EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA POPULAÇÃO LGBT NO BRASIL THE TRAJECTORY OF PUBLIC POLICIES OF THE LGBT POPULATION IN BRAZIL Naira de Assis Castelo Branco1 RESUMO O surgimento das políticas públicas que garantam o acesso a direitos fundamentais às pessoas LGBT é fruto da atuação da militância coletiva, dos movimentos sociais e de algumas ações individuais que pressionaram o governo brasileiro a reparar as desigualdades decorrentes da discriminação por conta da identidade de gênero e da sexualidade. O objetivo desse artigo é analisar a trajetória, e as fragilidades, dessas políticas públicas e ações afirmativas voltadas à igualdade, à inclusão social e ao combate à discriminação desse seguimento da população e fico isso as afeta no cotidiano. Palavras-chave: Políticas Públicas; Movimentos Sociais; População LGBT. ABSTRACT The emergence of public policies that guarantee access to fundamental rights for LGBT people is the result of collective militancy, social movements and some individual actions that pressured the Brazilian government to repair the inequalities resulting from discrimination on account of gender identity and of sexuality. The objective of this article is to analyze the trajectory, and the weaknesses, of these public policies and affirmative actions aimed at equality, social inclusion and the fight against discrimination in this segment of the population, and this affects them in everyday life. Keywords: Public Policies; Social Movements; LGBT Population. 1 Universidade Federal Do Piauí. 101
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 1 INTRODUÇÃO No Brasil, foi a partir da década de 1970 que as pessoas homossexuais passaram a se articular enquanto movimento social, entendidos segundo Maria da Glória Gohn (1995, p. 44), como participantes de grupos que se estruturam a partir de questões sociais ligadas a conflitos, litígios e disputas de gênero e sexualidade e reconhecidos como parte importante do segmento da sociedade civil que segundo Habermas (2003, p. 99) “compõe-se de movimentos, organizações e associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas condensam-nos e os transmitem, a seguir, para a esfera pública.” As ações desses movimentos surgiram, a partir de interesses em comum, de uma identidade coletiva, decorrente do princípio da solidariedade, construída a partir dos valores culturais e políticos compartilhados pelos indivíduos e coletivos, em busca de igualdade nas relações e nos espaços políticos. Essa articulação surgiu, atrelada aos movimentos de esquerda na resistência à ditadura civil militar brasileira (1964 - 1985), ao lado de outros grupos identitários de minorias, como o movimento negro e o feminismo. Segundo Júlio Simões e Regina Facchini (2009), os movimentos de defesa dos direitos da comunidade LGBT, inicialmente eram conhecidos simplesmente por MHB (movimento homossexual brasileiro), passando a se denominar, a partir da década de 1990, como MGL (movimento de gays e lésbicas). Após 1995, foi adotada a sigla GLT (gays, lésbicas e travestis) e, a partir de 1999, aconteceu a incorporação da bissexualidade ao movimento, chamado a partir de então de GLBT (gays, lésbicas, bissexuais e travestis/transexuais/transgêneros). Em 2008, na Conferência Nacional GLBT, foi aprovado o uso da sigla LGBT para a denominação do movimento, com a justificativa de dar visibilidade as lésbicas por conta da dupla opressão homofóbica e misógina, esta última também presente também no próprio movimento. 2 A TRAGETÓRIA DE LUTA POR DIREITOS FUNDAMENTAIS Durante o período ditatorial brasileiro, a comunidade LGBT, sofreu grande repressão, pois o contexto político limitava a vida pública das pessoas que declaravam abertamente uma sexualidade divergente da heterossexualidade. Segundo Douglas Pinheiro (2017), aqueles que apresentavam sinais de uma identidade homossexual, afeminada, ou ainda travestis que 102
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS estivessem transitando pelas cidades, eram parados pela polícia, que exigia comprovação de emprego formal. Mesmo quando havia o registro comprovando o vínculo, muitos eram presos sob a acusação de perturbação da ordem pública. As prisões arbitrárias eram motivadas por questões discriminatórias, uma vez que a “ostentação social da homossexualidade era um risco, a ditadura militar brasileira não poupava esforços para excluir os afeminados da esfera pública” (PINHEIRO, 2017, p. 24). James Green e Renan Quinalha (2014) também se referem à perseguição sofrida por indivíduos LGBT durante a ditadura, quando os discursos oficiais associavam comunismo à homossexualidade, considerando que esta última seria uma perversão moral financiada pelos grupos de esquerda. Segundo Robert Howes (2003, p. 298), João Antônio Mascarenhas, um dos militantes ativos na luta por garantias de direito da população homossexual, considerado porta-voz do movimento homossexual brasileiro no cenário internacional, durante o período ditatorial até a constituinte, produziu e endereçou vários relatórios sobre a situação dos homossexuais no Brasil, para a Anistia Internacional, e durante muitos anos denunciou a violência policial e as prisões arbitrárias. A década de 1980 foi marcada por grandes mobilizações sociais: “em 1980, na cidade de São Paulo, ocorre o 1° Encontro Brasileiro de Homossexuais, protagonizado pelo grupo SOMOS.” (Cartilha do GTPCEGDS, 2017, p.23)2. Com o início da abertura política no Brasil, o movimento passou a pressionar o Estado para legitimar a luta por direitos. Para Antunes (2018, P. 61), essa postura para os movimentos sociais é fundamental já que “somente através de fortes ações coletivas é que serão capazes de se contrapor ao sistema de metabolismo social do capital, profundamente adverso ao trabalho. aos seus direitos e às suas conquistas.” A segunda metade da década de 1980 coincidiu com a epidemia da AIDS, quando a imprensa internacional passou a divulgar os primeiros casos, que surgiram na Europa e nos Estados Unidos, como “câncer gay”. Com o avanço da doença em todos os segmentos da sociedade, o tema passou a ganhar ampla visibilidade, mobilizando os movimentos de direitos humanos em resposta à desenfreada epidemia global. Nesse período, que vai até a metade da década de 1990, a discussão sobre os direitos da comunidade, que já era conhecida como GLS 2 CARTILHA DO GTPCEGDS: Contra todas as formas de assédio, em direitos das mulheres, da/os indígenas, das/os negros/ os, e das/ os LGBT. Brasília, 2017. Disponível em: http://portal.andes.org.br/imprensa/documentos/imp- doc-346583622.pdf 103
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS (gays, lésbicas e simpatizantes), fez surgir no Brasil projetos de lei nos níveis federal, estadual e municipal ao mesmo tempo em que surgiam associações e organizações que pressionavam os parlamentares. (Simões; Facchini, 2003, p. 85). No final dos anos 1980, durante a constituinte, surgiu um importante debate sobre a proteção aos direitos das pessoas LGBT. João Antônio Mascarenhas expôs à Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais a necessidade da inclusão na constituição de 1988, a proibição de discriminação por “orientação sexual”, que tinha por objetivo amparar juridicamente pessoas que, por esse motivo, tivessem seus direitos negados. A inclusão dessa demanda importante foi rejeitada pelo plenário com 130 votos a favor, 317 contra e 98 ausências. Na revisão constitucional de 1994, a proposta foi novamente derrotada, com 253 votos contra e apenas 53 votos a favor (Howes, 2003, p. 303-306). Apesar disso, a discussão motivou leis estaduais e municipais que proibiam discriminação por “orientação sexual”. A exemplo disso, cabe destaque para a cidade de Teresina, capital do Piauí que, em sua Lei de Organização do Município, de 1990, estipulava: Art. 9. Ninguém será discriminado ou privilegiado em razão de nascimento, etnia, raça, cor, sexo, deficiência física ou mental, idade, estado civil, orientação sexual, convicção religiosa, política ou filosófica, trabalho rural ou urbano, condição social, ou por ter cumprido pena. Parágrafo único. O Município estabelecerá a lei, dentro do âmbito de sua competência, sanções de natureza administrativa para quem descumprir o disposto neste artigo. (Teresina (PI), 1990) 3 POLÍTICAS PÚBLICAS E AÇÕES AFIRMATIVAS DE COMBATE A DISCRIMINAÇÃO Segundo Bruna Andrade Irineu (2014, p. 196), somente a partir de 2002, durante o primeiro mandato presidencial de Lula, os diálogos com o movimento LGBT se tornaram mais frequentes. Seguindo o modelo adotado em outros países ocidentais, em que os partidos de esquerda haviam se mostrado mais atentos às demandas políticas desse segmento, surgiram no Brasil as primeiras ações especificas à população LGBT. Em 2004, por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos, o governo Federal lançou o Programa Brasil sem Homofobia, que contou com a participação dos movimentos LGBT desde as primeiras discussões sobre o projeto até a elaboração do texto principal: “O Governo Federal, ao tomar a iniciativa de elaborar o Programa, reconhece a trajetória de milhares de 104
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS brasileiros e de brasileiras que, desde os anos 1980, vêm se dedicando à luta pela garantia dos direitos humanos de homossexuais ” (CONSELHO, 2004, p. 07)3. Dividido em onze eixos que contemplavam as demandas políticas mais urgentes da comunidade LGBT, o programa previa ações nos âmbitos: da promoção dos direitos, legislação e justiça, cooperação internacional, segurança, educação, saúde, trabalho, acesso à cultura, políticas contra racismo e homofobia, além de políticas para as mulheres e juventude. Com isso, o Brasil se destacou internacionalmente, passando a ser referência em iniciativas de promoção dos direitos humanos para pessoas LGBT. Um dos grandes marcos do programa foi a realização da I Conferência Nacional de Políticas Públicas para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, nomeada de Direitos Humanos e Políticas Públicas: O caminho para garantir a cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, que aconteceu em junho de 2008. Para a Conferência Nacional, os estados e municípios tiveram que realizar suas próprias conferências para escolha de seus representantes, fazendo com que as discussões sobre as demandas LGBT fossem amplamente debatidas em todo o país (Irineu, 2014, p. 200). O programa Brasil sem Homofobia foi fundamental para a ampla discussão e acesso das pessoas LGBT às políticas públicas e aos direitos humanos. Vale ressaltar que foi nesse contexto que, segundo o jurista Faro e Pessanha (2014, p. 77), em 2011 o Supremo Tribunal Federal (STF) fez história ao julgar dois casos e reconhecer as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo. A decisão pautou-se na dignidade humana e liberdade dos indivíduos quanto à orientação sexual, já que não há na legislação brasileira nenhuma proibição ou modelo sobre como a sexualidade humana deva se expressar, pois isso interferiria na liberdade de escolha, na vida privada e autonomia das pessoas. Por isso, “Pode- se dizer, que desde 2011, na ordem jurídica brasileira, a união estável não pressupõe a diversidade de sexos para ser uma entidade familiar, devendo apenas haver uma convivência pública, contínua e duradoura para a de constituição de família” (Faro, Pessanha, 2014. p. 78) Baseado na decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a resolução nº 175, de 14 de maio de 20134, que vedava às autoridades competentes a recusa de 3 CONSELHO Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília. Ministério da Saúde, 2004. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_sem_homofobia.pdf 4 http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2504 105
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. A medida deu amparo jurídico para que casais homoafetivos do país inteiro pudessem ter direito às garantias civis do casamento, como por exemplo, acesso ao plano de saúde do companheiro(a), direito à herança, divisão de bens em caso de separação e todos os outros direitos decorrentes do casamento. Apesar de a resolução tornar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo possível no Brasil, ela deixa graves lacunas: uma vez que somente o legislativo pode criar lei, a resolução pode ser invalidada a qualquer momento, para evitar esse retrocesso é preciso reconhecer a importância de constituir aliados que representem esse segmento social no legislativo brasileiro. Existe ainda um grande caminho até que o Congresso Brasileiro reconheça e crie uma legislação que assegure direitos civis básicos de forma definitiva para casais homoafetivos. Ainda assim, a legislação brasileira garante que o direito adquirido legalmente não pode retroagir, os casais que formalizarem a união enquanto a resolução ainda estiver vigente, terão seus direitos garantidos; mas caso haja um novo entendimento, outros casais não conseguirão ter acesso às garantias de direito ao casamento civil. Segundo Bobbio (2004, p. 16), “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. Esta fragilidade jurídica fez com que, em 2018, segundo a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN), órgão responsável por reunir dados de registros civis dos cartórios de todo o país, houvesse um aumento de 25% na procura do casamento civil por pessoas do mesmo sexo5. O aumento se deu pelo medo do cumprimento de medidas discriminatórias propagadas pelo candidato Jair Bolsonaro, que venceu as últimas eleições presidenciáveis no Brasil, em 2018. No dia 23 de maio de 2019, após cinco sessões, seis dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal reconheceram, como um caso de omissão, a demora do congresso brasileiro, em votar projetos de leis referentes a criminalização da homofobia. Como resposta aos crimes de violação de direitos da comunidade LGBT, ficou decido que, até que o congresso vote a matéria em plenário, a homofobia entendida como discriminação por orientação sexual e 5 http://www.arpensp.org.br 106
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS identidade de gênero, passa a ser considerada um tipo de racismo, fato comemorado amplamente pelas instituições de proteção aos direitos das população LGBT no Brasil já que “o reconhecimento dos direitos de cidadania, tal como é definido por aqueles que são excluídos dela no Brasil de hoje, apontaria então para transformações radicais em nossa sociedade e em sua estrutura de relações de poder (DAGNINO, 2004, p. 155) A formalização da união de pessoas do mesmo sexo extrapola as questões meramente jurídicas e burocráticas, pois além de garantir direitos fundamentais, torna-se instrumento discursivo na luta contra o preconceito. O aval do Estado é o reconhecimento dessas relações como legítimas, inclusive perante a lei; extrapolam o âmbito privado e reverberam no âmbito público como instrumentos de inclusão social da comunidade LGBT. Ao tratar de pessoas transexuais e travestis é necessário reconhecer que essas pessoas têm uma história de lutas e conquistas próprias. A garantia de direitos fundamentais para esse seguimento se arrasta de forma bem mais lenta do que para o restante da comunidade LGBT. O ano de 2018 representou um dos marcos mais importante para este grupo. Somente no dia 18 de junho de 2018, a (Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou da Classificação Internacional de Doenças - CID, a transexualidade, antes considerada um “transtorno de identidade de gênero”, entendido como um tipo de “transtorno de personalidade e comportamento”6. A despatologização, mesmo que tardia, representa um grande avanço, pois legitima as políticas públicas voltadas para esse setor. Uma das reivindicações que marcam a luta das pessoas transexuais e travestis é o reconhecimento legal do uso do nome social. A identidade de gênero dessas pessoas, quando não reconhecida, viola profundamente suas existências. O nome social representa a conformidade da identificação pessoal com a identidade de gênero. Para Berenice Bento (2014, p. 12), no Brasil apesar de algumas instituições, garantirem o direito das pessoas transexuais ao uso do nome social, através de regulamentos e outros dispositivos próprios, o vácuo causado pela falta de uma legislação nacional, cria espações de vulnerabilidade. No Piauí, no ano de 2009, foi publicada a lei ordinária nº 5.9167 que “Assegura às pessoas travestis e transexuais a identificação pelo nome social em documentos de prestação de serviço 6 https://www.who.int/health-topics/international-classification-of-diseases 7 http://legislacao.pi.gov.br/legislacao/default/ato/14521 107
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS quando atendidas nos órgãos da Administração Pública direta e indireta”. Esse reconhecimento foi um importante avanço, sendo a primeira política pública pensada para pessoas transexuais a surtirem efeito na vida cotidiana. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A história do movimento LGBT no Brasil e das políticas públicas de promoção aos direitos humanos para esse segmento, é marcada pelas vozes de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis que dedicaram parte de suas vidas para exercerem o direito de ser quem são e amarem sem medo. A resistência política e religiosa foi sendo minada pouco a pouco para que esses grupos tivessem assegurado políticas que minimizassem o preconceito que, em muitos casos, levou ao assassinato de pessoas da comunidade LGBT. Apesar dos avanços, a discussão sobre os direitos humanos a discriminação e o preconceito, exercidos a partir dessas experiências, extrapolam o âmbito privado e precisam se aprofundar ainda mais na construção de uma cultura que reconheça a cidadania plena dessa parcela da população e garanta dignidade a todas as pessoas. No início de 2019, o presidente Jair Bolsonaro, ao assinar a medida provisória nº 810, de 01 de janeiro de 20198, excluiu a população LGBT das diretrizes de Direitos Humanos. Essa exclusão representa um grande retrocesso em comparação aos avanços conquistados pelo movimento em governos anteriores. A LGBTfobia institucional é um dos mecanismos de violação de direitos, que impedem o acesso da comunidade aos direitos fundamentais. Os ataques sistemáticos aos direitos das minorias sociais, cumprem a proposta de uma agenda conservadora, o decreto federal nº 9759, de 11 de abril de 20199, foi segundo grande ataque a comunidade LGBT brasileira, nele o governo federal extinguiu os conselhos sociais da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de participação Social, dando fim também ao Conselho Nacional de Combate à Discriminação de LGBTs, entre outros. Sem os conselhos a sociedade civil perde força na participação de criação e promoção de políticas públicas. 8 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv870.htm 9 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9759.htm 108
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A atual conjuntura política, imposto pelo governo federal, evidencia como conservadorismo moral negligência os direitos humanos conquistados pelas mulheres e profunda a LGTBfobia. (BOSCHETTI e BEHRING. p 73, 2021), o atual governo resiste em reconhecer a legitimidade dos direitos fundamentais da população LGBT brasileira, tensiona e provoca o surgimento e (re)organização de novos movimentos sociais em torno da luta pelos direitos humanos, pelo combate à violência e pelo fim da homofobia. O movimento LGBT brasileiro, assim como em seu histórico de luta e resistência, cria novas formas de resistência através de protestos, produções de pesquisas acadêmicas, organizações políticas e o uso das mídias sociais, como ferramentas de discussão e combate à discriminação e violência do Estado brasileiro. REFERÊNCIAS ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018. BENTO, Berenice. Nome social para pessoas trans: cidadania precária e gambiarra legal. Revista Contemporânea. v. 4, n. 1 p. 165-182, jan.–jun. 2014 BEHRING, Elaine Rossetti. As novas configurações do Estado e da Sociedade Civil no contexto da crise do capital. In: Serviço Social: Direitos sociais e competências profissionais. CFESS, Brasília, 2009. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campos; Elsevier, 2004. BOSCHETTI, Ivanete; BEHRING, Elaine Rossetti. Assistência Social na pandemia da covid-19: proteção para quem? Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 140, p. 66-83, jan./abr. 2021. BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Relatório de Violência Homofóbica no Brasil: ano 2013. Brasília: 2016 CARTILHA DO GTPCEGDS: Contra todas as formas de assédio, em direitos das mulheres, da/os indígenas, das/os negros/ os, e das/ os LGBT. Brasília, 2017. CONSELHO Nacional de Combate à Discriminação. Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania homossexual. Brasília. Ministério da Saúde, 2004. DAGNINO, Evelina. Construção democrática, neoliberalismo e participação: os dilemas da confluência perversa. Política & Sociedade, n.05, p.139-164, out. 2004. 109
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS FARO, Julio Pinheiro; PESSANHA, Jackelline Fraga. O casamento civil homoafetivo e sua regulamentação no Brasil. Revista de bioética y derecho. Barcelona, n. 32, p. 72-81, set. 2014. GOHN, Maria da Glória. História dos Movimentos e Lutas Sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. Edições Loyola. 4ª ed. São Paulo, Brasil, 1995. GREEN James; Quinalha, Renan. Ditadura e homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade. São Carlos: EdUFSCar, 2014. HABERMAS. Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. II, 2003. HOWES, Robert. João Antonio Mascarenhas (1927-1998): pioneiro do ativismo homossexual no Brasil. Cadernos AEL: Homossexualidade, sociedade, movimentos e Lutas: Campinas, Unicamp/IFCH/AEL, V. 10, n. 18/19, p. 291-309, 2003. IRINEU, Bruna Andrade. 10 anos do programa brasil sem homofobia: notas críticas. Revista Tempoais, Brasília (DF), ano 14, n. 28, p. 193-220, jul./dez. 2014. ONU – Organizações das nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil. PINHEIRO, Douglas. Autoritarismo e homofobia: a repressão aos homossexuais nos regimes ditatoriais cubano e brasileiro (1960-1980) Cadernos Pagu maio 25, 2019. SIMÕES, Júlio A.; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2009. SILVA, Aguinaldo. Homo eroticus um ensaio de Darcy Penteado. Lampião da esquina, Rio de Janeiro, ano 1, n. 0, 25 Abr. 1978, p. 2. 110
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS ACOLHIMENTO COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO EM TEMPOS DE COVID-191 RECEPTION AS A INSTRUMENT OF INCLUSION IN THE TIME OF COVID-19 Scarlet Barros Batista Soares2 Lúcia da Silva Vilarinho3 RESUMO A Política Nacional de Humanização (PNH) preconiza o diálogo entre gestores, trabalhadores e usuários dos serviços de saúde e estimula as práticas inclusivas e resolutivas e a corresponsabilidade como embasamento às transformações humanizadoras em saúde. Dentre as diretrizes da PNH, elegeu-se o “Acolhimento” como objeto da presente comunicação, cujo objetivo consistiu em revisitar a literatura para elucidar como o acolhimento cumpre sua função, enquanto diretriz da PNH, de promover a inclusão dos sujeitos nos processos de produção de saúde no contexto da COVID-19. Realizou-se estudo qualitativo com procedimento bibliográfico. O estudo revelou consenso dos autores quanto à relevância do acolhimento para a inclusão dos usuários no cuidar, caracterizando-o como prática de saúde indispensável nos atendimentos de saúde também na crise pandêmica do novo coronavírus. Palavras-chave: Acolhimento. Pandemia. Política Nacional de Humanização. ABSTRACT The National Humanization Policy (PNH) advocates dialogue between managers, workers and users of health services and encourages inclusive and problem-solving practices and co-responsibility as a basis 1 Este texto toma por base reflexões sobre as diretrizes da Política Nacional de Humanização (PNH), em construção, para dissertação de mestrado no PPGPP-UFPI (2021-2022). 2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected] 3 Doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Professora da Universidade Federal do Piauí-UFPI. Departamento de Serviço Social – CCHL. Gerente do Núcleo de Estudos em Saúde Pública NESPUFPI. E-mail: [email protected] 111
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS for humanizing transformations in health. Among the guidelines of the PNH, \"Welcoming\" was chosen as the object of this communication, whose objective was to revisit the literature to elucidate how the reception fulfills its function, as a guideline of the PNH, of promoting the inclusion of subjects in the production processes. health in the context of COVID-19. A qualitative study was carried out with a bibliographic procedure. The study revealed a consensus of the authors regarding the relevance of welcoming for the inclusion of users in care, characterizing it as an indispensable health practice in health care also in the pandemic crisis of the new coronavirus. Keywords: Reception. Pandemic. National Humanization Policy. 1 INTRODUÇÃO A Política Nacional de Humanização (PNH), também denominada HumanizaSUS, propõe em suas prerrogativas o diálogo entre gestores, trabalhadores e usuários dos serviços de saúde e o estímulo às práticas inclusivas e resolutivas e a corresponsabilidade como embasamento às transformações humanizadoras. De maneira objetiva, constituem-se diretrizes da política de humanização do Ministério da Saúde (BRASIL, 2015): •Acolhimento: realizado por meio de escuta qualificada oferecida pelos trabalhadores às necessidades do usuário, viabilizando o acesso a tecnologias adequadas às suas necessidades, fato que amplia a efetividade das práticas de saúde; •Gestão Participativa e cogestão: representa a inclusão de novos sujeitos, o que se configura importante mudança nas práticas de gestão e de atenção à saúde; •Ambiência: trata da criação de espaços saudáveis, acolhedores e confortáveis, conforme as necessidades de usuários e trabalhadores de cada serviço; •Clínica ampliada e compartilhada: ferramenta teórica e prática cuja finalidade é contribuir para uma abordagem que possibilite a tomada de decisões compartilhadas e compromissadas com a autonomia e a saúde dos usuários do SUS; •Valorização dos trabalhadores: consiste na valorização da sua capacidade de analisar, definir e qualificar os processos de trabalho. Deve ser concretizada através de diálogo, intervenção e análise do que causa sofrimento e adoecimento dos profissionais. •Defesa dos direitos dos usuários: os serviços de saúde devem proporcionar aos usuários o conhecimento dos seus direitos e assegurar que eles sejam cumpridos em todas as fases do cuidado (BRASIL, 2015). No contexto de enfrentamento da COVID-19 em meio as condições políticas, econômicas e sociais da sociedade brasileira, o atendimento humanizado e acolhedor constitui- se um dos principais desafios para o Sistema Único de Saúde. O acolhimento compõe ferramenta fundamental do e no atendimento em saúde para a tomada de decisão no que concerne às tecnologias mais adequadas ao processo saúde-doença 112
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS de cada indivíduo e, ainda, considerando a importância da corresponsabilidade e o compromisso que o usuário deve assumir com o autocuidado, elegeu-se a diretriz “Acolhimento” como objeto do presente estudo, cujo objetivo consistiu em revisitar a literatura sobre o tema para elucidar como o acolhimento cumpre sua função, enquanto diretriz da PNH, de promover a inclusão nos processos de produção de saúde no contexto da COVID-19. Trata de estudo bibliográfico, definido como aquele que se utiliza de fontes secundárias, ou seja, de documentação indireta, especialmente através de livros e artigos científicos e retira o objeto de estudo do senso comum, possibilitando que este seja tratado teoricamente (MINAYO, 2014; MARCONI, LAKATOS, 2019). Para tanto, utilizou-se a abordagem qualitativa, pois, conforme Gonsalves (2011), esse tipo de pesquisa visa à compreensão e à interpretação dos fenômenos, considerando o significado que os outros dão às suas práticas. 2 ACOLHIMENTO: BASE CONCEITUAL No contexto de implementação do sistema Único de Saúde (SUS) nos anos 1990, a despeito dos princípios assegurados na Carta Magna de 1988 e da já vigência da Lei Orgânica da Saúde, a assistência em saúde ainda se dava marcada pela fragmentação de procedimentos, impessoalidade e forte apelo à hospitalização. Neste cenário ganham fôlego as discussões sobre o modelo de atenção de cunho hospitalocêntrico e gradativamente o debate avançou na direção da necessidade de promover-se mudanças nos papeis dos serviços públicos, que deveriam, então, preocupar-se em fazer crescer a capacidade de autonomia do indivíduo assistido, fato que só pode acontecer a partir de propostas terapêuticas individuais norteadas pela ideia de vínculo de acolhida e pela responsabilização de toda a equipe envolvida pelo cuidado integral. Segundo Campos (1994), a acolhida refere-se à possibilidade de acesso dos usuários aos serviços e à capacidade deste serviço adaptar suas estratégias de atendimento às variadas necessidades do seu público. O autor aponta como essencial praticar o acolhimento em todas as relações trabalhador-usuário e ressalta que a escuta, a produção de informações e a compreensão de direitos e deveres mútuos que caracterizam o acolher em saúde também devem compor as situações onde há recusa de atendimento – e o devido direcionamento ao 113
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS serviço adequado - bem como a saída do paciente de cada local de assistência, de maneira que o cuidado ali realizado possa ter efetiva continuidade. Dessa forma, o cuidar passa a ser uma atividade personalizada e o indivíduo cuidado sai da condição de objeto para assumir o estado de ator, com sua parcela de autonomia e responsabilidade pela qualidade dos resultados (MERHY, 2007; CAMPOS, 1994). Merhy (2007) argumenta contra a prática de os problemas de saúde serem identificados exclusivamente através da avaliação dos profissionais de saúde, sob o uso de seus conhecimentos estruturados e sem acolher as demandas que verdadeiramente causam sofrimento a cada usuário. Logo, deve-se pensar em novas formas de produzir saúde, com vistas à substituição dos métodos que objetificam o usuário por aqueles que priorizam a dignidade do indivíduo e a melhoria da qualidade de vida. Em experiência desenvolvida junto a uma rede municipal de saúde, Merhy (2007) define o acolhimento como essencial para a criação de vínculo entre o serviço de saúde e o usuário e para a execução do tratamento, além de constituir-se um direito inerente à cidadania. Portanto, segundo o autor, uma unidade de acolhimento deve apresentar como produto de suas ações em saúde: tratamento humanizado a todas as demandas; oferta de respostas a todos os usuários e às demandas individuais e coletivas; discriminação de riscos, urgências e emergências; produção de informação para o serviço de saúde; percepção das dimensões coletivas dos problemas e sugerir novas opções de intervenção. Nesse contexto, a experiência supracitada permitiu observar que a prática de acolhimento viabiliza a diferenciação dos riscos e, portanto, evita a banalização do pronto atendimento e potencializa a resposta adequada às situações de risco elevado, alcançando-se, assim, o objetivo maior de defesa da vida do usuário (Merhy, 2007). Admitindo a existência de lacunas no modelo de cuidado predominante no SUS e com vistas à aplicação prática dos seus princípios no cotidiano dos serviços de saúde, a Política Nacional de Humanização (PNH) foi lançada em 2003 para produzir mudanças nos modos de gerir e cuidar. O HumanizaSUS, como também é conhecida a PNH, estimula a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários, para a construção de processos coletivos e enfrentamento de relações e práticas desumanizadoras que inibem a autonomia e a corresponsabilidade dos profissionais de saúde, em seu trabalho, e dos usuários no autocuidado. (BRASIL, 2015). 114
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS É pertinente ressaltar que, ao reconhecer as falhas e encarar o desafio de sofrer mudanças, o SUS passa a trilhar um caminho que pode, enfim, levar ao desenvolvimento de serviços de saúde com qualidade, à humanização e à devida resolutividade. Realizar alterações nas práticas de acolhida aos cidadãos-usuários e aos cidadãos- trabalhadores nas unidades de saúde é um destes desafios. Nesse sentido, a criação da PNH em 2003 consolidou os compromissos éticos do SUS de defesa da vida e de garantia do acesso à saúde e, contrariando toda ideia de atenção fragmentada, o Ministério da Saúde defende que todo processo de produção de saúde consiste em ação coletiva e cooperativa entre os sujeitos envolvidos, fazendo-se, então, indispensável a interação e a permanente observância às diversidades desses (BRASIL, 2010b). Essa Política corrobora com as percepções de Merhy (2007), previamente mencionadas, ao defender a valorização dos fatores apontados pelo próprio usuário como afecções à sua condição de saúde. Afinal, a construção de resposta às necessidades de saúde bem como a participação social passam pela prática comunicativa que inclui a perspectiva de participação dos usuários, família e comunidade (AGRELI, PEDUZZI e SILVA, 2016). Com o foco em vínculos profissionais-usuários, a PNH define a escuta qualificada como o modo de fazer o acolhimento, devendo então ocorrer em todos os espaços e momentos dos serviços de saúde, pois permite a identificação das necessidades individuais e os serviços e tecnologias demandadas em cada situação, respeitando-se e fazendo-se cumprir as prioridades a partir da vulnerabilidade, da gravidade e do risco. (BRASIL, 2015; BRASIL, 2010b). Em pesquisa realizada com trabalhadores e usuários de Unidades Básicas de Saúde (UBS), Falk et al. (2010) identificaram o termo “indispensável” sendo usado repetidamente para qualificar o acolhimento, por ambos os grupos de participantes do estudo, bem como evidenciou-se a relevância dos encaminhamentos adequados resultantes dessa forma de conduzir as relações de cuidado. Os autores chamam a atenção para o fato de que não há necessidade de grandes investimentos estruturais, pois o acolher diz respeito ao modo de se conduzir a interação entre trabalhadores e usuários e isso repercute em promoção da saúde, em motivação profissional, em satisfação no trabalho e em redução do sofrimento. Essa relação de ganho mútuo também pode ser observada no ambiente hospitalar. Segundo Oliveira (2019), o acolher pode ser considerado indutor e ampliador de promoção da 115
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS saúde, tanto de usuários quanto de trabalhadores de saúde, fato que resulta em relações humanas potencializadas e em cuidado singular e multidimensional. A problemática dos serviços de pronto-socorro com atendimentos realizados por ordem de chegada foi sanada a partir da Portaria nº 2048, de 5 de novembro de 2002. Seu anexo, que consiste no Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgência e Emergência, afirma que a falta de uma triagem de risco acarreta, muitas vezes, prejuízos aos usuários, uma vez que pacientes com quadros mais graves do que aqueles de sofrimento / desconforto notório passam horas aguardando atendimento, mesmo dentro de um serviço de urgência. Visando sanar a referida situação, o Regulamento apresenta, dentre outras determinações, a obrigatoriedade de uma sala de triagem classificatória de risco, em unidades de atendimento de urgências e emergências, de maneira que os pacientes sejam avaliados e colocados em ordem de prioridade para o atendimento, segundo a gravidade de suas queixas. Tal processo deve ser realizado por profissionais de saúde, de nível superior, que tenham recebido treinamento específico e utilizem protocolo previamente estabelecido. Devido à intenção de não selecionar alguns indivíduos e excluir outros, dentre os que procuram um atendimento de urgência, e sem perder de vista a relevância do acolhimento em todos os níveis de atenção à saúde como diretriz humanizadora, o termo “triagem” tem caído em desuso, devendo ser substituído por “Acolhimento com Classificação de Risco” (ACCR). Entendendo a Classificação de Risco como um instrumento de organização do fluxo de pacientes, responsável por gerar um atendimento resolutivo e humanizado àqueles que procuram as portas de entrada de urgência/emergência, Servin et.al. (2010) estabelecem os objetivos desse instrumento, conforme descrito a seguir: • Escuta qualificada do cidadão que procura os serviços de urgência/emergência; • Classificar, mediante protocolo, as queixas dos usuários que demandam os serviços de urgência/emergência, visando identificar os que necessitam de atendimento médico mediato ou imediato; • Construir os fluxos de atendimento na urgência/emergência considerando todos os serviços da rede de assistência à saúde; • Funcionar como um instrumento de ordenação e orientação da assistência, sendo um sistema de regulação da demanda dos serviços de urgência/emergência (SERVIN, 2010, p. 6). Com esses objetivos, o sistema de ACCR busca cumprir seu papel enquanto membro das ações da PNH e, dessa forma, contribuir para o alcance dos resultados propostos por essa 116
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS política, quais sejam: (a) redução de filas e do tempo de espera, com ampliação do acesso; (b) atendimento acolhedor e resolutivo baseado em critérios de risco; (c) implantação de modelo de atenção com responsabilização e vínculo; (d) garantia dos direitos dos usuários; (e) valorização do trabalho na saúde; e (f) gestão participativa nos serviços (BRASIL, 2014). Há, entretanto, que se chamar a atenção para alguns fatores que ainda dificultam o alcance das metas citadas. Nesse sentido, Júnior, Torres e Rausch (2014) afirmam que os modelos de sistemas de saúde atuais não atendem adequadamente às mudanças no perfil demográfico da população, que envelheceu e, portanto, hoje apresenta maior propensão ao desenvolvimento de doenças crônicas, como o diabetes, as doenças cardiovasculares e o câncer. O resultado de não acompanhar o desenvolvimento humano, segundo os autores supracitados, é uma desastrosa superlotação nas unidades de urgência, tendo em vista que não se tem priorizado as estruturas integradas de atenção à saúde – mais adequadas ao novo cenário populacional, com sua nova faixa etária predominante e suas doenças crônicas. A almejada assistência integrada contempla ações destinadas a cada nível de atenção e, portanto, o ACCR deve estar presente não apenas nos serviços hospitalares de pronto- atendimento, mas também nas UBS’s. Sendo assim, o classificador não dispensará sua atenção exclusivamente aos pacientes de maior gravidade, intervindo apenas no fluxo e prioridade de atendimento. Deve, ainda, munir os pacientes e familiares de informações acerca de todo o sistema, enfatizando as competências e responsabilidades de cada nível de atenção à saúde. Nessa fala, ressalta-se que os profissionais classificadores são responsáveis, também, por garantir a referência e a contrarreferência para os usuários que precisam de atendimento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS’s), e não por acolher somente os pacientes que necessitam de atendimento imediato (OLIVEIRA et. al., 2012). Brasil (2006) corrobora esse pensamento quando se refere aos parâmetros utilizados na validação de ações que estimulem a humanização no serviço de urgência e emergência da rede SUS. Os critérios vão desde um acolhimento adequado, com critérios protocolados de avaliação de risco – garantindo o acesso referenciado aos demais níveis de assistência – até a garantia de referência e contrarreferência, resolução da urgência e emergência – assegurando o acesso à estrutura hospitalar – e à transferência segura, conforme a necessidade dos usuários. 117
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Silva e Alves (2008) asseguram que esse modelo de ação resulta em um atendimento humano, com resolutividade e responsabilização. Por sua vez, Junior, Torres e Rausch (2014) acrescentam à lista de benefícios de um ACCR bem estruturado: a redução do número de agravos e até de mortes, o aumento da satisfação dos usuários e dos profissionais de saúde e, ainda, a otimização de recursos. No que tange aos profissionais, o Ministério da Saúde determina como conduta do enfermeiro, que se dá a partir de escuta da queixa do usuário, observação de seus sinais e sintomas e condução / direcionamento a um atendimento imediato ou com um tempo de espera determinado, seguindo o protocolo da instituição. É relevante abordar que as condutas desse profissional devem ser respaldadas por níveis hierárquicos mais elevados e respeitadas por toda a equipe multiprofissional dos serviços de saúde (BRASIL, 2009, BRASIL, 2004). De acordo com Jimenez (2003), para que o acolhimento com classificação de risco atue efetivamente na melhoria de toda a rede, o modelo adotado deve ser dinâmico e de fácil entendimento e aplicação, além de ter um elevado índice de concordância entre os profissionais classificadores; o protocolo de classificação de risco adotado deve contemplar adequadamente a realidade da população assistida, característica essa que só se faz possível por meio da oferta de escuta qualificada aos indivíduos envolvidos. Além disso, é fundamental que os usuários sejam devidamente orientados quanto ao tempo de espera de cada grupo de risco, além de receberem informações claras e completas sobre as referências e contrarreferências, quando se aplicar. Observa-se, portanto, a importância do acolher para o estabelecimento e fortalecimento de vículo e corresponsabilidade entre todos os atores das ações de saúde, incluindo uma estreita relação entre os diferentes níveis de atenção, com vistas à promoção de um cuidado integral, conforme princípio doutrinário do SUS. 3 ACOLHIMENTO NO CONTEXTO DA COVID-19 Como em qualquer emergência sanitária, a COVID-19 traz enormes desafios à coordenação de políticas públicas no que diz respeito à elaboração de estratégias e provimento de instrumentos de coordenação visando à criação de coerência entre políticas e ações, de modo a reduzir redundâncias, lacunas e contradições em tempo oportuno. No Brasil, porém, 118
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS não há dúvidas de que o SUS já estava deficiente quando o coronavírus chegou, devendo-se, portanto, lançar mão de todos os recursos e estratégias que comprovadamente apresentem resultados positivos no combate à pandemia, que causou danos irreparáveis em todo o território. Conforme exposto na seção anterior, o acolhimento em saúde consiste em uma ferramenta de tecnologia relacional com potencial para construir vínculos e assegurar ao usuário o acesso e a resolutividade de suas demandas individuais, por meio de ações de saúde moldadas a essas necessidades e considerando os múltiplos saberes. Brasil (2010a) acrescenta que as mudanças nos serviços de saúde incluem a ampliação dos espaços democráticos e, portanto, é possível garantir acolhimento também aos usuários e trabalhadores, recorrendo-se à escuta de suas dificuldades. Na contramão desse processo evolutivo, segundo Cohn (2020), o Brasil enfrenta instabilidade política, econômica e social desde 2015, quando sutil e disfarçadamente vão sendo estabelecidas restrições orçamentárias de políticas e programas sociais, somadas à contratação de instituições públicas de direito privado para gerir tais ações e serviços Foi nesse cenário de desigualdades socioespaciais expressas em indicadores econômicos, sociais, de acesso à infraestrutura e a serviços públicos, incluindo os de saúde, que o país foi acometido pela pandemia da COVID-19, suas mazelas e necessidades de rearranjos nos serviços de saúde (LIMA, PEREIRA e MACHADO, 2020). As condições às quais a população foi submetida com as proporções alcançadas pela COVID-19 ampliou as angústias e incertezas da população e também dos serviços de saúde. Para exemplificar, pode-se mencionar a Recomendação nº. 036 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), publicada em maio de 2020, sugerindo ações de distanciamento social que poderia chegar a um confinamento mais radical ou bloqueio, usando como parâmetro as taxas de ocupação de leitos dos serviços de saúde (BRASIL, 2020). Em decorrência da COVID-19 e para priorizar a segurança coletiva, rapidamente foram realizadas significativas mudanças nas rotinas dos serviços de saúde, afetando diretamente os protocolos de humanização e o acolhimento (AGUIAR et al., 2021). Nesse sentido, torna-se premente promover discussões sobre as ferramentas do cuidado, tais como o acolhimento, e a integração entre todos os pontos da rede, com especial atenção à APS e aos serviços de urgência e emergência, por constituírem portas de entrada do SUS extremamente necessárias 119
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS para assegurar a manutenção de suas atividades e ampliar a efetividade do cuidado no contexto pandêmico (SILVA et al., 2021; FACCHINI, 2020). Diante das transformações necessárias nesse contexto e considerando a urgência com a qual foram realizadas, outro aspecto relevante é que se estabeleça uma clara e eficaz comunicação quanto aos fluxos dos serviços de saúde. Ou seja, deve-se fornecer informações de maneira que a população compreenda quando se direcionar às unidades de saúde e qual destas ofertas o serviço recomendado a cada circunstância. Situações de crises sanitárias podem induzir à ideia equivocada de que o acolhimento deve ser ignorado, ainda que momentaneamente. Entretanto, Grabois (2011) já defendera que, quanto maior a complexidade de um contexto, mais particularmente relevante se torna a gestão efetiva do cuidado, com a devida articulação entre todos os tipos de tecnologias em saúde, desde a escuta qualificada no acolhimento, seguindo protocolos, até um procedimento de maior densidade tecnológica. O enfrentamento da pandemia da COVID-19 exigiu a reorganização e inovação das práticas e rotinas desenvolvidas nos serviços de saúde, o que só é alcançável a partir de muito esforço técnico, afetivo e criativo dos trabalhadores da saúde (SILVA et al., 2021). Para Santos e Giovanella (2016), toda mudança nas formas de produzir saúde também exige o uso de ferramentas que favoreçam as práticas integrais de cuidado em saúde. Dessa maneira, o acolhimento se mantem primordial diante dos desafios da pandemia, uma vez que visa à reorientação da atenção e produção de saúde, priorizando o protagonismo dos sujeitos (RODRIGUES E IBANHES, 2019). Belfort, Costa e Monteiro (2021) afirmam que o acolhimento praticado durante a pandemia resulta em eficácia da prestação de serviço aos usuários e fortalece as instituições de saúde e os seres humanos envolvidos nos processos de cuidar. Diante disso e reconhecendo uma maior fragilidade da população, o Ministério da Saúde recomenda que, mesmo nas condições adversas, em todos os níveis de atenção à saúde seja garantido o acolhimento aos pacientes, seguido da intervenção mais adequada a cada condição, incluindo a referência e/ou a contrarreferência, quando necessário (BRASIL, 2021). 120
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 4 CONCLUSÃO O estudo demonstra que não há divergência entre os autores no que concerne à relevância do acolhimento para produzir um cuidado verdadeiramente eficaz, uma vez que a escuta qualificada permite acessar as demandas de cada indivíduo, correlacionadas às diversas condições que integram seu processo saúde-doença e, consequentemente, embasa a decisão compartilhada acerca das tecnologias necessárias para atender às necessidades individuais. Logo, o acolher integra um modelo de atenção à saúde cujo serviço não é pré- estabelecido e engessado. Uma vez que o usuário tem seus saberes, queixas, limitações e potencialidades valorizadas, é o cuidar que se molda à sua complexidade apresentada, pois este usuário não consiste em um objeto de implementação de ações. Além disso, vale reforçar que a produção de saúde com a participação ativa do usuário constitui respeito à sua condição de cidadão, detentor de direitos e responsabilidades, dentre as quais aqui se destaca a participação das tomadas de decisões sobre sua saúde e o compromisso de assumir sua função em seu processo de cuidar. Para tanto, esse indivíduo deve ser incluído através do acolhimento em todas as etapas desse processo, em todos os níveis de complexidade. A ampliação das angústias e as recomendações de rearranjos nos serviços de saúde em caráter de emergência resultantes da pandemia da COVID-19 poderiam ser argumentos para abandonar as práticas de acolhimento. Porém, o presente estudo permite inferir que nenhuma situação justifica considerar o usuário na obsoleta condição de objeto. Ao contrário, a escuta qualificada, como forma de acolhimento, viabiliza a identificação das subjetividades anteriormente presentes e também as inerentes a condições adversas, fato indispensável à inclusão do indivíduo e ao atendimento das suas múltiplas necessidades. REFERÊNCIAS AGRELI, Heloise Fernandes; PEDUZZI, Marina; SILVA, Mariana Charantola. Atenção centrada no paciente na prática interprofissional colaborativa. Interface - Comunicação, Saúde, Educação [online]. 2016, v. 20, n. 59, pp. 905-916. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0511. Acesso em 29/03/ 2022. 121
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS AGUIAR, N.M. et al. Projeto aplicativo e a humanização no SUS: a experiência de acadêmicos de medicina. CuidArte. Enfermagem, 2021; 15(1): 61-66. BELFORT, Ilka Kassandra Pereira; COSTA, Victor Catarino; MONTEIRO, Sally Cristina Moutinho. Acolhimento na estratégia saúde da família durante a pandemia da Covid-19. APS em revista. v. 3. n.1. 3-8. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.14295/aps.v3i1.139. Acesso em: 01/05/2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. Guia Orientador para o enfrentamento da pandemia COVID-19 na Rede de Atenção à Saúde. 4ª ed. Brasília, 2021. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/covid-19-guia-orientador-para-o-enfrentamento-da- pandemia-na-rede-de-atencao-a-saude/. Acesso em: 10/01/2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Recomendação nº 036, de 11 de maio de 2020. Recomenda a implementação de medidas de distanciamento social mais restritivo (lockdown), nos municípios com ocorrência acelerada de novos casos de COVID-19 e com taxa de ocupação dos serviços atingido níveis críticos. Brasília: Brasil, 2020c. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/images/Recomendacoes/2020/Reco036.pdf. Acesso em: 10/01/2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização. PNH. 1 ed. 2ª reimpressão. Brasília, 2015. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/folder/politica_nacional_humanizacao_pnh_1ed.pdf. Acesso em: 22/02/2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Acolhimento e classificação de risco nos serviços de urgência. 1. ed. 1. reimpr. – Brasília: Ministério da Saúde, 2010 (a). BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização: o que é; como implementar (uma síntese das diretrizes e dispositivos da PNH em perguntas e respostas). Brasília, 2010 (b). Disponível em: https://www.redehumanizasus.net/sites/default/files/diretrizes_e_dispositivos_da_pnh1.pdf. Acesso em: 22/02/2022. CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das pessoas – o caso da saúde. IN: CECÍLIO, L. C. O. (org.). Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1994, pp 29-86. COHN, Amélia. As políticas de abate social no Brasil contemporâneo. Lua Nova: Revista de Cultura e Política [online]. 2020, n. 109, pp. 129-160. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-129160/109>. Epub 05 Jun 2020. ISSN 1807-0175. https://doi.org/10.1590/0102-129160/109. Acesso em 18/01/ 2022. FACCHINI, Luiz A. Covid-19: nocaute do neoliberalismo? Será possível fortalecer os princípios históricos do SUS e da APS em meio à pandemia? APS em Revista, Belo Horizonte, v. 2, n. 1, p. 122
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 3-10, 2020. DOI: 10.14295/aps.v2i1.73. Disponível em: https://www.apsemrevista.org/aps/article/view/73. Acesso em:08/04/2022. FALK, Maria Lúcia Rodrigues et al. Acolhimento como dispositivo de humanização: percepção do usuário e do trabalhador em saúde. Revista de APS. v. 13, n. 1, 2010. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/aps/article/view/14277. Acesso em: 12/04/2022. GONSALVES, Elisa Pereira. Conversar sobre iniciação à pesquisa científica. 5. ed. Campinas: Alínea, 2011. GRABOIS, Victor. Gestão do cuidado. In: GONDIM, Roberta; GRABOIS, Victor; MENDES, Walter (orgs.). Qualificação dos gestores do SUS. 2. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz/ENSP/EAD, 2011. p. 153-197. LIMA, Luciana Dias de; PEREIRA, Adelyne Maria Mendes; MACHADO, Cristiani Vieira. Crise, condicionantes e desafios de coordenação do Estado federativo brasileiro no contexto da COVID-19. Espaço temático: COVID-19 – contribuições da saúde coletiva. Cad. Saúde Pública, 2020. DOI: 10.1590/0102-311X00185220. Disponível em: http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1126/crise-condicionantes-e-desafios-de- coordenacao-do-estado-federativo-brasileiro-no-contexto-da-covid-19/informacoes- suplementares. Acesso em: 26/11/2021. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2019. MERHY, Emerson Elias. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo em saúde. In: MERHY, E. E.; ONOCKO, R (org.). Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo: Editora Hucitec, 2 ed., 2007, pp 71 – 112. MINAYO. O desafio do conhecimento. Pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC, 2014. OLIVEIRA, Caroline. Acolhimento e ambiência: dispositivos para a Humanização hospitalar. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde e da Vida). Universidade Franciscana – UFN. Santa Maria, 2019. Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFN- 1_558676f33e2568af3e57dfc404d15d8c. Aceso em: 12/04/2022. RODRIGUES, Juliana Bonelli; IBANHES, Lauro Cesar. Caminhos e Contornos: o Acolhimento na Atenção Básica em São Bernardo do Campo – SP. BIS, Bol. Inst. Saúde. 20(1): 67-73, 2019. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1008683. Acesso em: 02/05/2021. SANTOS, Adriano M.; GIOVANELLA, Ligia. Gestão do cuidado integral: estudo de caso em região de saúde da Bahia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 32, n. 3. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/Cv8VccfnPcZSq7dsvsqDHhS/?lang=pt&format=html. Acesso em: 23/04/2022. 123
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS SILVA, Wagner Ramedlav de Santana et al. A gestão do cuidado em uma unidade básica de saúde no contexto da pandemia de Covid-19. Trabalho, Educação e Saúde [online]. 2021, v. 19. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00330>. Acesso em: 02/04/2022. 124
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS ANÁLISE DO IMPACTO DO CORONAVÍRUS NO PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: estudo de caso de uma cooperativa do município de Ponta Porã ANALYSIS OF THE IMPACT OF THE CORONA VIRUS ON THE NATIONAL SCHOOL FOOD PROGRAM: a case study of a cooperative in the municipality of Ponta Porã Claudia Vera da Silveira1 Giovane Silveira da Silveira2 RESUMO O objetivo geral do artigo é analisar o impacto do Coronavírus (Covid 19) no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no município de Ponta Porã – MS. Como metodologia foi utilizada um estudo de caso com entrevistas a representante de entidades jurídicas de cooperativas que participam do programa como fornecedores de gêneros alimentícios no município de Ponta Porã. Os resultados indicam que nesse período de pandemia em que as aulas estão sendo desenvolvidos de forma remota os agricultores familiares ainda estão participando da chamada do PNAE por meio de entrega de kit de alimentos que contém mel, feijão, quiabo, batata doce, mandioca, abóbora cabotiã, banana nanica, tomate, entre outros. Em época difícil ou até mesmo nunca vivenciada como é o caso do Coronavírus, a garantia de participar do PNAE gera um pouco de alívio aos agricultores no que diz respeito à possibilidade de comercializar a sua produção. Palavras-chave: PNAE, COVID 19, Cooperativa. ABSTRACT The general objective of the article is to analyze the impact of Covid 19 on the National School Feeding Program (PNAE) in the municipality of Ponta Porã - MS. The methodology used was a case study with interviews with representatives of legal entities of cooperatives that participate in the program as suppliers of foodstuffs in the municipality 1 Doutora em Geografia -UFGD. E-mail: [email protected]. 2 Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade de Ponta Porã. Doutor em Geografia (UFGD). E-mail: [email protected] 125
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS of Ponta Porã. The results indicate that in this pandemic period in which classes are being developed remotely, family farmers are still participating in the PNAE call by delivering a food kit containing honey, beans, okra, sweet potatoes, cassava, pumpkin cabotiã, dwarf banana, tomato, among others. In a difficult time or even never experienced as is the case with the Coronavirus, the guarantee of participating in the PNAE generates a little relief for farmers with regard to the possibility of commercializing their production. Keywords: PNAE, COVID 19, Cooperative. 1 INTRODUÇÃO Ainda no primeiro decênio do século XXI o Governo Federal do Brasil regulamenta o PNAE – Programa Nacional de Merenda Escolar por meio da Lei 11.947 de 16 de junho de 2009. Tal decreto dispõe sobre uma política pública que funcionava desde 1955. Todavia, a pujantes modificações em tal política já estava sendo arquitetada desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual declarava em seu artigo 208 que a Alimentação Escolar deveria figurar nas Políticas Públicas de Educação, e assim, passa a ser constituída como política pública permanente do Estado. É por meio da Lei 11.947 de 16 de junho de 2009 em seu Artigo 14 que se expõe o mínimo de 30% dos recursos destinados do Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o PNAE, como oriundos da Agricultura Familiar. O princípio orientador de tal política é de que sua aplicação leve à melhoria da renda dos agricultores e, por conseguinte, ao desenvolvimento local e a alimentação saudável dos estudantes. Um ponto chave desta nova situação é de que a licitação por menor preço é substituída pela chamada pública de produtos. Triches e Schneider (2010) destacam a relevância de se conceder a parcela de 30% dos recursos do FNDE para o PNAE na aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar, haja vista que nos processos de licitação onde participam tanto atacadistas quanto varejistas, a preferência seria dada a agricultura familiar. Esse incentivo é de grande relevância, pois geralmente a produção da agricultura familiar é caracterizada por escala de produção pequena e fica onerosa, quando são realizadas as exigências tanto estruturais como e de logística. O PNAE é considerado um dos mais antigos programas sociais na área da alimentação e garante a “alimentação escolar dos alunos de toda a educação básica matriculados em escolas 126
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS públicas e filantrópicas” (BOHNER et al., 2014, p. 3195). Gonçalves e Baccarin (2018, p. 176) destacam que como “canal para a comercialização dos alimentos de origem familiar, o PNAE estimula renda e ocupação para as populações territoriais, além da alimentação saudável para os escolares”. Na Figura 1 é possível verificar uma série histórica sobre a evolução dos gastos do PNAE e do número de alunos beneficiados por tal programa. Percebe-se que enquanto o público atendido aumentou em 25%, os valores, já deflacionados, do PNAE aumentaram em 76%, ou seja, triplicaram em relação à variação do número de alunos. O que significa um aumento substancial de recursos para a alimentação do alunado. FIGURA 1: Série histórica dos alunos atendidos pelo PNAE e do volume de recursos deste programa no Brasil para o período de 1995 à 2015. Fonte: Dados do portal FNDE (2018a). Elaborado pelos autores. Na figura 02 é possível verificar a distribuição espacial dos recursos do PNAE segmentados pelo montante que é apropriado pela agricultura familiar e o restante que vão para os demais fornecedores. Como o recurso é repassado pelo número de alunos matriculados no ano anterior e tal variável está correlacionada com o quantitativo da população, então é esperado que o recurso esteja alocado nas regiões mais populosas do país, as quais se encontram no litoral como o sudeste, nordeste e sul. Sendo acompanhada pelas regiões onde o quantitativo da população no território se torna mais rarefeita como o norte e centro-oeste. 127
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS FIGURA 2: Distribuição dos recursos do PNAE por região do Brasil em 2016. Fonte: Dados do portal FNDE (2018b). Elaborado pelos autores. No que se refere à distribuição espacial dos recursos do FNDE para o PNAE pode-se perceber que o mesmo se distribui de forma mais intensa no litoral do país, pois neste a população está disposta de forma mais volumosa quando comparada com as demais regiões. E 128
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS uma população maior implica em uma maior recepção dos recursos que são destinados para estados e municípios conforme o número de alunos. Todavia, independente do volume de recursos, maior ou menor, o fato é de que a parte que cabe à Agricultura Familiar ainda está abaixo da faixa do mínimo de 30%. E isto pode ser explicado pelo fato de que os agricultores familiares ainda estão se adaptando a este novo mercado, também denominado por mercado institucional. 2 O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO MS Em um estado com 79 municípios, como Mato Grosso do Sul, o município de Ponta Porã esteve em quinto lugar, no ano de 2012, no que se refere à participação dos recursos do FNDE destinados para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, tal posição de quinto lugar também ocupou no ranking de absorção de recursos do FNDE pela Agricultura Familiar. Na figura 3 é possível verificar a participação da Agricultura Familiar no âmbito dos recursos do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação destinados para o Programa de Alimentação Escolar tanto em Ponta Porã quanto na média dos municípios do estado de Mato Grosso do Sul. FIGURA 3: Série histórica da participação da Agricultura Familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar em Ponta Porã e na média dos municípios do estado de Mato Grosso do Sul no período de 2012 à 2015. Fonte: elaborado pelos autores. 129
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Percebe-se que mesmo o município apresentando um decréscimo de tal participação do período inicial ao final da série, sua atuação ainda assim continua na maioria dos anos, com exceção de 2014, acima da média dos municípios de Mato Grosso do Sul. Percebe-se também que de 2014 para 2015, apesar de haver um decréscimo na participação, tal foi maior na média dos estados de Mato Grosso do Sul, quando comparado com o município de Ponta Porã. E no ano de 2013 teve-se que metade dos recursos do FNDE para o PNAE em Mato Grosso do Sul estiveram concentrados em quatro municípios, a saber: Campo Grande, Dourados, Corumbá e Três Lagoas. Somente a capital do Estado, Campo Grande, concentrou um terço do somatório de todos os recursos destinados para os municípios. Já Ponta Porã, assim como em 2012, figurou em quinto lugar no ranking de captação de recursos, tanto de recebimento do PNAE, quanto no quinto lugar de participação da agricultura familiar nos recursos destinados para a Alimentação Escolar. Em 2014 o valor do FNDE destinado para Ponta Porã ultrapassou a magnitude de um milhão de reais, mas somente R$ 264.436,65 foram destinados para a Agricultura Familiar. Assim, no dito ano, apesar de manter o ranking de quinto município do estado em termos de recebimento de recurso, sua posição no que se refere à captação de tal recurso pela Agricultura Familiar foi de oitavo lugar no estado. Em 2015 a soma de recursos dos seguintes municípios: Campo Grande, Dourados, Corumbá, Três Lagoas e Ponta Porã atingiam a porcentagem de 51,27% da soma de todos os recursos destinados do FNDE para o PNAE em Mato Grosso do Sul. Com relação ao quantitativo de valores monetários absorvidos pelos agricultores familiares do PNAE, advindos do FNDE, para os municípios de Mato Grosso do Sul nos anos de 2013, 2014 e 2015, apresenta-se na Figura 4 uma segmentação com faixas de assimilação de tais recursos. É possível perceber que a maioria dos municípios recebe um valor anual inferior à R$ 200.000 (duzentos mil reais). Com relação a valores acima de R$ 1.000 mil (um milhão de reais) tem-se que para todos os anos tal posição foi ocupada por municípios diferentes, ou seja, nenhum município conseguiu manter-se neste lugar para o período de 2013-2015. Já com relação aos municípios que ocupam a posição intermediária, na faixa de R$ 200 mil à R$ 1.000 mil, tem-se a permanência, em todos os anos, de Corumbá, Rio Brilhante, Naviraí e Ponta Porã. 130
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 3 O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO MUNICÍPIO DE PONTA PORÃ Verificamos que no município de Ponta Porã foram assistidas pelo PNAE um total de 13.573 alunos da rede pública municipal de ensino. Segmentados em Escola Municipal com total de 11.220 alunos, Centros de Educação Infantil com 2.057 alunos e Centro de Educação Especial com 296 alunos (SME, 2018). Também são atendidos 6 Escolas Estaduais. Também foi possível constatar que o Setor de Merenda Escolar do município elabora o cardápio das escolas por meio de um planejamento anual, que toma uma forma mensal dividido por sua vez em quatro semanas. Geralmente o setor envia um cardápio de todas as escolas urbanas e rurais semanalmente para a cooperativa de agricultores familiares que participa do PNAE, a partir desse cardápio a respectiva cooperativa inicia o contato e/ou articulação com os cooperados solicitando uma quantia X de produtos. As Escolas Estaduais também tem seus cardápios elaborados por nutricionistas. Geralmente os cooperados entregam a produção aos domingos no local da cooperativa, onde o Presidente juntamente com o Secretário da cooperativa recebe os produtos, fazem a pesagem correspondente e disponibilizam um comprovante de entrega de produção a cada cooperado. O meio de transporte utilizado pelos cooperados para a entrega produção varia desde moto, camioneta e/ou carona com amigos e os vizinhos. Nos dias de segunda-feira no período matutino no primeiro horário iniciam os preparativos para a entrega dos alimentos nas escolas municipais. O transporte é por conta da cooperativa localizada no Assentamento Itamarati e é realizado em camionete com baú onde são armazenados os alimentos que são entregues em cada escola municipal e/ou CEINFs. A Figura 6 traz um registro do percurso realizado desde o Assentamento Itamarati, até o centro da área urbana da cidade de Ponta Porã, no qual se concentra de forma majoritária as instituições de ensino municipais. Assim, como nas áreas rurais de Sanga Puitã, Graça de Deus e Cabeceira do Ápa. Verificou-se que os principais alimentos comercializados são mandioca, abóbora e cenoura, alface, salsinha, cebolinha, couve, cebola, tomate e brócolis, e frutas como laranja, pokã, banana. A Figura 5 e 6 apresentam alguns itens comercializados pela cooperativa que participa do PNAE. 131
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS FIGURA 5: Alimento comercializado via PNAE pelo Assentamento Itamarati ao município de Ponta Porã. Foto: Arquivo Cooperativa Entrevistada (2019). FIGURA 6: Alimento comercializado (tomate) via PNAE pelo Assentamento Itamarati ao município de Ponta Porã. Foto: Arquivo Cooperativa Entrevistada (2019). No contexto atual da pandemia do coronavírus (COVID 19) verificou-se que os agricultores estão ativos participando dos editais de chamadas do PNAE, porém estão se 132
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS adaptando à situação, a cooperativa continua recebendo os alimentos de cada agricultor, porém neste momento estão preparando kits de alimentos que será entregue nas escolas. A Figura 6 apresenta os kits de alimentos preparados por uma Cooperativa localizada no Assentamento Itamarati. Em um primeiro momento foram preparados 500 kits, posteriormente foram preparados outros 550 kits, todos para a rede estadual de ensino. Em entrevista com um dos representantes da cooperativa, este nos comentou o seguinte: As escolas estaduais estão cumprindo com a lei que o governo decretou, fazer kit de alimento, já o município ainda não pegou nada, a gente marcou pra conversar. Nesse momento de coronavírus quem perde mesmo é sempre o produtor, mas aqui a gente tá fazendo os kits, não estamos a todo vapor, estamos com 40 produtor, atendemos conforme dá. Atendemos 6 escolas estaduais. Tem um pedido de mais 500 kits tudo pro estado (Entrevista com o senhor M.D. em 25 de maio de 2020). FIGURA 6: Kits de alimentos preparados em período de pandemia do Coronavírus por uma cooperativa do Assentamento Itamarati. Fonte: M. D. (2020) 133
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Os kits contêm alimentos in natura, como mandioca, feijão, quiabo, batata doce, banana nanica, tomate, abóbora cabotiã. Alimentos não perecíveis como alface, cheio verde e cebolinha não fazem parte dos kits, assim como produtos processados como colorau ou iogurtes. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS As políticas públicas que incentivam a participação da agricultura familiar nos editais públicos como é o caso do PNAE eleva o nível de organização e profissionalização dos agricultores familiares, materializadas na forma de organizações, associações e cooperativas, assim como também permitem o aumento disponibilidade de alimentos saudáveis para as instituições de ensino municipais e estaduais. Assim sendo, agricultores de assentamentos de reforma agrária, comunidades indígenas e quilombolas podem se inserir no circuito mercadológico como fornecedora de alimentos. Em época difícil ou até mesmo nunca vivenciado como é o caso do Coronavírus, a garantia de participar do PNAE gera um pouco de alívio aos agricultores no que diz respeito a possibilidade de comercializar a sua produção. REFERÊNCIAS BOHNER, T. O. L. et al. Programa Nacional de Alimentação Escolar: uma abordagem das compras institucionais nas microrregiões da Quarta Colônia e Vale do Jaguari do estado do Rio Grande do Sul. Revista Monografias Ambientais – REMOA, Santa Maria, v. 14, n. 2, p. 3192- 3202, 2014. BRASIL. LEI n. 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica; altera as Leis n. 10.880, de 9 de junho de 2004, n. 11.273 de 6 de fevereiro de 2006, n. 11.507 de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória n. 2.178-36 de 24 de agosto de 2001, e a Lei n. 8.913 de 12 de julho de 1994; e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 de junho de 2009. FNDE. Dados Físicos e Financeiros do PNAE. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/programas/pnae/pnae-consultas/pnae-dados-fisicos-e-financeiros- do-pnae Acesso em 03/março/2018a. FNDE. PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar: Dados da Agricultura Familiar. Disponível em: https://www.fnde.gov.br/programas/pnae/pnae-consultas/pnae-dados-da- agricultura-familiar Acesso em 03/março/2018b. 134
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS GONÇALVES, Deywinson Tadeu Resende; BACCARIN, José Giacomo. Desenvolvimento territorial e alimentação escolar: o consumo no Vale do Ribeira e no Pontal do Parapanema - SP. Geografia, Rio Claro, v. 43, n. 1, p.173-184, abr. 2018. Quadrimestral. AGETEO - Associação de Geografia Teorética. MARQUES, A. A. et al. Reflexões de agricultores familiares sobre a dinâmica de fornecimento de seus produtos para a alimentação escolar: o caso de Araripe, Ceará. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 23, n. 4, p. 1329-1341, 2014. TRICHES, R.; SCHENEIDER, S. Reconstruindo o “elo perdido”: a reconexão da produção e do consumo de alimentos através do programa de alimentação escolar no município de Dois Irmãos (RS). In: Segurança Alimentar e Nutricional, n. 17, Campinas, 2010. PONTA PORÃ. Número de Alunos Matriculados nas Escolas Municipais Urbanas. Secretaria Municipal de Educação, Setor Censo Escolar. 2017. PONTA PORÃ. Número de Alunos Matriculados nos Centros de Educação Infantil. Secretaria Municipal de Educação, Setor Censo Escolar. 2017. PONTA PORÃ. Número de Escolas Municipais Urbanas. Secretaria Municipal de Educação, Setor Censo Escolar. 2018. PONTA PORÃ. Número de Centros de Educação Infantil. Secretaria Municipal de Educação, Setor Censo Escolar. 2017. 135
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 136
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS APONTAMENTOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO REGIONAL NOTES ON REGIONAL DEVELOPMENT Alan Silva1 RESUMO Desta forma, o objetivo principal desta pesquisa é apresentar as políticas de desenvolvimento regional brasileiro. O seguinte trabalho se classifica como uma revisão de literatura, em que foram utilizadas as bases de dados governamentais, Scielo, Portal CAPES e Google Acadêmico para a investigação. No bojo da essência da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, considera-se que esta teria maior capacidade de combate à desigualdade regional, dado seu conjunto de inovações teóricas e metodológicas e novos instrumentos. A problemática regional está no cerne do subdesenvolvimento do Brasil, porque está em linha com a nossa \"malformação estrutural\". No entanto, para construir um país mais igualitário, é preciso haver consenso sobre o escopo de um projeto nacional de longo prazo em relação à problemática regional. Palavras-chave: Disparidades. Desafios. Políticas Regionais. ABSTRACT Thus, the main objective of this research is to present the Brazilian regional development policies. The following work is classified as a literature review, in which governmental databases, Scielo, Portal CAPES and Google Academics were used for the investigation. At the heart of the essence of the National Policy for Regional Development, it is considered that it would have greater capacity to combat regional inequality, given its set of theoretical and methodological innovations and new instruments. The regional problem is at the heart of Brazil's underdevelopment, because it is in line with our \"structural malformation\". However, in order to build a more egalitarian country, there needs to be consensus on the scope of a long-term national project in relation to the regional problem. Keywords: Disparities. Challenges. Regional Policies. 1 Pós-graduado em Gestão Pública. Graduado em Administração pela Universidade Federal do Piauí. Email: [email protected] 137
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 1 INTRODUÇÃO O Brasil é um país de desigualdades. Possui um dos piores registros de desigualdade de renda pessoal do mundo. O Coeficiente de Gini, baseado na pesquisa domiciliar “PNAD” de 1999, é de 0,587, enquanto no México e nos EUA, para dados comparáveis, são 0,536 e 0,445, respectivamente. Neste país, os 10% das pessoas mais ricas recebem 50% da renda total, enquanto os 50% mais pobres recebem menos de 10% da renda total. Embora as estimativas variem, cerca de 30% da população brasileira vive abaixo da linha da pobreza. A desigualdade regional também é alta (KOVALESKI et al., 2019). A renda per capita da região Nordeste, a mais pobre do país, é apenas um terço da do Sudoeste, a mais rica. O primeiro concentra 58% do PIB nacional, enquanto o último apenas 13%, implicando uma relação de renda per capita Nordeste-Sudeste de 46% em 2000. Isso é um pouco melhor do que em 1970, quando a relação de renda per capita Nordeste-Sudeste era de 0,26, mas desde 1985 a situação parou de melhorar. Em algumas dimensões, piorou: a participação total do Nordeste no PIB nacional em 1985 era de 14%. Os vencedores aqui são as demais regiões, principalmente o Centro-Oeste (LIMA, LIMA, 2010). Os indicadores sociais da região Nordeste também estão significativamente abaixo da média nacional. Sua taxa de analfabetismo é pelo menos 3 vezes maior que a de São Paulo, a mortalidade infantil é duas vezes maior que a do Sudeste (54,5 por mil e 26,3 por mil, respectivamente), a expectativa de vida é quatro anos menor e a desigualdade de renda é muito pior. Nesse caso, o Coeficiente de Theil do Ceará, Bahia e Pernambuco é de 0,80 enquanto o de São Paulo é de apenas 0,55. Cinquenta por cento da população do Nordeste vive na pobreza. A política regional no Brasil em sua forma moderna pode ser atribuída, inicialmente, ao trabalho de Celso Furtado no “Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, GTDN (“Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste”, Sudene (1967)) escrito no final dos anos cinquenta. Inspirado nas teorias da Cepal e da Escola Estruturalista da América Latina, este documento transpôs para o nível regional as ideias desse grupo para o relativo subdesenvolvimento dos países do continente (CARLEIAL, 2014). Usando o conceito de centro-periferia, a Cepal destacou que a pobreza na América Latina era, em essência, um problema de desvantagem dos termos de troca que não permitiria aos países da região acumular recursos internos suficientes. Assim, os investimentos 138
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS permaneceriam abaixo do necessário para produzir um crescimento rápido, a menos que houvesse alguma forma de intervenção pública. O principal papel do governo deve ser a criação das condições necessárias para a industrialização, dadas as carências estruturais da agricultura. Consequentemente, barreiras à importação foram erguidas para aumentar a competitividade da produção nacional. Subsídios e muitas formas de transferências para o setor manufatureiro foram, pelo menos temporariamente, programas de investimento agressivos em infraestrutura e em setores estratégicos, principalmente industriais e de utilidade pública, foram implementados (UDERMAN, 2008b). Desta forma, o objetivo principal desta é pesquisa é apresentar as políticas de desenvolvimento regional brasileiro. O trabalho se classifica como uma revisão de literatura definida por Gil (2008) como aquela que utiliza textos (ou outro material intelectual impresso ou gravado) como fontes primárias para obter seus dados. Neste trabalho foram utilizadas as bases de dados governamentais, Scielo, Portal CAPES e Google Academics para a investigação. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 DESIGUALDADES REGIONAIS Desde a consolidação das políticas regionais pela administração pública brasileira, em meados do século 20, os debates sobre a problemática regional têm causado grande controvérsia. Seja no âmbito da produção acadêmica ou da formulação de políticas públicas, alguns fatores se destacam: a ausência de consenso sobre a definição e delimitação das regiões; a conceituação das desigualdades regionais; e a seleção de indicadores capazes de avaliar sua dinâmica, bem como as proposições contrastantes sobre as ações que devem ser realizadas para mitigar as desigualdades regionais. Essas polêmicas mostram a complexidade do tema e alertam para os grandes desafios que o país enfrenta para combater as desigualdades espaciais que o caracterizam (CAMPOS, 2012). O fato de haver múltiplas interpretações sobre as desigualdades regionais no Brasil não é um problema em si, mas sim a falta de consenso sobre os determinantes das desigualdades regionais e a própria essência das ações que devem ser tomadas para mitigá-las. Isso dificulta a formulação de uma teoria mais sólida, que possa aumentar nosso entendimento sobre a 139
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS dinâmica do cenário regional do Brasil hoje, pois teorias e metodologias substancialmente divergentes tornam impossível comparar essas pesquisas ou mesmo vê-las como complementares. Além disso, em um ambiente político e institucional marcado pela instabilidade, descontinuidade das políticas públicas, departamentalização, fragmentação e falta de cooperação entre os governos, a falta de consenso sobre a problemática regional tem contribuído para a formulação de processos fragmentados, desarticulados, conflitantes, concorrentes e políticas regionais contraditórias, comprometendo a eficácia e eficiência do planejamento regional brasileiro (BRANDÃO, 2018). A compreensão das desigualdades regionais no Brasil está fortemente fundamentada em aspectos teóricos, metodológicos e políticos associados aos debates sobre as disparidades socioeconômicas entre as regiões Nordeste e Sudeste do país, que estão no cerne da consolidação do planejamento regional no âmbito do Estado brasileiro no segundo metade do século XX (MENDES, NETO, 2012). As desigualdades regionais do Brasil surgiram na primeira metade do século XX, no marco de um processo de integração econômica e política das regiões, em decorrência da industrialização do país. Até então, as regiões do país permaneciam desarticuladas, cada uma delas apresentando maior ou menor crescimento de acordo com os ciclos econômicos que as impulsionavam, com caráter fundamentalmente agrícola ou extrativista (CAMPOS, 2012). Os padrões climáticos moldam o meio ambiente e as sociedades se adaptam a ele. Por sua vez, as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de edifícios e infraestrutura hidráulica alteram os sistemas físicos, obrigando as sociedades a se adaptarem novamente às condições modificadas. Mudanças nessas dimensões interdependentes delineiam a evolução dos modelos de gestão da água usados pelas sociedades, e esse tem sido o caso no Nordeste. O avanço das políticas públicas e do desenvolvimento econômico das regiões semiáridas refletem as tentativas da sociedade de se adaptar a ambientes naturais e modificados em mudança. Esta seção apresenta paradigmas, políticas públicas e ideias discutidas por líderes históricos desde o início da colonização (BRANDÃO, 2018). A integração do mercado nacional brasileiro trouxe as sementes da problemática regional, ao replicar a mesma divisão geográfica do trabalho que viciaria o desenvolvimento de toda a economia global, com suas metrópoles industrializadas e suas colônias produtoras de matéria-prima. Como resultado desse padrão, à medida que a industrialização avançava, as 140
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS desigualdades no Brasil tenderiam a aumentar, porque a simultaneidade de um sistema industrial de base regional e um conjunto de economias dependentes e subordinadas de base primária tendia a criar relações econômicas exploradoras (MENDES, NETO, 2012). Assim, no documento “Uma Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste”, publicado em 1959, são apontadas as grandes disparidades nas taxas de renda entre o Nordeste e o Centro-Sul do Brasil, assim como o Brasil. O ritmo de crescimento mais lento da economia nordestina tenderia a criar dois sistemas antagônicos no país, o que poria em risco sua integração nacional. A inadequação das políticas macroeconômicas e industriais adotadas pelo Estado teria contribuído para agravar o problema, já que o Meio-Sul industrializado era excessivamente favorecido (CAMPOS, 2012). As desigualdades regionais estão em um processo de malformação estrutural, que está no cerne do subdesenvolvimento, no qual se entrelaçam as dimensões ecológica, econômica, social e política. Em termos de estruturas, a heterogeneidade regional do Brasil em meados do século 20 criou uma infinidade de formas de subdesenvolvimento geradas no âmbito de um processo histórico. Essa pletora de regiões com diferentes níveis de desenvolvimento, grande heterogeneidade social e graves problemas sociais persiste até hoje (MENDES, NETO, 2012). A problemática dos desequilíbrios regionais no Brasil decorre do processo de desenvolvimento histórico de cada região. As causas dos desequilíbrios regionais foram a fraca integração de uma economia exportadora de base primária com o mercado internacional em partes do Brasil ao longo de sua história, um fato que rendeu menor crescimento e difusão econômica, e um desenvolvimento abaixo do padrão das relações capitalistas de produção para a periferia nacional (Brasil, excluindo o estado de São Paulo, e incluindo especialmente o Norte e Nordeste) (BRANDÃO, 2018). O aumento das disparidades regionais teria ocorrido no contexto do processo de industrialização do país, como sinal e momento de integração nacional, em um movimento dialético que destruiu as economias regionais para concentrar e centralizar capitais no que hoje é a região sudeste, liderado por o estado de São Paulo. A integração, entendida como “um momento do processo de nacionalização do capital”, ocorre quando as economias regionais, até então diretamente conectadas aos mercados internacionais, passam a ser controladas pela região do país que assume o processo de expansão capitalista no território brasileiro (ISMAEL, 2019). 141
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Portanto, essas disparidades são o sinal do movimento diferencial de acumulação nas relações entre as regiões, em um processo global que levou o sistema a uma implacável “concentração de renda, propriedade e poder”, com a “substituição da propriedade rural, classes no topo da pirâmide de poder pelas novas classes burguesas comerciais-industriais”, onde não havia possibilidade de uma ruptura em favor das classes trabalhadoras. 2.2 POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL Para solucionar as desigualdades regionais no Brasil, no final do século XX, dois fatos críticos ocorreram: o primeiro, a estabilização da economia (1994), que interrompeu a hiperinflação. A segunda é um conjunto de ações voltadas para o desenvolvimento regional. Dentre as ações em prol do desenvolvimento regional, podemos citar o Programa “Brasil em Ação” (1996), que agrupa empresas das áreas social e de infraestrutura para solucionar problemas estruturais do Brasil por meio do aumento da competitividade; a criação da Secretaria Especial de Políticas Regionais (SEPRE), vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento, que em 1999 será absorvida pelo Ministério da Integração Nacional (MIN), atual Ministério do Desenvolvimento Regional. Ao MIN foi delegada a formulação de uma política de desenvolvimento nacional integrada, a formulação de planos e programas de desenvolvimento regional, a formulação de estratégias e diretrizes para a aplicação de recursos financeiros de fundos constitucionais e outros fundos existentes para o desenvolvimento regional, defesa civil, anti-secas obras, infraestrutura hídrica, entre outros (CARLEIAL, 2014). Na perspectiva do MIN, a intervenção no processo de desenvolvimento regional teve dois enfoques: o primeiro relacionado com as questões institucionais do Estado brasileiro (tributário, previdenciário e educacional ...); a segunda ligada à distribuição das atividades econômicas em nível regional por meio de eixos significativos, passíveis de intervenção e que estruturam a integração nacional e internacional. Entre os eixos estavam Zona Franca de Manaus, corredor Noroeste e corredor Norte; o litoral Nordeste; o semi-árido nordestino; a porção Centro-Leste e a área geoeconômica de Brasília; a região Centro-Oeste e as fronteiras do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL); além de promover áreas deprimidas ou diferenciadas (LIMA, LIMA, 2010). 142
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A partir de 2003, o planejamento regional foi retomado com a formulação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), instituída pelo Decreto nº 6.047, de 22 de fevereiro de 2007, abrangendo inicialmente os anos de 2008 a 2011. Esse período foi marcado pelo enfraquecimento do neoliberalismo, à medida que o desenvolvimentismo ganha força, a partir de uma leitura mais ideológica segundo a qual o Estado deve recuperar sua capacidade de intervenção (BRANDÃO, 2018). No século XXI, a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) foi apresentada em 2007 e reestruturada em 2019. A formulação de uma política nacional de estímulo e promoção às regiões marcará uma mudança substancial na estratégia de desenvolvimento regional brasileira até então concentrada em grandes obras públicas e políticas intervencionistas vindas do governo federal em um movimento de cima para baixo. As diretrizes da PNDR marcarão o reconhecimento das capacidades regionais, as especificidades dos territórios e o empoderamento das lideranças locais na formulação de estratégias de desenvolvimento territorial. Em outras palavras, a PNDR traz elementos de desenvolvimento territorial a partir de ações locais (CAVALCANTE, 2018). A Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) tem como objetivo principal a redução das desigualdades entre as regiões brasileiras, a promoção da equidade no acesso às oportunidades de desenvolvimento e orienta os programas e ações federais no território brasileiro. Para atingir esse objetivo, as estratégias são: estimular e apoiar processos e oportunidades de desenvolvimento regional em múltiplas escalas; articular ações que, como um todo, promovam uma melhor distribuição da ação e dos investimentos públicos no Território Nacional, com foco particular nos territórios selecionados e nas ações prioritárias. Esses territórios são listados na tipologia PNDR, que leva em consideração os níveis de renda e as variações do Produto Interno Bruto (PIB) (AMARAL FILHO, 2011). Em 2022 se completaram 15 anos desde que foi lançado o plano de Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) do Ministério da Integração Nacional (MI) que teve sua institucionalização em 2007. A inovação da PNDR por apresentar um tratamento da questão regional brasileira em mais de uma escala, ou seja, a questão regional é tratada em suas diversas escalas geográficas: municípios, microrregiões, mesorregiões etc. Um tratamento dessa modalidade faz com que se entenda melhor a complexa realidade do território brasileiro 143
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS e, dessa forma, se apliquem intervenções com uma possibilidade maior de serem eficientes para reduzir contrastes regionais (BRITO, THEIS, DOS SANTOS, 2019). No Nordeste, a intervenção governamental contribuiu para o crescimento ao conferir à região vantagens artificiais de localização na forma de incentivos fiscais e financeiros. Investimentos diretos de empresas estatais também foram realizados na região, especialmente em bens intermediários (refino de petróleo e produtos químicos). Espaços regionais segmentados também apareceram na região, fortalecendo o caráter dual da economia; áreas de intensa modernização coexistem com estruturas econômicas tradicionais, relutantes a mudanças técnicas. Por um lado, o Nordeste engloba pólos regionais dinâmicos desenvolvidos a partir de investimentos privados reforçados por incentivos governamentais, bem como de investimentos governamentais; Entre eles estão o polo petroquímico de Camaçari, o polo têxtil e de confecção de Fortaleza, o polo minerometal de Carajás, no Maranhão, que também abrange parte do Norte do Brasil, e áreas dispersas da agricultura moderna. Por outro lado, as plantações de cana-de-açúcar e cacau representam áreas resistentes às mudanças, incorporando métodos tradicionais de cultivo da terra com baixos padrões de produtividade (CARLEIAL, 2014). Em 2019, o governo do Brasil instituiu uma nova Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), por meio do Decreto Federal nº. 9.810, de 30 de maio de 2019. O objetivo geral da nova PNDR é reduzir as desigualdades regionais, especialmente econômicas e sociais. Para isso, estimular o crescimento econômico, gerar renda e melhorar a qualidade de vida da população será a referência para as ações governamentais. A nova PNDR substitui a anterior de 2007, cujas ações eram focadas no desenvolvimento territorial, por um foco voltado para a desconcentração e internalização do desenvolvimento beneficiando regiões com baixos indicadores socioeconômicos, declínio populacional e consolidação de uma rede policêntrica de cidades. Para isso, utilizará uma abordagem territorial, e nas escalas macro e sub-regionais (BRITO, THEIS, DOS SANTOS, 2019). No Brasil, o debate sobre as disparidades regionais não é contemporâneo, mas faz parte da atuação do governo federal desde o início do século XX. Entre as ações postas em prática ao longo dos anos, os investimentos em energia e infraestrutura rodoviária, a criação da Zona Franca de Manaus e a formação de corredores de desenvolvimento foram os principais instrumentos para tentar melhorar a atratividade das regiões periféricas do Brasil. Com a 144
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Constituição Federal de 1988, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão a garantia do desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades regionais e sociais. Nesse caso, o desenvolvimento regional passou a ser um dos focos do governo federal, e em 2007 e 2019 os decretos da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) foram apresentados como um instrumento legal para nortear as ações em prol do desenvolvimento regional e redução regional. disparidades que marcam o processo de desenvolvimento econômico brasileiro (KOVALESKI et al., 2019). Em termos de financiamento, a PNDR conta com fundos constitucionais para algumas regiões específicas do Brasil. Os fundos constitucionais de financiamento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste totalizaram R $ 2,5 bilhões em 1995. Como percentual do Produto Interno Bruto (PIB) regional, representou 0,2% do PIB do Norte, 0,6% no no Nordeste e 0,2% no Centro-Oeste. Em 2012, os valores foram da ordem de R $ 20 bilhões. Em participação relativa do PIB regional, já representava 1,0% do PIB na Região Norte, 2,3% no Nordeste e 1,6% no Centro-Oeste. Ou seja, para as macrorregiões mais pobres do Brasil, existem consideráveis recursos constitucionais. Já as Regiões Sul e Sudeste, consideradas mais dinâmicas, apesar de apresentarem áreas problemáticas em seu território, não têm acesso a fundos constitucionais específicos para o desenvolvimento regional (CAVALCANTE, 2018). Em relação à regionalização prioritária e diferenciada como foco de atuação, a PNDR avançou na abordagem territorial, na articulação intersetorial e na capacitação de lideranças locais por meio dos fóruns de desenvolvimento de áreas prioritárias. Criou também a Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, com as atribuições de estabelecer diretrizes para a operacionalização das ações; promover a articulação com as demais políticas setoriais e a convergência de suas ações nas áreas definidas como prioritárias; propor critérios e aprovar as diretrizes de aplicação dos instrumentos financeiros; e planos, programas e ações de monitoramento (BRANDÃO, 2018). Apesar do Decreto Federal nº. 9.810, de 30 de maio de 2019, ainda tramita no Senado Federal do Brasil uma proposta de revisão da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) de 2007. Essa proposta, denominada Projeto de Lei 375/2015, se baseia em uma nova tipologia da dinâmica regional brasileira. A atualização da tipologia já é uma das atribuições do Ministério da Integração Nacional, atual Ministério do Desenvolvimento Regional, dada a necessidade de monitorar o desempenho das regiões brasileiras, incorporar dados recentes e 145
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS traçar parâmetros para a aplicação dos recursos constitucionais para o Norte, Regiões Nordeste e Centro-Oeste (KOVALESKI et al., 2019). A PNDR é diferente das políticas anteriores porque tem várias representações regionais e escalas espaciais diferentes, e também porque muda velhos paradigmas políticos, administrativos e econômicos. Nesse sentido, destaca-se uma noção mais complexa de desenvolvimento, que abarcou não só a esfera econômica, mas também a social e ambiental, bem como a escala local (BRITO, THEIS, DOS SANTOS, 2019). Com o objetivo de nortear a natureza das políticas que seriam implementadas, as microrregiões utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foram classificadas por meio do cruzamento das variáveis “renda familiar per capita” e “variação do PIB per capita”, usando dados de 1991 e 2000. No entanto, essa tipologia foi pouco utilizada, pois os esforços se concentraram nas seguintes representações regionais já existentes: Mesorregiões Especiais, Territórios Rurais e Territórios Cívicos, todos relacionados com a promoção do desenvolvimento por meio da valorização dos bens e serviços sociais e do incentivo à atividade econômica local. A PNDR definiu essas regiões como espaços prioritários, junto com outras representações regionais. Semelhante aos Polos de Desenvolvimento e ENIDs, o PNDR teve implicações muito escassas para a superação das desigualdades regionais que permeiam o cenário socioespacial brasileiro. Note-se que as políticas essencialmente regionais são atribuídas ao Ministério da Integração Nacional. No entanto, Territórios Cívicos e Territórios Rurais - ou seja, dois dos três programas de governo que receberam mais atenção política da PNDR - reportavam ao Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil e, portanto, tinham uma abordagem mais específica. Além disso, os incentivos fiscais criados pela PNDR permaneceram voltados para as grandes empresas privadas, que tendem a aumentar a histórica concentração social e espacial da riqueza do país. Assim, as propostas mais inovadoras desta política tiveram baixos níveis de implementação, reduzindo muito a promoção dos Arranjos Produtivos Locais, que são mais diversos e têm impacto limitado nos contextos regionais e nacionais (BRITO, THEIS, DOS SANTOS, 2019). 146
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 3 CONCLUSÕES A leitura sobre a origem das desigualdades regionais está intimamente ligada à identificação de seus elementos determinantes e, portanto, ao caráter das propostas, acadêmicas ou governamentais, voltadas para sua superação. É imprescindível destacar que essas leituras e propostas de intervenção na dinâmica socioespacial, inclusive na problemática regional, possuem um conjunto próprio de ideologias e projetos políticos subjacentes, que podem ter maior ou menor grau de aderência aos propósitos dos atores hegemônicos no poder. Entender as desigualdades regionais como desequilíbrios / disparidades nas taxas de crescimento econômico das diferentes áreas do país, sugere propostas que pretendem promover o dinamismo econômico em regiões “atrasadas” / “estagnadas”. Do ponto de vista governamental, essa aceitação serviu em parte para subsidiar a criação de Polos de Desenvolvimento na década de 1970, realizados de forma política e espacialmente centralizada, além de burocrática, desvinculada das demais políticas públicas e sem participação social, resultando assim no aumento das desigualdades regionais no Brasil. Compreender as desigualdades regionais do país em consequência da divisão regional do trabalho a nível nacional, resultante do processo de industrialização, como fazem Francisco de Oliveira e Ruy Moreira, tende a implicar propostas relacionadas com um (re) ordenamento do território, pois visam alterar a estrutura socioeconômica do território do país, incluindo as relações inter-regionais, envolvendo regiões desenvolvidas/ centrais/ avançadas e regiões subdesenvolvidas/ periféricas/ atrasadas. Nesse sentido, até o momento não existem políticas públicas que visem a um verdadeiro (re) planejamento regional no Brasil, embora nossa Constituição Federal, promulgada em 1988, estipule a imprescindível adoção de tal política no âmbito de um Projeto Nacional, que, aliás, também é inexistente. Os Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, com uma finalidade semelhante a uma política de (re) planejamento territorial, aumentaram, em seu cerne, as desigualdades regionais existentes. Esse fato está parcialmente associado às influências neoliberais arraigadas na esfera político- econômica e às influências gerenciais na esfera político-administrativa. Considerando a essência da Política Nacional de Desenvolvimento Regional, consideramos que ela teria maior capacidade de combate à desigualdade regional, dado seu conjunto de inovações teóricas e metodológicas e novos instrumentos financeiros e 147
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS administrativos, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. No entanto, a resistência política que surgiu contra a PNDR, por ter potencial para contribuir com a mudança estrutural necessária ao desenvolvimento socioeconômico do país, acabou levando a graves déficits de implementação e execução. Isso mostra que a problemática regional está no cerne do subdesenvolvimento do Brasil, porque está em linha com a nossa \"malformação estrutural\". No entanto, para construir um país mais igualitário, é preciso haver consenso sobre o escopo de um projeto nacional de longo prazo em relação à problemática regional. REFERÊNCIAS AMARAL FILHO, Jair do (Ed.). Trajetórias de desenvolvimento local e regional: Uma comparação entre a região Nordeste do Brasil e a Baixa Califórnia, México. Editora E-papers, 2011. BRANDÃO, Carlos. Desenvolvimento nacional, políticas regionais e o poder de decisão segundo Celso Furtado. Cadernos do Desenvolvimento, v. 5, n. 7, p. 101-115, 2018. BRITO, Vivian Costa; THEIS, Ivo Marcos; DOS SANTOS, Gilberto Friedenreich. O Nordeste Brasileiro: A Escala Regional No Interior Da Unidade Nacional. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 15, n. 3, 2019. CARLEIAL, Liana. O desenvolvimento regional brasileiro ainda em questão. en RANDOLPH, Rainer, 2014. CAMPOS, José Nilson Bezerra. A evolução das políticas públicas no Nordeste. Em: MAGALHÃES, AR. A questão da água no Nordeste. Brasília: CGEE, p. 261-87, 2012. CAVALCANTE, Luiz Ricardo. Políticas de Desenvolvimento Regional no Brasil: uma estimativa de custos. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 14, n. 3, 2018. ISMAEL, Ricardo. As elites políticas do nordeste e o modelo de desenvolvimento regional. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais, v. 53, 2019. KOVALESKI, João Luiz et al. Análise bibliométrica em desenvolvimento regional no contexto brasileiro. Revista Baru-Revista Brasileira de Assuntos Regionais e Urbanos, v. 5, n. 2, p. 199- 214, 2019. LIMA, Ana Carolina da Cruz; LIMA, João Policarpo Rodrigues. Programas de desenvolvimento local na região Nordeste do Brasil: uma avaliação preliminar da\" guerra fiscal\". Economia e Sociedade, v. 19, n. 3, p. 557-588, 2010. 148
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS MARTINS, Eduardo Sávio Passos Rodrigues; MAGALHÃES, Antonio Rocha. A seca de 2012-2015 no Nordeste e seus impactos. Parcerias Estratégicas, v. 20, n. 41, p. 107-128, 2016. MENDES, Constantino Cronemberger; NETO, Aristides Monteiro. Planejamento, instrumentos e resultados: avaliação da compatibilidade de políticas para o desenvolvimento do Nordeste. Texto para Discussão, 2011. PARREIRA, kerima; VIEIRA, Jeferson De Castro. Mapa Da (Des) Centralização Regional No Brasil Contemporâneo. Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional, 2019. SENRA, Kelson Vieira. Cinquenta anos de políticas públicas federais de desenvolvimento regional no Brasil. Políticas urbanas e regionais no Brasil, p. 168-194, 2011. UDERMAN, Simone. O Estado e a formulação de políticas de desenvolvimento regional. Revista Econômica do Nordeste, v. 39, n. 2, p. 232-250, 2008a. UDERMAN, Simone. Políticas de Desenvolvimento Regional no Brasil: Limites de uma nova agenda para nordeste. Revista Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos, v. 2, n. 2, 2008b. 149
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 150
Search
Read the Text Version
- 1
- 2
- 3
- 4
- 5
- 6
- 7
- 8
- 9
- 10
- 11
- 12
- 13
- 14
- 15
- 16
- 17
- 18
- 19
- 20
- 21
- 22
- 23
- 24
- 25
- 26
- 27
- 28
- 29
- 30
- 31
- 32
- 33
- 34
- 35
- 36
- 37
- 38
- 39
- 40
- 41
- 42
- 43
- 44
- 45
- 46
- 47
- 48
- 49
- 50
- 51
- 52
- 53
- 54
- 55
- 56
- 57
- 58
- 59
- 60
- 61
- 62
- 63
- 64
- 65
- 66
- 67
- 68
- 69
- 70
- 71
- 72
- 73
- 74
- 75
- 76
- 77
- 78
- 79
- 80
- 81
- 82
- 83
- 84
- 85
- 86
- 87
- 88
- 89
- 90
- 91
- 92
- 93
- 94
- 95
- 96
- 97
- 98
- 99
- 100
- 101
- 102
- 103
- 104
- 105
- 106
- 107
- 108
- 109
- 110
- 111
- 112
- 113
- 114
- 115
- 116
- 117
- 118
- 119
- 120
- 121
- 122
- 123
- 124
- 125
- 126
- 127
- 128
- 129
- 130
- 131
- 132
- 133
- 134
- 135
- 136
- 137
- 138
- 139
- 140
- 141
- 142
- 143
- 144
- 145
- 146
- 147
- 148
- 149
- 150
- 151
- 152
- 153
- 154
- 155
- 156
- 157
- 158
- 159
- 160
- 161
- 162
- 163
- 164
- 165
- 166
- 167
- 168
- 169
- 170
- 171
- 172
- 173
- 174
- 175
- 176
- 177
- 178
- 179
- 180
- 181
- 182
- 183
- 184
- 185
- 186
- 187
- 188
- 189
- 190
- 191
- 192
- 193
- 194
- 195
- 196
- 197
- 198
- 199
- 200
- 201
- 202
- 203
- 204
- 205
- 206
- 207
- 208
- 209
- 210
- 211
- 212
- 213
- 214
- 215
- 216
- 217
- 218
- 219
- 220
- 221
- 222
- 223
- 224
- 225
- 226
- 227
- 228
- 229
- 230
- 231
- 232
- 233
- 234
- 235
- 236
- 237
- 238
- 239
- 240
- 241
- 242
- 243
- 244
- 245
- 246
- 247
- 248
- 249
- 250
- 251
- 252
- 253
- 254
- 255
- 256
- 257
- 258
- 259
- 260
- 261
- 262
- 263
- 264
- 265
- 266
- 267
- 268
- 269
- 270
- 271
- 272
- 273
- 274
- 275
- 276
- 277
- 278
- 279
- 280
- 281
- 282
- 283
- 284
- 285
- 286
- 287
- 288
- 289
- 290
- 291
- 292
- 293
- 294
- 295
- 296
- 297
- 298
- 299
- 300
- 301
- 302
- 303
- 304
- 305
- 306
- 307
- 308
- 309
- 310
- 311
- 312
- 313
- 314
- 315
- 316
- 317
- 318
- 319
- 320
- 321
- 322
- 323
- 324
- 325
- 326
- 327
- 328
- 329
- 330
- 331
- 332
- 333
- 334
- 335
- 336
- 337
- 338
- 339
- 340
- 341
- 342
- 343
- 344
- 345
- 346
- 347
- 348
- 349
- 350
- 351
- 352
- 353
- 354
- 355
- 356
- 357
- 358
- 359
- 360
- 361
- 362
- 363
- 364
- 365
- 366
- 367
- 368
- 369
- 370
- 371
- 372
- 373
- 374
- 375
- 376
- 377
- 378
- 379
- 380
- 381
- 382
- 383
- 384
- 385
- 386
- 387
- 388
- 389
- 390
- 391
- 392
- 393
- 394
- 395
- 396
- 397
- 398
- 399
- 400
- 401
- 402
- 403
- 404
- 405
- 406
- 407
- 408
- 409
- 410
- 411
- 412
- 413
- 414
- 415
- 416
- 417
- 418
- 419
- 420
- 421
- 422
- 423
- 424
- 425
- 426
- 427
- 428
- 429
- 430
- 431
- 432
- 433
- 434
- 435
- 436
- 437
- 438
- 439
- 440
- 441
- 442
- 443
- 444
- 445
- 446
- 447
- 448
- 449
- 450
- 451
- 452
- 453
- 454
- 455
- 456
- 457
- 458
- 459
- 460
- 461
- 462
- 463
- 464
- 465
- 466
- 467
- 468
- 469
- 470
- 471
- 472
- 473
- 474
- 475
- 476
- 477
- 478
- 479
- 480
- 481
- 482
- 483
- 484
- 485
- 486
- 487
- 488
- 489
- 490
- 491
- 492
- 493
- 494
- 495
- 496
- 497
- 498
- 499
- 500
- 501
- 502
- 503
- 504
- 505
- 506
- 507
- 508
- 509
- 510
- 511
- 512
- 513
- 514
- 515
- 516
- 517
- 518
- 519
- 520
- 521
- 522
- 523
- 524
- 525
- 526
- 527
- 528
- 529
- 530
- 531
- 532
- 533
- 534
- 535
- 536
- 537
- 538
- 539
- 540
- 541
- 542
- 543
- 544
- 545
- 546
- 547
- 548
- 1 - 50
- 51 - 100
- 101 - 150
- 151 - 200
- 201 - 250
- 251 - 300
- 301 - 350
- 351 - 400
- 401 - 450
- 451 - 500
- 501 - 548
Pages: