ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS direitos, uma vez que a sua preservação exige do aparato estatal uma atuação mais positiva, objetivando proporcionar aos cidadãos o mínimo para uma existência pautada no princípio da dignidade da pessoa humana. Desse modo, realizamos a pesquisa bibliográfica e analisamos documentos de cunho científico publicados anteriormente sobre o tema em tela para colaborar com a realização deste artigo. O trabalho de revisão bibliográfica será discutido com supedâneo na Constituição da República Federativa do Brasil, no posicionamento de alguns pesquisadores em artigos científicos, bem como nos livros lidos e nos conhecimentos assimilados na disciplina Estado, Direitos e Políticas Sociais do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Direitos Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Nesse sentido, fizemos os respectivos questionamentos: Quais as principais características da formação histórica do Estado que tem por consequência a sua função civilizatória? Como o Estado exerce o seu papel de garantidor dos direitos sociais? Qual a importância de políticas sociais efetivas na garantia e preservação desses direitos? Concluímos que a garantia e a preservação dos direitos sociais sempre foram fundamentos do Estado, na medida em que este visa proteger os cidadãos e promover o bem- estar de todos. Ademais, a materialização desses direitos, consagrados após diversas lutas históricas, se dá mediante o exercício de políticas públicas efetivas que cumpram a função civilizatória do Estado e promovam oportunidades para a superação de desigualdades sociais. 2 BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DO ESTADO Ao longo da formação histórica da sociedade mundial, o Estado passou por inúmeras concepções, na medida em que diversos doutrinadores expuseram suas análises e percepções sobre o tema. Conforme Gramsci (1980), a natureza humana é o conjunto das relações sociais historicamente determinadas, isto é, um fato histórico comprovável, sendo assim, é essencial entender o papel do Estado na garantia dos direitos, sobretudo quanto às políticas sociais e seus efeitos perante toda a sociedade. Vejamos: Para Marx, o Estado passa a ser visto como um organismo que exerce uma função precisa: garantindo a propriedade privada, o Estado assegura e reproduz a divisão da sociedade em classes (ou seja, conserva a sociedade civil) e, desse modo, garante a 51
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS dominação dos proprietários dos meios de produção sobre os não-proprietários, sobre os trabalhadores diretos (COUTINHO, 1996, p. 19). Por sua vez, Mandel define o Estado como “um produto da divisão social do trabalho. Surgiu da autonomia crescente de certas atividades superestruturais, mediando a produção material, cujo papel era sustentar uma estrutura de classe e relações de produção” (1986, p.333). Para Engels (apud LENIN, 2010), o Estado é um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento; é uma força que se coloca acima da sociedade para que as classes não entrem em conflito. Já para Lenin (2010), o Estado não é um órgão de conciliação de classes, mas sim um aparato de dominação de classe. Por outro lado, para Poulantzas (2000), o Estado não representa um monopólio do capital, mas sim o resultado de uma luta de classes resultante da divisão social do trabalho. Outro doutrinador de grande importância, responsável pela ampliação do conceito de Estado, foi Gramsci. Para ele, Estado representa a fusão de sociedade política e sociedade civil, tornando-se, além de um instrumento de dominação, um espaço onde existe inúmeras contradições. Gramsci (1980) defende um Estado devidamente articulado, cuja estrutura não deve apoiar-se sobre a ditadura do proletariado, mas sobre a capacidade do proletariado de ser “hegemônico” e de manter aliança com as demais classes. Em nosso país, o modelo de Estado que perdurou até meados da década de 70 tinha por objetivo acelerar o crescimento econômico e incentivar o consumo. Esse Estado de Bem Estar Social, como foi denominado, ampliou os direitos sociais na medida em que atendia as reivindicações da classe operária e melhorava as condições de vida e de trabalho. Porém, esse ideal permaneceu até a eclosão das crises do capitalismo do século XX, onde a recessão e o desemprego se alastraram por toda a sociedade, sendo necessário ampliar as funções do aparato estatal. Desse modo, o Estado neoliberal se consolidou e a intervenção na vida social passou a ser mínima. Nesse contexto, o Estado assumiu um “caráter abstencionista, concebido como um ‘Estado Mínimo’” (ANGRA, 2018, p.56). Entretanto, esse modelo não perdurou por muito tempo, tendo em vista que se tornou necessário “uma maior intervenção do Estado para proporcionar um padrão mínimo de vida e harmonizar as desigualdades sociais” (ANGRA, 2018, p. 55). 52
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Com a nossa Constituição Federal de 1988 eclodiu a formação do Estado Democrático de Direito que, segundo Zimmermann (2002), representa a mistura de dois conceitos, quais sejam: o de Estado Democrático que visa governar em conformidade com as percepções da maioria; e o de Estado de Direito, que tem por objetivo limitar o poder estatal. Ressalta-se ainda que: A peculiaridade do Estado Democrático de Direito é sua vocação a superar a atual contradição do Estado contemporâneo – que ou preserva a todo o custo a liberdade dos indivíduos ou, em alguns casos, cresce desproporcionalmente ao concentrar os poderes necessários para realizar a tarefa de distribuição das prestações materiais necessárias à vida digna do indivíduo. Nesses termos é que vai a assertiva de que o Estado Democrático de Direito submete-se ao império da lei, mas da lei que assegura o princípio da igualdade não somente diante da generalidade de seus preceitos como também diante das desigualdades sociais existentes. Uma tarefa tal implica realizar transformações sociais, alterar o status quo. (MORAES, 2014, online). Nesse novo modelo de Estado, a justiça social norteia toda a atuação da máquina estatal, de modo que o principal objetivo seja assegurar o bem-estar de toda a coletividade, garantindo renda, alimentação, saúde, habitação, educação e etc. Desse modo, é missão do Estado exercer seu poder-dever de agir em benefício da sociedade, ratificando os fundamentos do Estado Democrático de Direito e promovendo instrumentos efetivos para diminuir as desigualdades sociais através de políticas públicas que consolidem uma vida digna para os cidadãos. 3 O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO CIVILIZATÓRIA Tendo por base o exposto acima, podemos afirmar que é papel primordial do Estado a garantia dos direitos sociais a todos os cidadãos, de modo a proporcionar o bem-estar comum e o mínimo existencial àqueles que compõem a sociedade. Nesse contexto, de início, cumpre destacar os ensinamentos de Claus Offe (1984), no sentido de que o aparato estatal é uma estrutura histórica e ideologicamente cristalizada, possuindo, assim, a capacidade de imprimir um caráter seletivo às ações governamentais e às políticas públicas. Desse modo, torna-se essencial compreender as funções do Estado em nossa sociedade, principalmente no que tange a sua moderna função civilizadora que visa promover desenvolvimento técnico, econômico e humano. 53
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Em O Capitalismo Tardio, Mandel (1986, p.333-334) destaca que as principais funções do Estado são: 1. Criar as condições gerais de produção que não podem ser asseguradas pelas atividades privadas dos membros da classe dominante; 2. Reprimir quaisquer ameaças das classes dominadas ou de frações particulares da classe dominante ao modo de produção, por meio do Exército, da polícia, do sistema penitenciário e do judiciário; 3. Integrar as classes dominadas, garantir que a ideologia da sociedade continue sendo a da classe dominante e, em consequência, que as classes exploradas aceitem sua própria exploração sem o exercício direto de repressão contra elas -> magia e ritual; filosofia e moral; lei e política [...] É evidente que o crescimento/surgimento do Estado acompanha o próprio processo civilizatório e, por consequência, a instituição e garantia dos direitos sociais. Nesse sentido, “a defesa de que certos números de direitos preexistem ao próprio Estado, por resultarem da natureza humana [...] o Estado serve aos cidadãos, é instituição concatenada para lhes garantir os direitos básicos” (MENDES, 2012, p. 204). Nesse sentido, Robério Paulino (2017) destaca que o Estado exerce duas funções: uma função negativa, pautada na opressão, dominação e aceleração do crescimento capitalista; e a função positiva, essencial para o desenvolvimento da Nação. Partindo desse pressuposto, resta consubstanciado que, além da inegável função de opressão e defesa dos interesses da classe dominante sobre as classes trabalhadoras, o Estado exerce uma função civilizatória, como organizador da vida social, construtor da infraestrutura e provedor de serviços públicos essenciais. Ademais, ressalta-se: O desenvolvimento do estado de bem-estar e os direitos sociais de cidadania a ele associados remodelaram fundamentalmente a natureza das sociedades modernas, a quais são atualmente caracterizadas por uma combinação única de estado de bem- estar e economia. [...] O estado de bem-estar [...] confere direitos sociais (padrões mínimos de saúde, renda, educação, direito ao trabalho) os quais, em sua implementação e plena expressão, transformaram o papel do Estado e a relação entre Estado e economia [...] (KING, 1988, p.55). Outrossim, a forma como se constrói o Estado, bem como a forma como ele se relaciona na história com a sociedade, “são os elementos que vão dizer acerca da possibilidade ou não 54
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS do Estado desempenhar as suas funções de acordo com os seus interesses e/ou de acordo com os interesses do povo e/ou de acordo com os interesses do capital” (PAULINO, 2017, p. 24). Assim, é inegável que o Estado exerce um papel de garantidor do bem-estar social, na medida em que formula, decide e cumpre políticas sociais que visam efetivar o direito de melhoria da qualidade de vida da população, tornando-se, cada vez mais, um governo do povo, do próprio Estado e do capital. 4 A GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS As políticas sociais em nosso país perpassam pela relação Estado, capital e sociedade, de modo que estas se desenvolvem sob a organização em conjunto do aparato estatal, sociedade e cidadãos. Entretanto, ainda que positivados em nossa legislação, faz-se mister salientar que para que os direitos sociais sejam devidamente efetivados, devem ser implementadas políticas eficientes, capazes de sanar as mazelas sociais. Destaca-se ainda que: Esses direitos sociais prestacionais, em regra, são garantidos mediante políticas públicas sociais, planejadas com o escopo de distribuir o capital social entre as classes sociais formadoras da comunidade, reduzindo as desigualdades, visto que os rumos do desenvolvimento passam pelo combate às desigualdades, à pobreza e à exclusão social, a partir de medidas que incluem a construção de uma nova cultura política, a estruturação de políticas públicas baseadas nas expectativas e demandas dos cidadãos, o fortalecimento das pessoas e das comunidades, o investimento em capital humano, à criação e fomento de capital social (LOURO SODRÉ, 2016, p. 243-244). Durante todo o período de formação da sociedade brasileira, diversas legislações foram elaboradas com o objetivo de garantir e efetivar os direitos sociais previstos em nossa Carta Magna, “porém a sua execução prática é permeada de muitos desafios, devido às sucessivas crises do capitalismo, que acarretam reformas do Estado para garantir a acumulação e a reprodução do capital e da força de trabalho” (BAVARESCO; MARTINS, 2019, p. 1). Cada vez mais, a luta pela efetivação dos direitos sociais torna-se um desafio da nossa sociedade, uma vez que faz-se mister garantir o bem-comum e manter a ordem social. Desta forma, entende-se que as políticas sociais representam o resultado da dinâmica social, da correlação entre os diversos atores sociais, em seus diferentes espaços e a partir dos variados 55
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS interesses e relações de força, sendo que a partir do século XIX é que elas são compreendidas como estratégias governamentais (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Ademais, ressalta-se que: Na medida em que o Estado tem o papel de garantir as condições para a acumulação e a legitimação do sistema, ele precisa responder às demandas da sociedade, precisa efetivar políticas públicas que sejam capazes de responder às necessidades básicas dos cidadãos, prevenir e aliviar a pobreza. (PAULINO, 2017, p.30). Cumpre destacar ainda que, em nosso país, a instituição das políticas sociais pautou-se, ao longo dos anos, em ser mais um mecanismo institucional de controle das forças populares. Assim sendo, a proteção social e garantia dos direitos sociais passou a ser promovida pelo Estado, por meio das nossas leis. Outrossim, “suas formulações passam pela preparação da decisão política [...] o planejamento, execução e avaliação dos resultados obtidos, tendo o gestor público de levar em consideração o que os cidadãos esperam ou desejam que melhore” (LOURO SODRÉ, 2016, p. 244). Nesse sentido, é missão do Estado promover políticas públicas efetivas, capazes de garantir e assegurar a todos os cidadãos os direitos sociais devidamente positivados em nossas legislações. Assim, os direitos sociais elencados no Art.6º da nossa Carta Magna, “para se tornarem palpáveis e efetivos, precisam de políticas públicas para organizar a atuação do Estado no cumprimento das prestações perante a sociedade” (RODRIGUES; WOLFF; OLIVEIRA, p.12). Nessa toada, Santin (2004, p.34-35) afirma: [...] As políticas públicas são os meios de planejamento para a execução dos serviços públicos. Em todas as áreas o Estado deve possuir políticas públicas de forma clara e precisa, na busca de melhor desempenho de suas atividades estatais. A fixação das políticas públicas ocorre por meio dos mecanismos estatais de planejamento das ações, estratégias e metas para atingir a finalidade pública de forma eficiente, na prestação de ações e serviços públicos [...] (SANTIN, 2004, p.34 -35). Desse modo, o atual Estado brasileiro, que se construiu na contemporaneidade e se reformula constantemente em conformidade com as necessidades sociais, é um instrumento que tem por objetivo primordial atender as demandas da sociedade e os interesses do próprio 56
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS capital, concretizando um Estado Democrático de Direito que assume uma concepção de governo do capital, do aparato estatal e do povo. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A transformação social é fruto constante de modificações históricas e culturais de um povo, de modo que toda a sociedade se torne harmônica e resolva pacificamente suas controvérsias. Nesse sentido, o aparato estatal torna-se o responsável por promover normas e políticas públicas que efetivem esses objetivos, fixando direitos e garantias fundamentais para a proteção dos indivíduos. Embora seja reformulado constantemente, o papel do Estado tem estrita relação com a economia e a sociedade, uma vez que a máquina do Estado deve atender às preferências dos cidadãos, na medida em que esses interesses são colocados acima dos interesses e valores do próprio Estado e daqueles que possuem riqueza produtiva, configurando-se, de fato, a soberania popular. Assim sendo, torna-se cada vez mais necessário reafirmar e fortalecer a missão estatal de garantidor dos direitos sociais, reforçando as conquistas trazidas pela nossa Constituição Federal de 1988, bem como os direitos da cidadania e da dignidade da pessoa humana. Conclui que, como forma de evitar a falência do sistema capitalista diante das suas diversas crises ao longo da história, o Estado se viu obrigado a ampliar as suas funções, garantindo as condições para legitimação e efetivação do sistema e, ao mesmo tempo, respondendo às demandas da sociedade por meio da aplicação de políticas públicas que garantam o mínimo existencial aos cidadãos, bem como prevenindo e aliviando a pobreza. Por fim, conclui ainda que, além de ser uma ferramenta de acumulação capitalista e dominação de classe, o Estado pode, ao mesmo tempo, ser uma alavanca fenomenal de desenvolvimento econômico, técnico e humano. Desse modo, no exercício da sua função civilizadora, o Estado tem o dever de proporcionar políticas sociais efetivas e oportunidades para a superação de desigualdades sociais, proporcionando uma melhor qualidade de vida a todos os indivíduos e preservando o princípio da dignidade da pessoa humana. 57
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS REFERÊNCIAS ANGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 9. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. BAVARESCO, Thiane Cristina; MARTINS, Tatiane Agostinho. A Gênese das Políticas Sociais e sua Interlocução com a Política de Educação. 7º Congresso Paranaense de Assistentes Sociais. O Trabalho do Assistente Social em Tempo de Retrocessos: defesa de direitos e lutas emancipatórias. Ponta Grossa. 2019. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Capitalismo, liberalismo e origens da política social. In: ____. Política Social: fundamentos e história. 9 ed. Coleção Biblioteca Básica de Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2011. COUTINHO, C. Nelson. Marxismo e Política: a dualidade de poderes e outros ensaios. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1996. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. KING, Desmond S. O estado e as estruturas sociais de bem-estar. Novos Estudos, São Paulo: CEBRAP, n. 22, p. 53-76, out. 1988. LENIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. Tradução revista por Aristide Lobo. 2ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. LOURO SODRÉ, J. I. Direitos sociais e políticas públicas: A dificuldade de efetivação. Revista de Direito, [S. l.], v. 7, n. 02, p. 235–254, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/revistadir/article/view/1654. Acesso em: 27 dez. 2021. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. In: Os Economistas, 2.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. MORAES, Ricardo Quartim. A evolução histórica do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito e sua relação com o constitucionalismo dirigente. Revista de informação legislativa, v. 51, n. 204, p. 269-285, out./dez. 2014. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/509938>. Acesso em: 28 dez. 2021. OFFE, Claus; LENHARDT, Gero. Teoria do Estado e política social. In: OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984. PAULINO, Robério (Org.). O Estado como opressor e civilizador. Natal: EDUFRN, 2017. POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. 58
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS SANTIN, Valter Foleto. Controle judicial da segurança pública: eficiência do serviço na prevenção e repressão ao crime. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. RODRIGUES, Gelciane Ribeiro; WOLFF, Sara Helena Soares; OLIVEIRA, Thiago Sales de. O Estado Como Garantidor dos Direitos Sociais: um ensaio sobre a formulação de políticas públicas efetivas no Estado Democrático de Direito. Castelo. 2019. ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. 59
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 60
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS A NECESSIDADE DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO THE NEED FOR INTERNATIONAL COOPERATION FOR THE FORMULATION OF PUBLIC POLICIES IN THE CONTEXT OF GLOBALIZATION Francílio de Oliveira Sousa1 Sandy Swamy Silva do Nascimento2 Brenna Galtierrez Fortes Pessoa3 Delmárcio de Moura Sousa4 RESUMO Este artigo trata da cooperação internacional para formulação de políticas públicas, bem como dos efeitos da globalização na atuação dos Estados-Nação. A globalização transpõe barreiras geográficas e temporais; através dos fluxos intensos de capital, pessoas, tecnologias, comunicação e informação, reduzindo, assim, a autonomia do Estado- Nação. Diante disso, este estudo visa analisar a necessidade de cooperação internacional para formulação de políticas públicas no contexto de globalização, a fim de viabilizar as ações estatais nas áreas econômicas, sociais e políticas. Metodologicamente, busca-se atingir tal finalidade, através de levantamento bibliográfico acerca do objeto de estudo. Por fim, conclui-se preliminarmente que a globalização contribui para a perda da autonomia, além disso, que a cooperação internacional é instrumento poderosíssimo para aglutinar forças dos Estados-Nação com o propósito de enfrentar novos desafios e dificuldades provenientes da abertura dos mercados. Palavras-chave: Globalização. Cooperação Internacional. Políticas Públicas. 1Mestre em Gestão Pública pela Universidade Federal do Piauí, e-mail: [email protected]. 2 Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí, e-mail: [email protected]. 3 Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí, e-mail: [email protected]. 4 Mestre em Gestão Pública pela Universidade Federal do Piauí, e-mail: [email protected]. 61
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ABSTRACT This article deals with international cooperation for the formulation of public policies, as well as the effects of globalization on the actions of nation-states. Globalization transposes geographical and temporal barriers; through the intense flows of capital, people, technologies, communication, and information, thus reducing the autonomy of the Nation-State. In view of this, this study aims to analyze the need for international cooperation for the formulation of public policies in the context of globalization, in order to enable state actions in the economic, social and political areas. Methodologically, this goal is sought through a bibliographical survey on the object of study. Finally, the preliminary conclusion is that globalization contributes to the loss of autonomy, and that international cooperation is a very powerful instrument to unite the forces of nation-states in order to face new challenges and difficulties arising from the opening of markets. Keywords: Globalization. International Cooperation. Public Policies. 1 INTRODUÇÃO Na atual conjuntura, os Estados-Nação encontram-se num cenário complexo marcado pela imprevisibilidade, com isso defrontam-se com inúmeros desafios advindos da globalização. Sem mencionar, o contexto de restrições orçamentárias e enfrentamentos de problemas públicos de natureza complexa que exigem a atuação em conjunto das nações. A problematização desse estudo faz uma reflexão sobre os efeitos da globalização e a necessidade de cooperação internacional para formulação de políticas públicas. Para tanto, o trabalho discute sobre as consequências da intensificação dos fluxos de capital, pessoas, tecnologias, comunicação e informação; além disso, compreender o processo de formulação de políticas públicas e das mudanças na agenda governamental; e por último, averiguar a importância da cooperação internacional como meio de junção de dois ou mais Estados-Nação na formulação de políticas públicas, a fim de obter finalidades e objetivos comuns, nas mais diversas questões. Neste sentido, a influência da globalização nos Estados-Nação frente a condução das políticas e interesses, inclui diversos fatores, desafios, dificuldades e agentes presentes nas interferências e na modificação da sociedade nacional em sociedade global. Diante disso, o estudo contribui para a compreensão acerca da perda de poder do Estado frente às novas estruturas de redes, às organizações supranacionais, às novas tecnologias da comunicação e informação, à atuação do crime organizado, características da 62
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS nova ordem mundial, bem como tratando do Brasil como um dos principais agentes formuladores dos acordos de cooperação NORTE-SUL para SUL-SUL, de modo que para solucionar essas demandas necessita da formulação de políticas em conjunto, acredita-se que esta análise será de relevância acadêmica, bem como servirá de base aos gestores públicos, pois propõe-se a estimular reflexões acerca dos efeitos da globalização na atuação do Estado. 2 GLOBALIZAÇÃO A tecnologia da informação, as telecomunicações, a infraestrutura de transportes, as estruturas em redes são ferramentas que possibilitaram a rapidez e a eficiência requeridas para a consolidação do processo de transformação e expansão das interações em escala global. Nesse ambiente interconectado e interdependente, as relações entre os mercados nacionais/locais e internacionais tem transformado radicalmente o contexto social, acarretando a novos paradigmas das relações humanas (CASTELLS, 1999). Desse modo, o fenômeno da globalização reorientou as relações humanas em direção à construção de uma metamorfose da sociedade nacional em sociedade global, interligando a cultura, a política e a economia de diversos países (KANTER, 1996). Essas transformações têm enfraquecido o poder do Estado-Nação frente às suas funções. Na concepção de Castells (1999, p. 27): O controle do Estado sobre o tempo e o espaço vem sendo sobrepujado pelos fluxos globais de capital, produtos, serviços, tecnologia, comunicação e informação. A apreensão do tempo histórico pelo Estado mediante a apropriação da tradição e a (re)construção da identidade nacional passou a enfrentar o desafio imposto pelas identidades múltiplas definidas por sujeitos autônomos. Diante dessa discussão, Castells (1999, p.287) relata que o “crescente desafio à soberania dos Estados em todo o mundo parece advir da incapacidade de o Estado-Nação moderno navegar por águas tempestuosas e desconhecidas entre o poder das redes globais e o desafio imposto por identidades singulares”. Nesse contexto de ambiente instável, em transformações constates e rápidas reduz o gerenciamento da vida social pelo ente estatal e contribui para a influência e atuação de outros 63
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS fatores, como: as multinacionais, as transnacionais, o mercado financeiro, as entidades supranacionais, o crime organizado transnacional, os blocos econômicos (CASTELLS, 1999). Todos esses elementos interagindo, instantaneamente, com uma taxa de câmbio e um sistema financeiro interdependente, além da utilização de paraísos fiscais, dificultam a arrecadação de impostos e criam uma crise fiscal no Estado, pois este não consegue estabelecer um sistema tributário justo, eficiente e condizente com a realidade. Diversos acontecimentos demonstram a ineficiência dos Estados-Nação no controle e gerenciamento dos aspectos sociais, econômicos e políticos, demonstrando, assim, a diminuição da capacidade estatal na organização dos seus territórios (CASTELLS, 1999). As conexões do crime com o mercado financeiro por meio da lavagem de dinheiro, assim como a corrupção de agentes públicos, falta de políticas públicas integradas e a ineficiência no combate ao tráfico de drogas, bem como demais crimes que transpassam as fronteiras dos países vêm contribuindo para o enfraquecido dos Estados-Nação no combate ao crime organizado e no controle da circulação de armas e drogas. Várias são as instituições internacionais que compartilham a gestão de problemas públicos, ou seja, ocupando um espaço que deveria ser preenchido pelo Estado (CASTELLS, 1999). O Greenpeace, por exemplo, monitora o desmatamento na Amazônia, realiza denúncia, viabiliza projetos de preservação; assim, temos uma instituição internacional planejando, decidindo e realizando intervenções nas questões ambientais em que o Estado brasileiro deveria executar. Nessa temática, é realizada argumentação pelo sociólogo espanhol Castells (1999) em seu livro “O Poder da Identidade”, onde ele afirma que as instituições internacionais exercem um papel de interferência na soberania do Estado, inclusive a ONU quando defini os tratados, acordos, princípios, ações e as diretrizes em matérias de direitos humanos, políticos e ambientais que os países devem seguir, caso não cumpram poderá sofrer sanções nos tribunais penais ou restrições econômicas. A criação de um super Estado-Nação na tentativa de controle sobre o fluxo de riqueza, informações e poder ocasionou a formação de blocos econômicos como meio de proteção coletiva contra os efeitos negativos (CASTELLS, 1999). No entendimento de Castells (1999) essa troca, através da construção do super Estado-Nação, apenas fornece uma durabilidade perante as erosões sistêmicas. 64
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A tentativa de o Estado reafirmar seu poder na arena global pelo desenvolvimento de instituições supranacionais acaba comprometendo ainda mais sua soberania(….)os processos ininterruptos de conflitos, alianças e negociações tornam as instituições cada vez mais ineficientes, de modo que a maior parte de sua energia política é consumida no processo e não no produto, o que reduz substancialmente a capacidade de intervenção dos Estados, de um lado, incapazes de agir por conta própria e, de outro, paralisados nas tentativas de agir coletivamente (CASTELLS, 1999, p. 313) Apesar das críticas no sentido de que a cooperação entre os Estados-Nação seriam mais uma forma de mitigação da soberania, fica evidente que, frente a transformações da globalização, somente, pela junção de esforços, recursos, tecnologias, informações e pessoas é que o Estado-Nação terá efetividade diante da complexidade do mundo interligado. Nesse ambiente caótico, imprevisível, dispersos mais integrado um ente solitário, sem o auxílio e a cooperação dos demais entes, sofrerá, ainda mais, os efeitos da globalização. De modo que terá uma redução maior da sua autonomia, causando danos drásticos ao poder político, às finanças, à efetividade das políticas públicas das políticas sociais. 3 FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Na visão de Capella (2005), a compensação do processo de formulação de políticas públicas e das mudanças na agenda governamental perpassa pelo entendimento de dois modelos: o Modelo de Múltiplos Fluxos (Multiple Streams Model) - desenvolvido por John Kigdon (2003) e Modelo de Equilíbrio Pontuado (Punctuated Equilibrium Model) – elaborado por Frank Baumgartnert e Brian Jones (1993), pois esses modelos realizam explicam como uma questão social passa a integrar uma agenda governamental. O Modelo de Múltiplos Fluxos descrito no livro de Kingdon (2003), Agendas, alternatives, and public policies, constitui as políticas públicas como um conjunto, com os seguintes processos: o estabelecimento de uma agenda; a consideração das alternativas para formulação de políticas públicas, referências para as escolhas a serem realizadas; a escolha dominante entre o conjunto de alternativas disponíveis, e por fim, a implementação da decisão. No modelo de Kingdon, há uma preocupação com dois processos iniciais da formulação de políticas, denominado de estágios pré-decisórios: a formação da agenda e as alternativas para formulação das políticas (CAPELLA, 2005). 65
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Nesse contexto, uma questão é inserida na agenda governamental quando chama a atenção dos formuladores das políticas, para Kingdon a dinâmica do modelo segue a convergência de três fluxos na mudança da agenda, que são eles: problemas, soluções ou alternativas, e políticas. FIGURA 1: O Modelo de Kingdon Fonte: reproduzido de Capella (2005) No primeiro fluxo escabece-se uma análise de como ocorre a transformação de uma questão em problemas. Uma questão é vista como problema, somente, quando interessa aos formuladores de políticas e desperta a necessidade de ação, geralmente, acontece por meio de indicadores, eventos, crises e símbolos, e feedback das ações governamentais (CAPELLA, 2005). No segundo fluxo configura-se como um conjunto de alternativas e soluções disponíveis para os problemas, são analisadas e avaliadas as variáveis como: custos, viabilidade técnica e comunidade de geradoras de políticas (pesquisadores, assessores parlamentares, acadêmicos, funcionários, analistas pertencentes a grupos de interesses, entre outros – que compartilham uma preocupação em relação a uma área). No terceiro fluxo são aspectos relacionados ao clima ou humor nacional, as forças políticas organizadas (grupos de pressão), a opinião pública, as pressões do legislativo e das agências administrativas, os movimentos sociais, o processo 66
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS eleitoral (CAPELLA, 2005). Dessa maneira, a oportunidade para mudança na agenda ocorre quando há uma convergência dos fluxos, de modo que um problema passa a atrair a atenção do governo ou mesmo quando ocorrem mudanças na dinâmica política. Além disso, a atuação dos empreendedores de políticas investindo recursos, defendendo suas ideias e unindo soluções a problemas cria condições favoráveis à mudança. No modelo, o presidente tem papel de destaque no estabelecimento de políticas, Kingdon (2003) compreende o representante da nação como o ator com maior poder na definição da agenda. O poder de veto, o poder de nomeação de cargos públicos, distribuição e gerenciamento de recursos públicos permite ao presidente instrumentos importantes na definição da agenda governamental. Porém, as escolhas das alternativas concentram-se no controle dos especialistas, pois este detém o conhecimento necessário a viabilização e implementação da política. Outros atores são os ministros e secretários do primeiro escalão, ou seja, a alta burocracia nomeada pelo presidente. Tem-se também, no poder legislativo, os senadores, deputados que possuem emendas parlamentais, cobertura da mídia, grupos e comissões temáticas, enfim informações acerca das demandas sociais e dispõem de arenas para debates e defesas de suas pautas que poderão ser inclusas na política. Para Kingdon (2003) a mídia apenas enfatiza a discussão acerca das questões que estão em pauta no governo, portanto tem um impacto indireto na agenda. A comunicação propiciada pela mídia influenciar a opinião pública e aos demais atores. Já a opinião pública tem efeitos positivos ou negativos interferindo de forma direta na formulação da agenda e a mídia pode auxiliar na formação da opinião pública. Além do mais, tem-se os participantes do processo eleitoral e os grupos de interesse que constituem atores que influenciam na formação das políticas. A participação de atores na formação da política pode se dar de forma intensa na definição de problemas e políticas contidas na agenda. Esses atores são denominados atores “visíveis”, são eles: o presidente, os ministros e secretários do primeiro escalão, atores do poder legislativo, mídia, grupos de interesse, opinião pública, participantes do processo eleitoral. Já os atores que influência na elaboração de alternativas e soluções, são denominados de atores “invisíveis”. Já os atores que influência na elaboração de alternativas e soluções, são denominados de atores “invisíveis”. Estes indivíduos são os servidores públicos, analistas de 67
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS grupos de interesse, assessores parlamentares, acadêmicos, pesquisadores e consultores (CAPELLA, 2005). Outro modelo para a compensação da formação das políticas é o modelo de equilíbrio pontuado (Punctuated Equilibrium Model) – elaborado por Frank Baumgartnert e Brian Jones (1993), é complementar ao modelo de múltiplos fluxos (Multiple Streams Model) - desenvolvido por John Kigdon. Neste sistema, propõe-se uma relação entre a formulação da agenda e a dinâmica institucional, realizando uma análise nos períodos de estabilidade quanto naqueles em que ocorrem mudanças rápidas (CAPELLA, 2005). No modelo de equilíbrio pontuado a descrição dos processos da política é orientado pela lógica de estabilidade, incrementalismo e outras transformações mais radicais. No início, a adoção da política é lenta e depois muito rápida e novamente lenta à medida que o ponto de saturação é atingido. Durante a primeira fase, enquanto as ideias são testadas e descartadas, a adoção pode ser bastante lenta. Em seguida, enquanto as ideias se difundem rapidamente, inicia-se para alguns programas uma fase de reação positiva. Por fim, restabelece-se a reação negativa no ponto de saturação (BAUMGARTNER; JONES, 1993). É interessante observar que na análise de Baumgarter e Jones (1993) evidencia-se o monopólio de políticas que é quando uma determinada questão é dominada por um único interesse. Desta forma, para os autores duas características são estruturantes para o monopólio, a estrutura institucional que define o processo decisório e os valores da instituição e da comunidade. Na definição e continuidade desse monopólio deve se ter uma policy imagem, ou seja, a maneira como uma política é discutida e compreendida, para tanto as ideias provenientes dos arranjos institucionais precisa permitir que o entendimento seja simples e direta para os membros da comunidade. As informações empíricas e os apelos emotivos (tone) são cruciais na inserção de um problema na agenda e na interligação com as possíveis soluções. Uma imagem positiva da política interferi direto na atenção e mobilização do macrossistema para uma questão. Neste sentido, a imagem em torno da política é fundamental não só para a definição de problemas, mas também para a escolha de soluções. No entanto, os principais atores da construção da imagem são os formuladores, e estes não têm garantias das decisões das possíveis soluções requeridas pela política. Os formuladores devem influenciar também as 68
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS instituições competente e com autoridade para determinadas questões, procurando arenas favoráveis a fim de construir um entendimento comum entre os problemas e as soluções. 4 A NECESSIDADE DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL Desde o momento em que o Estado deixou de ser, somente, o garantidor da ordem e da segurança, ou seja, Estado liberal, e passou também a ser o provedor de serviços públicos de caráter social exigiu-se o dispêndio de mais recursos do erário. Esse contexto requer uma maior eficiência do gasto público na condução dos interesses da sociedade, bem como novas formas de atuação para viabilizar o atendimento das demandas sociais (FREY; MARCUZZO; OLIVEIRA, 2008). Além do mais, a sociedade contemporânea constitui-se de relações dinâmicas, interativas e rápidas exigindo dos países novas estratégias. Nesse cenário, a cooperação internacional se apresenta como um instrumento para construção de soluções efetivas na formulação de políticas públicas, pois viabiliza ações eficazes com o intuito de promover o interesse social (PUENTE, 2010). Cooperar é a consecução de duas ou mais pessoas jurídicas e/ou física para alcançar objetivos comuns, por meios da junção de esforços e com benefícios mútuos. A cooperação internacional é a junção de dois ou mais Estados-Nação com atuação harmônica nas mais diversas áreas, como: assistência humanitária e combate ao tráfico internacional de drogas; dentre outras (PUENTE, 2010). A transnacionalização do crime exige dos Estados uma articulação e uma cooperação sem precedentes; se analisarmos como exemplo a cadeia de produção e consumo de entorpecentes, geralmente, temos países produtores e países consumidores e, em alguns casos, países produtores, países intermediários (rotas do tráfico) e países consumidores. Nesse sentido, um único país isoladamente não terá condições de estabelecer um combate eficaz ao tráfico de drogas, a não ser com o envolvimento dos demais países na elaboração e implementação de medidas articuladas e planejadas, conjuntamente, a fim de desestruturar as organizações criminosas. E que por muito tempo a cooperação internacional se deu pelo modelo NORTE-SUL, ou seja, Estados-Nação do hemisfério norte eram os principais 69
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS agentes de cooperação com os países do hemisfério sul, no entanto, hoje há uma cooperação maior entre os países do hemisfério Sul levando ao modelo SUL-SUL. Nesse novo formato, o Brasil figura como um protagonista na América Latina e no continente Africano desenvolvendo ações em várias modalidades, a saber: cooperação técnica, cooperação educacional, cooperação científica e tecnológica, cooperação humanitária, apoio e proteção a refugiados, operações e manutenção da paz e gastos com organismos internacionais (IPEA, 2016). Conforme Puente (2010, p.31): O Brasil participou da evolução da cooperação técnica internacional desde seus primórdios, primeiro, e por muitos anos, na condição de país recipiendário, participação de que resultaram contribuições pontuais, porém importantes para seu processo de desenvolvimento econômico. Com o correr dos anos, o País, não sem grandes esforços, evoluiu significativamente na construção de instituições maduras, de um Estado moderno e de estruturas produtivas complexas e capazes de contribuir para o avanço econômico e social. As ações de cooperação SUL-SUL permitem uma maior descentralização na cooperação. Além disso, contribuir para uma maior interação entre países próximos e com realidades parecidas pelas características geográficas, culturais ou sociais. Desse modo, podemos ter parcerias mais assertivas e eficaz na resolutividade das demandas públicas regionais e internacionais. Diversos são os questionamentos quanto à motivação que levam as nações a cooperarem, de acordo com Puente (2010, p.51), são: motivos políticos e geoestratégicos, históricos e culturais, econômicos e comerciais. Sem dúvidas que os Estados veem na cooperação internacional uma forma de influenciar e/ou aumentar a influência o poder político em determinadas regiões. No Brasil tal forma longínqua, segundo a Constituição de 1988 (BRASIL, 2014, p. 09), “a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I – independência nacional, III- autodeterminação dos povos, IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, portanto, o constituinte já previu desde a formação da norma base que a autonomia dos povos, a independência nacional e a cooperação entre os povos seriam os alicercem das relações internacionais, demonstrando o respeito a autonomia e a necessidade de cooperação internacional dos povos para o bem-estar da sociedade brasileira e a humanidade. 70
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo é uma discussão acerca dos efeitos da globalização na autonomia dos Estado- Nação para formulação de políticas públicas, além disso, é uma reflexão da necessidade de cooperação internacional em resposta às demandas provenientes da complexidade envolvida na intensificação dos fluxos de capital, pessoas, tecnologias, comunicação e informação. É importante salientar que as nações possuem problemas públicos complexos que por sua natureza exige a cooperação internacional, questões relacionadas à economia, à segurança, ao mercado financeiro, ao meio ambiente, às ações humanitárias, ao desenvolvimento econômico e social necessitam da atuação conjunta de mais de um Estado-Nação para formulação de políticas públicas. Diante dessa circunstância, exigem-se novas de atuação para obter efetividade na formulação, implementação, avaliação e extinção das políticas públicas. A cooperação internacional é um desses instrumentos que aglutinam esforços, recursos financeiros e tecnologias dos Estados-Nação para responder a demandas sociais, educacionais e econômicas necessárias ao bem-estar social, garantir a paz e segurança. Contatou-se também a mudança no modelo de cooperação de NORTE-SUL para SUL-SUL, tendo o Brasil como um dos principais agentes condutores dos acordos de cooperação, em especial, na América Latina e países da África, contribuindo para uma maior interação entre países com realidades parecidas pelas características geográficas, culturais ou sociais. Em virtude do que foi mencionado, é evidente que somente, através, da cooperação internacional é que os Estados-Nação viabilização a junção de esforços, recursos, tecnologias, informações e pessoas com vista a melhorias das políticas públicas diante da complexidade do mundo interligado. REFERÊNCIAS BAUMGARTER, Frank R; JONES, Bryan D. Agendas and instability, in American politics. Chicago: University Of Chigago Press, 1993. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 71
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS CAPELLA, Cláudia Niedhardt. \"Formação da Agenda Governamental: Perspectivas Teóricas\".Trabalho apresentado no GT Políticas Públicas do XXIX Encontro Anual da ANPOCS, 25-29 de outubro, Caxambu: MG. 2005 CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade: A era da Informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra S.a, 1999. (V.2). CHIAVENATO, Idalberto. Iniciação à teoria das organizações. São Paulo: Manole, 2010. FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno: nascimento e crise do nacional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. (Justiça e direito). Tradução de: Carlo Coccioli, Márcio Lauria. FREY, Márcia Rosne; MARCUZZO, Juliana Luisa; OLIVEIRA, Carine de. O balanço social como ferramenta de transparência para o setor público municipal. Universo Contábil, [s.l.], v. 2, n. 4, p.75-92, jan. 2008. IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional: 2011 – 2013. Brasília: ABC, 2016. KANTER, R.M. Classe mundial: uma agenda para gerenciar os desafios globais em benefício das empresas e das comunidades. Rio de Janeiro: Campus, 1996. p. 32-46. KINGDON, John. Agendas, Alternatives, and public policies. 3. ed. Nova York: Haper Collins, 1993. ONU. Combatendo o crime organizado transnacional através de uma melhor cooperação internacional. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/crime2015/cooperacao- internacional/>. Acesso em: 25 abr. 2021. Puente, Carlos Alfonso Iglesias. A cooperação técnica horizontal brasileira como instrumento de política externa: a evolução da cooperação técnica com países em desenvolvimento – CTPD - no período 1995 - 2005. Brasília: FUNAG, 2010. TIMES, The New York. Facebook and Cambridge Analytica: What You Need to Know as Fallout Widens. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/03/19/technology/facebook-cambridge-analytica- explained.html>. Acesso em: 24 abr. 2021. 72
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS A POLÍTICA DE COTA RACIAL E A ALTERNATIVA “REVOLUCIONÁRIA” DE DESRACIALIZAÇÃO: proposta de agenciamento crítico de coletivos antirracistas de Teresina, PI THE RACIAL QUOTA POLICY AND THE “REVOLUTIONARY” ALTERNATIVE OF DERACIALIZATION: a proposal for critical agency of anti-racist collectives in Teresina, PI Lorrana Santos Lima1 RESUMO Formas existentes no ordenamento legal e jurídico do Brasil, no tocante aos esforços de mitigação da “dívida histórica” que o Estado possui para com a sua população negra – em decorrência de séculos de escravização – são os direitos civis, sociais e políticos assegurados em letra de leis, e operados por secretarias e programas que lhe são correlatas. Diante de tais dispositivos, há a possibilidade de conduta celebratória e pela defesa desses avanços sociais por parte de certos coletivos negros. Dessa forma, o objetivo deste artigo é apresentar e analisar a possibilidade “revolucionária” discursiva, prática e política de desracialização social, observada no agenciamento de dois coletivos antirracistas de Teresina, PI. Esses que se apresentam de modo particular dentro do repertório de atuação coletiva o qual o presente escrito determina por referente dialógico, ou seja, que promovam conversas entre as respectivas condutas. Palavras-chave: Cotas Raciais; Militância Negra; Desracialização. ABSTRACT Existing forms in the legal and legal system of Brazil, about efforts to mitigate the \"historical debt\" that the State owes to its black population - as a result of centuries of enslavement - are civil, social and political rights guaranteed in letter. of laws and operated by departments and related programs. Faced with such devices, there is the possibility of celebratory conduct and the defense of these social advances by certain black collectives. Thus, the objective of this article is to present and 1 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (Bacharelado). Mestranda em Antropologia pela mesma instituição. E-mail: [email protected]. 73
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS analyze the discursive, practical and political “revolutionary” possibility of social deracialization, observed in the agency of two anti-racist collectives in Teresina, PI. Those that present themselves in a particular way within the repertoire of collective action which the present writing determines by dialogical referent, that is, that promote conversations between the respective behaviors. Keywords: Racial Quotas; Black Militancy; Deracialization. 1 INTRODUÇÃO O Brasil foi o último país independente das Américas a abolir a escravidão, por intermédio do dispositivo legal, a lei n.º 3.353 em 13 de maio de 1888. Apesar disso, observou- se a manutenção de formas de exploração das populações anteriormente escravizadas. Uma vez que não se implementou devida assistência social que assegurasse a integração dessas populações à então emergente sociedade de classes (FERNANDES, 1978 [1964]). Faltou a essas populações vulnerabilizadas pelo histórico de exploração, a moradia, o acesso à saúde, à educação e ao trabalho digno. Em suma, faltou a garantia de direitos sociais básicos à toda população negra e à população ameríndia. As consequências desse processo de escravização convencionalmente recebem a alcunha de dívida histórica. Ao qual o estado brasileiro veio a tentar mitigar por intermédio de políticas públicas, essas que correspondem ao conjunto de ações, decisões e programas estatais que, por seu turno, resultam de um processo ou conjunto de processos regulados no âmbito jurídico e que intentam alcançar objetivos de relevância social (BUCCI, 2006). Existem ainda subespécies das políticas públicas, a que nos interessa aqui é a do tipo política social (DEMO, 1990), categoria que abarca (também) instrumentos voltados à educação, como é o caso das ações afirmativas. No sentido teórico, as políticas públicas podem ser classificadas como compensatórias e redistributivas ou de reconhecimento (HONNETH, 2017) uma vez registrada a resistência de alguns segmentos sociais mais privilegiados em admitir ou tolerar a existência da diversidade, seja ela cultural, religiosa, étnica, entre outros (SCHWARCZ, 2013). De todo modo, o referido débito também pode ser observado como desdobramentos do racismo, os quais o aparelho estatal tentou corrigir por intermédio de alguns outros dispositivos políticos, mais atuais. Como são os casos das demais políticas racializadas – 74
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS instrumentos jurídicos que versam ou que tratem por parâmetro o significante político racial. São exemplos: a lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino de história afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas; a Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR); e a lei 12.711/2012, que versa sobre a facilitação de ingresso em universidades e concursos públicos (também) para sujeitos racializados negros e negras. Como dito acima, tais medidas podem ser lidas como medidas compensatórias ou de reconhecimento. Quando compensatórias, teóricos liberais as observam atuar apenas na “superfície” da questão social, intencionalmente distribuídas para impedir alguma revolta popular, sem ter que a administração pública se responsabilizar por atingir a raiz do problema (DE CARVALHO, 2007). Muitos liberais, particularmente na esquerda, abriram uma exceção no caso de ações afirmativas para grupos raciais em desvantagem. Mas em um sentido essa é uma exceção que confirma a regra. Ação afirmativa é geralmente defendida como uma medida temporária necessária para levar-nos mais rapidamente na direção de uma sociedade cega às diferenças de cor [color-blind] (KYMLICKA, 1996, p.4). De modo semelhante, existem, dentro do discurso de movimentos negros e coletivos negros (PEREZ, 2019) – os quais são acompanhados por ocasião de pesquisa dissertativa em andamento – aqueles referentes que celebram os avanços sociais, e aqueles que os enxergam como avanços sociais contraditórios e limitantes. Chegando, essas organizações políticas, a lutar por reparações na política ou sugerindo a confecção de medidas que lhe são radicalmente alternativas. Nessa linha de raciocínio, é possível encontrar organizações sociopolíticas antirracistas que não esboçam reação de consternação para com a possibilidade de suspensão da Lei de Cotas. Como se observou, em pesquisa de campo efetivada em 2016, junto do coletivo negro universitário Atitude Preta da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Ao passo em que existem, desde antes da positivação das ações afirmativas, coletivos negros brasileiros que acompanham sua implementação e realizam controle de possíveis fraudes. Como são os casos dos coletivos estudantis urgidos no âmbito da Universidade Federal do Fluminense (UFF), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA) (GUIMARÃES; RIOS; SOTERO, 2020) e que se pretende discutir mais detidamente no tópico seguinte. 75
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Não obstante, percebe-se condutas distintas dentro do discurso de coletivos antirracistas que se acompanha, na cidade de Teresina – e que são: o grupo de estudos e formação política Perifala! (Peri) e o coletivo universitário e partidário ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Coletivo Negro Minervino de Oliveira (CNMO). Esses dois mantêm, diferente da ausência de proposta discursiva de defesa do Atitude Preta e da defesa sem menção a crítica (ao parâmetro racial do dispositivo) dos outros coletivos atuantes nas outras UF’s, uma postura mais crítica e propositiva diante dessa política racializada. Dessa forma, o objetivo deste artigo é de analisar a postura crítica agenciada por dois coletivos antirracistas de Teresina, atuantes na UFPI e em bairros periféricos, e apresentar o “horizonte revolucionário” de desracialização social como contraponto às cotas raciais, em um plano microssocial e como contraponto à racialização da sociedade brasileira no plano macrossocial. Partindo, para tanto, de breve análise dialógica da agência de outros coletivos observados por Guimarães, Rios e Sotero (2020) em outras UF’s, também situando o coletivo da UFPI, o Atitude Preta, a fim de especificar o potencial de resistência contida na expressão “buscamos o horizonte revolucionário de desracialização social”. A metodologia empregada se baseia em abordagem qualitativa na observância de literatura relacionada, no recurso da pesquisa de campo (PEIRANO, 2014), com observações diretas e observações participativas realizadas no ano de 2016, e entre 2019 ao ano de 2021. Também com o uso de “conversa[s] com finalidade” (MINAYIO, 2010, p.264) em conjunto com membros das organizações que se acompanha, todas comunicações realizadas por intermédio de plataformas digitais (GONÇALVES, 2020) por ocorrência da pandemia da COVID-19. 2 O AGENCIAMENTO DE DEFESA E CONTROLE: ESTRATÉGIAS DE COLETIVOS ESTUDANTIS NEGROS NO ÂMBITO DA UFF, DA USP E DA UFBA Como exemplos de agentes que seguem a conduta celebratória no que se refere às políticas de ações afirmativas, existem alguns coletivos universitários. Em seu artigo, Guimarães, Rios e Sotero (2020, p.309) utilizam das condutas de alguns desses coletivos enquanto subsídios para propor “hipóteses interpretativas sobre a formação de novas identidades negras no Brasil”. Entretanto, aqui essas condutas (e consequentes identidades) são tratadas como tradicionais formas de agir, ou, no limiar, enquanto condutas baseadas em 76
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS antigos sentidos políticos de “horizonte revolucionário” – expressão política que se pretende tratar no subtópico 3.1. Melhor dizendo, aos interesses desse artigo, tratar-se-á resumidamente das agências dos coletivos observados por Guimarães, Rios e Sotero (2020) a fim de construir referente dialógico entre tradicionais e atualizadas (ou “revolucionárias”) formas de conduta perante as cotas raciais. Traçando, pois, um breve e situado repertório de condutas, pautas e articulações de coletivos negros em relação às ações afirmativas. Localizando, portanto, os coletivos antirracistas teresinenses no polo renovado (ou “revolucionário”) de atuação política. Dessa forma, o fator temporal deve ser levado em consideração na construção desse referente, uma vez que as pautas dos movimentos negros vivem em constante renovação. Talvez uma das poucas demandas que se mantêm permanentes no quadro de programas básicos dos movimentos negros e dos coletivos negros, é do esforço pela desmistificação da democracia racial (DOMINGUES, 2007). Além do período de urgência dos coletivos, o local e o contexto são cruciais na conformação de coletivos e de suas respectivas pautas. Não só distintas do processo em que se deu nas instituições de ensino do Piauí, os processos de inclusão das políticas de cotas raciais também se deram de modo diverso entre as três universidades das quais as autoras e o autor fazem parte e realizaram pesquisa. Contudo, não se pretende aprofundar na variada gama de elementos que constituem o universo simbólico, cultural, econômico e social de cada estado ou universidade. Comecemos pela Universidade Federal da Bahia. Essa foi uma das primeiras instituições a instaurar esse tipo de política no país, ainda no ano de 2004. Ao passo em que as outras duas UF’s pesquisadas, pelas autoras e pelo autor, (UFF e USP) só aderiram a essa política mais tardiamente. No que diz respeito à forma de organização mais associada aos modos tradicionais de conduta, Guimarães, Rios e Sotero (2020, p.311) asseveram: Os coletivos negros universitários tratados nesta investigação mobilizam uma tradição já consolidada pelo movimento negro e pelo feminismo negro, adquirida nas universidades e nos espaços formativos de organizações mais tradicionais e nas redes sociais. Na USP há o Coletivo Negro que foi criado em 2013, um ano após a positivação da lei aqui avaliada. Na época de sua urgência, tinha por foco o “debate sobre acesso e permanência 77
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS na instituição. Uma de suas ações inaugurais foi a recepção de candidatos negros na segunda fase do vestibular [..] com [...] dicas úteis para a realização da prova” (GUIMARÃES; RIOS; SOTERO, 2020, p.316). Em sua carta de apresentação, elencam os motivos que levaram a agrupar-se politicamente, quais sejam: “a baixa presença de estudantes negros na instituição até os casos de violência contra eles e a população negra em geral, na universidade e em seu entorno, o que faz da violência urbana um dos eixos de combate do coletivo” (IDEM, p.316-7). Informações essas que indicam que esse coletivo se colocou como agente informativo e formativo, de sujeitos racializados negros e negras que intentam ingressar na universidade. Auxiliando desde o início do processo até ao acolhimento dos já inseridos e inseridas cotistas que sofrem violência dentro da referida universidade. Voltando a universidade baiana encontra-se o Coletivo Luiza Barros. Essa organização foi criada em 2016, e seu manifesto de fundação expressa a sua proposta de “reunir docentes, discentes e servidores técnico administrativos da universidade em ações denominadas ‘aprofundamento das políticas de ações afirmativas’, ampliando o debate na docência e na pós graduação” (GUIMARÃES; RIOS; SOTERO, 2020, p.317). O Referido coletivo trabalha em duas frentes de atuação, uma voltada à “fiscalização e acompanhamento das ações afirmativas e [outra] das ações de combate ao racismo” (IDEM). Essas sendo colocações que expressam um manejo mais centrado nas políticas de ações afirmativas. Além disso, também endossam, seus coletivos, o discurso racial de identidade negra vinculada ao local da instituição de ensino, pelo fato de a Bahia ser o estado brasileiro mais negro. Assim, não é de se estranhar a proposta de identificação da instituição vizinha a sua, a Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) enquanto “universidade negra” nascida para corrigir desigualdades sociais e raciais (COLEN, 2019). Fato que também contextualiza o porquê de, também na UFBA, as autoras e o autor ainda destacarem o Núcleo de Estudantes Negras e Negros da UFBA (NENU). Esse que: [...] ganhou reconhecimento na universidade no contexto dos crescentes debates sobre ações afirmativas na UFBA, no início dos anos 2000, o que rendeu a seus membros uma ativa participação no Comitê Pró Cotas, formado por representantes da comunidade universitária e de organizações de movimentos sociais para definir a política de ações afirmativas da universidade, implementada a partir de 2005 (SANTOS, 2009 apud GUIMARÃES; RIOS; SOTERO, 2020, p.318). 78
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS No que diz respeito a UFF existe o Cenuff-Coletivo de Estudantes Negros da UFF. Essa organização se autointitula Iolanda Oliveira que, por seu turno, foi professora [...] pioneira no desenvolvimento de linhas de pesquisa articulando relações raciais e políticas públicas educacionais. No site oficial da UFF, o coletivo apresenta seu objetivo: ‘dar visibilidade para as demandas dos estudantes negros e negras, fomentar os debates sobre relações raciais e ampliar a representatividade negra na Universidade’ (IDEM). Isso posto, as autoras e o autor observam um ponto em comum entre os coletivos que estudam. Sendo esse a supervisão da aplicação de ações afirmativas – as quais as organizações universitárias asseguram na interação social com a sociedade civil e com o Ministério Público, pressionando esse último pela implementação e formação de bancas de heteroidentificação, a fim de evitar fraudes. Além disso, indicam que integra o escopo de atuação desses coletivos propor cotas raciais em concursos públicos, também com o interesse de corrigir a desigualdade racial no corpo docente de suas instituições de ensino, bem como das linhas de pesquisa e ementa dos cursos. Em conjunto a isso, há o esforço por construir cursos preparatórios para os processos de seleção de pós-graduação (GUIMARÃES; RIOS; SOTERO, 2020). Assim se apresenta a crítica dentro do agenciamento de defesa e controle dos coletivos da UFF, da UFBA e da USP. Que analisaram, no início do milênio a necessidade de colorir as instituições de ensino através de um dispositivo de facilitação de ingresso às universidades – ação que fomentaria a igualdade no acesso à educação. Posteriormente passaram, como resultado de acompanhamento e permanente avaliação, a demandar por fiscalização mais detida ao processo de autodeclaração que incorre, por vezes, em fraudes raciais. Todavia, como indicado na introdução, não se identifica – dentro das análises realizadas pelas autoras e pelo autor – um debate que problematize o fator racial dentro da lei de cotas e do papel do processo de racialização no Brasil. E é nesse sentido que Peri e CNMO apontam sua especificidade. 79
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 3 AGENCIAMENTO CRÍTICO: ESTRATÉGIAS DO PERIFALA! E COLETIVO NEGRO MINERVINO DE OLIVEIRA O Perifala! é um grupo de estudos e formação política formado em 2018 por estudantes universitários da UFPI e da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) que cursavam, na época de sua constituição, graduações em História, Ciências Sociais, Comunicação Social e Filosofia. É conformado por jovens negros e não-negros residentes de algumas periferias da cidade de Teresina. Já o Coletivo Negro Minervino de Oliveira é um coletivo universitário e partidário ao Partido Comunista Brasileiro. No ano de sua formação, 2019, esteve composto de jovens negros e não-negros de cursos semelhantes aos do Peri, também repetindo quase em sua completude os membros e seus bairros de origem. Ainda que o escopo desse artigo seja a postura e alternativa “revolucionárias” a uma política social em específico, se faz mister observar qual é posição dos coletivos antirracistas com os quais se pesquisa em relação aos demais avanços sociais que lhe interessam. Situando, pois, a extensão de seu agenciamento crítico. A começar pelo modo como concebem o próprio termo “avanços sociais” sempre enunciado em conjunto ao termo “contraditórios”, empregados quase como sinônimos dentro do discurso militante. Em verdade, durante uma transmissão ao vivo pela plataforma Instagram, membros do CNMO debatiam sobre esses chamados avanços sociais contraditórios. [..] o movimento negro conseguiu ter influência no Partido dos Trabalhadores, conseguiu adentrar o Poder Executivo, conseguiu, ali, é... estar nessa, nessa institucionalidade, daí o que foi que aconteceu? Nós tivemos grandes avanços e grandes contradições [...] A gente confia na institucionalidade, né, e acredita nesses avanços, mas esses avanços têm sérias contradições (militante A, transmissão Instagram, CNMO, 2020). As contradições apontadas durante a transmissão advogavam, como exemplo, que a maior parte das instituições de ensino no Brasil não cumprem a inclusão do ensino de história afro-brasileira e africana em seus programas pedagógicos, como determina a lei; que a SEPPIR, então órgão do Poder Executivo, foi diluída e apensada a outra pasta de Ministério – o atual 80
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) – antes mesmo que se vissem projetos seus. Dessa forma, os avanços sociais perdem sentido de serem celebrados como conquista dos movimentos e coletivos negros, e passam a ser encarados como mais um elemento de contradição parlamentar e política quando não recebem devido acompanhamento de sua aplicação (para os casos de leis) e de sua devida atuação e intervenção ativa (para o caso da Secretaria). Porque a ausência de controle de implementação e funcionamento desses instrumentos acabam fomentando as próprias contradições, que limitam, em certo sentido, os benefícios que eles deveriam promover. Em exemplo, a própria ausência de devida promoção da permanência estudantil, de sujeitos cotistas racializados negros e negras. Então, muitos dos pretos e [das] pretas, eles [e elas] conseguem, mesmo diante de todos os desafios... que entrar por um sistema de... pra entrada na universidade extremamente desigual que é o ENEM, horrível [...]. E aí, quando a pessoa ainda consegue é... se depara a diversos desafios: como se alimentar [...] (militante B, transmissão Instagram, CNMO, 2020). Não deixam, todavia, de reconhecer que para a existência desses instrumentos jurídicos houve a precedente mobilização também de antigos “quadros políticos revolucionários” (militantes). O que entendem existir é o desrespeito (também no sentido jurídico) para com esses quadros e suas demandas. Isso associado à sua descrença na institucionalidade servem para cimentar o rechaço desses coletivos para com o âmbito da política parlamentar (PEREZ, 2019). Esse é o problema fundamental quando as questões são construídas de cima, pelos ares, institucionalmente, sem contato com a base. Isso faz o quê? O efeito disso é que a gente perca a organização – onde estão os Quadros Negros Revolucionários dos anos [mil novecentos e] oitenta e dos anos [mil novecentos e] noventa? Eles apassivaram- se por isso (militante A, transmissão Instagram, CNMO, 2020, grifos próprios). A ressalva feita pelos coletivos, em especial, o CNMO, é pelo risco de “apassivamento” daqueles e daquelas que se apeguem às “canetadas jurídicas”, ou seja, às decisões tomadas por políticos institucionais, noção que abrange políticas públicas. Em razão disso, para cada uma dessas contradições, o discurso da militância propõe uma alternativa. 81
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 3.1 A ALTERNATIVA “REVOLUCIONÁRIA” ÀS COTAS RACIAIS E À RACIALIZAÇÃO SOCIAL Foi dito na introdução que o coletivo Atitude Preta da UFPI não demonstra, em seu discurso (de 2016), consternação diante da possibilidade de extinção das cotas raciais. O que não foi apontado, no entanto, é da movimentação que esse agrupamento efetivou pela construção de uma política sólida de permanência à universidade. Elis Oliveira (2018) trata em sua dissertação, entre outras coisas, da nota de corte do Sistema de Seleção Unificada (SISU) como estratégia de permanência das desigualdades sociais interna as ações afirmativas. Essa que seria, no âmbito do discurso da militância antirracista acompanhada, mais uma contradição dentro de um avanço social. Em tempo, a UFPI – ponto comum de organização, mobilização e atuação do Atitude Preta e do CNMO – adotou a política de cotas sociais em 2006 e incluiu o parâmetro racial a partir da regulamentação da lei 12.711/2012 (OLIVEIRA, 2018). No ano de 2016, o coletivo estudantil Atitude Preta, como observado na pesquisa de campo e apresentado por Oliveira (2018), pautou a necessidade de mudanças na política de assistência estudantil de permanência à universidade. E o fez buscando a constituição da Comissão de Raça, Gênero e Assistência Estudantil, na oportunidade do movimento intitulado Ocupa UFPI – também realizado em 2016 na onda de ocupações de universidades brasileiras. Desse modo, ainda que se tente evidenciar aqui que o CNMO e o Perifala! carreguem sua especificidade, existe esse ponto comum entre todas as já citadas organizações políticas: o reconhecimento da insuficiência das políticas de cotas raciais e o modo como são aplicadas em suas instituições de ensino. O ponto de distinção são os meios que cada organização se vale pela construção desse caminho. Isso porque Peri e Coletivo Negro Minervino de Oliveira visam ultrapassar atuações que se limitem aos muros das universidades e de políticas construídas para ela, assim, distantes do então escopo de atuação do Atitude Preta e dos coletivos observados mais acima. Advogam, pois, pelo “horizonte revolucionário de desracialização social”. Começando pela abordagem do Peri, foi por oportunidade de uma reunião de leitura, realizada na Vila Irmã Dulce, no primeiro semestre de 2020, que se obteve contato com o enunciado “buscamos o horizonte revolucionário de desracialização social”. Ademais, “horizonte revolucionário” tal qual “horizonte emancipatório universal”, servem, cada um à sua 82
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS maneira, como invólucro de programas maiores defendidos por organizações políticas. E aqui ela possui como genitivo o sentido político de desracialização social – esse sendo a alternativa às cotas em sentido micro, e à racialização da sociedade brasileira de modo macro. Por acaso, quando dois militantes – na época, partícipes concomitantes de ambos os coletivos aqui estudados – enunciaram nessa reunião a expressão completa, estava sendo discutida a questão das ações afirmativas e da atenção que estava recebendo por ocasião de sua prevista avaliação. Além dessa, também foram ditas expressões como “as cotas raciais não são totalmente repudiáveis” e “as cotas constituem medidas compensatórias” e que, por esse motivo, devem ser substituídas, gradativamente, pela reformulação da universidade em Universidade Popular – proposta essa que é o programa maior de outro coletivo com o qual blocam em seu complexo partidário do PCB, o Movimento por uma Universidade Popular (MUP). Como a referida política não é tida como totalmente descartável, especificamente o Perifala!, que é um grupo de estudos, oferece aos estudantes secundaristas de seus bairros periféricos que pretendem prestar vestibular, orientação à qual módulo da política de cotas optar, e se dispõe a prestar auxílio nos estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Nesse ponto e, novamente, a crítica à insuficiência das ações afirmativas convergem com as propostas dos demais coletivos observados. Entretanto, o ponto de diferenciação é justamente a proposta revolucionária de desracialização. O sentido teórico de desracialização da experiência negra coletiva é abordada por Frantz Fanon (2008), no contexto de colonização, tendo em vista a relação entre a classificação racial de corpos, com a exploração desses corpos. Nessa linha, racializar seria o ato de designar aparatos corpóreos exploráveis, que se podem matar e deixar morrer. E desracializar caminharia para libertar identificações negras da lógica colonialista. Já no sentido político trabalhado por Perifala! e CNMO desracializar diz respeito à luta pela eliminação do racismo e seus efeitos que marcam corpos pretos, promovendo mudanças estruturais na sociedade brasileira, que não se limitem a conversão positiva das classificações raciais. Sendo isso possível com a formação e organização política da população negra. Assim, essa proposta, ao formar e informar sobre o problema da racialização, se apresenta como alternativa, no plano microssocial, quando retoma debates sobre a controvérsia de existir uma política racializada em um país que não se reconhece como racista, 83
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS embora admita a existência do racismo (SCHWARCZ, 2013). Política essa que, como assevera Kymlicka (1996) pode servir para tornar a sociedade ainda mais ignorante quanto as diferenças – e consequências – da existência das diferenças de cor. E já no plano macrossocial, essa proposta se apresenta como contraponto aos efeitos da racialização na estrutura da sociedade brasileira ao distinguir o que são avanços sociais simbólicos (como as políticas institucionais e a inserção de negros em espaços de poder) dos avanços materiais. Ou seja, reconhecendo que converter sentidos concedidos aos termos “preto” e “negro” não encerra as lutas de movimentos, coletivos e da população negra. É sobre combater o racismo ao transformar radicalmente – não superficialmente – a sociedade. 4 CONCLUSÃO Esse artigo é uma proposta reflexiva incipiente e que demanda mais aprofundamento e posteriores reflexões teóricas. Todavia, buscou-se, por meio desse, apresentar sentidos político, prático, teórico e discursivo da enunciação “buscamos o horizonte revolucionário de desracialização social” e quais são os efeitos dessa expressão política no âmbito das organizações com as quais se pesquisa. O fazendo para diferenciar a postura do Perifala! e do Coletivo Negro Minervino de Oliveira diante das ações afirmativas e de outros avanços sociais que essas organizações enxergam como contraditórias e limitantes por lhe serem avanços simbólicos. Em decorrência disso, tentou-se evidenciar que o grupo de estudos e o coletivo universitário reconhecem, contudo, os benefícios de avanços sociais (que não lhe são totalmente descartáveis) para então situar a sua expertise, qual seja, a de propor a desracialização social. Essa que deve ser observada em consonância com o manejo crítico das cotas raciais e no combate ao racismo na sociedade como um todo. Desse modo, concluiu-se a partir da leitura dos referentes coletivos evocados para somar à conversa, que é possível sobrepor as observadas condutas, posturas e agenciamentos celebratórios, de defesa e de crítica a essa e às demais políticas sociais que atravessem a população negra brasileira. 84
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS REFERÊNCIAS BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari Bucci (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, p. 1-47, 2006. COLEN, Natalia Silva. Uma universidade negra é possível? a criação da UFRB no contexto das políticas de ações afirmativas no Brasil. 2019. 143 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. COLETIVO NEGRO MINERVINO DE OLIVEIRA (CNMO) – TERESINA (2019), Postagem. Instagram: @minervino.pi [Consulta 20 de novembro de 2019]. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/B2yg5PDlLlM/>. DE CARVALHO, Ailton Mota. Políticas sociais: afinal do que se trata? Agenda Social Revista do PPGPS/UENF. Campos dos Goytacazes, v.1, n.3, p. 73-86, 2007. DEMO, Pedro. Participação é conquista – Noções de política sociais participativas. São Paulo: Cortez, 1990. DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, v. 12, n. 23, p. 100-122, 2007. FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 3.ed. São Paulo: Ática, 1978 [1964]. GONÇALVES, Ítalo Vinicius. Da etnografia multissituada à “plataformizada”: aproximações entre antropologia e estudos de plataforma. Cadernos de Campo (São Paulo-1991), v. 29, n. 2, p. 1-20, 2020. GUIMARÃES, Antonio Sérgio; RIOS, Flavia; SOTERO, Edilza. Coletivos negros e novas identidades raciais. Novos estudos CEBRAP, v. 39, p. 309-327, 2020. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed34, 2017. KYMLICKA, Will. Multicultural Citzenship: a Liberal Theory of Minority Rights. Oxford: Oxford University, 1996. MINAYO, Maria Cecília de Sousa. Técnicas de pesquisa: entrevista como técnica privilegiada de comunicação. In: MINAYO, Maria Cecília de Sousa. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12. ed. São Paulo: Hucitec, p. 261- 297, 2010. OLIVEIRA, Elis Rejane Silva. A reprodução das desigualdades sociais nas políticas de acesso e permanência dos alunos cotistas da UFPI. 2018. 120f. Dissertação (Mestrado em Gestão Pública) – Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2018. 85
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS PEIRANO, Mariza. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos. 20 (42): 377-391, 2014. PEREZ, Olívia Cristina. Relações entre coletivos com as Jornadas de Junho. Opinião Pública, v. 25, n. 3, pp. 577-596, 2019. SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. Editora Companhia das Letras: Rio de Janeiro, 2013. 86
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS A RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO NA SAÚDE: as expressões das Organizações Sociais no Brasil THE PUBLIC/PRIVATE RELATIONSHIP IN HEALTH: the expressions of Social Organizations in Brazil Maria Geremias da Silva1 RESUMO Discutiremos as expressões da atual modalidade de expropriação do fundo público na saúde no Brasil, a prestação dos serviços de saúde através de sua privatização indireta por intermédio das Organizações Sociais (OSs). Para tanto, partiremos das abordagens da atuação do Estado no sistema capitalista; das contrarreformas neoliberais nos anos 1990; da resistência ao paradigma das OSs através da atuação da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde (FNCPS) e da relação público/privado no contexto de privatização da saúde através das OSs no Brasil. O objetivo é apreender o processo de crescente envolvimento do setor privado na prestação do serviço público de saúde. Palavras-chave: Privatização; Organizações Sociais; Saúde. ABSTRACT We will discuss the expressions of the current modality of expropriation of public funds in health in Brazil, the provision of health services through their indirect privatization through Social Organizations (SOs). In order to do so, we will start from the approaches of the State's performance in the capitalist system; the neoliberal counter-reforms in the 1990s; the resistance to the paradigm of SOs through the work of the National Front Against the Privatization of Health (FNCPS) and the public/private relationship in the context of privatization of health through SOs in Brazil. The objective is to understand the process of increasing involvement of the private sector in the provision of public health services. Keywords: Privatization; Social Organizations; Health. 1 Mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Membro do Núcleo de Pesquisa em Política de Saúde e Serviço Social (NUPEPSS); E-mail: [email protected]. 87
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 1 INTRODUÇÃO Este artigo propõe-se analisar a relação público/privado na saúde decorrente do surgimento das Organizações Sociais (OSs), uma das expressões da contrarreforma neoliberal do Estado empreendida nos anos 1990 pelo governo brasileiro. Criadas para gerir serviços públicos principalmente na saúde, as OSs recebem recursos públicos e atuam sob a lógica gerencial privada. Sodré e Bussinguer (2018, p 46) enfatizam a existência de uma tendência fortemente expansionista e concentradora de captação de recursos pelas OSs no setor de saúde brasileiro. A Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) do IBGE realizada em 2018 mostrou que 93,2% dos municípios brasileiros tinham estabelecimentos de saúde sob a responsabilidade da gestão de terceiros, em comparação aos 88,8% registrados em 2014 (IBGE, 2019). Esses dados apontam que foi de 10,6% o aumento do número de estabelecimentos de saúde nos municípios com administração de terceiros em 2014, e de 13,2% em 2018 (IBGE, 2019). As parcerias entre o Estado e o setor privado atendem aos interesses de reprodução do capital. Segundo Behring (2018) o Estado contribui para a realização de “[...] processos de atividade dos capitais [...] por meio das privatizações e oferta de novos nichos de mercado, [...] o que inclui fortemente as políticas sociais com destaque para a saúde, educação e a previdência social” (BEHRING, 2018, p.47). Nessa perspectiva, abordaremos nos seguintes tópicos alguns elementos pertinentes á análise das expressões da atual modalidade de expropriação do fundo público na saúde no Brasil, a prestação dos serviços de saúde através de sua privatização indireta por intermédio das Organizações Sociais (OSs). 2 ESTADO, CONTRARREFORMA NEOLIBERAL NOS ANOS 1990 E AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NO BRASIL Na perspectiva de construção do debate acerca do Estado no sistema capitalista partiremos da análise de Ernest Mandel (1982) o qual afirma que “o Estado é produto da divisão social do trabalho. Surgiu da autonomia crescente de certas atividades superestruturais, 88
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS mediando a produção material, cujo papel era sustentar uma estrutura de classe e relações de produção” (MANDEL, 1982, p. 333). Sendo a função do Estado construída historicamente e socialmente, ou seja, nas relações sociais existentes, destacamos as principais funções do Estado no modo de produção capitalista segundo Mandel (1982), [...] cria as condições gerais de produção que não podem ser asseguradas pelas atividades privadas dos membros da classe dominante; reprimir qualquer ameaça das classes dominadas ou de frações particulares das classes dominantes ao modo de produção corrente através do Exército, da política, do sistema judiciário e penitenciário; integrar as classes dominadas, garantir que a ideologia da sociedade continue sendo a da classe dominante e, em consequência, que as classes exploradas aceitem sua própria exploração sem o exercício direto da repressão contra elas (porque acreditam que isso é inevitável, ou que é “dos males o menor”, ou a “vontade suprema”, ou porque nem percebem a exploração) (MANDEL, 1982, p. 333-334, grifos nossos). Tais funções caraterísticas da atuação do Estado no sistema capitalista nos fazem refletir em como o Estado vem se reconfigurando ao longo da história para atender aos interesses da classe burguesa. Onde teremos o Estado: como garantidor da produção e como mantenedor da ordem, ou seja, através da repressão impõe a predominância dos interesses de uma determinada classe, a classe dominante; e disseminador de ideologias para manter os interesses da classe dominante como sendo o interesse de toda a sociedade. Contudo, é importante destacar que a forma como o Estado exerceu por exemplo, a “dominação de classe em cada modo de produção e formação social, e contexto político- econômico” (BEHRING, 2018, p. 41), sofre modificações conjunturais ao longo da história, como explica Mandel: Apenas depois que a acumulação primitiva da usura e do capital mercantil alcançou certo grau de maturidade, alterando de maneira fundamental as relações entre as antigas e as novas classes proprietárias e solapando as formas tradicionais de dominação política por meio da expansão do capital-dinheiro, é que o próprio Estado se tornou mais explicitamente um instrumento da acumulação progressiva de capital e o parteiro do modo de produção capitalista (MANDEL, 1982, p. 335, grifos nossos). Segundo Netto (2011) “o Estado, na certeira caracterização marxiana, o representante do capitalista coletivo, atuara como o cioso guardião das condições externas da produção capitalista” (NETTO, 2011, p. 24, grifos do autor). No que diz respeito as suas finalidades 89
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS econômicas, o Estado, de acordo com Netto (2011, p. 26) é funcional ao capitalismo monopolista, sendo considerado nesse sentido o “comitê executivo” da burguesia monopolista, propiciando o conjunto de condições necessárias à acumulação e à valorização do capital monopolista. Uma discussão fundamental a ser feita, articulada ao Estado, é a função do fundo público, na sociedade capitalista financeirizada. Mendes (2012) enfatiza a intensificação das disputas de recursos do fundo público pelo capital portador de juros no contexto de capitalismo financeirizado. Desse modo, o capital portador de juros [...] por meio de suas formas assumidas, ao se utilizar do fundo público, o faz sob a apropriação de parte da receita pública, remunerando os títulos públicos emitidos pelo governo federal e negociados no sistema financeiro brasileiro. Tais títulos compõem destacada fonte de rendimentos para os investidores institucionais, isto é, os rentistas, pois constituem mercadorias que podem ser vendidas e, portanto, reconvertidas em capital-dinheiro, contribuindo para o processo de valorização do capital (MENDES, 2012, p. 97). Segundo Brettas (2020) o fundo público é [...] o conjunto de recursos à disposição do Estado para intervir na economia e nas expressões da questão social. A sua forma mais visível é o orçamento, mas não se esgota nele. Envolve também os montantes disponíveis nas empresas públicas e demais instituições governamentais, como o Banco Central. Os recursos retornam para as(os) chamadas(os) contribuintes por meio de gastos de naturezas diversas. Estes podem se concentrar em assegurar as condições para ampliar as taxas de lucro ou em melhorar a distribuição de renda e as condições de vida da classe trabalhadora (BRETTAS, 2020, p. 210). É importante analisar a forma como esses recursos são arrecadados e gastos dentro de cada momento histórico e respectivas correlações de forças que envolvem o Estado no contexto de capitalismo dependente. Esta análise é indispensável para delinear como a disputa do fundo público se apresenta na realidade brasileira (BRETTAS, 2020, p. 211). Segundo Brettas (2020) o início dos anos 1990 foi marcado por alterações [...] que caminharam no sentido de restabelecer as margens de lucratividade do capital por meio da reestruturação produtiva, aberturas comercial e financeira, privatizações e todo um conjunto de medidas que além de beneficiarem o grande capital, fortaleceram nossa inserção dependente no mercado mundial. Além disso, todo um discurso em torno de uma suposta crise fiscal e do combate à inflação funcionava com base de legitimação para inviabilizar a implementação das politicas sociais nos moldes 90
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS previstos na Constituição [...] que comprometeu a garantia de direitos conquistados e formalizados na constituinte de 1988, e que diante da conjuntura formada pós – 1988, acabaram tendo muita dificuldade para sair do papel (BRETTAS, 2020, p. 214). A partir do governo Fernando Henrique Cardoso, o Estado brasileiro implementa uma série de contrarreformas, com a criação do Ministério de Administração e Reforma do Estado (MARE), dirigido pelo então ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, líder da equipe que formulou o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) e os Cadernos do MARE. Esses documentos defendem a atuação do Estado, regulador e provedor, e promovem o gerencialismo através da privatização, terceirização e publicização. Segundo Behring, o PDRAE: [...] prevê uma estratégia de transição da “reforma” do Estado e do aparelho do Estado em três direções: a mudança da legislação, inclusive as reformas constitucionais; a introdução de uma cultura gerencial e por fim, a adoção de práticas gerenciais (BEHRING, 2008, p.183). O processo de privatização caracteriza-se pela diminuição na execução estatal dos serviços, seja pela venda de empresas estatais ou pelo repasse da gestão dos serviços para o setor privado e, dentre todas as políticas sociais, a saúde tem sido priorizada. Desse modo, Granemann afirma que: [...] a contrarreforma estatal transforma quase todas as dimensões da vida social em negócios, ao definir de modo rebaixado o que são as atividades exclusivas do Estado - ação que permitiu a entrega das estatais ao mercado pela via das privatizações - tem no Projeto Fundação Estatal um estágio aprofundado da transformação do Estado em mínimo para o trabalho e máximo para o capital (GRANEMANN, 2008, p. 37, grifo nosso). Bravo e Correia (2012) destacam que o processo de privatização do que é público é realizado na medida em que o “Estado abdica de ser o executor dos serviços públicos, por meio da abertura à iniciativa privada como fornecedora desses serviços, mediante repasse de recursos, de equipamento, instalações públicas e de pessoal para entidades privadas” (BRAVO; CORREIA, 2012, p.139). As Organizações Sociais foram definidas através da Lei Nº 9.637, de 15 de maio de 1998, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, “[...] como parte do Programa Nacional de Publicização, aderindo as Parcerias Público-Privadas (PPP) [...] para a gestão de políticas 91
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS sociais, incluída a de saúde” (SILVA, 2017, p. 27). O Art. 1º Lei Nº 9.637 destaca que o Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais [...] pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei (BRASIL, 1998, grifos nossos). De acordo com Santos (2015) a Lei Nº 9.637/98 compõe o quadro de privatização do SUS, onde “o Estado, através da celebração de contrato de gestão, cede não só a gestão, mas também, recursos orçamentários, equipamentos, prédios, bens e servidores públicos, para as entidades privadas que prestam serviços pelo SUS” [...] (SANTOS, 2015, p. 102). Tatiana Brettas assevera que esta lei “[...] autoriza que ‘pessoas jurídicas de direito privado’ [...] possam receber recursos e bens públicos e deles dispor, sem precisar fazer licitação, nem concurso público, flexibilizando a forma de contratação e de aquisição de materiais e equipamentos” (BRETTAS, 2020, p. 243). A autora ressalta o poder de mando sobre vultosos recursos do fundo público de organizações consideradas institucionalmente sem fins lucrativos, que transformam políticas sociais em espaços rentáveis ao grande capital (BRETTAS, 2020, p. 244). Correia e Santos (2015) afirmam que através das OSs o Estado “[…] abdica de ser o executor direto desses serviços, mediante repasse de recursos, de equipamento e instalações públicas e de pessoal [...] quebrando as amarras impostas pelo direito público” (CORREIA; SANTOS, 2015, p. 36). 3 A RESISTÊNCIA AO PARADIGMA DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS Como forma de resistência ao processo de privatização na saúde, em 2010 foi criada a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde (FNCPS)2, considerada também como um dos 2 Inicialmente, foi denominada de “Frente Nacional Contra as OSs e pela procedência da ADI 1.923/98”, como resultado de uma articulação dos Fóruns de Saúde dos estados de Alagoas, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e do município de Londrina em torno da procedência da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), contrária à Lei 9.637/98 que cria as Organizações Sociais (OSs), que tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento, desde 1998. A priorização desta luta pela Frente foi devida (sic) à possibilidade da votação desta ADI, no STF, acontecer em 2010, [...] (BRAVO; MENEZES; 2014, p. 77-78). 92
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS “mecanismos de participação para fortalecer a luta por saúde [...] retoma como fonte unificadora de lutas, a mesma motivação que deu sustentação às lutas travadas pelo Movimento Sanitário nos anos 1980: o combate à privatização da saúde” (BRAVO; MENEZES; 2014, p. 77-78, grifos nossos). A FNCPS elaborou o documento intitulado “Contra fatos não há argumentos que sustentem as Organizações Sociais no Brasil”, em 12 de junho de 2012 e entregou ao STF. Segundo Bravo e Menezes (2014, p. 78) a FNCPS participou de várias audiências com ministros do STF e acompanhou à votação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.923/98, pela inconstitucionalidade da Lei 9.637/98 que cria as OSs, durante os cinco anos que durou sua apreciação na suprema corte. A ADI 1923/98 foi proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), objetivando a declaração de inconstitucionalidade de toda a Lei 9.637, de 15 de maio de 1998, e do inciso XXIV do art. 24 da Lei 8.666/93, com a redação dada pela Lei 9.648, de 27 de maio de 1998, e foi colocada em pauta para votação, em 31 de março de 2011. Seu julgamento final se deu em 16 de abril de 2015 quando a maioria do Supremo Tribunal Federal considerou parcialmente procedente o pedido da ADI em alguns pontos que deveriam ter relação com os princípios que regem a administração pública constantes no caput do art. 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). Especificamente, quanto ao processo de qualificação das OSs a Lei nº 9.637/98 era omissa em relação a exigência do respeito aos referidos princípios. Em relação ao contrato de gestão a Lei nº 9.637/98 já previa os referidos princípios, em seu Art. 7º, e o STF reforçou a sua necessidade. Em relação as hipóteses de dispensa de licitação para contratações (Lei nº 8.666/93, art. 24, XXIV) e outorga de permissão de uso de bem público (Lei nº 9.637/98, art. 12, § 3º), a Lei nº 9.637/98 era omissa quanto a exigência de respeito aos princípios do caput do art. 37 da Constituição Federal, e o STF os considerou exigíveis. Os critérios para a seleção de pessoal estão totalmente ausentes da Lei nº 9.637/98, e o STF também os considerou sujeitos aos princípios já referidos. O STF também se manifestou na decisão no sentido de “[...] afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União, da aplicação de verbas públicas” [...] (STF, 2015, p. 146) o que significa que os órgãos de controle do Estado (Ministério Público e Tribunal de Contas da União) podem iniciar fiscalizações e investigações sobre as OSs de oficio, sem que isso se configure em abuso de 93
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS autoridade por ausência de prerrogativas em decorrência do fato das OSs serem entidades de direito privado. Vale ressaltar, ainda, que a “Frente Nacional contra a Privatização da Saúde e os Fóruns de Saúde são espaços importantes na luta por direitos sociais e se colocam como desafio na atualidade, na construção de uma frente anticapitalista” (BRAVO; MENEZES; 2014, p. 80). Os fóruns da saúde existentes em diversos estados e municípios e a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde têm se constituído em espaços de controle democrático na perspectiva das classes subalternas, na medida em que tem apontado como desafio estratégico resistir aos interesses do capital dentro do SUS, ou seja, a saúde como fonte de lucro, “coração do capitalismo”, e denunciado os interesses do capital que sabotam o SUS, em nome da defesa do SUS. Têm se constituído em espaços que congrega (sic) setores da esquerda para fortalecer estratégias anticapitalistas ao enfrentar a privatização da saúde Pública (BRAVO; CORREIA, 2012, p.140). Segundo Bravo, Andreazzi e Menezes (2017) o modelo assistencial defendido pela FNCPS é o que está [...] previsto no SUS constitucional que valoriza a prevenção e a promoção da saúde, a universalidade, a integralidade e a intersetoralidade (sic) das ações, na perspectiva de romper com o modelo, centrado na doença e subordinado aos interesses lucrativos da indústria de medicamentos e equipamentos biomédicos, descolado das necessidades da população que ainda é hegemônico (BRAVO; ANDREAZZI; MENEZES, 2017, p. 172, grifos nossos). Para Santos “a privatização da gestão é um exemplo de apropriação do fundo público, pelo setor privado, com a utilização da própria estrutura dos serviços públicos, o que requer, cada vez mais, o apoio estatal” (SANTOS, 2015, p. 100). 4 A RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO NA SAÚDE NO BRASIL Atendendo aos interesses do grande capital financeiro no contexto de enfrentamento da crise, a ofensiva neoliberal tem alimentado o processo de financeirização do capital. Correia (2018) destaca que as políticas de austeridade implementadas nesse contexto objetivam “atender aos interesses do capital financeiro, pois, ao privatizar os serviços públicos do Estado, facilita (sic) a intervenção do capital financeiro nestes setores” (CORREIA, 2018, p. 22). 94
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Nesse sentido ocorre “uma mudança no papel do Estado [...] Este deve passar de executor direto dos serviços públicos para apenas fiscalizador e financiador, não mais se responsabilizando pela execução direta das políticas sociais” (CORREIA, 2018, p. 23). O Estado, contribui assim para a expansão do setor privado, mediante abertura de ofertas de serviços, seja no livre mercado, seja por dentro do setor público. Segundo Alves (2018) a expansão do mercado privado de saúde vem sendo incentivado pelo Estado ao longo dos anos, onde os governos brasileiros têm fomentado a estabilidade do sistema de saúde suplementar através [...] de renúncias fiscais, na dedução de imposto de renda, na emissão de certificação filantrópica às entidades sem fins lucrativos que operam planos privados de assistência à saúde, na compra de planos de saúde para funcionários públicos, em subsídios para oferta de planos de saúde populares, perdão de dívidas, na assistência farmacêutica, [...] (ALVES, 2018, p. 107-108). De acordo com Alves (2018, p. 109) os recursos que poderiam ser destinados para a “ampliação e a melhoria da qualidade dos serviços públicos são alocados para a manutenção de um sistema de saúde complementar que atende apenas à parcela privilegiada da população, que pode pagar pelos serviços prestados”. Segundo Sousa (2017) o setor privado vem ao longo da história [...] vendendo serviços ao Estado, detendo o controle da prestação de serviços, principalmente de média e alta complexidade, bem como dos serviços de apoio e diagnóstico, de insumos e medicamentos. Além disso, tem se beneficiado com subsídios públicos e isenção fiscal (SOUSA, 2017, p. 137). Destacamos ainda que o crescimento ampliado da privatização na saúde segundo Sousa (2017) foi possível através da [...] abertura legal, na Constituição, da livre iniciativa privada na execução das ações e serviços de saúde, bem como da garantia concreta de contratos e convênios do setor privado com o SUS, além das dificuldades enfrentadas pelo setor público no contexto de universalização da saúde, assegurou o crescimento ampliado da privatização (SOUSA, 2017, p. 150). 95
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A possibilidade de execução dos serviços públicos de forma complementar atraiu o interesse dos grandes e pequenos grupos empresariais para prestação de serviço no SUS. Desse modo, [...] os pequenos grupos se atrelam aos serviços públicos estatais seja através de credenciamentos, contratos de gestão, terceirização ou outras formas de adesão e, de forma parasitária, vão realizando a sangria do fundo público. E os grandes grupos atuam como fornecedores de equipamentos e serviços de alta tecnologia de maior complexidade, enfim, os mais caros do mercado de saúde (SOUSA, 2017, p. 151). Lima e Bravo (2015) destacam que o processo de privatização da saúde pública brasileira realizada por meio das “contratualizações de serviços da rede filantrópica/privada e, mais recentemente, através do repasse da gestão do SUS para as Organizações Sociais configura mais uma modalidade de desvio de recursos públicos da saúde para o setor privado” (LIMA; BRAVO, 2015, p. 53). De acordo com Santos (2018) o fomento à ampliação do mercado privado, no contexto do processo de “reforma” do Estado se refletiu na saúde através da [...] mercantilização dos serviços e da privatização da gestão dos serviços públicos de saúde através da sua transferência para entidades privadas, sob o manto de uma nova denominação, a saber, entidades públicas não-estatais, em que os novos modelos de gestão que se expressam nas Organizações Sociais (OS), Fundações de Direito Privado e, a mais recente, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (SANTOS, 2018, p. 33- 34). Segundo Soares (2017) “a precarização e privatização da gestão pública estão cada vez mais associadas ao aumento da participação das entidades privadas na gestão e execução de serviços da rede SUS e fora dela” (SOARES, 2017, p. 129). Nesse sentido Correia (2015) afirma que “a interferência do setor privado na saúde traz sérias consequências, e inviabiliza a saúde como um direito universal” (CORREIA, 2015, p. 84). Além de fortalecer os interesses do capital, o governo brasileiro [...] incentivou e buscou consolidar o processo de privatização progressiva da saúde pública brasileira, tanto dentro do SUS, com o aumento de contratação dos serviços privados de saúde, como pela transferência direta dos serviços para entidades privadas, a exemplos das OSs, e ainda com o incentivo ao crescimento do livre mercado da saúde, reafirmando o Estado máximo para o capital e mínimo para o trabalho (SANTOS, 2018, p. 44). 96
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Destacamos ainda que as parcerias entre o público e o privado segundo Lima e Bravo (2015) [...] acontecem no âmbito do livre jogo do mercado, no qual predomina uma dinâmica perversa que reduz o direito, o acesso universal, visto que os Contratos de Gestão propostos constituem modalidades de privatização que visa à transformação do direito em mercadoria, impulsionando a mercantilização dos setores rentáveis do serviço público [...] (LIMA; BRAVO, 2015, p. 59). Diante desse cenário de privatização e mercantilização da saúde, enfatizamos que “o espaço antes ocupado por uma esfera pública, que fazia certa mediação para interesses coletivos, passou a englobar cada vez mais a lógica do privado, do mercado e da acumulação capitalista (SANTOS, 2018, p.48). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As Organizações Sociais foram apresentadas como um novo modelo de gestão das políticas sociais sob os argumentos de tornarem “[...] mais fácil e direto o controle social [...] autonomia administrativa muito maior [...] melhoria da eficiência e da qualidade dos serviços [...] a um custo menor [...]” (BRASIL, 1997, p. 14) para o cidadão-cliente. A resistência organizada ao paradigma das OSs levou a cabo um levantamento sobre a disparidade da realidade diante das promessas do novo modelo de gestão, transformado em documento entregue ao STF para reforçar o pedido de procedência de uma ADI questionando o paradigma das OSs. O STF reconheceu várias falhas na legislação questionada, e um reflexo positivo do julgamento da ADI Nº 1.923/98 foi o reconhecimento formal da competência dos órgãos de controle do Estado (Ministério Público e Tribunal de Contas da União) sobre a fiscalização da relação público/privada no âmbito desse novo modelo de gestão. REFERÊNCIAS ALVES, Pâmela Karoline Lins. A Ampliação da Saúde Suplementar com apoio Estatal: incentivos, desonerações e subsídios dos Estado brasileiro. In.: CORREIA, Maria Valéria Costa (Org.). Política de saúde no Brasil e fortalecimento do setor privado: desmonte do SUS público, estatal e universal. Maceió: EDUFAL: Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2018. 97
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