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Eixo 1 ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2022-09-27 01:23:21

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EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS O ESTADO E A JUDICIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA: indicações sobre o Acampamento Marielle Franco – Maranhão THE STATE AND THE JUDICIALIZATION OF THE STRUGGLE FOR LAND: indications about the Marielle Franco Camp – Maranhão Zaira Sabry Azar1 Esther Diniz dos Santos2 Aldenir Gomes da Silva3 RESUMO O artigo trata da luta pela terra, no aspecto da judicialização, tendo como referência o caso do Acampamento Marielle Franco, no estado do Maranhão. O Estado, como mediador das relações entre capital e trabalho, não usa da exclusividade da coerção, adotando a legislação para normatizar tais relações. Com ares de imparcialidade, ao Poder Judiciário cabe a observância do cumprimento das normas legais. O Estado, enraizado pela lógica do capital, controla com suas políticas a classe trabalhadora. No que se refere à questão agrária, media os conflitos com as políticas e também quando demandado pelas forças e sujeitos do campo, através do Judiciário. O acampamento Marielle Franco expressa esta mediação, sofrendo o desconhecimento do Poder Judiciário das realidades vividas pelas famílias acampadas. Considera a resistência camponesa e destaca o compromisso do Estado na reprodução do capital. Palavras-chave: Estado, judicialização, Acampamento Marielle Franco. ABSTRACT The article deals with the struggle for land, in the aspect of judicialization, having as a reference the case of the Marielle Franco 1 Professora do Departamento de Serviço Social (DESES) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]. 2 Estudante de Serviço Social na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail. Professora do Departamento de Serviço Social (DESES) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]. 3 Advogado, Especialização em Economia e Desenvolvimento Agrário na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail. [email protected]. 353

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Camp, in the state of Maranhão. The State, as a mediator of the relations between capital and labor, does not use the exclusivity of coercion, adopting legislation to regulate such relations. With an air of impartiality, the Judiciary is responsible for complying with legal norms. The State, rooted in the logic of capital, controls the working class with its policies. With regard to the agrarian issue, it mediates conflicts with policies and also when demanded by the forces and subjects of the field, through the Judiciary. The Marielle Franco encampment expresses this mediation, suffering the Judiciary Power's ignorance of the realities experienced by the encamped families. It considers peasant resistance and highlights the State's commitment to the reproduction of capital. Keywords: State, judiciallization, encampment. 1 INTRODUÇÃO Os conflitos pela terra atravessam a história brasileira, tendo o Estado como mediador da relação entre os diversos interesses existentes na questão. A Lei de Terras, de 1850, constitui primeiro marco da privatização da terra no país, impondo à população negra legalmente liberta, assim como à população pobre não escravizada, a impossibilidade do acesso à terra pela via da legalidade instituída. Destaca-se que há uma estreita relação entre a economia e a política, o que implica em que a economia precisa da política e vice-versa. Isto significa uma complexa rede de relações entre as duas esferas da vida social, não havendo verdadeiramente uma separação entre Estado e sociedade civil, conforme Gramsci (2001). O Estado burguês passa pela coerção, mas também pelo consenso, o que em muitas vezes é buscado pela “idealização” das leis, supostamente acima de qualquer interesse. No que se refere à questão agrária, a Constituição Federal de 1988 imputa o direito à propriedade privada condicionada à função social da terra, entendida para além da produção em si, implicando em questões como o que é, como e para que a produção. O direito à propriedade privada deve levar em consideração o direito à vida, que no campo diz respeito à reprodução material e social das famílias. Tal direito referência a luta pela terra feita por movimentos sociais e territoriais. No Maranhão, a luta pela terra dá-se em meio aos conflitos agrários. O acampamento Marielle Franco expressa a configuração atual desta luta. Localizado em região de grande interesse do agronegócio do eucalipto, o acampamento trava uma disputa da terra com 354

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS importante grupo empresarial do ramo, tanto na esfera material quanto na esfera judicial, como representação do Estado brasileiro. Este artigo trata do papel do Estado como mediador das relações entre capital e trabalho, tendo como referência o Acampamento Marielle Franco, como caso de judicialização dos conflitos fundiários no Maranhão. Encontra-se estruturado em dois itens, além desta introdução e considerações. No primeiro, aborda sobre a ideia de Estado e seu papel na mediação das relações capital. No segundo, apresenta o caso do acampamento Marielle Franco, na particularidade da judicialização do caso. Considera que o Acampamento sintetiza a histórica luta pela terra no Maranhão, e identifica o Estado como mediador, garantidor da acumulação da produção capitalista no campo. 2 O ESTADO: REFLEXÃO SEU PAPEL NA ACUMULAÇÃO DO CAPITAL Compreender a concepção de Estado a partir de Gramsci é muito importante para refletir a sociedade brasileira, já que “a concepção do Estado, segundo a função produtiva das classes sociais não pode ser aplicada mecanicamente à interpretação da história italiana e europeia desde a Revolução Francesa até o século XIX.” (GRAMSCI, 2001, p. 427), mas sim, ao movimento dialético da conjuntura de cada país. Ou seja, a concepção gramsciana de Estado nos possibilita uma reflexão do movimento e relação entre estrutura e superestrutura de nosso país. É um Estado enraizado na racionalidade do modo de produção capitalista, pois se baseia na \"relação social entre pessoas intermediada por coisas\" (MARX, 2013, p. 836). A formação sócia histórica do Brasil foi marcada pelo colonialismo e escravismo, tem como ranço histórico a concentração de terra e a desigualdade social sustentadas ideologicamente para a manutenção do capital. Na particularidade do desenvolvimento do campo, houve uma ampliação da reprodução capitalista, através das políticas “modernizantes” impostas pelo Estado. Tais políticas são implementadas com o intuito de controlar, tanto a força camponesa quanto a terra, ou seja, alimentar o processo de acumulação da classe dominante. Para tanto, o Estado implementa ações de monitoramento de áreas e territórios com potência de exploração, seja dos recursos naturais, seja da força de trabalho, buscando o controle da 355

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS natureza, homens e mulheres de cada área ou região específica. Com isso, a “relação entre Estado-Capital-Trabalho garante o processo de acumulação do sistema sociometabólico do capital”. (SOUZA, 2011, p. 82-83). Logo, o Estado decreta regras colocadas pelo capital, pois ... as políticas que definem o campo brasileiro na atualidade se materializam através do Agronegócio e da inserção da agricultura familiar ao mercado (subordinando as relações camponesas de produção), tais políticas são direcionadas dentro do processo de acumulação capitalista que a cada tempo histórico destrói e controla o tempo do indivíduo em favor da extração da mais-valia. Nesse sentido, as formas de trabalho se tornam cada vez mais precarizadas, aumentando assim a massa dos miseráveis no campo e na cidade. O Estado torna-se, portanto, mediador desse processo, removendo as barreiras que impedem a funcionalidade do sistema metabólico do capital. (SOUZA, 2011, p. 83). São nas relações sociais que este Estado capitalista fomenta mecanismos complexos, passando pelas estruturas econômicas, políticas, jurídicas e burocráticas, representadas pelas instituições que articulam estruturas de poder, as leis, assumindo na totalidade papel fundamental capaz de acionar mecanismos coercitivos e a ideologia como instrumento de dominação (HARVEY, 2005, p. 78). Neste sentido, ... a ideologia não consiste somente ou simplesmente num sistema de ideias ou de representações. Compreende também uma série de práticas materiais extensivos aos hábitos, aos costumes, ao modo de vida dos agentes, e assim se molda como cimento no conjunto das práticas sociais, aí compreendidas as práticas políticas e econômicas. As relações ideológicas são em si essenciais na constituição das relações de propriedade econômica e de posse, na divisão social do trabalho no próprio seio das relações de produção. O Estado não pode sancionar e reproduzir o domínio político usando como meio exclusivo a repressão, a força ou a violência 'nua', e, sim, lançando mão diretamente da ideologia que legitima violência e contribui para organizar um consenso de certas classes e parcelas dominadas em relação ao poder público. (POULANTZAS, 1985, p. 33). Logo, o Estado burguês abarca as relações de produção e reprodução por meio de uma infraestrutura “físico-social” (MELO, 2016, p. 45), e a ele é facultado as intervenções em outros âmbitos da sociedade, como o econômico, jurídico e, principalmente, a política. Sendo assim, uma estrutura de poder que estabelece relações sociais mediante as contradições oriundas da relação capital e trabalho. 356

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Compreender o sistema complexo que é o Estado, é bastante desafiador, nesse sentido, é de grande importância analisá-lo na sua totalidade, ou seja, na sua correlação de interesses, observando as contradições presentes nas relações e a sua influência política. Portanto, como já discutido acima, ... é um equívoco afirmar, por exemplo, que o Estado não interfere na economia liberal - é possível que, dependendo da conjuntura, o Estado esteja mais invasivo e em outras conjunturas mais periférico, mas sempre regendo as relações sociais de produção em uma fina sintonia com o sistema que lhe fundamenta. (MELO, 2016, p. 45). Afinal, o Estado ... representa e organiza a ou as classes dominantes, em suma representa, organiza o interesse político a longo prazo do bloco no poder, composto de várias frações de classe burguesa (pois a burguesia é dividida em frações de classe), do qual participam em certas circunstâncias as classes dominantes provenientes de outros modos de produção, presentes na formação social capitalista: caso clássico, ainda hoje em dia, nos países dominados e dependentes, dos grandes proprietários de terra. [...] O Estado constitui, portanto, a unidade política das classes dominantes: ele instaura essas classes como classes dominantes. Esse papel fundamental de organização não concerne aliás a um único aparelho ou ramo do Estado (os partidos políticos) mas, em diferentes graus e gêneros, ao conjunto de seus aparelhos, inclusive seus aparelhos repressivos por excelência (exército, polícia etc) que, também eles, desempenham essa função. (POULANTZAS, 1985, p. 145-146). Isto posto, para a manutenção da acumulação do capital, o Estado elabora ações corretivas para que haja sentido o processo de extração da mais-valia, assim, garantindo a produção, circulação e o consumo. Neste sentido, suas ações constituem “carta na manga” nas mãos da classe dominante, o que historicamente já vem sendo construído junto as ações do sistema capitalista. O que pode ser observado na formação agrária brasileira é um processo desigual de apropriação do território, legitimando a desigualdade social rural e urbana, pois o capital, em suas diversas facetas, explora a força do trabalho, e para isso é “contraditoriamente aparado pelo Estado que se diz representante de todos, faz da terra e do trabalho mercadoria para o processo de acumulação”. (SOUZA, 2011, p. 84). Para tanto, o Estado cria mecanismos de controle da terra, sendo a judicialização uma estratégia utilizada pela burguesia que aciona os poderes jurídicos instituídos. 357

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Na questão agrária brasileira a correlação de poderes reflete nas relações sociais do país, e para atender aos interesses da elite, principalmente, a elite agrária, o Estado busca mecanismos para mediar os entraves entre a classe dominante e a classe dominada, para o que atua no controle social para evitar a “rebeldia” do povo. Neste sentido, media os conflitos no campo estabelecidos entre “o agronegócio, ou empreendimentos econômicos que têm como base a exploração da terra e seus recursos naturais, e as famílias camponeses, em geral impactadas com os processos organizativos deste modelo produtivo.” (AZAR, 2020, p. 05). Cumprindo seu papel de mediador entre as classes, o Estado, que tem interesses próprios, usa como um de seus mecanismos de controle a judicialização dos embates sociais, impossibilitando um debate entre os movimentos e organizações sociais que lutam pelo direito à terra, por exemplo. Todavia, mesmo com esse mecanismo de controle, a sociedade se reorganiza para enfrentá-lo, usando o mesmo como estratégia de defesa. Os movimentos e organizações sociais resistem, adentrando o universo do campo jurídico para reivindicar os direitos assegurados pela Constituição de 1988. Nesse sentido, para a busca de um novo modelo de sociedade e de economia a sociedade civil necessita se apropriar dessas esferas para que haja um rompimento da hegemonia do Estado. É neste sentido, que o Acampamento Marielle Franco faz a luta pela terra, também pela ordem jurídica, enfrentando os interesses do agronegócio impetrados no judiciário, sobre o será tratado a seguir. 3 ACAMPAMENTO MARIELLE FRANCO: disputa judicial pela terra no Maranhão Dimensões importantes são necessárias serem pensadas quando analisamos as disputas territoriais desencadeadas no âmbito dos conflitos de terras, sobretudo fazendo a relação da lei na sua forma posta e a forma que é interpretada nos casos práticos, tendo como base a Constituição Federal de 1988. Os movimentos sociais exercem ativamente os seus direitos constitucionais de manifestação, associação e liberdade na busca da efetividade dos demais direitos garantidos pelo texto constitucional da Carta Magna brasileira e o Poder Judiciário promete atuar como o realizador da justiça social, apresentando-se como defensor dos direitos e garantias fundamentais, das liberdades públicas, da liberdade de expressão e de manifestação, dos 358

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS direitos das minorias e dos vulneráveis e da dignidade da pessoa humana, buscando reparar lacunas sociais e históricas na sociedade brasileira. (OLIVEIRA, 2003) Porém, para que de fato, essas ações se concretizem, é necessário que o Poder Judiciário atente de fato ao Princípio da Inafastabilidade de Jurisdição, previsto no Artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, que diz “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Este princípio assegura a todas e todos o direito de acesso a uma tutela jurisdicional célere e eficiente quando tiverem seus direitos ameaçados ou lesados, ou seja, o princípio garante o direito fundamental à efetividade do processo. Nesse sentido, o Poder Judiciário é obrigado a tomar uma decisão diante da violação das garantias, direitos e liberdades fundamentais, os quais são defendidos pela luta constante dos movimentos sociais, para que lhes sejam garantidos e usufruídos os referidos direitos e garantias (BRASIL, 1988). Desta feita, a CF assegura legalmente este direito, o que complementado com outros direitos na garantia da dignidade da pessoa humana. Porém, os movimentos sociais manifestam severas e duras críticas às instituições do sistema de justiça, uma vez que por este mesmo canal muitas destas organizações sociais são criminalizadas por suas ações em busca de direitos, como é o caso da ocupação de terras. Mas, os movimentos sociais também necessitam e também recorrem ao Poder Judiciário para alcançar seus direitos negligenciados ou negados pelo Poder Público, como é o caso das políticas públicas e sociais. Os movimentos pleiteiam essa proteção no Judiciário, pois a própria Constituição Federal lhes assegura inúmeros direitos, e tais disposições constitucionais possuem força normativa, cabendo ao Judiciário concretizá-las (GUTIERREZ SOBRINHO, 2012). Importante demarcar neste cenário que a função que caberia ao Poder Executivo na implementação da reforma agrária, é tomada por outros sujeitos, tendo em vista que a judicialização da luta pela terra se transforma nas disputas territoriais, e depois em disputas judiciais, envolvendo e colocando o Judiciário na função de decidir sobre um tema que não caberia ao Estado juiz. Neste processo alguns mecanismos do Estado são acionados, como é o caso do poder judiciário, polícia, conselhos estaduais e instituições do sistema de Justiça. Mas, antes de adentramos aos aspectos e temas específicos da judicialização do acampamento Marielle Franco se faz necessário compreendermos onde está localizado o imóvel em comento, o qual faz parte de todo um processo de disputas territoriais e arranjos de um projeto de expansão do capital na região, impulsionado por projetos de expansão da 359

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS fronteira agrícola, como é o caso do MATOPIBA, designação dada a projeto extensionista do agronegócio voltado a monocultivos agroflorestais e pecuária bovina, que alcança áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O acampamento em pauta encontra-se no imóvel denominado de Horto Florestal Ipê Roxo, área registrada de extensão de 3.685,1254 há no município Itinga do Maranhão, localizado na microrregião de Imperatriz, com uma área de 29.633,90 km², dividida em 16 municípios. A situação agrária da região se configura por estrutura fundiária concentrada e grandes extensões territoriais improdutivas. A concentração da posse da terra improdutiva exerce forte pressão sobre famílias camponesas, o que justifica medidas de intervenção por parte de órgãos públicos, no sentido de redistribuir os recursos fundiários, na medida em que novas áreas vão sendo desapropriadas para atender a demandas de trabalhadoras e trabalhadores sem-terra na microrregião (INCRA, 2019). Dados apontam a estrutura fundiária desta microrregião como uma das áreas do estado com maior concentração de terras sob o domínio de particulares. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em época recente, houve, ali, um processo de formação de glebas de terra, vendidas a várias empresas rurais do país, sob a alegação de, com isso, alavancar o progresso social e econômico da região (INCRA, 2019). Outro elemento importante na caracterização desta região é a disponibilidade de recursos naturais favoráveis ao desenvolvimento da agropecuária, que, aliados à razoável infraestrutura física já montada, têm despertado interesse de empresários e grupos econômicos nacionais e estrangeiros, assim como de famílias camponesas, que buscam meios e condições de trabalho e vida. Por conta disso foi que 150 famílias oriundas das periferias das cidades vizinhas e camponeses, organizadas pelo Movimento Sem Terra, ocuparam no dia 09 de junho de 2018 a área Complexo Horto Florestal Ipê Roxo I, que passou a passaram a disputar com a Empresa Viena, grande produtora de eucalipto e alega ser proprietária da terra, que entrou com uma ação de reintegração/manutenção de posse no dia 11 de junho do mesmo ano. Após identificada a ocupação, foi ajuizada Ação de Reintegração/Manutenção de Posse em 11 de junho de 2018, gerando processo judicial que tramita na comarca de Itinga do Maranhão. A resposta veio de imediato, com decisão liminar a favor da empresa requerente na 360

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS data de 12 de junho de 2018. Para atender à Ação, foi expedido Mandado de reintegração e manutenção da posse, oficializado por servidor judicial ainda no mês de junho de 2018, que só não conseguiu êxito na execução por conta da resistência das famílias acampadas e por não ter conseguido reunir aparato policial que lhe garantisse a reintegração. Como forma de resistência e luta, as famílias, com a notificação, organizaram-se politicamente, articulando-se com entidades e movimentos sociais, assim como com instituições e órgãos públicos das várias esferas4, a fim de problematizar a situação fundiária e questionar sobre a legitimidade da ação, considerando haver indícios de grilagem e irregularidades na titulação da área5. As articulações feitas constituem importante estratégia política, porém, o Estado neste caso, apresenta sua dimensão mediadora, no sentido de garantidor do projeto econômico do agronegócio na região, isto porque o processo apresenta elementos e aspectos que dificultam a resolutividade do caso, o que incide no prolongamento da situação de incerteza em que as famílias se encontram. Na complexidade do caso, o Judiciário demandou manifestações do INCRA, enquanto órgão responsável pela reforma agrária, o qual, em relatório, segundo compreensão do MST, apresenta incoerências e incompletudes de informações. Sobre o isso, o Setor de Direitos Humanos, do MST, que acompanha o caso, observa diversos pontos inconsistentes no processo, assim como descumprimentos de leis. Articulado a isso, são registradas ações de coerção e violência por parte da administração da fazenda que, através de sua milícia armada que, apesar de notificadas junto aos órgãos competentes, não sofrem quaisquer investidas de controle e/ou impedimento. As famílias que resistem acampadas encontram dificuldades para verem representados, defendidos e/ou reconhecidos seus interesses nos poderes instituídos, pois os órgãos envolvidos no processo muitas vezes não conseguem observar elementos da materialidade da 4 Para acompanhamento do caso, foram contatados o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA), Ministério Público do Estado do Maranhão (MP), Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COECV), Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular (SEDIHPOP), Secretaria de Estado de Segurança Pública do Maranhão (SSPMA), Ministério Público do Estado do Maranhão (MPMA), Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), Cartório de Registro de imóveis de Carutapera e Corregedoria do TJMA. As organizações e entidades da sociedade civil articuladas foram a Justiça nos Trilhos (JNT), Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán (CDVDHCB) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). 5 Sobre processos de grilagem no estado do Maranhão e em especial na região em pauta, consultar Asselin (1982) 361

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS questão, por exemplo, muitos operadores do Direito desconhecem as determinações da questão agrárias ou mesmo dos conflitos fundiários, pautando seus despachos no senso comum ou mesmo nas campanhas e propagandas que idealizam a matriz tecnológica do agronegócio e desmerecem a agricultura familiar camponesa, apresentando-a com a pecha de atrasada, negligente e superada. Além disso, em geral, os operadores da lei não conhecem as condições de reprodução material destas famílias, não conhecem suas realidades vividas, suas dificuldades e desafios. No caso do Acampamento Marielle Franco, as famílias, além não acessarem as políticas de reforma agrária, pela própria condição de acampadas, e consequentemente, o não reconhecimento legal na terra, vivem os conflitos cotidianos com os representantes da empresa com quem litigam na disputa pela terra. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Estado brasileiro, como mediador das relações entre capital e trabalho, imprime na sua legislação magna, sobre o direito à propriedade privada da terra, condicionando-o ao cumprimento da função social. O estado do Maranhão, como estado da Federação brasileira, se insere na dinâmica sócio histórica nacional, e neste sentido, tem como marca história a irresolutividade da questão agrária, manifesta dentre outras coisas, em intensos e sistemáticos conflitos fundiários. Neste estado, assim como no país, também constitui aspecto histórico, a luta empreendida pelas famílias camponesas, que de forma espontânea ou organizadas pelos movimentos sociais enfrentam o autoritarismo dos sujeitos sociais, políticos e econômicos que controlam a produção e determinam as relações sociais no campo. Neste sentido, o acampamento Marielle Franco sintetiza, nos tempos atuais, a luta feita pela terra no estado. No caso em pauta, se evidenciam os interesses completamente contrários entre os dois sujeitos centrais do litígio: capital e trabalho, cuja relação é mediada juridicamente pelo Estado. Capital e trabalho com matrizes tecnológicas que em si carregam todas as discrepâncias de concepção produtiva, as quais incidem divergentemente em todas as dimensões da vida humana. 362

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS O Estado, em suas ações e manifestações gerais no caso, explicita seu papel e compromisso com a reprodução do capital, conforme me organiza na atualidade no estado do Maranhão, cuja síntese é o agronegócio. REFERÊNCIAS ASSELIN, Victor. Grilagem: corrupção e violência em terras de Carajás. Editora Vozes. Petrópolis. 1982. AZAR, Zaira Sabry. A judicialização da luta pela terra: o caso do Acampamento Novo Pindaré em Pindaré Mirim – MA. III Simpósio Internacional Estado, Sociedade e Políticas Públicas. Teresina – Piauí, 2020. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRITO, Jadir Anunciação. Judicialização. In. CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTEJANO; Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio. Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012. GRAMSCI, Antônio Gramsci. Cadernos do cárcere. Vl. 6. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2001. GUTIERREZ SOBRINHO, Emílio. Aspectos teóricos do movimento neoconstitucional. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 102, 2012. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/c adernos/direito-constitucional/aspectos-teoricos-do movimento-neoconstitucional/. Acesso em: 29 de mar. de 2022. HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2005. IBGE. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. INCRA. Levantamento de dados e informações no imóvel rural “Horto Florestal Ipê Roxo (parte 1)”. Nº54000.104182/2018-53) Município: Itinga-MA. São Luís, 2019. MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013. Livro 1. MELO, Kátia M. dos Santos. Lutas sociais e resistências na área de influência da usina hidrelétrica de Belo Monte: a Amazônia no cenário da mundialização do capital. Tese (Doutorado em Política Social) – Universidade de Brasília/UnB. Brasília-DF, p. 234. 2016. MÉSZÁROS, István. Para Além do Capital. Tradução de Paulo César Castanheiros e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo Editorial, 2002. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de, MARQUES, Marta Inez Medeiros. O campo no século XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça social. Casa Amarela, 2003. 363

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EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS O ESTADO-NEOLIBERAL E AS POLÍTICAS DE INFÂNCIA NO GOVERNO BOLSONARO NEOLIBERAL STATE AND CHILDHOOD POLICIES DURING PRESIDENT BOLSONARO GOVERNMENT Edvaldo Ferreira de Lima1 RESUMO O Estado é a materialização do inconciliável antagonismo de classes. Enquanto comitê executivo da burguesia direciona suas forças para os interesses do mercado, e em alguns momentos cede às demandas das classes trabalhadoras, através das políticas públicas. Fazendo esse recorte para a área da infância, vemos o reconhecimento de seus direitos como sujeito fruto das lutas dos movimentos sociais no seio da sociedade capitalista. E para que esses direitos sejam efetivados faz-se necessário um conjunto articulado de políticas públicas nas diversas áreas de saúde, educação, assistência, cultura etc. No contexto atual de capitalismo neoliberal, o governo brasileiro reflete a figura do Estado repressor, com forte acento conservador, com olhar voltado o mercado em detrimento dos interesses das classes trabalhadoras. No que diz respeito ao investimento nas políticas de infância vemos um verdadeiro desmonte dos espaços de controle e participação social e o corte de gastos em diversas áreas. Palavras-chave: Estado; crianças e adolescentes; lutas sociais; políticas públicas. ABSTRACT The State, as a country, is the effectiveness of irreconcilable social classes antagonism. Whilst an executive committee of the bourgeoisie, it directs its forces to the interests of the capitalist market, and at times gives in to the demands of the working classes, through public policies. When it concerns to the childhood area, we see the recognition of their rights as a subject resulting from the struggles of social movements 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Direitos Sociais da UERN- Mossoró. Contato: [email protected]. 365

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS within capitalist society. In order to these rights can be released, an articulated set of public policies in the various areas of health, education, assistance, culture, etc. is necessary. In the current context of neoliberal capitalism, the Brazilian government reflects the figure of the repressive State, as a country, with a strong conservative accent, with a focus on the market to the detriment of the interests of the working classes. About investment in childhood policies, we see a real “dismantling” of places for social control, and participation, and cost- cutting plan in several areas. Keywords: State; children and adolescents; social struggles; public policies. 1 INTRODUÇÃO Para entender o atual cenário das políticas de infância no governo Bolsonaro é preciso compreender algumas concepções de Estado, principalmente de autores inspirados em Marx, e depreender que as políticas sociais são frutos das contradições capital versus trabalho no sistema capitalista, e mesmo que o Estado ceda às pressões das classes subalternas, o seu interesse maior é sempre o do mercado. As políticas neoliberais e as contrarreformas do Estado se intensificaram a partir da década de 1990, coincidentemente nesse período, fruto das lutas populares e dos movimentos pró infância, tivemos muitas conquistas voltadas para os direitos de crianças e adolescentes, tendo a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como a mais significativa delas, e que demandou políticas especificas para a necessidade desses sujeitos. Porém, o que vemos nos últimos anos é um verdadeiro desmonte das políticas de Estado voltadas para a infância, com cortes de gastos e investimentos nas áreas de assistência, educação, saúde e formação profissional. Por outro lado, temos a resistência, principalmente da sociedade civil organizada, que tenta manter as conquistas, a duras penas, dos movimentos sociais pela infância, que tiveram grande relevância no processo de democratização do país. Mesmo num cenário de Estado autoritário e repressor, quase beirando ao fascismo, as políticas sociais, fruto das lutas da classe trabalhadora ainda são uma alternativa viável para a melhoria de vida das populações mais pobres, principalmente crianças e adolescentes. Esse artigo é de cunho bibliográfico, tendo como referencial teórico-metodológico o materialismo histórico e dialético, e buscou analisar o tratamento do Estado brasileiro, no atual governo, à infância e adolescência, no que se refere às políticas sociais. Para isso, baseou-se 366

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS em autores como Marx; Engels (1998), Lênin (1917), Poulantzas (1980), Gramsci (1989) e Paulino (2017). E nas autoras Behring e Boschetti (2016) para entender os meandros dessa macroestrutura e as contradições na execução das políticas sociais para um público tido como prioritário. 2 ALGUMAS CONCEPÇÕES DE ESTADO E A RELAÇÃO COM O ATUAL GOVERNO BRASILEIRO Marx em sua trajetória de vida procurou analisar a sociedade capitalista a partir de sua base material, ou seja, o modo de produção e as relações sociais que se desenvolviam, a partir das contradições do capital versus trabalho. Para ele toda riqueza é fruto de um trabalho excedente não pago, e que no modo de produção capitalista gera riqueza para o detentor dos meios de produção e miséria para a classe trabalhadora. E para que, o ciclo de produção e reprodução do capital se desenvolva, é necessária a ação de um Estado forte que crie as condições necessárias para o desenvolvimento do capital. Dessa forma, o Estado é visto como o comitê executivo da burguesia, que com todo seu aparato ideológico e repressor vai garantir as opressões de classe e o abismo entre dominadores e dominados. Para Marx e Engels: “o poder estatal moderno é apenas uma comissão que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa” (1998, p.42). Sendo assim o Estado vai adquirindo o papel de articulador das demandas das classes dominantes e em alguns momentos vai cedendo às pressões das classes trabalhadoras para manter certo equilíbrio e evitar as convulsões sociais. Lênin em sua obra “O Estado e a Revolução”, que busca resgatar a essência do pensamento de Marx, destaca que a principal função do Estado é manter os mecanismos de opressão: Como o Estado nasceu da necessidade de refrear os antagonismos de classes, no próprio conflito dessas classes, resulta, em princípio, que o Estado é sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante que, também graças a ele, se torna a classe politicamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir e explorar a classe dominada. (LÊNIN, 1917, p. 12). Para Lênin o Estado nasce para defender os interesses da classe dominante e conter qualquer tipo de oposição contra quem está no poder. Fica claro dessa forma, que o Estado tem 367

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS um lado, ele não é imparcial e nem isento de interesses. Como afirma o próprio Lênin (1917), o Estado é fruto do “inconciliável antagonismo de classes”. Mesmo que, em alguns momentos históricos, o Estado absorva as pressões e demandas das classes trabalhadoras através das políticas públicas, o interesse maior será sempre a manutenção do próprio sistema capitalista e de seus processos de acumulação. Já para Paulino (2017), por sua vez, o Estado tem uma função positiva, pois garante o investimento em políticas públicas e infraestrutura para o desenvolvimento da sociedade como um todo. E que essa visão reduzida do Estado própria de Marx e de seus seguidores, se dá ao fato de que no contexto de início do capitalismo, as nações eram mais repressoras, com todo seu aparato militar para oprimir qualquer levante das classes subalternas. Ele destaca ainda o importante papel civilizatório do Estado contemporâneo: O estado a que se refere a tese fundamental deste trabalho é o Estado em sua visão alargada, que não nega sua função central de dominação e opressão, mas que incorpora também as funções de organizador e indutor do desenvolvimento econômico, técnico e humano e essencialmente de provedor de serviços públicos essenciais à vida em grandes e complexas sociedades. (PAULINO, 2017, p. 24). Mesmo com essa visão mais alargada do Estado, que é essencial para o desenvolvimento das políticas públicas, o autor não nega o caráter de dominação Estado, mas reafirma que não se resume a isso, tem uma dimensão muito maior na criação de possibilidades para o desenvolvimento e modernização da sociedade. Já Poulantzas (1980) apresenta uma visão de Estado como condensação de uma relação de forças, que será fundamental no desenvolvimento tanto das forças produtivas, quanto no atendimento das demandas das classes trabalhadoras, ou seja, será o tensionamento e o grau de poder entre as classes, que irá definir o direcionamento das ações do Estado: O Estado, condensação material de uma relação contraditória, não organiza a unidade do bloco político no poder desde o exterior, como que resolvesse pela sua simples existência, e à distância as contradições de classe. Bem ao contrário, é o jogo dessas contradições na materialidade do Estado que torna possível, por mais paradoxal que possa parecer, a função de organização do Estado. (POULANTZAS, 1980, p. 153). Pode-se depreender, dessa forma, que as próprias contradições de classe no seio do Estado capitalista são necessárias para sua dinâmica organizativa. Segundo o mesmo autor, é o 368

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS lugar que cada classe ocupa, que irá definir seu papel de maior ou menor influência política como lugar estratégico. Claro que nessa visão do Estado relacional, não se exclui o direcionamento do Estado para os interesses do bloco no poder, ou seja, as classes dominantes, que a partir do seu lugar estratégico, se mantém no poder. Mas particularmente o poder político, cujo referencial é fundamentalmente o Estado, relaciona-se com a organização de poder de uma classe e a posição de classe na conjuntura (entre outros fatores, organização em partido) com as relações de classes constituídas como forças sociais, logo com um campo estratégico propriamente falando. O poder político de uma classe, sua capacidade de concretizar seus interesses políticos, depende não apenas do seu lugar (de sua determinação) de classe em relação às outras, mas também de sua posição e estratégia diante delas, o que denominei como estratégia do adversário. (POULANTZAS, 1980, p. 169). Mais uma vez se reforça as contradições entre as classes e os espaços de disputa no interior do próprio Estado, que é formado por interesses divergentes e antagônicos. O Estado vai assumir a função de “conciliador” das classes através dos aparelhos ideológicos e das políticas sociais. Poulantzas reforça o duplo papel do Estado na produção e reprodução do capital, que se dá através da repressão e da ideologia dominante: O Estado tem um papel essencial nas relações de produção e na delimitação- reprodução das classes sociais, porque não se limita ao exercício da repressão física organizada. O Estado também tem um papel específico na organização das relações ideológicas e da ideologia dominante. (POULANTZAS, 1980, p. 33). Os aparelhos ideológicos assumem, nesse contexto, um papel importante na manutenção dos mecanismos de poder e na dominação das classes dominadas. E são reforçados pelos meios de comunicação, a religião e as instituições públicas. A repressão e as ideologias, talvez sejam dois elementos fundamentais para compreender o atual governo brasileiro, que ascendeu ao poder num contexto de “repulsa”, ou certa resistência aos governos de esquerda, numa trama política puxada por juízes e promotores e reforçada pela mídia burguesa. Pegando a análise de Gramsci (1989), no Livro Maquiavel, a política e o Estado Moderno, sobre o príncipe moderno, o príncipe-mito, talvez Bolsonaro represente “uma criação da fantasia concreta que atua sobre um povo disperso e 369

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS pulverizado para despertar e organizar a sua vontade coletiva” (p.4). Ou seja, por mais que achemos que ele represente o que existe de pior na política, sem postura de um chefe de Estado, com discursos machistas, homofóbicos, racistas, com ataques constantes à democracia, não podemos negar, que ele representa o discurso de uma parcela da elite brasileira, que nunca admitiu que pobres e as minorias tivessem acesso a direitos. Para Gramsci (1989) a figura do Príncipe moderno não deveria ser materializada numa pessoa, mas na figura do partido político, fruto de um processo histórico e do amadurecimento de uma vontade coletiva. Por outro lado, só aconteceria de forma utópica, imediata, em situações extremas e de grande ameaça, um perigo iminente que leve a paixões e fanatismos. O moderno príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto; só pode ser um organismo; um elemento complexo de sociedade no qual já tenha se iniciado a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada parcialmente na ação. Este organismo já é determinado pelo desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais. No mundo moderno, só uma ação histórico-política imediata e iminente, caracterizada pela necessidade de um procedimento rápido e fulminante, pode-se encarnar miticamente num indivíduo concreto; a rapidez só pode tornar-se necessária em virtude de um grande perigo iminente, grande perigo que efetivamente leve a um despertar fulminante das paixões e do fanatismo, aniquilando o senso crítico e a corrosividade irônica que podem destruir o caráter \"carismático\" do condottiero. (GRAMSCI, 1989, p. 6). O governo Bolsonaro, desde o início, foi baseado em fakenews, tipo “kit gay” e mamadeira de piroca; no combate a ameaças fantasiosas de avanço do comunismo e da ideologia de gênero; tentando libertar as escolas das doutrinações políticas. Veio pelo medo do Brasil virar uma nova “Venezuela”. Veio com a missão de “resgatar” os valores morais e cristãos, subvertidos pela esquerda, e que estavam arruinando com a tradicional família brasileira. Por outro lado, reforça o acento autoritário e altamente repressivo, com presença massiva de militares em altos cargos e constantes ameaças as instituições democráticas, como o próprio Congresso Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF). Um governo que é quase uma teocracia, mas que é totalmente submisso aos interesses americanos. O Estado brasileiro no cenário atual viabiliza as políticas neoliberais de cortes de gastos nas políticas públicas, privatizações, fortalecimento do capital estrangeiro e ajustes fiscais em detrimento dos investimentos em políticas públicas para a melhoria de vida da população mais pobre. 370

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS No tópico a seguir veremos um pouco como isso se dá nos investimentos voltados para a área da criança e adolescência e no desmonte das políticas de infância a partir da experiência no Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA). 3 O ESTADO NEOLIBERAL E O DESMONTE DAS POLÍTICAS DE INFÂNCIA NO ATUAL CONTEXTO BRASILEIRO Antes de falar da atual situação das políticas de infância em nosso país é importante destacar que no processo de lutas pela redemocratização do Brasil, na década de 1980, tivemos a importante contribuição de vários movimentos de luta em prol da infância, como o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, a Pastoral do Menor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes e a Comissão Nacional Criança e Constituinte, que foram fundamentais para trazer para o cenário nacional, o debate sobre a situação de milhares de crianças e adolescentes que viviam nas ruas ou em situações precárias dentro das unidades da FEBEM. Essa ampla mobilização questionou o papel do Estado no trato com crianças e adolescentes, que eram vistos como “Menor” e casos de polícia, para uma nova postura em relação a infância pobre brasileira. Fruto dessa luta foi a inclusão do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e que é dever da família, da sociedade e do Estado, com prioridade absoluta, garantir seu pleno desenvolvimento, a partir da elaboração de políticas públicas de atendimento a infância. Como materialização desse artigo foi criada a lei 8.069 de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê a criação do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) para priorizar a proteção integral de crianças e adolescentes, além de definir as linhas de ação e diretrizes da política de atendimento de crianças e adolescentes nos diversos âmbitos, federal, estadual e municipal com ações descentralizadas e fiscalização da sociedade civil através dos conselhos de direitos. A década de 1990 no Brasil, marca ao mesmo tempo grandes conquistas para as lutas sociais no campo das políticas públicas, com conquistas nas diversas áreas, como também a contrarreforma do Estado, com a adoção de políticas neoliberais para o fortalecimento do 371

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS capital. E nesse contexto, vários movimentos que emergiram na década anterior não avançaram devidamente por conta dessas contrarreformas neoliberais. A contrarreforma do Estado entra como alternativa de recomposição do capital diante do seu esgarçamento, e de suas várias crises de produção e consumo. As políticas neoliberais fazem parte do processo de reestruturação produtiva do capital para recuperar suas taxas de lucro e crescimento, em detrimento do empobrecimento da classe trabalhadora. É um modelo mais agressivo em que o Estado fortalece o capital e garante o mínimo para as classes trabalhadoras. Para Bhering e Boschett (2016) no discurso neoliberal o problema estava no Estado, que precisaria ser reformado para atingir os resultados necessários de superação da crise fiscal: Argumentava-se que o problema estaria localizado no Estado, e por isso seria necessário reformá-lo para novas requisições, corrigindo distorções e reduzindo custos, enquanto a política econômica corroía aceleradamente os meios de financiamento do Estado brasileiro através de uma inserção na ordem internacional que deixou o país à mercê dos especuladores no mercado financeiro, de forma que todo o esforço de redução de custos preconizado escoou pelo ralo do crescimento galopante das dívidas internas e externas. (BEHRING; BOSCHETTI, 2016, p. 152). Para os liberais e neoliberais o Estado sempre era um problema, principalmente quando investia em políticas sociais, por isso, para eles, o Estado deveria intervir minimante na economia e atuar somente em questões emergenciais, principalmente na defesa das fronteiras. Portanto, o que se viu foi um Estado forte para o mercado e mínimo para o atendimento dos direitos das classes trabalhadoras. O Estado acabou servindo aos interesses do mercado e às políticas internacionais. Quando olhamos para a pauta da infância, no atual governo, nos deparamos com discursos ultraconservadores, que reforçam práticas contrárias ao que prega o Estatuto da Criança e do Adolescente e a doutrina da proteção integral. No próprio pleito eleitoral, enquanto candidato, Bolsonaro expressou que o Estatuto da Criança e do Adolescente deveria ser jogado na latrina. Ele também se mostra favorável a Redução da Maioridade Penal, ao trabalho e armamento infantil. Por outro lado, é contra a educação sexual nas escolas, ensino crítico e a vacinação de crianças contra a Covid-19, aliás a cobertura de vacinas obrigatórias vem caindo desde 2016. (ABRINQ, 2020). 372

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Quando olhamos os investimentos feitos na área da infância nos dois últimos anos vemos como regredimos no atendimento integral de crianças e adolescentes. A Fundação Abrinq a partir dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) analisa alguns indicadores ligados a crianças e adolescentes no Brasil. Segundo a publicação em 2019, havia uma estimativa de 69,3 milhões de crianças e adolescentes entre zero e 19 anos de idade no Brasil. Desse total, 9,1 milhões, viviam em famílias com até ¼ de salário-mínimo. Em relação a educação, a taxa de matrículas em creches em 2019 atingiu 30,9%, a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) é 50% até 2024, ou seja, a meta ainda está longe de ser alcançada. A pesquisa também identificou em relação as escolas de ensino fundamental e médio a falta de investimento em infraestrutura e equipamentos tecnológicos, e dependendo da região do país, ainda falta saneamento básico em muitas escolas. Os gastos previstos no orçamento do Fundo Nacional da Criança e o Adolescente (FNCA), além de redução de recursos, existe a dificuldade da execução deles. Segundo o Portal da Transparência em 2019 foram orçados R$ 25, 33 milhões, dos quais foram executados apenas 468, 87 mil. Em 2020 o valor caiu para 23,65 milhões e não aparece o que foi gasto. Já em 2021, o orçamento foi 23, 94milhões e foram executados 3,3 milhões. Vale destacar que, em 2021 o recurso que estava liberado para uso era apenas 4 milhões, e o restante está contingenciado devido a PEC do Teto dos Gastos, o que impossibilitou a utilização dos recursos. O orçamento do Programa Criança Feliz, que é voltado para a primeira infância, a realidade é parecida, quanto a execução das despesas, ainda segundo o Portal da Transparência2 em 2019 foram orçados R$ 502, 52 milhões e executado apenas R$ 4,96 milhões. Para 2020 foi orçado R$ 394,63 milhões e executado R$ 33, 38 mil. Já em 2021 havia um orçamento de R$ 379, 87 milhões, e foi executado o valor ínfimo de R$ 1,05 milhão. Isso demonstra também que existe uma má vontade política, para que as coisas acontecem e muitas coisas também esbarram em questões burocráticas, que impedem a implementação das políticas públicas de infância. Demandas não faltam principalmente num cenário de pandemia onde milhares de crianças ficaram sem acesso à escola, sem merenda e muitos não puderam acessar as aulas online devido à falta de equipamentos tecnológicos. 2 https://www.portaltransparencia.gov.br/. Acesso em: 06 jan. 2022. 373

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Uma conquista trazida pela Constituição de 1988 foi a dimensão da participação democrática nos espaços de construção de políticas públicas, o chamado controle social. Além de ser um espaço em constante disputa e de correlação de forças, no atual governo, ele vem sendo cada vez mais desmobilizado e até mesmo extinto, como aconteceu com diversas comissões, fóruns e conselhos com a criação do decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, que extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal, a partir deste decreto foram extintos diversos conselhos ligados a políticas setoriais. Em relação à criança e adolescente o Presidente Jair Bolsonaro lançou o Decreto nº 10.003, de 4 de setembro de 2019 sobre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), no decreto havia uma forte tendência autoritária e repressiva do governo em desmobilizar o principal espaço de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Além da destituição do mandado em vigor, o decreto estipulava a redução do número de conselheiros de 28 para 18, as reuniões passariam a ser trimestrais e não mais mensais, os conselheiros de fora de Brasília, que no caso eram da sociedade civil, iriam participar por vídeo conferência, a escolha de representantes da sociedade civil passaria a ser feita através de seleção pública, com edital preparado pelo governo, e não haveria mais reeleição de membros da sociedade civil. Essa foi uma demonstração da forma autoritária e arbitrária como age esse governo. O CONANDA ficou vários meses parado só retomando suas atividades a partir de uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente o CONANDA continua exercendo suas atividades tentando manter suas conquistas históricas em favor da infância e da adolescência, mesmo com todos os retrocessos apresentados pelo atual governo, que vão desde a falta de investimento em pessoal de apoio técnico, passando pela redução orçamentária e o próprio isolamento do Conselho em algumas pautas, que passam diretamente pela Secretaria Nacional da Criança e do Adolescente. Com uma visão totalmente conservadora sobre crianças e adolescentes, principalmente baseada em aspectos religiosos e morais, o governo acaba barrando temas ligados a sexualidade de crianças e adolescentes, os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em privação de liberdade e o direito à profissionalização e ao trabalho. Talvez o atual governo seja um exemplo clássico da figura do Estado opressor e perseguidor das classes trabalhadoras e com interesses voltados totalmente para o mercado financeiro internacional. 374

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS O que resta as instituições de defesa de direitos de crianças e adolescentes é continuar resistindo e lutando pela efetivação das políticas de infância, pois como afirma Bhering e Boschett (2016): “Não obstante reforçamos que a forma como essas políticas são formuladas e implementadas é decorrente da correlação de forças existentes no interior e no exterior do aparato estatal” (p. 34). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final deste artigo, a partir do caminho percorrido, nos leva a reconhecer como o Estado vem agindo como principal força repressora dentro da sociedade. Desde Marx, vamos descobrindo como esse Estado se organiza do lado da classe opressora, a burguesia, e como ele cria seu aparato para se manter no poder através das ideologias e dos exércitos. Mesmo concordando com Paulino, de que o Estado cria estruturas para o desenvolvimento da sociedade, e que ele tem uma função civilizadora, esse Estado será sempre um Estado de classe, elitista, que tem um lado definido. Mesmo o desenvolvimento de políticas públicas, elas são fruto das pressões das classes trabalhadoras, são resultados de anos de luta, frutos da organização e mobilização dos movimentos sociais organizados e quando atendidas pelo Estado, não é sem um interesse de beneficiar o próprio mercado. Seguindo a linha de Poulantzas, nesse Estado, que é relacional, existem disputas e correlações de forças, e as demandas de cada grupo serão atingidas, em maior ou menor grau, a partir de sua posição estratégica. Nessa arena de disputas, temos o papel significativo dos conselhos de direitos, como no caso do CONANDA, que tem o papel de deliberar e fiscalizar as políticas públicas de infância em nosso país, mesmo com todos os retrocessos e perdas de direitos. No campo das políticas públicas vemos um verdadeiro desmonte do Estado brasileiro, que com forte acento neoliberal, vem cortando gastos em políticas de saúde, educação, assistência. Não investe em meio ambiente, nem em pesquisa e ciência. O maior gasto vai para o setor da segurança pública e pagamento dos juros da dívida. A maior preocupação é entregar as empresas nacionais à iniciativa privada. Conforme a análise de Gramsci em o Príncipe, seria Bolsonaro esse príncipe-mito, fruto de um devaneio coletivo, que irá se manter no poder a todo custo? Ou apenas um equívoco do tempo que será apagado para sempre da história? Esse final ainda não sabemos, só nos resta 375

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS resistir, porque a história é feita de lutas! Enquanto ainda não conseguirmos superar de vez o Estado, devemos tentar garantir, que ele ofereça condições mínimas de dignidade para todos. REFERÊNCIAS BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2016. v. 2. (Biblioteca básica de serviço social). BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL. DECRETO Nº 9.759, DE 11 DE ABRIL DE 2019. Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/- /asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/71137350/do1e-2019-04-11-decreto-n-9-759- de-11-de-abril-de-2019-71137335. Acesso em: 06/01/2022. BRASIL. DECRETO Nº 10.003, DE 4 DE SETEMBRO DE 2019. Altera o Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018, para dispor sobre o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2019/decreto/D10003.htm. Acesso em: 06/01/2022. FUNDAÇÃO ABRINQ. Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2020. 1ª edição. Disponível em: https://www.fadc.org.br/sites/default/files/2020-03/cenario-brasil-2020-1aedicao.pdf. Acesso em 04/01/ 2022. FUNDAÇÃO ABRINQ. Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2020. 2ª edição. Disponível em: https://fadc.org.br/sites/default/files/2020-08/cenario-brasil-2020-2aedicao.pdf.pdf. Acesso em: 05/01/2022. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política, e o Estado Moderno. 7ª ed. Trad. de Luiz Mário Gazzakeo: Civilização brasileira, 1989. LÊNIN, Vladimir. O Estado e a Revolução, 1917. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. Trad. de Maria Lúcia Como. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998. PAULINO, Robério. O Estado como agente de Opressão e civilização. In: O Estado como opressor e civilizador. Org. Robério Paulino – Natal: EDUFRN, 2017. POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o Socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1980. 376

EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS O PAPEL DO ESTADO NA OFERTA DO PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA OS (AS) TRABALHADORES (AS) DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: possibilidades x desmontes THE ROLE OF THE STATE IN OFFERING THE PROCESS OF CONTINUING EDUCATION FOR SOCIAL ASSISTANCE WORKERS: possibilities vs. dismantling Aline Azevedo de Lima1 Suzaneide Ferreira da Silva2 RESUMO O presente artigo busca refletir sobre o papel histórico do Estado enquanto interventor nas Políticas Públicas, como propulsor na oferta dos processos de formação continuada para os trabalhadores (as) da Política de Assistência Social, destacando suas possibilidades e os desmontes, o que implica na execução dos serviços socioassistenciais. Entende-se que estas formações constituem- se como uma importante estratégia conforme as diretrizes normativas da Política Nacional de Desenvolvimento Pessoal, cuja referência se traduz no conceito de educação permanente do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Palavras-chave: Formação Continuada. Assistência Social. Estado. ABSTRACT This article seeks to reflect on the historical role of the State as an intervener in Public Policies, as a propeller in the offer of continuing education processes for workers of the Social Assistance Policy, highlighting its possibilities and the dismantling, which implies in the 1 Assistente social formada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Instrumentalidade e Técnicas do Fazer Profissional de Serviço Social, pela Universidade Potiguar /Campus Mossoró- RN (UNP). Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Direitos Sociais, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN, Campus Central) Mossoró/RN. 2 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2009). Professora Adjunto IV Aposentada, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Docente do Programa de Pós Graduação em Serviço Social e Direitos Sociais (PPGSSDS), nível Mestrado. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Terceira Idade (NEPTI), Pesquisadora na área da assistência social, gestão pública e envelhecimento; [email protected]. 377

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS execution of social assistance services. It is understood that these trainings constitute an important strategy in accordance with the normative guidelines of the National Policy for Personal Development, whose reference translates into the concept of permanent education of the Unified Social Assistance System (SUAS). Keywords: Continuing Education. Social assistance. Estado. Public policy. 1 INTRODUÇÃO Ao tratarmos da temática a respeito do processo de formação continuada para os (as) trabalhadores (as) da Assistência Social, devemos destacar que o Estado ao longo da sua historicidade vem se configurando enquanto interventor, formulador e propulsor na oferta das Políticas públicas, buscando assim compreender e obtendo a leitura sobre sua função estando inscrito na estrutura social sob a dinâmica de produção e reprodução social capitalista, e sobretudo a partir do viés econômico. Diante disso, temos que o Estado brasileiro possui características peculiares e particularidades socialmente determinadas, as quais atravessam as Políticas públicas, no que diz respeito aos processos coronelistas, patrimonialistas, coercitivos, e benevolentes, de caridade, os quais por muito tempo se fizeram prevalecer, sem a primazia dos direitos sociais. Sendo assim, podemos observar que a Política de Assistência Social ao longo da sua trajetória histórica desencadeou um processo evolutivo das suas ações, uma vez que esteve direcionada ao viés benevolente, caritativo, e filantrópico, logo, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, esta passa a ser retratada como uma política social pública e se constitui como parte integrante da Seguridade Social (art.194 CF 88), juntamente com a Política Pública de Saúde (universalizante) e a Política Social Previdenciária (contributiva), efetivando- se assim como direito do cidadão e dever do Estado nos arts. 203 e 204 da Constituição Federal do Brasil de 1988. Com relação ao processo de formação continuada para os trabalhadores (as) na Assistência Social, este começa a ganhar amplo reconhecimento a partir dos debates, dos processos de luta e busca pela superação dos desafios direcionados à eliminação da precarização das condições éticas e técnicas do trabalho na realização das conferências de Assistência Social enquanto espaços de controle social advindos da implementação do SUAS 378

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS (Sistema Único de Assistência Social), constituindo-se uma estratégia de aprimoramento da Gestão do trabalho e por encontrar-se legalizada através da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos ( NOB RH Suas 2006). Não podemos deixar de mencionar que os processos de formação continuada possuem em seu escopo interior a legitimidade ideológica ao passo que são introduzidos no modo de produção e reprodução social capitalista, de controle e contenção das massas populares, integrando as classes dominadas, garantindo assim a ideologia dominante e aceitação da exploração das classes, conforme aponta Mandel (1986). Contudo, no contexto contemporâneo, as Políticas Públicas perpassam por processos de desmonte, sobretudo na queda significativa de alocação dos recursos que são destinados via fundo público, caracterizando-se assim em aspectos focalizados, seletivos, uma vez que o Estado sofre interferências dos organismos internacionais, os quais interferem e ditam as “regras” ao aparelho Estatal, maximizando o capital e minimizando o investimento nas áreas sociais. Todavia, ao pensarmos neste trabalho podemos destacar que o presente estudo versará através da utilização do método do materialismo histórico-dialético, por entender a compreensão dos fenômenos sociais e a dinâmica de suas estruturas, permitindo uma maior aproximação a partir dos processos de totalidade. De acordo com Netto “[...] Marx não hesita em qualificar esse método como aquele que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto”, “único modo” pelo qual “o cérebro pensante” “se apropria do mundo” (NETTO, 2011, p.45). Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é problematizar essa proposta de “reforma” e apresentar contra-argumentos, construídos a partir das leituras dos autores especialistas sobre a temática referente ao papel do Estado, sobretudo a respeito das implicações que o seu papel tem ocasionado sob a oferta de processos de educação permanente para os (as) trabalhadores (as). 2 PAPEL DO ESTADO ENTRE A RELAÇÃO DE POSSIBILIDADES E DESAFIOS NO TOCANTE AS POLÍTICAS PÚBLICAS: o processo de formação continuada. Para que possamos compreender a temática sobre O PAPEL DO ESTADO NA OFERTA DO PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA PARA OS (AS) TRABALHADORES (AS) DA 379

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ASSISTÊNCIA SOCIAL: possibilidades x desmontes, é preciso ter conhecimento sobre o processo de constituição das categorias analíticas voltadas a Educação permanente, Estado na perspectiva materialista dialética e a respeito da Política de Assistência Social. Assim, ao estabelecermos um diálogo sobre o papel do Estado podemos nos debruçar em leituras e respectivos autores clássicos os quais são especialistas no assunto, nos oferecendo uma maior aproximação no que tange ao conceito, às estruturas, funções, problemas estruturais e contradições, logo, destacamos os seguintes: Nicos Poulantzas, Mandel, Elaine Behring, Lenin, entre outros. Destarte exemplificamos que o papel do Estado tem sido enquanto principal interventor, formulador de normativas, bem como propulsor na garantia de acesso a Políticas Públicas, sendo estas direcionadas sob a perspectiva do viés econômico, sobretudo a partir da inserção dos programas de transferência de renda monetária. Sendo assim, devemos observar que os profissionais que atuam na execução, formulação e gestão destas políticas públicas costumam receber requisições por parte da esfera do Estado, onde podemos atribuir o que, segundo Marx vê as classes como sujeitos das alterações históricas, como mediações históricas das contradições estruturais que amadurecem no interior de cada sociedade (IASI, 2011, p.110). Dessa forma, para compreender as classes, é necessário apreender a dinâmica da luta de classes. De acordo com Lenin O Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classe não podem objetivamente ser conciliados. E, reciprocamente, a existência do Estado prova que as contradições de classe são inconciliáveis. (LENIN, 2010, p.27). Seguindo essa ideia, no que se refere as Políticas Públicas, observamos que estas traduzem-se de construções da reprodução social da força de trabalho, como também são respostas provenientes das lutas de movimentos sociais de diversos segmentos e categorias militantes. Se caracterizam por possuir viés traduzido sob o olhar técnico- operativo, o qual coloca aos profissionais duas requisições de atuação: o da formulação e da implementação. Assim, é necessário ter em mente que não basta apenas ter conhecimento a respeito da exploração capitalista sobre a classe trabalhadora em seu viés econômico, mas é preciso conhecer as particularidades e divergências dos sujeitos que compõem as classes, bem como quais as estratégias de apropriação do capital frente a tentativa de gerar mais lucro. 380

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Em consonância Durigueto e Montaño (2011, p. 112) afirmam que, de acordo com Marx e Engels no Manifesto Comunista (1998, p. 4) o antagonismo entre produtores e usurpadores de riqueza, existente em toda sociedade de classes e que se consolida na sociedade capitalista, gera uma tal contradição de interesses que faz com que as lutas que travam as classes antagônicas se constituam em verdadeiro motor da história. Todavia, continua Marx, no Dezoito Brumário Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente. (MARX; ENGELS, 1977, p. 203). A partir desse pensamento podemos estabelecer no tocante a estes processos de luta e busca pela qualificação dos trabalhadores (as), o que Marx e Engels (2007, p.86-87) nos colocam por meio do método materialista dialético superam a dialética ideológica hegeliana, que defende que é do campo das ideias que partem as transformações sociais, demonstrando o contrário: os seres humanos produzem suas ideias a partir do contexto histórico e material que se encontram, ou seja, a realidade é anterior à ideia, “são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas com as produzidas por sua própria ação”. As ideias são o reflexo da realidade posta ao longo da história, o “solo da história real” para Marx e Engels (2007), em que estão refletidas a organização material das determinadas sociedades. A ideologia dominante de determinado período histórico se traduz a partir das ideias da classe dominante do referido momento. Entender esse conceito marxista direciona [...] ao resultado de que todas as formas e produtos da consciência podem ser resolvidos não pela crítica espiritual, pela dissolução na “consciência de si” ou pela transformação em “fantasmas”, “espectros”, “visões” etc., mas apenas pela subversão prática das relações sociais reais de que derivam essas fantasias idealistas- a força motora da história, também da religião, da filosofia e de toda as demais teorias, não é a crítica, mas sim a revolução. (MARX ENGELS, 2009, p.58). Posto isto, se faz pertinente observar quais são as ideias internalizadas como sendo verdade absoluta, logo, estas são ideias provenientes da classe dominante, onde são produzidas ideologias as quais se traduzem na perspectiva do estado de coisas, processo de “coisificação”. 381

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Assim, a autora Chauí (2008, p.28) ao avaliar os conceitos de ideologia, afirma que para a concepção marxista a ideologia “inverte as relações entre as ideias e o real” e ao fazer isso naturaliza os processos sociais, pois se desvincula de uma perspectiva histórica e material. Para esta, Marx vai demonstrar que a interpretação dada pelos seres humanos diante de cada realidade pode se constituir de uma “interpretação imaginária, como na ideologia, seja numa interpretação real, pelo conhecimento da história que produziu ou produz tais relações”. (CHAUÍ, 2008, p.28). Estas formulações vão estar em consonância com o pensamento atrelado ao de Mandel (1986), afirmando que “O Estado possui um caráter político- dominação sob a forma de ditaduras militares, bonapartismo e fascismo para preservar o poder econômico da burguesia, bem como a ampliação geral da legislação social, com o intuito de conter ataques radicais dos trabalhadores, e contribuir com o orçamento público” (MANDEL, p.338). No entanto, segundo Poulantzas (2000) “O Estado tem um papel principal de organização, ele representa e organiza as classes dominantes, organiza o interesse político a longo prazo do bloco no poder, composto de várias frações de classes burguesas, do qual participam em certas circunstâncias as classes dominantes (...) grandes proprietários de terra”. O autor nos mostra ainda que As contradições de classe se inscrevem no seio do Estado por meio também das divisões internas no seio do pessoal do Estado em amplo sentido (diversas burocracias estatais, administrativa, judiciária, militar, policial etc.). Mesmo se esse pessoal constitui uma categoria social detentora de uma unidade própria, efeito da organização do Estado e de sua autonomia relativa, ele não deixa de deter um lugar de classe (não se trata de um grupo social à parte ou acima das classes) e é então dividido. (POULANTZAS, 2000, p.177). Todavia, essas pontuações nos fazem refletir sobre o que os estudiosos e pensadores nos fazem refletir a respeito de que as ideias da classe dominante demonstram uma universalização da sua visão de mundo, se afirmando nas relações concretas feitas por indivíduos e classes. Como afirma Marx, não são “simples ideias”: As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias, portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portando as ideias do seu domínio. (MARX; ENGELS, 2009, p.67). 382

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 2.1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ao fazermos um resgate da trajetória histórica da Política de Assistência Social podemos avaliar que há uma divisão no marco temporal, sobretudo no tocante ao que se refere seu viés antes da década de 1988, cujas características sinalizavam ações pontuais, fragmentadas, de assistência social aos mais necessitados, atrelando-se à igreja a execução dessas ações; uma vez que não existia o reconhecimento da questão social como Política Pública. No entanto, durante o período de lutas dos movimento sociais e diversas categorias profissionais que se somaram ao longo da historicidade do Brasil pela luta ao processo de redemocratização no país, culminando assim com aprovação da Constituição Federal de 1988, é que a Assistência Social se traduz enquanto uma Política Pública baseada nos artigos (203 e 204), atribuindo como direito do cidadão e dever do Estado, sendo parte constituinte da Seguridade Social, formando-se o tripé juntamente com a Política de Saúde (caráter universal) e a Previdência Social (caráter contributivo). Sendo assim, a partir das leituras dos textos de Sposati (1995), podemos destacar que a Assistência Social é a possibilidade de proteção social através de subsídios, apoio, referência, orientação. As garantias sociais asseguradas pelo Estado quando de fato e de lei existem configuram o que denominamos de seguridade social, com direitos de proteção social garantidos a todos. Isso se manifesta nos preceitos apontados na Lei Orgânica de Assistência Social (Lei nº 8.742/93, atualizada pelo dispositivo de nº 12.435/2011, à qual preceitua a organização da Assistência Social, e que tem como objetivos a serem preconizados: I. a proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de danos e à prevenção da incidência de riscos; II. a vigilância socioassistencial, que visa analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações de danos; III. a defesa de direitos, que visa a garantir o plano acesso aos direitos no conjunto das provisões socioassistenciais. (BRASIL, 2011, p. 05). Todavia, ao tratarmos da temática referente a valorização dos trabalhadores e consequentemente as primeiras iniciativas de formações para estes, entende-se que houve 383

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS mobilizações por parte dos trabalhadores e representações das categorias profissionais durante a realização da III Conferência Nacional de Assistência Social em 2001, enfatizando a preocupação com o trabalho e a importância dos atores sociais que fazem parte da operacionalização da política pública mencionada acima, logo, neste evento foram estabelecidas as responsabilidades de cada ente federado, bem como quais os critérios de financiamento a serem adotados. Outrossim, pensar nos primeiros passos sobre a Política Nacional de Capacitação para os Trabalhadores (as), nos remete as discussões oriundas da I Conferência Nacional de Assistência Social realizada em 1995, à qual trouxe questões relevantes direcionadas a busca pela efetivação do controle social, fazendo com que o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) deliberassem sobre programas de capacitação para conselheiros, gestores, e profissionais tecnicamente qualificados. Portanto, a Política Nacional de Educação Permanente é fruto de 08 conferências nacionais, as quais significaram importantes espaços de discussão e deliberação, buscando contemplar os trabalhadores no tocante aos princípios da ética, do viés político e profissional, estabelecendo desta maneira as diretrizes e princípios para a formulação do Fórum Nacional dos Trabalhadores da Política de Assistência Social, abrangendo desta maneira a participação da representação de categorias profissionais de diversas áreas e associações. Partindo deste segmento, de acordo com a NOB RH (2006, p. 16), para atender aos princípios e diretrizes estabelecidos para a Política de Assistência Social, a gestão do trabalho no SUAS deve ser direcionada à preocupação de estabelecer uma Política Nacional de Capacitação, fundada nos princípios de formação continuada, os quais promovam as devidas qualificações para os segmentos de trabalhadores, de forma sistemática, continuada, sustentável, participativa, nacionalizada e descentralizada, visando a qualidade dos serviços socioassistenciais. A partir da implantação da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB RH SUAS 2006) atualizada pela resolução nº 17 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) observamos assim que para que sejam atingidos os objetivos e melhorias na Assistência Social, com base no direito socioassistencial é necessário um esforço e investimento no quadro de profissionais, seja nas várias esferas de governo, com destaque para os municípios e estados, instâncias responsáveis pela execução da política pública. 384

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Logo, ao nos reportarmos nas normativas e debruçarmos sobre a discussão das Políticas Públicas, podemos destacar o alcance que a Política de Assistência Social obteve no Brasil através da atualização por meio do Sistema Único de Assistência Social desencadeada pela Lei nº 12.435 de 2011, trazendo a aprovação da resolução nº 109 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) sobre a Tipificação Nacional dos Serviços socioassistenciais, logo, destaca como eixos importantes os processos de descentralização da gestão para os entes federados e traz o viés do controle social, bem como a implementação da Gestão do Trabalho e Educação permanente. Sendo assim, podemos destacar que existiu uma evolução, sobretudo a partir da construção do Plano Nacional de Capacitação (Capacita SUAS) instituído pela resolução de nº28/2014 (Conselho Nacional de Assistência Social) que aprova os critérios de adesão de Estados e do Distrito federal para cofinanciamento federal, se configurando como a efetivação na garantia da oferta de qualificação para os profissionais, bem como a capacitação de técnicos/ gestores. Portanto, segundo a Política Nacional de Capacitação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o conceito educação permanente se baseia (...) processo contínuo de construção de conhecimentos pelo trabalhador, de todo e qualquer conhecimento, por meio de escolarização formal ou não formal, de vivências, experiências laborais e emocionais, no âmbito institucional ou fora dele. Compreende a formação profissional, a qualificação, a requalificação, a especialização, o aperfeiçoamento e a atualização. Tem o objetivo de melhorar e ampliar a capacidade laboral dos trabalhadores, em função de suas necessidades individuais, da equipe de trabalho e da instituição em que trabalha, das necessidades dos usuários e da demanda social. (BRASIL, 2011, p.16). Dessa forma, os processos de formação continuada não podem ser confundidos com formas tradicionais de promoção no intuito de separar “a teoria” da “prática” profissional, nem com apenas o simples “repasse” de saberes e conteúdos programáticos, resguardando-se assim de práticas estabelecidas no imediatismo. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos que o papel do Estado enquanto principal interventor e instância responsável pela formulação de legislações, normas e oferta do acesso às políticas públicas tem 385

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS sido constante alvo de evolução histórica no Brasil, dado o contexto e as particularidades as quais se sucederam. No que se refere a temática voltada para implementação e oferta do Processo de construção das formações para os trabalhadores (as) na Política de Assistência Social, estes vem seguindo uma trajetória ao longo da história, porém também tem enfrentado inúmeros desafios na sua forma de implementação e execução, traduzindo-se assim a partir das estratégias e discursos ideológicos provenientes da Ofensiva Neoliberal e por assim dizer do sistema capitalista, cujo retrato se traduz por meio do incentivo ao desfinanciamento das Políticas Públicas, dos constantes ataques aos direitos dos trabalhadores, promovendo desta maneira a precarização das condições éticas e técnicas de trabalho, contratos temporários, bem como a diminuição dos repasses dos cofres públicos para os municípios e estados, e ainda promove a descontinuidade na oferta de qualificações para os (as) trabalhadores (as), bem como a efetiva criação de núcleos de educação permanente. Todavia, é necessário ter aprofundamento crítico sobre os processos e constituição de classes, como são construídas, seus antagonismos, bem como os processos de ideologia, do campo das ideias, destacando-se assim as possibilidades e os processos de desmontes que se encontram nas Políticas Públicas, indo contrário ao estabelecido na Constituição federal do Brasil, uma vez há uma perspectiva voltada para o viés democrático e de direito. Contudo, a partir das leituras dos (as) autores (as), compreendemos que há uma tensionamento à Política de Assistência Social no Brasil, à qual possui características particulares no contexto de sua efetivação, uma vez que esta diverge dos modelos adotados em outros países, seja pelo desenvolvimento do capitalismo, como pela luta e organização por parte da classe trabalhadora, seja pelas particularidades históricas as quais atravessam o papel do Estado brasileiro, caracterizado pelo viés patrimonialista, coronelista, de caridade e benevolência. Todavia, percebemos que os movimentos de luta e busca que contaram com a participação dos trabalhadores (as) da Assistência Social na busca pela qualificação profissional, bem como a realização e construção de planos nacionais que pudessem estar orientando para execução desses momentos, foram feitos em momentos de contexto democrático, como também a partir de espaços deliberativos como são as conferências de Assistência social no 386

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS âmbito nacional, resultando assim na construção do Plano Nacional de Capacitação do SUAS ( Capacita Suas). REFERÊNCIAS BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez Editora, 2011. Cap.V. BRASIL. Lei nº 12.435, de 6 de Julho de 2011. Altera a Lei de nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Disponível em: < http: // www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato 2011-2014/2011/lei/l12435.htm>. Acesso em: 20 Nov. 2019. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Capacita Suas: configurando os eixos de mudança. Brasília: Instituto de Estudos Especiais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008, v.1. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução CNAS nº 04, de 13 de março de 2013. Institui a Política Nacional de Educação Permanente do Sistema Único de Assistência Social-PNEP / SUAS.2013 b. Disponível em: < http://conferencianacional.files.wordpress.com/2013/12/cnas-2013-004-13-03-2013.pdf>. Acesso em 20 nov. 2019. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Capacitação do SUAS. -- Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Assistência Social, 2011. 60 p. ; 23. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. (Coleção primeiros passos) – 2. Ed. – São Paulo: Brasiliense, 2008. FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. LENIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. Tradução revista por Aristide Lobo. 2ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. In: Os Economistas, 2.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986, p. 333-350. ________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos- NOB RH SUAS. Brasília, 2006. 387

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EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS O PAPEL ESTRATÉGICO DAS INFORMAÇÕES E DADOS NA EXECUÇÃO DE POLÍTICAS JUDICIÁRIAS EM TEMPOS NEOLIBERAIS THE STRATEGIC ROLE OF INFORMATION AND DATA IN THE EXECUTION OF JUDICIAL POLICIES IN NEOLIBERAL TIMES Thalison Clóvis Ribeiro da Costa1 Rosilene Marques Sobrinho de França2 RESUMO O presente trabalho intitulado “O papel estratégico das informações e dados na execução de políticas judiciárias em tempos neoliberais” objetiva analisar a importância do uso de tecnologias da informação no desenvolvimento de políticas judiciárias. A metodologia consistiu em estudo bibliográfico e documental. Os resultados mostraram que a reestruturação produtiva do capital ensejou novos processos de regulação e de flexibilização, bem como fórmulas que impactaram diretamente nas esferas dos direitos e da gestão, ensejando a reforma do Estado brasileiro como forma de responder a questões estruturais a partir da potencialização dos recursos ora existentes. No âmbito do poder judiciário, o princípio da eficiência passou a servir de importante parâmetro para o desenvolvimento de políticas judiciárias a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 e da criação do Conselho Nacional de Justiça, que passou a estabelecer diretrizes e a analisar sistematicamente a justiça brasileira, ensejando implantação de 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. Analista do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI). E-mail: [email protected]. 2 Bolsista de Pós-Doutorado Júnior (PDJ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Pós-doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora doutora do Departamento de Serviço Social (DSS) e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI); mestre e doutora em políticas públicas (UFPI); graduada em Serviço Social, Direito e História; coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Estado, Direitos e Políticas Públicas (GEDIPO); coordenadora adjunta do Núcleo de Estudos e Pesquisa Sociedade, Direitos e Políticas Públicas (NUSDIPP); pesquisadora-membro do Núcleo de Pesquisa sobre Questão Social e Serviço Social; membro da Associação Latino-americana de Ciência Política (ALACIP). Áreas de interesse de pesquisa: Estado, assistência social, direitos humanos, violência, encarceramento, sistema prisional, família e gerações. E-mail: [email protected]. 389

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS sistemas de informação, bem como a publicização de estudos e pesquisas, contribuindo para a uniformização e o estabelecimento de metas para o sistema judicial. Palavras-chave: Estado; Políticas Judiciárias; Neoliberalismo. ABSTRACT The present work entitled “The strategic role of information and data in the execution of judicial policies in neoliberal times” aims to analyze the importance of the use of information technologies in the development of judicial policies. The methodology consisted of a bibliographic and documentary study. The results showed that the productive restructuring of capital gave rise to new processes of regulation and flexibility, as well as formulas that directly impacted the spheres of rights and management, giving rise to the reform of the Brazilian State as a way of responding to structural questions from the potentialization of existing resources. Within the scope of the judiciary, the principle of efficiency began to serve as an important parameter for the development of judicial policies from Constitutional Amendment nº 45/2004 and the creation of the National Council of Justice, which began to establish guidelines and systematically analyze the Brazilian justice, giving rise to the implementation of information systems, as well as the publication of studies and research, contributing to the standardization and the establishment of goals for the judicial system. Keywords: State; Judicial Policies; neoliberalism. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho intitulado “O papel estratégico das informações e dados na execução de políticas judiciárias em tempos neoliberais”, objetiva analisar as diretrizes e os instrumentos que orientam a ação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o desenvolvimento de políticas judiciárias visando qualificar a prestação jurisdicional no âmbito do sistema judicial brasileiro. A metodologia consistiu em estudo bibliográfico e documental, buscando responder à seguinte questão: Qual o papel exercido pelas informações e dados na execução de políticas judiciárias em tempos neoliberais? Após um período de autoritarismo em que se teve a atuação do Conselho Nacional da Magistratura (1977-1988), no pós-Constituição Federal de 1988, com a Emenda Constitucional nº 45/2004, foi criado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2005, com a função de 390

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS estabelecer metas e contribuir para uniformidade, racionalização e melhoria da prestação jurisdicional no Brasil. Nesse sentido, têm sido desenvolvidas ações a partir do diagnóstico e da análise de normativas, aparto institucional, estrutura de recursos humanos, financiamento, tecnologias, metas e resultados produzidos, que perpassam, dentre outros, o exercício da função jurisdicional. 1 O PAPEL ESTRATÉGICO DAS INFORMAÇÕES E DADOS NA EXECUÇÃO DE POLÍTICAS JUDICIÁRIAS EM TEMPOS NEOLIBERAIS O desenvolvimento de políticas judiciárias visando contribuir para o acesso à justiça e a direitos, tem como base, dentre outros, alguns parâmetros que norteiam a atuação do poder judiciário em países capitalistas ocidentais. Analisando a diversidade da atuação do Estado nos diversos sistemas judiciais, cabe destacar que, na experiência do sistema judicial anglo-saxão, em determinadas situações, as políticas públicas podem ser discutidas em decorrência das lacunas apresentadas pelo pouco detalhamento das normas naquele modelo judicial. Em tal contexto, o poder judiciário assume um papel de interpretar, e, em algumas situações, dar completude à norma produzida pelo parlamento. Já nos sistema romano-germânico, que se constituiu em países como “Brasil, Itália e Espanha” predominam as legislações detalhadas, o “que a priori poderia diminuir a necessidade de interpretação pelos tribunais” (SILVA; FLORÊNCIO, 2011, p. 120). Contudo, em significativa parcela o poder judiciário tem sido requerido para posicionar-se sobre as lacunas legislativas, bem como para análise de elevado número de casos frente ao intenso processo de judicialização das políticas públicas. No final dos anos 1980 configura-se uma crise dos paradigmas norteadores dos sistemas judiciais, contexto em que, com a globalização econômico-financeira, a reestruturação produtiva do capital e a adoção das diretrizes neoliberais, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional buscaram estabelecer diretrizes para o desenvolvimento de reformas em países latino-americanos, visando dar resolutividade ao problema da morosidade dos sistemas judiciais. 391

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Na década de 1990 as diretrizes do neoliberalismo perpassaram os campos econômico e político-social, ensejando a reforma do Estado e o estabelecimento do gerencialismo na gestão pública, com significativas inflexões a partir da inclusão do princípio da eficiência na ordem constitucional (SIMIONATTO; LUZA, 2011). O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM), nesse período, forneceram empréstimos aos países devedores para aliviar os déficits na balança de pagamentos e o ônus do serviço da dívida, bem como para socorrer o setor bancário privado em países de alta renda. Associadas a esses empréstimos, haviam condicionalidades que eram medidas econômicas destinadas a abrir os mercados domésticos à penetração estrangeira e estimular as exportações de baixo custo. Essas recomendações baseavam-se no chamado Consenso de Washington, que continha dez medidas, desde disciplina fiscal, redução de gastos públicos, reforma fiscal e tributária (aumentando a base de tributação e tributando principalmente de forma indireta), até abertura comercial e econômica dos países, liberalização da taxa de câmbio e do comércio exterior, eliminação de restrições ao investimento financeiro direto, privatização e venda de estatais, desregulamentação e direito à propriedade intelectual. Essas medidas levavam à redução do Estado de bem-estar social e à globalização dos interesses do capital, adotadas primeiramente na Grã-Bretanha de Margaret Thatcher e nos EUA de Ronald Reagan, e, com a crise da dívida, se alastraram rapidamente para as economias do Terceiro Mundo, como a ALC. (GÖTTEMSI; MOLLO, 2020, p. 2). Nesse contexto, “países como Reino Unido, Itália e Países Baixos experimentaram aproximar o serviço judicial dos demais serviços públicos, passando a adotar um foco de gestão pública” [...], com o desenvolvimento de “ações de descentralização administrativa e planejamento estratégico” (SILVA; FLORÊNCIO, 2011, p. 121-122). A reforma do Estado e os ajustes fiscais ensejados a partir da ideologia neoliberal repercutiram fundamentalmente no exercício do papel democrático do Estado e no exercício da cidadania, frente à retração do Estado na garantia dos direitos sociais. Tal contexto remete aos desdobramentos da contrarreforma do Estado brasileiro, que tem implicado uma profunda reconfiguração do setor público, em curso desde os governos FHC (1995-2002) e Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), mediante um conjunto de atos normativos federais, sancionados a partir da década de 1990. (MACHADO, 2010, p. 334 apud SIMIONATTO; LUZA, 2011, p. 217). Nesse cenário, considerando a morosidade e a complexidade da estrutura do sistema judicial brasileiro, a reforma do judiciário materializada por meio da a Emenda Constitucional nº 45/2004 ensejou a criação de suportes jurídicos e administrativos tendo como base diretrizes pautadas no princípio da eficiência. Nessa conjuntura, a partir de intenso debate envolvendo 392

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS representantes do poder púbico e da sociedade civil, foram estabelecidas as bases para a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2005. Cabe destacar que a criação de conselhos de justiça tem sido uma estratégia utilizada na Europa após a Segunda Guerra Mundial, notadamente em países em que os sistemas judiciais se apresentam de uma forma autônoma. Dessa forma, atendendo às especificidades de cada país, os conselhos de justiça foram criados, dentre outros, nos Estados Unidos, “França, Itália, Holanda e Reino Unido”. Na América Latina os primeiros conselhos de justiça foram criados na década de 1970 no contexto de regimes autoritários, com o objetivo de controlar e restringir o papel e o exercício do poder judiciário, sendo que com os processos de redemocratização estes foram “extintos ou tiveram sua competência alterada”, a exemplo da Argentina, da Bolívia e do México (SILVA; FLORÊNCIO, 2011, p. 122-123). A América Latina é perpassada por desigualdades estruturais, aprofundadas diante do desenvolvimento de um “tipo de capitalismo tardio com processo de urbanização acelerado e desordenado e incremento de atividades informais, nos quais são abundantes trabalhos servis e impregnados por relações de subordinação e baixa proteção” (GÖTTEMSI; MOLLO, 2020, p. 2). Em tal contexto, a implantação do Estado de bem-estar social foi tardia, incompleta e bastante desigual entre os países. Esse fato, associado à frágil cidadania da população, fizeram com que, no momento da crise da dívida, as “reformas” agravassem a segmentação institucional e a fragmentação operacional dos sistemas de proteção social, ampliando as desigualdades de cobertura e acesso dos sistemas de saúde da região. (GÖTTEMSI; MOLLO, 2020, p. 2). No Brasil, durante a Ditadura Militar foi criado o Conselho Nacional da Magistratura, com atuação entre os anos de 1977 e 1988 (SILVA; FLORÊNCIO, 2011), o qual “apresentava uma função nitidamente correcional ou censória” (COSTA, 2015, p. 105), tendo sido extinto com a Constituição Federal de 1988. Na atualidade tem-se a configuração de um cenário com intenso fluxo de demandas judiciais que, aliada à morosidade da tramitação dos processos, contribui para o aumento da superlotação do sistema judicial brasileiro, situação agravada diante da crise estrutural do capital e da retração da ação estatal na garantia dos direitos sociais em tempos neoliberais, que 393

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS tem ensejado a judicialização de políticas públicas, notadamente de saúde, educação e previdência social. Importante destacar que as decisões em temas que envolvem políticas públicas devem ser vistas pelo Judiciário com cautela para evitar que direitos coletivos sejam tratados como direitos individuais e analisadas desconectadas do contexto social. Exemplo disso são as ações que envolvem direito à saúde, nas quais é de fundamental importância que o judiciário “considere os avanços da medicina e da indústria farmacêutica e conclua que as políticas e os protocolos estejam desatualizados, mas sem fazer disso uma postura rígida” (MOREIRA, 2013, p. 51). Frente a isso foram estabelecidos os parâmetros para a criação do Conselho Nacional de Justiça, com o papel institucional de “uniformizar procedimentos e metas, racionalizar a prestação jurisdicional e aperfeiçoar o acesso à justiça, para além do seu papel como instância de acompanhamento disciplinar” (SILVA; FLORÊNCIO, 2011, p. 123), tendo este se apresentado como um importante indutor de políticas judiciárias, que passaram a ser desenvolvidas a partir de diagnósticos e de avaliações do sistema judicial brasileiro, no que se refere a normativas, recursos humanos, financiamento, informações, tecnologias, metas, gestão e desempenho da função jurisdicional. Buscando contribuir para a criação dos suportes institucionais necessários ao desenvolvimento de políticas judiciárias, o Conselho Nacional de Justiça constantemente realiza consultas públicas e pesquisas internas nos tribunais brasileiros a partir da Base de Dados Unificada do Judiciário (DATAJUD)3, visando fomentar iniciativas no sistema judicial, cujos resultados são monitorados e avaliados, com a publicização de informações e dados, dentre outros, por meio dos seguintes instrumentos: “Justiça em Números”, “Ranking da Transparência”, “Prêmio CNJ de Qualidade”. A globalização econômico-financeira intensificou o fluxo de dados produzidos a partir do desenvolvimento tecnológico (equipamentos, suportes tecnológicos, softwares, aplicativos, mídias sociais, estatísticas, dentre outros), com um constante movimento das informações que 3 De acordo com o CNJ, a Base de Dados Unificada do Judiciário (DATAJUD) foi instituída por meio da Resolução CNJ n. 331/2020, como fonte primária de dados do Sistema de Estatística do Poder Judiciário – SIESPJ. A mesma é responsável pelo armazenamento centralizado dos dados e metadados processuais relativos a todos os processos físicos ou eletrônicos, públicos ou sigilosos dos tribunais indicados nos incisos II a VII do art. 92 da Constituição Federal. Para mais informações, acesse: < https://www.cnj.jus.br/sistemas/datajud/>. Acesso em: 20 abr. 2022. 394

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS são geradas, inclusive pelos indivíduos, oriundas de dimensões da vida privada e pública, o que implica em expansão das bases de dados (VIKTOR; CUKIER, 2013; MARR, 2022). Nesse contexto, as informações e dados exercem um papel estratégico no desenvolvimento de políticas judiciárias, o que exige a adoção de instrumentos e estratégias adequadas, para que os resultados produzidos estejam em consonância com as demandas apresentadas pela realidade institucional e social. Nessa trajetória de transformações tecnológicas o campo jurídico tem sido perpassado por instrumentos que visam contribuir para uma maior efetividade de suas ações. Exemplo disso é a denominada jurimetria, que têm uma importante função na análise de dados judiciais, sendo a mesma formada por softwares e técnicas estatísticas que auxiliam na tomada de decisão. O termo “jurimetria”, do inglês jurimetric, foi utilizado inicialmente por Loevinger (1949). Para Zabala e Silveira (2014, p. 100) a mesma se apresenta como uma “ferramenta essencial no embasamento metodológico e na criação de processos estruturados, tornando a aplicação legal coerente, padronizada e, por consequência, mais próxima da realidade”, superando as incertezas e trazendo previsibilidade para o espaço jurídico-normativo. De modo que o uso da jurimetria proporciona o alinhamento de conhecimentos a partir do uso da estatística e da tecnologia da informação, estratégia já adotada em outras áreas, como a Medicina, a Engenharia e a Ciência Política, entre outras. No âmbito judicial a paulatina expansão do uso da jurimetria está relacionada com o acúmulo de dados gerados pelo sistema da justiça diante da necessidade de estabelecer diretrizes para as decisões e posturas institucionais, que tendem a ser exigidas com celeridade, frente ao princípio da eficiência – importante diretriz para a gestão pública em tempos neoliberais, podendo, inclusive, contribuir para o desenvolvimento de políticas judiciárias voltadas para a melhoria da prestação jurisdicional e a democratização do acesso à justiça (OLIVEIRA; GUERRA; MCDONNELL, 2018; BARBOZA, 2019). Sobre o uso da jurimetria cabe destacar, a título de exemplo, a experiência do Tribunal de Justiça do Piauí, que em 2021, juntamente com o Laboratório de Colaboração Estatística (LCE) da Universidade Federal do Piauí (UFPI), realizou o primeiro estudo jurimétrico do Estado 395

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS do Piauí com o objetivo de avaliar estatisticamente a conciliação e a mediação no Piauí para auxiliar na formação de Políticas Públicas de Tratamento Adequado de Conflitos e Interesses4. Cabe destacar que o Poder Judiciário piauiense possui 63 (sessenta e três) comarcas (CGJPI, 2019) e atua articulado ao Poder Executivo em 17 (dezessete) unidades penais (SEJUS, 2021) distribuídas em 251.755,485 km² de território (IBGE, 2010). Considerando a distância entre os municípios e as comarcas de referência, bem como entre estas e a sede do TJ-PI, pode-se citar como exemplo a comarca de Avelino Lopes, situada a 791 km da capital, centro de gestão administrativa do TJPI, tendo a cidade de Morro Cabeça no Tempo como extensão da comarca, na qual os munícipes que são partes em ações de execução penal deverão enfrentar 55 km de distância para participar de uma audiência ou ter acesso a serviços judiciais. Nesse contexto, um dos desafios dos gestores administrativos do TJPI é a promoção de ações que desencadeiem o desenvolvimento, a modernização e o efetivo acesso à prestação jurisdicional. Isso pode ser ilustrado quando se verifica que a taxa de congestionamento do judiciário piauiense é a maior dentre os Tribunais de Justiça e está em 76% (trata-se de indicador que mede a capacidade de vazão que as unidades judiciais conseguem oferecer considerando os processos novos, os que são finalizados e o acervo pendente de julgamento), ou seja, esse indicador de desempenho da atividade judicial representa, em síntese, que menos de um quarto das demandas consegue resposta do TJPI por ano (CNJ, 2021). No exercício de seus objetivos institucionais o CNJ busca, dentre outros, incentivar a melhoria da prestação jurisdicional dos Tribunais de Justiça. Com efeito, a criação do CNJ ocorreu visando “resolver a apontada crise vivenciada pelo Poder Judiciário que traduzia se em uma série de problemas crônicos históricos, que iam desde a morosidade até o anacronismo de suas estruturas e dos seus modelos de gestão” (COSTA, 2015, p. 110). Nesse sentido, a partir dos dados produzidos por meio dos sistemas de informação, o CNJ elabora sistematicamente relatórios acerca do cenário do sistema judicial brasileiro, com o estabelecimento de diretrizes e metas visando a adoção de providências necessárias à efetividade da prestação jurisdicional e à garantia de direitos (BRASIL, 1988). 4 Notícia registrada no Portal da Universidade Federal do Piauí. Disponível em: <https://ufpi.br/ultimas-noticias- ufpi/40485-ufpi-e-seges-tj-pi-iniciam-estudos-na-seara-da-jurimetria-do-piaui>. Acesso em: 20 abr. 2022. 396

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Análises são realizadas constantemente pelo CNJ por meio de pesquisas nacionais5 visando diagnosticar o cenário do sistema judicial brasileiro, tais como: Pesquisa Nacional Assédio e Discriminação no Âmbito do Poder Judiciário, Pesquisa Pessoas com Deficiência no Poder Judiciário, Pesquisa sobre Negros e Negras no Poder Judiciário, Judicialização e Sociedade. Nesse contexto, destaca-se a produção de documentos e iniciativas ensejadas a partir da produção de informações e dados, tais como: “Ações para acesso à saúde pública de qualidade”, “Participação Feminina nos Concursos para a Magistratura”, “Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento 2020”, “Reentradas e Reiterações Infracionais: um olhar sobre os sistemas socioeducativo e prisional brasileiros”, “Diagnóstico sobre Obras Paralisadas”, “Diagnóstico da estrutura das Coordenadorias da Infância e Juventude”, “Mapeamento dos Programas de Justiça Restaurativa”, entre outras. As informações produzidas a partir da publicização de documentos e pesquisas servem de suporte para o desenvolvimento de políticas judiciárias e funcionam como vetor de inovação normativa, de transformação de diretrizes institucionais e de projeção de temáticas necessárias ao debate público. Nesse contexto, “além da disseminação do emprego da estatística, inúmeros bancos de dados específicos foram instituídos pelo CNJ, com a tarefa de auxiliá‑lo na sua tarefa de gestor e de controlador das atividades do Poder Judiciário” (COSTA, 2015, p. 112). As pesquisas desenvolvidas pelo CNJ configuram um cenário no qual “os dados estatísticos possibilitam visualizar de forma ampla e sistemática o desempenho de cada órgão do Judiciário brasileiro e, a partir dessas verificações, desenvolver programas e estratégias de aprimoramento da atuação jurisdicional” (BARBOZA, 2019, p. 17). Portanto, conforme mostrado as informações e dados exercem um papel estratégico no desenvolvimento de relevantes ações, tendo como base, dentre outras, interlocuções que perpassam a prestação jurisdicional e a oferta de serviços pelos poderes públicos, com importantes articulações entre o executivo e o judiciário e vice-versa, a exemplo das políticas de inclusão, acessibilidade e sustentabilidade; de atenção ao egresso do sistema prisional; de adoção e acolhimento; de execução de obras públicas paralisadas, entre outras. 5 Os resultados das pesquisas citadas como exemplo neste artigo estão disponíveis no Portal de Pesquisas Judiciárias do CNJ. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/> Acesso em: 20.04.2022. 397

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo mostrou que as informações e dados exercem um papel estratégico no desenvolvimento de políticas judiciárias na atualidade. Tais medidas se coadunam com o receituário neoliberal, que inseriu o gerencialismo e a eficiência como parâmetros de atuação da gestão pública. A reestruturação produtiva do capital ensejou novos processos de regulação e de flexibilização, bem como fórmulas que impactaram diretamente nas esferas do trabalho, dos direitos, da legislação e da gestão, ensejando a reforma do Estado brasileiro, como forma de responder a questões estruturais a partir de uma perspectiva de potencialização dos recursos ora existentes. No âmbito do poder judiciário, o princípio da eficiência passou a servir de importante parâmetro para o desenvolvimento de políticas judiciárias a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 e da criação do Conselho Nacional de Justiça em 2005, que, no exercício de suas funções institucionais passou a estabelecer diretrizes e a analisar sistematicamente o cenário da justiça, ensejando, dentre outros, a implantação de sistemas de informação, bem como a publicização de estudos e pesquisas, contribuindo para a uniformização, o planejamento e o estabelecimento de metas para o sistema judicial brasileiro. REFERÊNCIAS BARBOZA, Ingrid Eduardo Macedo. A jurimetria aplicada na criação de soluções de inteligência artificial, desenvolvidas pelo CNJ, em busca do aprimoramento do poder judiciário. Revista Diálogo Jurídico. v. 18, n. 2, p. 9-23, 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. CNJ. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em Números 2021. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/relatorio-justica-em-numeros2021- 081021.pdf>. Acesso em: 20.04.2022. COSTA, João Ricardo dos Santos. CNJ: avanços e desafios no âmbito da justiça estadual. CNJ 10 anos. 1 ed. 2015. GÖTTEMSI, Leila Bernarda Donato; MOLLO, Maria de Lourdes Rollember. Neoliberalismo na América Latina: efeitos nas reformas dos sistemas de saúde. Rev. Saúde Pública. 2020; 54:74. Disponível em 398

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