhante de sua escolha durante o pré-parto, parto e pós-parto (BRASIL, 2005). Figueroa Pedraza (2016), em seu estudo com 633 mães de crianças menores de 1 ano em Campina Grande (PB), constatou que 31,1% dos partos destas mulheres foram realizados sem a presença de acompanhante. 3258
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Das gestantes entrevistadas, 63,9% referiram partos anteriores, ou seja, eram multíparas. Dentre essas, 56,6% afirmaram ter segurado o bebê logo após o parto e 79,7% disseram que amamentaram na primeira hora. A amamentação exclusiva por até 6 meses foi relatada por 71,1%. Apesar de representar a maioria, tais resultados ainda não atendem às recomendações, pois de acordo com a OMS, a amamentação deve ser exclusiva até o sexto mês de vida da criança e complementada com outros alimentos até os dois anos ou mais. Contudo, foram superiores ao detectado pela II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal (PPAM/Capitais e DF), realizada em 2008 pelo Ministério da Saúde. De acordo com os resultados da referida pesquisa, a prevalência do aleitamento materno exclusivo (AME) foi de 41,0% e a duração mediana do aleitamento materno foi de 11,2 meses (BRASIL, 2009). O aumento da prática do aleitamento materno no Brasil observado nas últimas décadas é reflexo de ações educativas realizadas por profissionais de saúde embasados por programas criados para fortalecer as estratégias de promoção e proteção ao aleitamento materno, que tem sido bem aceito por seu público-alvo – gestantes e puérperas. Tais ações ecoam em um impacto positivo na redução da morbimortalidade infantil. A IHAC, implementada em vários países, é uma estratégia potencial nas taxas de aleitamento materno (LAMOUNIER et al., 2008). Em relação aos conhecimentos da gestante, 82,4% das entrevistadas soube citar vantagens do aleitamento materno para a criança e 48,7%, citaram benefícios para a mãe. Segundo Raimundi et al. (2015), as vantagens da amamentação para a mulher, apesar da grande relevância, não são tão difundidas quanto os benefícios que a amamentação proporciona ao bebê. No estudo realizado por Takushi et al., (2008) com 164 gestantes durante a assistência pré-natal, quando questionadas sobre os motivos para amamentar, somente 3,7% das mulheres referiu benefícios relacionados à saúde materna em seus relatos, enquanto as vantagens para a saúde da criança foram argumentos dados por 73,8%, reforçando que a amamentação é predominantemente centrada na saúde do bebê, e muitas vezes o bem estar materno é deixado em segundo plano nas orientações. O contato pele-a-pele após o parto, recomendação contida no quarto dentre dez passos para o sucesso do aleitamento materno recomendados pela IHAC, foi citado por 3259
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 49,6% das gestantes. Este resultado é semelhante ao de Sampaio, Bousquat e Barros (2016), que em pesquisa realizada em uma maternidade pública municipal de João Pessoa com título de HAC, observaram que 42,9% das gestantes receberam orientação sobre amamentar o bebê na primeira meia hora de vida durante o pré-natal. O contato pele a pele promove o aleitamento materno, auxilia o desenvolvimento do recém- nascido, proporciona estabilidade térmica e expulsão da placenta. Além disso, reduz o estresse materno e fortalece o vínculo entre mãe e filho (SANTOS et al., 2014). De acordo com a presente pesquisa, a importância do alojamento conjunto foi o conhecimento menos mencionado pelas gestantes, sendo relatado somente por 37,8% das entrevistadas. O alojamento conjunto (AC) consiste em manter a mãe junto ao bebê sadio 24 horas por dia durante sua permanência no hospital. Ele é capaz de fortalecer o vínculo entre mãe e filho e estimular a amamentação em livre demanda, sendo um facilitador do cuidado materno. Desta forma, destaca-se a importância desse conhecimento e espera-se seja mais difundido durante o puerpério, momento em que esta vivência será realizada (PILOTTO; VARGENS; PROGIANTI, 2009). O conhecimento mais citado pelas mulheres (73,1%) foi em relação ao uso de outros leites, chupetas e mamadeiras. Sabe-se que o emprego de confundidores de mamadas é um fator contribuinte para o desmame precoce, torna a criança mais susceptível a infecções e causa confusão de bicos. No estudo de Santana, Brito e Santos (2013) observou-se que 56,3% das gestantes alegaram pretensão de usar chupeta ou mamadeira durante o período de amamentação e, dentre as gestantes multíparas, 75% consideraram essa prática prejudicial, apesar do seu uso. O uso desses utensílios deve-se a fatores culturais, influência de amigos e parentes e, ainda, ao uso como alternativa para acalmar a criança. Na espécie humana, diferente de outros mamíferos, o aleitamento materno não é motivado somente pelo extinto. Há um processo de aprendizado que é passado, de geração a geração, por mulheres mais experientes para as mais jovens. Este conhecimento é permeado por mitos e crenças que poderá levar a puerpera apresentar dificuldades no processo de amamentação, cabendo ao profissional contribuir para prevenção e superação de tais obstáculos. Providencias essas que deverão ser iniciadas, com a mulher e com a comunidade que a envolve, no decorrer da assistência pré-natal (SOUZA et al., 2009). 3260
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Apesar do reconhecimento da importância da qualidade da assistência no acompanhamento do pré-natal, verificou-se que havia mulheres com oito meses de gravidez que não tinham participado das palestras e mostraram possuir pouco ou nenhum conhecimento a respeito da amamentação. Ao avaliar o conhecimento de 160 gestantes e puérperas e a aplicação da lei do acompanhante em duas maternidades filantrópicas no estado de Sergipe, Santos et al., (2016) observaram que 57,5% desconheciam a referida lei, 66,2% não dispuseram da presença de um acompanhante durante o pré-parto, parto e pós-parto e somente 41,4% das puérperas tiveram acompanhamento no pós-parto imediato, revelando fragilidade na aplicação e cumprimento da legislação e a não difusão do conhecimento da norma jurídica relacionada ao direito da proteção à maternidade. Apesar da existência de diversos documentos legais que favorecem a gestação e determinam o direito da grávida de ter acesso aos serviços, receber informação de qualidade e assistência adequada e completa no pré-natal, parto e pós-parto uma minoria das mulheres tinha esse conhecimento (SILVA et al., 2013). Neste estudo, as orientações recebidas mais citadas pelas gestantes foram sobre a importância da amamentação, perigos do uso de mamadeiras, outros leites e chupetas; pega e posição correta na amamentação e direito a um acompanhante de sua escolha, representando 61,3%, 60,5%, 58,8% e 58,8%, respectivamente. Vasconcelos et al., (2008) em estudo realizado com puérperas em alojamento conjunto de um HAC em Fortaleza (CE), verificou que 74,7% das mulheres relataram ter sido orientadas acerca do aleitamento materno durante o acompanhamento pré-natal. No estudo de Nascimento et al., (2013) realizado em quinze hospitais vinculados ao SUS no município do Rio de Janeiro, constataram que no HAC o percentual de gestantes que receberam orientações foi superior ao encontrado em hospitais não credenciados pela IHAC. Assim, o conhecimento sobre a importância do alojamento conjunto representou 60,0% vs 20,1%; como amamentar: 65,4% vs 39,7%; e os prejuízos sobre o uso de bicos e outros leites: 66,9% vs 32,8%. Nesta pesquisa, apenas 34,5% das entrevistadas afirmaram ter recebido instruções sobre onde buscar apoio em casos de dificuldades e 21,0% foram orientadas sobre a importância de participar de grupos de apoio. Apesar do recebimento de informações sobre pega, posição e amamentação de forma adequada durante o 3261
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI acompanhamento pré-natal, a mãe estará sujeita ao desmame precoce após o retorno para casa, em decorrência da inexperiência e insegurança. Assim, os grupos de apoio tornam-se ferramentas necessárias para a promoção e proteção do aleitamento materno, fazendo-se indispensável que a gestante tenha este conhecimento e saiba onde buscar assistência em casos de necessidade (RAIMUNDI et al., 2015). Na pesquisa realizada por Cruz et al., (2010), 70% das mães afirmaram ter recebido orientações sobre aleitamento materno, enquanto 34% e 25% receberam apoio de grupos durante o pré-natal e o pós-parto, respectivamente. Brasileiro et al., (2012) em investigação com trabalhadoras formais, do município de Piracicaba (SP), que voltaram ao trabalho antes de seus filhos completarem seis meses de vida, verificaram que as participantes de grupos de incentivo à amamentação não ofereceram chupetas e mamadeiras, e apresentaram um maior tempo médio de aleitamento materno. 4 CONCLUSÃO Os resultados indicam que as orientações sobre aleitamento materno estão centradas mais nos aspectos biológicos da amamentação (vantagens, manejo da lactação, entre outras), evidenciando-se a necessidade de que sejam incluídas informações relativas aos direitos fundamentais da mulher e da criança para a garantia da prática da amamentação como estratégia de promoção da saúde materno-infantil. Portanto, é importante tratar dessa questão com prioridade favorecendo a qualificação do profissional de saúde, o desenvolvimento de ações educativas a cerca direitos de proteção à maternidade garantidos por lei e de cuidados no processo gestacional. REFERÊNCIAS ARAÚJO, L. B; SOUSA, M. V; EMÉRITO, L. L; CAMPELO, I. M; CARVALHO, C. M. R. G. Partilhando conhecimentos sobre promoção do aleitamento materno e direitos da gestante no pré-natal. Revista Extensão, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, v.11, p.10-17, 2017. ARAÚJO, M. F. M. FIACO, A. D; PIMENTEL, L. S; SCHMITZ, B. A. S. Custo e economia da prática do aleitamento materno para a família. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 4, n. 2, p. 135-141, 2004. 3262
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BARBOSA, G. E. F. et al. Dificuldades iniciais com a técnica da amamentação e fatores associados a problemas com a mama em puérperas. Revista Paulista de Pediatria, v. 35, n. 3, p. 265-272, 2017. BRASILEIRO, A. A. et al. A amamentação entre filhos de mulheres trabalhadoras. Revista de Saúde Pública, v. 46, p. 642-648, 2012. BRASIL. Secretaria de Assistência à Saúde. Estratégia Nacional para Promoção do Aleitamento Materno e Alimentação Complementar Saudável no Sistema Único de Saúde: manual de implementação. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. ______. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 dez. 2012. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009. ______. Lei nº 11.108 de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990, para garantir as parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União, 8 abr 2005. ______. Coordenação Nacional DST/AIDS. Secretaria Executiva. Coordenação-Geral da Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Guia prático de preparo de alimentos para crianças menores de 12 meses verticalmente expostas ao HIV. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. CANÇADO, I. A. C; PEREIRA, F. M; FERNANDES, R. M. Avaliação do conhecimento em nutrição de gestantes atendidas pela Estratégia de Saúde da Família (ESF) da cidade de Pará de Minas–MG. SYNTHESIS: Revista Digital FAPAM, v. 1, n. 1, p. 318-327, 2009. CASTRO, L. M. C. P.; ARAÚJO, L. D. S. Aspectos socioculturais da amamentação. Aleitamento materno: manual prático, v. 2, 2006. CRUZ, S. H. et al. Orientações sobre amamentação: a vantagem do Programa de Saúde da Família em municípios gaúchos com mais de 100.000 habitantes no âmbito do PROESF. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 13, p. 259-267, 2010. FALEIROS, F. T. V; TREZZA, E. M. C; CARANDINA, L. Aleitamento materno: fatores de influência na sua decisão e duração. Revista de Nutrição, v. 19, n. 5, p. 623-630, 2006. FERREIRA, C. K. M; SOUSA, C. L; SOARES, C. M; LIMA, M. N. F. A; BARRETO, C. C. M. Composição do leite humano e sua relação com a nutrição adequada a recém-nascidos pré-termos. Temas Em Saúde, v.17, n. 1, p. 118-146, 2017. 3263
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EIXO TEMÁTICO 7 | DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ESTUDO DE MORTES VIOLENTAS EM SOBRAL: práxis e sentido na atuação da política pública de prevenção de violências Maria de Nazaré Eufrásio Alves1 Savanya Shell de Oliveira Sousa2 Hortência Veras Mangabeira3 RESUMO O artigo propõe uma discussão sobre os diálogos intersetoriais das políticas públicas frente ao fenômeno da violência. Sendo esta entendida como uma problemática que envolve os campos da saúde e da segurança pública, integrada aos efeitos produzidos pelas desigualdades sociais em relação aos efeitos produzidos pelas ausências de garantias de direitos. Esse trabalho é fruto de experiências produzidas pela Célula de Estudos de Mortes Violentas da Unidade de Gerenciamento de Projeto de Prevenção de Violência da cidade de Sobral/Ce. O estudo evidencia a utilização genograma e ecomapa nos Estudos de Mortes Violentas dentro das perspectivas de evitabilidade de novas mortes na adolescência. Palavras-Chaves: Violência. Política Pública. Intersetorialidade. ABSTRACT This article proposes a discussion about the intersectoral dialogues of the Public Policy regarding the violence phenomenon. The violence problematic involves health and security public fields, and it’s associated to social inequalities and absence of human rights guarantee effects. This research resulted from experiences produced by Cell of Studies of Violent Deaths that’s belonging to Project Management Unit for the Prevention of Violence in the city of Sobral, State of Ceará. The research highlights the utilization of the Health tools Genogram and Eco maps in the Studies of prevention of Violent Deaths in the adolescence. Keywords: Violence. Public Policy. Intersectoral collaboration. 1 Estudante de Psicologia na Universidade Federal de Campina Grande, [email protected] 2 Psicóloga e Gerente da Célula de Estudos de Mortes Violentas da UGP-PV, [email protected] 3 Gerente da Célula dos Comitês Territoriais da UGP-PV, [email protected] 3266
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO A violência é um fenômeno complexo entendido como acontecimento público e social nas relações humanas no mundo. Ao passo que esta é percebida pelos sujeitos como pertencente à natureza dos laços humanos, é também responsável por produzir danos aos processos subjetivos e simbólicos dos sujeitos e, consequentemente, às suas relações comunitárias. Tal fenômeno é enfrentado pelas mais diversas populações e em sua maioria aparece como dispositivo de emancipação política e sociodemográfica. Sobre isto, Dahlberg e Krug (2006) afirmam que a violência naturalmente permeia a experiência humana e tem repercussões mundiais. As guerras são exemplos disto, entretanto, Vieira (2007) afirma que o termo “guerra” precisa ser entendido para além de conflitos armados mas, sobretudo, como atritos coletivos e sociais. As guerras, em termos gerais, são eventos violentos que deixam marcas de emancipação e retrocesso, de modo a influenciar nas formas de organização social que hoje é usufruído (VIEIRA, 2007). Nesse sentido, o arcabouço histórico-social revela o quão as violências, dentro de suas variadas formas de se manifestar, são fenômenos que contam histórias e demarcam processos de subjetivações. Diante disso, pode-se falar sobre as violências simbólicas e estruturais presentes na sociedade, as quais são entendidas como produção de preconceitos e de invisibilidades de grupos à margem de um padrão social, este produzido e sustentado por várias violações. As marcas deixadas pelos conflitos somam custos irreparáveis para as sociedades, com relação a isso, o Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde de 2002 revela que as perdas humanas e os sofrimentos produzidos são imensuráveis e passam por um processo de invisibilidade. Tal relatório constata ainda que a violência está entre as grandes causas de morte de pessoas entre 15 e 44 anos. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2019), homicídio é a morte de uma pessoa causada pela ação intencional de outra(s). No Brasil, os homicídios revelam o processo de desigualdade estrutural do País, evidenciado pela concentração das mortes violentas em territórios específicos, como as comunidades periféricas, aos quais jovens negros e pobres são alvos de negligência e violação de direitos. O endereço, a cor, a classe social e a faixa etária são registros que informam, quais são os alvos dessas 3267
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI guerras. Em consonância com as afirmações supracitadas, o Atlas da Violência de 2017 conceitua mortes violentas como sendo morte de causas indeterminadas e não naturais. De acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10), mortes violentas são compreendidas como: operações de guerra, acidentes, lesões autoprovocadas, agressões, entre outros. Nesse contexto, a criação de estratégia para prevenção de violência emergiu para o enfrentamento de violação de direitos e de mortes sem causas e precedentes. A partir de então, articulações de frentes federais, estaduais e municipais foram criadas em prol da garantia de direitos e acesso à políticas públicas de saúde, educação, renda, habitação, cultura, esporte e lazer. Com base nisso, evidencia-se a importância de pensar o conceito de violência de forma ampliada e conectada com a realidade de cada população. O Ceará possui elevados índices de mortes e incidência de criminalidade e ocupa o terceiro lugar na classificação dos Estados brasileiros com maior número de mortes na faixa etária de 12 a 18 anos. Com efeito, o Ceará foi um dos estados a aderir estratégias de enfrentamento a homicídios e mortes violentas de jovens. Um marco importante foi a criação do Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência. De acordo com o relatório Cada Vida Importa de 2016, tal comitê tem por objetivo conhecer de forma aprofundada a problemática da violência que tanto assola as instâncias sociais e da saúde. “O Comitê é, portanto, uma instância de estudo, debate, mobilização e projeção, congregando diversos atores e instituições num esforço interinstitucional pela vida.” (CADA VIDA IMPORTA 2016, p.05). O Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência se debruçou sobre o conhecimento do plano de fundo do fenômeno da violência entre as juventudes e como esses eventos impactavam a trajetória de vida de outros jovens e seus respectivos familiares. Por conseguinte, o trabalho do Comitê foi inteiramente de estudos, descobertas, planejamentos, formação e estratégias para ações assertivas. Sobral é um Município cearense com expressivo índice de violência letal e que, de acordo com o Relatório do Cada Vida Importa de 2016, adotou às metodologias do Comitê Cearense para o enfrentamento da violência. Ademais, na gestão do Prefeito Ivo Gomes, foi criado a Unidade de Gerenciamento de Projeto de Prevenção de Violência (UGP-PV), estruturada pela equipe regional do Pacto por um Ceará Pacífico da vice 3268
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI governadoria do estado e subsidiados pelas recomendações do Comitê Cearense sobre as variáveis relacionadas à prevenção, são elas: vulnerabilidade de quem cuida; falta de atendimento à rede de amigos e familiares dos adolescentes assassinados; territórios vulneráveis a homicídio; abandono escolar; experimentação precoce de drogas; vida comunitária conflituosa; oportunidade de trabalho e renda; intervenção violenta da polícia; violência armada; mídia sem violação de direitos; entre outros. De acordo com o relatório do Cada vida Importa de 2017, tais políticas têm por objetivo pautar e fortalecer a intersetorialidade e a corresponsabilização de gestores e comunidades. A criação de tais políticas reforça o acolhimento integral dos sujeitos que têm seus direitos violados e trajetórias interrompidas, assim como o olhar ampliado para as formas de violência existentes. A Organização Mundial da Saúde reforça que violência é “o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2002). O trabalho intersetorial, produz um cuidado centrado nas pessoas e nas realidades comunitárias, além de ser uma estratégia para a prevenção das violências. Para Dahlberg e Krug (2006), os setores têm papéis fundamentais no trabalho coletivo de enfrentamento ao fenômeno da violência, bem como na organização de estratégias de prevenção. A construção de uma rede de acolhimento e trabalho para o atendimento das demandas é indispensável dentro do trabalho de enfrentamento à violência e mortes violentas. De acordo com o relatório Cada Vida Importa de 2017, as práticas intersetoriais corroboram para organização de um atendimento global das famílias e amigos dos jovens vítimas de mortes violentas. Os estudos sobre as mortes violentas são metodologias da gestão de políticas públicas transversais para o cuidado dos jovens e familiares de pessoas assassinadas, a fim de traçar encaminhamentos intersetoriais de cuidado para os familiares dos adolescentes e jovens próximos da vítima para evitar futuras mortes. “A Célula de Estudos de Mortes Violentas, que provoca gestores públicos e outras instituições que tiveram contato mais próximo com a jovem vítima de homicídio a pensar conjuntamente modos de atuação pautados na evitabitabilidade de mais mortes violentas.” (CADA VIDA IMPORTA, 2017, p. 42). Sendo então, uma estratégia de promoção de saúde e garantia 3269
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de direitos. Por conseguinte, nesses estudos é possível a utilização de duas ferramentas de saúde: genograma e ecomapa. O genograma evidencia as relações familiares para garantia do cuidado integral destes/as. O documento publicado pelo Ministério da Saúde em 2013 sobre o Melhor em Casa revela que o genograma é uma forma de identificar a dinâmica familiar e suas implicações no estabelecimento de vínculos, por meio de símbolos gráficos. No mesmo documento é relatado que o ecomapa é a compreensão da relação com outros grupos ou instituições e como esses são determinantes para mudança na trajetória dos jovens. Além disso, tais ferramentas de saúde são importantes para os estudos quanto ao percurso do(a) adolescente e/ou jovem dentro das políticas pública. Essas ferramentas colaboram para um estudo assertivo e intersetorial das relações humanas e institucionais. As ferramentas de gestão em saúde supracitadas podem potencializar prevenção de homicídios na adolescência, visto que os registros dos equipamentos sobre a entrada e/ou procedimentos feitos pelo jovem e seus familiares, dão subsídios para um estudo mais direcionado e customizado. Os relatórios da política de assistência, às informações dos prontuários familiares do Centro de Saúde da Família e as informações da escola por meio de relatórios, boletins, observações e relatos orais, são imprescindíveis para uma comunicação em rede para prevenção de violências. 2 OBJETIVO O objetivo do estudo é discutir a relevância da Célula de Estudos de Mortes Violentas e do trabalho intersetorial sob a interface de genogramas e ecomapas para o enfrentamento da violência na cidade de Sobral/Ce. 3 METODOLOGIA Trata-se, de um estudo descritivo exploratório do tipo relato de caso acerca da violência e seus desdobramentos, envolvendo um estudo bibliográfico sistematizado, a fim de adquirir um aprofundamento relativo a temática da violência e o entrelaçamento com o campo da saúde. Para Gil (2002), pesquisas exploratórias têm o intuito de refinar as ideias a respeito de uma determinada temática, a fim de aprimorar as pesquisas já existentes, possibilitando o entendimento sobre os diversos aspectos da mesma. De 3270
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI acordo com Selltiz et al (1967, p. 63. Apud GIL, 2002, P. 41), esse tipo de estudo requer três exigências, são elas: levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e análise de exemplos que estimulem a compreensão. No primeiro momento, fez-se um apanhado na literatura sobre os aspectos epistemológicos da violência, seus desdobramentos e sua relação com as mortes violentas presentes no contexto brasileiro. Ademais, realizou-se uma pesquisa em bases de dados científicos utilizando a associação de descritores: violência; saúde; enfrentamento; prevenção. Também foram consultados relatórios e documentos oficiais com recomendações para estruturações de políticas públicas de enfrentamento à violência dentro das frentes mundiais, nacionais e regionais, assim como deliberações federais, estaduais e municipais. Tais como: Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde de 2002; a Atlas da Violência de 2017 e 2019; o Anuário Brasileiro de Segurança Pública publicado em 2019 e o relatório do Cada Vida Importa de 2016 e 2017. Foi feito um compilado do que tais documentos tinham a fornecer sobre as formas de violências e como essas têm repercussões na trajetória de jovens assassinados. No segundo momento, houve a explanação dos marcos centrais para criação de políticas focadas para prevenção da violência e como essa tem sido executada pelo município de Sobral/Ce. Com foco nas experiências da Célula Estudo de Mortes Violentas que é vinculada a Unidade Gerenciamento de Prevenção de Violência e faz parte da Secretaria de Direitos Humanos, Habitação e Serviço Social do município. Respaldado no Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, as atividades da Unidade de Gerenciamento de Projetos Prevenção de Violência - UGP-PV são intersetoriais e estratégicas para o acompanhamento das trajetórias já interrompidas e para o cuidado das que estão vivenciando processos de vulnerabilização similares. No terceiro momento, relata-se um caso para exemplificar e contribuir para o entendimento das lacunas existentes sobre o fenômeno que atravessam as mortes violentas de jovens periféricos. Segundo com Kienle e Kiene (2011), o relato de caso precisa ser conciso e detalhado e quando aliado a uma fundamentação teórica colabora com a confiabilidade das evidências apresentadas. 3271
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4 DESENVOLVIMENTO As mortes violentas são configuradas como uma problemática de saúde e segurança pública. As interlocuções teóricas indicam a importância de abordar a violência de uma forma ampliada e, apoiada nisso, contextualizada aos manejos e as formas singulares de olhar para esse fenômeno que é macro e micropolítico. As violências estruturais, produzidas pelo Estado, são danosas e produzem um ciclo jamais rompido, pois é alimentado pelas desigualdades. O endereço, a cor e a classe social são marcadores importantes para essa tipologia de violência, pois quanto mais o sujeito esteja à margem da sociedade menos direitos são garantidos. Essa Lógica segue o projeto capitalista e neoliberal presente na sociedade brasileira atual (Dahlberg, 2006; Marquetti, 2014; Souza, 1994). Sobre isso o Relatório do Cada Vida Importa relata: Sabemos e é preciso repetir: essas mortes têm endereço, classe social, raça, gênero, local de moradia. Além disso, precisamos mais ainda mostrar a resistência da periferia. Há dezenas de coletivos que fazem arte, cultura, política e que guardam uma potência incrível de reescrever vidas. (CADA VIDA IMPORTA 2017, p. 05). É possível investir no potencial dos jovens periféricos e transcender as normativas sociais que segregam e produzem adoecimentos. Os achados alertam que os olhares das políticas públicas precisam voltar-se para as realidades das juventudes, sendo construídas e executadas junto aos jovens, para não se tornar uma prática sem sentido emancipatório ou burocratizada, tornado-se, então, conivente com as negações de direitos essenciais dos sujeitos. Nesse sentido, Barros e Aranhas (2010) reforçam que essas violências, conhecidas como estruturais, aparecem como uma forma de vida, a qual faz parte dos dias vividos pelos os jovens periféricos. Reflete-se sobre o quão essas violências são naturalizadas e invisibilizadas, de modo que constroem as barreiras e segregam mediante cor da pele, endereço e classe social desses jovens. Sobre isso, Soares (2005) colabora ao afirmar que são em situações de negação de melhores condições de vida que as taxas de homicídios aparecem como alarmantes. Cerqueira (2012) fala que os homicídios geralmente acontecem na rua, por meio de arma de fogo, em jovens pretos ou pardos de vinte anos, com nível escolar de ensino 3272
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI médio. Nessa perspectiva, as políticas públicas que atendem essa juventude precisam estar conectadas para construção de uma rede de apoio sólida e acolhedora para o perfil juvenil evidenciado. Como colabora o relatório Cada Vida Importa: Dentre as recomendações relacionadas às prefeituras, estão incluídos protocolo intersetorial (saúde, assistência e segurança) de atenção às famílias de adolescentes vítimas de homicídio; ações de prevenção por meio de programas e projetos que foquem na rede de amigos e familiares dos adolescentes assassinados; a busca ativa pelo monitoramento da frequência escolar aos meninos e meninas que deixaram a escola; programas de atendimento aos adolescentes com oficinas artísticas, culturais e esportivas; e cooperação da sociedade civil com o Sistema Único de Assistência Social (CADA VIDA IMPORTA 2017, p. 40). Diante disso, infere-se que a Escola, o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), o Centro de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS), o Centro de Saúde da Famíla (CSF) e as Políticas de Prevenção de Violência precisam estar ligados e trabalhando em conjunto para atender as recomendações de prevenção à violência. O trabalho intersetorial, além de potencializar o acolhimento integral dos sujeitos de direitos, produz reflexões importantes sobre o papel dos profissionais nas trajetórias dos jovens que têm suas vidas interrompidas. Provocam questionamentos sobre o fazer diário das políticas públicas com os jovens e familiares que perderam um parente por morte violenta. A intersetorialidade é, então, responsável por novos significados do fazer profissional. Além disso, o fazer intersetorial é produtor de formação, e inspira a construção de momentos de ensino e aprendizagem, de escuta e de fala, de questionamento e abertura para alteridades. As contribuições do campo da saúde agem sobre um viés interdisciplinar e de ações coletivas, a fim de produzir corresponsabilização e engajamento das políticas públicas e da sociedade civil, conforme ressaltam Dahlberg e Krug (2006). Sobre isso, Carvalho e Mendes (2014) corroboram ao dizer que a educação emerge nas práticas de reuniões para discussão e diálogos coletivos sobre problemáticas afins, sendo propositiva para o rompimento de perspectivas individualistas, onde cada conhecimento precisa ficar dentro um caixa imutável e intocável. O campo da saúde é um dos grandes responsáveis pela produção de conhecimento sobre diversas formas de prevenção, seja elas de doenças simples até 3273
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI acidentes violentos. Em interlocução com Dahlberg e Krug (2006), desde a década de 80 a Saúde Pública desenvolve um trabalho importantíssimo sobre as temáticas da violência. A partir de então os estudos e as intervenções da saúde tiveram enfoque no conhecimento aprofundado do fenômeno e das formas de prevenção. Os autores afirmam ainda que as ações violentas têm relação com as condições socioeconômicas, políticas e culturais e podem ser modificadas por meio de ações individuais e comunitárias. “A saúde pública caracteriza-se, sobretudo, por sua ênfase em prevenção. Mais do que simplesmente aceitar ou reagir à violência, seu ponto de partida reside na forte convicção de que o comportamento violento e suas consequências podem ser prevenidos e evitados.” (Dahlberg & Krug, 2006, p 03). A partir disso, é possível refletir sobre as construções do campo da saúde para a prevenção da violência e sua conexão com o trabalho da Célula de Mortes Violentas no município de Sobral - CE. O Genograma e o Ecomapa são ferramentas preconizadas pela saúde e têm influência positiva em outros campos. O uso desse dispositivo para prevenção de violência colabora com o conhecimento aprofundado das relações afetivas, familiares, sociais e institucionais dos jovens vítimas de mortes violentas. A compreensão da trajetória desse jovem é uma forma estratégica de produzir políticas públicas e sociedades sensíveis e humanas, capazes de se corresponsabilizar pelas vidas produzidas por elas. Os instrumentos supracitados, de acordo com Ministério da Saúde, são efetivos inclusive na identificação de violações de direitos por partes das instituições responsáveis pela trajetória dos jovens. Os encontros da Célula de Mortes Violentas estudam os casos de mortes violentas no Território I em Sobral, composto pelos bairros Vila União, Nova Caiçara e Terrenos Novos no município de Sobral e analisam seus desdobramentos com o intuito de elaborar estratégias de cuidado para e com as pessoas envolvidas. Para exemplificar, explanamos um dos casos estudados pela célula e quais foram os encaminhamentos e as deliberações das políticas envolvidas no caso. As etapas para a realização do estudo descrito são: a partir do homicídio identifica-se os dados iniciais, solicita-se documentos sobre o jovem e família às políticas públicas, analisa-se todo o histórico e contexto, narra-se essa trajetória e constrói-se uma linha do tempo com as informações documentadas. A partir disso, constrói-se genograma e ecomapa iniciais e agenda um estudo com os profissionais da rede. Realiza- 3274
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI se o estudo e aprofundam-se às análises. No estudo, elabora-se as estratégias e o plano de cuidado para família, documenta-se as informações em num banco de dados para análises dos homicídios no município para, assim, criar critérios de evitabilidade de futuras mortes baseados no estudo das trajetórias. Destacamos que para exposição do caso a seguir os nomes dos jovens e familiares envolvidos serão recriados de forma fictícia, de modo a resguardar eticamente suas identidades, mas lhes conferimos nomes para reafirmar o desejo de que as juventudes sejam reconhecidas pelas suas identidades e pelas trajetórias que vivem/viveram. 5 O CASO Em análise, a situação de saúde da família foi verificada que Patrícia Silva teve seu primeiro filho com 16 anos de idade. Mãe adolescente. Essa informação é um dado importante para colaborar a pesquisa do Comitê Cearense de Prevenção de Homicídios na Adolescência em que consolida: 56% das adolescentes vítimas de homicídios em Sobral eram filhos de mães adolescentes. Patrícia Silva também apresentou histórico de sífilis, bem como seu companheiro Paulo. Carlos Silva (filho) teve dificuldade durante o período de amamentação. A família residia no bairro Padre Palhano e, no ano de 2014, foram contemplados pelo Programa Minha Casa Minha Vida e passaram a residir no bairro da Várzea. A partir do ano de 2015, Carlos entra em processo de evasão escolar finalizando seus estudos no 7º ano do Ensino Fundamental II, desde então o adolescente não esteve mais visível para a rede escolar do município. Em agosto de 2015 a equipe da Secretaria de Urbanismo (pasta responsável pelo Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV) realiza encaminhamento ao CREAS pelas motivações: filho adolescente usuário de drogas; mãe comprava as drogas para o filho; evasão escolar do adolescente; próximo a pessoas que apresentam histórico de dependência química; atentado contra sua vida no bairro da Várzea em fevereiro de 2015. Outras oportunidades foram mais atraentes em seu percurso, seus laços com pessoas ligadas ao crime foram se fortalecendo, o uso de arma de fogo foi decisivo para a prática de assalto e o uso de substâncias psicoativas era diário. Essas informações corroboram o Relatório Cada Vida Importa de 2016, o qual diz que o abandono escolar e uso precoce de drogas, o acesso a arma de fogo são fatores de risco. As políticas setoriais não chegavam à vida de Carlos, 3275
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI até que em março de 2018 é oferecido, pela equipe de Assistentes Sociais da Coordenação de Habitação - SEDHAS, o curso de Montador e Reparador de Computadores. O jovem demonstra interesse e efetua sua matrícula. Tarde demais! Em uma tentativa de assalto Carlos é detido e fica recluso no Centro Socioeducativo Zequinha Parente. Por uma semana, o jovem tem sua vida dentro de quatro paredes. Ao sair é oferecida a participação no Programa Jovem Guarda - PJG, mas Carlos queria prender sua atenção em outras questões, sua liberdade não cabia na farda do PJG. O jovem é vítima de homicídio. Invisível ao olhar das políticas setoriais, o contexto territorial de Carlos se configurava no cotidiano com sua ex-companheira Meirielle e alguns amigos, em especial Jonas e Davi. Meirielle, 16 anos de idade, juntamente com Carlos tiveram Sofia. Os adolescentes mantinham um relacionamento desde 2015. Meirielle estudou até o 9° ano do Ensino Fundamental II e encontra-se em evasão escolar devido a necessidade de fornecer cuidado a Sofia. Jonas é casado com Larissa e tem 02 filhos, residem no bairro da Várzea. Davi (amigo de Carlos, 15a), reside no bairro da Várzea juntamente com Vitória (14a), sua namorada; realiza atividade com dobradura de papel; é acompanhado pelo CREAS (Liberdade Assistida) e Articuladores da Juventude – UGP. Apresenta laços fortes com pessoas ligadas ao crime; tem limitação de circulação territorial; estava com Carlos no dia do seu homicídio. Vitória tem um filho de 01 ano de idade (reside com a avó em São Benedito/Ce); cumpre medida de Liberdade Assistida; faz uso de substâncias psicoativas; está em processo de evasão escolar; não convive com sua família. Tabela 1 – Encaminhamentos Urgente - PTS4 para Davi -Responsáveis: CRAS, CREAS, - Acompanhar Sophia UGP, CSF ENCAMINHAMENTOS -Responsável: CSF É preciso mais -Inserção da Sofia -Responsável CRAS tempo no CEI5 - Responsável: Articulador da Pode esperar - Inserção de Juventude Meirielle na escola. 4 Plano Terapêutico Singular. 5 Centro de Educação Infantil. 3276
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