EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS AS INFLEXÕES DO NEOLIBERALISMO NAS POLITÍCAS SOCIAIS: uma análise do contexto brasileiro THE INFLECTIONS OF NEOLIBERALISM ON SOCIAL POLICIES: An analysis of the Brazilian context Jousiele Ferreira Simplício de Oliveira1 Maria Helena Lima Costa2 RESUMO As mudanças que ocorrem no mundo após a Segunda Guerra Mundial, junto a expansão do capitalismo e o fracasso do Keynesianismo em resposta às crises do capitalismo, são elementos que contribuem para a gênese do neoliberalismo no mundo. Apesar de todo esse movimento ocorrer entre os anos 70 e 80, é na década de 90 que o Neoliberalismo chega ao Brasil, para iniciar uma série de Contrarreformas nas recém constituídas Políticas Sociais. Palavras-chave: Contrarreformas; Desfinanciamento; Políticas Sociais. ABSTRACT The changes taking place in the world after the Second World War, along with the expansion of capitalism and the failure of Keynesianism in response to the crises of capitalism, are elements that contribute to the genesis of neoliberalism in the world. Despite all this movement occurs between the 70s and 80s it in the 90s that Neoliberalism, arrive ins Brazil, to initiate a series of Counter- reforms in the recently constituted Social Politics. Keywords: Counter- reforms; definancing; Social Politics. 1 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Mestranda do PPGSS-UEPB; [email protected]. 2 Universidade Estadual da Paraíba (UEPB); Mestranda do PPGSS- UEPB; [email protected]. 151
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 1 INTRODUÇÃO As insatisfações ocorridas com o agravamento da crise de 1929 conhecida como a grande depressão, que tem o seu ápice entre 1929-1932, favorece para que as ideias do liberalismo ortodoxo de Keynes, ganhe espaço através do Keynesianismo, com propostas para saída da crise, combinadas com as intensas mudanças no mundo de produção do meio do fordismo que se generaliza no pós guerra. Além disso, a expansão do Keynesianismo como política estatal combinada coma política econômica do Fordismo, contribuíram para a grande expansão e acumulação acelerada que ocorreu após 1945. Entretanto, as intervenções Estatais que ocorrem durante o período do Welfare State após a crise econômica de 1970, juntamente com o esgotamento da teoria Keynesiana sob a regulação econômica e social, assim como os baixos índices de crescimento da economia, foram elementos que permitiram os neoliberais criticarem o Estado Social, contribuindo para a acessão do neoliberalismo. Apesar desse movimento ocorrer ainda durante os anos 70 e 80, é a partir da década de 90, que o neoliberalismo chega ao país, em um período de reordenação das Políticas Sociais, através da recém-criada Constituição Federal. Sendo assim, a política neoliberal inicia o processo de ofensivas, tendo como principal alvo as políticas sociais. Portanto, o presente artigo tem como objetivo analisar as medidas de desfinanciamento nas Políticas Sociais, realizadas pelos governos a partir dos anos 90 até os dias atuais, além da execução destas apesar das retiradas de recursos. Por fim, está discursão faz parte do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba, contando com o financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ). 2 O NEOLIBERALISMO E SUAS IMPLICAÇÕES NAS POLÍTICAS SOCIAIS Com o fim da segunda Guerra Mundial, temos o surgimento do Neoliberalismo, nos países europeus e da América do Norte, de modo que, esses eram países de maior incidência do capitalismo. De modo que, o principal objetivo naquele momento era combater o Estado intervencionista e o de bem-estar social. Além disso, Anderson (1995) destaca que 152
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Seu propósito era combater o keynesianismo e o solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. As condições para este trabalho não eram de todo favoráveis, uma vez que o capitalismo avançado estava entrando numa longa fase de auge sem precedentes – sua idade de ouro –, apresentando o crescimento mais rápido da história, durante as décadas de 50 e 60. Por esta razão, não pareciam muito verossímeis os avisos neoliberais dos perigos que representavam qualquer regulação do mercado por parte do Estado (p.1-2). Entretanto, a crise estrutural que ocorre no início dos anos 70, gera altas na taxa de desemprego assim como a “inflação acelerada”, leva a insatisfação “generalizada” (Harvey,2008). Dessa forma, o neoliberalismo ganha espaço, segundo Brandt; Cislaghi (2020) No decorrer das décadas de 1970,1980,1990 tornou-se o modelo hegemônico mundial, sobretudo depois da derrota do socialismo real na URSS e nos países do leste da Europa. O neoliberalismo, então, desde as últimas décadas do século XX, passa a se apresentar como “nova razão do mundo” (Dardort e Laval, 2016), responsável pela expropriação de bens naturais comuns a privatização de sistemas sociais geridos e financiados pelos estados por meio dos fundos públicos. (p. 161). Destacamos ainda, algumas teses sobre o estado que a teoria neoliberal defende, Behring; Boschetti (2018), vão apontar que [...] Os neoliberais defendem uma programática em que o Estado não deve intervir na regulação do comercio exterior nem na regulação de mercados financeiros, pois o livre movimento de capitais garantirá maior eficiência na redistribuição de recursos internacionais. (Navarro, 1998). Sustentam a estabilidade monetária como meta suprema, o que só seria assegurado mediante a contenção dos gastos sociais e a manutenção de uma taxa “natural” de desemprego, associada as reformas fiscais, com redução de impostos para altos rendimentos. (p.126). Além disso, a teoria neoliberal ressalta que o Estado deve garantir o direito dos indivíduos a propriedade privada, sem interferência de mercado, sob o discurso de que a pobreza pode ser erradicada a partir do livre comercio como afirmar (Harvey, 2008) A empresa privada e a iniciativa dos empreendedores são julgadas as chaves da inovação e da criação de riqueza. Protegem-se os direitos de propriedade intelectual a fim de estimular as mudanças tecnológicas. Assim, os contínuos aumentos da produtividade devem proporcionar padrões de vida mais elevados a todos. Sob o pressuposto de que “uma maré montante faz subir todos os barcos” ou sob o do “efeito multiplicador”, a teoria neoliberal sustenta que a eliminação da pobreza (no plano doméstico e mundial) pode ser mais bem garantida através dos livres mercados e dos livre comercio. (p.37). 153
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Desta forma, é difícil descrever o papel do Estado durante o período neoliberal, de modo que, há modificação de acordo com o período e a região, descaracterizando a teoria do modelo neoliberal, concordamos com Harvey (2008) ao afirmar que O caráter geral do Estado na era do neoliberalismo é de difícil descrição por duas razões especificas. Em primeiro lugar, tornam-se rapidamente evidentes desvios do modelo da teoria neoliberal, não se podendo atribuir todos eles as contradições internas já esboçadas. Em segundo, a dinâmica evolutiva da neoliberalização tem agido de modo a forçar adaptações que variam muito de lugar para lugar e de época para época. Toda tentativa de extrair alguma configuração geral de um Estado neoliberal típico a partir dessa geografia histórica instável volátil parece ser tarefa insana. (p. 40). Dito isto, é importante ressaltar que durante a “implantação” do neoliberalismo em diversos países o Estado passa a ser usado com frequência para “resgatar empresas ou evitar fracassos financeiros”, isto ocorre ainda nos anos 80 durante o período de crise, como no caso norte-americano em que o Estado interviu para evitar o fracasso financeiro das empresas (Harvey, 2008). É característico do estado neoliberal ser opositor as políticas de solidariedade, principalmente se elas interferem na acumulação do capital. Sindicatos independentes ou outros movimentos sociais, que adquiram substancial poder sob o liberalismo embutido, tem, portanto, de ser disciplinados, se não destruídos- em nome de supostamente sacrossanta [...] liberdade individual do trabalhador isolado. Flexibilidade torna-se o mantra dos mercados de trabalho. (Harvey, 2008, p. 42). As alianças com o setor privado, são característica da teoria neoliberal, como forma de transferência de responsabilidade para o privado, as chamadas parcerias públicas- privadas, além dos financiamentos dessas políticas, ou seja, o “Estado assume o risco e o privado o lucro”. Além de ser função do Estado reprimir qualquer forma de oposição ao Estado, através da força policial. A neoliberalização implicou. Para dar um exemplo, um crescente aumento das parcerias público- privadas (esse foi uma das fortes ideias promovidos por Margaret Thatcher ao instituir “instituições quase governamentais”, como as corporações de desenvolvimento urbano com vistas a promover os interesses específicos. (Harvey, 2008, p. 43). 154
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Portanto, ao mesmo tempo que os recursos antes dedicados ao bem-estar da população passa a ser reduzido, como exemplo a saúde, educação e assistência, temos uma exposição crescente de uma grande parte da população ao empobrecimento. “A rede de seguridade sociai é reduzida ao mínimo indispensável em favor de um sistema que acentua a responsabilidade individual.” Sempre atribuindo as falhas e fracassos aos indivíduos “culpabilizando” pelo estado em que se encontra. (Harvey, 2008) Diante dessa conjuntura mundial, a particularidade Brasileira não foge à regra, o neoliberalismo se instaura no País, diante de um cenário de endividamento público, sem políticas de crescimento econômico, dessa forma o neoliberalismo encontra o solo fértil para a sua implantação. Ressaltamos ainda que, os anos 90 no Brasil, é marcado pela pós- constituição, de modo que, Silva et al (2017), vão afirmar que [...] Na década de 90, movimentos sociais organizados ensejaram um projeto de redemocratização do país, que visou ao acesso da sociedade civil tanto as decisões sobre os rumos políticos da nação, através da ampliação dos cais e instrumentos das políticas sociais públicas e de seus públicos-alvo, numa perspectiva de universalização da proteção social brasileira. Essa luta culminou em diversas conquistas asseguradas na Constituição Federal de 1988 (CF/1988) (p. 59). 2.1 OS ATAQUES DO NEOLIBERALISMO AS POLITICAS SOCIAIS :UMA ANÁLISE DO CONTEXTO BRASILEIRO. Com a chegada do Neoliberalismo no Brasil, a partir dos anos 90, as recém Políticas Sociais constituídas através da CF/88, sofrem ataques de subfinanciamento. O curto Governo de Fernando Collor, é responsável pela implementação das Políticas Sociais, que sofrem com o subfinanciamento dessas, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), considerado uma das maiores vitorias da CF/88, por ser um Sistema de Saúde totalmente público e universal e financiado pelo Estado. Entretanto, para Collor o Estado era um grande Elefante Branco e que era necessário minimizar este e otimizar a economia através do investimento no mercado de grandes empresas multinacionais. Com a queda do governo Collor, assume o vice Itamar Franco, que tem seu governo de continuidades do subfinanciamento, além das pressões sofridas pelo grande capital para mudanças na Constituição Federal de 1988, no entanto, após fortes reivindicações advindos 155
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS dos movimentos sociais impediram que isto ocorresse. Destaca-se ainda, que nesse governo parte de recursos que seriam destinados a saúde foram retidos pelo Ministério da Previdência Social o que ocasionou uma queda de investimento em torno de 36% entre 1990 e 1992. (Soares, 2020) Em continuação ao processo de subfinanciamentos das políticas sociais temos o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), considerado com mais ofensivas contrarreformistas, segundo Silva et al. (2017) [...] A falta de vontade política de intervir na iniquidade social; a incapacidade de implementar políticas de retomada do desenvolvimento e do emprego e a perda de soberania nacional, foram traços marcantes da ofensiva contrarreformista do governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), assinalada pelo seu compromisso com o capital internacional e suas agências internacionais de credito. A privatização foi uma estratégia que mediou a remercantilização dos serviços públicos e o esvaziamento e dissolução da esfera pública que acabara de ser assegurada na reforma expressa na CF/1988. (p. 60). A partir dessa conjuntura é criado o ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), que instituiu o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRE). De modo que, o plano diretor afirmava haver um esgotamento estatal, sendo necessário superar o estilo da administração pública burocrática “o estado deve deixar de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social para se tornar o promotor e regulador, transferindo para o setor privado as atividades que antes eram suas” (BRAVO, 2009, p.100). Além disso, destacamos a regulamentação das Organizações Publicas Não Estatais (OPNES) e/ou Organizações Sociais (OS), através da Lei nº 9.637/1998, com a finalidade de gerenciar as políticas sociais, principalmente a saúde. Tal medida é parte do Programa Nacional de Publicização, compondo as Parcerias Públicos- Privadas (PPP). No tocante a Seguridade Social, ressaltamos ainda a Emenda Constitucional nº20/1998 e a criação do Fundo Social de Emergência (FSE), que tinha como objetivo subtrair direitos da aposentadoria e recursos da seguridade social, para que os trabalhadores pudessem se redirecionados para a previdência privada, assim como também o recurso fosse destinado para o pagamento da dívida pública. Além disso, referente a Assistência Social Silva et al. (2017) destaca No tocante a Política de Assistência Social, o governo FHC se notabilizou pela assistencialização da proteção social brasileira, através de um expressivo 156
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS esvaziamento institucional, técnico e política da Assistência Social- em total desrespeito ao seu estatuto de política pública- e do fortalecimento de práticas assistencialistas alheias ao marco legal da Assistência Social. (p. 61). As eleições de 2002, trouxeram algumas expectativas, pois era a primeira vez que um candidato ligado aos sindicatos assumia o poder. Com a eleição de Lula, tinha-se a expectativa de que as Políticas Sociais, fossem implementadas conforme a constituição federal de 1988. Entretanto, as alianças políticas e com o grande capital que fizeram Lula chegar ao poder, não permitiu que isto acontecesse, sendo assim, um governo de continuidades. Assim, uma nova etapa da contrarreforma na política de saúde ocorre no governo Lula que, além de dar continuidade à política econômica conservadora e ao subfinanciamento da seguridade social, implementa uma série de mudanças que o seu antecessor não conseguiu: dentre estas, destacamos a segunda etapa da reforma da Previdência Social (Soares, 2020, p. 74). Ressalta-se que as Políticas Sociais no governo Lula foram caracterizadas em três eixos, O primeiro referente ao Projeto Fome Zero; A contrarreforma da Previdência; O trato da equipe econômica aos recursos da Seguridade Social. Uma das ações mais importantes durante o seu governo refere-se a implantação do Programa Bolsa Família, criado ainda no início do seu mandato, compondo o primeiro eixo do seu governo, com o objetivo de combater a pobreza e erradicar a fome, sendo um dos principais desafios o combate à miséria e exclusão social, tudo isso através da unificação dos programas sociais. No que se refere ao segundo eixo característico do seu governo, a contrarreforma da previdência alcançou âmbitos no serviço público que durante o governo de FHC havia sido derrotas. Bravo (2009) destaca que “a “financeirização” fomentada pelos fundos de pensão atinge o Estado através do investimento em renda fixa que têm como importantes fontes de suas aplicações os títulos públicos. Além disso, Silva et al. (2017), destaca outras medidas de continuidade a contrarreforma iniciada ainda no governo de FHC, como as Medida Provisória (MP) nº 41 e 47 que mais tarde serão convertidas em Lei, trazendo alterações significativas para a Previdência Social. Portanto, apesar de alterações significativas nas Políticas Socias, o avanço do Neoliberalismo e as articulações internacionais, não permitiram que o governo de Lula atendesse as expectativas dos Movimentos Sociais. 157
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Entretanto, o populismo adquirido durante o governo Lula, permitiu que o Partido dos Trabalhadores (PT), continuassem no poder, desta vez com a eleição da primeira Presidenta – Dilma Rousseff- que teve o seu governo marcado por continuidades do governo Lula, com contrarreformas das Políticas Sociais. Destacamos a Lei nº 12.618/2012, e as Medidas Provisória (MP) nº 664 e 665, que dão continuidades as alterações na Previdência Social, iniciada durante o governo Lula. Silva et al. (2017) afirma que [...] O governo Dilma deu sequência a contrarreforma da Previdência Social, no Brasil, estendendo aos funcionários públicos as restrições de acesso impostas por FHC aos trabalhadores do setor privado; criando o Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais e restringindo acessos a diversos benefícios previdenciários. (p. 62). Além disso destaca-se os gastos totais com a saúde que mantiveram o total de 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB), se contrapondo aos gastos das famílias com o setor privado passando da marca dos 53% (Silva et al. 2017). Ressalta-se ainda, as mudanças dos princípios do SUS, para o surgimento, conforme destaca Soares (2010), de um novo projeto na saúde denominado “SUS possível,” como forma de flexibilizar as ideias defendidas pela Reforma Sanitária Diante das avalanches de manifestações ocorridas durante o ano de 2015, assim como, as instabilidades políticas o Golpe de 2016, contou com um suporte do grande capital, além da operação lava jato que tinha como objetivo “combater a corrupção”, assim como a grande mídia, que difundiu argumentos contra o governo, levando a interromper programações cotidianas para mostrar as votações dos parlamentos. Com a saída de Dilma através do golpe, iniciamos uma nova fase do aprofundamento das retiradas de direitos. O Ultraneoliberalismo, que é marcado por um aprofundamento dos ideários neoliberais, com ataques mais severos as políticas sociais, além da expansão da privatização e do estado mínimo, ressaltamos também, criação de medidas econômicas que privilegiam as grandes empresas e dominação do grande capital no País, em contradição, com o subfinanciamento das políticas sociais, que leva a diminuição dos direitos trabalhistas, além do aumento da população em estado de miséria. O Governo de Temer é responsável por dar início a esse primeiro momento do Ultraneoliberalismo, com o aprofundamento das contrarreformas das Políticas Sociais, 158
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS destacamos a PEC 95/2016, conhecida como a “PEC da Morte”, que congela os gastos públicos com saúde e educação durante vinte anos. Além disso, o governo Temer explicitou que a questão social vem sendo enfrentada como questão de polícia, com a militarização de favelas, incentivo a medidas de força em nome da ordem, guerras declaradas ao tráfico de drogas, homicídios e outras tantas demonstrações da intervenção armada e da herança da doutrina de segurança militar. As eleições de 2018 são marcadas pelo ultraconservadorismo e uma grande aderência a direita, o discurso de Políticos Corruptos era marcante durante toda a eleição, incentivando a “apostar” em um candidato diferente, que não fosse corrupto, além de apoiar a família, moralidade e ser conservador dos bons costumes. Esses foram, os discursos que levaram o então presidente Jair Messias Bolsonaro ao poder, junto a uma equipe de ministros que prometiam “mudar o Brasil”. O Governo de Bolsonaro é marcado pela fragilidade de formulação de Políticas econômicas, além do aprofundamento da contrarreforma das Políticas Sociais, com a negação a saúde e a educação. É possível observar essa fragilidade desde a formulação do Plano Plurianual que traz claramente o objetivo do seu governo para essas políticas, com baixos índices de recursos destinados a estas. Concordamos com Berhing et al, 2020 sobre a fragilidade desse plano de modo que A descontinuidade metodológica e a falta de compromisso com as diretrizes nele propostas, vem esvaziando seu conteúdo político e técnico desde 2012, e o torna uma peça orçamentaria frágil diante das demais, mas que merece ser retomada de acordo com seu objetivo central previsto na constituição, já que norteia as demais peças. Pois, apesar desses limites, é possível vislumbrar as prioridades governamentais no documento. (p.110) Além disso, a Pandemia da Covid-19 que chega ao Brasil em 2020, explicita ainda mais, o processo de contrarreforma que as Políticas Sociais vêm sofrendo no País desde os anos 90, principalmente com o desfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS), que foi peça fundamental para o combate do coronavírus. É importante ressaltar que mesmo em meio a uma Pandemia a alternativa neoliberal estava posta, e ela incluía não só as contrarreformas do Estado, como também, e mesmo principalmente, a negação da ciência, a rejeição às vacinas, a 159
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS desconfiança do formato esférico da Terra, o fim da cultura, o desprezo pelo pensamento (DEMIER,2020). Ressalta-se ainda a negação do presidente a Pandemia, com falas contrarias ao distanciamento social, não reconhecimento da Ciência, divulgação de Fake News e propagação de cura da doença através de um medicamento, foram ações desenvolvidas pelo atual presidente para o combate a pandemia, na tentativa de neutralizar o momento que estava sendo vivenciado. A crise no Ministério da Saúde vivenciada devido à falta de compromisso com a Pandemia também é característica do seu governo. A esperança posta através da vacina, mostrava mais uma vez a necessidade de ter um SUS constituinte, além de investimentos em pesquisas, no entanto, apesar da negação do presidente a ciência e os inúmeros ataques ao SUS e a propagação de diversas fake News, a vacina chega ao país com o objetivo de reduzir o número de óbitos, em contradição a um governo com características patriarcal, misógina, racista e LGBTfóbica. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Neoliberalismo que ganha força no Brasil a partir dos anos 90 traz inúmeras modificações para as políticas sociais, que estão recém constituídas, através da Constituição Federal de 1988. É valido ressaltar que os princípios dessa nova política social e econômica, prevê a privatização e vinculação das políticas sociais ao mercado internacional, sob o discurso de melhoria do funcionamento dessas, além da erradicação da pobreza. O SUS que passa a ser regulamentado ainda nos anos 90, é uma das principais politicas a sofrerem mais ataques, devido a sua dimensão e alcance. Apesar do crescimento do setor privado, é o SUS que continua a dar suporte aqueles que precisam, incluindo especialidades e procedimentos que os seguros privados ainda não possuem acesso. As modificações e os intensos ataques a Políticas Sociais, mostram a intenção de cumprir um dos principais princípios do neoliberalismo, a privatização, sendo assim, durante esses últimos trinta anos, a principal função do Estado, tem sido viabilizar o acesso do capital nas políticas sociais, através dos desmontes dessas políticas. 160
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir et al (org.). Pós- neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23. BEHRING, Elaine. Emancipação, Revolução permanente e Política Social. In: BOSCHETTI. Ivanete (org.) et al. Que Política para qual emancipação? Brasilia,2018. ______. Orçamento no Governo Bolsonaro: entre a letalidade e o clientelismo. Esquerda online, 11 maio 2021. Disponível em<https://esquerdaonline.com.br/2021/05/11/orcamento- no-governo-bolsonaro-entre-a-letalidade-e-o-clientelismo-/. Acessado 19 de Ago. 2021. BRAVO, M. I. S. Política de Saúde no Brasil. In: MOTA, A. E. et al. (Orgs.). Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009. Cap. 5. p. 88-110. CISLAGHI, Juliana Fiuza. Hospitais Universitários Federais e Novos Modelos de Gestão: faces da contrarreforma do Estado no Brasil. Caderno de Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 1-76, set. 2011. Disponível em: https://www.adufrj.org.br/wp- content/uploads/2013/03/Revista_cadernos_de_Saude_PAGINA.pdf. Acesso em: 05 fev. 2022. DEMIER, Felipe. Burguesia e Pandemia notas de conjuntura sobre o Neofascismo e Ultraneoliberalismo no Brasil de Bolsonaro. In: BRAVO. Maria Inês (org.) et al. Políticas Sociais e Ultraneoliberalismo. Uberlândia, 2020.Cap 4, p 89-102. HARVEY, David. O Neoliberalismo história e implicações. São Paulo: Loyola, 2008. 223 p. Disponível em: https://www.uc.pt/feuc/citcoimbra/Harvey2008. Acesso em: 12 jan. 2022. SILVA, Sheyla Suely de Souza et al. Neoliberalismo e Contrarreformas das Políticas Sociais. In: SILVA, Alessandra Ximenes da et al (org.). Contrarreforma, intelectuais e Serviço Social: as inflexões na política de saúde. Campina Grande: Eduepb, 2017. p. 53-74. SOARES, R. C. Contrarreforma no SUS e o Serviço Social. Recife: Ufpe, 2020. 362 p. 161
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 162
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS AS POLÍTICAS SOCIAIS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO NEOLIBERAL, NEOCONSERVADOR E NEODIREITISTA: desafios e tensões SOCIAL POLICIES IN THE NEOLIBERAL, NEOCONSERVATIVE AND NEOD-RIGHTIST CONTEMPORARY BRAZILIAN SCENARIO: challenges and tensions Nayara de Holanda Vieira1 RESUMO O presente artigo apresenta uma reflexão teórica acerca das políticas sociais, no cenário contemporâneo brasileiro, frente ao projeto societário neoliberal, neoconservador e neodireitista que alavanca o modelo de acumulação capitalista financeirizado e vai na contra mão dos direitos humanos. Trata-se de uma pesquisa teórica do tipo bibliográfica com metodologia qualitativa, a partir da perspectiva teórica-metodológica marxista, ou seja, do método histórico dialético. Conclui-se que o atual estágio do capitalismo, na conjuntura contemporânea, tem se manifestado com instabilidades, seja nas esferas econômica, política e social, dilatando as expressões da questão social atinentes ao Brasil, com rebatimentos de barbárie que esvaziam as políticas sociais e ainda a cidadania, a democracia e principalmente as lutas da classe trabalhadora e da população mais vulnerável às desigualdades sociais, resultando na retração e no encolhimento destas no país. Palavras-chave: Políticas Sociais. Neoliberalismo. Neoconservadorismo. ABSTRACT This article presents a theoretical reflection on social policies, in the contemporary Brazilian scenario, in the face of the neoliberal, neoconservative and neorightist societal project that leverages the financialized capitalist accumulation model and goes against human rights. It is a theoretical research of the bibliographic type with 1 Assistente Social e Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected]. 163
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS qualitative methodology, from the Marxist theoretical-methodological perspective, that is, from the dialectical historical method. It is concluded that the current stage of capitalism, in the contemporary conjuncture, has manifested itself with instabilities, whether in the economic, political and social spheres, expanding the expressions of the social question concerning Brazil, with repercussions of barbarism that empty social policies and still citizenship, democracy and especially the struggles of the working class and the population most vulnerable to social inequalities, resulting in their retraction and shrinkage in the country. Keywords: Social politics. Neoliberalism. Neoconservatism. 1 INTRODUÇÃO No cenário contemporâneo brasileiro as políticas sociais tem se configurado diante de intensos desafios e tensões, tendo em vista a sociabilidade do capital globalizado, com o projeto societário neoliberal, neoconservador e neodireitista que ocasiona a regressão à proteção social como direito, o esvaziamento da democracia, da cidadania e dos espaços de participação, realocando as responsabilidades do Estado para a sociedade civil que seguem com efeitos deletérios, notadamente para a classe trabalhadora e para as populações mais vulneráveis às desigualdades sociais no país. A discussão e o aprofundamento de reflexões críticas, acerca da conjuntura atual do Brasil, dos acontecimentos econômicos, políticos e sociais na contemporaneidade, que desvelem a atuação das ações e dos interesses do grande capital e que estão sendo desenvolvidas de forma a confrontar direitos ora conquistados pela classe trabalhadora e sobrepujando a população mais vulnerável às desigualdades sociais, esvaziando a cidadania e a democracia no país torna-se imperativa. Por conseguinte, serão levantadas três questões problematizadoras do estudo: 1) Como o neoliberalismo, o neoconservadorismo e as ideologias neodireitistas atingem o Brasil? 2) Que tendências contemporâneas têm demarcado as políticas sociais públicas e os direitos no país? 3) Quais os desafios e tensões no cenário contemporâneo brasileiro? O artigo é decorrente de uma pesquisa teórica, de base bibliográfica. Segue uma metodologia de cunho qualitativa, com escolha intencional da literatura de apoio para responder aos problemas levantados. Adota como perspectiva teórico-metodológica a 164
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS marxista, o que nos leva a refletir e analisar as políticas sociais no cenário contemporâneo brasileiro a partir da abordagem do método histórico dialético. O artigo é dividido em duas partes: 1) as tendências históricas do neoliberalismo, do neoconservadorismo e da ascensão da nova direita no Brasil contemporâneo e; 2) desafios das políticas sociais públicas, no cenário contemporâneo brasileiro. 2 TENDÊNCIAS HISTÓRICAS ACERCA DO NEOLIBERALISMO, DO NEOCONSERVADORISMO E DA ASCENSÃO DA NOVA DIREITA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO As discussões acerca do neoliberalismo incidiu no cenário internacional como uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de Bem-Estar Social, no recorte temporal vivido pela então conhecida fase madura ou tardia do capitalismo, expressada pelos grandes monopólios e intensa intervenção do Estado na economia e no movimento do mercado livre, tangenciadas pelos princípios keynesianos que incidia na lógica anticrise, ocasionada pela crise de 1929, conjugada as transformações no mundo do trabalho pelo modelo fordista de produção, principalmente em países da Europa e da América do Norte, posterior a Segunda Guerra Mundial. Behring e Boschetti (2011) afirmam que nesse recorte temporal do capital monopolizado, são constituídas as bases materiais para a expansão dos direitos humanos e de cidadania que vieram à tona através de ações de cunho políticas, intensificadas por pressões da classe trabalhadora e com a dilatação do socialismo no leste europeu que ocasionou na constituição do pacto entre capital e trabalho, coordenado pelo Estado, propiciando a chegada na Europa ocidental de governos social-democratas, com expansão do Welfare State, colocando nesta esteira, as políticas sociais de caráter universal, com o compromisso do Estado para com os direitos de cidadania com bases nos direitos civis, políticos e sociais, com vistas no crescimento econômico e no pleno emprego. As perspectivas neoliberais foram intensas e de caráter imperativas, que levaram a pressões de ordens diversas, para uma reconfiguração do papel do Estado capitalista, caracterizada como uma reação burguesa à crise do capital dos anos 1970, justificadas como uma ameaça à liberdade econômica e política. Anderson (1995) afirma que o neoliberalismo é colocado à baila pelo teórico Friederich Hayek, ao apresentar a obra “O Caminho da Servidão” 165
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS considerado o precursor desse movimento que ganhou adeptos, defensores da liberdade de todos e contrários às correntes teóricas que se aproximavam da igualdade no período keynesiano-fordista. Como uma reação teórica ao Estado intervencionista, Anderson (1995) afirma que a obra de Hayek, teve como propósito fomentar o combate ao keynesianismo e o solidarismo vigentes e apresentar constructos para um outro tipo de capitalismo, que encontra as condições objetivas para a sua difusão, revelando sua necessidade frente à alegação da profunda recessão da economia e dos mais altos processos inflacionários que eram resultantes, segundo o ideário neoliberal, das forças políticas da classe trabalhadora, manifestada pelos sindicatos e o aumento dos gastos sociais do Estado. No contexto mundial atual, inúmeros países, em decorrência da crise, têm aderido às saídas neoliberais e neoconservadoras e estas têm ganhado espaço de forma irrefreável, marcados por uma nova temporalidade histórica de desenvolvimento civilizatório ou de retorno da barbárie, em que é vivenciada a era dos fenômenos sociais que se agudizam com as desigualdades sociais, manifestadas por meio da pobreza, dos excedentes de mão de obra e exclusões de diversas ordens que fazem parte do teor do capitalismo global contemporâneo. O cenário neoliberal aponta regras políticas para além de meras alterações da doutrina liberal tradicional, que urgem no poder governamental e na operacionalização do capital. A saber, as privatizações atendem a esse chamado, e passa a ser uma das responsáveis para legitimar o sustentáculo econômico nesse novo modelo de acumulação global, flexibilizado e financeirizado ocasionando um esvaziamento da dimensão pública e democrática dos Estados Nacionais em que estes, não são capazes e nem apresentam a função de assegurar proteção social, através das políticas sociais públicas, estando cada vez mais limitado o seu papel na oferta das políticas, serviços e benefícios para ser um mero fiscalizador da racionalidade política e das práticas disciplinares características do neoliberalismo. Sob essa ótica, Mandel (1982) analisa o papel do Estado moderno na ordem capitalista, e o designa ser um “Estado forte” que impõe cada vez mais restrições às liberdades democráticas na tentativa de depreciar e/ou extinguir o movimento organizado dos trabalhadores enquanto classe por meio da manipulação por vias ideológicas para “moldar” o trabalhador à sociedade capitalista que visa ser este consumidor, parceiro ou ser reconhecido como cidadão aos moldes dessa lógica. 166
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Assim, para Mészáros (2011), o capital no seu desenvolvimento precisa dissipar riquezas de diferentes formas como uma estratégia de anticrise, para o enfrentamento da crise estrutural do capitalismo, colocando o Estado funcional ao capital, com intervenções pífias para a sociedade e através das saídas neoliberais e neoconservadoras que invadem a cena e acaloram as críticas ao Estado intervencionista. A virada neoliberal demarca além da onda de privatizações, um esvaziamento da dimensão pública e democrática dos Estados Nacionais, caracterizada por Dardot e Laval (2016) como a “Era Pós-Democrática”. O Estado não pode mais assegurar proteção social, limitando- se ao papel fiscalizador e gerenciador da racionalidade política, perpassando pelas práticas disciplinares dos indivíduos através de parâmetros concorrenciais, sob a lógica do empreendedorismo, do capital humano, do empoderamento e outras formas de autoresponsabilização e autogestão. Em países capitalistas da américa latina, especialmente o caso brasileiro, guinados pela corrente neoliberal e neoconservadora, a proteção social pública e a democracia sofrem rebatimentos de ordens diversas e vão desde a aguda reorientação de bases hostis com o ajustamento não somente de novos referenciais teóricos e ideológicos, mas às reformas que desmontam direitos humanos, dilatam as expressões da questão social, do encolhimento da cidadania e da participação, do esvaziamento da democracia e das formas mais impactantes, nessa nova fase do capital, da espoliação e expropriação. Um novo fenômeno se coloca nos dias atuais, que Chauí (2019) chama de “neoliberalismo totalitário”, implementado pela extrema direita em várias partes do Ocidente, dentre eles o Brasil, desde 2016. A autora é enfática ao denominar a lógica totalitária, considerando que esta é imposta pela relação mercadológica, empresarial, de investimento e pela órbita meritocrática a partir de bases advindas da ideia de sociedade administrada. Os tempos atuais são marcados por crises exponenciais, com o avanço do projeto societário neoliberal e neoconservador e da ascensão da nova direita, representando a subsunção do Estado aos interesses do capital financeirizado, com o desígnio de ampliação dos rendimentos do capital, que desencadeia crescentes formas de desigualdades e de lacuna entre as classes sociais, configurando o estado permanente de crises econômicas para alavancar políticas de austeridade e a organização do Estado neoliberal, autoritário e totalitário (HARVEY, 2014). 167
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Países como o Brasil e aqueles de economia dependente sempre estiveram funcionais à acumulação posta pelos países desenvolvidos, centrais ou ainda industriais. Para Marini (2005), tais condições de dependência são metamorfoseadas pelas grandes potências da economia mundial, para que estas ampliem suas riquezas e concentrem o poder por meio da subordinação, seja pela economia com base em commodities, na desindustrialização e na superexploração do trabalhador. Esse caminho, leva à desproteção social por parte do Estado, o enxugamento de políticas sociais públicas, o encolhimento e o esvaziamento da cidadania e da democracia. A composição neoliberal e neoconservadora alavancada pela nova direita, principalmente dos grupos considerados radicais que reforçam a nova ortodoxia capitalista, tem ocasionado contrariedades à luz da democracia, reduzindo-a e incompatibilizando-a com os interesses hegemônicos do grande capital, sobretudo refazendo e remodelando as concepções tradicionais da democracia e dos direitos, lançados na fase liberal do capital. Como aponta Brown (2019), a nova direita se reconfigura ao se colocarem ameaçados na sua “superioridade” branca, cristã e heteronormativa, a partir dos impactos econômicos, políticos e culturais, ocasionados pela crise financeira de 2008. Ela ainda legitima forças antagônicas à democracia, ou seja, ideologias antidemocráticas, que esbarram e esmagam a proteção social pública, a cidadania e os direitos. Todas essas ênfases percorrem um cenário de contradições que encontram-se diante de conflitos teórico-metodológicos e ético-políticos que requerem debates mais aprofundados com reflexão crítica, diante do crivo do projeto societário da classe dominante que se expressa a partir das mudanças nos modelos de acumulação e regulação social e alteram a substantivação da cidadania, dos direitos, do perfil das políticas sociais públicas e da democracia. 3 DESAFIOS E TENSÕES NAS POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO Nos últimos tempos, o debate sobre as políticas sociais no Brasil tem se tornado imperativo, frente aos desafios e tensões que atravessam as distintas realidades e indivíduos. O cenário atual no Brasil, apresenta a conjuntura dos ideais neoliberais, neoconservadores e de 168
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ascensão do extremismo da nova direita no poder. É notório que esse cenário, tem se assentado no antidemocratismo, na propriedade, no valor supremo da liberdade individual que contraria a liberdade política e suas feições sobre a participação. Como expressa a racionalidade neoliberal acentuada pela égide neoconservadora no Brasil, a difusão de valores que fortalecem a dilatação da extrema direita, tem expressado para a democracia instabilidades e ataques através de atos relativos a desconfiança desta, como forma de manutenção das elites do país no poder, e assim esbravejam a defesa das liberdades do mercado, de princípios morais políticos sob a alegação de manutenção na ordem e ainda o uso da militarização e da repressão com o intuito de manter a harmonia social. No cenário nacional tem sido visualizado o alargamento da nova direita, esta que teve seu estopim com a ascensão de partidos de centro de direita que chegaram ao poder, ocasionado pelo impedimento da continuidade do mandato, ou seja, pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em outubro de 2015, através da Ação Penal 470. Evidenciou-se, a partir de então, a coalisão de políticas de austeridade neoliberal, configurado por muitos analistas, como golpe político, descrito por Santos (2017) como a clausura do poder constituinte do povo, ou seja, têm-se vivido o esvaziamento e o rechaçamento da democracia participativa no país. Essa nova conjuntura vem ameaçando as políticas sociais públicas e os direitos sociais pactuados na sociedade brasileira e normatizados na Constituição Federal de 1988. Por meio das lutas dos trabalhadores, várias conquistas são materializadas através das políticas sociais e com a guinada neoliberal, enfrentam desafios de inúmeras ordens, visualizados nos ideais da “nova” ultradireita, que se aproxima ou flerta com o fascismo e impõe às políticas de proteção social, à lógica da mercadoria. Como exemplo, a Emenda Constitucional (EC) nº 95, de 2016, que instituiu um novo regime fiscal para vigorar nos próximos vinte anos, valendo, portanto, até 2036, congelou o orçamento das receitas primárias, incluindo as de seguridade social. Os investimentos sociais públicos foram reduzidos por força dessa nova regra, sob a tônica da redução de gastos, o que torna ainda mais precárias as ações dos serviços públicos, acarretando o desmonte dos direitos sociais e descaracterizando cada vez mais a proteção social advinda do Estado, a cidadania e a democracia. Em tempos atuais, no atual governo brasileiro, iniciado em meados de 2018 adotou a “cartilha” neoliberal e neoconservadora alinhada ao projeto da nova direita no país, tem 169
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS reascendido e reluzido de forma a impactar sobremaneira na democracia brasileira, na cidadania, na participação e nos direitos, com fins de contenção de gastos públicos. O ano de 2019, no Brasil, teve como marca a aceleração das diversas medidas neoliberais e neoconservadoras como as do contingenciamento dos recursos previstos para as políticas sociais públicas, marcados pelos longos atrasos no repasse dos recursos federais, que somados aos cortes e ao congelamento do orçamento, vêm desfinanciando e dificultando a efetivação destas. Boito Jr (2019) afirma que no Brasil vive-se um governo e um movimento de apoio a este, predominantemente neofacista, que embora tem-se um regime político de uma democracia burguesa, esta encontra-se deteriorada e, segundo o autor, o Congresso Nacional funciona sob influência efetiva no processo decisório, porém com alcance limitado pelo então designado hiperpresidencialismo brasileiro. É visível o esvaziamento na organização democrática das instituições do Estado, a partir da ótica das ameaças e atentados às liberdades políticas, da participação, resgatados pela censura, prisões arbitrárias e atentados aos direitos humanos. Em meados de março de 2020, o país foi surpreendido pela pandemia do novo coronavírus, o que desvelou imensas desigualdades manifestadas seja nas formas de contaminação do vírus, seja nos números horrendos da mortalidade, tendo em vista, o desgoverno e a falta de uma política nacional orientadora das ações de enfrentamento da doença. A crise pandêmica ocasionada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) tem acarretado mudanças de forma imperativa e abrupta, que alteraram significativamente a vida cotidiana das pessoas nos mais diversos países. O distanciamento físico e social, o uso de máscaras e de álcool, como estratégia preventiva contra a transmissão do vírus tem desencadeado inúmeras reações e interesses por parte do capitalismo mundial no que diz respeito a sua funcionalidade, observada aqui o alargamento da sua crise estrutural que persiste desde a década de 1970. As medidas adotadas no Brasil pelas autoridades sanitárias e pelo governo culminaram na decretação do estado de calamidade pública que determina ações propícias ao isolamento social e à redução ou à paralisação de diversos serviços, com exceção daqueles considerados essenciais. Entretanto, o presidente do país não adotou uma política unificada de combate à disseminação do vírus e tem pregado o retorno das atividades econômicas desde a primeira fase da doença, visualizando a priori, uma forte tensão e desarmonia geradas pelo discurso 170
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS negacionista e de ódio, que tende a priorizar o lucro e não a vida, com a manipulação de ideologias por meio de notícias falsas (fake news), caminhando para ações de inspirações fascistas e racistas, estimuladas pela nova direita no país. O alastramento da pandemia da Covid-19, ainda beira o ano 2022, com consequências catastróficas no Brasil, que mesmo em meio ao quantitativo elevado de mortes e de infectados pelo vírus, a população deparou-se a priori com a não priorização dos investimento públicos para a compra de imunizantes, diante do caráter emergencial para o bloqueio do vírus, com ênfase para um panorama caótico de constantes ataques as políticas sociais públicas por parte dos poderes constituintes do Estado. Nessa relação contraditória, é demonstrada nitidamente a necessidade de um Estado interventivo tanto na defesa para as condições de existência das pessoas, quanto na regulamentação da economia, o que comprova que as políticas defendidas pela lógica neoliberal e neoconservadora não oferecem resolutividade para a realidade no Brasil e no mundo. Neste contexto geopolítico é vivificado o que Fontes (2017) denominou de “rapinagem burguesa”, considerando a subtração ardilosa, a espoliação e a expropriação de longas conquistas das classes populares, dentre elas a classe trabalhadora, e dos direitos. Para o autor, é reavivada as ações de filantropia com caráter mercadológico que ocasionam na desidratação das políticas sociais públicas e colocam as diversas manifestações da questão social atinentes ao Brasil, ajustadas aos interesses econômicos e das mais diversas ordens do capital contemporâneo. Torna-se urgente a adoção de políticas de proteção social pública e requer ações de cunho econômico e social, por parte do Estado através de serviços sociais públicos, ou seja, as políticas públicas, para minimizar os efeitos deletérios, priorizando sempre o direito à vida, que deve ser entendido como superior aos interesses hegemônicos do capital, alargando a cidadania e diminuindo os vazios democráticos do país. A partir dessa ótica, é imperativo na sociedade brasileira, refletir sobre as políticas sociais públicas e os direitos, frete aos desafios e tensões ora apresentados no contexto brasileiro, resgatando o potencial da participação popular, como estratégia política, como forma de assegurar os direitos previstos nas leis, ora positivados, para que sejam materializados e assim deem substantividade à cidadania brasileira. 171
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Todas essas ênfases que perpassam o debate das políticas sociais, no Brasil, percorrem um cenário de contradições, desafios e tensões que perpassam por todo processo da égide neoliberal, neoconservadora e sob a tônica neodireitista, que segundo Teixeira (2008), não se deve perder de vista o modo dominante ou a “nova cultura” de compreensão dos direitos sociais e das políticas sociais, dentre aqueles que permeiam a divisão de responsabilidades no trato com as diversas expressões da questão social, em um cenário de correlação de forças que desresponsabiliza o Estado e legitimam e incentivam para a execução das políticas sociais, para a sociedade civil, que intensifica os vazios protetivos desconsiderando a lógica da participação e acenam cada vez mais para a mercantilização dos direitos ora conquistados nos últimos anos. De certo, a importância das lutas sociais que reverbera na participação social para a efetivação das políticas sociais públicas e a ampliação dos direitos na atualidade torna-se um imperativo nos distintos espaços de debates, haja vista a invasão neoliberal e neoconservardora, próprias da nova direita, esta que não reconhece a demanda por políticas públicas e visa minimizá-las. Por último, é chamado ainda a comunidade acadêmica para que através das suas agendas de pesquisas, pelos entes federados, dentre outros, para fins de legitimidade de demandas, principalmente da classe trabalhadora e da população mais vulnerável às desigualdades sociais, e sua inclusão nas agendas públicas governamentais, como forma de pressionar pela construção de políticas públicas e sua efetivação frente às necessidades de modificações substantivas da conjuntura de políticas de austeridade neoliberal, neoconservadoras e de cunho neodireitistas. 4 CONCLUSÃO Os desafios e tensões das políticas sociais públicas no cenário contemporâneo com a nova direita no poder e sua ala extremista no Brasil, tem expressado a racionalidade neoliberal e neoconservadora estendida aos diversos âmbitos da vida em sociedade, extrapolando a dimensão econômica e reduzindo a condição protetiva, esvaziando cada vez mais a proteção formal do Estado. O neoliberalismo, o neoconservadorismo e as tônicas neodireitistas são uma ameaça legítima e constante para as políticas sociais públicas e os direitos conquistados no Brasil. As 172
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS contrarreformas e desmontes, subtraíram e ceifaram direitos ou ainda inibiram a legitimação de muitos destes que já foram conquistados e então positivados. São ataques que tem se tornado urgente e imperativo o chamamento da sociedade, frente aos mais impactantes elementos conservadores que desqualificam os ganhos civilizacionais tão caros do cenário brasileiro. Por fim, os desafios e as tendências das políticas sociais e dos direitos no cenário contemporâneo brasileiro são inúmeros, que estando sob a tônica neoliberal, neodireitista e neoconservadora, nos deparamos com questionamentos e reflexões dos quais nos remetem a pensar se há possibilidade de mudanças, seja por meio de outra ordem societária ou seja por mudanças parciais e adaptações na ordem vigente. Mudar uma realidade exige lutas, participação da sociedade civil, resistências, inconformismos e reivindicações. Assim, longe de esgotar as possibilidades de respostas às reflexões, análises e questionamentos realizados nesta discussão, torna-se urgente o chamamento para o debate e para as lutas nas arenas públicas para garantir ganhos civilizacionais que já foram conquistados e avançar com constructos de emancipação, sugerida a apriori uma emancipação política. REFERÊNCIAS ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In: SABER, E.; GENTILI, P. (orgs.). Pós- neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. BEHRING, E. R; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011. BROWN, W. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019. BOITO JR, A. Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo. Crítica Marxista, edição comemorativa n. 50, 2020. CHAUÍ. M. O que é a “nova” ultradireita? 2019. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/marilena-chaui-o-que-e-a-nova-ultradireita/. Acesso: 14 nov. 2019. DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. FONTES, V. Capitalismo em tempos de uberização; do emprego ao trabalho. Colóqui Marx e o Marxismo 2016: Capital e Poder. Mesa Redonda Trabalho e Capital: as contradições políticas 173
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS contemporâneas. HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2014. MANDEL, E. O capitalismo tardio. São Paulo: Nova Cultural, 1982. MARINI, R. M. Dialética da Dependência. In: MARINI, R.; TRANSPADINI, R.; STEDILE, J. P. (Org.). Rui Marini – Vida e obra. São Paulo: Expressão popular, 2005. p.137-180. MÈSZÁROS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011. SANTOS, W. G. A Democracia Impedida: o Brasil no século XXI. Rio de Janeiro: FGC Editora, 2017. TEIXEIRA, S. M. Envelhecimento e trabalho no tempo do capital: implicações para a proteção social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2008. 174
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS AS POLÍTICAS SOCIOASSISTENCIAIS PARA O ENFRENTAMENTO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL SOCIO-ASSISTANCE POLICIES TO COMBAT CHILD LABOR IN BRAZIL Luciana Cristina da Costa Bonfim1 Maria D’Alva Macedo Ferreira2 RESUMO Este artigo objetiva uma aproximação analítica sobre a contribuição das políticas socioassistenciais para o enfrentamento do trabalho infantil no Brasil. Com base no estudo bibliográfico, observou-se que essa problemática se constitui um inibidor do desenvolvimento da criança e do adolescente, além de impedi-los de usufruir os direitos próprios da infância. Para a criança e o adolescente trabalhador, as atividades próprias das diversas etapas de seu desenvolvimento são prejudicadas. Pretende-se analisar alguns pontos referentes a esse fenômeno, dentre eles: a delimitação do que seja trabalho infantil, suas causas e consequências, a legislação vigente, o número de crianças e adolescentes que trabalham, especialmente no contexto brasileiro, bem como as políticas socioassistenciais implementadas ao longo de décadas para a erradicação de umas das piores formas de violação dos direitos destes cidadãos. Palavras-chave: Trabalho Infantil. Políticas Socioassistenciais. Legislação Vigente. ABSTRACT This article aims at an analytical approach on the contribution of social assistance policies to the fight against child labor in Brazil. Based on the bibliographic study, it was observed that this problem constitutes an inhibitor of the development of children and adolescents, in addition to 1 Assistente Social. Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí (2001) e Especialista em Administração Pública pela Universidade Federal do Piauí (2004). Servidora Pública do quadro da Secretaria de Assistência Social e Cidadania (SASC). E-mail: [email protected]. 2 Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Professora Titular do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI, Teresina, Brasil). E-mail: [email protected]. 175
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS preventing them from enjoying the rights of childhood. For working children and adolescents, the activities of the different stages of their development are impaired. It is intended to analyze some points related to this phenomenon, among them: the delimitation of what is child labor, its causes and consequences, the current legislation, the number of children and adolescents who work, especially in the Brazilian context, as well as the social assistance policies. implemented over decades to eradicate one of the worst forms of violation of the rights of children and adolescents. Keywords: Child Labor. Social Assistance Policies. Current Legislation. 1 INTRODUÇÃO O debate sobre a questão do trabalho infantil é antigo. Todavia, a persistência dessa problemática no mundo e no contexto brasileiro continua a ser um desafio e carece de estudos, pesquisas e sistematização permanentes como forma de resistência a uma das piores formas de violação dos direitos da infância e da adolescência. Logo, este artigo tem como pretensão analisar alguns pontos referentes a esse fenômeno, dentre eles: o conceito, as causas e as consequências do trabalho infantil, a legislação vigente e as políticas socioassistenciais que visam seu enfrentamento e os dados empíricos oriundos de estatísticas oficiais que revelam o número de crianças e adolescentes inseridos no mundo do trabalho precoce. O trabalho infantil existe no mundo inteiro, mas predomina nos países em desenvolvimento, constituindo-se um problema social complexo, dada a heterogeneidade dos fatores que ocasionam seu surgimento: pobreza, miséria, analfabetismo, concentração da terra e renda, alto custo de vida, perda progressiva do poder aquisitivo, aumento do desemprego e do subemprego, naturalização do fenômeno e desrespeito à legislação, atrelados à insuficiência dos serviços públicos. Os múltiplos fatores elencados acima contribuem para que muitas crianças e adolescentes oriundas de famílias pobres submetam-se a vários tipos de trabalho, muitas vezes em condições insalubres, para prover o próprio sustento e o da família. Em alguns casos, o problema não está ligado à subsistência da família, mas a novos padrões de consumo ou a questões culturais que colocam o trabalho acima do direito à infância e à juventude. Para Magalhães e Bispar (2022), essa problemática despoja a criança e o adolescente de uma infância plena e saudável, constituindo-se como uma das piores violações aos direitos 176
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS desse segmento populacional, por romper com o princípio da proteção integral que tem por base os direitos fundamentais infanto-juvenis. O presente artigo visa uma aproximação analítica sobre o trabalho infantil e as políticas socioassistenciais para o seu enfrentamento no Brasil, na medida em que esse fenômeno aumentou significativamente em razão das crises políticas, econômicas e sanitárias que atingiram a sociedade brasileira, sobretudo em razão da pandemia da Covid-19. Assim, pergunta-se: em que medida as políticas socioassistenciais contribuem para o enfrentamento de problemas dessa monta no caso brasileiro? Para respondermos a esse questionamento, utilizamos como procedimento metodológico a pesquisa de caráter exploratório. Para Gil (2008), este tipo de pesquisa tem como finalidade desenvolver e esclarecer conceitos, envolvendo levantamento bibliográfico e documental, baseando-se em estudos, teorias e conceitos de diversos autores. Reitera-se a importância de se dar continuidade à produção de conhecimento sobre a temática do trabalho infantil e as políticas socioassistenciais para seu enfrentamento, visando contribuir para o conhecimento científico e, consequentemente, para o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para erradicação de toda a forma de trabalho infantil até 2030, conforme acordo assumido com os objetivos de desenvolvimento sustentável perante a Organização das Nações Unidas (ONU). 2 TRABALHO INFANTIL E AS POLÍTICAS SOCIOASSISTENCIAIS PARA SEU ENFRENTAMENTO NO BRASIL Para efeitos deste estudo, se concebe como trabalho infantil, conforme Carvalho (1997), aquele em que a criança e o adolescente levam prematuramente vida de adulto, trabalhando em período integral ou mesmo em regime de escravidão, exercendo atividades perigosas, insalubres e em condições prejudiciais a sua saúde, segurança e ao seu desenvolvimento biopsicosocial. Portanto, não é o fato em si de crianças e adolescentes trabalharem que dá margem a denúncias e discussões, pois quando realizado sob a supervisão dos pais somente para transmitir aos filhos técnicas tradicionalmente adquiridas sem, contudo, implicar o exercício precoce das atividades, pode ser considerado saudável e até aconselhável. Nesse sentido, 177
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Carvalho (1997) chama de “trabalho natural” aquele considerado parte dos deveres da vida em família e na comunidade. Ao contrário, quando o trabalho sobrecarrega e explora, tirando da criança e do adolescente a oportunidade de instrução, de lazer e descanso, impedindo o seu desenvolvimento pleno, constitui-se trabalho abusivo e explorador. Nesse caso, crianças e adolescentes são obrigados a trabalhar desde tenra idade, cumprindo longas jornadas de trabalho, recebendo remuneração irrisória (quando recebe) e executando tarefas para além de suas possibilidades físicas, o que contribui para a sua desescolarização ou defasagem em relação à série-idade. O trabalho infantil é um fenômeno social milenar. Na antiguidade, esse fenômeno estava associado ao cultivo da terra ou à criação de gado, representando, basicamente, uma forma de transmitir para os filhos as técnicas tradicionalmente adquiridas. Contudo, após as sucessivas revoluções ocorridas na indústria, o trabalho infantil foi sendo incorporado à força de trabalho por significar, entre outros motivos, mão-de-obra barata. Até então, este tipo de trabalho tem sido utilizado ora como estratégia de manutenção do capitalismo, ora como estratégia de garantir a sobrevivência da família. No Brasil, o trabalho infantil remonta à colonização portuguesa e à implantação do regime escravagista onde crianças indígenas e negras foram as primeiras a sofrer os rigores do referido trabalho num mundo que, de início, estabeleceu uma estrutura de produção e distribuição de riqueza fundamentada na desigualdade social. O posterior processo de industrialização correlativo à transformação dos países de economia capitalista manteve intactas tais estruturas, obrigando o ingresso de centenas de crianças e adolescentes no sistema produtivo ao longo dos séculos, constituindo-se uma mão de obra barata, trazendo ganhos e dividendos para os donos dos meios de produção e patronato em geral, em detrimento da degradação das vidas dessas crianças e adolescentes. No plano político-econômico, o capitalismo vem passando por crises e, para se manter, vem desenvolvendo mudanças que se expressam de diferentes formas como a terceirização, a subcontratação, os baixos salários, os contratos de trabalho temporário, as privatizações, a solidariedade, as parcerias, o desemprego estrutural, entre outras mudanças que caracterizam a nova fase do capitalismo. Este cenário leva um contingente de crianças e adolescentes pauperizados a se inserirem no mundo do trabalho prematuro para suprir o próprio sustento e 178
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS de seus familiares, em atividades que exigem pouca ou nenhuma qualificação, até porque contam com pouca ou nenhuma escolaridade. Por outro lado, no plano sociocultural, o trabalho infantil não é visto como problema, mas como solução. Para crianças e adolescentes provenientes principalmente das famílias de baixa renda, o trabalho infantil é visto por muitos com naturalidade e até valorizado. Dentre estes, muitos argumentam que o trabalho para as crianças e adolescentes pobres é uma forma de afastá-los da ociosidade, do crime e da adicção a drogas e, ainda, que com o trabalho elas estão contribuindo para a sobrevivência de sua família, que o trabalho enobrece a criança e a ensina a lutar pela vida, e que é preferível trabalhar a roubar.3 As estatísticas oficiais traduzem a realidade de vida de uma parte significativa das famílias das crianças e adolescentes submetidas ao trabalho infantil. No Brasil, 13 milhões de pessoas encontram-se em situação de extrema pobreza, sobrevivendo com até R$ 151,00 por mês e 51,7 milhões em condição de pobreza, com renda de até R$ 436,00 por mês (JORNAL NACIONAL, 2020). No que diz respeito ao número de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, o mesmo era de 160 milhões, com um aumento de 8,4 milhões nos últimos quatro anos, de 2016 a 2020, e pelas conjecturas, 8,9 milhões iriam ingressar nessa situação até 2022, devido aos impactos da Covid-19 (UNICEF, 2021). Já informações divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no Brasil, em 2019, havia 38,3 milhões de pessoas com idade entre 5 a 17 anos, dos quais 1,8 milhões estavam em situação de trabalho infantil. Vale destacar que o país tinha 5,3% de suas crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil em 2016. Em 2019, havia 706 mil pessoas de 5 a 17 anos de idade ocupadas nas piores formas de trabalho infantil (IBGE, 2021). Nas cidades brasileiras, crianças e adolescentes engraxam sapatos e vendem produtos de pouco valor; no comércio varejista, elas trabalham como balconistas, office-boys e empacotadores; nas produções agrícolas encontram-se, historicamente, na cultura da castanha de caju, da cana-de-açúcar, da soja, do cacau, entre outras; na distribuição de panfletos e venda de jornais em meio às avenidas; nos serviços de cerâmica, pedreiras e olarias onde eles 3 BORGES, A. M. R.; BRANDÃO, S. M. P.; MOUSINHO, I. N. (coord.). Mapa do Trabalho Infantil no Piauí. Teresina: Grafset, 2002. 179
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS trabalham na quebra e britagem de pedras ou na fabricação e transporte de tijolos; em oficinas mecânicas, na lavagem de peças, lubrificação, remendo de pneus e pinturas; em serviços de madeireiras e movelarias, serrando e envernizando madeiras, entre outras atividades econômicas. As modalidades de trabalho infantil acima citadas trazem inúmeras consequencias para crianças e adolescentes, na medida em que eles ficam sem tempo e sem disposição para brincar. Quando vão à escola, não conseguem acompanhar as aulas, devido ao sono e ao cansaço, estão mais sujeitos a problemas de saúde, além de correrem riscos ao executar tarefas muitas vezes acima de suas forças e aptidões físicas, em jornadas de trabalho prolongadas e sem dispor de equipamentos de proteção. Para o enfrentamento do trabalho infantil, o Estado brasileiro regulamentou um arcabouço jurídico e institucional. Inicialmente, tratar-se-á do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8069/1990, que após a alteração na legislação (Emenda nº. 20),4 estabelece que fica terminantemente proibido o trabalho infantil de 0 a 14 anos e o do adolescente de 14 a 16 anos fica permitido apenas na condição de aprendiz. No que diz respeito ao adolescente de 16 a 18 anos, na condição de aprendiz ou não, serão assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários. Em síntese, este capítulo do ECA expressa, enfaticamente, que não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente, que de nenhuma forma será permitido o desempenho de qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira no seu desenvolvimento físico, mental e moral (BRASIL, 1998). Diante dos dados sobre a problemática do trabalho infantil e do que está posto na legislação vigente, o Governo Federal vem implementando, no âmbito da Assistência Social, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), criado em 1996, tendo como objetivo geral criar as condições mínimas para que as famílias complementem sua renda mensal, através do pagamento de uma bolsa, com o objetivo de retirar as crianças do trabalho e mantê-las na escola (BRASIL, 2000). 4 Convém observar que, antes da promulgação da Emenda nº 20, o texto do ECA explicitava a proibição do trabalho infantil para crianças de 12 anos, ao adolescente na condição de aprendiz entre 12 anos e 14 anos e entre 16 anos e 18 anos, se assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários (BRASIL, 1990). 180
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS O referido Programa vem sofrendo modificações ao longo de sua implementação. Em 2005, ocorreu sua integração ao Programa Bolsa Família, na tentativa de evitar a superposição de esforços e de recursos e, em 2011, o PETI foi introduzido na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conforme disposto no Art. 24-C, da Lei nº 12.435, de 06 de julho de 2011 que altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Conforme o Art. 24-C: Fica instituído o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), de caráter intersetorial, integrante da Política Nacional de Assistência Social, que, no âmbito do Suas, compreende transferências de renda, trabalho social com famílias e oferta de serviços socioeducativos para crianças e adolescentes que se encontrem em situação de trabalho (BRASIL, 2011). Desse modo, o PETI passou legalmente a integrar o SUAS, sendo reconhecido como uma estratégia de âmbito nacional que deverá articular uma série de ações intersetoriais, tendo sido impressa nova dimensão ao Programa, o qual deverá protagonizar as articulações com os demais serviços e ações de proteção social, assim como com as demais políticas públicas, sociedade civil e órgãos de controle social. Vale lembrar que a partir de 2013, foi iniciada a discussão sobre o redesenho do PETI que tinha como objetivo acelerar as ações de prevenção e erradicação do trabalho infantil de acordo com o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador de 2011 a 2015; porém, apesar de todos os esforços o problema ainda perdura. Não se pode negar que exista um arcabouço jurídico e institucional para o enfrentamento do trabalho infantil no Brasil, entretanto, na prática, essa estrutura legal e organizacional não se materializa em sua plenitude. Na visão de Magalhães e Bispar (2022), através da desigualdade gerada por causas econômicas e sociais, perpetuam-se ciclos intergeracionais da pobreza e extrema pobreza que não são rompidos pelas ações de políticas públicas, causando considerável distanciamento entre as classes sociais. Uma análise conferida por Vieira e Teixeira (2001), demonstra que ao invés de se avançar na proposta de universalização dos direitos ancorados na Constituição Federal de 1988, assistimos ao desmonte desses direitos pela adoção da lógica neoliberal mediante os interesses do capitalismo globalizado e competitivo, que se propõe a reduzir a responsabilidade pública 181
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS na condução das políticas sociais. As autoras reiteram ainda que houve o crescimento da Política de Assistência Social no período de 2004 a 2015; porém, nos anos seguintes, com a retomada das reformas neoliberais, verificaram-se instabilidades quanto à garantia dos serviços em decorrência dos escassos investimentos no que se refere aos orçamentos, com a vertiginosa queda de recursos do cofinanciamento da rede socioassistencial, bem como cortes no orçamento federal do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). É importante apresentar o estudo realizado por Carvalho e Teixeira (2021), o qual demonstra que mesmo nos governos de esquerda se mantém a lógica econômica deixada pelos governos anteriores, mas com a alegação de um Estado forte e intervencionista que atende tanto as exigências da classe dominante quanto um pouco das reivindicações das classes populares. Ao contrário, atualmente sob a gestão de um partido de extrema direita observamos a diminuição do tamanho do estado e redirecionamento do investimento antes voltado para políticas públicas agora revertido para o capital, sobretudo as políticas específicas voltadas para as mulheres, jovens, movimentos sociais, entre outros. Ainda sobre essa questão, dados divulgados pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Estado de Santa Catarina (SINTRAFESC, 2022), apontam que de 2019 a 2021 o governo brasileiro reduziu em 95% os investimentos federais para o enfrentamento do trabalho infantil, mesmo com um número significativo de crianças e adolescentes inseridas no mundo do trabalho precoce e com leis avançadas que proíbem essa problemática. Ademais, conforme ainda essa mesma fonte, o referido governo retirou o repasse de recursos para implementação de ações estratégicas do PETI em 2020 e 2021, no pico da pandemia da Covid-19. Convém observar que a ONU escolheu o ano de 2021 para sinalizar a eliminação do trabalho infantil no mundo; entretanto, as ações do Governo federal brasileiro caracterizam o descumprimento dos deveres internacionais admitidos pelo Brasil para o enfrentamento do trabalho infantil até 2030. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer deste artigo vimos que a prática do trabalho infantil existe em muitas sociedades, predominando nos países em desenvolvimento. No que trata acerca do Brasil, a realidade não é diferente, uma vez que o número de crianças trabalhadoras cresce a cada dia, 182
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS sendo significativo o número de crianças trabalhando precocemente em condições que afetam o seu desenvolvimento biopsicossocial. Vários fatores contribuem para o agravamento desse problema como a miséria e a pobreza extrema, a precariedade dos serviços de saúde, de educação, de moradia, a falta de compromisso do poder público na implementação de políticas sociais básicas e a pouca participação da sociedade civil na fiscalização e controle dessas políticas. Outro fator que vem contribuindo para agravar esse problema diz respeito à visão naturalizada da sociedade acerca da utilização da mão-de-obra infanto-juvenil, o que vem dificultando a retirada das crianças e adolescentes dessa prática incompatível com a sua condição de pessoa em desenvolvimento e sujeitos de direitos, condição assegurada por lei. Durante este estudo procurou-se problematizar em que medida as políticas socioassistenciais no Brasil contribuem para o enfrentamento de problemas complexos como o trabalho infantil, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas, tão somente, contribuir para o debate, fazendo-se necessário aprofundar as reflexões até aqui levantadas. A pesquisa nos possibilitou compreender que na estrutura política do Estado brasileiro, historicamente, as ações e as decisões políticas vem sendo tomadas de forma centralizada e autoritária, pois convivemos com a cultura da subserviência na qual ainda se seguem os princípios de grupos elitistas. Em nossa sociedade, a materialização de políticas públicas na área social sempre foi obstruída por práticas políticas arbitrárias, clientelistas e paternalistas, desenvolvidas através de ações imediatistas, assistencialistas e compensatórias. É válido considerar que o Estado brasileiro prioriza interesses particulares e não os da sociedade em geral, acabando por dificultar o acesso público das classes economicamente desfavorecidas aos direitos básicos que se expressam sob a forma de bens e serviços. Desse modo, os benefícios, os serviços, os programas e projetos determinados pela Constituição Federal não são efetivados, e as tentativas de implementação dos mesmos perdem o caráter universal que deveriam ter, transformando-se em políticas focalistas, seletivas ou compensatórias, destinadas aos segmentos mais atingidos pela miséria e pobreza extrema. No caso específico do trabalho infantil, existe uma lacuna entre o que determina a lei e a realidade, uma vez que apesar de todo o respaldo legal e de inúmeros programas e projetos, nos âmbitos internacional e nacional, o problema ainda persiste, agravado pelos progressivos cortes no orçamento para a Assistência Social como visto durante este estudo. 183
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Espera-se que esta pesquisa possa contribuir, do ponto de vista científico, para o acúmulo de conhecimento sobre as políticas socioassistenciais de enfretamento ao trabalho infantil no Brasil, bem como para dar maior visibilidade às questões que entravam o enfrentamento da problemática em pauta, oferecendo subsídios para se pensar ações e estratégias para sua prevenção e seu enfrentamento. REFERÊNCIAS BORGES, A. M. R.; BRANDÃO, S. M. P.; MOUSINHO, I. N. (coord.). Mapa do Trabalho Infantil no Piauí. Teresina: Grafset, 2002. BRASIL. Emenda Constitucional n° 20, de 15 de dezembro de 1998. Modifica o sistema de previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Brasília-DF, 1998. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal 8.069/1990, de 13 de julho de 1990. Brasília-DF, 1990. BRASIL. Lei 12.435, de 06 de julho de 2011. Altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Brasília-DF, 2011. BRASIL. Mapa do Trabalho Infantil. Criança Livre de Trabalho Infantil, 2021. Disponível em: https://livredetrabalhoinfantil.org.br/conteudos-formativos/mapa-do-trabalho-infantil/. Acesso em 19/09/2021. BRASIL. Ministério da Previdência Social. Portaria MPAS nº 2.917, de 12 de setembro de 2000. Estabelece as diretrizes e normas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Brasília – DF, 2000. CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. Trabalho precoce: qualidade de vida, educação e cultura. Revista de Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 55, p. 105-115, 1997. CARVALHO, Poliana de O.; TEIXEIRA, Solange M. O processo de expansão do SUAS: quando, como e para que horizontes apontam? In: BRAGA, Iracilda Alves (org.). A assistência social e o SUAS no contexto do desmonte da seguridade social brasileira. Teresina: EDUFPI, 2021. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Trabalho infantil cai em 2019, mas 1,8 milhão de crianças estavam nessa situação. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/29738-trabalho-infantil-cai-em-2019-mas-1-8-milhao-de-criancas-estavam- nessa-situacao. Acesso em: 23 ago. 2021. 184
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS JORNAL NACIONAL. IBGE: Brasil tem quase 52 milhões de pessoas na pobreza e 13 milhões na extrema pobreza. Atualizado em 12 nov. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/11/12/ibge-brasil-tem-quase-52-milhoes- de-pessoas-na-pobreza-e-13-milhoes-na-extrema-pobreza.ghtml. Acesso em: 23 ago. 2021. MAGALHÃES, Débora Karoline de Oliveira; BISPAR, Amanda Geisler Aires. As políticas socioassistenciais para o enfrentamento das desigualdades na busca pela erradicação do trabalho infantil. In: Seminário de Ciências Sociais Aplicadas, 2022. Disponível em: http://periodicos.unesc.net/seminariocsa/article/view/7116. Acesso em: 18 mar. 2022. SINTRAFESC (Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Estado de Santa Catarina). Com mais de 1,6 mil crianças e adolescentes em situação irregular Bolsonaro reduz 95% do orçamento federal para combater trabalho infantil. Disponível em: https://www.sintrafesc.org.br/com-mais-de-16-mil-criancas-e-adolescentes-em-situacao- irregular-bolsonaro-reduz-95-do-orcamento-federal-para-combater-trabalho- infantil/#:~:text=De%202019%20a%202021%2C%20o,do%20portal%20Siga%20Brasil%20e. Acesso em: 19 abr. 2022. UNICEF (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância). Comunicado de Impressa. Junho de 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de- imprensa/trabalho-infantil-aumenta-pela-primeira-vez-em-duas-decadas-e-atinge-um-total- de-160-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-no-mundo. Acesso em: 23 ago. 2021. VIEIRA, Nayara de Holanda; TEIXEIRA, Solange M. A Política de Assistência Social no capitalismo contemporâneo: desafios da realidade brasileira. In: BRAGA, Iracilda Alves (org.). A assistência social e o SUAS no contexto do desmonte da seguridade social brasileira. Teresina: EDUFPI, 2021. 185
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EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS DIFERENÇAS REGIONAIS DAS DESPESAS COM ALIMENTAÇÃO FORA DO DOMICÍLIO NO BRASIL REGIONAL DIFFERENCES IN EXPENSES WITH FOOD AWAY IN BRAZIL Amanda Oliveira Mascarenhas1 Francisco Prancacio Araújo de Carvalho2 Caio Matteucci de Andrade Lopes3 RESUMO O consumo alimentar fora do domicílio tem apresentado relevância na composição das despesas das famílias brasileiras. Nesse sentido, a problemática deste estudo é: há diferenças regionais no Brasil de sensibilidade das despesas com alimentação em função da renda fora do domicílio? Para a solução, o objetivo do trabalho foi mensurar elasticidades, através de modelo econométrico, das despesas com alimentação fora do domicílio em relação a renda, para as regiões do Brasil. Alguns resultados apontaram que existem maiores elasticidades das despesas com alimentação em relação a renda fora do domicílio em regiões mais avançadas economicamente como o Sudeste, e regiões como o Nordeste, Centro-Oeste e Sul apresentaram efeitos-renda urbano sobre a despesa mais significativos, que o Sudeste e Norte. Palavras-chave: Alimentação; Renda; Urbano; Rural. ABSTRACT Food consumption outside the home has been relevant in the composition of Brazilian families' expenses. In this sense, the problem of this study is: are there regional differences in Brazil in the sensitivity of food expenses as a function of income outside the home? For the solution, the objective of the work was to measure elasticities, through an econometric model, of the expenses with food outside the home in relation to income, for the regions of Brazil. Some results showed that there are greater elasticities of food expenses in relation to income outside the home in more economically advanced regions such as the Southeast, and regions such as the Northeast, Central-West and South 1 Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Piauí (2021). 2 Doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente – REDE PRODEMA (2018). 3 Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (2020). 187
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS presented more significant urban income effects on expenditure, which the Southeast and North. Keywords: Food; Income; Urban; Rural. 1 INTRODUÇÃO O comportamento alimentar do ser humano atrela-se a dinâmica social e ao modo de vida, que são determinados pelas relações de produção, distribuição e consumo dos bens e serviços que atendem suas necessidades. A concentração cada vez maior dos indivíduos em cidades, a dinâmica dos centros urbanos e o nível de atividade econômica de uma região, podem revelar diferenças importantes no consumo alimentício. Atrelado a renda esse comportamento pode ser avaliado sob duas dimensões, uma macro e outra microeconômica, revelando abordagens teóricas diferentes e análises empíricas diversas. Na análise macroeconômica, as relações entre consumo e renda são abordadas de forma agregada sob a base da teoria keynesiana, em que se determina a função consumo, relacionando consumo autônomo (gerado pelo efeito riqueza e outros fatores) e consumo dependente da renda (Produto Interno Bruto), em que se determina a propensão marginal a consumir. Já na microeconomia, estudam-se as relações entre renda e consumo pela teoria do consumidor, em que a demanda individual de um bem ou serviço depende, ceteris paribus, da renda, revelando bens/serviços normais, quando sua relação é positiva e bem inferior, quando sua relação é negativa. No Brasil, o consumo alimentar fora do domicílio tem se tornado elemento importante na composição das despesas das famílias, que podem se associar aos condicionantes do trabalho, de acesso a renda, do lazer e turismo, e em função da composição familiar. Além disso, é possível que ocorram diferenças regionais e na situação do domicílio (urbana/rural). A alimentação é a despesa de consumo imprescindível e prioridade nos orçamentos das famílias brasileiras, responsável por comprometer boa parte do salário da população, principalmente para as pessoas de menores rendas. As condições estruturais das economias regionais e a dinâmica dos centros urbanos geram diferenças importantes na determinação das relações entre a renda e o consumo de alimentos fora dos domicílios. Espera-se que haja custos maiores em centros urbanos 188
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS economicamente mais avançados, como a região Sudeste do país, que tem maior peso da economia do Brasil e elevada taxa de urbanização. Para conhecer as diferenças regionais e entre a situação urbana e rural, as elasticidades regionais dos gastos com alimentos fora de casa em relação a renda, são elementos fundamentais. Assim, o problema de pesquisa é: existem diferenças regionais no Brasil de sensibilidade das despesas com alimentação em função da renda fora do domicílio? Como base para solução do problema, o objetivo do trabalho foi mensurar as elasticidades das despesas com alimentação fora do domicílio em relação a renda para as regiões do Brasil, considerando a situação do domicílio (urbano/rural). A hipótese assumida é que: 1) na análise agregada, espera-se que haja propensão marginal a consumir fora do domicílio maior (maiores elasticidades da despesa em relação a renda com alimentação, fora do domicílio) nas regiões mais avançadas economicamente e, no meio urbano e; 2) na análise microeconômica, também são esperadas maiores elasticidades nas regiões economicamente mais avançadas e no meio urbano. Tal hipótese pode se sustentar pelas características do modo de vida com trabalho fora do domicílio, maior facilidade de acesso a renda, pela composição familiar com menor número de moradores por domicílio, pela maior oferta de opções de lazer e devido aos custos de logística e transporte das condições de urbanização. Como base para solução do problema, o método aplicado foi um modelo de regressão linear múltipla, com as variáveis originais transformadas por logaritmo, de maneira que revelasse as elasticidades entre as variáveis despesa com alimentação fora do domicílio e a renda. Construiu-se um modelo para cada região do Brasil (para identificar as diferenças regionais pelo mesmo método), com inclusão de uma dummy para identificar as diferenças com o efeito urbano (1=presença do efeito urbano, 0=caso contrário). As variáveis do modelo apresentado foram: logaritmo da Despesa individual com alimentação fora do domicílio (LogGastosAlim) como variável dependente, e variáveis independentes, logaritmo da Renda total (LogRendaTot), a interação do logaritmo da Renda total com uma Dummy de efeito urbano (D_urbana*LogRendaTot) e mais a Dummy de presença do efeito Urbano de intercepto (D_urbana). 189
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Os dados foram originados das despesas individuais com alimentação fora do domicílio e da renda individual dos indivíduos da amostra 2017/2018, da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF, 2019), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019). Acredita-se que os resultados das elasticidades consumo de alimentos em relação renda, fora do domicílio, dependem da localização urbana e rural, mas as características e diferenças regionais do país podem apontar divergências. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Revisando a Teoria Econômica Consumo, Renda e Elasticidade A economia está intrínseca no nosso dia-a-dia de várias maneiras. A facilidade e rapidez no acesso às notícias e do conhecimento disponível possibilita que a sociedade nas suas diversas características discuta problemas e relações econômicas. A escassez é um fato essencial a ser considerado na economia, sabe-se que os recursos produtivos utilizados para fabricação de bens e serviços são limitados e finitos e paradoxalmente tem-se necessidades ilimitadas. Dito isso, a teoria econômica estuda, com base na escassez/custo/análise marginal, como as pessoas alocam seus recursos escassos da melhor maneira para satisfazer suas necessidades ilimitadas. Diante disso, os indivíduos serão obrigados a fazer escolhas (trade-off) de um bem em detrimento de outro. A renúncia do valor de uso do outro bem escasso é chamada de custo de oportunidade (WESSELS, 2010). A sociedade define a melhor maneira de alocar seus recursos procurando respostas para esses questionamentos. E não é diferente quando se aplica essa escolha no ramo alimentício com o intuito de atrair o cliente para consumir fora domicílio, cada regiões brasileiras tem suas peculiaridades e podem divergir nos resultados para essa modalidade de consumo fora de casa. Do ponto de vista teórico de Pinho, Vasconcellos e Toneto Junior (2012, p.21), economia divide-se em duas grandes vertentes: macroeconomia e microeconomia. Essas duas áreas acabam sendo divergentes pelas diferenças dos métodos aplicados, mas complementares, na medida que a macroeconomia é resultado da soma de comportamentos econômicos individuais e de mercados específicos. 190
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 2.1.1 Macroeconomia e o Consumo Quanto ao Consumo agregado no âmbito da macroeconomia, A Teoria Geral do emprego, dos juros e da moeda de Keynes (1996) mostra que a demanda por bens de consumo vai depender da renda e da taxa de juros, atrelado a isso o nível de consumo cresce menos que proporcionalmente com relação à renda. No caso da demanda por bens de investimento ocorre que depende da expectativa de lucro futuro dos empresários e da taxa de juros. Dado que a demanda por bens de consumo guarda uma relação estável com a renda, segue-se que as flutuações da demanda agregada estão associadas aos movimentos do nível de investimento. Quando a economia está em crescimento, com expectativas otimistas de lucro futuro, os investimentos geram mais emprego, maior nível de produto e de renda e, portanto, maior nível de consumo e poupança. Caso contrário, as perspectivas pessimistas de lucro geram frustração de lucro da indústria de bens de capital, queda de emprego e de renda e, portanto, queda nos níveis de consumo e poupança (KEYNES, 1996). Inicialmente Keynes expressa a teoria da seguinte maneira: Quando o emprego aumenta, aumenta a renda real agregada e quando esta aumenta, o consumo agregado também aumenta, porém não tanto quanto a renda. Ele elenca algumas proposições para resumir a teoria duas delas é que: (1) Sob certas condições de técnica, de recursos e de custos, a renda (tanto monetária quanto real) depende do volume de emprego N. (2) A relação entre a renda de uma comunidade e o que se pode esperar que ela gaste em consumo, designado por D1, dependerá das características psicológicas da comunidade, a que chamaremos de sua propensão a consumir. Isso quer dizer que o consumo depende do montante da renda agregada e, portanto, do volume de emprego N, exceto quando houver alguma mudança na propensão a consumir. (KEYNES,1996 p. 63). A Teoria da Função de Consumo Keynesiana possui alguns fatores que possivelmente implicam na forma em como uma determinada comunidade tende a consumir utilizando sua renda. “O montante que a comunidade gasta em consumo depende, evidentemente: I) em parte, do montante da sua renda; II) em parte, de outras circunstâncias objetivas; e III), em parte, dasnecessidades subjetivas, propensões psicológicas e hábitos (...).” (KEYNES, 1996, p. 114). Diante disso, Keynes (1996) apresenta uma função de consumo estável baseando-se no rendimento disponível corrente das famílias e uma propensão marginal a consumir que varia de acordo com a renda. Quando a renda aumenta estas tendem a comprar mais bens e serviços e, pelo contrário, quando o seu rendimento disponível diminui, as famílias tendem a comprar menos bens e serviços. No entanto, quanto mais a renda de uma economia cresce, mais o 191
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS consumo da mesma cresce, porém em proporção menor que 1. O interesse pelos estudos de orçamentos familiares despertou a atenção de diversos estudiosos, dentre eles Ernest Engel, que em 1857 observou pesquisas de orçamentos familiares de trabalhadores belgas e acabou formulando uma lei empírica na qual estabelece uma relação da renda e consumo de alimentos. A lei diz que quanto menor a renda do indivíduo, maior a proporção de dispêndio com alimentos (CALLEGARO, 1982). Diferentemente da perspectiva de Engel a análise Keynes está centrada na lei psicológica fundamental que se respalda na disposição de aumentar os gastos com consumo à medida que a renda cresce, embora não se especifique que esta metodologia se aplica ao consumo de alimentos e sim de maneira geral para os diversos produtos. O autor sugere uma função de consumo estável baseando-se no rendimento das famílias e em uma propensão marginal a consumir, ele diz que quando a renda aumenta os indivíduos tendem a comprar mais bens e serviços e, ao contrário, quando a renda diminui, as famílias tendem a comprar menos bens e serviços (KEYNES, 1996 p.118). Segundo Hoffman (2007) o padrão de despesas de consumo de alimentos no Brasil é influenciado pela desigualdade na distribuição de renda além, de que se percebe uma discrepância das condições nas áreas rurais e urbanas e entre regiões. Estudos sobre demanda de alimentos são de grande importância e muitos autores tem se dedicado no que diz a respeito a elasticidade consumo das despesas de alimentos no Brasil. 2.1.2 Microeconomia Considerando que o comportamento do consumidor busca atender suas necessidades e alocar a renda para a aquisição de bens e serviços da melhor forma, na economia de mercado qualquer alteração nas rendas e preços afetam a demanda. Existem três etapas para definir esse comportamento: Preferências do consumidor; Restrições orçamentárias e Escolhas do consumidor (PINHO et al 2012., p.135; PINDYCK; RUBINFELD, 2013, p.66) Para o entendimento do que são essas etapas dentro do processo de consumo Pindyck e Rubinfeld (2013) explicam. As preferências de mercado acontecem quando o indivíduo escolhe suas cestas de mercado, composta por diferentes mercadorias de forma a maximizar sua satisfação. Partindo dos pressupostos: as preferências são completas, ou seja, ao escolher se alimentar fora do domicílio, o indivíduo tem uma predileção quanto a isso depois de comparar e 192
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ordenar todas as cestas de mercado; transitivas, o indivíduo pode ordenar a preferência entre as cestas; e mais é melhor do que menos considerando que o consumidor nunca fica saciado ele sempre vai querer mais de um bem. Esses pressupostos garantem certo grau de racionalidade e razoabilidade para as preferências que podem ser apresentadas também por meio da curva de indiferença, na qual representa todas as combinações de cestas de mercado que fornecem o mesmo nível de satisfação. Na segunda parte da teoria do consumidor sobre a restrição orçamentária define-se linha de orçamento todas as possíveis combinações de bens para os quais o total de dinheiro gasto seja igual a renda disponível, ou seja, a linha de orçamento depende da renda do consumidor e dos preços das mercadorias. Quando há uma modificação na renda ou nos preços há uma alteração no poder aquisitivo do consumidor (PINDYCK e RUBINFELD, 2013). Dada as preferências e as restrições orçamentárias pode-se determinar como o consumidor escolhe a cesta de mercado racionalmente, procurando maximizar o grau de satisfação que podem obter, considerando o orçamento limitado de que dispõem. A cesta de mercado maximizadora deverá satisfazer duas condições: estar sobre a linha de orçamento, pois, toda a renda deve ser utilizada e a outra condição é dar ao consumidor sua combinação preferida de bens e serviços. O grau de satisfação é maximizado (considerando a restrição orçamentária) quando a taxa marginal de substituição é igual a razão entre os preços (PINDYCK; RUBINFELD, 2013). Seguindo o pensamento, as quantidades ótimas de cada um dos bens como função dos preços e da renda que o consumidor se depara é dada pela função de demanda do consumidor. O que vai afetar a escolha ótima do consumidor são os preços e a renda (VARIAN, 2015). Adentrando a classificação de bens na economia que tratam de comparar a escolha ótima de um nível de renda com a escolha ótima de outro nível de renda, tem – se os bens normais e inferiores. No caso dos bens normais, a quantidade demandada por um bem aumenta quando a renda aumenta e diminui quando a renda tem redução. Já os bens inferiores é quando um acréscimo na renda produz uma redução no consumo de um dos bens, essa situação pode ser bem comum nos bens de baixa qualidade (VARIAN, 2015). Cabe conceituar neste trabalho o que é a elasticidade na economia, por conseguinte, sua definição está centrada em mensurar a sensibilidade da demanda com relação as variações de 193
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS preço ou renda independente das unidades. Resumidamente, se um bem tiver elasticidade da demanda maior que 1 em valor absoluto a demanda é elástica, se for menor que 1 o bem tem uma demanda inelástica e sendo a demanda do bem igual a 1 é uma demanda de elasticidade unitária. Por exemplo, tendo a curva de demanda elástica a quantidade demandada é muito sensível às variações nos preços: se o preço aumentar em 1%, a demanda terá redução em mais de 1%, esse caso de elasticidade diz respeito, em geral, a quantidade de substitutos próximos que o bem pode ter, pois, um aumento no preço de um bem que possua um substituto próximo pode reduzir sua demanda, por isso diz sensível à quantidade demanda em relação ao preço (VARIAN, 2015). A elasticidade – renda da demanda é utilizada para demonstrar como a quantidade demandada reage à variação da renda e a média das elasticidades – renda é 1, todas as elasticidades ficam aproximadamente igual a 1. Para o caso do bem normal em que o aumento da renda gera aumento da demanda a elasticidade-renda da demanda vai ser positiva. O bem inferior tem elasticidade-renda negativa, que acontece quando a renda aumenta há redução da demanda. Nos bens de luxo a elasticidade-renda da demanda são maiores que 1, ou seja, um aumento de 1% na renda conduz a um aumento de mais de 1% na demanda desse bem. A elasticidade renda da demanda mostra, ceteris paribus, a variação percentual da demanda (quantidade demandada) em função da variação percentual da renda. Quando positiva, classifica-se com bem normal, negativa, como bem inferior, zero consumo saciado e maior que, bem de luxo. 2.2 Resultados e Discussões: diferenças regionais das despesas com alimentação Tendo em vista que o problema apresentado investiga as diferenças regionais das elasticidades das despesas com alimentação fora do domicílio em função da renda, apresentou- se uma tabela síntese com as estimativas regionais (Tabela 1). Os modelos regionais apresentaram significância global, pois os valores- p da estatística F (0,000) foram menores que o nível de significância de 5%. Nesse sentido, estatisticamente, é possível afirmar que os modelos foram bem especificados. Já em relação ao grau de explicação do modelo pelas variáveis explicativas, os maiores coeficientes de determinação (R2) ocorreram nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, respectivamente. Na avaliação dos coeficientes individuais dos modelos regionais, verifica-se que a 194
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS maioria apresentou significância estatística, exceto nas regiões Nordeste e Norte, a constante, e nas regiões Sudeste e Norte, a dummy urbana e sua interação com a renda total. Os seus valores-p ficaram maiores que o nível de significância. Tabela 1 – Resultados do modelo de elasticidade consumo de alimentos fora do domicílio em relação a renda para todas as regiões do Brasil. D_urbana* Variável dependente: REGIÕES Const LogRendaTot D_urbana LogRendaTot LogGastosAlim Nordeste N° de observações: 10.546 Coeficiente P-valor 0,0670 0,2131 -1,2865 0,1928 R2 F (3, 10542) Prob > F Norte 0,816 0,000*** 0,000*** 0,000*** Coeficiente 0,1295 340,02 0,0000 P-valor 0,1846 0,2277 0,2828 -0,0256 Sudeste 0,561 0,000*** 0,510 0,641 N° de observações: 3.615 Coeficiente P-valor -1,5390 0,4430 0,2473 -0,0047 R2 F (3, 3611) Prob > F Sul 0,001*** 0,000*** 0,604 0,936 Coeficiente 0,0397 23,03 0,0000 P-valor 0,7744 0,1876 -0,6520 0,0964 0,012* 0,000*** 0,076 0,027* N° de observações: 6.836 R2 F (3, 6832) Prob > F 0,1616 301,02 0,0000 N° de observações: 4.168 R2 F (3, 4164) Prob > F 0,0635 75,84 0,0000 Centro – N° de observações: 4.133 Oeste Coeficiente 0,7947 0, 1748 -1,1958 0,1485 R2 F (3, 4129) Prob > F 0,003* 0,002* P-valor 0,023* 0,000*** 0,1082 74,04 0,0000 Significância: *p<0,05 ; ** p<0,01 ; *** p<0,001 As elasticidades totais das despesas com alimentação fora do domicílio (efeito renda total e urbano) das regiões Sudeste e Nordeste foram as maiores, respectivamente, 0,4430% e 0,4059% comparando com as Regiões Centro-Oeste 0,3233%, Sul 0,2841% e Norte 0,2277%. Todas as regiões apresentam uma baixa elasticidade dos gastos com alimentação fora do domicílio em relação a renda, mas valores relevantes para despesas fora do domicílio. No Sudeste, por exemplo, cada 1% da variação da renda na amostra, evidenciam 0,4430% de despesas com alimentação fora do domicílio. Percebe-se, portanto, diferenças regionais importantes, especialmente nas Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste que tiveram as maiores elasticidades totais, incluindo o efeito urbano. O Sul e o Norte tiveram elasticidades menores. É importante destacar que as heterogeneidades regionais se intensificam em relação a situação urbana, gerando contrastes e quebra de expectativa teórica. A região Sudeste não apresentou diferença importante do efeito urbano sobre as despesas, assim como, também, a região Norte do país. Já as regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul apontaram peso importante da 195
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS situação urbana sobre a renda para explicar as despesas fora dos domicílios. No Nordeste a elasticidade da renda total urbana (0,1928) é tão elevada quanto a elasticidade renda total (0,2131). Caso similar ocorreu no Centro-Oeste e com menor importância no Sul. Segundo o artigo Evolução do consumo de alimentos fora de casa no Brasil de 2008 a 2009 e 2017-2018, que investiga a frequência de consumo de alimentos fora de casa e a contribuição desse consumo para alimentos específicos, observou-se uma redução de 8,8% na frequência de consumo fora de casa na área urbana e sem alteração na área rural nas regiões Nordeste e Sul (BEZERRA, et al.,2021). Pode-se dizer que essa redução no consumo de alimentos fora de casa no meio urbano pode ter influenciado as elasticidades dos gastos com alimentação em relação à renda. Segundo Bezerra et al. (2021) região Centro Oeste foi a única a apresentar aumento do consumo fora de casa. Esse fato pode indicar um aumento na urbanização nessa região assim como pode ter acontecido em todo o Brasil. Segundo o autor Geiger(1973) ocorre uma diferenciação regional e estrutural urbana causada principalmente pela forma como se deu o processo industrial e a concentração das atividades em determinadas áreas do país. O centro oeste é uma região com grande extensão territorial que por muito tempo não foi tão populosa e que nos dias atuais percebe-se que a região está sendo usada para grandes investimentos principalmente na área agrícola. 3 CONCLUSÃO Na análise agregada, verificou-se que a propensão marginal a consumir fora do domicílio foi maior no Sudeste, região economicamente mais avançada. Entretanto, houve alguns contrastes, pois a região Sul, apesar de ser a região de segunda maior participação na renda do país, ficou com elasticidades despesas-renda fora do domicílio menor que as regiões Nordeste e Centro-Oeste, que participam como a terceira e quarta regiões de maior renda no Brasil. Em relação ao efeito urbano, esperava-se que as regiões de maiores economias apresentassem, também maior efeito urbano sobre a despesa fora do domicílio, entretanto, apenas o Nordeste, Centro-Oeste e Sul tiveram efeitos de renda urbana mais relevantes e significativos sobre as despesas com alimentação fora do domicílio. Nos aspectos microeconômicos, também se observou o contraste entre as regiões em relação ao efeito urbano da despesa fora do domicílio. Não se identificou, como esperado, maior 196
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS impacto da renda sobre as despesas fora do domicílio, pela situação urbana, para todas as regiões, apenas para o Nordeste, Centro-Oeste e Sul. É necessário ampliar os conhecimentos inerentes as despesas fora do domicílio, que respeite as diferenças regionais e permita desenvolver ações de agentes privados para melhor atender essas demandas, assim como entendimento para possível desenvolvimento de políticas setoriais sobre a temática, que equalize o uso da renda das pessoas e permitam maximizar suas utilidades no modo de vida moderno. A pesquisa instiga reflexões sobre os contrastes regionais e maior compreensão sobre fatores setoriais determinantes da alimentação fora do domicílio, como as características no modo de vida com trabalho fora do domicílio, maior facilidade de acesso a renda, pela composição familiar com menor número de moradores por domicílio, pela maior oferta de opções de lazer e devido aos custos de logística e transporte das condições de urbanização. O efeito urbano da renda para despesa com alimentação fora do domicílio no Nordeste e Centro-Oeste apresentaram o mesmo nível de importância. Nesse sentido, cabe o desenvolvimento de pesquisa que expliquem as características desse efeito e permita difundir conhecimentos contributivos para melhorar a dinâmica da vida urbana e a qualidade de vida das pessoas. O fato de apenas no Nordeste, Centro-Oeste e Sul a situação urbana ter ampliado os efeitos da renda sobre as despesas com alimentação fora do domicílio, ajuda a compreender as diferenças e não linearidade das despesas fora do domicílio em um país continental com o Brasil, o que pode colaborar para tomadas de decisões em negócios do setor privado e em possíveis propostas de políticas públicas, que devem respeitar as diferenças regionais e suas heterogeneidades. Não se pode, portanto, no país, considerar que o meio urbano seja um fator determinante para ampliar as elasticidades das despesas com alimentação em relação a renda fora do domicílio em todas as regiões do país. Entretanto, há diferenças de efeito importante entre as regiões, que podem afetar as decisões de consumo e a qualidade de vida das pessoas. Isso gera um contraste entre as regiões do país, que em algumas a situação de urbanidade e conveniências impostas pelos deslocamentos e necessidades da dinâmica da vida nas cidades podem impor restrições de logística e transporte para as pessoas, elevando despesas com alimentação em relação a renda fora do domicílio. 197
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS REFERÊNCIAS BEZERRA, Ilana Nogueira et al. Evolução do consumo de alimentos fora do domicílio no Brasil de 2008–2009 a 2017–2018. Revista de Saúde Pública, São Paulo, p. 1-11, 26 nov. 2021. Disponível em: https://scielosp.org/article/rsp/2021.v55suppl1/6s/pt/#. Acesso em: 28 nov. 2021. CALLEGARO, Carlos A. A procura da generalização da “Lei de Engel”. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, v. 17, 1982. GEIGER, Pedro Pinchas. Diretrizes e Prioridades em Pesquisas Urbanas. Revista Brasileira de Geografia, v.35, n.1, p.87-104, jan./mar. 1973 HOFFMANN. Elasticidades-renda das despesas e do consumo de alimentos no Brasil em 2002- 2003. Gasto e consumo das famílias brasileiras contemporâneas, v. 2, p. 463-484, 2007. IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pesquisa de orçamentos familiares 2017- 2018: Análise do consumo alimentar. Rio de Janeiro, 2019 KEYNES, John Maynard. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Nova Cultural, 1996. PINDYCK, Robert S; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 8. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2013. 742 p. PINHO, Diva Benevides; VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de; TONETO JUNIOR, Rudinei. Introdução à economia. São Paulo: Saraiva, 2012. VARIAN, Hal R. Microeconomia: uma abordagem moderna. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015 WESSELS, Walter J. Economia.3. ed. Saraiva, 2010 198
EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: o território rural em cena SOCIAL RIGHTS AND PUBLIC POLICIES: the rural territory on the scene Marilene Borges de Sousa1 Iracilda Alves Braga2 RESUMO O objeto de análise deste artigo é configurar os direitos e políticas públicas destinados à população rural. Ele se desenvolve em dois movimentos: primeiro, situa a discussão entre Estado e Políticas Públicas, relacionando-os com o sistema capitalista e a participação da sociedade civil na construção da proteção social brasileira; segundo, discorre sobre o lugar do rural no desenho das políticas públicas no Brasil, o qual é estrutural em sua essencialidade na produção agropecuária. Traz, ainda, uma reflexão sobre a necessidade de políticas efetivas voltadas para a transformação estrutural e cultural que contribuam para a diminuição da relação dicotômica entre Urbano e Rural. Palavras-chave: Estado; Políticas públicas; Território rural. ABSTRACT The object of analysis of this article is to configure the rights and public policies for the rural population. It develops in two movements: first, it situates the discussion between the State and Public Policies, relating them to the capitalist system and the participation of civil society in the construction of Brazilian social protection; second, it discusses the place of the rural in the design of public policies in Brazil, which is structural in its essentiality in agricultural production. It also brings a reflection on 1 Assistente Social da Secretaria de Educação do Estado do Piauí (SEDUC-PI). Mestranda em Políticas Públicas (UFPI). Especialista em Elaboração de Projetos Sociais e Captação de Recursos (FAR); Especialista em Educação Popular, Direitos Humanos e Movimentos Sociais (UESPI). Bacharel em Serviço Social (ICF). E-mail: [email protected]/[email protected]. 2 Professora do Curso de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected]. 199
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS the need for effective policies aimed at structural and cultural transformation that contribute to the reduction of the dichotomous relationship between Urban and Rural. Keywords: State; Public policy; Rural territory. 1 INTRODUÇÃO Os direitos sociais na sociedade brasileira fazem parte de um processo histórico acompanhado por controvérsias em seu processo de efetivação, sendo que, para a garantia desses direitos, o Estado perpassa por um processo de reestruturação imposto pelo modo de produção capitalista. Diante disso, é necessária a intervenção social por meio do processo participativo democrático em prol de políticas sociais efetivas direcionadas aos sujeitos de direitos. A ampliação dos debates e das discussões sobre Estado e Políticas Públicas leva-nos a refletir sobre o motivo da intervenção do Estado na construção dos Direitos e das Políticas Públicas, no que diz respeito à garantia de proteção social aos sujeitos. A intervenção estatal tem como propósito evitar ou diminuir as vicissitudes sociais provocadas pelo sistema capitalista, tanto que os riscos sociais gerados pela relação de exploração e que influenciam a fragmentação da vida em coletividade apontam para a construção de uma proteção social que tem, na intervenção estatal, tal garantia. O presente artigo tem como objetivo configurar os direitos e políticas públicos destinados à população rural tendo como embasamentos teóricos pesquisadores que buscaram compreender a dinâmica da relação entre as seguintes categorias: Capitalismo, Estado, Direito, Cidadania e Território Rural. Entre eles, Marshall (1967), Carvalho (2003) e Santos (1994), que discorrem sobre a construção e a intervenção do Estado para materialização dos Direitos e das Políticas Públicas; Mandel (1982) e Behring (2009), que tratam sobre capitalismo; Sant`Ana (2012) e Lustosa (2012), que enfatizam as políticas e particularidades dos espaços rurais, dentre outros. A discussão se dá com vistas a responder à questão norteadora: qual o lugar do rural na configuração das políticas públicas? propondo um diálogo com os autores citados. Em um primeiro momento, delineia-se a relação geral de Estado, Capitalismo, Direitos, Cidadania e sociedade civil e participação democrática de direito, elementos essenciais no processo de 200
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