Important Announcement
PubHTML5 Scheduled Server Maintenance on (GMT) Sunday, June 26th, 2:00 am - 8:00 am.
PubHTML5 site will be inoperative during the times indicated!

Home Explore 3ªEdição da Revista de Jurisprudência do Copeje

3ªEdição da Revista de Jurisprudência do Copeje

Published by Thiago Álvares da S. Campos, 2021-11-25 16:40:24

Description: Homenagem ao Ministro Luís Roberto Barroso

Search

Read the Text Version

Art. 304. [...]. [...] § 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º. [...] § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo. Art. 310. O indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição. (grifos acrescidos) Sobre o tema, o insigne processualista Luiz Guilherme Marinoni elucida que: A declaração judicial somente é apta a receber a qualidade de coisa julgada material quando tem força suficiente para se tornar definitiva. Portanto, a declaração fundada em cognição sumária – típica à decisão cautelar – não é capaz de gerar coisa julgada material, até porque não objetiva produzir “definitividade”. Diante do pedido de tutela cautelar, o juiz decide com base em cognição sumária ou fundado na probabilidade do direito, sem que possa chegar a um juízo de “certeza” e, desta forma, “declarar” direito, o que é imprescindível para a formação da coisa julgada material. Ao julgar o pedido cautelar, o juiz “declara” que o direito é provável ou improvável. Porém, declarar uma probabilidade não é o mesmo do que declarar um direito. Aliás, declarar uma probabilidade é, implicitamente, confessar que o que foi afirmado como provável certamente pode ser dito em contrário – no mesmo ou em outro processo, pelo mesmo ou por outro juiz. Daí deflui com naturalidade a regra de que “o indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desse” (art. 310, CPC). Não há dúvida que a decisão que declara o provável não pode interferir sobre a discussão do mesmo direito em sede de cognição exauriente [...]. (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela de urgência e tutela da evidência: soluções processuais diante do tempo da justiça. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 136, grifos acrescidos) À luz do CPC, somente mediante cognição exauriente – materializada por meio de uma decisão de mérito – é que a matéria objeto de decisão de natureza provisória poderá ser definitivamente incorporada ao patrimônio jurídico do beneficiário. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 201

Não há dúvida, pois, que o Direito Processual Civil estabelece como características da tutela de urgência eventualmente concedida a provisoriedade, a reversibilidade e a mutabilidade da medida. No ponto, rememoro que a Res.-TSE nº 23.478/2016 – que disciplinou a aplicabilidade do CPC/2015 no âmbito da Justiça Eleitoral –, diante da previsão do art. 15 do novel diploma processual civil, estabeleceu a aplicação supletiva e subsidiária do CPC aos feitos eleitorais, desde que haja compatibilidade sistêmica. Diante desse arcabouço normativo, entendo penso que, também na seara eleitoral, a cognição exauriente deve ser levada a efeito por meio de uma decisão de mérito, que, ao final da marcha processual, confirmará, modificará ou revogará os efeitos de eventual anterior decisão de cunho provisório e urgente. Foi diante dessa compreensão que, ao votar pelo referendo da decisão concessiva, fiz constar, expressamente, “[...] que a apreciação do mérito recursal ocorrerá em julgamento específico” (ID 117775688) – no caso, o presente. Conquanto a aplicação das regras do processo civil comum a esta Justiça especializada demande especial consideração dos valores inerentes à segurança jurídica, à estabilidade para o exercício do mandato e à continuidade administrativa, certo é que a jurisprudência do TSE é pacífica quanto à aplicação dos dispositivos do CPC relativos à tutela provisória ao processo judicial eleitoral. No presente caso, a urgência e as peculiaridades do caso impuseram a necessidade de se deferir o registro de candidatura da recorrente por meio de provimento judicial de urgência (pleiteado no apelo nobre). O sistema processual eleitoral é dotado de princípios e regras que buscam resguardar a democracia e o legítimo exercício dos direitos políticos fundamentais, a probidade administrativa, a moralidade, bem como a normalidade e a legitimidade do pleito, tarefas que, não tenho dúvida, exigem juízo de cognição plena. Ao analisar a situação do candidato que concorre com o pedido de registro indeferido, o renomado eleitoralista José Jairo Gomes ensina que “[...] o candidato sub judice vitorioso no pleito, mas que teve seu pedido de registro inicialmente indeferido, assume o risco jurídico de não ser diplomado nem investido no mandato” e que, “para afastar esse risco, poderá o partido pleitear sua substituição em momento oportuno” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 917-918 – grifos acrescidos). Nesse contexto, vê-se que o presente caso demanda que esta Corte Superior harmonize o entendimento de que o provimento judicial de urgência traz para o beneficiado o risco jurídico relacionado à mutabilidade da medida (característica indissociável das tutelas provisórias) com o devido processo legal eleitoral, de modo a salvaguardar, de um lado, o limitado juízo de cognição sumária exercido pelo julgador na análise das medidas de urgência e, de outro, os valores inerentes à segurança jurídica – corolário da estabilidade do exercício do mandato e da continuidade administrativa. Fixadas essas premissas, da análise do contexto fático-jurídico devolvido a esta Corte Superior, noto que a ora recorrente – que se encontrava na condição de sub judice – 202 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

estava, por força de lei, consciente da precariedade e da revogabilidade tanto da decisão liminar proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro – que, de forma repentina e absolutamente efêmera, afastou, no prazo fatal da diplomação, a presença de requisito de causa de inelegibilidade até então incidente sobre a ora recorrente – quanto da decisão por meio da qual esta Corte Superior deferiu, em tutela de urgência, o seu registro de candidatura. Até porque, como visto, em decisões de natureza precária, o beneficiário da tutela provisória urgente assume – por sua conta e risco – a eventual supressão, manutenção ou cassação dos efeitos por ela gerados, cuja derradeira análise necessariamente irá ocorrer por ocasião do juízo de mérito do caso. Do contrário, atribuir-se-ia à decisão liminar, à margem da lei, o atributo da definitividade, que requer cognição exauriente e decisão meritória. Não à toa, o TSE considera ilegal decisão liminar que tenha o condão de antecipar o resultado prático do feito submetido ao específico rito do art. 22 da LC nº 64/1990, haja vista a subversão do devido processo legal eleitoral estabelecido. Confira-se, mutatis mutandis, o seguinte precedente: REFERENDO. CONCESSÃO. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. FRAUDE. COTA DE GÊNERO. SUSPENSÃO. DIPLOMAÇÃO. IMPROPRIEDADE. MANUTENÇÃO DO DECISUM. 1. Decisão monocrática em mandado de segurança, no curso do recesso forense, que se submete ao referendo do Plenário, por meio da qual o e. Presidente suspendeu os efeitos de liminares contra os ora impetrantes nas AIJEs 0600909-87 e 0600910-72 – que haviam sido mantidas por membro do TRE/SE no MS 0600502-84/SE – e determinou sua diplomação no cargo de vereador de Aracaju/SE. 2. Conhecimento excepcional do writ, pois a) os impetrantes foram mantidos fora dos respectivos cargos às vésperas do recesso forense; b) o caso é de manifesta ilegalidade. 3. Na linha da remansosa jurisprudência e da legislação eleitoral, é “manifestamente ilegal a decisão que, em ação eleitoral processada sob o rito do art. 22 da LC nº 64/90, antecipa o resultado prático do feito, com a negação imediata do diploma do candidato, antes mesmo da instrução processual” (MS 0601995-63/SE, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 25/6/2020). 4. Na hipótese, os dois impetrantes foram afastados durante o processamento ainda inicial de ações de investigação judicial eleitoral nas quais se apura suposta fraude na cota de gênero de candidaturas femininas. 5. Conforme se ressaltou no decisum que se submete a referendo, “os registros de candidatura dos impetrantes, que se encontravam deferidos, não foram objeto de cassação. [...] Como resultado, milita 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 203

em favor da diplomação dos candidatos a presunção de legitimidade do mandato obtido nas urnas, fruto da preferência manifestada pela soberania popular. Afastar essa presunção para impedir o eleito de ser diplomado é algo que não se coaduna com a natureza de uma tutela de urgência requerida e concedida em caráter liminar, por ocasião do ajuizamento da ação, com base em meros indícios de ato fraudulento que sequer foi imputado diretamente aos candidatos”. 6. Decisão que se submete a referendo nos termos e limites da fundamentação. (MSCiv nº 0602047-88/SE, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22.4.2021, DJe de 3.5.2021 – grifos acrescidos) Diante disso, a conclusão a que chego é a de que o deferimento do registro de candidatura da recorrente em âmbito de tutela provisória de urgência trouxe a ela – que concorreu sub judice – o risco jurídico próprio dessas decisões relativo à reversibilidade da medida, sendo certo que, na hipótese de posterior supressão integral dos efeitos concedidos cautelarmente, a consequência inexorável será a restauração do status quo anterior à concessão do provimento provisório de urgência, haja vista as disposições estabelecidas pelo CPC e o entendimento da abalizada doutrina sobre a temática. Ou seja, a eventual cassação da tutela provisória concedida terá o condão de extirpar, por completo, os efeitos por ela gerados, em nítido efeito ex tunc. Se assim não fosse, inviável seria a recomposição do status quo anterior à concessão da medida, o que resultaria na indevida conversão dos efeitos provisórios em definitivos, de modo a subverter o devido processo legal. Ademais, não se mostra plausível tornar imutável uma situação gerada por provimento judicial de natureza precária e urgente, que, não raro, perdura por tempo exíguo, tal como no presente caso, em que os efeitos da liminar que fundamentou a concessão da tutela de urgência foram cassados no dia seguinte à sua concessão. Com base nessa compreensão, certo é que a eficácia da suspensão cautelar da causa de inelegibilidade se encontra vinculada à posterior análise meritória da demanda na qual o provimento precário foi deferido, momento em que serão – ou não – mantidos os efeitos do decisum cautelar, orientação essa que deve se compatibilizar com os princípios e valores que norteiam o processo eleitoral. Da competência privativa e exclusiva do TSE para encerrar a condição de sub judice do RRC De início, cumpre observar que o entendimento que considera a data da diplomação como sendo o termo final para a admissão de fato superveniente que repercuta na elegibilidade foi construído tendo por base a segurança jurídica intrínseca ao processo eleitoral e, por óbvio, também a boa-fé do candidato que se socorre do Poder Judiciário para corrigir eventual equívoco em situação atrativa de causa de inelegibilidade. A contrario sensu, o candidato que, com evidente má-fé, busca provimento provimento liminar suspensivo de hipótese de inelegibilidade anteriormente negado 204 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

pelo Juízo competente não se encontra albergado pelo referido entendimento. Conforme relatado, a recorrente foi beneficiada com uma decisão liminar que suspendeu os efeitos de deliberação que culminou na rejeição de suas contas e, por conseguinte, perfectibilizou a causa de inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990. Portanto, no presente caso, de igual modo, o provimento que reverberou na causa de inelegibilidade da recorrente se originou de processo alheio ao RRC. Foi diante desse cenário que esta Corte Superior firmou a compreensão de que os fatos supervenientes que repercutam na elegibilidade do candidato possuem como marco final a data diplomação, a fim de prestigiar a estabilidade do exercício do mandato e, por conseguinte, a continuidade administrativa, de modo a evitar indesejáveis alternâncias na condução da máquina pública. Dito isso, cabe rememorar que o ordenamento jurídico conferiu a esta Corte Superior a competência para, em última instância – à exceção das questões passíveis de apreciação pelo STF –, chancelar os pedidos de registro de candidatura apresentados pelos candidatos em quaisquer dos pleitos, conforme prevê o art. 16-A da Lei nº 9.504/1997. No ponto, rememoro que o Plenário desta Corte Superior, em feito também referente ao pleito de 2020, assentou que a competência para deliberação dos comandos normativos previstos no art. 16-A da Lei nº 9.504/1997 é “[...] privativa e exclusiva do Tribunal Superior Eleitoral [...]” (PetCiv nº 0601747-29/AL, rel. Min. Edson Fachin, PSESS de 12.11.2020 – grifos acrescidos). Confira-se a respectiva ementa: ELEIÇÕES 2020. PETIÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA EM MANDADO DE SEGURANÇA QUE DECLINA COMPETÊNCIA DO TSE. INDICAÇÃO DE DECISÃO REGIONAL QUE PRIVA OS AUTORES DO ESPECTRO DE DIREITOS PROTEGIDO NO ART. 16-A, DA LEI DAS ELEIÇÕES. DECISÃO REGIONAL DE CARÁTER INTERLOCUTÓRIO. IRRECORRIBILIDADE. SÚMULA 31 DO TSE. CONHECIMENTO DA PETIÇÃO COMO RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL QUANTO À CESSAÇÃO DOS EFEITOS DO ART. 16–A, DA LEI Nº 9.504/97. SUSPENSÃO DOS EFEITOS ADMINISTRATIVOS DA DECISÃO JUDICIAL EM RAZÃO DA PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.  1. A irrecorribilidade da decisão regional não impede que, no caso concreto, seja aferida eventual usurpação da competência privativa do TSE.  2. A cessação dos efeitos do art. 16-A, da Lei das Eleições, é providência que somente se revela possível no exercício da competência do Tribunal Superior Eleitoral.  3. A inexistência de recurso cabível contra a decisão interlocutória, conforme óbice da Súmula 31 do TSE, aliada à detecção de usurpação da competência privativa deste Tribunal Superior Eleitoral e ao grave risco à participação política democrática permite a superação 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 205

do nominalismo processual e o conhecimento da petição cível como Reclamação.  4. Aferida, no caso concreto, a usurpação da competência deste Tribunal Superior Eleitoral pela decisão proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas, suspende-se os efeitos administrativos da decisão recorrida, obstando a retirada dos nomes dos reclamantes das urnas eletrônicas, preservando-se o espectro de direitos contido no art. 16-A, da Lei das Eleições. (grifos acrescidos) Diante desse arcabouço normativo e principiológico foi que esta Corte Superior, conforme relatado, acolheu o pedido cautelar formulado no presente recurso especial para deferir o RRC da recorrente, mormente pela evidenciação de graves danos que seriam gerados caso este órgão judicial não analisasse, de forma imediata, tal pedido, tendo em vista que os autos chegaram neste gabinete em 18.12.2020, data na qual a recorrente noticiou a obtenção de provimento liminar capaz de afastar a única causa de inelegibilidade que pendia em seu desfavor e, coincidentemente, prazo fatal para a diplomação dos candidatos eleitos nas eleições de 2020. Na espécie, portanto, houve dois provimentos de natureza cautelar que viabilizaram o deferimento do RRC da recorrente: o primeiro, oriundo do Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro – que suspendeu os efeitos da rejeição das contas da candidata – e o segundo (decorrente do primeiro), proveniente desta Corte Superior – por meio do qual foi deferido, em caráter liminar, o pedido de registro. Conforme já exposto, a decisão, de minha lavra, concessiva da tutela de urgência – posteriormente referendada pelo Plenário do TSE – foi motivada pelo fato de que, conforme o art. 220 da Res.-TSE nº 23.611/2019, “não poderá ser diplomado, nas eleições majoritárias ou proporcionais, o candidato que estiver com o registro indeferido, ainda que sub judice”. Tais circunstâncias, notadamente a competência privativa e exclusiva desta Corte Superior para deliberar sobre a cessação da condição de sub judice, além de reforçarem a singularidade do presente caso, denotam a necessidade de compatibilização do entendimento exposto no tópico anterior – segundo o qual a posterior revogação da tutela de urgência pelo Juízo que a concedeu implica na necessária restauração do status quo anterior à concessão da medida – não apenas com o princípio da segurança jurídica – corolário da estabilidade do exercício do mandato e da continuidade administrativa –, como também com aqueles que dizem respeito à probidade administrativa, à moralidade para exercício do mandato e à normalidade e legitimidade das eleições. Por relevante, convém ressaltar que o Plenário do TSE, por unanimidade, ao analisar o AgR-REspEl nº 0600216-41/BA (rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 13.5.2021, DJe de 28.5.2021) – cujo contexto fático-jurídico retratava a existência de decisão liminar suspensiva de causa de inelegibilidade, exarada em 14.12.2020 e anulada, pelo mesmo Juízo, no dia seguinte, 15.12.2020 –, concluiu que a tese do candidato de que “[...] não cabe à Justiça Eleitoral reconhecer fato superveniente, surgido após as eleições, que resultou em sua inelegibilidade, qual seja, a segunda decisão [...], a qual anulou a primeira, que 206 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

afastava a causa inelegibilidade” não prosperava para o fim de deferimento daquele registro de candidatura, tendo em vista que a revogação do decisum, no caso, operou efeito ex tunc. Faço menção ao referido e recente julgado porque, conforme bem detalhado pelo ilustre Ministro relator, Sérgio Banhos, o motivo pelo qual o Juízo prolator da decisão concessiva da tutela de urgência anulou a referida decisão decorreu da [...] existência de conexão entre aquele processo e o Agravo de Instrumento 8028106-20.2020.8.05.0000, no qual já havia sido proferida decisão judicial conflitante com a que restou anulada e tendo em vista que a causa de pedir e os pedidos em ambos os processos eram idênticos. (grifos acrescidos) Tal circunstância se assemelha ao caso em tela, haja vista que a cassação dos efeitos da liminar que teve o condão de, temporariamente, suspender a causa de inelegibilidade que até então incidia sobre a ora recorrente também decorreu da constatação da [...] existência de demanda anteriormente em curso, com integral identidade de pedido e de causa de pedir, em que já houve a apreciação e o sucessivo indeferimento do pedido de concessão da tutela provisória de urgência, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus. (ID 67614738 – grifos acrescidos) Inclusive, o TRE/RJ também consignou – tal como no AgR-REspEl nº 0600216-41/ BA – que o risco de dano que motivou a cassação da decisão liminar decorreu da “[...] existência de decisões conflitantes nos processos de n. 0281389-20.2020.8.19.0001 e de n. 0001100-29.2020.8.19.0084” (ID 67614738, grifos acrescidos). Outro ponto de semelhança com a hipótese dos autos é o fato de que, naquele feito, o provimento cautelar que afastou a causa de inelegibilidade após o pleito e antes da diplomação vigorou por período igualmente efêmero, tendo sido cassado também no dia imediatamente seguinte. Confira-se o seguinte trecho do acórdão prolatado no AgR- REspEl nº 0600216-41/BA: Eis os fundamentos da decisão agravada (ID 105442788): [...] José Aguinaldo dos Santos interpôs agravo interno em face da decisão do juiz relator que não conheceu dos embargos mencionados (ID 75615038), afirmando que não cabe à Justiça Eleitoral reconhecer fato superveniente, surgido após as eleições, que resultou em sua inelegibilidade, qual seja, a segunda decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento 8035776- 12. 2020.8.05.0000, a qual anulou a primeira, que afastava a causa inelegibilidade. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 207

[...] Quanto ao ponto, tenho como corretos os seguintes fundamentos do parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, que adoto como razão de decidir (ID 94998838): [...] Note-se que a segunda decisão proferida nos autos do agravo de instrumento nº 8035776-12.2020.8.05.0000 anulou a primeira, justamente em razão de ela ser contrária à decisão desfavorável aos recorrentes anteriormente proferida no agravo de instrumento nº 8028106-20.2020.8.05.0000. A relatora pontuou que a causa de pedir e os pedidos eram idênticos, modificando-se somente as partes. [...] O intento do recorrente, no entanto, foi frustrado no dia imediatamente seguinte, pois Desembargadora plantonista, nos autos do agravo de instrumento nº 8037108-14.2020.8.05.0000, revogou a decisão proferida no dia anterior. Na ocasião, consignou que: [...] Em resumo, verifica-se que o recorrente pretende que uma cautelar precária (com efêmera duração de 24 horas), que foi revogada pelo próprio juízo concessor – porque reconhecida conexão com feito anterior (no qual já havia decisão reconhecendo a legalidade dos aludidos processos administrativos) –, tenha efeito perene no tempo, inclusive para o fim de assegurar um registro de candidatura do qual o recorrente jamais obteve em nenhuma das instâncias da Justiça Eleitoral. (grifos acrescidos) Conforme visto, no presente feito, os efeitos da decisão liminar que suspendeu os da rejeição das contas da recorrente igualmente foram cassados no dia seguinte à sua concessão. Portanto, não raro, esta Corte Superior, diante de singularidades ímpares, afasta a compreensão acerca do termo final para a admissão de fato superveniente que repercuta na elegibilidade, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato e a normalidade e legitimidade do pleito, tal como determina o § 9º do art. 14 da CF. Diante desse contexto, entendo que a decisão concessiva da tutela de urgência por meio da qual o RRC da recorrente foi deferido, ao possibilitar que a análise meritória do pedido de registro de candidatura fosse perfectibilizada somente após a conclusão definitiva acerca da manutenção (ou não) dos efeitos da tutela provisória suspensiva da inelegibilidade, constituiu, no caso, verdadeira salvaguarda dos princípios que norteiam o processo eleitoral. 208 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Da fraude processual na obtenção da tutela de urgência que fundamentou o deferimento liminar do registro de candidatura A recorrente defende que a liminar que fundamentou o deferimento do seu registro de candidatura em âmbito de tutela de urgência “[...] por si só já impõe a confirmação da tutela e deferimento definitivo da candidatura [...]” (ID 133114138, fl. 2), tendo em vista que “[...] a orientação que alberga o afastamento da inelegibilidade por fato superveniente ocorrido antes da diplomação e após a interposição do recurso especial foi reafirmada para o pleito de 2020 [...]” (ID 133114138, fl. 6). Pois bem. Não desconheço o entendimento desta Corte Superior segundo o qual [...] os fatos supervenientes que afastem a inelegibilidade podem ser conhecidos desde que ocorridos até a data da diplomação (RO nº 96-71/GO, ReI. Min. Luciana Lóssio, PSESS de 23.11.2016). Por outro lado, só podem ser declaradas as inelegibilidades supervenientes se constituídas até a data da eleição (Súmula nº 47/TSE). [...] (AgR-REspe nº 326-63/SE, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 9.10.2018, DJe de 6.11.2018 – grifos acrescidos) Conforme relatado, a recorrente noticiou, em 18.12.2021, a obtenção de provimento cautelar, perante o Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro – exarado em 17.12.2020, às 19h:15 –, cuja determinação consistiu na suspensão dos efeitos da rejeição das contas que fundamentou o indeferimento de seu RRC pelas instâncias ordinárias. No entanto, tal decisão vigorou por reduzidíssimo lapso temporal, vindo a ser cassada já em 19.12.2021, ou seja, após o prazo fatal para a diplomação. Tal circunstância, analisada isoladamente, poderia ensejar a aplicação do entendimento supracolacionado acerca da impossibilidade de se considerar o fato superveniente para atrair causa da inelegibilidade quando surgido após o pleito. Contudo, além da temática referente à natureza provisória e mutável da tutela de urgência concedida por esta Corte Superior, outra peculiaridade de igual relevância é a presença, no caso, de graves elementos configuradores de fraude processual na obtenção da decisão liminar obstativa de causa de inelegibilidade regularmente constituída. Tais circunstâncias não devem ser desprezadas. Conforme relatado, a decisão, de minha relatoria, que concedeu a tutela de urgência pleiteada pela recorrente – exarada em 18.12.2020, termo final da diplomação –, fundou-se na superveniência de decisão liminar – proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro em 17.12.2020 e noticiada neste feito em 18.12.2020 – por meio da qual foram suspensos os efeitos da deliberação da Câmara de Vereadores de Carapebus/RJ que rejeitou as contas da recorrente, fundamento que lastreou as decisões da instância ordinária pelo indeferimento do RRC de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 209

No entanto, em 19.12.2020, o TJ/RJ cassou os efeitos da decisão liminar proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido expressamente consignado no referido decisum que a obtenção da decisão que afastou a causa de inelegibilidade de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro configurou fraude processual, na medida em que idêntica pretensão já havia sido indeferida em processo anterior cujo pedido e causa de pedir eram rigorosamente os mesmos. Confira-se o teor da decisão prolatada pelo desembargador do TJ/RJ Celso Silva Filho (ID 67614738): Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, em face de decisão interlocutória proferida em 17 de dezembro de 2020, por meio da qual o Juízo de primeiro grau deferiu a tutela provisória de urgência, nos seguintes termos: [...] Alega a agravante que o Município de Carapebus, a mando da Prefeita Christiane Cordeiro, repetiu na demanda originária os termos da ação 0001100-29.2020.8.19.0084, em trâmite perante a Vara única, da Comarca de Comarca [sic] de Carapebus/Quissamã, pela qual já houve o indeferimento da tutela provisória de urgência, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus. De fato, verifica-se que, nos autos do processo de n. 0001100- 29.2020.8.19.0084, já houve a apreciação e o indeferimento do pedido de tutela provisória de urgência, idêntico ao da demanda originária, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus, nos seguintes termos: “Cuida-se de pedido de tutela de urgência formulada por Christiane Miranda de Andrade Cordeiro em ação pelo procedimento comum em face da Câmara Municipal de Carapebus objetivando a suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela ré e, consequentemente, todos os efeitos dele decorrentes, notadamente a reprovação da prestação de contas da Administração Financeira exercício 2017. Alega a autora para tanto, em breve síntese, que é Prefeita do Município de Carapebus, eleita para exercer o mandato no quadriênio que se finda este ano, 2020. Nos idos de 2019, chegou à Câmara Municipal parecer do e. Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro contrário à aprovação das contas do Executivo municipal relativas ao exercício de 2017. No parecer foram listadas inconsistências de índole formal em sua maioria, sendo que a Casa Legislativa, ao processar o ocorrido, passou a cometer ilegalidades e transgredir o seu regimento interno. As ilegalidades são as seguintes: a) falta de leitura da íntegra do parecer do TCE/RJ, ao arrepio do art. 151 do RI; b) a Comissão de Finanças não realizou a oitiva da Prefeita e não colheu quaisquer outros 210 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

subsídios antes de reprovar as contas, sendo a notificação dirigida um mero convite, uma vez que não houve qualquer oportunidade de manifestação; c) a confecção do parecer e da proposta de Resolução pela Comissão de Finanças não foi precedida de reunião do colegiado, destinado a designar um dos seus membros para relatar a matéria como para discutir e deliberar sobre o tema, em ofensa ao art. 26 do Regimento Interno; d) infringência aos artigos 152, b e 153 do Regimento Interno; e) em processo de votação do parecer e do Projeto de Resolução, adotou-se o escrutínio secreto, em desobediência à jurisprudência do e. STF. Parecer do Ministério Público às fls. 369/375 opinando pelo indeferimento da tutela provisória de urgência. É o breve relatório. Decido. Como cediço, para a concessão de tutelas de urgência, exige-se o convencimento do juiz acerca da existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, bem como a demonstração do perigo de dano ou ao resultado útil do processo, nos exatos termos do art. 300 do CPC/15. No específico caso dos autos, não estão presentes os pressupostos para a concessão da tutela de urgência pleiteada. Da leitura dos autos, em um juízo sumário, verifica- se que a Câmara Municipal de Carapebus agiu de acordo com seu dever constitucional. O art. 31 da Constituição da República é textual em afirmar: ‘A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal na forma da lei. § 1.º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Conta dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver. § 2.º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.’ Registre-se que o parecer prévio a que se refere o § 2º do art. 31 da CRFB/88 é aquele emitido pelo Tribunal de Contas, conforme se vê observa [sic] da jurisprudência abaixo: Inconstitucionalidade de norma de Constituição estadual que dispensa apresentação de parecer prévio sobre as contas de chefe do Poder Executivo municipal a ser emitido pelo respectivo tribunal de contas estadual. [ADI 3.077, rel. min. Cármen Lúcia, j. 16-11-2016, P, DJE de 1º-8-2017.] Assim, uma vez emitido parecer pelo Tribunal de Contas, este só poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal. Confira-se a jurisprudência do E. STF: Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 211

o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores. [RE 848.826, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, j. 10-8-2016, P, DJE de 24-8-2017, Tema 835.] Verifica-se de [sic] fls. 274 que o Tribunal de Contas emitiu ‘parecer prévio contrário à aprovação das contas do governo do Município de Carapebus, relativas ao exercício de 2017, sob a responsabilidade da Prefeita, Sra, Christiane Miranda de Andrade Cordeiro, em face das irregularidades e impropriedades a seguir elencadas...' O supracitado parecer foi seguido pela Câmara dos Vereadores, sendo a norma constitucional devidamente atendida e, em um juízo sumário, sem oitiva da parte contrária e sem dilação probatória, é o que deve prevalecer, considerando o valor que informa a norma. Assim, alegações fáticas de necessidade de leitura na íntegra e interpretação do art. 151 do Regimento Interno, sua ocorrência ou não, notificação dirigida à prefeita insuficiente, sendo mero convite e necessidade de colheita de outros subsídios antes de reprovação das contas, falta de um colegiado para reprovação de contas, infringência aos artigos 152, b e 153 do Regimento Interno, adoção de escrutínio secreto em violação à jurisprudência do e. STF, ou seja, todas questões de ordem infraconstitucional, deverão ser comprovadas no curso da lide, após o devido processo legal e oitiva da parte contrária. Desta forma, impende reconhecer que, em uma análise perfunctória, o Poder Legislativo exerceu seu mister constitucional, só podendo ser restringido pelo Poder Judiciário após detida análise dos fatos, em respeito ao Princípio Constitucional da Separação dos Poderes. Por outro vértice, também não há perigo de dano uma vez que, constatadas irregularidades de ordem formal no devido processo legal presidido pela Câmara dos Vereadores e preconizados pelo Regimento Interno, este será devidamente anulado, voltando-se ao status quo ante e oportunizando-se à autora todos os direitos e garantias supostamente violados. Por todo o exposto, INDEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA pleiteada. Cite-se por Oficial de Justiça, na forma do art. 249 e 231, II do CPC, devendo o réu apresentar contestação conforme art. 335, III do CPC. Dê-se ciência ao Ministério Público.”[...] Nota-se que o indeferimento da tutela provisória de urgência supratranscrito foi ratificado por este Tribunal de Justiça, nos autos do agravado [sic] de instrumento de n. 0069907-62.2020.8.19.0000, cuja ementa possui o seguinte teor: 212 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. Decisão agravada suficientemente fundamentada. Preliminar de nulidade rejeitada. Incidência do verbete nº 59, da Súmula deste Tribunal. Reforma de decisão agravada somente em casos de teratologia, ilegalidade ou inobservância da prova dos autos. Pronunciamento não enquadrado nestas hipóteses. Impugnação de procedimento de prestação de contas. Reprovação das contas da prefeita do Município de Carapebus pela Câmara de Vereadores, com auxílio do Tribunal de Contas. Controle externo sobre a regularidade da atividade financeira da chefe do Poder Executivo local. Procedimento de índole político-administrativa, suscetível de exame excepcional pelo Poder Judiciário, sob a estrita ótica da legalidade. Inobservância do devido processo administrativo não indiciada de plano. Legitimidade da ação fiscalizatória da casa legislativa presumida e não elidida. Recurso desprovido.”[...] Mostra-se verossímil, portanto, a tese do agravante de que houve tentativa de fraude processual, com o objetivo de obtenção de decisão judicial que pudesse suspender a inelegibilidade da Prefeita Christiane Cordeiro, tendo em vista a existência de demanda anteriormente em curso, com integral identidade de pedido e de causa de pedir, em que já houve a apreciação e o sucessivo indeferimento do pedido de concessão da tutela provisória de urgência, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus. Nessas circunstâncias, tendo em vista a notória conexão entre a ação objeto do processo originário, de n. 0281389-20.2020.8.19.0001, e a ação objeto do processo de n. 0001100- 29.2020.8.19.0084, ante a identidade de pedidos e de causas de pedir, não se vislumbra, neste momento processual, a probabilidade do direito do agravado, nos termos do art. 300 do CPC, hábil a justificar a concessão tutela provisória de urgência por ele requerida na exordial. Resta claro, assim, que existe significativa probabilidade de provimento do presente recurso; igualmente há risco de dano ao agravante, face a [sic] existência de decisões conflitantes nos processos de n. 0281389-20.2020.8.19.0001 e de n. 0001100- 29.2020.8.19.0084. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 213

Encontram-se, assim, preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 995, parágrafo único, do CPC para a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso. Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO, nos termos dos arts. 995, parágrafo único c/c 1.019, I do CPC, determinando, na forma requerida pelo agravante, a imediata expedição de ofício eletrônico ao Tribunal Superior Eleitoral-TSE, nos autos do processo 0600491- 34.2020.6.19.0255, pelo juízo de plantão do 1º grau de jurisdição. Comunique-se ao juízo de origem (CPC, art. 1.019, I). (grifos acrescidos) Como se vê, a pretendida suspensão dos efeitos da rejeição das contas da ora recorrente já havia sido anteriormente apreciada – e negada – pelo Poder Judiciário do Rio de Janeiro, circunstância que, conforme consignou o TJ/RJ, denotou odiosa manipulação da prestação jurisdicional levada a efeito pela Prefeitura de Carapebus/RJ com o fim de beneficiar a então chefe do Poder Executivo local, haja vista os reflexos na análise do seu registro de candidatura relativo ao pleito de 2020, em que veio a lograr êxito na reeleição. Estou convicto de que a recorrente detinha pleno conhecimento tanto do indeferimento do pedido de tutela de urgência formulado nos autos de nº 0001100- 29.2020.8.19.0084 perante a Vara Única da Comarca de Carapebus/Quissamã – posteriormente ratificado pelo TJ/RJ nos autos do AI nº 0069907-62.2020.8.19.0000 – quanto do posterior ajuizamento do processo de nº 0281389-20.2020.8.19.0001 perante o Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro. Isso porque, conforme se extrai da decisão do TJ/RJ que casso os efeitos da decisão liminar que beneficiou a recorrente: a) a própria Christiane Miranda de Andrade Cordeiro foi a autora da demanda primeva ajuizada perante a Vara Única da Comarca de Carapebus/Quissamã, tendo pleiteado a suspensão liminar da Resolução Legislativa nº 004/2020, único fundamento pelo qual as instâncias ordinárias reconheceram a incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990; b) a segunda demanda foi manejada pelo Município de Carapebus/ RJ, sendo certo que Christiane Miranda de Andrade Cordeiro se encontrava no exercício da chefia daquela localidade, a quem o órgão de representação judicial, por consectário legal, era subordinado; c) em ambas as demandas, a pretensão visada era rigorosamente a mesma, qual seja: a concessão de tutela provisória de urgência com 214 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

vistas à suspensão dos efeitos da liminar relacionada à Resolução Legislativa nº 004/2020; d) a própria recorrente, na petição em que requereu “[...] a confirmação do provimento liminar e deferimento definitivo do registro de candidatura” (ID 110388388, fl. 3), foi quem noticiou que o Juízo que havia prolatado a decisão liminar que a beneficiou havia julgado extinto, sem resolução do mérito, o respectivo processo, em razão da superveniente perda do interesse processual decorrente da posterior deliberação do próprio órgão legislativo municipal que revogou a resolução objeto daquela tutela de urgência requerida pelo Município de Carapebus/RJ. Segundo consta nos incisos I, II e III do art. 80 do CPC, “considera-se litigante de má-fé aquele que [...] deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso [...]; alterar a verdade dos fatos [...]; e/ou usar do processo para conseguir objetivo ilegal”. O doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves elucida que: A repetição de uma mesma demanda em novo processo só pode ser derivada de extrema má-fé da parte ou de ignorância de seu patrono, que pode desconhecer a existência do primeiro processo por não ter sido informado por seu cliente da existência de processo anteriormente julgado. [...] (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 882 – grifos acrescidos) Vê-se, pois, que a compreensão do abalizado processualista acerca da configuração da má-fé da parte que, sabendo da existência de decisão judicial contrária aos seus anseios, orquestra o ajuizamento de nova demanda visando à obtenção de decisão favorável, subsome-se às condutas descritas nos incisos I, II e III do art. 80. No caso, como visto, a tentativa de fraude processual aventada na decisão do desembargador Celso Silva Filho do TJ/RJ decorreu da “[...] existência de demanda anteriormente em curso, com integral identidade de pedido e de causa de pedir, em que já houve a apreciação e o sucessivo indeferimento do pedido de concessão da tutela provisória de urgência” (ID 67614738). Como cediço, o ordenamento jurídico processual possui mecanismos legalmente previstos para a reforma de decisão anterior. Não é dado, pois, à parte, simplesmente desconsiderar a anterior decisão judicial que apreciou os mesmos fatos e pedidos e orquestrar – ainda que mediante ato de sujeito processual diverso – providência diametralmente oposta, por meio de nova demanda judicial, em Juízo diverso que – primo ictu oculi – nem sequer teria competência para apreciar o feito. Na espécie, a gravidade de tal proceder se acentua quando se se extrai da decisão do TJ/RJ que não foi levado ao conhecimento do segundo Juízo, eleito pelo Município de 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 215

Carapebus/RJ para o ajuizamento da demanda com idêntica causa de pedir e pedido, o fato de que igual pretensão já havia sido indeferida – inclusive, com ratificação pelo órgão recursal do TJ/RJ. A omissão de tal informação é deveras relevante, uma vez que é capaz induzir o Juízo destinatário da segunda demanda a erro. No caso, o órgão recursal a quem estava vinculado o Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro (prolator da segunda decisão) – no caso, o TJ/RJ – já havia se manifestado sobre os fatos novamente levados à apreciação do mesmo Poder Judiciário estadual, em vara, inclusive, cuja competência para analisar a demanda é questionável. Portanto, sendo fato incontroverso que a ora recorrente sabia que o Juízo primevo, competente para apreciar o caso, já havia indeferido a pretensão cautelar por ela buscada e que a omissão dessa relevante informação na segunda demanda, com idêntica pretensão, ajuizada em Juízo diverso, por órgão municipal hierarquicamente subordinado a ela enquanto chefe do Poder Executivo local, afigura-se lícita a conclusão do desembargador Celso Silva Filho do TJ/RJ acerca da “[...] tentativa de fraude processual” (ID 67614738), mormente diante das disposições constantes nos incisos I, II e III do art. 80 do CPC. Sobre o tema, confira-se a doutrina de Fredie Didier Jr: Os sujeitos processuais devem comportar-se de acordo com a boa-fé, que, nesse caso, deve ser entendida como uma norma de conduta (\"boa-fé objetiva\"). Esse é o princípio da boa-fé processual, que se extrai do art. 5º do CPC: \"Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar- se de acordo com a boa-fé\". [...] [...] regras de proteção à boa-fé, que concretizam o princípio da boa-fé e compõem a modelagem do devido processo lega/brasileiro. As normas sobre litigância de má-fé (arts. 79-81 do CPC) são um exemplo disso. [...] [...] o processo para ser devido (giusto, como dizem os italianos, equitativo, como dizem os portugueses) precisa ser ético e leal. Não se poderia considerar justo um processo pautado em comportamentos desleais ou antiéticos. [...] [...] o princípio da boa-fé é a fonte da proibição do exercício inadmissível de posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a rubrica do \"abuso do direito\" processual (desrespeito à boa-fé objetiva). Além disso, o princípio da boa-fé processual torna ilícitas as condutas processuais animadas pela má-fé (sem boa-fé subjetiva). Ou seja, a boa-fé objetiva processual implica, entre outros efeitos, o dever de o sujeito processual 216 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

não atuar imbuído de má-fé, considerada como fato que compõe o suporte fático de alguns ilícitos processuais. Eis a relação que se estabelece entre boa-fé processual objetiva e subjetiva. Mas ressalte-se: o princípio é o da boa-fé processual, que, além de mais amplo, é a fonte dos demais deveres, inclusive o de não agir com má-fé. (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Vol. 1. 19. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 119-127 – grifos acrescidos) Também aqui as peculiaridades do feito guardam profunda semelhança fático- jurídica com o já citado AgR-REspEl nº 0600216-41/BA, haja vista que, tanto naquela demanda quanto nesta, constituiu fundamento para a cassação dos efeitos de decisão cautelar suspensiva da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990 a constatação de má-fé pelo candidato na obtenção do provimento cautelar, uma vez que manejados – tal como no caso – sucessivos expedientes jurídicos cuja causa de pedir e pedidos eram idênticos a demanda pretérita cuja decisão foi contrária aos interesses do candidato, alterando-se somente as partes. Confira-se, para tanto, os seguintes trechos do acórdão exarado no julgamento do AgR-REspEl nº 0600216-41/BA: Quanto ao ponto, tenho como corretos os seguintes fundamentos do parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral, que adoto como razão de decidir (ID 94998838): [...] Os recorrentes parecem olvidar, contudo, que a primeira decisão monocrática proferida no agravo de instrumento nº 8035776- 12. 2020.8.05.0000 foi anulada pela segunda decisão proferida no dia imediatamente seguinte (pela mesma prolatora, registre-se). [...] Sem adentrar em reexame de fatos nesta instância recursal ou incidir em violação do enunciado nº 41 da Súmula desse Tribunal, uma análise puramente objetiva das decisões monocráticas acostadas aos autos permite concluir a ausência de boa-fé dos recorrentes no manejo de recursos perante o Tribunal de Justiça do estado da Bahia. Note-se que a segunda decisão proferida nos autos do agravo de instrumento nº 8035776-12.2020.8.05.0000 anulou a primeira, justamente em razão de ela ser contrária à decisão desfavorável aos recorrentes anteriormente proferida no agravo de instrumento nº 8028106-20.2020.8.05.0000. A relatora pontuou que a causa de pedir e os pedidos eram idênticos, modificando-se somente as partes. Ora, não se pode considerar eivado de boa-fé aquele que se vale de expediente de tal jaez, pois, sabedor do insucesso em determinada ação 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 217

judicial, ingressa com novo expediente, apenas com modificação das partes da causa, restando inalterados pedido e causa de pedir, no afã de buscar melhor sorte perante outro órgão judicial. Com todas as vênias, não se está aqui a desafiar o enunciado nº 41 dessa Corte, mas somente a analisar os documentos, reiteradamente trazidos pelas partes aos autos após a interposição dos recursos especiais, que revelam o manejo de recurso judicial idêntico, como assentado na última decisão proferida no agravo de instrumento nº 8035776- 12.2020.8.05.0000, na tentativa de obter provimento jurisdicional anteriormente negado à parte. Ademais, sendo princípio comezinho de direito que a anulação de um ato produz efeitos ex tunc, seria necessário – para que se possibilite verificar a incidência da ressalva “boa-fé do destinatário do ato”, a autorizar a autorizar a produção de efeitos ex nunc – analisar o desígnio que levou à interposição de novo recurso com a mesma causa de pedir e pedido do anterior, no qual restou negada a tutela jurisdicional requerida. [...] O intento do recorrente, no entanto, foi frustrado no dia imediatamente seguinte, pois Desembargadora plantonista, nos autos do agravo de instrumento nº 8037108-14.2020.8.05.0000, revogou a decisão proferida no dia anterior. Na ocasião, consignou que: No ato de interposição do presente agravo, a despeito de se dar em sede de Plantão Judiciário, não foi informada a existência de processos conexos, não tendo a distribuição acusado a existência destes, o que termina por ensejar obstacularização ao conhecimento dos fatos adrede alinhados, tão somente descortinados com a promoção da parte agravada. Tal trecho revela, de forma cabal, a mais absoluta ausência de boa-fé do recorrente no manejo de tais recursos perante a Justiça Comum. Daí que é forçosa a conclusão de que a primeira decisão monocrática favorável por ele obtida, no dia 14 de dezembro de 2020, no agravo de instrumento nº 8035776-12.2020.8.05.0000, não gerou nenhum efeito jurídico - seja por ter sido anulada já no dia seguinte, seja por restar cristalina sua má-fé no manejo de tais expedientes judiciais. Em resumo, verifica-se que o recorrente pretende que uma cautelar precária (com efêmera duração de 24 horas), que foi revogada pelo próprio juízo concessor – porque reconhecida conexão com feito anterior (no qual já havia decisão reconhecendo a legalidade dos aludidos processos administrativos) –, tenha efeito perene no tempo, inclusive para o fim de assegurar um registro de candidatura do qual 218 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

o recorrente jamais obteve em nenhuma das instâncias da Justiça Eleitoral. (grifos acrescidos) Por sua vez, no caso em tela, o TJ/RJ verificou ser verossímil que (ID 67614738): [...] o indeferimento da tutela provisória de urgência supratranscrito foi ratificado por este Tribunal de Justiça, nos autos do agravado [sic] de instrumento de n. 0069907-62.2020.8.19.0000, cuja ementa possui o seguinte teor: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. Decisão agravada suficientemente fundamentada. Preliminar de nulidade rejeitada. Incidência do verbete nº 59, da Súmula deste Tribunal. Reforma de decisão agravada somente em casos de teratologia, ilegalidade ou inobservância da prova dos autos. Pronunciamento não enquadrado nestas hipóteses. Impugnação de procedimento de prestação de contas. Reprovação das contas da prefeita do Município de Carapebus pela Câmara de Vereadores, com auxílio do Tribunal de Contas. Controle externo sobre a regularidade da atividade financeira da chefe do Poder Executivo local. Procedimento de índole político-administrativa, suscetível de exame excepcional pelo Poder Judiciário, sob a estrita ótica da legalidade. Inobservância do devido processo administrativo não indiciada de plano. Legitimidade da ação fiscalizatória da casa legislativa presumida e não elidida. Recurso desprovido.” Mostra-se verossímil, portanto, a tese do agravante de que houve tentativa de fraude processual, com o objetivo de obtenção de decisão judicial que pudesse suspender a inelegibilidade da Prefeita Christiane Cordeiro, tendo em vista a existência de demanda anteriormente em curso, com integral identidade de pedido e de causa de pedir, em que já houve a apreciação e o sucessivo indeferimento do pedido de concessão da tutela provisória de urgência, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus. Nessas circunstâncias, tendo em vista a notória conexão entre a ação objeto do processo originário, de n. 0281389-20.2020.8.19.0001, e a ação objeto do processo de n. 0001100- 29.2020.8.19.0084, ante a identidade de pedidos e de causas de pedir, não se vislumbra, neste momento processual, a probabilidade do direito do agravado, nos termos do art. 300 do CPC, hábil a justificar a concessão tutela provisória de urgência por ele requerida na exordial. Resta claro, assim, que existe significativa probabilidade de provimento do presente recurso; igualmente há risco de dano ao 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 219

agravante, face a existência de decisões conflitantes nos processos de n. 0281389-20.2020.8.19.0001 e de n. 0001100-29.2020.8.19.0084. (grifos acrescidos) Ante a similaridade dos casos, nota-se que a compreensão versada na decisão do TJ/ RJ – que cassou a tutela de urgência objeto da afirmada tentativa de fraude processual – possui respaldo na legislação e na jurisprudência desta Corte Superior acerca do princípio da boa-fé processual Reforça essa compreensão o fato de os efeitos da liminar cassada terem perdurado por reduzidíssimo lapso temporal, curiosamente durante a data final para a diplomação nas respectivas eleições, 18.12.2020. Por isso é que – reitero – a solução do presente feito requesta a compatibilização do entendimento do TSE acerca do limite temporal para a consideração de fato superveniente que repercuta na elegibilidade com as peculiaridades existentes no caso, na medida em são dotadas de extrema relevância. Ainda que se entenda que a demanda em tela apresenta similaridade com aqueles que firmaram a compreensão desta Corte Superior acerca da parte final do § 10 do art. 11 da Lei das Eleições – o que se admite apenas por amor ao debate –, rememoro que o TSE já flexibilizou tal entendimento na hipótese de existirem elementos que demonstrem que o termo final para se considerar o fato superveniente apto a repercutir na elegibilidade impossibilitou a interposição de expediente processual que teria o condão de provocar a revisitação do tema com vistas à modificação do cenário jurídico estabilizado na data da diplomação, tal como se extrai do acórdão prolatado no já mencionado ED-RO nº 0604175-29/SP. Ou seja, evidenciado que o interesse na reforma de decisão judicial restou obstado pela absoluta impossibilidade temporal de interposição de expediente processual hábil a provocar a revisão do decisum pelo órgão revisor, afigura-se possível a flexibilização do marco temporal da diplomação para a consideração de fatos supervenientes que repercutam na elegibilidade. Como visto, no presente caso, o provimento cautelar que suspendeu os efeitos da rejeição das contas que fundamentou o indeferimento do RRC da candidata pelas instâncias ordinárias foi exarado pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro em 17.12.2020, às 19h:15, tendo a recorrente noticiado tal suspensão liminar da causa de inelegibilidade no prazo fatal de 18.12.2020. Assim, conquanto houvesse interesse dos afetados por tal decisum em modificar tal situação – a exemplo do agravo de instrumento interposto pela Câmara de Vereadores de Carapebus/RJ, que redundou na multicitada cassação da liminar pelo TJ/RJ –, certo é que era impossível que tal providência tivesse sido buscada dentro do marco temporal em que admitidos os fatos supervenientes. Desconsiderar tais peculiaridades se traduziria na mitigação dos postulados da inafastabilidade de jurisdição e do acesso ao duplo grau de jurisdição e, em última análise, fragilizaria a legitimidade do processo democrático. 220 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Ademais, afigura-se lícito afastar a segurança jurídica atribuída a decisão nas hipóteses em que a manutenção daquela gere situação notoriamente ilegítima, ilegal ou inconstitucional e que o juízo de ponderação entre os preceitos constitucionais indique a necessidade de correção, no plano jurídico, dos fatos inegavelmente contrários ao ordenamento jurídico nacional. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 622.405/SP (rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 14.8.2017, DJ de 20.9.2007) – caso que gerou profícuo debate acerca do conflito entre os postulados da segurança jurídica e os da moralidade e da legalidade da decisão judicial –, assentou que, nas situações em que a manutenção dos efeitos da decisão judicial contraria a realidade dos fatos, ainda que esta esteja acobertada pelo manto da coisa julgada, deve a segurança jurídica ceder espaço aos vetores do sistema constitucional que restabelecem o sentimento do justo e da confiabilidade das instituições, haja vista que decisão judicial alguma pode expressar comando que se sobreponha aos valores absolutos da legalidade, da moralidade e da justiça. Embora o caso em tela não tenha como objeto decisão acobertada pelo manto da coisa julgada, compartilho da compreensão do referido acórdão do Tribunal da Cidadania de que “[...] os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto esse é valor infraconstitucional oriundo de regramento processual”, sendo certo que “[...] a injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto”. Faço esse registro porque, como já frisado, a solução do presente feito perpassa pela análise da temática relativa à segurança jurídica aplicável ao processo eleitoral, compreensão que balizou esta Corte Superior na fixação do multicitado entendimento acerca da diplomação como o termo final para a admissão de fato superveniente que repercuta na elegibilidade, fulcrado na necessidade de estabilização do cenário político. No caso, é incontroverso que a situação gerada pelo decisum concessivo da tutela de urgência exarado pelo Juízo da 1º Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro perfectibilizou fraude processual em benefício da ora recorrente – tal como consignou o TJ/RJ –, o que impõe a correção, ainda que tardia, dos nefastos efeitos decorrentes da litigância de má-fé. Em casos como o dos autos, cujo quadro fático-jurídico aponta que a ora recorrente se beneficiou de provimento judicial obtido mediante conduta configuradora de fraude processual, o CPC impõe ao Juízo o dever de prolatar decisão que impeça a parte beneficiária de alcançar o fim por ela visado com a prática de execrável conduta contrária aos princípios da boa-fé e da cooperação processuais. Confira-se o teor do art. 142 do CPC: Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 221

por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé. (grifos acrescidos) Não fosse a consciente fraude processual perpetrada, a recorrente não teria obtido desta Justiça especializada, no prazo fatal para o aceite de fato superveniente, a medida liminar pleiteada no presente apelo nobre. Desse modo, na linha do supracolacionado dispositivo legal, estando convencido de que a ora recorrente, sabidamente, serviu-se de processo judicial para driblar a legítima incidência da causa de inelegibilidade que existia – e existe – em seu desfavor, é de rigor, ante toda a argumentação acima alinhavada, que esta Corte Superior impeça a manutenção de situação flagrantemente contrária ao ordenamento jurídico pátrio, com reflexos diretos na análise do presente requerimento de registro de candidatura. No ponto, relevante rememorar que o fundamento para o indeferimento do registro de candidatura pelas instâncias ordinárias decorreu da incidência da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, devido à rejeição das contas da recorrente enquanto prefeita do Município de Carapebus/RJ, relativas ao exercício financeiro de 2017, materializada em 26.6.2020. Desse modo, cumpre assinalar que a constituição da causa de inelegibilidade incidente sobre a recorrente remonta a período anterior ao próprio pedido de registro – marco legal para a aferição das condições de elegibilidade e das causas de inelegibilidade. Admitir, na espécie, a ineficácia da cassação dos efeitos da decisão que suspendeu liminarmente a causa de inelegibilidade que incidia sobre a recorrente, acarretaria – repito, no caso –, além da subversão da sistemática processual das tutelas provisórias – pois resultaria em tornar definitivos os efeitos de decisão de natureza reconhecidamente cautelar – o esvaziamento dos princípios e dos valores que nortearam a inclusão na Constituição Federal da vigente redação do § 9º do art. 14. A mens legis da ressalva referente à admissão de alterações fáticas ou jurídicas que repercutam na elegibilidade aferida no processo de registro de candidatura foi reforçar a segurança jurídica do processo eleitoral – corolário da estabilidade do exercício do mandato e da continuidade administrativa. Contudo, a orientação jurisprudencial formada nesta Corte Superior acerca do tema não constitui regra absoluta, mormente quando se está diante da colisão entre valores e princípios de estatura constitucional. Não raro, candidatos que, por ocasião do pedido de registro de candidatura, não ostentam as condições de elegibilidade para a regular disputa de cargo eletivo e sobre os quais incidem causas de inelegibilidade descritas pela legislação logram obter medidas – efêmeras – que os habilitam ao exercício do mandato durante todo o respectivo período, em nítido esvaziamento do comando previsto no § 9º do art. 14 da CF. Em resumo, na espécie, é incontroverso que (a) a constituição da causa de inelegibilidade da recorrente ocorreu em momento pretérito ao RRC; (b) o indeferimento do pedido de registro de candidatura pelas instâncias ordinárias fundou-se no fato de que, por ocasião de sua formalização, estavam presentes todos os requisitos da alínea 222 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990 na impugnação submetida ao devido processo legal; (c) o TJ/RJ reconheceu ter havido fraude processual na obtenção do provimento liminar que suspendeu – no período fatal da diplomação – a causa de inelegibilidade até então incidente sobre a recorrente. Casos como o dos presentes autos, em que o provimento precário da Justiça comum surge – curiosamente – no derradeiro prazo fatal da diplomação, vigora por lapso temporal extremamente exíguo e ostenta grave alegação de fraude processual – alardeada pelo Juízo recursal da medida liminar – demandam especial consideração pelo julgador, a fim de que a prestação jurisdicional reflita, verdadeiramente, os valores, as regras e os princípios que norteiam o processo eleitoral como um todo, de modo a evitar a ocorrência de indesejável casuísmo e o exercício de cargo eletivo por quem, incontroversamente, ostenta a pecha de inelegibilidade incapacitante para a disputa eleitoral em curso, a exemplo do candidato que concorre sub judice e que, em razão de fato superveniente dotado das peculiaridades retrocitadas, tem assegurado o exercício do cargo público em sua inteireza, mesmo que restaurada a inelegibilidade. Reforço que o deferimento do registro de candidatura por meio da concessão da tutela de urgência pleiteada no apelo nobre constituiu verdadeira salvaguarda do microssistema de inelegibilidades, cuja finalidade precípua é, conforme a orientação constitucional insculpida no § 9º do art. 14, proteger “[...] a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições [...]”. Com base nessa compreensão, afasto a tese da recorrente, apresentada na manifestação de ID 133114138, relativa à suposta impossibilidade de se considerar a cassação dos efeitos da decisão suspensiva da causa de inelegibilidade como fundamento para o indeferimento do seu registro de candidatura, mormente porque a respectiva decisão prolatada pelo TJ/RJ consignou que o provimento liminar foi obtido mediante fraude processual e com vistas, unicamente, a beneficiar a ora recorrente. Da insubsistência dos efeitos da tutela de urgência por meio da qual foi deferido o RRC da recorrente Diante de tudo o que foi exposto, convicto estou acerca da insubsistência dos efeitos da tutela de urgência anteriormente deferida por mim – e referendada pelo Plenário do TSE –, haja vista que o fundamento pelo qual foi concedida não mais subsiste neste momento, em que realizado o julgamento do mérito do caso. Desse modo, ante as características da provisoriedade e da mutabilidade das tutelas provisórias de urgência e as peculiaridades do caso, notadamente (a) a cronologia dos atos jurisdicionais praticados pelo Juízo da 1º Vara da Fazenda Pública da Comarca do Rio de Janeiro e pelo TJ/RJ – de reduzidíssima vigência temporal e, coincidentemente ou não, na derradeira data fatal da diplomação – e (b) a clara tentativa da candidata de se valer de processo judicial para conseguir, por via transversa e em completo desvirtuamento da sistemática processual estabelecida, o afastamento da causa de inelegibilidade que fundamentou o indeferimento de seu registro de candidatura nas instâncias ordinárias, é de rigor cassar os efeitos da decisão de ID 66164138, que, 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 223

em âmbito de tutela de urgência, deferiu, em caráter liminar, mediante juízo prévio, perfunctório e provisório, o requerimento de registro de candidatura da recorrente, sendo certo que os efeitos dessa decisão são, naturalmente, ex tunc. Insta registrar que, ainda que se considere, no caso, que a cassação dos efeitos da decisão que suspendeu liminarmente a causa de inelegibilidade da ora recorrente não é apta para atrair a causa de inelegibilidade porque restaurada ao patrimônio jurídico da candidata após a data do pleito – conclusão com a qual não compactuo, ante o inarredável restabelecimento do status quo anterior à concessão da tutela de urgência agora cassada –, tal entendimento não deve prevalecer em situações com reconhecida fraude processual na obtenção de medida que afasta, de forma duvidosa e efêmera, causa de inelegibilidade, em prestígio aos caros valores constitucionais da probidade e da moralidade para o exercício de mandato eleitoral. Deve esta Justiça especializada privilegiar os valores, os princípios e as regras que regem o processo eleitoral brasileiro, com especial destaque para os que impedem o exercício da capacidade eleitoral passiva daqueles sobre os quais incide, inegavelmente, causa de inelegibilidade. O presente feito é, a meu sentir, emblemático. Cogitar a impossibilidade de que seja reconhecida a insubsistência dos efeitos de tutela de urgência concedida com base em decisão judicial que vigorou por exíguo lapso temporal e em relação à qual o respectivo órgão recursal competente assentou a ocorrência de fraude processual significaria, na minha intelecção, com todas as vênias a quem pense de modo diverso, subverter as regras não apenas do sistema de inelegibilidade vigente, mas também do diploma processual civil aplicável, na medida em que o resultado seria a estabilização de uma decisão essencialmente provisória, proferida mediante juízo de cognição precária, em um contexto fático-jurídico diametralmente oposto ao do momento em que julgado o mérito da demanda. Enfim, reitero que não apenas é possível como é imprescindível, no caso, reconhecer a insubsistência da tutela de urgência concedida nos autos deste recurso especial. Desse modo, concluo que a extinção – ex tunc – dos efeitos do referido provimento cautelar, na espécie, tem por consequência a restauração do status quo anterior à concessão da medida. Da análise meritória do registro de candidatura Conforme o parágrafo único do art. 7º da LC nº 64/1990: O Juiz, ou Tribunal, formará sua convicção pela livre apreciação da prova, atendendo aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mencionando, na decisão, os que motivaram seu convencimento. Esta Corte Superior já assentou que: É perfeitamente harmônico com o sistema de normas vigentes considerar que os fatos supervenientes ao registro que afastam a inelegibilidade devem ser apreciados pela Justiça Eleitoral, na forma prevista na parte final do § 10 do artigo 11 da Lei nº 9.504/97, sem prejuízo de que os fatos que geram a inelegibilidade possam ser 224 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

examinados no momento da análise ou deferimento do registro pelo órgão competente da Justiça Eleitoral, em estrita observância ao parágrafo único do artigo 7º da LC nº 64/90 e, especialmente, aos prazos de incidência do impedimento, os quais, por determinação constitucional, são contemplados na referida lei complementar. (RO nº 154-29/DF, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 27.8.2014 – grifos acrescidos) Assim, tendo sido restaurado o patrimônio jurídico da candidata existente no momento imediatamente anterior à concessão do provimento de urgência que lhe beneficiou – ante a extinção ex tunc de seus efeitos –, é de rigor considerar, na análise definitiva do registro de candidatura, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade presentes no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, conforme estabelece o § 10 do art. 11 da Lei das Eleições. A recorrente alega a ocorrência de violação aos arts. 275 do CE; 1.022 e 489, § 1º, IV e VI, do Código de Processo Civil; e 93, IX, da CF, sob o argumento de que o TRE/RJ não supriu os vícios apontados nos aclaratórios opostos contra o referido acórdão relativos à (a) obscuridade na indicação das condutas que foram consideradas como configuradoras da inelegibilidade; e às (b) omissões quanto às matérias alusivas à inexigibilidade de conduta diversa, que, no seu entender, excluiria o dolo. Asseverou que, se tais questões tivessem sido apreciadas pela Corte regional, “[...] a conclusão pela presença de irregularidades desta natureza terminaria por ofender a competência constitucional prevista no art. 71, I c/c art. 31, caput e §§ 1º e 2º da CF” (ID 65887038, fl. 15). Relativamente à tese de que restou ausente, no acórdão, “[...] fundamentação quanto à inexistência de reconhecimento pela Câmara Municipal de conduta que se enquadrasse no conceito de ato de improbidade [...]” (ID 65887038, fl. 10), noto que não prospera. A candidata, ao pontuar que o TRE/RJ adotou como razões de decidir o parecer prévio exarado pelo TCE/RJ – o qual foi contrário à aprovação das contas da municipalidade relativas ao exercício de 2017 –, argumentou que a Corte regional não poderia assim proceder, tendo em vista que, “[...] conforme art. 71, I c/c art. 31, caput e §§ 1º e 2º da CF, cabe à Câmara de Vereadores o julgamento das contas, inclusive quanto a [sic] imputação de ato doloso de improbidade, sendo o parecer do Tribunal de Contas peça meramente opinativa” (ID 65887038, fls. 10-11). Contudo, ao contrário do que alega a recorrente, o acórdão regional explicitou, de forma minuciosa, o arranjo que a Constituição Federal deu para o regular julgamento das contas de chefe do Poder Executivo municipal, tendo demonstrado que, no caso, o devido processo legal foi respeitado tanto no proceder do órgão legislativo municipal – que reprovou as contas com esteio no parecer prévio do TCE/RJ – quanto na atuação da Justiça Eleitoral, que se limitou a aferir os reflexos desse julgamento no campo da elegibilidade. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 225

Confiram-se os seguintes trechos do acórdão regional (ID 65885938): Assim dispõe o art. 1º, I, “g”, da Lei Complementar nº 64/90: Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: (...) g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; No presente caso, consta dos autos que a recorrente, na qualidade de Prefeita do Município de Carapebus, teve suas contas relativas ao exercício de 2017 desaprovadas pela Câmara Municipal na sessão legislativa de 25/06/2020, conforme ata de id. 17100659. A decisão do Poder Legislativo municipal não é sujeita a recurso e não foi suspensa e nem anulada pelo Poder Judiciário, devendo-se, portanto, analisar o preenchimento dos demais requisitos previstos no dispositivo em questão. Em primeiro lugar, cumpre destacar que a existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa é aferida pela Justiça Eleitoral, com base nos motivos que levaram à desaprovação das contas. Não cabe ao Poder Legislativo decidir a esse respeito, sendo natural, portanto, que tal questão não seja apreciada no julgamento das contas pela Câmara Municipal. Nesse sentido: [...] Assim, a ausência de manifestação expressa quanto à natureza das irregularidades não significa que os vereadores optaram por não atribuir à rejeição das contas a possibilidade de inabilitar a Prefeita a uma nova candidatura, como alega a recorrente, até mesmo porque se trata de efeito que, por decorrer do disposto na Lei Complementar nº 64/90, não poderia ser afastado pelos legisladores municipais, ainda que quisessem fazê-lo. Pois bem. Ao reprovar as contas da recorrente, a Câmara Municipal de Carapebus o fez em razão das irregularidades e impropriedades apontadas no parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro no processo nº 216.792-4/2018 (id. 17100709), expressamente mencionado na ata da sessão legislativa (id. 17100659) e na cédula de votação utilizada pelos vereadores (id. 17100859). Não poderia, aliás, ser de outra forma, visto que o parecer prévio da Corte de Contas possui eficácia impositiva, que só pode ser afastada por decisão de dois terços dos 226 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

membros da Câmara Municipal, nos termos do art. 31, § 2º, da Constituição da República: [...] Vale salientar que o Supremo Tribunal Federal, ao fixar a tese de que a Câmara Municipal é, em qualquer hipótese, o órgão competente para julgar as contas do Prefeito, mencionou expressamente a eficácia impositiva do parecer prévio do Tribunal de Contas: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. PARECER PRÉVIO DO TRIBUNAL DE CONTAS. EFICÁCIA SUJEITA AO CRIVO PARLAMENTAR. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS DE GOVERNO E DE GESTÃO. LEI COMPLEMENTAR 64/1990, ALTERADA PELA LEI COMPLEMENTAR 135/2010. INELEGIBILIDADE. DECISÃO IRRECORRÍVEL. ATRIBUIÇÃO DO LEGISLATIVO LOCAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. I - Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas do chefe do Poder Executivo municipal, com o auxílio dos Tribunais de Contas, que emitirão parecer prévio, cuja eficácia impositiva subsiste e somente deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da casa legislativa (CF, art. 31, § 2º). (...) IV - Tese adotada pelo Plenário da Corte: “Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores”. V - Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 848826/CE, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Relator p/ acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 10/08/2016, Órgão Julgador: Tribunal Pleno) Destarte, a existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa deve ser analisada com base no parecer emitido pelo TCE/RJ, exatamente como fizeram o Ministério Público Eleitoral e o juízo de primeiro grau, no qual foram apontadas as seguintes irregularidades: [...]. (grifos acrescidos) Portanto, vê-se que a matéria foi abordada, à exaustão, pela Corte regional, de modo que não há falar em ausência de fundamentação quanto ao ponto. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 227

Ressalto que o Tribunal a quo, acertadamente, consignou a desnecessidade de o Poder Legislativo local, no julgamento das contas a ele submetidas, adentrar na análise acerca da configuração das condutas como ato doloso de improbidade administrativa, sendo suficiente a ratificação ou não do parecer prévio do órgão de contas, até porque, como cediço, tal enquadramento é de competência da Justiça Eleitoral, que se valerá tanto do parecer do órgão de contas quanto da decisão do órgão legislativo que as rejeitou, mormente quando tais expedientes forem omissos em relação aos requisitos para a incidência da causa de inelegibilidade em comento, sem que isso implique adentrar no acerto ou desacerto da decisão atrativa da causa de inelegibilidade. Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente: ELEIÇÕES 2016. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO. PREFEITO. CANDIDATO COM MAIOR VOTAÇÃO NOMINAL. INDEFERIMENTO DO REGISTRO. REJEIÇÃO DE CONTAS. ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90. DECRETOS DA CÂMARA DOS VEREADORES [...]. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS E CONFIGURADORAS DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. QUAESTIO IURIS. NÃO INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO DA SÚMULA Nº 24 DO TSE. QUESTÃO DE FUNDO. DECRETO LEGISLATIVO E PARECER DO ÓRGÃO DE CONTAS QUE NÃO SE MANIFESTARAM EXPRESSAMENTE ACERCA DO CARÁTER DOLOSO E DA INSANABILIDADE DOS VÍCIOS. SUPOSTA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA POR PARTE DA JUSTIÇA ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. AUSÊNCIA DE HOMOGENEIDADE NA COGNIÇÃO EXERCIDA PELA JUSTIÇA ELEITORAL EM IMPUGNAÇÕES DE REGISTRO DE CANDIDATURA. ESTRUTURA NORMATIVA DA HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE QUE INFORMA A AMPLIAÇÃO OU A REDUÇÃO DA COGNITIO EM AIRCs. TIPOLOGIA DA ALÍNEA G QUE POSSIBILITA À JUSTIÇA ELEITORAL EXAMINAR SE A IRREGULARIDADE APURADA SE REVELA INSANÁVEL E CONFIGURADORA DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PREMISSAS FÁTICAS QUE ATRAEM A INCIDÊNCIA DOS ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS CONTEMPLADOS NA CAUSA RESTRITIVA AO EXERCÍCIO DO IUS HONORUM DO ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A cognição realizada pela Justiça Eleitoral, nas impugnações de registro de candidatura, autoriza a formulação, por parte do magistrado eleitoral, de juízos de valor no afã de apurar a existência, no caso concreto, dos pressupostos fático-jurídicos das inelegibilidades constantes do art. 1º, inciso I, de maneira a produzir uma regra concreta acerca do estado jurídico de elegibilidade do pretenso candidato, sem, contudo, imiscuir-se no mérito do título (judicial, administrativo ou normativo) que embasa a pretensão deduzida ou desautorizar as conclusões nele constantes (e.g., assentar dolo quando o aresto da Justiça Comum expressamente consignar culpa). [...] 228 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

3. A homogeneidade na tipologia das alíneas do art. 1º, inciso I, enquanto ausente, justifica a distinção quanto à amplitude do objeto cognoscível (i.e., se maior ou menor a profundidade da cognição), condicionada, no entanto, ao específico pressuposto fático-jurídico sub examine. 4. O art. 1º, inciso I, alínea g, do Estatuto das Inelegibilidades reclama, para a sua caracterização, o preenchimento, cumulativo, dos seguintes pressupostos fático-jurídicos: (i) o exercício de cargos ou funções públicas; (ii) a rejeição das contas pelo órgão competente; (iii) a insanabilidade da irregularidade apurada, (iv) o ato doloso de improbidade administrativa; (v) a irrecorribilidade do pronunciamento que desaprovara; e (vi) a inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto que rejeitara as contas. 4.1. De um lado, o art. 1º, inciso I, alínea g, da LC nº 64/90 possui, em sua tipologia, elementos que reduzem, na medida em que manietam, em alguma medida, a cognição horizontal do juiz: requer menor amplitude intelectiva identificar se o indivíduo desempenha cargo ou função pública, bem como saber se o pronunciamento exarado é suscetível de impugnação (requisito da irrecorribilidade), ou se há, ou não, suspensão ou anulação judicial do acórdão de rejeição das contas. 4.2. Por outro lado, o art. 1º, inciso I, alínea g, traz em seu bojo requisitos que ampliam a cognição do juiz eleitoral, habilitando-o a exarar juízos de valor concretos acerca de cada um deles. Assentar o caráter insanável de uma irregularidade apurada ou qualificar certa conduta ímproba como dolosa ou culposa não se resume a uma atividade intelectiva meramente mecânica, mas, ao revés, a apuração desses requisitos envolve maior espectro de valoração, notadamente quando o acórdão de rejeição de contas ou o decreto legislativo forem omissos com relação a tais pontos ou os examinarem de forma açodada, sem perquirir as particularidades das circunstâncias de fato. 5. In casu, a) O Tribunal Regional, diversamente do que aduzido pelo Recorrente, procedera apenas à qualificação jurídica dos vícios apurados como insanáveis e configuradores de ato doloso de improbidade administrativa, atividade cognitiva autorizada a esta Justiça Especializada em impugnações de registro, ante sua expertise para verificar se as premissas fáticas delineadas no título que lastreia a impugnação de registro (i.e., acórdão da Corte de Contas) evidenciam a presença in concrecto dos requisitos encartados na causa restritiva de ius honorum em comento. b) Endossar entendimento oposto, de ordem a interditar tal exame, emprestará à Justiça Eleitoral uma atribuição decorativa na análise das inelegibilidades, meramente subsuntiva e mecânica, máxime 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 229

porque restrita a se pronunciar nas hipóteses em que o título (judicial, normativo ou administrativo) que ancora a impugnação expressamente aludir à existência dos requisitos constantes das alíneas. À Justiça Eleitoral seria atribuído o papel, em linguagem vulgar, de fazer o “cara- crachá”. c) Como corolário, o argumento de usurpação de competência, suscitado nas razões recursais, é, por todo, inconsistente. [...] 8. Ademais, assentar o caráter insanável e doloso de condutas desse jaez produz um efeito pedagógico do pronunciamento desta Justiça Eleitoral, na medida em que sinalizará para os players da competição eleitoral que não se transigirá com comportamentos desidiosos e irresponsáveis na condução da coisa pública, ao mesmo tempo em que promoverá os incentivos corretos para o aperfeiçoamento da gestão fiscal e da execução responsável do orçamento dessas entidades, conforme preconizam os balizamentos constitucionais e legais. [...] (REspe nº 260-11/SP, rel. Min. Luiz Fux, PSESS de 30.11.2016 – grifos acrescidos) Portanto, tal como consignado no acórdão desta Corte supratranscrito, afigura-se viável ao Juízo Eleitoral, na análise da incidência dos requisitos do art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, [...] debruçar-se sobre a presença desses pressupostos à luz das premissas fáticas constantes da moldura do título proferido pelo Órgão Legislativo ou pela Corte de Contas que fundamenta a impugnação de registro. Diante disso, noto que está completamente dissociada da jurisprudência pátria a afirmação da recorrente de que “[...] não se insere na competência da Justiça eleitoral afirmar a existência, em concreto, de ato doloso de improbidade administrativa, sob pena de invadir a competência do órgão técnico e/ou do Juízo natural da Ação de Improbidade” (ID 65887038, fl. 15), sendo certo que o TRE/RJ não se distanciou do contido no Enunciado nº 41 da Súmula do TSE. Por tais motivos, também afasto a alegada violação ao art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, apresentada no tópico 5.1 do apelo nobre, cuja fundamentação recursal é idêntica. Christiane Miranda de Andrade Cordeiro também aduziu que o TRE/RJ, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração opostos ao aresto que manteve a sentença do Juízo zonal, não se manifestou quanto às teses relativas às alegadas violações ao princípio da reformatio in pejus e ao art. 1.013 do CPC, circunstância que, no seu entender, implicou afronta ao art. 5º, LIV e LV, da CF. Também aqui as alegações não prosperam. 230 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

De pronto, anoto que padece do necessário prequestionamento a alegada ofensa aos incisos LIV e LV do art. 5º da CF. O referido argumento só foi apresentado por ocasião da interposição do presente recurso especial. Nos termos do Enunciado nº 72 da Súmula do TSE, “é inadmissível o recurso especial eleitoral quando a questão suscitada não foi debatida na decisão recorrida e não foi objeto de embargos de declaração”. Quanto à suposta omissão da Corte regional no que se refere à análise do argumento de violação ao princípio da reformatio in pejus e de afronta ao art. 1.013 do CPC, verifico que o TRE/RJ, efetivamente, examinou e, fundamentadamente, afastou as referidas alegações. Para tanto, confiram-se os seguintes excertos do acórdão que rejeitou os referidos embargos (ID 65886738): Afirma que o acórdão também seria obscuro em relação às irregularidades que configurariam a inelegibilidade, uma vez que este relator teria destacado, além das irregularidades reconhecidas na sentença, outras que a decisão de primeiro grau não mencionou e que, portanto, não poderiam ser incluídas na apreciação do recurso exclusivo da candidata, sob pena de configuração de reformatio in pejus. [...] Melhor sorte não assiste à embargante quanto à alegação de obscuridade pelo acolhimento no acórdão de irregularidades que supostamente não teriam sido reconhecidas na sentença, uma vez que a jurisprudência do TSE já assentou que, nos termos do § 1º do art. 1.013 do CPC/2015, o recurso eleitoral devolve ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada. Confira-se: ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. REJEIÇÃO DE CONTAS. ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA G, DA LC 64/90. 1. O recurso eleitoral devolve ao Tribunal o conhecimento da matéria impugnada. Nos termos do § 1º do art. 1.013 do CPC/2015: ‘Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado’. 2. Na espécie, a sentença indeferiu o registro de candidatura, a partir da análise da decisão proferida pelo Tribunal de Contas. O TRE manteve o indeferimento do registro de candidatura a partir do exame do mesmo acórdão do órgão de contas, sem excluir, ao contrário, reforçando as conclusões a que chegou o juiz eleitoral. Ambas as instâncias, portanto, examinaram o conteúdo do mesmo acórdão que rejeitou as contas do candidato e concluíram, de forma uníssona, pela caracterização da inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea g, da LC 64/90. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 231

Inexiste, assim, reformatio in pejus no presente caso. [...] (REspe nº 11567, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 19.12.2016 – grifo nosso) Não há, portanto, a obscuridade suscitada. (grifos acrescidos) Em reforço às corretas conclusões do TRE/RJ, rememoro que a recorrente teve o seu pedido de registro de candidatura indeferido pelo Juízo zonal em razão da incidência da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990, tendo em vista a rejeição das contas de gestão da Prefeitura de Carapebus/RJ referentes ao exercício financeiro de 2017, à época por ela chefiada. Por sua vez, o TRE/RJ manteve a sentença do Juízo de primeiro grau por também constatar que as circunstâncias fático-jurídicas relacionadas à rejeição das contas de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro, enquanto chefe do Poder Executivo daquela municipalidade no ano de 2017, preencheram todos os requisitos previstos para a incidência da causa de inelegibilidade delineada no art. 1º, I, g, da Lei de Inelegibilidade. Portanto, sendo certo que a conclusão do TRE/RJ pela incidência da multicitada causa de inelegibilidade decorreu da análise do mesmo substrato fático que balizou a sentença zonal, não há falar em agravamento da situação da recorrente, na medida em que, em ambas as decisões, o reconhecimento da inelegibilidade debatida se deu em virtude da mesma rejeição de contas, não tendo havido excesso algum no que se refere à extensão e à profundidade do efeito devolutivo do recurso eleitoral interposto por Christiane Miranda de Andrade Cordeiro contra a sentença que indeferiu o seu registro de candidatura. Nesse sentido: DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO [...]. [...] 3. O recurso eleitoral para o regional tem efeito devolutivo amplo. Não houve no acórdão nenhuma mudança de qualificação jurídica ou da pena aplicada ao agravante, de modo que inexiste reformatio in pejus.  [...] (AgR-AI nº 391-33/RS, rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 22.8.2019, DJe de 20.9.2019) Em seguida, afirma a recorrente que o acórdão “[...] violou a alínea ‘g’ ao concluir pela presença de ato doloso de improbidade nas irregularidades descritas no parecer do TCE” (ID 65887038, fl. 26), haja vista que ficou demonstrada [...] a inexigibilidade de conduta diversa e, portanto, a evidente ausência de conduta dolosa, requisito necessário para a configuração de ato doloso de 232 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

improbidade administrativa, já que o ato doloso pressupõe uma escolha, ou seja, só é possível quando o gestor teria opção diversa, o que se demonstrou inexistir [...]. (ID 65887038, fls. 26-27) Também assevera que o aresto somente teria analisado a referida tese em relação a uma única irregularidade (extrapolação do limite de gastos com pessoal), não a tendo analisado em relação às demais irregularidades. Da leitura do acórdão recorrido, vê-se que, para demonstrar o correto enquadramento de cada uma das condutas como ato doloso de improbidade administrativa, o TRE/RJ fundamentou sua conclusão em julgados desta Corte Superior que, de fato, representam a vigente jurisprudência acerca da matéria. No ponto, confiram-se os seguintes trechos do acórdão regional (ID 65885938): No presente caso, consta dos autos que a recorrente, na qualidade de Prefeita do Município de Carapebus, teve suas contas relativas ao exercício de 2017 desaprovadas pela Câmara Municipal na sessão legislativa de 25/06/2020, conforme ata de id. 17100659. [...] Pois bem. Ao reprovar as contas da recorrente, a Câmara Municipal de Carapebus o fez em razão das irregularidades e impropriedades apontadas no parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro no processo nº 216.792-4/2018 (id. 17100709), expressamente mencionado na ata da sessão legislativa (id. 17100659) e na cédula de votação utilizada pelos vereadores (id. 17100859). Não poderia, aliás, ser de outra forma, visto que o parecer prévio da Corte de Contas possui eficácia impositiva, que só pode ser afastada por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal, nos termos do art. 31, § 2º, da Constituição da República: [...] Destarte, a existência de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa deve ser analisada com base no parecer emitido pelo TCE/RJ, exatamente como fizeram o Ministério Público Eleitoral e o juízo de primeiro grau, no qual foram apontadas as seguintes irregularidades: IRREGULARIDADE N.º 1 – A abertura de créditos adicionais ultrapassou o limite estabelecido na lei autorizativa nº 681/17, não observando o preceituado no inciso V do artigo 167 da Constituição Federal de 1988; IRREGULARIDADE N.º 2 – Foi constatado que, do total de créditos adicionais abertos com base em excesso de 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 233

arrecadação, R$ 1.995.908,49 (Decreto nº 2204) foram abertos sem a respectiva fonte de recurso, contrariando o disposto no inciso V do artigo 167 da Constituição Federal de 1988; IRREGULARIDADE N.º 3 – O Poder Executivo vem desrespeitando o limite de despesas com pessoal desde o 3º quadrimestre de 2015, o qual não foi reconduzido ao limite legal nos quatro quadrimestres seguintes, descumprindo, assim, a regra de retorno estabelecida no artigo 23 c/c artigo 66 da Lei Complementar Federal n.º 101/00, encerrando o exercício de 2017 com estas despesas acima do limite, contrariando o disposto na alínea “b”, inciso III, artigo 20 da citada Lei; IRREGULARIDADE N.º 4 – O superavit financeiro do exercício de 2017 apurado na presente prestação de contas (R$ 329.986,38) é superior ao registrado pelo município no respectivo Balancete do Fundeb (R$ 63.614,03), revelando a saída de recursos da conta do Fundeb, no montante de R$ 266.372,35, sem a devida comprovação, o que descumpre o disposto no artigo 21 c/c o inciso I do artigo 23 da Lei Federal n.º 11.494/07. IRREGULARIDADE N.º 5 – Foi constatado o pagamento de despesas com pessoal (R$ 10.816.432,82) à conta de recursos das parcelas de royalties da produção, não excetuadas pelas Leis Federais n.º 10.195/01 e nº 12.858/13, resultando em despesas vedadas pelo artigo 8º da Lei Federal n.º 7.990/89. Foram constatadas, ainda, diversas impropriedades, dentre as quais destacam-se as seguintes: IMPROPRIEDADE Nº 9 – Repasse parcial da Contribuição Patronal ao RPPS, conforme observado no Demonstrativo elaborado pelo Município, nos moldes do Modelo 23, em desacordo com o artigo 40 da Constituição Federal c/c o inciso II do artigo 1º da Lei Federal 9.717/98. IMPROPRIEDADE N.º 10 – O Município realizou parcialmente o recolhimento da Contribuição Previdenciária Patronal devida ao RGPS, não observando o disposto no artigo 22 e incisos c/c artigo 30, inciso I, alínea “b”, ambos da Lei Federal nº 8.212/91. De acordo com a jurisprudência desta Justiça especializada, a abertura de crédito suplementar com inobservância ao disposto no art. 167, V, da Constituição da República, o desrespeito aos comandos contidos na Lei de Responsabilidade Fiscal e o não recolhimento de contribuições previdenciárias constituem vícios insanáveis que caracterizam atos dolosos de improbidade administrativa, como se vê: ELEIÇÕES 2016. AGRAVOS INTERNOS. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO. CARGO. PREFEITO. CAUSA DE 234 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/90. REJEIÇÃO DAS CONTAS REFERENTES AO EXERCÍCIO DA CHEFIA DO EXECUTIVO MUNICIPAL NOS ANOS DE 2003 E 2004. (...) (…) 5. A abertura de crédito suplementar sem autorização legislativa constitui vício insanável decorrente de ato doloso de improbidade administrativa, apto a ensejar o reconhecimento da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90. Precedentes: AgR-REspe nº 390-69/MG, Rel. Min. Henrique Neves, PSESS de 19.12.2016 e AgR- REspe nº 172-51/BA, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 9.4.2013. (...) (Recurso Especial Eleitoral nº 10711, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 74, Data 18/04/2017, Página 113/114)   RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1, I, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ABERTURA DE CRÉDITOS SUPLEMENTARES. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL E DE RECURSOS. VALOR SUPERIOR AO DESTINADO PARA ÁREA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. VÍCIO INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POSSÍVEL CRIME DE RESPONSABILIDADE. DESPROVIMENTO. (...) 13. Abertura de créditos suplementares, sem autorização legal e sem recursos disponíveis, enquadra-se na inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90, pois configura vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes, dentre eles o AgR-REspe 83-80/MG, ReI. Min. Gilmar Mendes, DJe de 20.4.2016 e o AgR-REspe 172-51/BA, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 9.4.2013. 14. Essa conduta contraria frontalmente os arts. 167, V e VII, da CF/88 e 43 da Lei 4.320/64, e, ainda, constitui em tese crime de responsabilidade, nos termos do art. 11, item 2, da Lei 1.079/50. 15. A teor dos incisos V e VII do art. 167 da CF/188, veda-se “a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes” e, ainda, “a concessão ou utilização de créditos ilimitados”. Da mesma forma, art. 43 da Lei 4.320/64 estabelece que “a abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa”. 16. Segundo o art. 11, item 2, da Lei 1.079/50, “são crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos: abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais”. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 235

(...) 21. No ponto, o dolo – genérico ou eventual, não se exigindo o específico (conforme tópico 7 desta ementa) – configurou-se na medida em que o recorrente, ao abrir créditos suplementares sem autorização legal, sem recursos disponíveis e em montante superior ao orçamento da área de assistência social de Ervália/MG, deixou de atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos. CONCLUSÃO 22. Recurso especial a que se nega provimento, mantendo-se indeferido o registro de candidatura de Edson Said Rezende ao cargo de prefeito de Ervália/MG nas Eleições 2016. (Recurso Especial Eleitoral nº 11733, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 15/12/2016)   EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. INELEGIBILIDADE. INOBSERVÂNCIA À LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. NOTÓRIO DÉFICIT ORÇAMENTÁRIO. REITERAÇÃO DA CONDUTA APÓS OITO ALERTAS DO TCE/ SP. MAJORAÇÃO. GASTOS. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. ANO ELEITORAL. VÍCIO INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACOLHIMENTO PARCIAL, SEM EFEITOS MODIFICATIVOS. ESCLARECIMENTOS. (...) 13. Inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal configura vício insanável e ato doloso de improbidade administrativa, não se exigindo dolo específico, bastando o genérico ou eventual, que se caracterizam quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos. Precedentes. (...) (Recurso Especial Eleitoral nº 50563, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 31/10/2017, Página 77-78)   ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO (COLIGAÇÃO FRENTE AMPLA - PRB/PDT/PT/ PPS/PSD). INDEFERIDO. ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/1990. AUSÊNCIA DE REPASSE DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUSENTE PROVIMENTO JUDICIAL SUSPENSIVO. (...) 236 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

2. O não recolhimento de contribuições previdenciárias constitui irregularidade insanável que configura ato doloso de improbidade administrativa, apta a atrair a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. Precedentes. (...) (Recurso Especial Eleitoral nº 10397, Acórdão, Relator(a) Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 65, Data 31/03/2017, Página 172) A realização de despesas vedadas pelo art. 8º da Lei 7.990/89 configura, igualmente, desrespeito ao princípio da legalidade, enquadrando-se, assim, no disposto no art. 11 da Lei 8.429/92. Nesse ponto, ressalta-se que, segundo remansoso entendimento jurisprudencial, como se verifica em julgados já mencionados acima, não se exige dolo específico para a incidência da causa de inelegibilidade em questão, bastando o genérico ou eventual, que ocorre quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam os gastos públicos. É isso, justamente, o que se constata no presente caso, haja vista que as irregularidades decorrem de decisões tomadas pela recorrente, no exercício da chefia do Poder Executivo municipal. Cabe destacar, ainda, que a gravidade da irregularidade nº 2 e da impropriedade nº 9 é reforçada pelas seguintes considerações da Corte de Contas: [...] O mesmo ocorre em relação à irregularidade nº 5, sobre a qual assim se manifestou o TCE/RJ: [...] A recorrente traz uma série de argumentos destinados a afastar a caracterização dessas irregularidades, os quais, porém, não podem ser examinados por esta Justiça especializada, à qual não cabe analisar o acerto ou desacerto das decisões dos órgãos competentes para apreciar as contas, como estabelece a Súmula nº 41 do Tribunal Superior Eleitoral: [...] À Justiça Eleitoral compete, apenas, verificar se as irregularidades apuradas são insanáveis e configuram ato doloso de improbidade administrativa, como já se disse aqui. (grifos acrescidos) As conclusões do acórdão recorrido estão perfeitamente alinhadas ao entendimento do TSE acerca de cada uma das irregularidades consideradas. Para tanto, confiram-se os seguintes precedentes, todos alusivos às eleições de 2020, em que foram analisadas irregularidades similares: AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ART. 1º, I,  G, DA LC 64/90. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 237

ADMINISTRATIVA. AUMENTO. DESPESA COM PESSOAL. EXTRAPOLAMENTO. LIMITE LEGAL. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. INOBSERVÂNCIA. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. No  decisum  monocrático, manteve-se aresto unânime do TRE/PR em que se indeferiu registro de candidatura ao cargo de vereador de Ubiratã/PR nas Eleições 2020, por se entender configurada a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90. 2. Consoante o art. 1º, I, g, da LC 64/90, são inelegíveis “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes [...]”. 3. Para fim da referida inelegibilidade, não se exige a presença de dolo específico, mas apenas de dolo genérico, que se caracteriza quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que vinculam e pautam os gastos públicos. Precedentes. [...] 6. O vício que motivou a rejeição das contas – extrapolamento do teto das despesas com pessoal – demonstra grave desrespeito ao equilíbrio das finanças públicas e ao princípio da economicidade e configura, portanto, ato doloso de improbidade administrativa, nos termos do art. 1º, I, g, da LC 64/90. [...] 8. Descabe a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para afastar o óbice ao  ius honorum, pois as falhas não possuem natureza formal, revelando-se, na verdade, inequívoco descumprimento de regras objetivas quanto à gestão econômica da administração pública. 9. Agravo interno a que se nega provimento. (AgR-REspEl nº 0600108-26/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5.4.2021, DJe de 22.04.2021 – grifos acrescidos) ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. ELEITO. INDEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/1990. REJEIÇÃO DE CONTAS PELA CÂMARA DE VEREADORES. DESCUMPRIMENTO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. AUSÊNCIA DE REPASSE DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DE SERVIDORES. INSANABILIDADE. CONFIGURAÇÃO DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACÓRDÃO REGIONAL EM HARMONIA 238 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA Nº 30/TSE. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE IRREGULARIDADES CONSTANTES DA DECISÃO PROFERIDA PELA CÂMARA MUNICIPAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL PARA ANALISAR QUESTÕES ALHEIAS AO PROCESSO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. SÚMULA Nº 41/TSE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO. [...] 2. Nos termos da decisão agravada, a partir das premissas emolduradas no acórdão regional, extraiu-se que as irregularidades constatadas na decisão de rejeição de contas prolatada pela Câmara Municipal de Capoeiras/PE referem-se à ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias dos servidores públicos municipais, patronal e dos segurados, inclusive de parte da contribuição retida na fonte; descumprimento reiterado do teto de gastos com pessoal e empenho de despesas no ano de 2012 sem deixar dinheiro em caixa para que seu sucessor honrasse tais despesas. Diante de tal cenário, o Tribunal a quo concluiu que as irregularidades são insanáveis e constituem atos dolosos de improbidade administrativa. 3. Quanto ao elemento subjetivo, o dolo genérico restou devidamente demonstrado pela Corte de origem, caracterizado pelo fato de que o agravante, além de não ter observado a legislação previdenciária pertinente e de ter empenhado despesas em 2012 sem ter deixado em caixa recursos suficientes para que o seu sucessor pudesse pagar as despesas correspondentes, promoveu, de forma reiterada, gastos com pessoal acima dos limites permitidos, a evidenciar o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. 4. O acórdão regional, ao considerar que as referidas irregularidades são aptas a atrair a inelegibilidade em questão, encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de que a ausência de recolhimento de contribuições previdenciárias e o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal caracterizam vícios insanáveis configuradores de ato doloso de improbidade administrativa, que atrai a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, de modo que incide na espécie a Súmula nº 30/TSE. [...] (AgR-REspEl nº 0600224-06/PE, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18.3.2021, DJe de 5.4.2021 – grifos acrescidos) RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. CONTAS DE EXERCÍCIO REJEITADAS POR CÂMARA MUNICIPAL. CONTAS RELATIVAS A CONVÊNIO COM O INCRA REJEITADAS PELO TCU. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS QUE CONFIGURAM 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 239

ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INELEGIBILIDADE. CONDENAÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PRESENÇA. CONDUTA DOLOSA. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. Recurso especial interposto contra aresto unânime em que o TRE/ MS indeferiu o registro do candidato vencedor do pleito majoritário de Sidrolândia/MS nas Eleições 2020 com base nas causas de inelegibilidade do art. 1º, I, g e l, da LC 64/90. [...] 4. Relativamente às contas do exercício de 2008 pela Câmara Municipal de Sidrolândia/MS, após parecer prévio desfavorável do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul (processo TC 02283/2009), por meio do Decreto Legislativo municipal 1/2019, verifica-se que as irregularidades apontadas foram: a) abertura de crédito suplementar sem previsão de recursos para compra de cinco ônibus; b) retenção de contribuições previdenciárias sem repasse para o Instituto de Previdência dos Servidores Públicos Municipais. 5. Ambas as práticas que ensejaram a rejeição dessas contas são reconhecidas na jurisprudência deste Tribunal como caracterizadoras de irregularidade insanável aptas a configurar ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes. [...] (REspEl nº 0600225-35/MS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2.3.2021, DJe de 8.4.2021 – grifos acrescidos) Diante disso, noto que, ao contrário do que alega a recorrente, as espécies de irregularidades que ensejaram a rejeição das contas configuram vícios insanáveis caracterizadores de ato doloso de improbidade administrativa, tendo o TRE/RJ, efetivamente, demonstrado o preenchimento deste específico requisito em relação a cada uma das irregularidades que constaram do acórdão regional. Ademais, para fins de incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, basta a demonstração do dolo genérico do ato de improbidade, “[...] que se caracteriza quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que pautam os gastos públicos” (RespEl nº 0600150- 86/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS de 12.11.2020). Assim, entendo ser infrutífera a tese de que a recorrente, enquanto prefeita, não teria como agir de modo diverso, até porque, conforme assentou o Tribunal regional, as irregularidades foram praticadas durante o exercício da chefia do Poder Executivo municipal por Christiane Miranda de Andrade Cordeiro. Por fim, no que tange à análise dos atos e das justificativas que, segundo a recorrente, serviriam para demonstrar a ausência do caráter doloso nas irregularidades por ela enumeradas às fls. 32-34 do apelo nobre, também é irreparável a conclusão do TRE/RJ de 240 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

que tais argumentos não se prestam para afastar a incidência da causa de inelegibilidade em análise, haja vista que, conforme o Verbete Sumular nº 41 do TSE, “não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade”. Desse modo, diante da constatação de que a decisão recorrida se encontra em conformidade com a jurisprudência desta Corte Superior acerca do tema, é de rigor a incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE, cujo óbice constitui fundamento para afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial – por afronta à lei e por dissídio jurisprudencial (AgR-AI nº 0601754-23/SC, rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12.5.2020, DJe de 20.5.2020). Tendo em vista a ora recorrente, em 25.2.2021, noticiou que “[...] a Câmara de Vereadores de Carapebus revogou a resolução que havia decidido pela rejeição das contas, tornando, portanto, absolutamente inexistente qualquer óbice ao registro” (ID 110388388, fl. 1), faz-se mister aferir se tal fato superveniente tem o condão de, no caso, elidir a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990. Isso porque esta Corte Superior entende que: [...] a revogação, por critérios de oportunidade e conveniência, do decreto legislativo atinente ao julgamento das contas do chefe do Poder Executivo não produz efeitos sobre o registro do candidato, todavia a sua anulação, pela própria Câmara Municipal, é apta a afastar a incidência da inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90 [...] (AgR-RO nº 920-12/CE, rel. Min. Henrique Neves da Silva, PSESS de 28.10.2014) Essa compreensão foi ratificada pelo TSE no julgamento de casos também relativos ao pleito de 2020 (REspEl nº 0600345-20/SP, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 18.12.2020; REspEl nº 0600236-06/BA, de minha relatoria, PSESS de 14.12.2020; e REspEl nº 0600161-54/BA, rel. Min. Luis Felipe Salomão, PSESS de 7.12.2020). Em cumprimento ao despacho de ID 131746088 – por meio do qual, em observância aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da não surpresa, foi determinada a intimação da recorrente para que se manifestasse quanto às informações que compuseram o cenário fático-jurídico narrado –, Christiane Miranda de Andrade Cordeiro aduziu o seguinte (ID 133114138, fls. 1-9): Em primeiro lugar, cabe manifestar repúdio à [sic] qualquer insinuação de fraude processual, já que descabida e resultado de evidente desconsideração dos direitos fundamentais de acesso ao Judiciário e ampla defesa. Tais direitos, verdadeiras cláusulas pétreas, não sofrem mitigação de regras de quilate inferior, somente sofrendo limitação de outros direitos fundamentais. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 241

Todos os fatos e fundamentos utilizados pela candidata para obtenção da liminar e deferimento do registro são verdadeiros. De fato, naquela data (do requerimento da liminar no presente RCAND) a decisão de rejeição das contas estava suspensa por liminar obtida pelo Município de Carapebus. Mesmo tal liminar tendo sido posteriormente cassada (ids. 67614688 e 67614738), a Câmara Municipal revogou o ato (ids.98557738, 98568538 e 98569138), confirmando a ausência de óbice ao deferimento da candidatura. [...] [...] é importante destacar que a própria Câmara Municipal de Carapebus, através de decisão plenária, revogou a resolução de rejeição das contas e anulou o respectivo procedimento, por reconhecer nulidades no referido processo, conforme já noticiado neste feito (ids.98557738, 98568538 e 98569138), o que expurgou totalmente do mundo jurídico o único ato que motivou o indeferimento da candidatura nas instâncias inferiores. Tanto assim, em razão da Câmara Municipal ter votado nova resolução, a citada ação da 1ª Vara de Fazenda Pública da Capital teve sentença extintiva por perda de objeto, ID 110388588, bem como o agravo da decisão que buscava cassar a liminar concedida também perdeu o objeto, decisão em anexo, razão pela qual o registro de candidatura dever ser deferido em definitivo. [...] Tendo em vista que a data da diplomação é reconhecidamente o termo final para a alteração fática capaz de causar efeitos no processo de registro de candidatura e como nesta data a decisão que reprovou as contas estava suspensa, requer seja dado provimento definitivo ao recurso especial com procedência do pedido de registro de candidatura, relembrando que a Câmara de Vereadores, posteriormente, revogou a resolução de rejeição das referidas contas e anulou o respectivo procedimento, não havendo, portanto, causa de inelegibilidade apta a obstar o deferimento do registro. No caso, é incontroverso que: a) a Câmara Municipal de Carapebus/RJ, na sessão de 25.6.2020, ratificou o parecer do TCE/RJ exarado no processo de nº 216.792- 4/2018 e desaprovou as contas relativas ao exercício financeiro de 2017 da chefe do Poder Executivo local – Christiane Miranda de Andrade Cordeiro –, cuja deliberação foi materializada na Resolução nº 004/2020, de 26.6.2020; b) em 23.11.2020, o TRE/RJ manteve a sentença do Juízo da 255ª Zona Eleitoral, que indeferiu o registro de candidatura da ora recorrente ao cargo de Prefeito do Município de Carapebus/RJ, 242 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

em razão da incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, ante a aludida rejeição das contas; c) em 18.12.2020, data em que o presente recurso especial aportou neste gabinete, a recorrente noticiou a existência de decisum proferido pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, por meio da qual foi concedida “[...] tutela de urgência em caráter antecedente para SUSPENDER os efeitos da Resolução nº 004/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus [...]” (ID 66091588, fl. 3); d) em 19.12.2020, sobreveio decisum do TJ/RJ que cassou os efeitos da decisão liminar proferida pelo Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, tendo sido consignado que (ID 67614738, fl. 4): [...] houve tentativa de fraude processual, com o objetivo de obtenção de decisão judicial que pudesse suspender a inelegibilidade da Prefeita Christiane Cordeiro, tendo em vista a existência de demanda anteriormente em curso, com integral identidade de pedido e de causa de pedir, em que já houve a apreciação e o sucessivo indeferimento do pedido de concessão da tutela provisória de urgência, consistente na suspensão da Resolução Legislativa n. 04/2020, editada pela Câmara Municipal de Carapebus e) em 2.2.2021, foi noticiado que a Câmara de Vereadores de Carapebus/RJ, naquele dia, em sessão extraordinária, deliberou por revogar a Resolução nº 004/2020, anular os atos e procedimentos que culminaram na sua edição e suspender os trabalhos da comissão competente para analisar as contas que foram objeto da resolução revogada; f) em 25.2.2021, a recorrente informou que o Juízo que havia prolatado a decisão liminar que a beneficiou havia julgado extinto, sem resolução do mérito, o respectivo processo – ajuizado pelo Município de Carapebus/RJ –, em razão da superveniente perda do interesse processual, ante a constatação de que a resolução objeto da suspensão liminar havia sido revogada por ato do próprio órgão legislativo municipal que a editou. A recorrente defende que a revogação da Resolução nº 004/2020 pela Câmara de Vereadores de Carapebus/RJ “[...] expurgou totalmente do mundo jurídico o único ato que motivou o indeferimento da candidatura nas instâncias inferiores” (ID 133114138, fl. 7). Fixadas essas premissas, constato que os argumentos de Christiane Miranda de Andrade Cordeiro não prosperam. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 243

No âmbito desta Justiça especializada, para ser reconhecida a legalidade de deliberação de ato colegiado da Câmara Municipal editado com o fim de anular os efeitos de deliberação pretérita por ela mesma proferida, em que rejeitadas as contas do chefe do Poder Executivo local, há que se verificar se os fundamentos que levaram a tal proceder decorreram da constatação de violação às regras e aos princípios constitucionais relativos ao devido processo legal. Esta Corte Superior entende que somente “[...] a anulação (mas não a  revogação) do  decreto  anterior de rejeição de contas pela Câmara Municipal por manifesta ilegalidade é admitida por esta Corte Superior [...]” para o fim de afastar a incidência da causa de inelegibilidade da alínea g do inciso I do art. 1º da LC nº 64/1990 (REspEl nº 0600345-20/SP, rel. Min. Sérgio Banhos, PSESS de 18.12.2020). Da análise da Resolução nº 002/2021 – cujo conteúdo foi ratificado pela recorrente em suas manifestações –, noto inexistirem fundamentos – seja nas justificativas do ato normativo, seja nos dispositivos – pelos quais teria se afigurado “[...] legítima, legal e eficaz a decisão colegiada da Câmara de Vereadores que, valendo-se de seu poder de autotutela, por vislumbrar irregularidades formais no julgamento das contas de gestão do então prefeito, anulou o decreto legislativo de rejeição das contas” (REspEl nº 0600100-13/TO, de minha relatoria, PSESS de 11.12.2020). Assim, sendo certo que não há conteúdo algum que possa indicar ter havido violação ao devido processo legal e/ou às garantias constitucionais incidentes sobre os atos e procedimentos que culminaram na rejeição das contas, materializada pela Resolução nº 004/2020, de 26.6.2020, é inviável considerar a eficácia dessa deliberação para se afastar requisito específico contido no art. 1º, I, g, da Lei de Inelegibilidade. Na realidade, ante a ausência de vícios de procedimento ou de ofensa às garantias fundamentais, constata-se que a Resolução nº 002/2021 possui nítida natureza de revogação, em que a deliberação decorre de critérios meramente políticos, de conveniência ou de oportunidade. Reforça essa compreensão o fato de que, além de a aludida revogação ter sido deliberada em sessão extraordinária, foi aquela Casa Legislativa municipal que interpôs o recurso contra a decisão liminar que suspendeu os efeitos da Resolução nº 004/2020 – cuja análise pelo TJ/RJ redundou na cassação dos efeitos daquele decisum –, circunstâncias que denotam que a controvertida deliberação que levou à edição da Resolução nº 002/2021 se encontra eivada de casuísmo, mormente porque editada após a renovação das cadeiras do órgão legislativo municipal, decorrente do resultado das eleições de 2020, o que reforça a conclusão acerca da natureza revogatória do referido expediente. Ainda que assim não fosse, aplica-se aqui o entendimento do TSE acerca do marco temporal para a admissão de fato superveniente capaz de repercutir no pedido de registro de candidatura. Conforme exposto, a revogação da Resolução nº 004/2020 ocorreu na sessão extraordinária de 2.2.2021 – após, portanto, a data da diplomação (18.12.2020) –, circunstância que, por si só, impede que a Resolução nº 002/2021 surta efeitos no 244 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

âmbito do presente requerimento de registro de candidatura. Nesse sentido: REspe nº 187-25/MA, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19.6.2018, DJe de 29.6.2018). Enfim, por qualquer lado que se analise, a novel Resolução nº 002/2021 não se presta para, no caso, afastar os efeitos decorrentes da rejeição das contas, materializada pela Resolução nº 004/2020. Diante disso, ratifico a higidez da completude dos requisitos necessários para a incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990, conforme concluído pelas instâncias ordinárias. CONCLUSÃO Nos termos da jurisprudência do TSE, [...] O indeferimento do registro e a cassação do diploma ou do mandato dos eleitos em pleito regido pelo sistema majoritário – de maioria simples ou absoluta –, independentemente do número de votos anulados, têm como consequência a realização de nova eleição, nos termos do art. 224, § 3º, do CE, determinação que teve a constitucionalidade reconhecida pelo STF nas ADIs nºs 5.525/DF e 5.619/DF, ambas de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, publicadas no DJe de 29.11.2019 e 7.8.2018, respectivamente. [...] (REspEl nº 0600041-05/PI, de minha relatoria, PSESS de 15.12.2020) Ante o exposto, torno insubsistentes os efeitos da tutela de urgência e nego provimento ao recurso especial. Por conseguinte, determino: (a) a anulação dos votos conferidos a Christiane Miranda de Andrade Cordeiro na eleição ocorrida em 15.11.2020; (b) ao TRE/RJ, a adoção de providências para a imediata realização de nova eleição para a chefia do Poder Executivo do Município de Carapebus/RJ; (c) ao presidente da respectiva Câmara de Vereadores, o exercício, em caráter provisório, do cargo de prefeito da referida municipalidade até ultimada a diplomação daquele que lograr êxito na futura eleição suplementar. Proceda a Secretaria Judiciária: (a) à imediata comunicação deste acórdão ao TRE/ RJ e ao Juízo da 255ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro, que abrange o Município de Carapebus/RJ; (b) ao encaminhamento de cópia integral dos autos digitais ao Conselho Seccional da OAB/RJ e à Corregedoria do TJ/RJ, a fim de que procedam como entenderem de direito, tendo em vista a afirmação do desembargador Celso Silva Filho, do TJ/RJ, nos autos do AI nº 0297423-70.2020.8.19.0001/RJ, de que “[...] houve tentativa de fraude processual, com o objetivo de obtenção de decisão judicial que pudesse suspender a inelegibilidade da Prefeita Christiane Cordeiro” (ID 67614738, fl. 4). É como voto. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 245

MINISTRO TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (MINISTRO DO TSE) TSE/AL - N. 0600181-98.2020.6.02.0029 TEMA INELEGIBILIDADE. ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA “L”, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90 EMENTA: ELEIÇÕES 2020. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/90. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REQUISITOS CUMULATIVOS. DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. DESPROVIMENTO. 1. A incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90 exige a presença dos seguintes requisitos: a) condenação à suspensão dos direitos políticos; b) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; c) ato doloso de improbidade administrativa; e d) que o ato tenha causado, concomitantemente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. 2. No julgado paradigmático oriundo do Município de Quatá/SP (REspe nº 49-32), atinente às eleições de 2016, houve a sinalização, pro futuro, de revisitação do tema para que tais requisitos pudessem ser exigidos de forma alternativa. 246 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

3. No pleito de 2018, no julgamento do Recurso Ordinário nº 0600582- 90/ES, o TSE, por maioria, reafirmou a tese quanto à aplicação cumulativa dos requisitos do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito para a incidência da referida causa de inelegibilidade. 4. Inviável a leitura disjuntiva dos requisitos da causa inelegibilidade – dano ao erário ou enriquecimento ilícito –, tendo em vista o óbice intransponível do princípio constitucional da separação de poderes, porquanto “a inserção da norma no mundo da vida não autoriza o julgador a reescrevê-la no afã de adaptá-la à sua percepção de justiça, pois tal atitude desborda da sua esfera de competência, um dos limites à autoridade do poder sobre a liberdade, seja ela individual ou coletiva” (RO nº 0600582-90/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS em 4.10.2018). 5. Reafirmada, para as eleições de 2020, a jurisprudência, já albergada em pleitos anteriores, no sentido da aplicação cumulativa dos requisitos do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito para a incidência da causa de inelegibilidade disposta no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90. 6. Recurso especial desprovido. Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, em negar provimento ao recurso especial, nos temros do voto do relator. Brasília, 1º de dezembro de 2020. Ministro Tarcicio Vieira de Carvalho Neto Relator RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO: Senhor Presidente, trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE/AL) pelo qual foi negado provimento ao recurso eleitoral manejado pela Coligação chegou a hora de cuidar de Monteirópolis e mantida a sentença de deferimento do registro de candidatura de Mailson de Mendonça Lima para o cargo de prefeito do Município de Monteirópolis/AL nas eleições de 2020, afastando-se a incidência da cláusula de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90. Em destaque, a ementa do acórdão impugnado: RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2020. CARGO DE PREFEITO. MUNICÍPIO DE MONTEIRÓPOLIS. IMPUGNAÇÃO 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 247

AO REGISTRO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA “l”, LC 64/90. SÚMULA 41 DO COLENDO TSE. CONDENAÇÃO POR ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO POR ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. NECESSIDADE DE CUMULAÇÃO DOS REQUISITOS. PRECEDENTES DO TSE. DEFERIMENTO DO REGISTRO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (ID no 53686238) No recurso especial de ID nº 53686388, interposto com fundamento no art. 276, I, a, do Código Eleitoral, o Ministério Público Eleitoral sustenta, em síntese, ser despicienda, para a incidência da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90, a presença concomitante dos requisitos elencados no dispositivo sob análise, quais sejam, o dano ao erário e o enriquecimento ilícito. Contrarrazões ofertadas por Mailson de Mendonça Lima (ID nº 53686588). Dispensado juízo de admissibilidade (art. 63, §3o, da Res.-TSE nº 23.609/2019). A Procuradoria-Geral Eleitoral opina pelo provimento do recurso especial, em parecer assim ementado (ID nº 54468788): ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. INELEGIBILIDADE ABSOLUTA INFRACONSTITUCIONAL. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO OU DANO AO ERÁRIO. RESULTADOS SUFICIENTES, DE PER SI, PARA QUALIFICAR O ATO DE IMPROBIDADE NECESSÁRIO À ANEXAÇÃO DO ÓBICE AO IUS HONORUM. CONCOMITÂNCIA, CUMULATIVIDADE. DESNECESSIDADE. — Parecer pelo provimento do recurso especial. É o relatório. VOTO O SENHOR MINISTRO TARCISIO VIEIRA DE CARVALHO NETO (relator): Senhor Presidente, a insurgência não merece prosperar. Na espécie, o TRE/AL, por unanimidade, negou provimento ao recurso eleitoral manejado pela Coligação Chegou a Hora de Cuidar de Monteirópolis para manter a sentença de deferimento do registro de candidatura de Mailson de Mendonça Lima para o cargo de prefeito do Município de Monteirópolis/AL nas eleições de 2020, afastando- se a incidência da cláusula de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90, porquanto ausente o requisito atinente ao enriquecimento ilícito. Reproduzo, por oportuno, a fundamentação perfilhada no aresto regional: O objeto em análise cuida de controvérsia acerca da condenação por improbidade administrativa, sem enriquecimento ilícito ser apta a gerar 248 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, alínea “l” da Lei Complementar nº 64/90. Acerca do tema, a Constituição Federal adotou medida moralizadora, a fim de impedir que cidadãos ímprobos por atos de má gestão pública cometidos em sua vida pregressa, pudessem concorrer a mandatos eletivos. Eis o texto constitucional e o da lei complementar atinente ao tema: [...] Estabelecidas as balizas postas pela legislação, cumpre a este Tribunal analisar a presença, ou não, dos requisitos autorizadores da configuração da inelegibilidade alegada, sendo certo que não nos cabe analisar o acerto ou desacerto do órgão julgador competente, nos termos do que dispõe a Súmula 41 do TSE. Vejamos: [...] Nessa toada, compulsando detidamente os autos, observa-se que o Recorrido foi condenado pela prática de ato doloso de improbidade administrativa, nos autos do processo n.º 0000234-27.2010.8.02.0025, onde o Juízo da Comarca de Olho D’Água das Flores, sendo o feito julgado parcialmente procedente nos seguintes termos: a) Condeno os réus Paulo Sérgio Vieira dos Santos e Mailson de Mendonça Lima, de forma solidária, a devolução do valor de R$ 119.997,28 (cento e dezenove mil, novecentos e noventa e sete reais e vinte e oito centavos), a título de ressarcimento ao erário, em favor do Município de Monteirópolis/AL; b) Condeno os réus Paulo Sérgio Vieira dos Santos e Mailson de Mendonça Lima à suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 05 (cinco) anos, cada um; c) Ficam os réus Paulo Sérgio Vieira dos Santos e Mailson de Mendonça Lima proibidos de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; d) Decreto a perda dos cargos, empregos ou funções públicas atualmente exercidos pelos réus Paulo Sérgio Vieira dos Santos e Mailson de Mendonça Lima ou daqueles que porventura venham a ser titularizados, quando do trânsito em julgado desta sentença; e) Condeno, ainda, o réu Mailson de Mendonça Lima ao pagamento de multa civil no montante de 50 (cinquenta) vezes a quantia que percebia como remuneração pelo cargo de Prefeito do Município de Monteirópolis AL” (fls. 532/533). 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 249

Dessa decisão, foi interposta apelação ao Tribunal de Justiça de Alagoas, que em 26 de fevereiro de 2018 foi desprovida pelo órgão colegiado. Da leitura da decisão, e como já mencionado anteriormente, extrai-se que o recorrido foi condenado por ato doloso de improbidade administrativa, porém sem comprovação de enriquecimento ilícito. Esse o fato que gerou a improcedência da AIRC e o deferimento do registro pelo Juízo a quo. Destaco: A Lei nº 8.429, de 2.6.1992, denominada Lei de Improbidade Administrativa – LIA, disciplinou os atos de improbidade administrativa em três categorias: atos que importam enriquecimento ilícito do agente público, atos que causam prejuízo efetivo ao Erário e atos que atentam contra os princípios da Administração Pública. A incidência desta causa de inelegibilidade somente ocorre quando a condenação do agente público à suspensão dos direitos políticos for por violação simultânea das duas primeiras modalidades de atos de improbidade administrativa, ou seja, por ato doloso que cause lesão ao patrimônio público e importe em enriquecimento ilícito do agente público. Portanto, não se inserem nessa causa de inelegibilidade os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao Erário e os que importam enriquecimento ilícito, quando isoladamente cominados, bem assim os que atentam contra os princípios da Administração Pública. No caso em tela, restou comprovado, inclusive expressamente em trecho da Sentença condenatória de 1º grau, que o impugnado Maílson de Mendonça Lima não logrou enriquecimento ilícito, sendo responsável pelo dano ao erário. Em seu parecer, a Procuradoria aponta a necessidade de alteração do entendimento jurisprudencial e discorre acerca dos relevantes motivos para isso, porém, em pese os tribunais superiores sinalizarem uma possível mudança de posicionamento, o certo é que até o presente momento continua sendo exigida a cumulação dos requisitos para a geração da inelegibilidade do art. 1º, I, “l”, da Lei das Inelegibilidades. 250 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE


Like this book? You can publish your book online for free in a few minutes!
Create your own flipbook