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3ªEdição da Revista de Jurisprudência do Copeje

Published by Thiago Álvares da S. Campos, 2021-11-25 16:40:24

Description: Homenagem ao Ministro Luís Roberto Barroso

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b) consoante a Emenda Constitucional 97/2017, que deu nova redação ao art. 17, § 1º, da Constituição Federal, a partir de 2020 não mais se permitirão coligações para as eleições proporcionais, o que pode gerar distorções na medida em cada partido político disputará o pleito isoladamente; c) a observância da proporção de candidaturas registradas em 2016 implicará, em última análise, manter a discrepância verificada entre as agremiações naquela oportunidade, com percentuais de candidatos negros que variaram entre 9% e 70% a depender da legenda. Assim, tenho que a regra de distribuição proposta pelo eminente Presidente é a que melhor equaciona a implementação da política de igualdade racial que se objetiva estabelecer. 1. Apesar de acompanhar o eminente Presidente na resposta às perguntas formuladas, e, ainda, da inequívoca relevância do tema em debate nesta Consulta, entendo que a aplicação do entendimento ora firmado deve ocorrer apenas a partir das Eleições 2022, em observância ao princípio da anualidade ou anterioridade eleitoral, insculpido no art. 16 da Constituição da República, in verbis: Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. É remansosa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que o mencionado dispositivo aplica-se não apenas na seara legislativa, como também na atuação jurisdicional desta Corte, como se decidiu em célebre caso julgado sob o regime de repercussão geral envolvendo matéria eleitoral: [...] II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 151

eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre ospleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurançajurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. [...] (RE 637.485/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJE de 20/5/2013) Conforme lecionam Flávio Cheim Jorge, Ludgero Liberato e Marcelo Abelha Rodrigues, o princípio da anterioridade da Lei Eleitoral constitui uma das mais relevantes expressões da segurança jurídica: [...] O princípio da anterioridade da Lei eleitoral está previsto no art. 16 da CF/88, sendo verdadeira manifestação do princípio da segurança jurídica com espeque na seara eleitoral. Por meio dele, garante-se que as alterações que porventura ocorrerem no processo eleitoral somente produzam efeitos nas eleições que ocorrerem após um ano de sua vigência. (Curso de Direito Eleitoral, 2ª Ed. Salvador: JusPODVIUM, 2017. P. 67) 152 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

A segurança jurídica encontra amparo em inúmeros dispositivos além do mencionado art. 16, a denotar sua posição privilegiada no corpo normativo e principiológico da Constituição de 1988. Conforme a doutrina clássica de José Afonso da Silva, são reconhecidas no texto constitucional quatro modalidades de segurança jurídica: a segurança como garantia; a segurança como proteção dos Direitos subjetivos; a segurança como Direito social e a segurança por meio do Direito (In: ROCHA, Carmen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 165-191). De fato, o compromisso do legislador constituinte com essa indispensável garantia é extraído, direta ou implicitamente, de outras disposições, como a vedação de que alguém seja obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II), a observância ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI), a privação da liberdade ou dos respectivos bens apenas mediante o devido processo legal (art. 5º, LIV), a impossibilidade de reapreciação na mesma sessão legislativa de proposta de emenda constitucional rejeitada ou prejudicada (art. 60, § 5º), e, ainda, a anterioridade nonagesimal ou anual na cobrança de tributos (art. 150, III, b e c). E não poderia ser diferente, novamente recorrendo à abalizada doutrina. Canotilho categoriza a segurança jurídica como princípio, atribuindo-lhe uma necessária relação de causa e efeito entre os atos e decisões públicas do Estado e sua previsão normativa. Confira-se: O Direito de o indivíduo poder confiar em que aos seus atos e às suas decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas por esses atos jurídicos deixados pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico. (Direito constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2013. P. 257) Em obra específica sobre o tema, Humberto Ávila aponta que a segurança jurídica pode ser analisada sob uma perspectiva do Estado de Direito, estática, englobando os requisitos estruturais do próprio ordenamento, e também sob um prisma dinâmico, ou seja, levando em conta a atuação do Direito no tempo (Segurança jurídica. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 305 ess). Desse modo, a estatura constitucional do princípio da segurança jurídica requer que a superveniência de alterações legislativas ou jurisprudenciais observem parâmetros que impeçam o comprometimento da estabilidade das relações 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 153

jurídicas, mormente nesta seara, pois, como se sabe, os debates intrapartidários para a escolha de candidatos iniciam-se em período muito anterior ao microprocesso eleitoral, que compreende apenas o período das convenções até a data do prélio. Além das multicitadas balizas teóricas e normativas, penso que algumas questões de ordem prática recomendam – rogando as mais respeitosas vênias aos que entenderem de modo diverso – a adoção apenas para pleitos futuros do entendimento proposto nestaConsulta. Entendo que a resposta à Consulta, apesar de fruto de intenso e colaborativo debate entre os eminentes pares, demanda posterior Resolução por esta Corte, de modo a disciplinar o tema, nos termos do art. 105 da Lei 9.504/97, segundo o qual “[...] o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos”. Essa circunstância, aliada ao fato de que, por força da Emenda Constitucional 107/2020, as convenções partidárias para a escolha de candidatos terão início em seis dias, recomendam – a meu sentir – prudência na aplicação imediata do que aqui decidido. Na esteira dessa questão, é bem de ver que, em casos como o dos autos, impende regulamentar posteriormente a matéria por meio de Resolução. Dentre os inúmeros exemplos passíveis de menção, cito as recentes Consultas de minha relatoria envolvendo a possibilidade de convenções partidárias em formato virtual, que culminaram na Res.-TSE 23.623/2020, e a Consulta 13-98, sobre fidelidade partidária, que resultou na Res.-TSE 22.610/2007. Por fim, há notícia de que ao menos onze partidos políticos já definiram os critérios de distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para as Eleições 2020. Assim, a alteração dos critérios no atual estágio tem o potencial de produzir ruídos indesejáveis na distribuição desses valores, causando insegurança jurídica. Ante o exposto, acompanho em parte o eminente Presidente para assentar a (a) impossibilidade de a Justiça Eleitoral criar reserva de vagas para pessoas negras para fim de registro de candidatura e (b) a distribuição dos recursos financeiros e do tempo de rádio e televisão deve respeitar a proporção entre candidatos de pessoas negras e brancas, entendimento, contudo, aplicável apenas a partir das Eleições 2022, em observância aos princípios da anualidade e da segurança jurídica. É como voto. ESCLARECIMENTO O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO presidente): Ministro Salomão, perdão, o art. 16 fala um ano, não fala oito meses, sete meses, quatro meses. Ou se aplica o art. 16 ou não se aplica. 154 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: Sim, Ministro Barroso, nós estamos somando argumentos. Eu acho que ela precisa – se houve o erro passado, como se diz, com todo respeito, eu não tenho compromisso com erro, eu tenho compromisso com os acertos futuros. Mas ainda que não se considere essa anualidade, como Vossa Excelência postula ou propõe com muita argúcia, com muito talento, como sempre, ainda que se flexibilize, é preciso ter um período de respiro, fazer isso com dezesseis dias pela frente é muito elemento surpresa para a vida partidária, penso eu, claro, respeitando aí a posição em contrário. Como dito, eu acompanho integralmente o voto do eminente relator, respondendo aos quesitos. Não há nenhuma divergência em relação a isso, me somo à maioria já estabelecida, mas também pondero – assim como fez o Ministro Og Fernandes – que a validade dessa regra será para o futuro, mediante a elaboração de uma resolução, sendo que, nesse meio tempo, se assim desejar, o Parlamento poderia, convidado que é, legislar sobre esse tema. É como voto, Presidente. O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Muito obrigado, Ministro Luis Felipe Salomão. Desculpe a interrupção, mas nós somos parceiros no debate e na construção dialógica de soluções, mas eu tenho todo o respeito pela posição de Vossa Excelência. VOTO O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO: Senhor Presidente, trata-se de consulta formulada pela deputada federal Benedita Souza da Silva Sampaio, nos seguintes termos: As formas de distribuição dos recursos financeiros e tempo em rádio e TV, já concedido às mulheres na Consulta 0600252-18.2018.6.00.0000, deverão ser na ordem de 50% para as mulheres brancas e outros 50% para as mulheres negras, conforme a distribuição demográfica brasileira? É possível haver reserva de vagas nos partidos políticos para candidatos negros, nos mesmos termos do que ocorreu com as mulheres? É possível aplicar o entendimento dos precedentes supra para determinar o custeio proporcional das campanhas dos candidatos negros, destinando 30% como percentual mínimo, para a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, previsto nos artigos 16-C e 16-D, da Lei das Eleições, conforme esta Corte entendeu para a promoção da participação feminina? 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 155

É possível aplicar o precedente, também quanto à distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para os NEGROS, prevista nos artigos 47 e seguintes, da Lei das Eleições, devendo-se equiparar o mínimo de tempo destinado a cada partido, conforme esta Corte entendeu para a promoção da participação feminina? (ID nº 11856638) Na inicial, a consulente tece considerações a título de contextualização da “participação dos negros nas eleições como candidatos” (ID nº 11856638, fl. 4) e aponta a necessidade da sua maximização. Aborda aspectos atinentes à representatividade e à igualdade como reconhecimento. Expõe que seus questionamentos têm como base o julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI nº 5617 e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na Cta nº 0600252-18, além da Lei nº 12.880/2010. O parecer da Assessoria Consultiva (Assec) deste Tribunal é pelo conhecimento da consulta, com resposta negativa aos questionamentos, ante a necessidade de observância do devido processo legislativo (ID nº 21912388). Parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral também pelo conhecimento, com resposta “negativa a todos os quesitos da consulta, por ausência de previsão legal, mantendo-se legítima, contudo, a opção de determinada agremiação partidária, no exercício de sua autonomia, por fixar critérios de reserva de vagas e recursos financeiros para candidatas e candidatos negros” (ID nº 25568638). Na sessão de julgamento do dia 30.6.2020, o relator prolatou voto no sentido de conhecer da consulta e responder afirmativamente aos primeiro, terceiro e quarto quesitos, com resposta negativa apenas à segunda indagação, no que foi acompanhado às inteiras pelo Ministro Edson Fachin, ocasião em que houve pedido de vista regimental pelo Ministro Alexandre de Moraes. É o relatório do necessário. PASSO AO VOTO. Senhor Presidente, de início e da mesma forma como já feito nos substanciosos votos que me antecederam, entendo ser o caso de conhecimento da consulta diante da legitimidade da consulente, que é deputada federal, da pertinência temática atinente ao objeto da consulta, que repousa, em suma, no alcance dos julgamentos realizados na ADI nº 5617/DF (Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 2.10.2018) e na Cta nº 0600252-18/ DF (Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 15.8.2018), bem como da inequívoca abstração aliada à objetividade e à clareza das dúvidas plausíveis trazidas para análise desta Corte. Consoante o relatado, há quatro questionamentos formulados, que podem ser lidos, de forma concatenada e objetiva, como a possibilidade ou não de distribuição igualitária, entre mulheres brancas e negras, de recursos financeiros e tempo de propaganda, bem como a viabilidade ou não da reserva de vagas nos partidos 156 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

políticos para candidatos negros, nos mesmos termos que há para mulheres, com a consequente extensão também da destinação dos recursos financeiros e tempo de propaganda de maneira proporcional. Sobre o tema, é certo que os “recursos oriundos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) são públicos e têm a sua aplicação vinculada ao disposto no art. 44 da Lei 9.096/95” (REspe nº 0601193-81/AP, Rel. Min. Sergio Banhos, DJe de 12.12.2019), ademais, de igual forma, é tranquila a afirmação na linha de que o “FEFC é composto por verbas públicas, de destinação vinculada, sendo sua utilização disciplinada por legislação específica, de modo a garantir o controle dos gastos e a fiscalização pela Justiça Eleitoral” (AgR-AI nº 0605505-56/RJ, de minha relatoria, 15.6.2020).DJe de Nesse contexto, uma premissa inicial soa-me extremamente importante: a campanha eleitoral é em grande parcela financiada com recursos públicos, por isso a distribuição dessas verbas deve seguir necessariamente os critérios legais, com a interpretação conferida pelo STF na análise das normas atinentes à matéria. Pode-se dizer, portanto, que há uma destinação legalmente vinculada em razão da natureza pública da verba, como ocorre, a título de exemplo, com as candidaturas femininas, para as quais há a reserva de 30% no lançamento dos registros de candidaturas, com destinação do percentual proporcional do Fundo Partidário e do FEFC, assim como do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, tudo conforme os arts. 10, § 3º, 16-C, 16-D e 47, todos da Lei nº 9.504/97, 9º da Lei nº 13.165/2015, na leitura empregada na ADI nº 5617/DF (Rel. Min. Edson Fachin, 0600252-18/DF (Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 15.8.2018). DJe de 2.10.2018) e na Cta nº Veja-se que a base normativa acima exposta é literal quanto ao preenchimento mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, com a consequente reserva financeira para aplicação nessas campanhas. O STF e o TSE, ao se debruçarem sobre esse arcabouço normativo já em vigor, apenas conferiram uma interpretação conforme à Constituição dos dispositivos e uma leitura da diretriz hermenêutica do pronunciamento operado na ação de controle,respectivamente. Não houve, como não poderia deixar de ser, gênese normativa nos julgamentos supramencionados, mas tão somente a densificação da norma em vigor, em interpretação extraída do órgão competente para tanto, em prol da efetividade da regra. O TSE, por sua vez, sem criar fundamentação nova, mas apenas aplicando de maneira racional e coerente a ratio decidendi da Corte Constitucional, afirmou que a distribuição dos recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão deveria observar os percentuais mínimos de candidatura por gênero. Por outro lado, diferentemente do que ocorre com as regras afetas às candidaturas por gênero, não há, na legislação pátria, base normativa apta a garantir reserva de recursos financeiros para o abastecimento de candidaturas negras, masculinas ou femininas, cenário que forçosamente deságua na conclusão de que tal matéria é adstrita ao âmbito interno de cada partido político, como genuína matéria interna corporis, a 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 157

partir da análise de viabilidade de cada candidatura para fins de distribuição dos recursos públicos. Uma leitura apressada desse raciocínio talvez pudesse trazer à baila a ocorrência de indiferença quanto à matéria, que de forma alguma se chancela, sendo certo que o tema é caro e precisa ser debatido de maneira séria e responsável, como de fato já vem ocorrendo em diversas searas jurídicas. O Brasil dispõe de instrumentos legais materializadores das ações afirmativas necessárias referentes ao tema, como a Lei nº 12.990/2014, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, de autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União, norma, aliás, declarada constitucional pelo STF na ADC nº 41/ DF, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 16.8.2017. Veja-se, ainda, a Lei nº 12.711/2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, em que há reserva de vaga para estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas. O STF, antes mesmo da edição da referida lei, foi instado a se pronunciar acerca das regras então previstas administrativamente pelas instituições de ensino no mesmo contexto do que viria a ser posteriormente legislado, ocasião em que foi afirmado não haver ofensa à igualdade, mas verdadeiro prestígio a tal princípio na medida em que a atribuição de determinadas vantagens, de maneira pontual e temporalmente limitadas, permitiria a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares (ADPF nº 186/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 20.10.2014). É de se notar, ademais, que, em dezembro de 2012, o quesito “cor ou raça” passou a ser campo obrigatório dos registros administrativos, cadastros, formulários e bases dedadosdogovernofederal. A inovação teve por objetivo orientar os órgãos públicos federais na adoção de ações de promoção da igualdade racial previstas na Lei nº 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial e atende reivindicações do movimento negro brasileiro. Em todos esses exemplos é possível visualizar a lei como um instrumento de reequilíbrio social, mediante imposições de desigualdades compensatórias, gestada na arena política, vocacionada para tanto. Por outro lado, na seara eleitoral propriamente dita, não se verifica a existência de legislação robusta a tratar de tão caro tema. Pode-se mencionar a regra do art. 93-A da Lei nº 9.504/97, que impõe ao TSE a promoção de propaganda institucional destinada a incentivar a participação feminina, dos jovens e da comunidade negra na política, mas não há, na norma, disposições sobre cotas ou reservas de recursos. Sem dúvida, essa esqualidez legal reclama, em razão da premência da matéria, um diálogo institucional para que o tema, já às portas do Poder Judiciário, seja tratado de forma responsável no Congresso Nacional, de forma que compreendo, com todas as vênias, inviável a criação de cotas ou reservas financeiras pela via jurisprudencial, sobretudo diante da ausência de demonstração omissiva do órgão constitucionalmente destinado à tarefa. 158 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

É de se notar, nesse contexto e como bem pontuado pelo parecer da área técnica do TSE, que está em tramitação na Câmara dos Deputados o PL nº 8350/2017, cuja ementa é assim redigida: “Altera a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, para prever a destinação de recursos do Fundo Partidário para a promoção da participação política de afrodescendentes”. Ao referido projeto estão apensados outros três (PL nº 459/2019, PL nº 10190/2018 e PL nº 9693/2018), que, em síntese, almejam a reserva de parte do Fundo Partidário e do FEFC para o incentivo à participação da população negra na política. Todas essas proposições apontam, portanto, para a conclusão de que o tema já está em debate na seara legislativa própria, de forma que eventual resposta desta Corte à presente consulta poderia consubstanciar uma solução per saltum no arquétipo constitucional em que cabe ao Judiciário, quando provocado e a partir de seus órgãos competentes, aferir a constitucionalidade de determinadas soluções legais já existentes. Por questão de coerência hermenêutica, ademais, entendo prudente estabelecer um distinguishing do cenário no qual está envolta a presente consulta com meu posicionamento no julgamento da Cta nº 0600252-18/DF (Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 15.8.2018), em que acompanhei o voto da relatora para que a solução adotada pelo STF na ADI nº 5617/DF (Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 2.10.2018) fosse aplicada também para fins de destinação de recursos do FEFC e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, com a observância do percentual das candidaturas por gênero. Naquele caso, como já exposto no início do presente voto, havia um arcabouço normativo a ser interpretado, na medida em que o art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 já previa a necessidade de observância dos percentuais mínimos e máximos dos gêneros nas candidaturas, ao passo que o art. 9º da Lei 13.165/2015 já destinava parcela do Fundo Partidário ao financiamento das campanhas eleitorais das candidatas dos partidos. A partir desse cenário legal posto, sobreveio a interpretação conforme empregada pelo STF na ação de controle sobre a matéria, e esta Corte, de forma subsequente e diante do substrato tanto normativo advindo do legislador quanto interpretativo advindo da Corte incumbida de abstratamente controlar a compatibilidade da lei diante da Constituição da República, posicionou-se pela aplicação da mesma ratio decidendi, tendo como norte a diretriz hermenêutica previamente fixada. Rememoro também, por oportuno, o julgamento da Cta nº 0603816-39/DF, de relatoria da Ministra Rosa Weber, em que esta Corte entendeu, na sessão de julgamento ocorrida em 19.5.2020, que a previsão de reserva de vagas para a disputa de candidaturas proporcionais, inscrita no § 3º do artigo 10 da Lei nº 9.504/97, deve ser observada para a composição das comissões executivas e diretórios nacionais, estaduais e municipais dos partidos políticos, de suas comissões provisórias e demais órgãos equivalentes. A resposta, no entanto, ocorreu sem vinculatividade normativa e sem natureza sancionatória. Naquela ocasião, ao acompanhar o voto da relatora no mérito, teci considerações sobre o parágrafo único do art. 30 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e aderi à proposta do Ministro Luís Roberto Barroso no sentido de que fosse iniciado um debate bastante fértil com o Congresso Nacional para que 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 159

aquele órgão, dentro da sua discricionariedade política e de seu poder legiferante, trabalhasse a matéria como entender de Direito. A solução propugnada, portanto, partiu da existência da regra exposta no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, e, ainda assim, não ocorreu com a total eficácia do que disposto na mencionada norma da LINDB, novamente a configurar um quadro jurídico diverso do que a presente Consulta descortina. O caso em exame, por outro lado, não parte de um pressuposto normativo próprio, capaz de gerar uma interpretação extensiva voltada ao máximo alcance do significado legal. A consulente, na realidade, questiona e entende que as respostas a suas dúvidas deveriam ser da ordem afirmativa a partir de analogia com os regramentos existentes às mulheres. Como se vê, o “dever de apresentação de candidaturas femininas é imposto em lei aos partidos políticos, mas não há imposição de recorte da etnia ou da cor da pele”, nesse sentido, a “Justiça Eleitoral, dentro de seu espectro de atuação, pode e deve produzir medidas de promoção de igualdade na cidadania, mas não pode transferir esse encargo aos partidos políticos sem lei”, como bem exposto no parecer ministerial acostado aos autos (ID nº 25568638). Isso não impede, é claro, que os partidos políticos deliberem e entendam prudente a reserva de vagas para candidatos negros, inclusive com destinação de recursos e tempo de propaganda eleitoral de forma proporcional, contudo tal decisão, diante da ainda ausente previsão legal sobre o tema, circunscreve-se na autonomia partidária, a partir de juízos próprios como o da representatividade ou mesmo da viabilidade (performance política). Com efeito, pode-se afirmar, inclusive, que uma previsão interna da destinação mínima das verbas públicas em relação a todos os candidatos escolhidos em convenção partidária mostrar-se-ia como um elemento agregador de qualidades ao partido, apto a atrair candidatos atentos à concepção de representatividade material, bem como votos também com o mesmo móvel. Há, nesse sentido, diante da imposição dos fatos, guias naturais a moldarem a autonomia partidária, que não pode ser concebida como um passe livre ao partido político. Some-se a esse raciocínio a existência de diversas amarras também de ordem legal, dispostas no art. 44 da Lei nº 9.096/95 e nos art. 16-C e 16-D da Lei nº 9.504/97, dentre outros. Como último tópico de reflexão e no mesmo contexto atinente à concepção de que, diante da ausência de comprovação de omissão legislativa, cabe ao Congresso Nacional debater o caro tema trazido ao exame da Corte pela consulente, verifico a existência do Projeto de Lei nº 4041/2020, em análise na Câmara dos Deputados, que tem por objetivo alterar as Leis nº 9.504/97 e nº 9.096/95 (Lei dos Partidos) com o fim de promover candidaturas étnico-raciais e assegurar recursos e tempo 160 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

de rádio e televisão em proporções equivalentes. Além das demais proposições legislativas em análise antes elencadas, essa, em especial, foi proposta pela própria consulente, em conjunto com diversos outros parlamentares, e, de forma específica, traz a reserva de quotas mínimas para candidaturas de afro-brasileiros (pretos e pardos), sem prejuízo dos percentuais previstos para as candidaturas de gênero. Ademais, há igual destinação, pelo projeto, de valores do FEFC e do Fundo Partidário em proporção de 50% para candidaturas de mulheres brancas e 50% para mulheres pretas e pardas. Segundo a justificativa do referido projeto de lei, a “proposta legislativa, de um lado, positiva do texto da legislação as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral acerca do financiamento das candidaturas femininas e, de outro, assegura maior representatividade étnico-racional nos pleitos eleitorais, inclusive com melhor distribuição de recursos e tempos de rádio e televisão na promoção das candidaturas de pretos e pardos”. Com essa leitura, pode-se compreender que o tema trazido a esta Corte está, às inteiras, em análise na Câmara dos Deputados, de maneira que eventual resposta, senão aquela na linha de que não há previsão legal em vigor sobre o tema, turbaria o genuíno debate instaurado na seara legislativa. É imperioso avançar e adotar medidas que denotem respeito à diversidade, ao pluralismo, à subjetividade e à individualidade como expressões do postulado supremo da dignidade da pessoa humana. Aliado a tal concepção, rememoro que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil consiste em promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Não obstante, para fins de resposta às sensíveis inquietações trazidas para análise, entendo que o tema, despido de legislação própria, está muito bem entregue ao elevado descortino político do Congresso Nacional, diante da salutar iniciativa da consulente e de demais parlamentares. Ante o exposto, com todas as vênias, na linha do parecer técnico da ASSEC e do douto parecer ministerial, divirjo do relator, conheço da presente consulta e a respondo negativamente. É como voto. VOTO O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS: Senhor Presidente, antes de tudo, louvo o denso voto de Vossa Excelência, que bem retrata uma das mais graves mazelas históricas da sociedade brasileira, o racismo estrutural, decorrente, dentre outras razões, de um processo de abolição da escravatura sem inclusão social, culminando no abandono de gerações de concidadãos negros à própria sorte. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 161

Desse modo, já de início, adianto que estou de acordo com a precisa fundamentação constante do item II do voto de Vossa Excelência, pensamento muito bem sintetizado no seguinte trecho: “Trata-se aqui do racismo que é incorporado nas estruturas políticas sociais e econômicas e no funcionamento das instituições. Essa forma de racismo se reflete na institucionalização, naturalização e legitimação de um sistema e modo de funcionamento social que reproduz as desigualdades raciais e afeta, em múltiplos setores, as condições de vida, as oportunidades, a percepção de mundo e a percepção de si que pessoas, negras e brancas, adquirirão ao longo de suas vidas”. O diálogo que pretendo estabelecer no meu voto diz respeito não só ao cenário supracitado, infeliz chaga da Nação, mas também aos limites da manifestação desta Corte Superior em sede de consulta. No Estado Democrático de Direito, novas leituras do princípio da separação (ou interdependência) dos poderes devem ser realizadas para melhor compreender o inescapável diálogo interinstitucional. Há uma tênue fronteira entre a atividade legislativa, a jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária, sendo fundamental questionar os limites institucionais e analisar os diálogos existentes entre os Poderes, sob a óptica do princípio democrático e das funções inerentes de cada Poder. Os debates são profundos e merecem detida reflexão. O que parece incontroverso é que a insuficiência de legislação pode ensejar, em determinadas circunstâncias, omissões inconstitucionais. Também parece correto asseverar que, no mundo contemporâneo, a invasão de competência legislativa pelo Poder Judiciário, na tentativa de suprir a eventual inércia legislativa, expandiu fronteiras e se tornou muitas das vezes prática habitual, o que nos leva a questionar quais seriam os seus legítimos limites. Há, ademais, a meu sentir, vários riscos atrelados a postura mais vanguardista, entre eles o envolvimento do Poder Judiciário com os interesses de grupos políticos e sociais envolvidos e interessados, o que pode prejudicar a sua função precípua, que é exatamente solver conflitos por meio da aplicação do direito. Não se ignora que o presente feito trata de consulta acerca da interpretação da legislação eleitoral, feito que não tem partes em sentido material nem pretensão em sentido processual. Não obstante, os questionamentos feitos a esta Corte Superior em regra carregam ínsitos uma resposta desejada, que melhor se amolda aos interesses do consulente (ou do grupo por ele representado). Esse aspecto é tão marcante na presente consulta que a consulente, após exímia exposição do preocupante quadro brasileiro, não indaga propriamente acerca da aplicação de determinada lei eleitoral. Não há propriamente dúvida, mas uma pretensão, como se vê (ID 11856638): 162 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

a) As formas de distribuição dos recursos financeiros e tempo em rádio e TV, já concedido às mulheres na Consulta 0600252- 18.2018.6.00.0000, deverão ser na ordem de 50% para as mulheres brancas e outros 50% para as mulheres negras, conforme a distribuição demográfica brasileira? Motivo? Vários! Entre eles: Deputados e Senadores com seus sobrenomes consolidados estão trazendo suas mulheres, filhas e outras da família com o mesmo sobrenome para terem acesso a este dinheiro, exclusivo para mulheres. Sendo membros das famílias destes tradicionais Deputados e Senadores, este dinheiro corre o perigo de ser desviado, não chegando às mulheres negras que estão fora deste círculo de poder. b) É possível haver reserva de vagas nos partidos políticos para candidatos negros, nos mesmos termos do que ocorreu com as mulheres? Motivo? Vários! Entre eles: conforme mostrado no texto acima, mesmo tendo um número razoável de candidatos homens negros, por causa da discriminação institucional, poucos candidatos negros são de fato, eleitos. c) É possível aplicar o entendimento dos precedentes supra para determinar o custeio proporcional das campanhas dos candidatos negros, destinando 30% como percentual mínimo, para a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, previsto nos artigos 16-C e 16-D, da Lei das Eleições, conforme esta Corte entendeu para a promoção da participação feminina? d) É possível aplicar o precedente, também quanto à distribuição do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para os NEGROS, prevista nos artigos 47 e seguintes, da Lei das Eleições, devendo-se equiparar o mínimo de tempo destinado a cada partido, conforme esta Corte entendeu para a promoção da participação feminina? [Grifo nosso.] É curioso notar que os dispositivos legais citados nos questionamentos (arts. 16-C, 16-D e 47, da Lei das eleições) não têm sequer correlação com o tema da promoção da igualdade racial por meio de candidaturas. O que se percebe é que a provocação feita a esta Corte Superior não é a de interpretação de determinado preceito jurídico existente, mas da criação de norma que, conforme preconiza a consulente, seria mais desejável, porquanto estaria mais alinhada com o princípio da igualdade. Nesse contexto, quando o órgão julgador, à míngua de preceito normativo expresso, se compromete com determinado interesse, com a realização de determinada política social – por mais justa que ela se revele, como é o caso –, há o risco de que tenha a sua 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 163

imparcialidade afetada, visto que tais questões decerto aportarão na Justiça Eleitoral por ocasião do julgamento de registros de candidatura. No caso, a pretensão da consulente, não obstante extremamente justa, somente se torna possível mediante certa atribuição livre do sentido do texto legal pelo magistrado, atividade que deve sempre ser encarada com muita cautela, para que não se mude o paradigma dos estados modernos, construído a partir de um sofisticado sistema, que contempla normas e princípios. Enfim, mesmo em Constituições dirigentes e detalhadas como a nossa e mesmo em face de problemas graves de nossa sociedade – como o racismo e a sub-representação de minorias –, entendo que a criação de posições jurídicas deve, preferencialmente, decorrer das decisões políticas do Congresso Nacional, verdadeira câmara de ressonância dos anseios dos diversos grupos da população brasileira. A questão das cotas de gênero para financiamento de campanhas é um exemplo de decisão judicial na qual não se percebe caracterizada nenhuma interferência judicial indevida na autonomia partidária, tampouco usurpação de competência, pois o Poder Judiciário tinha um parâmetro legal já existente, qual seja, a reserva de vagas por gênero constante do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. Daí a peculiaridade daquele caso, que o distingue do presente. O entendimento de ambas as Cortes, Supremo Tribunal Federal (ADI 5.679, rel. Min. Edson Fachin) e Tribunal Superior Eleitoral (CTA 060025218, rel. Min. Rosa Weber), não usurpou a competência do Poder Legislativo, mas tão somente privilegiou a escolha antes tomada pelo próprio legislador: a reserva de vagas de, no mínimo, 30% e, no máximo, 70% de candidatos do mesmo gênero. Na presente hipótese, todavia, não há disposição similar de reserva mínima de vagas para candidatos negros, da qual se poderia extrair a necessidade de observância proporcional na distribuição de tempo de propaganda e dos recursos oriundos dos fundos públicos de custeio de partidos e campanhas. Demais disso, não há aqui uma decisão prévia, do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade. A situação, portanto, a meu sentir, é distinta, data venia. Não obstante, a sensibilidade que reveste o tema – o racismo estrutural e a consequente falta de oportunidades eleitorais dos negros – merece, por certo, uma resposta desta Corte. Ao tempo em que penso ser o Poder Legislativo o locus adequado – espaço plural e democrático – para se debater e criar o direito, também compreendo, sem dificuldade, que, nos tempos de agora, cumpre também ao Poder Judiciário a tarefa de bem aplicar o direito, de forma muito restrita, minimalista, com o objetivo solene – e inerente à sua função – de garantir direitos fundamentais. Nesse particular, faça-se justiça à consulente. Em sua bem fundamentada petição, os questionamentos (rectius: pedidos) a, c e d estão de certo modo conectados com a pretensão no pedido vertido no item b, pois a garantia de financiamento e tempo de propaganda proporcionais, como instrumento de promoção da igualdade material entre negros e brancos, somente faz sentido em um modelo que também assegure percentual mínimo de candidaturas. 164 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Todavia, o pleito de reserva de vagas é respondido negativamente pelo relator, ao passo que a garantia de recursos para as mulheres negras (primeiro questionamento – item a) e a distribuição de recursos dos fundos públicos e de tempo de propaganda aos candidatos homens negros (terceiro e quarto questionamentos – itens c e d) foram atendidas “na exata proporção das candidaturas apresentadas pelas agremiações”. Essa solução – a qual, reitero, decorre de voto denso e bem construído do nosso insigne Presidente – pode acabar tendo o efeito contrário do pretendido pela consulente, com a diminuição de candidaturas de homens e mulheres negros lançadas pelas agremiações, eventualmente não interessadas em afetar certa fatia de seus recursos para a promoção de políticas afirmativas. Há, entretanto, notícia alvissareira: a ilustre deputada Benedita da Silva fez protocolar na Câmara dos Deputados, no dia 4 de agosto passado, projeto de lei, recebido como PL 4041/20, que objetiva, na mesma linha argumentativa da consulta ora em análise, promover, ainda que em parte, a resolução desta dívida histórica da Nação com os afro-brasileiros, garantindo uma devida ocupação de cargos eletivos pela comunidade negra, buscando dar efetividade a essa essencial, necessária, imprescindível ação afirmativa. Por tudo, parece-me que uma postura mais consentânea com o limite da atuação dos poderes seria que esta Corte, tendo em vista a existência do referido PL 4041/20, respondesse positivamente àquelas questões, na linha do voto do relator, mas restringindo a aplicação desse entendimento às Eleições de 2022. Desse modo, estaríamos a prestigiar o Poder Legislativo, que, sem dúvida, está aparelhado com melhor estrutura para examinar os reflexos da edição de determinada norma, da adoção de certo regime jurídico em detrimento de outro, atividades essas balizadas pela conexão que, em tese, seus membros têm com as respectivas bases eleitorais. Da mesma forma, em face de uma eventual omissão daquele Poder, poderia esta Corte Superior, com mais tempo, melhor se preparar para edição de resoluções sobre o sensível tema, tendo em vista que a imposição de prescrições a partidos políticos é tradicionalmente realizada em sede de resolução, editada a partir de detido processo de elaboração, no qual se assegura necessariamente a participação de quaisquer interessados mediante audiências públicas. E nas palavras Peter Häberle[1], “para uma sociedade lícita e cidadã, é imprescindível a existência de um Judiciário constitucional concebido como um Judiciário cidadão”, sendo certo que “as audiências públicas são um meio para este fim”. Esse debate não existe em sede de consulta. Entendo, por fim, já que foi formada maioria em torno das considerações do relator acerca do racismo estrutural e da necessidade do reforço de políticas afirmativas para representação política de minorias, sobretudo dos negros, que seja [1] HÄBERLE, Peter. Constituição é declaração de amor ao país. Consultor Jurídico, reportagem disponível em https://www.conjur.com.br/2011-mai-29/entrevista-peter-haberle- constitucionalista alemaoer. acesso em 17.8.2020. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 165

oficiada a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, dando ciência do debate aqui havido e rogando que o tema seja considerado nas discussões a serem realizadas naquelas casas. Em razão disso, louvando as razões trazidas nos votos dos doutos pares que me antecederam, acompanho o ilustre relator da consulta, Presidente Luís Roberto Barroso, mas com a ressalva de aplicação de suas conclusões apenas às Eleições de 2022. ESCLARECIMENTO O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Muito obrigado, Ministro Sérgio Banhos. E acho que assim já se compôs todo o Colegiado em um pronunciamento que verifico, majoritariamente, deliberar no sentido de que a decisão que aqui estamos tomando só produzirá os seus efeitos a partir das Eleições Gerais de 2022. PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Proclamo o resultado: o Tribunal, por maioria, respondeu afirmativamente, quanto ao primeiro, terceiro e quarto quesitos e negativamente quanto ao segundo, nos termos e fundamentos constantes do voto do relator. Votaram com o relator os Ministros Edson Fachin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Sérgio Banhos e Alexandre de Moraes, com um acréscimo à resposta formulada. Vencido o eminente Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto. Quanto à execução do decidido na presente consulta, por maioria, fixou-se a aplicabilidade a partir das eleições de 2022, mediante regulamentação por resolução do Tribunal. Isso é o que foi decidido. Eu considero que este é um momento muito importante na vida do Tribunal e na vida do país. Como disse, há momentos na vida em que cada um precisa escolher de que lado da história deseja estar. Pois hoje nós, o Tribunal Superior Eleitoral, nós afirmamos que estamos do lado dos que combatem o racismo, estamos do lado dos que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores. Por muito tempo prevaleceu entre nós o discurso do humanismo racial brasileiro, que negava a existência do preconceito e da discriminação das pessoas em razão da sua raça e da sua cor. Tudo se resumiria a uma questão de classe social, o estigma seria contra pobreza e não contra os negros. Nós gostávamos de acreditar nessa versão da história. Pena mesmo é que não era verdadeira. 166 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Como escreveu Adílson Moreira, em Pensando Como um Negro, “esse discurso que procurava limitar o racismo a alguns comportamentos individuais irracionais encobria, ainda que inconscientemente, um sistema de dominação racial que influencia o funcionamento de todas as instituições”. Reconhecer essa situação não nos diminui como país, o que nos diminuía era o escamoteamento dessa realidade, enquanto a metade dos brasileiros era condenada à exclusão social, à discriminação ou, no mínimo, a um preconceito renitente, ora ostensivo, ora velado. Por qual motivo que se justifica esse tipo de ação afirmativa que nós estamos endossando hoje aqui? 1 – Para reparar injustiças históricas trazidas pela escravidão e pelo abandono à própria sorte, por ocasião da abolição, como lembrado em praticamente todos os votos; 2 – Para assegurar a igualdade de oportunidades aos que começam a corrida para vida em grande desvantagem; 3 – Para que tenhamos negros em posições públicas de destaque, servindo de inspiração e de motivação para os jovens que com eles se identificam. Para que fique clara a nossa posição. O racismo no Brasil não é fruto apenas de comportamentos individuais pervertidos. É um fenômeno estrutural, institucional e sistêmico. E há toda uma geração hoje disposta a enfrentá-lo. Uma geração integrada por militantes idealistas e engajados, dentre os quais, todos nós devemos lembrar, o Frei David e intelectuais como Silvio Almeida, Djamila Ribeiro e Adilson Moreira e artistas geniais, que homenageio na pessoa do extraordinário Gilberto Gil. A maioria do Tribunal entendeu que a inovação somente deve valer para as Eleições Gerais de 2022 e não para as próximas Eleições Municipais. Esse adiamento dos efeitos da decisão, em relação ao qual ficamos vencidos três de nós, não diminui a importância do que estamos fazendo aqui hoje, com atraso, mas não tarde demais, estamos empurrando a história do Brasil na direção da justiça racial. Está encerrado este julgamento. EXTRATO DA ATA Cta nº 0600306-47.2019.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. Consulente: Benedita Souza da Silva Sampaio (Advogados: Irapuã Santana do Nascimento da Silva – OAB: 341538/SP e outra). Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido em parte o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, respondeu afirmativamente quanto ao primeiro, ao terceiro e ao quarto quesitos, e negativamente quanto ao segundo, nos termos e fundamentos constantes do voto do relator. Votaram com o Relator, no ponto, os Ministros Edson 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 167

Fachin, Alexandre de Moraes, que condicionou as respostas ao estabelecimento de parâmetros, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão e Sérgio Banhos. Também por maioria, vencidos, no ponto, os Ministros Luís Roberto Barroso (relator), Edson Fachin e Alexandre de Moraes, decidiu pela aplicabilidade da decisão a partir das eleições de 2022, mediante a edição de resolução do Tribunal, nos termos do voto do Ministro Og Fernandes. Votaram com o Ministro Og Fernandes os Ministros Luis Felipe Salomão, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos. Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Renato Brill de Góes. SESSÃO DE 25.8.2020. Sem revisão das notas de julgmento do Ministro Luis Felipe Salomão. 168 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

MINISTRO BENEDITO GONÇALVES: (MINISTRO DO STJ E DO TSE) STJ/DF - N. 1.289.609/2011 TEMA AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PRESCRIÇÃO EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. ART. 37, § 5º, DA CF. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DEMONSTRAÇÃO E COMPROVAÇÃO DA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE COMO CAUSA DE PEDIR RESSARCIMENTO. CIRCUNSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA QUE LEGITIMA A ATUAÇÃO DO PARQUET. NOMEN JURIS DA AÇÃO. IRRELEVÂNCIA. RITO DEFINIDO PELO OBJETO DA PRETENSÃO. ADOÇÃO DE PROCEDIMENTO ESPECÍFICO OU MAIS AMPLO AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. ADEQUAÇÃO. 1. O art. 37, § 5º, da Constituição da República prescreve que \"A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento\". 2. \"O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 169

regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis\" (art. 127, caput, da CF) e, dentre outras funções, \"promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos\" (art. 129, III, da CF). Em contrapartida, lhe é \"...vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas\" (art. 129, IX, da CF). 3. O Ministério Público é parte legítima para pleitear o ressarcimento de dano ao erário sempre que o ato ilícito subjacente à lesão seja a prática de ato ímprobo, dentre outras causas extraordinárias. 4. A causa de pedir é o ponto nodal para a aferição da legitimidade do Ministério Público para postular o ressarcimento ao erário. Se tal for a falta de pagamento de tributos, o ressarcimento por danos decorrentes de atos ilícitos comuns ou qualquer outro motivo que se enquadre nas atribuições ordinariamente afetas aos órgãos de representação judicial dos entes públicos das três esferas de poder, o Ministério Público não possui legitimidade para promover as respectivas ações. Lado outro, tratando-se da prática de ato de improbidade, ilícito qualificado, ainda que prescritas as respectivas punições, ou outra causa extraordinária, remanesce o interesse e a legitimidade do Parquet para pedir ressarcimento, seja a ação nominada como civil pública, de improbidade ou mesmo indenização. 5. A prática de ato ímprobo (arts. 9º ao 11 da Lei 8.429/92) constitui circunstância extraordinária que, por transcender as atribuições ordinárias dos órgãos fazendários, legitima o Ministério Público a pedir o ressarcimento dos danos dele decorrentes, sendo irrelevante o nomen juris atribuído à ação, cujo rito deverá ser específico ou, se genérico, mais amplo ao exercício da defesa. Referido critério privilegia a harmonia do sistema constitucional de repartição de competências e confere plena eficácia aos comandos dos incisos III e IX do art. 129 da Constituição da República. 6. Recurso especial provido para reformar o acórdão recorrido e, em consequência, determinar que a ação civil pública seja regularmente processada e julgada. RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES: Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, com base no art. 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado (fls. 159/166): 170 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. PRESCRIÇÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA PARA O PLEITO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. 1. O Ministério Público Federal tem legitimidade ativa para propor ação civil pública visando ao ressarcimento do dano causado ao erário por ato de improbidade, por afetar interesse coletivo, eis que a ofensa ao patrimônio público constitui sempre ofensa a interesse coletivo. 2. A ação prevista na Lei 8.429/92 não constitui instrumento adequado para pedir ressarcimento, que é a consequência da improbidade. Não se conseguindo demonstrar o ato de improbidade administrativa em razão de ter-se operado a prescrição, como na hipótese dos autos, só em ação própria se pode buscar o ressarcimento, conforme estabelece o art. 17 da supracitada lei. 3. Quando ocorrer a prescrição da sanção pelo ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 23, I e II, da Lei 8.429/92, a reparação do prejuízo, que é imprescritível, deverá ser buscada em ação autônoma, e não nos autos da ação por ato de improbidade administrativa. 4. Apelação do Ministério Público Federal não provida. Os embargos de declaração então opostos pelo ora recorrente foram rejeitados (fls. 189/192). Nesta sede, sustenta o recorrente que o entendimento manifestado no acórdão recorrido diverge da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.089.492/ RO), que admite o ressarcimento ao erário na ação civil pública, mesmo que prescritas as sanções pela prática de atos ímprobos. No ponto, também aponta ofensa aos arts. 189 do CC, 269, IV, 282, III, e 292, caput e § 2º, do CPC e 12, I a III, e 23, I, da Lei 8.429/92. A parte recorrida apresentou contrarrazões às fls. 249/254. O recurso especial foi admitido às fls. 260/261. O ora recorrente também interpôs recurso extraordinário (fls. 202/209), admitido às fls. 262/263. Nesta Corte, o recurso especial foi inicialmente provido por meio da decisão monocrática às fls. 277/278 e, após a interposição de agravo regimental, \"Em atenção aos argumentos recursais e à relevância do tema, a Primeira Turma deliberou por submeter o julgamento à Primeira Seção\" (fl. 297), razão pela qual a decisão agravada foi reconsiderada para oportunizar a discussão no âmbito daquele órgão colegiado (fls. 297). O Ministério Público Federal, por meio do parecer às fls. 302/306, opinou pelo provimento do recurso especial, cuja ementa segue transcrita: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 171

- É entendimento pacífico desse C. STJ que a ação de ressarcimento pelos prejuízos causados ao erário é imprescritível. Assim, ainda que impossibilitada a condenação dos agentes em razão da prescrição, o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública por ato de improbidade administrativa objetivando ressarcimento ao erário em razão dos prejuízos financeiros decorrentes dos atos de improbidade. Precedentes. - Parecer pelo provimento do recurso especial. O presente feito foi submetido a julgamento em 17/10/2013, com sustentação oral pelas partes, oportunidade em que solicitei vista regimental para melhor análise. É o relatório. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA Seção do Superior Tribunal de Justiça prosseguindo no julgamento, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Napoleão Nunes Maia Filho (voto-vista), que ressalvou seu ponto de vista, e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedida a Sra. Ministra Assusete Magalhães. Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Og Fernandes. Brasília (DF), 12 de novembro de 2014 (Data do Julgamento) MINISTRO BENEDITO GONÇALVES Relator VOTO O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator): Preliminarmente, indefiro o pedido de sobrestamento do feito formulado às fls. 315/316. Com efeito, esta Corte já decidiu que é descabido o sobrestamento do recurso especial em decorrência do reconhecimento da repercussão geral de matéria constitucional pelo STF, pois o art. 328-A do Regimento Interno daquela Corte determina o sobrestamento, tão somente, do juízo de admissibilidade dos Recursos Extraordinários e dos Agravos de Instrumento contra o despacho denegatório a eles relacionados. Seguem precedentes: AgRg no AREsp 550.808/MG, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 8/9/2014; AgRg na AR 5.373/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 18/8/2014; EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1.404.660/PE, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 172 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

2/6/2014; AgRg nos EREsp 1.142.490/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, DJe 8/11/2010. Em relação ao objeto do recurso especial, tem-se que o art. 37, § 5º, da Constituição da República prescreve que \"A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento\". Assim, a jurisprudência desta Corte, conferindo eficácia plena à norma constitucional, assentou ser imprescritível a pretensão de ressarcimento de danos causados ao erário por atos de improbidade administrativa. Nesse sentido, dentre outros: : REsp 1268594 / PR, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, Dje 13/11/2013; AgRg nos EDcl no AREsp 240.909/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 29/10/2013; AgRg no AREsp 348.417/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4/10/2013; AgRg no AgRg no AREsp 179.921/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 15/4/2013). Quanto à legitimidade do Ministério Público e adequação da ação civil pública para pleitear ressarcimento ao erário, importa considerar que \"O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo- lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis\" (art. 127, caput, da CF) e, dentre outras funções, \"promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos\" (art. 129, III, da CF). Em contrapartida, lhe é \"...vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas\" (art. 129, IX, da CF). Assim, inicialmente, importa afastar a aparente antítese entre os comandos constitucionais previstos nos incisos III e IX do art. 129 da Carta da República, de forma a conferir-lhes plena eficácia. No ponto, transcrevo a doutrina do Min. Teori Albino Zavascki (Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3ª ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 156/157): A solução da polêmica impõe o desafio de traças os limites entre dois campos: o da atuação do Ministério Público e o da atuação dos agentes da entidade pública lesada. Com tal objetivo, um parâmetro pode desde logo ser estabelecido: não será a simples existência de lesão ao patrimônio público que, por si só, legitimaria a atuação do Ministério Público ou que dará ensejo à ação civil pública. Do contrário, caberia ação civil pública até para haver pagamento de indenizações por danos causados a veículos do Estado em acidente de trânsito, e não teríamos por que negar legitimação ao Ministério Público para cobrar a dívida ativa da Fazenda, como observa, nesse particular com razão, a corrente doutrinária restritiva acima referida. Por isso mesmo, é acertado negar legitimação ao Ministério Público para intentar ação civil pública nos casos em que, inobstante existir lesão ao patrimônio público, o interesse lesado se situa no âmbito ordinário da 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 173

administração pública. Aliás, em situações dessa natureza, a doutrina e a jurisprudência, interpretando o art. 82, III, o CPC, consideram incabível até mesmo a intervenção do Ministério Público no processo como custos legis. Não pode ser aceita, todavia, a posição que vai ao extremo de negar, taxativamente, a legitimação do Ministério Público na defesa do patrimônio público, ou de limitá-la às hipóteses de tutela de interesses difusos e coletivos. Tal negação importaria fazer tábula rasa da norma constitucional do art. 129, III, que prevê expressamente tal legitimação, tanto em defesa dos direitos difusos e coletivos quanto do patrimônio público e social, considerados, um em relação ao outro, categorias jurídicas distintas e autônomas. Ordinariamente, é inegável a defesa judicial do patrimônio público é atribuição dos órgãos da advocacia e da consultoria dos entes públicos, que a promovem pelas vias procedimentais e nos limites da competência estabelecidos em lei. A intervenção do Ministério Público, nesse domínio, consequentemente, somente se justifica em situações não ordinárias, ou seja, em situações especiais. Que situações seriam essas? São as situações em que, no patrocínio judicial em defesa do patrimônio público, se pode identificar um interesse superior, como tal considerados aquele que, por alguma razão objetiva e clara, transcende o interesse ordinário da pessoa jurídica titular do direito lesado. Assim ocorre quando, pela natureza da causa ou pela magnitude das consequências, ou pelas pessoas envolvidas ou por outra circunstância objetiva, a eventual lesão trouxer um risco não apenas ao restrito domínio patrimonial da pessoa jurídica, mas também a outros valores especialmente protegidos, de interesse de toda a sociedade. É o que ocorre, por exemplo, quando o patrimônio público é lesado pelo próprio administrador (improbidade administrativa), ou quando os órgãos ordinários de tutela judicial do patrimônio público se mostrarem manifestamente omissos ou impossibilitados de atuar (o que põe em risco o funcionamento da instituição pública). Assim, resulta que o Ministério Público é parte legítima para pleitear o ressarcimento de dano ao erário sempre que o ato ilícito subjacente à lesão seja a prática de ato ímprobo, dentre outras causas extraordinárias. Com efeito, nesses casos, a lesão ao patrimônio público extrapola o interesse ordinário da própria Administração. Dessa forma, embora não se admita a atuação do Ministério Público para representar judicialmente e prestar consultoria a entidades públicas (art. 129, IX, da CF), resulta imperativa a sua legitimidade para pleitear o ressarcimento de dano ao erário sempre que a causa de pedir seja a prática de ato de improbidade, ainda que as respectivas punições estejam prescritas. Vê-se que a prescrição, evidentemente, incide sobre as punições previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, mas não sobre o fato que dá ensejo a tais punições e ao ressarcimento, qual seja, a prática de ato de improbidade. Portanto, o ponto nodal, a meu sentir, reside na verificação da causa de pedir 174 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

ressarcimento. Se a causa de pedir for a falta de pagamento de tributos, o ressarcimento por danos decorrentes de atos ilícitos comuns ou qualquer outro motivo que se enquadre nas atribuições ordinariamente afetas aos órgãos de representação judicial dos entes públicos das três esferas de poder, entendo que o Ministério Público não possui legitimidade para promover as respectivas ações. Lado outro, tratando-se da prática de ato de improbidade, ilícito qualificado, ainda que prescritas as respectivas punições, remanesce o interesse e a legitimidade do Parquet para o ressarcimento, seja a ação nominada como civil pública, de improbidade ou mesmo indenização. Nesse caso, portanto, deve ser observado o rito que, segundo o objeto da pretensão, conduza ao amplo exercício do direito de defesa, seja por meio do adequado procedimento específico, seja pela adoção de procedimento mais amplo à defesa, conforme inteligência do art. 292, § 2º, do CPC. Em conclusão, entendo que a prática de ato ímprobo (arts. 9º ao 11 da Lei 8.429/92) constitui circunstância extraordinária que, por transcender as atribuições ordinárias dos órgãos de representação judicial dos entes públicos, legitima o Ministério Público a pedir o ressarcimento dos danos dele decorrentes, sendo irrelevante o nomen juris atribuído à ação. Referido critério, entendo, conduz à harmonia do sistema constitucional de repartição de competências e confere plena eficácia aos comandos dos incisos III e IX do art. 129 da Constituição da República. Nessa esteira, imperativo considerar que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que \"O Ministério Público tem legitimidade ad causam para a propositura de Ação Civil Pública objetivando o ressarcimento de danos ao erário, decorrentes de atos de improbidade\" (AgRg no AREsp 76.985/MS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 18/5/2012). Nesse sentido, dentre outros: AgRg no REsp 1.367.048/GO, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 16/12/2013; AgRg no REsp 1.128.563/SC, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 4/6/2013. A questão encontra-se, inclusive, consolidada no enunciado sumular 329/STJ, in verbis: \"O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público\". Ademais, a possibilidade de prosseguimento da ação de improbidade proposta pelo Ministério Público para a obtenção do ressarcimento, mesmo que prescritas as respectivas punições, já foi objeto de apreciação por esta Corte, conforme segue: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE. AÇÃO PRESCRITA QUANTO AOS PEDIDOS CONDENATÓRIOS (ART. 23, II, DA LEI N.º 8.429/92). PROSSEGUIMENTO DA DEMANDA QUANTO AO PLEITO RESSARCITÓRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. 1. O ressarcimento do dano ao erário, posto imprescritível, deve ser tutelado quando veiculada referida pretensão na inicial da demanda, nos próprios autos da ação de improbidade administrativa ainda que considerado prescrito o pedido relativo às demais sanções previstas na Lei de Improbidade. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 175

2. O Ministério Público ostenta legitimidade ad causam para a propositura de ação civil pública objetivando o ressarcimento de danos ao erário, decorrentes de atos de improbidade, ainda que praticados antes da vigência da Constituição Federal de 1988, em razão das disposições encartadas na Lei 7.347/85. Precedentes do STJ: REsp 839650/ MG, SEGUNDA TURMA, DJe 27/11/2008; REsp 226.912/MG, SEXTA TURMA, DJ 12/05/2003; REsp 886.524/SP, SEGUNDA TURMA, DJ 13/11/2007; REsp 151811/MG, SEGUNDA TURMA, DJ 12/02/2001. 3. A aplicação das sanções previstas no art. 12 e incisos da Lei 8.429/92 se submetem ao prazo prescricional de 05 (cinco) anos, exceto a reparação do dano ao erário, em razão da imprescritibilidade da pretensão ressarcitória (art. 37, § 5º, da Constituição Federal de 1988). Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1038103/SP, SEGUNDA TURMA, DJ de 04/05/2009; REsp 1067561/AM, SEGUNDA TURMA, DJ de 27/02/2009; REsp 801846/AM, PRIMEIRA TURMA, DJ de 12/02/2009; REsp 902.166/SP, SEGUNDA TURMA, DJ de 04/05/2009; e REsp 1107833/SP, SEGUNDA TURMA, DJ de 18/09/2009. 4. Consectariamente, uma vez autorizada a cumulação de pedidos condenatório e ressarcitório em sede de ação por improbidade administrativa, a rejeição de um dos pedidos, in casu, o condenatório, porquanto considerada prescrita a demanda (art. 23, I, da Lei n.º 8.429/92), não obsta o prosseguimento da demanda quanto ao pedido ressarcitório em razão de sua imprescritibilidade. 5. Recurso especial do Ministério Público Federal provido para determinar o prosseguimento da ação civil pública por ato de improbidade no que se refere ao pleito de ressarcimento de danos ao erário, posto imprescritível. (REsp 1.089.492/RO, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 18/11/2010 - grifo nosso) ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO DAS PENALIDADES. PLEITO DE RESSARCIMENTO. CUMULAÇÃO. DESNECESSIDADE DE AÇÃO AUTÔNOMA. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INOVAÇÃO. 1. Apesar de prescrita a ação civil de improbidade administrativa quanto à aplicação das penalidades, ainda persiste o interesse de obter o ressarcimento do dano ao erário, visto que se trata de ação imprescritível. 2. A alegação de que o Ministério Público não tem legitimidade para propor a ação de ressarcimento constitui inovação recursal, vedada no âmbito do regimental. 176 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

3. Agravo regimental conhecido em parte e não provido. (AgRg no REsp 1.287.471/PA, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 4/2/2013) Igualmente, não obstante a pendência da matéria em sede de repercussão geral no RE 409.356/RO, o Supremo Tribunal Federal trilha o mesmo entendimento ora manifestado, conforme os seguintes julgados: Recurso Extraordinário. Processo Civil. Ação civil pública ajuizada por membro do Ministério Público estadual julgada extinta por ilegitimidade ativa e por se tratar de meio inadequado ao fim perseguido. 1. O Ministério Público detém legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública intentada com o fito de obter condenação de agente público ao ressarcimento de alegados prejuízos que sua atuação teria causado ao erário. 2. Meio processual, ademais, que se mostra adequado a esse fim, ainda que o titular do direito, em tese, lesado pelo ato não tenha proposto, em seu nome próprio, a competente ação de ressarcimento. 3. Ausência de previsão, na Constituição Federal, da figura da advocacia pública municipal, a corroborar tal entendimento. 4. Recurso provido para afastar o decreto de extinção do feito, determinando-se seu regular prosseguimento. (RE 225.777/MG, Rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 29/8/2011) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. NECESSIDADE DE REEXAME DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública na defesa do patrimônio público. Precedentes. II – É inadmissível o recurso extraordinário quando sua análise implica rever a interpretação de norma infraconstitucional que fundamenta a decisão a quo. Eventual ofensa à Constituição seria meramente indireta, o que inviabiliza o recurso extraordinário. III – Para divergir do acórdão recorrido, faz-se necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 279 do STF. IV – Agravo regimental improvido. (AI 748.934 AgR/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 10/6/2013) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 129, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 177

PÚBLICO. ELETROPAULO. CONTRATAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. EMPRESA PÚBLICA À ÉPOCA DA ASSINATURA DO CONTRATO. PARTICIPAÇÃO MAJORITÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO NO CAPITAL SOCIAL. LEI N. 98.666/93, ART. 24, I E XXVI. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS ARTIGOS 5º, LIV e LV, 37, § 5º, II e XIX, 127, caput, e 129, III e IX, DA CARTA FEDERAL. OFENSA REFLEXA. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA N. 279/STF. DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário. Precedentes. 2. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção do art. 129, III, da C.F/1988, que o habilita a demandar em prol do patrimônio público. Precedentes: RE 459.138-AgR, Rel Min. GILMAR MENDES, 2ª Turma, DJ 25.4.2008; RE 262.134-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma, DJ 2.2.2007; AI 495.632-AgR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 1ª Turma, DJ 16.6.2006;AI 244.217- AgR, Rel. Min. EROS GRAU, 1ª Turma, DJ 25.11.2005. [...] 7. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AI 837.555 AgR/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 29/3/2012) Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para reformar o acórdão recorrido e, em consequência, determinar que a ação civil pública seja regularmente processada e julgada. É como voto. 178 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

MINISTRO MAURO LUIZ CAMPBELL MARQUES (MINISTRO DO STJ E DO TSE) TSE - ACÓRDÃO - RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 0600491-34.2020.6.19.0255/DF TEMA INELEGIBILIDADE. ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA “G”, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. FRAUDE PROCESSUAL EMENTA: RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0600491-34.2020.6.19.0255 (PJe) – CARAPEBUS – RIO DE JANEIRO ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA (RRC). CANDIDATA ELEITA AO CARGO DE PREFEITO. PEDIDO DE INGRESSO COMO ASSISTENTE SIMPLES APRESENTADO PELO SEGUNDO COLOCADO. INTERESSE MERAMENTE FÁTICO. INDEFERIMENTO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I,  G, DA LC Nº 64/1990. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO LIMINAR DA JUSTIÇA COMUM, NOTICIADA NO PRAZO FINAL DA DIPLOMAÇÃO, QUE SUSPENDEU OS EFEITOS DA REJEIÇÃO DAS CONTAS DA CANDIDATA. CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA COM VISTAS A ASSEGURAR A DIPLOMAÇÃO DA RECORRENTE. DEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA EM ÂMBITO DE TUTELA DE URGÊNCIA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA FORMULADO PELO MPE. INDEFERIMENTO. RECURSO. DESISTÊNCIA. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 179

POSSIBILIDADE. NATUREZA PRECÁRIA DO PROVIMENTO CAUTELAR. VIGÊNCIA DOS EFEITOS DA LIMINAR QUE SUBSIDIOU A CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA POR EXÍGUO LAPSO TEMPORAL (UM DIA). DECISÃO DA JUSTIÇA COMUM, PROLATADA NO DIA SEGUINTE AO TERMO FINAL DA DIPLOMAÇÃO, QUE RECONHECEU FRAUDE PROCESSUAL NA OBTENÇÃO DA MEDIDA. NATUREZA PRECÁRIA DO PROVIMENTO CAUTELAR. INSUBSISTÊNCIA DOS EFEITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. RESTAURAÇÃO DO STATUS QUO EXISTENTE NO MOMENTO ANTERIOR AO DEFERIMENTO DA MEDIDA. RESTABELECIMENTO DO PATRIMÔNIO JURÍDICO EXISTENTE À ÉPOCA. ANÁLISE MERITÓRIA DO REGISTRO DE CANDIDATURA. CONSIDERAÇÃO DO ARCABOUÇO FÁTICO-JURÍDICO EXISTENTE NO MOMENTO DA FORMALIZAÇÃO DO PEDIDO DE REGISTRO. PREENCHIDOS TODOS OS REQUISITOS PARA A INCIDÊNCIA DA ALÍNEA G DO INCISO I DO ART. 1º DA LC Nº 64/1990. ACÓRDÃO REGIONAL EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. REVOGAÇÃO, A POSTERIORI, PELO PRÓPRIO ÓRGÃO LEGISLATIVO, DA DELIBERAÇÃO QUE CULMINOU NA REJEIÇÃO DAS CONTAS DA CANDIDATA. CASUÍSMO. CONVENIÊNCIA POLÍTICA. IMPRESTABILIDADE. PRECEDENTES. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. DETERMINAÇÕES. Questão de ordem 1. Contra a decisão que indeferiu o pedido do MPE consistente na revogação da tutela de urgência vigente, o órgão ministerial interpôs agravo interno. Na véspera do início da sessão de julgamento do apelo nobre, o MPE formalizou pedido de desistência do recurso. “Uma vez iniciado o julgamento do caso em plenário, cabe ao colegiado deliberar sobre a homologação da desistência recursal” (QO-RO nº 2609-48/ TO, relator designado Min. Og Fernandes, DJe de 21.2.2019). Pedido de desistência homologado, conforme autoriza o art. 998 do CPC. Assistência simples 2. O segundo colocado no pleito majoritário requereu o seu ingresso como assistente simples. A jurisprudência do TSE é firme no sentido de que, nessa condição, o interesse do pretenso assistente é meramente fático, e não o exigido interesse jurídico, haja vista que a “[...] eventual manutenção do indeferimento do registro do recorrente acarretará novo pleito por força do art. 224 do Código Eleitoral” (REspEl nº 0600758-53/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS de 18.12.2020). Pedido indeferido. Contexto fático-jurídico 3. A Corte regional manteve o indeferimento do pedido de registro de candidatura da recorrente, reeleita prefeita do Município de Carapebus/RJ no pleito de 2020, ante a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. 4. Os autos do recurso especial, que continha pedido de concessão de tutela de urgência, aportaram neste gabinete em 18.12.2020, mesma data em que a recorrente juntou ao feito petição na qual informou que 180 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

o “[...] Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro [...] suspendeu os efeitos da Resolução n.º 04 editada pela Câmara Municipal de Carapebus” (ID 66091588, fl. 3), expediente que materializou a deliberação daquela Casa Legislativa pela rejeição das contas da candidata, único fundamento pelo qual as instâncias ordinárias concluíram pelo indeferimento do registro de candidatura. 5. “Não poderá ser diplomado, nas eleições majoritárias ou proporcionais, o candidato que estiver com o registro indeferido, ainda que sub judice” (art. 220 da Res.-TSE nº 23.611/2019). Diante disso, considerando os termos da decisão proferida pelo Juízo da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, as peculiaridades do caso e o adimplemento do termo final para a diplomação naquela data (18.12.2020), foi deferido, em âmbito de tutela de urgência, o registro de candidatura em questão – único meio de assegurar à recorrente a diplomação – e, assim, também, a posse e o exercício do cargo –, não tendo a candidata interposto recurso quanto a esse ponto. 6. Em 21.12.2020, a Câmara Municipal de Carapebus/RJ protocolou petição em que noticiou que o provimento jurisdicional por meio do qual havia sido determinada a suspensão do decisum daquela Casa Legislativa que rejeitou as contas da candidata não mais subsistia, em virtude de novel decisão, prolatada em 19.12.2020 – de lavra do desembargador Celso Silva Filho, do TJ/RJ –, que suspendeu a eficácia daquele decisum, ao tempo em que consignou ter havido “[...] tentativa de fraude processual, com o objetivo de obtenção de decisão judicial que pudesse suspender a inelegibilidade da Prefeita Christiane Cordeiro, tendo em vista a existência de demanda anteriormente em curso, com integral identidade de pedido e de causa de pedir, em que já houve a apreciação e o sucessivo indeferimento do pedido de concessão da tutela provisória de urgência, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus” (ID 67614738, fl. 4). Da natureza da decisão por meio da qual foi deferido o pedido de registro da recorrente com vistas a lhe assegurar a diplomação no cargo ao qual foi eleita 7. Por se tratar de provimento precário, proveniente de juízo prévio e perfunctório, o destinatário da tutela provisória automaticamente assume – por sua conta e risco – a ulterior deliberação acerca de sua confirmação, modificação ou revogação, sob pena de ser concedido à decisão liminar, à margem da lei, o atributo da definitividade, que requer cognição exauriente. 8. Da análise do contexto fático-jurídico devolvido a esta Corte Superior, verifica-se que a ora recorrente – que concorreu sub judice – estava, 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 181

por força de lei, consciente da precariedade e da revogabilidade tanto da decisão liminar proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro – que, de forma repentina e absolutamente efêmera, afastou, no prazo fatal da diplomação, a presença de requisito de causa de inelegibilidade até então incidente sobre a ora recorrente – quanto da decisão por meio da qual esta Corte Superior deferiu, em tutela de urgência, o seu registro de candidatura. Da competência privativa e exclusiva do TSE para encerrar a condição de sub judice do RRC 9. O ordenamento jurídico conferiu a esta Corte Superior a competência para, em última instância – à exceção das questões passíveis de apreciação pelo STF –, chancelar os pedidos de registro de candidatura apresentados pelos candidatos em quaisquer dos pleitos, conforme prevê o art. 16-A da Lei nº 9.504/1997, sendo certo que a competência para deliberação dos comandos normativos lá previstos é “[...] privativa e exclusiva do Tribunal Superior Eleitoral [...]” (PetCiv nº 0601747-29/ AL, rel. Min. Edson Fachin, PSESS de 12.11.2020). 10. Na espécie, houve dois provimentos de natureza cautelar que viabilizaram o deferimento do RRC da recorrente. O primeiro oriundo do Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro, que suspendeu os efeitos da rejeição das contas da candidata. O segundo (decorrente do primeiro) proveniente desta Corte Superior, por meio do qual foi deferido, em caráter liminar, o pedido de registro. 11. O entendimento que considera a data da diplomação como sendo o termo final para a admissão de fato superveniente que repercuta na elegibilidade foi construído tendo por base a segurança jurídica intrínseca ao processo eleitoral e, por óbvio, também a boa-fé do candidato que se socorre do Poder Judiciário para corrigir eventual equívoco em situação atrativa de causa de inelegibilidade. A contrario sensu, o candidato que, com evidente má-fé, busca provimento liminar suspensivo de hipótese de inelegibilidade anteriormente negado pelo Juízo competente, não se encontra albergado pelo referido entendimento. 12. As singularidades do caso denotam a necessidade de compatibilização do entendimento segundo o qual a posterior revogação da tutela de urgência pelo Juízo que a concedeu implica na necessária restauração do status quo anterior à concessão da medida não apenas com o princípio da segurança jurídica – corolário da estabilidade do exercício do mandato e da continuidade administrativa –, como também com aqueles que dizem respeito à probidade administrativa, à moralidade para o exercício do mandato e à normalidade e legitimidade das eleições. 182 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Da fraude processual na obtenção da tutela de urgência que fundamentou o deferimento liminar do registro de candidatura 13. Da análise dos elementos informativos constantes do feito, constata-se que a candidata sabia que o Juízo primevo – competente para apreciar o caso – havia indeferido a pretensão cautelar por ela formulada, que, posteriormente, foi novamente deduzida pelo Município de Carapebus/RJ, por ela chefiado, em Juízo diverso, que – primo ictu oculi – nem sequer teria competência para apreciar o feito. A omissão de tal informação, sem dúvida, teve o condão de induzir o Juízo prolator da segunda decisão a erro, mormente porque o órgão recursal a quem estavam vinculados ambos os Juízos – no caso, o TJ/RJ – já havia se manifestado sobre os fatos novamente levados à apreciação do mesmo Poder Judiciário do Rio de Janeiro. 14. A pretendida suspensão dos efeitos da rejeição das contas da ora recorrente, por já ter sido anteriormente apreciada – e negada – pelo Poder Judiciário do Rio de Janeiro, denotou, conforme consignado pelo TJ/RJ, odiosa tentativa de manipulação da prestação jurisdicional levada a efeito pela Prefeitura de Carapebus/RJ com o fim de beneficiar a então chefe do Poder Executivo local, haja vista os reflexos na análise de seu registro de candidatura relativo ao pleito de 2020, em que veio a lograr êxito na reeleição. 15. O art. 142 do CPC impõe ao Juízo o dever de prolatar decisão que impeça a parte beneficiária de alcançar o fim por ela visado com a prática de execrável conduta contrária aos princípios da boa-fé e da cooperação processuais. Assim, convencendo-se de que a parte, sabidamente, serviu-se de processo judicial para driblar a legítima incidência da causa de inelegibilidade que existia – e existe – em seu desfavor, é de rigor que esta Corte Superior impeça a manutenção de situação flagrantemente contrária ao ordenamento jurídico pátrio, com reflexos diretos na análise de requerimento de registro de candidatura. 16. Casos como o dos presentes autos, em que o provimento precário da Justiça comum surge – curiosamente – no derradeiro prazo fatal da diplomação, vigora por lapso temporal extremamente exíguo e ostenta grave alegação de fraude processual – alardeada pelo Juízo recursal da medida liminar – demandam especial consideração pelo julgador, a fim de que a prestação jurisdicional reflita, verdadeiramente, os valores, as regras e os princípios que norteiam o processo eleitoral como um todo, de modo a evitar a ocorrência de indesejável casuísmo e o exercício de cargo eletivo por quem, incontroversamente, ostenta a pecha de inelegibilidade incapacitante para a disputa eleitoral em curso, a exemplo do candidato que concorre sub judice e que, em razão de fato superveniente dotado das peculiaridades retrocitadas, tem 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 183

assegurado o exercício do cargo público em sua inteireza, mesmo que restaurada a inelegibilidade. 17. O contexto fático-jurídico revela que o deferimento do registro de candidatura por meio da concessão da tutela de urgência pleiteada no apelo nobre constituiu verdadeira salvaguarda do microssistema de inelegibilidades, cuja finalidade precípua é, conforme a orientação constitucional insculpida no § 9º do art. 14, proteger “[...] a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições [...]”. Da insubsistência dos efeitos da tutela de urgência por meio da qual foi deferido o RRC da recorrente 18. Ante as características de provisoriedade e de mutabilidade das tutelas provisórias de urgência e devido à peculiaridades do caso, notadamente (a) a cronologia dos atos jurisdicionais praticados pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro e pelo TJ/RJ – de reduzidíssima vigência temporal e, coincidentemente ou não, na derradeira data fatal da diplomação – e (b) a clara tentativa da candidata de se valer de processo judicial para conseguir, por via transversa e em completo desvirtuamento da sistemática processual estabelecida, o afastamento da causa de inelegibilidade que fundamentou o indeferimento de seu RRC nas instâncias ordinárias, impõe-se a cassação dos efeitos da decisão que, em âmbito de tutela de urgência, deferiu, em caráter liminar, o pedido de registro de candidatura da recorrente, cujos efeitos são naturalmente ex tunc. 19. Cogitar a impossibilidade de que seja reconhecida a insubsistência dos efeitos de tutela de urgência concedida com base em decisão judicial que vigorou por exíguo lapso temporal e em relação à qual o respectivo órgão recursal competente assentou a ocorrência de fraude processual significaria, na minha intelecção, com todas as vênias a quem pense de modo diverso, subverter as regras não apenas do sistema de inelegibilidade vigente, mas também do diploma processual civil aplicável, na medida em que o resultado seria a estabilização de uma decisão essencialmente provisória, proferida mediante juízo de cognição precária, em um contexto fático-jurídico diametralmente oposto ao do momento em que julgado o mérito da demanda. 20. O contexto fático-jurídico do caso impõe que a extinção dos efeitos da tutela de urgência, anteriormente deferida, tenha por consequência a restauração do status quo anterior à concessão da medida. Da análise meritória do registro de candidatura 21. Tendo sido restaurado o patrimônio jurídico da candidata existente no momento imediatamente anterior à concessão do provimento de 184 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

urgência que lhe beneficiou – ante a extinção ex tunc de seus efeitos –, é de rigor considerar, na análise definitiva do registro de candidatura, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade presentes no momento da formalização do RRC, conforme estabelece o § 10 do art. 11 da Lei nº 9.504/1997. 22. Afigura-se viável ao Juízo eleitoral, na análise da incidência dos requisitos do art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, “[...] debruçar-se sobre a presença desses pressupostos à luz das premissas fáticas constantes da moldura do título proferido pelo Órgão Legislativo ou pela Corte de Contas que fundamenta a impugnação de registro [...], notadamente quando o acórdão de rejeição de contas ou o decreto legislativo forem omissos com relação a tais pontos ou os examinarem de forma açodada, sem perquirir as particularidades das circunstâncias de fato” (REspe nº 260-11/SP, rel. Min. Luiz Fux, PSESS de 30.11.2016). 23. Sendo certo que a conclusão do acórdão regional pela incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990 decorreu da análise do mesmo substrato fático que balizou a sentença zonal, não há falar em agravamento da situação da recorrente por ter o aresto destacado outras irregularidades nas contas rejeitadas, na medida em que, em ambas as decisões, o reconhecimento da inelegibilidade se deu em virtude da mesma rejeição de contas, não tendo havido excesso algum quanto à extensão e à profundidade do efeito devolutivo do recurso eleitoral interposto contra a sentença que indeferiu o seu registro de candidatura. Precedentes. 24. A recorrente, enquanto prefeita do Município de Carapebus/RJ, teve suas contas relativas ao exercício de 2017 desaprovadas pela Câmara Municipal, em 25.6.2020, ocasião em que foi acolhido o parecer prévio do TCE/RJ, no qual constaram as seguintes irregularidades: (a) abertura de crédito suplementar com inobservância ao disposto no art. 167, V, da CF; (b) extrapolação do limite de gastos com pessoal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal; (c) recolhimento parcial de contribuições previdenciárias devidas ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e ao Regime Geral de Previdência Social (GPS); (d) ausência de comprovação da regularidade/finalidade de despesas adimplidas com recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb); e (e) vedado pagamento de despesas com pessoal com recursos oriundos de royalties da exploração de petróleo. Tais irregularidades configuram vícios insanáveis caracterizadores de ato doloso de improbidade administrativa. 25. Para demonstrar o correto enquadramento de cada uma das condutas irregulares que constaram do acórdão recorrido como ato doloso de improbidade administrativa, o Tribunal regional fundamentou sua 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 185

conclusão em julgados desta Corte Superior que representam a vigente jurisprudência acerca da matéria. Aplicação do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE. 26. A Resolução nº 002/2021, editada pela Câmara Municipal de Carapebus/RJ com o fim de revogar a anterior deliberação daquele órgão legislativo pela rejeição das contas da recorrente, é imprestável para, no caso, afastar os reflexos eleitorais da deliberação primeva, seja porque não há conteúdo algum que possa indicar ter havido violação ao devido processo legal ou às garantias constitucionais incidentes sobre os atos e procedimentos que culminaram na rejeição das contas, materializada pela Resolução nº 004/2020, seja porque votada em sessão extraordinária ocorrida em 2.2.2021, após, portanto, a data da diplomação. Precedentes. Conclusão 27. Não subsistem os efeitos da tutela de urgência. Recurso especial a que se nega provimento, com as seguintes determinações: (a) nova eleição para o cargo de prefeito do Município de Carapebus/RJ; (b) exercício, em caráter provisório, pelo presidente da Câmara de Vereadores do município, do cargo de prefeito da referida localidade até ultimada a diplomação daquele que lograr êxito na futura eleição suplementar; (c) encaminhamento de cópia integral dos autos digitais ao Conselho Seccional da OAB/RJ e à Corregedoria do TJ/RJ, a fim de que procedam como entenderem de direito, tendo em vista a afirmação do desembargador Celso Silva Filho, do TJ/RJ, nos autos do AI nº 0297423-70.2020.8.19.0001/RJ, de que “[...] houve tentativa de fraude processual, com o objetivo de obtenção de decisão judicial que pudesse suspender a inelegibilidade da Prefeita Christiane Cordeiro [...]” (ID 67614738, fl. 4). RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES: Senhor Presidente, trata-se do Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro ao cargo de prefeito do Município de Carapebus/RJ nas eleições de 2020. O Ministério Público Eleitoral  apresentou ação de impugnação ao referido requerimento, sob o argumento de que as contas de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro relativas ao exercício financeiro de 2017 do referido município – período em que ocupou a chefia do Poder Executivo local – foram rejeitadas pela Câmara de Vereadores de Carapebus/RJ com esteio no parecer prévio exarado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. 186 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

O Juízo da 255ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, que abrange aquela municipalidade, julgou procedente o pedido de impugnação e indeferiu o RRC de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro, em razão da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro negou provimento ao recurso eleitoral interposto pela candidata nos termos da seguinte ementa (ID 65886088): ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO.  INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, “G”, DA LC 64/90. CARACTERIZAÇÃO. INDEFERIMENTO DO REGISTRO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Não há litisconsórcio passivo necessário na ação de impugnação ao registro de candidatura, seja entre os postulantes aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, seja entre qualquer [sic] destes e o respectivo partido ou coligação. Súmula nº 39 do TSE. 2. Mérito. Incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da LC nº 64/90. Contas relativas ao cargo de Prefeita [sic] desaprovadas pela Câmara Municipal em razão de irregularidades e impropriedades apontadas no parecer prévio do Tribunal de Contas. 3. A existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa é aferida pela Justiça Eleitoral, com base nos motivos que levaram à desaprovação das contas. Não cabe ao Poder Legislativo decidir a esse respeito, sendo natural, portanto, que tal questão não seja apreciada no julgamento das contas pela Câmara Municipal. 4. De acordo com a jurisprudência desta Justiça especializada, a abertura de crédito suplementar com inobservância ao disposto no art. 167, V, da Constituição da República, o desrespeito aos comandos contidos na Lei de Responsabilidade Fiscal e o não recolhimento de contribuições previdenciárias constituem vícios insanáveis que caracterizam atos dolosos de improbidade administrativa. 5. A realização de despesas vedadas pelo art. 8º da Lei 7.990/89 configura, igualmente, desrespeito ao princípio da legalidade, enquadrando-se, assim, no disposto no art. 11 da Lei 8.429/92. 6. Não cabe à Justiça Eleitoral analisar o acerto ou desacerto das decisões dos órgãos competentes para apreciar as contas. Súmula nº 41 do TSE. 7. DESPROVIMENTO do recurso. Foram opostos embargos de declaração (ID 65886388), os quais foram rejeitados (ID 65886738). Dessa decisão Christiane Miranda de Andrade Cordeiro interpôs o presente recurso especial, com pedido de concessão de tutela de urgência, a fim de atribuir efeito suspensivo ativo ao apelo nobre, alegando, em suma, vícios de fundamentação 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 187

no acórdão recorrido, bem como a inexistência da presença cumulativa dos requisitos essenciais para a incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990. (ID 65887038). Nele, argumenta a recorrente que o acórdão regional violou os arts. 275 do Código Eleitoral; 1.022 e 489, § 1º, IV e VI, do Código de Processo Civil; e 93, IX, da Constituição Federal, sob a alegação de que o TRE/RJ não supriu os vícios apontados nos aclaratórios opostos contra o referido acórdão relativos à (a) obscuridade na indicação das condutas que foram consideradas como configuradoras da inelegibilidade e às (b) omissões quanto às matérias alusivas à inexigibilidade de conduta diversa, que excluiriam o dolo e a violação do art. 71, I, c/c o art. 31, caput, §§ 1º e 2º, da CF. No ponto, suscita a aplicação do art. 1.025 do CPC, a fim de que esta Corte Superior proceda à análise das referidas matérias, “[...] independentemente de pronunciamento expresso do TRE/RJ [...]” (65887038, fl. 9). Especificamente quanto à alegada afronta ao art. 71, I, c/c o art. 31, caput, §§ 1º e 2º, da CF, aduz que a Corte regional, para concluir pela existência dos requisitos da causa de inelegibilidade em comento, norteou-se no parecer exarado pelo TCE/RJ, e não no teor da decisão de rejeição prolatada pela Câmara de Vereadores de Carapebus/RJ. Argumenta que (ID 65887038, fl. 11): Sendo a competência exclusiva da Câmara de Vereadores para julgar as contas, consequentemente, apenas do julgamento da Câmara poderia se extrair as irregularidades que pudessem configurar causa de inelegibilidade, sob pena de violação da separação de poderes. Ao pontuar que a leitura da ata da sessão de julgamento da Câmara de Vereadores que rejeitou as suas contas “[...] permite concluir que não houve qualquer debate acerca das contas da prefeita, mas tão somente votos favoráveis ou contrários ao parecer do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro” (ID 65887038, fl. 13), defende que (ID 65887038, fl. 15): [...] não se insere na competência da Justiça eleitoral afirmar a existência, em concreto, de ato doloso de improbidade administrativa, sob pena de invadir a competência do órgão técnico e/ou do Juízo natural da Ação de Improbidade. No ponto, afirma que o TRE/RJ descumpriu o disposto no art. 489, VI, do CPC, na medida em que não demonstrou, fundamentadamente, a distinção entre os casos ou a superação do entendimento. Alega violação aos arts. 5º, LIV e LV, da CF e 1.013 do CPC, sob o argumento de que, embora a sentença zonal tenha utilizado como fundamento para indeferir seu RRC as irregularidades atinentes à abertura de créditos adicionais e ao remanejamento de royalties, o TRE/RJ teria reconhecido outras irregularidades não constantes, textualmente, da decisão de primeiro grau, o que caracteriza, no seu entender, reformatio in pejus, haja vista que houve recurso apenas da defesa. 188 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Aduz que o acórdão regional afrontou a alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, sob os argumentos de que inexistiu conduta dolosa nas irregularidades analisadas e de que a suscitada tese de ausência de dolo pela inexigibilidade de conduta diversa foi afastada “[...] de maneira absolutamente genérica [...]” (ID 65887038, fl. 16). Especificamente em relação às irregularidades consistentes na abertura de crédito suplementar com inobservância ao disposto no art. 167, V, da CF, no desrespeito aos comandos da Lei de Responsabilidade Fiscal e na ausência de não recolhimento de contribuições previdenciárias, defende que, “[...] no caso dos autos, não há como reconhecer se extrair das irregularidades apontadas postura da qual se presuma desonestidade ou intenção em causar dano ao erário” (ID 65887038, fl. 28), sendo indevida a classificação de tais condutas como ato doloso de improbidade administrativa. Ao final, requer a concessão da tutela de urgência, a fim de atribuir efeito suspensivo ativo ao apelo nobre, para que “[...] sejam suspensos os efeitos da decisão recorrida e concedido efeito ativo para deferir a candidatura e determinar a diplomação e posse [...] no cargo de prefeita [sic] de Carapebus” (ID 65887038, fl. 35). No mérito, pleiteia o conhecimento e o provimento do recurso especial a fim que, reformando-se o acórdão regional, seja deferido o RRC. A Procuradoria Regional Eleitoral apresentou contrarrazões (ID 65887238). Os autos chegaram neste gabinete em 18.12.2020, mesma data em que a recorrente juntou ao feito petição na qual informou que o [...] Exmo. Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro [...] suspendeu os efeitos da Resolução n.º 04 editada pela Câmara Municipal de Carapebus, que aprovou o parecer contrário a [sic] aprovação das de gestão [sic] do ano de 2017, ID 17100709, processo 216792-4 do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro da requerente, configurando alteração fática superveniente ao registro capaz de afastar a causa de inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997 [...]. (ID 66091588, fl. 1 – grifos acrescidos) Diante disso, também em 18.12.2020, concedi “[...] a tutela de urgência, em caráter liminar, para deferir o pedido de registro de candidatura de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro [...]” (ID 66164138), ocasião em que determinei a imediata comunicação da decisão ao TRE/RJ e ao Juízo da 255ª Zona Eleitoral, a fim de que assegurassem a diplomação da ora recorrente, que aconteceria naquela data fatal. Em 21.12.2020, a Câmara de Vereadores de Carapebus/RJ protocolou petição (ID 67614688), em que noticiou que não mais subsistia o provimento jurisdicional por meio do qual havia sido determinada a suspensão liminar da decisão daquela Casa Legislativa que rejeitou as contas da candidata – fundamento da concessão da tutela de urgência pleiteada no apelo nobre –, em virtude de novel decisão, prolatada em 19.12.2020 – ou seja, no dia seguinte –, de lavra do  desembargador Celso Silva Filho, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro –, que, ao tempo em que suspendeu a eficácia daquele decisum, consignou que (ID 67614738, fl. 4): 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 189

[...]  houve  tentativa de fraude processual, com o objetivo de obtenção de decisão judicial que pudesse suspender a inelegibilidade da Prefeita Christiane Cordeiro, tendo em vista a existência de demanda anteriormente em curso, com integral identidade de pedido e de causa de pedir, em que já houve a apreciação e o sucessivo indeferimento do pedido de concessão da tutela provisória de urgência, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus. (grifos acrescidos) Também em 21.12.2020, o Juízo da 255ª Zona Eleitoral informou a este Tribunal Superior que “[...] foi dado cumprimento no próprio dia 18/12/2020, à r. decisão liminar [...], que deferiu o registro de candidatura da recorrente e determinou a diplomação imediata da Prefeita eleita de Carapebus/RJ” (ID 67692088). A Procuradoria-Geral Eleitoral exarou parecer assim ementado (ID 98139238): ELEIÇÕES 2020. PREFEITA. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. REGISTRO DEFERIDO LIMINARMENTE. TUTELA DE URGÊNCIA. FRAUDE PROCESSUAL. CIRCUNSTÂNCIA RECONHECIDA PELA JUSTIÇA COMUM. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, “G”, DA LC Nº 64/90. ABERTURA DE CRÉDITO SUPLEMENTAR EM VIOLAÇÃO AO ART. 167, V, DA CONSTITUIÇÃO. SAÍDA DE RECURSOS DA CONTA DO FUNDEB SEM A DEVIDA COMPROVAÇÃO. DOLO GENÉRICO. NÃO OBSERVÂNCIA DO TETO DE GASTOS COM PESSOAL POR PELO MENOS CINCO QUADRIMESTRES CONSECUTIVOS. DOLO ESPECÍFICO. VÍCIO INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE. SÚMULA Nº 30?TSE [sic]. - Parecer pelo conhecimento parcial do recurso especial e, nesta extensão, pelo seu desprovimento. Em 2.2.2021, a Câmara de Vereadores de Carapebus/RJ protocolou petição na qual informou que (ID 98557738): [...] foi promulgada a Resolução nº 002/2021, revogando a Resolução nº 004 de 26/06/2020, anulando os atos e procedimentos adotados, inclusive o parecer favorável ao Parecer Prévio Contrário, Determinação, Recomendação e expedição de ofício ao TCE/RJ, opinando pela Reprovação das Contas da Administração Financeira Exercício Financeiro de 2017 de responsabilidade da Sra. Christiane Miranda de Andrade Cordeiro – Processo TCE/RJ nº 216.792-4/18 e Processo CMC nº 683 de 07/11/2019. Na ocasião, foi anexado o teor da referida Resolução nº 002/2021 (ID 98569138). Em 4.2.2021, Bernard Tavares Didimo, segundo colocado no pleito majoritário em 190 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

debate, requereu o seu ingresso como assistente simples, sob o argumento de que, no caso, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral de que inexiste interesse jurídico do segundo colocado nas eleições majoritárias, [...] pode e deve ser mitigado em cenário de manifesta excepcionalidade, exsurgido a partir de gravíssimas intercorrências supervenientes ao pleito eleitoral, a exemplo de fraudes, crimes, violações éticas, ilegalidades ou imoralidades administrativas estrategicamente elaborados, pelo candidato interessado, para interferir artificialmente na prestação jurisdicional, mediante o induzimento do Colegiado Julgador a erro. (ID 99066838, fl. 2) Em 25.2.2021, Christiane Miranda de Andrade Cordeiro noticiou que “[...] a Câmara de Vereadores de Carapebus revogou a resolução que havia decidido pela rejeição das contas, tornando, portanto, absolutamente inexistente qualquer óbice ao registro” (ID 110388388, fl. 1). Diante disso, requereu “[...] a confirmação do provimento liminar e deferimento definitivo do registro de candidatura, ante à absoluta inexistencia [sic] de qualquer ato capaz de obstar a candidatura” (ID 110388388, fl. 3). Na sessão por meio eletrônico de 26.2 a 4.3.2021, foi referendada a decisão, de minha relatoria, que concedeu, em caráter liminar, a tutela de urgência para deferir o pedido de registro de candidatura da recorrente. O acórdão ficou assim ementado (ID 110610338): ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. CARGO DE PREFEITO. CANDIDATA ELEITA. RRC INDEFERIDO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.  CAUSA DE INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/1990. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO LIMINAR DA JUSTIÇA COMUM QUE SUSPENDEU OS EFEITOS DA RESOLUÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL NA QUAL FORAM DESAPROVADAS AS CONTAS DA CANDIDATA, ÚNICO FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO REGIONAL PARA MANTER O INDEFERIMENTO DO RRC. DIPLOMAÇÃO IMINENTE. REQUISITOS DA PROBABILIDADE DO DIREITO E DO PERIGO DA DEMORA EXISTENTES À ÉPOCA DA APRECIAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA. DECISÃO REFERENDADA. 1. No caso, a Corte regional manteve o indeferimento do pedido de registo de candidatura da recorrente, ante a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. No mesmo dia em que o recurso especial, com pedido de tutela de urgência, foi distribuído no TSE –  18.12.2020  –, sobreveio decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, por meio da qual foi concedida “[...] tutela de urgência em caráter antecedente para SUSPENDER os efeitos da Resolução 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 191

nº 004/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus” (ID 66081188), expediente que materializou a deliberação daquela Casa Legislativa pela rejeição das contas da candidata, único fundamento pelo qual o TRE/RJ manteve a sentença que indeferiu o RRC. 2. Ainda em 18.12.2020, ante a iminente diplomação, marcada para aquela data e o disposto no art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997, foi concedida, em caráter liminar, tutela de urgência “[...] para deferir o pedido de registro de candidatura de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro [...]” (ID 66164138), tendo sido determinada a imediata comunicação da decisão ao TRE/RJ e ao Juízo zonal, com vistas à adoção de medidas para que se providenciasse a diplomação da candidata, que, em tese, ocorreria naquela data.  3. Em 21.12.2020, a Câmara Municipal de Carapebus/RJ protocolou petição em que noticiou que não mais subsiste o provimento jurisdicional por meio do qual, em caráter liminar, havia sido determinada a suspensão da decisão daquela Casa Legislativa que rejeitou as contas da candidata, em virtude de novel decisão, prolatada em 19.12.2020 – de lavra do desembargador Celso Silva Filho do TJ/RJ –, que suspendeu a eficácia daquele decisum, sob o argumento de que “[...] houve tentativa de fraude processual, com o objetivo de obtenção de decisão judicial que pudesse suspender a inelegibilidade da Prefeita Christiane Cordeiro, tendo em vista a existência de demanda anteriormente em curso, com integral identidade de pedido e de causa de pedir, em que já houve a apreciação e o sucessivo indeferimento do pedido de concessão da tutela provisória de urgência, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus” (ID 67614738, fl. 4). 4. A despeito da existência de relevante fato superveniente surgido no dia seguinte à obtenção do provimento liminar – único substrato jurídico que fundamentou a decisão objeto do referendo –, o art. 3º da Res.-TSE nº 23.598/2019 impõe seja a decisão concessiva de tutela provisória, de natureza cautelar ou antecipada, submetida a referendo do Plenário – no entanto, é silente a resolução a respeito de eventuais intercorrências, fáticas ou jurídicas, que, porventura, surjam entre a decisão e a efetiva inclusão na sessão de julgamento por meio eletrônico.  5. Decisão referendada, com o registro de que a apreciação do mérito recursal ocorrerá em julgamento específico. (grifos no original) Em 23.4.2021, a fim de dar cumprimento ao disposto no art. 10 do CPC, foi exarado despacho com vistas à intimação da recorrente para que se manifestasse acerca dos 192 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

elementos informativos juntados ao feito pela Câmara de Vereadores de Carapebus/ RJ em 21.12.2020 e 2.2.2021, relativos, respectivamente, à desconstituição, pelo TJ/RJ, da decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro e à promulgação de nova resolução pelo referido órgão legislativo municipal, que teria revogado o expediente normativo que materializou a deliberação pela rejeição das contas da recorrente (ID 131746088). Em resposta, Christiane Miranda de Andrade Cordeiro manifestou “[...] repúdio à qualquer insinuação de fraude processual, já que descabida e resultado de evidente desconsideração dos direitos fundamentais de acesso ao Judiciário e ampla defesa”, ocasião em que argumentou que a “[...] realidade fática por si só já impõe a confirmação da tutela e deferimento definitivo da candidatura [...]” (ID 133114138, fls. 1-2). Além disso, ratificou que (ID 133114138, fl. 1): Todos os fatos e fundamentos utilizados [...] para obtenção da liminar e deferimento do registro são verdadeiros. De fato, naquela data (do requerimento da liminar no presente RCAND) a decisão de rejeição das contas estava suspensa por liminar obtida pelo Município de Carapebus. Mesmo tal liminar tendo sido posteriormente cassada (ids. 67614688 e 67614738), a Câmara Municipal revogou o ato (ids.98557738, 98568538 e 98569138), confirmando a ausência de óbice ao deferimento da candidatura. Defendeu que, [...] em razão da Câmara Municipal ter votado nova resolução, a citada ação da 1ª Vara de Fazenda Pública da Capital teve sentença extintiva por perda de objeto, ID 110388588, bem como o agravo da decisão que buscava cassar a liminar concedida tambem [sic] perdeu o objeto, decisão em anexo, razão pela qual o registro de candidatura dever ser deferido em definitivo. (ID 133114138, fl. 7) Ao final, além de se posicionar contra o “[...] indeferimento do pedido de habilitação como assistente formulado por Bernard Tavares Didimo [...]”, requereu, com base no argumento de que a data da diplomação é o termo final para que ocorra alteração fática capaz de causar efeitos no processo de registro de candidatura, fosse “[...] dado provimento definitivo ao recurso especial com procedência do pedido de registro de candidatura [...]” (ID 133114138, fl. 9). Em 4.5.2021, Bernard Tavares Didimo novamente peticionou nos autos digitais para trazer informações e colacionar documentação que, segundo argumentou, seriam relevantes para o deslinde do mérito da controvérsia apresentada no apelo nobre (ID 133189088). Em 22.6.2021, foram publicadas intimações acerca da inclusão do recurso especial na pauta da sessão de julgamento por videoconferência de 24.6.2021 (ID 139507088). 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 193

Contudo, diante da necessidade de melhor análise do caso, o feito foi retirado da referida pauta. Por meio da manifestação de ID 140238888, o MPE requereu a revogação liminar da decisão de ID 66164138 e o imediato afastamento da recorrente do exercício do cargo de prefeito do Município de Carapebus/RJ, bem como pleiteou a inclusão do feito em pauta de julgamento. Em 29.6.2021, foi prolatada decisão pelo indeferimento dos pedidos ministeriais (ID 140493488). Contra essa decisão, o MPE interpôs agravo interno, por meio do qual requereu fosse reconsiderada a decisão agravada, de modo a se revogar a tutela de urgência vigente, ou, subsidiariamente, fosse o recurso levado a julgamento pelo Plenário, “[...] a fim de que seja dado provimento ao presente agravo interno, para que seja revogada a decisão concessiva de tutela de urgência” (ID 141321438, fl. 8). É o relatório. QUESTÃO DE ORDEM Em 29.6.2021, foram indeferidos os pedidos do Ministério Público Eleitoral consistentes na revogação da tutela de urgência vigente e na imediata inclusão do feito em pauta de julgamento (ID 140493488). Contra essa decisão, o MPE interpôs agravo interno, por meio do qual requereu fosse reconsiderada a decisão agravada, de modo a se revogar a tutela de urgência vigente, ou, subsidiariamente, fosse o recurso levado a julgamento pelo Plenário, “[...] a fim de que seja dado provimento ao presente agravo interno, para que seja revogada a decisão concessiva de tutela de urgência” (ID 141321438, fl. 8). Em 3.8.2021, na véspera do início da sessão de julgamento do presente apelo nobre, o MPE formalizou pedido de desistência do referido agravo interno (ID 146076638). Esta Corte Superior entende que, “[...] uma vez iniciado o julgamento do caso em plenário, cabe ao colegiado deliberar sobre a homologação da desistência recursal” (QO-RO nº 2609-48/TO, relator designado Min. Og Fernandes, DJe de 21.2.2019). Em razão das particularidades do caso, vislumbro ser possível a homologação do pedido de desistência formulado pelo MPE, conforme autoriza o art. 998 do CPC. Cito o seguinte precedente desta Corte Superior: QUESTÃO DE ORDEM. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2010. REPRESENTAÇÃO. LEI N° 9.504/97. ART. 41-A. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PEDIDO DE DESISTÊNCIA FORMULADO DEPOIS DE INICIADO O JULGAMENTO. ART. 501 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. É facultado ao recorrente desistir do recurso a qualquer tempo, mesmo depois de iniciado o julgamento e interrompido em decorrência de pedido de vista. Precedentes. 194 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

[...] 3. Pedido de desistência homologado. (QO-RO nº 3300-20/DF, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 13.5.2014 – grifos acrescidos) Diante disso, é de rigor homologar o pedido de desistência recursal formulado pelo MPE. VOTO O recurso é tempestivo (art. 276, § 1º, do CE). O acórdão recorrido foi publicado na sessão de 10.12.2020, quinta-feira (ID 65886588), e o apelo nobre foi interposto em 12.12.2020, sábado (ID 65887038), em petição subscrita por advogado constituído nos autos digitais (ID 65864888). Desde já, indefiro o pedido de ingresso como assistente simples formulado por Bernard Tavares Didimo, segundo colocado no pleito majoritário em debate, e, por conseguinte, não conheço das respectivas alegações e documentos por ele trazidos ao feito. Isso porque a pacífica jurisprudência do TSE é no sentido de que, nessa condição, o interesse do pretenso assistente é meramente fático, e não o exigido interesse jurídico, haja vista que a “[...] eventual manutenção do indeferimento do registro do recorrente acarretará novo pleito por força do art. 224 do Código Eleitoral” (REspEl nº 0600758- 53/RJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS de 18.12.2020). Contexto fático-jurídico Conforme relatado, o Plenário do TSE, na sessão por meio eletrônico de 26.2 a 4.3.2021, referendou a decisão na qual concedi, em caráter liminar, a tutela de urgência pleiteada no presente recurso especial, para deferir o pedido de registro de candidatura da recorrente e, assim, assegurar-lhe a diplomação no cargo ao qual foi eleita (ID 117775688). Antes de adentrar na análise meritória do recurso especial, faz-se mister aferir a eficácia temporal e os reflexos dos efeitos da referida tutela de urgência no âmbito do presente requerimento de registro de candidatura, haja vista o disposto no art. 11, § 10, da Lei das Eleições, segundo o qual: As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.             Esta Corte Superior ratificou, para as eleições de 2020, o entendimento de que os fatos supervenientes que repercutam na elegibilidade do candidato podem ser apreciados inclusive em âmbito extraordinário, desde que até a diplomação. Cito o seguinte precedente: 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 195

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. FATO SUPERVENIENTE. ART. 11, § 10, DA LEI 9.504/97. SEDE EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. CONHECIMENTO. PROVIMENTO. 1. Na decisão monocrática, manteve-se indeferido o registro de candidatura do agravante, vencedor do pleito majoritário de Anita Garibaldi/SC nas Eleições 2020, haja vista a incidência da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90. 2. Após o decisum monocrático, o agravante noticiou que, em 27/11/2020, no bojo do AI 5042731-82.2020.8.24.0000, o TJ/SC suspendeu os efeitos do Decreto Legislativo da Câmara Municipal em que rejeitadas suas contas públicas, relativas ao cargo de prefeito, quanto ao exercício financeiro de 2018. 3. Consoante o art. 11, § 10, da Lei 9.504/97, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade. 4. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior firmada nas Eleições 2014, 2016 e 2018, os fatos supervenientes que repercutam na elegibilidade podem ser apreciados inclusive em sede extraordinária, desde que antes da diplomação. 5. O fato superveniente autoriza o deferimento do registro, pois a medida liminar favorável ao candidato foi concedida antes da data final para a diplomação dos eleitos, marcada para ocorrer em todo o País até o dia 18/12/2020, nos termos do disposto no art. 1º, V, da EC 107/2020. 6. Agravo interno provido a fim de deferir o registro de candidatura. (AgR-REspEl nº 0600127-51/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS de 14.12.2020 – grifos acrescidos) Esse foi o entendimento que subsidiou a concessão da tutela de urgência em debate. Confira-se (ID 66164138): Em 18.12.2020, hoje, a recorrente juntou ao feito petição com o seguinte teor (ID 66091588): CHRISTIANE MIRANDA DE ANDRADE CORDEIRO, vem respeitosamente diante de Vossa Excelência por seu advogado nos autos de seu pedido de registro de candidatura,  informar a concessão de liminar nos autos do processo nº 0281389-20.2020.8.19.0001, do Exmo. Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que 196 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

suspendeu os efeitos da Resolução n.º 04 editada pela Câmara Municipal de Carapebus, que aprovou o parecer contrário a aprovação das de gestão do ano de 2017, id 17100709, processo 216792-4 do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro da requerente, configurando alteração fática superveniente ao registro capaz de afastar a causa de inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997, conforme passa a expor: Noto que a decisão supra, devidamente acostada ao feito, suspendeu os efeitos da decisão da Câmara Municipal de Carapebus/RJ que rejeitou as contas que fundamentaram a impugnação manejada pelo MPE, sendo certo que esse foi o único fundamento pelo qual o TRE/RJ manteve a sentença o indeferiu o seu RRC. O fato se amolda aos ditames do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997. Afinal, trata-se de alteração jurídica superveniente ao pedido de registro de candidatura apta a afastar a inelegibilidade do recorrente, ocorrida ainda no prazo admitido pela jurisprudência deste Tribunal Superior, que é a data final para a diplomação dos eleitos. Confira-se: ELEIÇÕES 2018. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. ACÓRDÃO REGIONAL REFORMADO PELO TSE PARA INDEFERIR REGISTRO DE CANDIDATURA. CAUSA DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I,  l, LC Nº 64/1990.  FATO  SUPERVENIENTE  APTO A AFASTAR A CAUSA DE INELEGIBILIDADE. OBTENÇÃO DE LIMINAR NO TRF DA 5ª REGIÃO ANTES DO TERMO FINAL PARA A DIPLOMAÇÃO DOS ELEITOS. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS MODIFICATIVOS PARA DEFERIR O REGISTRO DE CANDIDATURA. [...] Conforme a jurisprudência desta Corte, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997, a data limite prevista no calendário eleitoral para a  diplomação  dos eleitos é o termo  ad quem para se conhecer de  fato  superveniente  ao registro de candidatura que restabeleça a condição de elegibilidade.  [...] (ED-ED-AgR-RO nº 0600687-93/SE, rel. Min. Og Fernandes, julgados em 26.3.2020, DJe de 29.4.2020) Assentada a plausibilidade do direito, anoto que o periculum in mora é evidente, uma vez que a candidata foi eleita. Caso permaneça com o registro indeferido, não poderá não ser diplomada no prazo legal. Destarte, verifica-se estarem presentes ambos os requisitos para a concessão da medida pleiteada. (grifos acrescidos) 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 197

Quanto ao tema, cabe ressaltar que o marco temporal para a admissão de fato superveniente que repercuta na elegibilidade – data da diplomação – constitui regra que, a depender das circunstâncias do caso, pode ser flexibilizada. No ponto, cito o ED- RO nº 0604175-29/SP, de relatoria do Ministro Admar Gonzaga (julgado em 19.3.2019, DJe de 6.5.2019), em que o Plenário desta Corte Superior, diante das singularidades presentes naquela hipótese, excepcionou o referido entendimento jurisprudencial para admitir fato superveniente ocorrido após o termo final da diplomação. Confira-se a elucidativa ementa: ELEIÇÕES 2018. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I,  L,  DA LEI COMPLEMENTAR 64/90. ACÓRDÃO EMBARGADO. INDEFERIMENTO DA CANDIDATURA. ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE. DECISÃO LIMINAR POSTERIOR À DATA FINAL DA DIPLOMAÇÃO. CONSIDERAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE DO CASO CONCRETO.  1. Em regra, a data final da diplomação é o termo derradeiro para se conhecer de alteração, fática ou jurídica, superveniente ao registro de candidatura que afaste inelegibilidade, a que se refere o art. 11, § 10, da Lei 9.504/97. Precedentes: REspe 150-56, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 21.6.2017; REspe 326-63, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 6.11.2018; AgR-REspe 170-16, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, red. para o acórdão Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 4.10.2018.  2. Evidenciam-se as seguintes circunstâncias no caso concreto que permitem se considerar a alteração superveniente advinda após o termo final para a diplomação, consistente na obtenção de decisão liminar em 30.1.2019, como apta ao afastamento da causa de inelegibilidade, em manifesta excepcionalidade à diretriz jurisprudencial desta Corte Superior:  i) o pedido de registro foi deferido na instância originária e o recurso ordinário somente teve julgamento concluído pelo Tribunal Superior Eleitoral em 19.12.2018, data final para a diplomação dos eleitos, momento em que houve a modificação da situação jurídica do candidato, com a reforma da decisão regional e o indeferimento do seu pedido de registro;  ii) um dia antes (18.12.2018), o candidato chegou a ser diplomado pelo Tribunal Regional Eleitoral, antes da conclusão do julgamento do pedido de registro na instância ordinária revisora.  Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para deferir o pedido de registro de candidatura.  Pedido de tutela de urgência deferido. (grifos acrescidos) 198 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Faço essa digressão porque o presente caso possui relevantes singularidades que o distinguem, não tenho dúvida, dos precedentes que formaram o entendimento relativo ao limite temporal que esta Corte Superior admite para o fim de consideração, no âmbito de registro de candidatura, de fato superveniente que repercuta na elegibilidade, os quais passo a analisar. Da natureza da decisão por meio da qual foi deferido o pedido de registro da recorrente com vistas a lhe assegurar a diplomação no cargo ao qual foi eleita Conforme relatado, tal providência foi levada a efeito por esta Corte Superior por meio da concessão, em caráter liminar, da tutela provisória de urgência pleiteada pela recorrente no presente recurso especial. Por pertinente, reproduzo o teor do referido decisum (ID 66164138): As tutelas de urgência, dadas em caráter preparatório ou incidental, dependem da presença concomitante de dois requisitos, quais sejam, a fumaça do bom direito, isto é, viabilidade processual e plausibilidade jurídica da pretensão deduzida de direito material, e a ocorrência de situação configuradora do perigo na demora. Conforme relatado, a requerente requer “[...] em sede de tutela de urgência, seja concedido efeito suspensivo ativo ao presente recurso especial”, a fim de que “[...] sejam suspensos os efeitos da decisão recorrida e concedido efeito ativo para deferir a candidatura e determinar a diplomação e posse da recorrente no cargo de prefeita de Carapebus (ID 65887038, fl. 35). [...] Ante o exposto, concedo a tutela de urgência, em caráter liminar, para deferir o pedido de registro de candidatura de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro e  determino  à Secretaria Judiciária deste Tribunal Superior a imediata comunicação desta decisão ao TRE/RJ e ao Juízo da 255ª Zona Eleitoral daquele estado, que abrange o Município de Carapebus, a fim de que proceda à diplomação e posse da recorrente no cargo de prefeito do Município de Carapebus/RJ. (grifos no original) É indene de dúvida, portanto, que a decisão que deferiu o pedido de registro da recorrente se qualifica como provimento de natureza cautelar, decorrente de um juízo prévio, sumário e perfunctório, o qual se destinou a assegurar, provisoriamente, a efetiva tutela do direito da candidata de ser diplomada ao cargo ao qual foi eleita. Insta esclarecer que, no momento da apreciação da tutela emergencial, encontrava- se indeferido o registro de candidatura da recorrente, circunstância que impedia, materialmente, a expedição do diploma por esta Justiça especializada, ato imprescindível para a posse e para o exercício no cargo. Isso porque o art. 16-A da Lei das Eleições estabelece que a validade dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice – hipótese em comento – é “[...] condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”.  3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 199

Assim, a Justiça Eleitoral somente está autorizada a expedir o diploma do candidato que logrou êxito na disputa eleitoral quando o respectivo registro se encontra deferido. A propósito, a Res.-TSE nº 23.611/2019, que dispõe sobre os atos gerais do processo eleitoral para as eleições de 2020, assim estabeleceu: Art. 220. Não poderá ser diplomado, nas eleições majoritárias ou proporcionais, o candidato que estiver com o registro indeferido, ainda que sub judice. Parágrafo único. Nas eleições majoritárias, na data da respectiva posse, se não houver candidato diplomado, caberá ao presidente do Poder Legislativo assumir e exercer o cargo até que sobrevenha decisão favorável no processo de registro ou haja nova eleição. (grifos acrescidos) Por sua vez, a Res.-TSE nº 23.609/2019, que dispõe sobre a escolha e o registro de candidato para as eleições, estabelece, em seu art. 51, § 1º, II, b, que a condição de sub judice do pedido de registro de candidatura cessa com a obtenção de decisão que “anule ou suspenda o ato ou decisão do qual derivou a causa de inelegibilidade” (grifos acrescidos). Conforme se extrai do multicitado decisum em que foi concedida a tutela de urgência pleiteada no apelo nobre, a hipótese de cessação da condição de sub judice se fez presente, razão pela qual foi deferido, em caráter liminar, o registro de candidatura de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro. Ou seja, diante da presença, à época, dos requisitos que habilitavam a concessão do provimento emergencial provisório, o único meio de assegurar a diplomação da recorrente – e, assim, de também assegurar-lhe a posse e o exercício do cargo – era o deferimento do seu pedido de registro, até porque, conforme o art. 297 do CPC, “[...] o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória” (grifos acrescidos). O diploma adjetivo civil expressamente reconhece a natureza provisória, reversível e mutável da decisão que aprecia as tutelas de urgência. Para tanto, confiram-se os seguintes dispositivos: Art. 296. A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada. Art. 298. Na decisão que conceder, negar, modificar ou revogar a tutela provisória, o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso. Art. 300. [...]. [...] § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. 200 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE


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