[...] Nesse diapasão, numa leitura da decisão condenatória, verifica-se a inexistência de condenação por enriquecimento ilícito, conforme delineado no texto do decisum, de modo que não se observa a conjugação simultânea dos requisitos ensejadores da causa de inelegibilidade alegada, quais sejam: a) suspensão dos direitos políticos; b) condenação por ato doloso de improbidade administrativa; c) que importou prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito; d) por decisão de órgão colegiado ou trânsito em julgado. Desse modo, não há como ser apontada a inelegibilidade sem a conjugação de todos os elementos previstos na norma, não cabendo a este Tribunal presumir o que não foi dito na decisão condenatória, com o fito de gerar inelegibilidade a pretenso candidato. De igual modo concluiu a sentença ora guerreada. Por tudo quanto exposto, não entendo demonstrada a inelegibilidade alegada pela coligação recorrente, de maneira que voto pelo desprovimento do recurso e pela manutenção da sentença que deferiu o registro de candidatura de Maílson de Mendonça Lima. (ID no 53686188, fls. 1-5) O Parquet aduz que, conquanto afastado o requisito do enriquecimento ilícito, para efeito da caracterização da inelegibilidade da alínea l, é dispensável a cumulação dessa circunstância com o dano ao Erário, o qual restou devidamente comprovado nos presentes autos. Reforça, assim, o posicionamento externado no pleito de 2016 de ser necessária a rediscussão da matéria nesta Corte Superior a fim de remodelar a jurisprudência para as eleições em curso, no sentido de compreender os requisitos do enriquecimento ilícito e do dano ao Erário como não cumulativos na hipótese de inelegibilidade decorrente de condenação por ato de improbidade administrativa. Sem razão, contudo. Conforme declinado no acórdão regional, restou comprovado, inclusive expressamente em trecho da Sentença condenatória de 1º grau, que o impugnado Maílson de Mendonça Lima, ora recorrido, não logrou enriquecimento ilícito, sendo responsável pelo dano ao erário, não sendo possível alterar tais premissas na via estreita do recurso especial, ex vi do disposto na Súmula nº 24/TSE. Reitere-se, pois, que a tese devolvida no presente apelo nobre é essencialmente jurídica, e diz respeito à interpretação da cláusula de inelegibilidade prevista no art. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 251
1º, I, l, da LC nº 64/90, cuja incidência exige a presença dos seguintes requisitos: a) condenação à suspensão dos direitos políticos; b) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; c) ato doloso de improbidade administrativa; e d) que o ato tenha causado, concomitantemente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Quanto à simultaneidade de ambos os elementos (item d supra), não se desconhece que, no julgado paradigmático oriundo do Município de Quatá/SP (REspe nº 49-32), atinente às eleições de 2016, houve a sinalização, pro futuro, de revisitação do tema para que tais requisitos pudessem ser exigidos de forma alternativa, como proposto no voto-vista do e. Ministro Herman Benjamin. Todavia, no ciclo de 2018, no julgamento do Recurso Ordinário nº 0600582-90/ ES, o TSE, por maioria, vencida a Ministra Presidente Rosa Weber, reafirmou a tese, já albergada em pleitos anteriores, quanto à aplicação cumulativa dos requisitos do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito para a incidência da referida causa de inelegibilidade. A deliberação desta Corte Superior foi sintetizada na seguinte ementa: ELEIÇÕES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO. DEPUTADO FEDERAL. IMPUGNAÇÃO. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. REQUISITOS CUMULATIVOS. DANO AO ERÁRIO E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, l, DA LC nº 64/90. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. I. APONTAMENTOS SOBRE A INELEGIBILIDADE POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PREVISTA NO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/90 – POSIÇÃO CONSOLIDADA DA JURISPRUDÊNCIA DO TSE 1. Conforme a jurisprudência solidificada do TSE, a configuração da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90 exige a presença simultânea dos seguintes requisitos: a) condenação à suspensão dos direitos políticos; b) decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; c) ato doloso de improbidade administrativa; d) que o ato tenha causado, concomitantemente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Precedentes do TSE. 2. Mediante o julgado paradigmático oriundo do Município de Quatá/SP (REspe nº 49–32/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS de 18.10.2016), no qual se confirmou que os requisitos do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito devem ser cumulativos, e não alternativos, o TSE sinalizou, para o futuro, a possibilidade de rediscutir a matéria. 3. Todavia, em prol da segurança jurídica, a Corte deliberou por manter a jurisprudência e prestigiar o direito à elegibilidade por meio de 252 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
interpretação estrita do dispositivo legal, mantendo–se fiel ao dever atribuído a todo e qualquer tribunal de uniformizar a sua jurisprudência e mantê–la estável, íntegra e coerente (arts. 926 e 927 do CPC/15). II. O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES COMO BARREIRA À INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE 4. A atual redação da causa de inelegibilidade descrita na alínea l do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90 (Lei de Inelegibilidades) foi dada pela Lei nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), a qual integrou ao diploma normativo novas hipóteses de inelegibilidade e ampliou os respectivos prazos no intuito de robustecer a proteção estatal à probidade e à moralidade administrativa. 5. Considerando que a lei foi concebida no seio de processo legislativo autêntico, a interferência do Poder Judiciário nas escolhas políticas feitas pelo legislador deve ocorrer em situações excepcionais, sob pena de desnaturação do sistema de pesos e contrapesos (checks and balances), ínsito ao princípio da separação dos poderes. 6. Especificamente quanto aos requisitos a serem observados na aferição da hipótese de inelegibilidade decorrente de condenação por ato de improbidade administrativa, ir além da vontade do legislador para interpretar causa de inelegibilidade de forma diversa da literalidade da norma implicaria atentado contra a independência do Poder Legislativo e o princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF). 7. Nessa perspectiva, é de ser mantida a solução dada pela jurisprudência até aqui consolidada, no sentido da aplicação cumulativa dos requisitos do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito para a incidência da norma sancionadora e restritiva do ius honorum, prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90. III. A inelegibilidade da alínea l nas Eleições 2018 – o paradigma do RO nº 0603231–22/RJ 8. Ao julgar o RO nº 0603231–22.2018.6.19.0000/RJ, na sessão jurisdicional de 27.9.2018, esta Corte manteve indeferido registro de candidatura por entender configurada a inelegibilidade por ato de improbidade administrativa em caso no qual constatada, de forma inequívoca, a presença simultânea dos requisitos do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito de terceiro, de modo que a discussão acerca da cumulatividade das condições que justificam a incidência da hipótese restritiva do ius honorum prevista na alíena l, não obstante reafirmada pela maioria dos membros da Corte, não constituiu o fundamento central do decisum. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 253
IV. CONTORNOS FÁTICOS DA CAUSA TRATADA NO PRESENTE RECURSO ORDINÁRIO E AUSÊNCIA DE MENÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO NO ÉDITO CONDENATÓRIO 9. Na espécie, o Tribunal Regional Eleitoral entendeu que a condenação à suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa, proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região contra a recorrida, não ensejou a configuração da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90, porquanto o acórdão sancionador não assentou a ocorrência de enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro. 10. Consta dos autos que, no ano de 2005, quando ocupava o cargo de prefeita do Município de Itapemirim/ES, a recorrida foi responsável pela construção de quiosque e banheiro público em área de preservação permanente e de proteção ambiental, situada na zona costeira do Bioma da Mata Atlântica, sem a obtenção de prévio licenciamento ambiental e sem a competente autorização da Gerência de Patrimônio da União no Estado do Espírito Santo (GRPU/ES), postura que causou prejuízo ao Erário no valor de R$ 63.209,20 (sessenta e três mil, duzentos e nove reais e vinte centavos). 11. Ainda que seja permitido à Justiça Eleitoral o exame da questão de fundo relativa à condenação por ato ímprobo, para o efeito de aferir os requisitos necessários à configuração da inelegibilidade, tal exame está adstrito aos contornos fáticos delineados pelo acórdão condenatório proferido pela Justiça Comum, sob pena de indevida invasão da esfera de competência do órgão julgador, o que é vedado, a teor da Súmula nº 41/TSE, segundo a qual \"não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros órgãos do Judiciário ou dos tribunais de contas que configurem causa de inelegibilidade\". 12. No caso dos autos, não há nenhuma referência ao enriquecimento ilícito ou acréscimo patrimonial no acórdão condenatório por ato ímprobo. 13. Nesse contexto, uma vez reafirmada, para as eleições de 2018, a jurisprudência do TSE – segundo a qual, para incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90, os requisitos do enriquecimento ilícito e do dano ao Erário devem ser cumulativos –, é forçoso reconhecer que a inelegibilidade perseguida pelo recorrente não está caracterizada, uma vez que o édito condenatório não evidenciou, nem na fundamentação, nem na parte dispositiva, a ocorrência simultânea do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito. 254 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
14. Embora inexista direito adquirido à candidatura, uma vez que cabe à Justiça Eleitoral verificar as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade no momento da formalização do pedido de registro da candidatura (art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97), os fatos ora apresentados foram objeto de análise por ocasião da impugnação à candidatura da ora recorrida para o cargo de prefeito nas Eleições 2016, ocasião em que o respectivo registro foi deferido pelo juízo da 22ª Zona Eleitoral do Estado do Espírito Santo, porquanto não evidenciado o requisito do enriquecimento ilícito para a configuração da inelegibilidade decorrente de ato de improbidade, circunstância que reforça a inocorrência da restrição ao ius honorum também nestes autos. V. CONCLUSÃO 15. Recurso ordinário desprovido para manter deferido o registro de candidatura ao cargo de deputado federal nas eleições de 2018. (RO nº 0600582-90/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, PSESS em 4.10.2018) Naquela assentada, afirmei a inviabilidade da leitura da causa de inelegibilidade supracitada nos moldes propostos pelo recorrente, tendo em vista o óbice intransponível do princípio constitucional da separação de poderes, porquanto “a inserção da norma no mundo da vida não autoriza o julgador a reescrevê-la no afã de adaptá-la à sua percepção de justiça, pois tal atitude desborda da sua esfera de competência, um dos limites à autoridade do poder sobre a liberdade, seja ela individual ou coletiva”. A título de reforço argumentativo, rememorei o voto proferido pela Ministra Luciana Lóssio no REspe nº 49-32, no ponto em que sustenta que, “ante o posicionamento dos que pensam ser possível a incidência da referida inelegibilidade apenas com base na existência de um ou outro requisito, ou seja, que bastaria o dano ao erário [...] para que fosse aplicada a alínea l, reafirmo que, por se tratar de direito fundamental do cidadão – o da elegibilidade –, assim reconhecido na jurisprudência deste Tribunal e na do STF, não se pode admitir, com a máxima vênia, interpretação que vai além do que quis dizer o legislador” (REspe nº 49-32/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS em 18.10.2016). Nessa perspectiva, a despeito das ponderações do Parquet Eleitoral, não vislumbro, no apelo nobre, argumentos hábeis a amparar a viragem jurisprudencial pleiteada, devendo ser mantido o entendimento consolidado por este Tribunal Superior, no sentido da aplicação cumulativa dos requisitos do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito para a incidência da referida causa de inelegibilidade. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 255
Uma vez reafirmada, para as eleições de 2020, a jurisprudência do TSE – segundo a qual, para incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da LC nº 64/90, os requisitos do enriquecimento ilícito e do dano ao Erário devem ser cumulativos –, é forçoso reconhecer que a inelegibilidade perseguida pelo recorrente não está caracterizada, uma vez ser incontroverso que o édito condenatório não evidenciou, nem na fundamentação, nem na parte dispositiva, a ocorrência simultânea do dano ao Erário e do enriquecimento ilícito. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É como voto. 256 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (MINISTRO DO STJ E DO TSE) TSE/DF Nº 23.604/2019 TEMA PRESTAÇÃO DE CONTAS ACÓRDÃO QUESTÃO DE ORDEM. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. NOVO RITO. RES.-TSE 23.604/2019. NÃO INCIDÊNCIA. CONTAS. FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS. ART. 66 DO CÓDIGO CIVIL. MOVIMENTAÇÃO. RECURSOS. FUNDO PARTIDÁRIO. COMPETÊNCIA. JULGAMENTO. JUSTIÇA ELEITORAL. TERMO INICIAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2021. 1. Questão de ordem nos autos de ajuste contábil de partido político, relativo ao exercício financeiro de 2015, envolvendo duas matérias suscitadas pela Procuradoria-Geral Eleitoral. 2. Incabível, em prestações de contas de exercício financeiro de diretório nacional de partido político, já com parecer conclusivo do órgão técnico, adotar o novo rito da Res.-TSE 23.604/2019. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 257
3. As verbas do Fundo Partidário possuem destinação vinculada (art. 44 da Lei 9.096/95). Dentre essas rubricas, é obrigatório que os partidos apliquem no mínimo 20% do montante em fundações ou institutos de pesquisa e de educação política (inciso IV), e, ainda, ao menos 5% em fundações, institutos ou na própria secretaria da mulher da respectiva grei visando promover a participação feminina na política (inciso V). 4. Caso peculiar em que no mínimo um quarto do Fundo Partidário dirigido às legendas deve ser de imediato repassado às fundações ou aos institutos com quem possuem vínculo, o que, no exercício de 2019, equivaleu a mais de duzentos milhões de reais. 5. As fundações de direito privado seguem, em regra, a disciplina dos arts. 62 a 69 do CC/2002, dispondo o art. 66 que “velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas”. 6. A incidência do diploma civil quanto às fundações partidárias não é absoluta e deve ser compatibilizada diante de suas particularidades, quais sejam: (a) instituição obrigatória (art. 53 da Lei 9.096/95); (b) necessário vínculo com partido político; (c) indispensável emprego de recursos do Fundo Partidário para atingir seus propósitos (incisos IV e V do art. 44). Precedente: Pet 1.499, Rel. Min. Cezar Peluso, sessão de 25/3/2008. 7. A dotação orçamentária das verbas do Fundo Partidário, seus critérios de repartição e suas finalidades estão umbilicalmente ligados a esta Justiça (arts. 38 a 44 da Lei dos Partidos Políticos). 8. Consoante o art. 44, § 2º, da Lei 9.096/95, “a Justiça Eleitoral pode, a qualquer tempo, investigar sobre a aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário”, sem nenhuma distinção quanto ao seu destino, se às greis ou às fundações, sobressaindo-se a competência desta Justiça também para esse último caso. 9. De acordo com o art. 37, § 14, da Lei 9.096/95, as fundações serão atingidas pelas sanções decorrentes da rejeição das contas das legendas quando tiverem, de forma direta, contribuído para a desaprovação. Por conseguinte, é imprescindível que a Justiça Eleitoral proceda ao exame das contas dessas entidades, de modo simultâneo e conjunto, delas extraindo os fundamentos para consignar o caráter decisivo das falhas no caso. 10. A atual fiscalização das contas das fundações partidárias compreende em linhas gerais apenas o atendimento aos seus objetivos institucionais, sem análise mais profunda. A atuação do Parquet dentro desses limites justifica-se exatamente porque suas atribuições no ponto abrangem apenas as verbas particulares, pois, quanto às públicas, há órgãos externos de controle. 258 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
11. Conclusão diversa enseja perplexidades e contradições: a) os incisos IV e V do art. 44 da Lei 9.096/95 estabelecem teto apenas mínimo a ser repassado às fundações, com potencial risco de exclusão do papel fiscalizatório desta Justiça, pois nada impede se transfira 100% do Fundo Partidário àqueles entes; b) os institutos, que também podem receber tais verbas, já são fiscalizados pela Justiça Eleitoral; c) a União – por meio desta Justiça Especializada – ficaria impedida de examinar a destinação das verbas oriundas de seus cofres. 12. Proposta que não exclui ou desconsidera o relevantíssimo papel do Ministério Público no desempenho de suas múltiplas e essenciais atribuições, prosseguindo, por óbvio, à frente da atividade fiscalizatória das fundações em geral. 13. Entendimento aplicável a partir das contas do exercício de 2021, haja vista, em especial, a necessária regulamentação por esta Corte, a reabertura de fases processuais já superadas e a proximidade do prazo prescricional (exercício de 2015). 14. Questão de ordem resolvida nos seguintes termos: (a) incabível, em prestações de contas de exercício financeiro de partido político, com parecer conclusivo já emitido pelo órgão técnico, adotar o novo rito da Res.-TSE 23.604/2019; (b) a Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar as contas anuais das fundações vinculadas às legendas envolvendo a aplicação de verbas do Fundo Partidário. Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em rejeitar a adoção do procedimento previsto pela Res.-TSE nº 23.604/2019 nas prestações de contas do exercício financeiro de 2015 no qual o órgão técnico já tenha emitido parecer conclusivo, nos termos do voto do relator; e, por maioria, em fixar a tese, que valerá a partir do exercício financeiro de 2021, no sentido de que “a Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar as contas anuais das fundações vinculadas aos partidos políticos envolvendo a aplicação de verbas do Fundo Partidário”, nos termos do voto do Ministro Luis Felipe Salomão, que redigirá o acórdão. Brasília, 27 de outubro de 2020. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO REDATOR PARA O ACÓRDÃO RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS: Senhor Presidente, cuida-se de pedido de chamamento do feito à ordem apresentado pelo Ministério Público Eleitoral nos autos da prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Progressista (PP) relativa ao exercício financeiro de 2015. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 259
A Assessoria de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa) exarou parecer conclusivo, às fls. 226-243, no qual sugeriu a desaprovação das contas, com aplicação de sanções e determinação de devolução de valores. Em despacho de fls. 245-246 e por estar o feito com parecer conclusivo emitido, mantive o rito processual ainda disciplinado na Res.-TSE 23.546, de 2017 (especificamente as disposições constantes da Seção l do Capítulo VIII), não adotando o procedimento da novel Res.-TSE 23.604, de 17.12.2019, e determinei: a) a abertura de vista à Procuradoria-Geral Eleitoral para a emissão de parecer no prazo de quinze dias, nos termos do art. 37 da Res.-TSE 23.546; b) depois de apresentada a manifestação do Ministério Público Eleitoral, a intimação do partido e dos responsáveis pela apresentação das contas, por meio dos advogados constituídos, para que oferecessem defesa no prazo de quinze dias e requeressem, sob pena de preclusão, as provas que pretendem produzir, especificando-as e demonstrando a sua relevância para o processo (art. 38 da Res.-TSE 23.546). Ao se manifestar, a Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou pedido de chamamento do feito à ordem (fls. 249-258), argumentando, em síntese, que: a) os autos não foram remetidos ao Ministério Público para emissão do primeiro parecer, logo após exame da unidade técnica do TSE, oportunidade em que caberia ao Ministério Público Eleitoral apontar eventuais novas irregularidades, nos termos do art. 36, § 6°, da Res-TSE 23.604, atual resolução que disciplina a prestação de contas de partidos políticos; b) o art. 65, § 1º, da nova resolução de 2019 preconiza que o novo rito de tramitação processual deve ser aplicado às prestações de contas relativas aos exercícios financeiros de 2009 e seguintes, sendo, portanto, aplicável à espécie, com a adoção do novo procedimento; c) por outro lado, embora a Assessoria de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa), por meio da Informação 266/2019, tenha dispensando a análise da prestação de contas da Fundação Milton Campos (considerando que o Ministério Público Estadual já a havia examinado), o art. 2° da Res.-TSE 23.428, vigente à época, determina que devem ser apresentados à Justiça Eleitoral os documentos comprobatórios das despesas realizadas pelas fundações ligadas aos partidos; d) a Res.-TSE 23.428, embora revogada pela Res.-TSE 23.604, aplica-se, quanto ao mérito, às prestações de contas de exercícios financeiros anteriores a 2020, ante a previsão do art. 65 da resolução de 2019; 260 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
e) o art. 37, § 14, da Lei dos Partidos Políticos também dispõe sobre o entrelaçamento do julgamento das contas dos institutos, fundações e do próprio partido político, ao preconizar que esses entes não serão atingidos pela sanção de desaprovação das contas imposta à agremiação, exceto se tiver diretamente dado causa à reprovação; f) embora nos autos de prestação de contas referentes aos exercícios de 2014 (PC n° 261-34.2015, MDB, e PC 246-65.2015, PROS) esta Corte tenha declarado a incompetência jurisdicional do TSE para julgamento das contas de fundação partidária, em recente decisão, também referente a prestação de contas partidárias do exercício financeiro de 2014, o Ministro Luis Felipe Salomão ressaltou, no âmbito da PC 245-80 e diante da relevância do tema, a possibilidade de melhor reflexão em casos futuros; g) não há atribuição do Ministério Público das fundações (estadual ou distrital) de fiscalização e controle sobre recursos federais por elas empregados, porquanto o objetivo de sua análise se cinge ao cumprimento de suas disposições estatutárias, sua sustentabilidade e obediência às finalidades para as quais foram criadas; h) o Ministério Público das fundações não realiza procedimento de circularização de informações, não recebe extratos bancários (visto que não tem autorização legislativa nem convênios com instituições financeiras e com a Receita Federal, como tem a Justiça Eleitoral), tampouco tem poder de glosar recursos do Fundo Partidário gastos indevidamente ou dissociados dos parâmetros republicanos definidos pela Justiça Eleitoral; i) “o regime jurídico fundacional ordinário submete a fundação apenas à fiscalização do Ministério Público Estadual, o qual controla essencialmente a fidelidade de seu funcionamento aos seus estatutos, a qualidade de sua gestão patrimonial que lhe permita sua perpetuação no tempo, a lisura de seus quadros diretores, e o atendimento exclusivo de seus fins estatutários” (fl. 254); j) é necessário que, no caso do regime específico das fundações partidárias, haja o reforço da fiscalização da Justiça Eleitoral por meio das prestações de contas dos partidos políticos instituidores, para que o controle produza consequências também na destinação dos recursos do Fundo Partidário; 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 261
k) caso seja afastada a competência da Justiça Eleitoral para o exame de contas de fundações partidárias, haverá quebra de isonomia entre estas e os institutos partidários, pois, “em decisão de 27.04.2019, no julgamento da Prestação de Contas do Partido Humanista da Solidariedade (PHS), esta Corte Superior afirmou a sua competência para julgamento das contas dos institutos partidários, considerando que não há atribuição normativa ao Ministério Público Eleitoral para exame dos recursos repassados pelos partidos a esses entes, os quais ficam submetidos ao mesmo rigor dos Partidos Políticos” (fl. 255); l) no exercício financeiro de 2015, os partidos políticos receberam R$ 867.569.220,00 do Fundo Partidário, de modo que o montante equivalente a R$ 173.513.844,00, repassado às fundações ou aos institutos, pode permanecer sem a efetiva fiscalização por parte da Justiça Eleitoral; m) para que se opere a adequada fiscalização que o normativo de esteira conferiu à Justiça Eleitoral, é imprescindível que seja feito o exame técnico das contas da fundação partidária. Ao final, a Procuradoria-Geral Eleitoral postula o chamamento do feito à ordem, a fim de: a) determinar a aplicação do rito da Res.-TSE 23.604; b) o encaminhamento dos autos à Asepa para exame das contas da fundação ligada ao partido e, posteriormente, nova vista do feito para a apresentação do parecer ministerial. Tendo em vista a petição apresentada pela Procuradoria-Geral Eleitoral e em observância ao princípio do contraditório, determinei, por meio de despacho às fls. 260- 261, a abertura de vista ao Diretório Nacional do Partido Progressista, que apresentou contramanifestação em face da manifestação do Parquet, argumentando, em síntese, que: a) o art. 31 da Res.-TSE 23.546 assim como o art. 31 da Res.-TSE 23.604 prescrevem que o Ministério Público Eleitoral tem o prazo de 5 dias para impugnar as prestações de contas apresentadas pelos partidos políticos; b) o Ministério Público sempre atuará no processo de prestação como custos legis e nunca como parte; c) se há prazo para impugnação por parte do fiscal da lei e este não o impugna, há evidente preclusão desse direito; 262 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
d) após a completa instrução dos autos de prestação de contas, não há falar no seu encaminhamento à Assessoria de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa) para apreciar as contas da fundação, seja pela preclusão, seja por incompetência do Tribunal Superior Eleitoral, conforme posicionamento já firmado nos autos da PC 270-93; e) nos termos do art. 121 da Constituição Federal, somente lei complementar poderá dispor sobre a competência dos tribunais eleitorais; assim, “jamais a Lei Ordinária n° 9096/95, poderia criar competência da justiça eleitoral, impondo a essa justiça especializada uma competência não prevista no Código Eleitoral (parte recepcionada como Lei Complementar) e nem em qualquer outra Lei Complementar” (fl. 266); f) segundo a jurisprudência desta Corte Superior, cabe à justiça comum a apreciação e o julgamento das contas das fundações partidárias (PC 246-65, PC 211-08, PC 261-34, PC 270-93, 265-71); g) asfundaçõessãopessoasjurídicasautônomas,dotadasdeautonomia administrativa e financeira, bem como têm personalidade jurídica diversa dos partidos, razão pela qual seria descabida a pretensão de obrigar os partidos a prestar contas de entidade diversa; h) as normas que regulam os processos de prestação de contas não estabelecem a possibilidade de as fundações integrarem a lide, o que resultaria em grave violação ao devido processo legal; i) inexistindo previsão legal para que as agremiações partidárias prestem as contas das fundações partidárias, não há falar em descumprimento aos pressupostos estabelecidos pelo art. 8° da Lei 8.443/92 e, por conseguinte, afigura-se desnecessário o encaminhamento ao Tribunal de Contas da União para abertura de tomada de contas especial; j) eventual encaminhamento das contas das fundações partidárias ao TCU deverá ser feito pelo Ministério Público estadual, que, nos termos do art. 66 do Código Civil, é o órgão responsável por fiscalizar as fundações. Em face do exposto, o Diretório Nacional do Partido Progressista (PP) requer seja indeferido o pleito do Parquet quanto ao encaminhamento dos presentes autos à Asepa para a análise das contas da fundação partidária. É o relatório. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 263
VOTO O SENHOR MINISTRO SÉRGIO BANHOS (relator): Senhor Presidente, conforme relatado, trata-se de pedido de chamamento do feito à ordem apresentado pelo Ministério Público Eleitoral nos autos da prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Progressista (PP) relativa ao exercício financeiro de 2015, que se cingem a dois requerimentos: a) que seja adotado o novo rito estabelecido na Res.-TSE 23.604, de 19.12.2019, e não aquele preconizado na Res.-TSE 23.546/2017, que anteriormente disciplinava, entre outros aspectos, o procedimento da prestação de contas anuais de partidos políticos; b) que a unidade técnica proceda ao exame, também das contas da Fundação Milton Campos, vinculada ao Partido Progressista. Dada a relevância das questões suscitadas, notadamente da segunda matéria ressaltada pelo órgão ministerial e que podem novamente impactar no trâmite das prestações de contas de exercício financeiro de 2015, trago-as para exame deste Tribunal em questão de ordem. A esse respeito, rememoro o que sucedeu nos feitos alusivos ao ano de 2014 (recentemente apreciados por este Tribunal), nos quais a controvérsia sobre as contas da fundação postergou o julgamento das prestações para a data limite de seu exame até abril de 2020, tendo em conta a prescrição quinquenal de que trata o art. 37, § 3º, parte final, da Lei 9.096/95. No que diz respeito ao primeiro ponto, entendo descabida a pretensão ministerial de que o rito das prestações de contas de 2015, em fase de parecer conclusivo da Asepa, retroceda para adoção do rito da Res.-TSE 23.604. Anoto que essa nova resolução, de minha relatoria, foi editada em 17.12.2019, estatuindo o seu art. 65, in verbis: Art. 65. As disposições previstas nesta resolução não atingem o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao da sua vigência. § 1º As disposições processuais previstas nesta resolução devem ser aplicadas aos processos de prestação de contas que ainda não tenham sido julgados. § 2º A adequação do rito dos processos de prestação de contas previstos no § 1º deve observar a forma determinada pelo juiz ou pelo relator do feito, sem que sejam anulados ou prejudicados os atos já realizados. § 3º As irregularidades e as impropriedades contidas nas prestações de contas devem ser analisadas de acordo com as regras vigentes no respectivo exercício financeiro de referência das contas. 264 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
§ 4º As alterações realizadas nesta resolução que impliquem a análise das irregularidades e das impropriedades constantes das prestações de contas somente devem ser aplicáveis no exercício seguinte ao da deliberação pelo plenário do TSE, salvo previsão expressa em sentido contrário. Grifo nosso. É certo que, como bem ressaltou o Ministério Público, o art. 65, § 1º, estabelece que “as disposições processuais previstas nesta resolução devem ser aplicadas aos processos de prestação de contas que ainda não tenham sido julgados”. Todavia, tal preceito regulamentar deve ser conjugado com o respectivo § 2º no sentido de que “a adequação do rito dos processos de prestação de contas previstos no § 1º deve observar a forma determinada pelo juiz ou pelo relator do feito, sem que sejam anulados ou prejudicados os atos já realizados” (grifo nosso). No caso em exame, já tendo a prestação de contas ultrapassado as fases de exame preliminar pela unidade técnica (informação de fls. 114-120), de exame meritório das falhas–primeiroexame(informaçãodefls.163-182)ecomaemissãodoparecerconclusivo (fls. 226-243) –, descabe o processo retroceder para que seja adotado o procedimento da nova Res.-TSE 23.604, devendo-se, assim, manter a observância da anterior Res.-TSE 23.546/2017. Anoto, inclusive, que esse cenário foi igualmente verificado nas contas de 2014, com a sucessão de diversas decisões individuais proferidas, devolução de feitos ao órgão ministerial, interposição de sucessivos agravos regimentais. No julgamento da PC 246-65, j. 17.12.2019, já assinalara o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto: “O presente processo de prestação de contas já havia seguido todo o trâmite procedimental e se encontrava em vias de julgamento no momento da formulação de tal pretensão, motivo pelo qual o retorno dos autos ao órgão técnico, para que seja efetuada análise dos documentos da entidade fundacional, representa um risco real de que o decurso do tempo torne inócua a atuação desta Justiça especializada na fiscalização contábil e financeira relativa ao exercício de 2014, tendo em vista a iminência da prescrição, que ocorrerá em abril de 2020”. Na espécie, note-se também que não há nenhum prejuízo à atuação do Parquet, já que, a partir do parecer conclusivo, ele poderá indicar eventuais novas irregularidades, como assim pretende, na fase prevista no art. 37 da Res.-TSE 23.546. Ademais, com bem apontou o patrono do diretório nacional, a fase de prévia impugnação foi oportunamente facultada ao órgão ministerial nestes autos, porquanto era igualmente prevista no art. 37, § 3º, Res.-TSE 23.546/2017, não tendo, aliás, sido ela apresentada, conforme certidão de fl. 36. Diante disso, afigura-se, a meu juízo, manifestamente incabível, em prestações de contas com parecer técnico emitido, adotar o novo rito da Res.-TSE 23.604. Passo ao exame do pedido de determinação de exame das contas da Fundação Milton Campos pela Asepa. O Ministério Público Eleitoral expõe diversos argumentos e invoca (fl. 254) a decisão individual do Ministro Luis Felipe Salomão na Prestação de Contas 245-80 (do exercício financeiro de 2014), proferida em 27.3.2020, em que Sua Excelência defende o seguinte: 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 265
“Conforme entendimento firmado para os feitos relativos ao exercício de 2014, não compete a esta Corte examinar as contas prestadas por fundação partidária. Ressalva do Relator acerca da possibilidade de melhor reflexão sobre o tema em casos futuros” (grifo nosso). A despeito da combatividade do órgão ministerial na matéria, é importante lembrar que, em relação a todas as prestações de contas do exercício financeiro de 2014, este Tribunal refutou a pretensão ora deduzida. No ponto, destaco que esse tema foi inicialmente examinado pelo Tribunal na Questão de Ordem na Prestação de Contas 246-65, rel. Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, e no Agravo Regimental na Prestação de Contas 261-34, rel. Min. Edson Fachin, ambas apreciadas no fim de 2019, cujos acórdãos estão assim ementados: PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO REPUBLICANO DA ORDEM SOCIAL (PROS). EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. QUESTÃO DE ORDEM: PROCESSO CONCLUSO PARA JULGAMENTO. PRETENSÃO FORMULADA PELO MPE DE ANÁLISE DAS CONTAS DA FUNDAÇÃO PARTIDÁRIA. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS. CONTAS DA FUNDAÇÃO HOMOLOGADAS. EXAURIMENTO DO RITO PROCEDIMENTAL. PEDIDO INDEFERIDO. MÉRITO: DESPESAS COMPROVADAS POR NOTAS FISCAIS, CHEQUES CRUZADOS E NOMINAIS E OUTROS DOCUMENTOS. ART. 9º DA RES.-TSE Nº 21.841/2004. APLICAÇÃO. SANEAMENTO. PRECEDENTES. IRREGULARIDADE REMANESCENTE: DESCUMPRIMENTO PARCIAL DA DESTINAÇÃO DE RECURSOS À PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA NO TOTAL DE R$ 24.776,20, EQUIVALENTE A 4,16% DO FUNDO PARTIDÁRIO. SANÇÃO DE ACRÉSCIMO DE 2,5% NO GASTO COM O INCENTIVO À PARTICIPAÇÃO DA MULHER NA POLÍTICA EM CASO DE NÃO OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 55-B DA LEI Nº 9.096/95. ART. 55-C DA LEI Nº 9.906/95. INCIDÊNCIA. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. 1. Questão de ordem: 1.1. Quando já se encontrava o feito concluso para julgamento, o Ministério Público Eleitoral apresentou requerimento para encaminhar o processo de prestação de contas de 2014 do Diretório Nacional do PROS para exame técnico das contas de sua fundação partidária. 1.2. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, órgão com atribuição estabelecida pelo art. 127 da Constituição Federal e pelo art. 66 do Código Civil, certificou a regularidade das contas da Fundação da Ordem Social, consoante Atestado nº 127/2015 2ª PJFEIS, Processo/MPDFT nº 08190.038745/15-69. 1.3. O presente processo de prestação de contas já havia seguido todo o trâmite procedimental e se encontrava em vias de julgamento no momento da formulação de tal pretensão, motivo pelo qual o 266 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
retorno dos autos ao órgão técnico, para que seja efetuada análise dos documentos da entidade fundacional, representa um risco real de que o decurso do tempo torne inócua a atuação desta Justiça especializada na fiscalização contábil e financeira relativa ao exercício de 2014, tendo em vista a iminência da prescrição, que ocorrerá em abril de 2020. 1.4. Da mesma forma que não se apreciaram os documentos apresentados intempestivamente pelo partido em sede de alegações finais em decorrência da preclusão, não se deve reabrir a instrução processual para determinar a apuração das contas da fundação partidária, já homologadas pelo curador de fundações. 1.5. Diante do caráter jurisdicional das prestações de contas, tal medida configuraria manifesta ofensa aos princípios da segurança jurídica e da não surpresa, visto que o processo já estava concluso para julgamento. 1.6. Esse requerimento foi indeferido em outros processos referentes ao exercício de 2014, conforme se verifica na decisão monocrática do Ministro Edson Fachin, DJe de 20.11.2019, na PC nº 261-34, em que assentada a competência exclusiva da Justiça Comum para resolver litígios envolvendo contas das fundações partidárias, entendimento ao qual também aderi, inclusive, decidindo no mesmo sentido na PC nº 265-71, que está em fase de instrução probatória. Nessa linha, cito decisão de igual teor do Ministro Sérgio Banhos, na PC nº 211-08, DJe de 4.12.2019. 1.7. Ainda que assim não fosse, a legislação eleitoral é silente quanto ao procedimento que deve ser adotado para a análise das contas da fundação, principalmente no que concerne às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório da pessoa jurídica diversa, a qual passaria a integrar o feito ao lado da agremiação. 1.8. Diante de todo o exposto, indefiro a pretensão suscitada pelo Ministério Público Eleitoral. [...] (PC 246-65, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DEJ de 12.3.2020.) EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (PMDB). ANÁLISE DAS CONTAS DA FUNDAÇÃO VINCULADA AO PARTIDO. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DOS ESTADOS. VIOLAÇÃO À ISONOMIA. AUSÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. OPÇÃO LEGISLATIVA. PEDIDO FEITO APÓS ANÁLISE TÉCNICA DA ASEPA E PRÓXIMO DA PRESCRIÇÃO PROCESSUAL. PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 267
1. As fundações são pessoas jurídicas de direito privado que se regem pelas normas de direito civil, detendo autonomia administrativa e patrimonial, sendo atribuição para a fiscalização de suas contas do Ministério Público Estadual, nos termos do art. 66 do Código Civil. 2. Diante da natureza única das fundações, que relevam a afetação de um patrimônio para o atingimento de um fim, o legislador infraconstitucional optou pela adoção de regime diferenciado de fiscalização, incumbindo ao Ministério Público Fundacional importante missão. 3. O objetivo da norma contida no art. 2º da Resolução-TSE nº 23.428/2014 é tão somente permitir que a Justiça Eleitoral fiscalize se o partido aplicou os recursos do Fundo Partidário conforme determina a lei, não tendo por escopo a fiscalização de emprego desses recursos dentro das fundações mantidas pelos partidos. Frise-se que a referida Resolução nem sequer poderia criar regra de competência da Justiça Eleitoral, tendo em vista o seu caráter meramente regulamentar. 4. Como é sabido, rege o ordenamento jurídico pátrio o princípio da cooperação, pelo qual é dever das partes, e não somente do magistrado, colaborar com a efetiva prestação jurisdicional, sendo responsáveis pela boa marcha processual. O pedido formulado pelo Ministério Público operou-se quando já concluída a análise técnica pela ASEPA e às vésperas da prescrição processual a ocorrer em abril próximo. 5. Agravo interno a que se nega provimento, prejudicada a análise de efeito suspensivo. Cumpra-se com urgência, dada a proximidade do prazo prescricional. (AgR-PC 261-34, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 4.3.2020) A esse respeito, mantenho a mesma compreensão externada nas prestações de contas de 2014, alinhado aos precedentes já citados, e não vejo razão para mudança de entendimento no que tange às contas do exercício de 2015 ora em curso. Mais uma vez a pretensão (fl. 252) está ancorada no disposto no art. 2º da Res.-TSE 23.428, cujo teor é o seguinte: Art. 2º A partir das contas relativas ao exercício de 2014, os partidos políticos deverão contemplar nas suas prestações de contas, em separado, os valores repassados às suas fundações, demonstrando a sua aplicação mediante a apresentação dos respectivos comprovantes. Sobre esse dispositivo regulamentar, bem asseverou o Ministro Edson Fachin, no citado julgamento do AgR-PC 261-34, que “o objetivo da norma contida no art. 2º da Resolução-TSE 23.428/2014, é tão somente permitir que a Justiça Eleitoral fiscalize se o partido aplicou os recursos do Fundo Partidário como determina a lei, não tendo por 268 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
escopo a fiscalização do emprego desses recursos dentro das fundações mantidos pelos partidos” (grifo nosso), ou seja, restringe-se à verificação do atendimento do art. 44, IV, da Lei 9.096/95, com a destinação de ao menos 20% dos recursos do fundo partidário à fundação. No ponto, rememoro que, diante da orientação adotada por este Tribunal no fim de 2019, a recém-aprovada Res.-TSE 23.604, em seu art. 75, revogou a citada Res.-TSE 23.428, que tratava das fundações. Nessa linha e como antes externado, há múltiplos óbices à adoção da solução propugnada pelo Parquet quanto à análise substancial das contas da fundação por parte da Justiça Eleitoral e no âmbito das contas dos diretórios nacionais dos partidos. Em primeiro lugar, não é possível extrair do referido dispositivo (art. 2º da Res.-TSE 23.428) que esta Corte tenha criado, como produto de seu ofício regulamentar, regra de competência da Justiça Eleitoral, ótica que, se admitida, estaria em frontal descompasso com o disposto no caput do art. 121 da Constituição Federal. A esse propósito, vale lembrar que o art. 17, III, do texto constitucional impõe aos partidos políticos – e somente a eles – o dever de prestação de contas à Justiça Eleitoral, nada dispondo acerca de outras pessoas jurídicas, ainda que relacionadas às agremiações. Do mesmo modo, o Código Eleitoral, tampouco a Lei 9.096/95, a qual poderia criar regra de competência da Justiça Eleitoral. Há, por sua vez, disposição clara a respeito da personalidade jurídica autônoma das fundações, in verbis: Art. 53. A fundação ou instituto de direito privado, criado por partido político, destinado ao estudo e pesquisa, à doutrinação e à educação política, rege-se pelas normas da lei civil e tem autonomia para contratar com instituições públicas e privadas, prestar serviços e manter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ainda, manter intercâmbio com instituições não nacionais. Assim, do ponto de vista jurídico, a fundação não se vincula nem se subordina às esferas partidárias, podendo, inclusive, ter administradores não vinculados às legendas. Em outros termos, não é partido nem se confunde com o partido, de modo que as suas contas não podem ser qualificadas como contas partidárias. Isso não significa que a atividade das fundações constituídas pelo partido fique imune a controle, uma vez que o art. 66 do Código Civil prescreve que “velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas”. Os eventuais litígios envolvendo tais fundações, mesmo os decorrentes de atuação do Ministério Público fundacional, são da competência da Justiça Comum. Nessa linha, asseverou o Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento da PC 246- 65, que era compreensível a queixa formulada pelo Ministério Público no âmbito das prestações de 2014, mas, “diante da literalidade do art. 66 [...] e não da resolução, [...] não haveria embasamento jurídico normativo nesse momento para que o TSE assumisse esse papel”. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 269
Nesse ponto, importa salientar que, a despeito da argumentação do Parquet, a ausência de norma de competência não pode ser suprida pela alegada necessidade de análise concorrente das contas da fundação em escopos diferentes: por um lado, o exame do cumprimento dos objetivos estatutários da fundação, atribuível ao Ministério Público do Estado; por outro, a análise do mérito dos gastos fundacionais, a cargo da Justiça Eleitoral, ainda que em regime concorrente como sustentado. De igual sorte, à míngua de regra de competência, é neutro o fato de que o volume de recursos públicos repassados às fundações partidárias é substancial, visto que a atuação desta Justiça Especializada não se prende a critérios puramente econômicos. Por fim e não menos importante, evidenciam-se outros óbices ao atendimento da pretensão do Ministério Público Eleitoral, visto que não há previsão na Res.-TSE 23.546 de integração da lide pela fundação, a qual tem personalidade jurídica própria, e pelos seus administradores, que não necessariamente são pessoas vinculadas ou subordinadas às instâncias partidárias. Além disso, não há necessária identidade entre os respectivos procuradores que poderia ensejar questionamento a respeito da eficácia de eventual intimação do partido. De qualquer sorte, o acolhimento da pretensão do Parquet, nesse cenário de vácuo normativo para reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral, poderia levar ao paradoxo de esta Corte analisar as contas da fundação e, ressalvadas as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, não poder implementar nenhuma glosa nesse particular, até em respeito aos limites subjetivos da coisa julgada. Por outro lado, eventual citação da fundação e de seus administradores nesse estágio processual poderia ensejar atraso significativo da tramitação do feito, com riscos concretos de prescrição. Também realço o eventual descompasso que pode ser extraído da limitação constante do inciso I do art. 44 da Lei 9.096/95, que estipula limites para o pagamento de despesas com pessoal pelos partidos políticos. Se, para as agremiações, o Poder Legislativo entendeu por bem limitar tais despesas, poder-se-ia dizer o mesmo em relação às fundações, cujas atividades podem se centrar na contratação de pessoas? Além disso, como exigir que sejam abertas, pelas fundações, contas distintas para o manuseio de recursos públicos e privados, tal qual se impõe aos partidos políticos? De que modo as exigências de documentação tipicamente impostas aos partidos (v. g. notas fiscais detalhadas, contratos, atestos, relatórios de prestação de serviços, entre outros documentos) podem ser transpostas, sem nenhuma filtragem, às fundações? Desse modo, indaga-se: poderia a Justiça Eleitoral, com base em mera competência regulamentar, dirimir todas essas questões? A meu juízo, a resposta é negativa, reforçando-se a conclusão da necessidade de atuação do legislador na espécie. No ponto, entendo que, mesmo nos casos em que é indubitável a competência da Justiça Eleitoral, tal fiscalização deve ocorrer a partir de parâmetro legal adrede fixado, até para que os jurisdicionados e os administradores de recursos públicos possam conformar suas condutas e suas expectativas. 270 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Por fim, também entendo nitidamente distinta a questão da fiscalização das fundações da hipótese alusiva aos institutos, diante da regra competencial expressa dos entes fundacionais. De qualquer sorte, nada impede uma cuidadosa reflexão do Poder Legislativo sobre o tema para fins de fixação de parâmetros normativos, com regulação de todos os aspectos materiais e processuais envolvidos, para fins de eventual definição da competência por parte da Justiça Eleitoral. Pelo exposto, submeto a presente questão de ordem a este Tribunal e proponho que seja resolvida nos seguintes termos: a) é incabível, em prestações de contas de exercício financeiro de diretório nacional de partido político, com informação técnica conclusiva emitida pela Asepa, a adoção do novo rito preconizado na Res.-TSE 23.604; b) não cabe à Justiça Eleitoral examinar as contas de fundação vinculadas aos partidos políticos. É como voto. PEDIDO DE VISTA O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: Presidente, eu sei que é complexo o tema, tanto que foi posto pelo eminente relator referindo ainda, inclusive, a uma decisão monocrática minha. E eu sei também que posso causar constrangimento aos colegas, porque, pela ordem, não seria eu a pedir vista. Mas, sem prejuízo de os colegas que quiserem avançar no tema, eu adiantaria... pediria a Vossa Excelência para registrar que eu tenho interesse em pedir vista sobre esse tema para trazer um estudo um pouco mais aprofundado. Eu venho me interessando por essa questão, então peço a Vossa Excelência que registre o meu pedido de vista, sem prejuízo, se os colegas evidentemente quiserem adiantar o voto. O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Muito obrigado, Ministro Salomão. Antes de deliberar sobre a suspensão do julgamento, eu ouço o Vice-Procurador- Geral Eleitoral, Doutor Renato Brill de Góes. ESCLARECIMENTO O DOUTOR RENATO BRILL DE GÓES (vice-procurador-geral eleitoral): Presidente, eu gostaria de fazer uso da palavra, nos termos do art. 13 do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, em relação a esta Questão de Ordem. Foi dito pelo eminente relator – e que suscitou a Questão de Ordem –, o Ministro 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 271
Sérgio Banhos, sobre a impossibilidade de se aplicar o rito da Resolução 23.604/2019 para o julgamento das prestações de contas do ano de 2015. Ora, esses julgamentos das prestações de contas de 2015 estão começando agora, porque o Tribunal Superior Eleitoral terminou de julgar, no mês de abril, as prestações de contas de 2014. Então, o momento de se aplicar o rito correto, que é o da Resolução 23.604/2019, é agora. Então me preocupa muito essa questão de dizer: porque já foi feito um relatório – diga-se de passagem, não deveria ter sido feito, porque deveria ter sido cumprido o rito por parte do relator do caso –, porque foi feita já uma análise técnica, não se pode mais voltar atrás para se imprimir o rito. O rito é questão mandamental, é norma cogente. O Ministério Público Eleitoral, com a devida vênia, está sendo privado de seu múnus público de fiscal da ordem jurídica, quando não lhe é aberto vista em momento adequado. E são coisas distintas, quando o Ministério Público fala depois do parecer conclusivo, porque o prazo é de 5 (cinco) dias; é como se fossem alegações finais; sendo que lhe foi preterido falar nos termos do § 6º do art. 36, no prazo de 30 (trinta) dias, quando ele tem condições de avaliar com o cuidado e o zelo devidos e modo próprio – em 30 (trinta) dias – e apontar as irregularidades para serem levadas em consideração pelo julgador. E não só isso. Essas irregularidades preliminares apontadas serão levadas em conta também pelo órgão técnico do Tribunal, pela Asepa. Então, são momentos distintos; há dois ou três momentos distintos para a oportunização e abertura de vista ao Ministério Público Eleitoral para se manifestar: primeiro, na condição de impugnante, se assim o quiser, que é o prazo da publicação do edital. Se não o quiser, ele falará e atuará, nos termos do art. 31 da Resolução, como fiscal da ordem jurídica, e é assim que a conduta da Procuradoria-Geral Eleitoral, como fiscal da ordem jurídica, que tem optado por atuar nessa função. E, nessa função, lhe é direito falar, no prazo de 30 (trinta) dias, após o primeiro relatório da Asepa; o primeiro relatório que diz respeito a exames da regularidade das contas, e não é o relatório conclusivo. Então, nesse momento cabe abertura de vista, após o primeiro relatório das irregularidades, ao Ministério Público Eleitoral, para que ele, no prazo de 30 (trinta) dias, analise e aponte as suas irregularidades que entender cabíveis. Esse é o rito procedimental, que não está sendo observado. Então não é porque foi queimada uma etapa que não se pode mais corrigir o rito, porque senão se está prestigiando a incúria e o próprio descumprimento da legislação – da Resolução do TSE –, em detrimento da atividade de fiscalização do processo eleitoral, que é encargo do Ministério Público Eleitoral. E não só isso: depois desse primeiro momento e depois do parecer conclusivo, há oportunidade para manifestação, em diligências complementares. Ou seja, se existe um rito estabelecido na Resolução 23.604/2019, por que ele não deve ser cumprido, se é agora que se está iniciando o julgamento das prestações de contas de 2015? Então, não há paralelismo para se justificar, comparar com o julgamento das prestações de contas de 2014. Elas já se findaram. O momento adequado para se cumprir 272 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
a Resolução é agora; ou seja, discute-se em uma questão de ordem para, depois, replicar essa questão de ordem em centenas de processos de prestação de contas, atropelando todo um rito processual. Então, me preocupa muito, na condição de Ministério Público Eleitoral, de fiscal do processo eleitoral nacional, esse atropelamento do rito nas prestações de contas originárias do Tribunal Superior Eleitoral. Esse é o contraponto que eu gostaria de deixar registrado em relação ao voto do Ministro Sérgio Banhos. Então, não é questão de combatividade ou não; é questão de legalidade, de cumprimento de rito processual e de distinção de prazos, inclusive de momento da fala do Ministério Público: ele fala como fiscal da lei, ele tem 30 (trinta) dias para apontar irregularidades e, no final, depois do parecer conclusivo, ele tem cinco. Agora, querer que ele só tenha os 5 (cinco) dias em alegações finais, está cerceando a atividade ministerial, com a devida vênia do Ministro Sérgio Banhos, que levantou essa Questão de Ordem. E o segundo ponto, para finalizar, Senhor Presidente e ilustres Ministros, é em relação à questão da fiscalização, por parte da Justiça Eleitoral, dos partidos políticos. Está se trazendo novamente essa questão porque, parece, alguns Ministros do próprio Tribunal têm interesse em revisitar esse tema, como já foi demonstrado em decisão, em determinada prestação de contas pelo Ministro Luis Felipe Salomão. O Ministro Fachin já também em relação a prestação de contas passadas, em determinado momento, também falou sobre a possibilidade. Ou seja, então o momento é também de revisitar o tema sobre a competência da Justiça Eleitoral, na fiscalização das fundações partidárias também se dá agora, quando se inicia o processamento das prestações de contas relativas ao ano de 2015. Daí porque aquele precedente único, que foi replicado na Questão de Ordem, em dezembro de 2019, onde se concluiu pela incompetência do TSE, da Justiça Eleitoral, sem maior aprofundamento, não significa que não possa ser agora novamente – e o momento parece ser oportuno – de se debater com maior profundidade sobre se a Justiça Eleitoral tem ou não competência para fiscalizar recursos públicos federais – recursos do Fundo Partidário – que são repassados a fundações partidárias. Mesmo porque, Senhor Presidente, as fundações partidárias estão pagando despesas de partido: isso eu tenho na Prestação de Contas nº 247-50, de 2015. Então, já vimos despesas de partido pagas diretamente com recursos de fundação. E aí isso vai ficar imune da apreciação e do crivo da Justiça Eleitoral? Outra coisa: os partidos podem, como obrigação, repassar no mínimo 20%, mas a lei não estabelece qual o percentual máximo. Para evitar a fiscalização da Justiça Eleitoral, os partidos políticos podem começar a repassar a quota do Fundo Partidário às suas fundações privadas na ordem de 70%, 80%. E a Justiça Eleitoral vai ficar de mãos atadas? Dinheiro do Fundo Partidário que está sendo passado para as fundações partidárias, e as fundações partidárias possuem a mesma vértice de gerência e de diretrizes, com base nos caciques e nos seus dirigentes dos próprios partidos políticos – há quase uma fusão entre os dirigentes, a comissão executiva, os dirigentes dos partidos políticos e os 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 273
dirigentes que são por eles inclusive escolhidos para gerir essas fundações partidárias. Então, parece que há espaço, sim, para a revisitação do tema e discussão com mais profundidade em relação a isso. Então, são essas as considerações que eu gostaria de deixar registrado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, em contraponto à fundamentação que foi trazida aqui pelo eminente Ministro Sérgio Banhos. Muito obrigado, Senhor Presidente. O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Obrigado, Doutor Renato. Tenho certeza de que todos irão considerar os argumentos que Vossa Excelência deduziu, inclusive, o próprio relator. O próprio Ministro Luis Felipe Salomão, quanto ao segundo ponto, tem uma posição que, de certa forma, superaria uma jurisprudência que vínhamos adotando, de modo que o pedido de vista de Sua Excelência permitirá uma revisita a esse tema pelo Tribunal. Eu indago dos eminentes colegas se, diante do pedido de vista do Ministro Luis Felipe Salomão – um pedido de vista antecipado –, se algum dos colegas gostaria de antecipar o voto ou se aguardamos a devolução pelo Ministro Salomão. O SENHOR MINISTRO CARLOS HORBACH: Senhor Presidente, seria eu a votar imediatamente após o Ministro Sérgio Banhos, mas creio que seja mais importante trazermos ao julgamento as reflexões do Ministro Luís Felipe Salmão, que acaba de antecipar pedido de vista. Peço vênia, porém, para fazer, aqui, um breve relato e tecer algumas considerações sobre o tema em discussão. Quando eu tomei posse aqui no Tribunal, há alguns anos, logo naquela semana de minha posse eu encontrei com o Ministro Carlos Velloso e perguntei qual o conselho que Sua Excelência me dava para essa nova função que eu assumia. O Ministro Carlos Velloso, com a sua sabedoria e simplicidade, disse: “Olha, Carlos, lembre-se que substituto substitui”. Então, como estou aqui no exercício da substituição do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, eu, efetivamente, não vou me manifestar, não vou votar. Aguardarei, não mais como julgador, mas como expectador, o retorno do feito a julgamento, com a manifestação do Ministro Salomão, que saberá dar interpretação mais adequada a essa Resolução. De qualquer forma, Senhor Presidente, eu havia feito algumas anotações relacionadas a certas preocupações que tenho no que concerne a esse tema. E, sem a intenção de, enfim, firmar uma posição de maneira mais sublinhada ou grifada, eu, simplesmente, gostaria de compartilhar essas preocupações com os eminentes pares, já que a questão das prestações de contas a todos atormenta. Hoje, a grande carga de trabalho do Tribunal, dos gabinetes, da Assessoria Técnica e do próprio Ministério Público Eleitoral está nas prestações de contas. As prestações de contas são o grande gargalo da nossa atividade jurisdicional no Tribunal Superior Eleitoral, tanto que sabemos ser esse um tema a merecer especial atenção da administração de Vossa Excelência, Senhor Presidente. Nesse contexto, preocupa-me, sobremaneira, o impacto da adoção do novo rito das prestações de contas aos feitos em andamento. Em outras palavras, a minha dúvida em relação ao voto do Ministro Sergio era exatamente a seguinte: até que ponto a adoção do entendimento linear quanto à aplicação do novo rito a todas as prestações de contas 274 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
que não estejam com as informações técnicas conclusivas da Asepa já emitidas – que foram as contempladas no voto de Sua Excelência, o Ministro Relator –, até que ponto a aplicação do novo rito a todas as outras que não se encontrem nessa fase não geraria algum tumulto na tramitação desses feitos, com gastos desnecessários de tempo, com esforços igualmente desnecessários. E, aí, parece-me que seria o caso de se dar uma interpretação autêntica à Resolução – em especial ao art. 65 da Resolução – para deixar muito claro que lá no § 2º desse art. 65 se tem um poder do relator de avaliar caso a caso. Porque, afinal de contas, o relator é o condutor do processo. O relator sabe em que pé os processos estão e qual é o nível de maturidade dos processos, para ponderar a adoção das normas novas ou a manutenção da incidência das antigas. A Resolução abre esse espaço para que o relator seja o árbitro da adequação do novo rito aos processos em andamento. Exatamente para que não se tenha qualquer tipo de tumulto – qualquer tipo de atraso – na tramitação desses feitos. E, de fato, trata-se de uma interpretação autêntica da Resolução do Tribunal, conjugando normas – as duas – pautadas e editadas pelo próprio Tribunal sem que haja aí, a meu ver – data venia –, nenhum atropelo, nenhuma ilegalidade, mas, simplesmente, repito, a adequação, a juízo dos relatores, que conhecem seus feitos, da melhor condução desses processos a partir de dois conjuntos de normas, todas elas editadas pela mesma origem, que é o Tribunal Superior Eleitoral, e interpretadas por esse Plenário, a partir das luzes que serão trazidas pelo Ministro Salomão. Registro, também, Senhor Presidente, que eu acompanharia o relator no que toca às fundações, porque não vejo amparo normativo para esse controle por parte da Justiça Eleitoral. E considero, ainda, que, de lege ferenda, não seria o caso de se fazer um retrabalho, tendo em vista a atuação já efetiva do Ministério Público, que faz o controle das fundações. Eu peço desculpas por ter gasto o tempo do Tribunal com essas minhas considerações, porque, afinal de contas, como diria o Ministro Velloso, “substituto substitui”. E o Ministro Tarcisio saberá analisar essa questão com toda percuciência e com toda a sabedoria que lhe são características. Muito obrigado, Senhor Presidente. O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Prazer ouvi-lo, Ministro Carlos Horbach. Portanto, Vossa Excelência não antecipou – não votou. O SENHOR MINISTRO CARLOS HORBACH: Não. Só fiz esses registros. O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Apenas participou da reflexão. Perfeito. O SENHOR MINISTRO CARLOS HORBACH: Exatamente. Eu vou aguardar como expectador, como disse, a manifestação do Ministro Salomão. O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Perfeito. Ministro Edson Fachin, tive a impressão que Vossa Excelência gostaria de se pronunciar. O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Eu apenas disse, Senhor Presidente – obrigado por lembrar –, que irei aguardar. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 275
EXTRATO DA ATA QO-PC nº 192-65.2016.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Sérgio Banhos. Requerente: Ministério Público Eleitoral. Requerido: Partido Progressista (PP) – Nacional (Advogados: Herman Ted Barbosa – OAB: 10001/DF e outros). Decisão: Decisão: Após o voto do relator, resolvendo a questão de ordem, antecipou pedido de vista o Ministro Luis Felipe Salomão. Aguardam os Ministros Carlos Horbach, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Og Fernandes e Luís Roberto Barroso. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Sérgio Banhos e Carlos Horbach. Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Dr. Renato Brill de Góes. SESSÃO DE 16.6.2020. VOTO O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO: Senhor Presidente, a hipótese cuida de Questão de Ordem submetida ao Plenário pelo eminente Relator, Ministro Sérgio Banhos, nos autos da prestação de contas do exercício financeiro de 2015 do Diretório Nacional do Partido Progressista, envolvendo duas matérias suscitadas pela d. Procuradoria-Geral Eleitoral. O Ministério Público aduziu de início que, nos termos do art. 36, § 6º, da Res.-TSE 23.604/2019, que regulamenta atualmente o processo e o julgamento das contas das legendas, os autos deveriam lhe ter sido encaminhados para primeira manifestação logo em seguida ao parecer inicial da Assessoria de Exame de Contas Partidárias (ASEPA), e não apenas depois do parecer conclusivo do órgão técnico, como ocorreu na hipótese. Pugnou, assim, por se aplicar o rito processual previsto no referido diploma. Por outro vértice, suscitou a competência da Justiça Eleitoral para julgar também as contas das fundações vinculadas aos partidos políticos – no caso dos autos, a Fundação Milton Campos. Sustentou, em resumo, que os recursos do Fundo Partidário repassados a tais entes pelas legendas encontram-se à margem de efetiva atividade fiscalizatória, por se tratar de encargo que não integra o rol de atribuições dos Ministérios Públicos estaduais (art. 66 do Código Civil de 2002). Na sessão jurisdicional de 16/6/2020, o douto Relator, em cuidadoso voto, propôs resolver a questão de ordem nos seguintes termos: a) “é incabível, em prestações de contas de exercício financeiro de diretório nacional de partido político, com informação técnica conclusiva emitida pela Asepa, a adoção do novo rito preconizado na Res.-TSE 23.604”; b) “não cabe à Justiça Eleitoral examinar as contas de fundação vinculadas aos partidos políticos”. Pedi vista dos autos para melhor exame do caso em virtude da relevância dos temas, notadamente a competência da Justiça Eleitoral para apreciar as contas das fundações partidárias. 276 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
2. Quanto ao tema do rito, pugna o Ministério Público que se inverta o procedimento adotado no caso, a fim de que possa se manifestar – ainda na primeira fase do processo –, tal como passou a ser previsto na Res.-TSE 23.604/2019, que inovou em relação aos diplomas anteriores. Penso, porém, que a solução proposta pelo douto Relator é a que melhor se coaduna com o atual estágio em que se encontra a prestação de contas. Com efeito, embora no art. 65 da Res.-TSE 23.604/2019 realmente se disponha que o novo rito a princípio se aplica de imediato aos processos em andamento (§ 1º), cabe ao Relator promover essa adequação, de modo a não se anular ou se comprometer os atos já realizados (§ 2º). No caso, como bem asseverou o eminente Ministro Sérgio Banhos, No caso em exame, já tendo a prestação de contas ultrapassado as fases de exame preliminar pela unidade técnica (informação de fls. 114-120), de exame meritório das falhas – primeiro exame (informação de fls. 163-182) e com a emissão do parecer conclusivo (fls. 226-243) –, descabe o processo retroceder para que seja adotado o procedimento da nova Res.-TSE 23.604, devendo-se, assim, manter a observância da anterior Res.-TSE 23.546/2017. Acompanho, portanto, o douto Relator no ponto. 3. De outra parte, o pedido de vista decorreu primordialmente da inequívoca relevância do tema da competência para o julgamento das contas das fundações vinculadas aos partidos políticos, as quais recebem, todos os anos, recursos públicos oriundos do Fundo Partidário. A título preliminar, anoto que a matéria foi discutida por esta Corte nos processos de contas partidárias do exercício de 2014. À época, a despeito de acompanhar a conclusão quanto à incompetência da Justiça Eleitoral no que toca às fundações, reservei-me o direito de, no futuro, revisitar o tema, seja pelas preocupações que já me acometiam naquele tempo, seja porque na ocasião havia grande proximidade com o prazo prescricional de cinco anos para julgamento, que se operaria em abril de 2020. Impende salientar um tema de extrema importância para o julgamento da causa, independentemente das questões jurídicas que serão trazidas ao debate: os valores recebidos pelos partidos políticos a título de verbas do Fundo Partidário e sua repercussão perante as fundações partidárias. A esse respeito, mister ressaltar que não se pretende neste voto questionar aspectos relacionados ao modelo de financiamento majoritariamente público das legendas, mas sim chamar a atenção dos eminentes pares para a dimensão do que se está a decidir. No ano de 2019, os 33 partidos políticos com estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral repartiram entre si o montante de R$ 810.050.743,00 (oitocentos e dez milhões, cinquenta mil, setecentos e quarenta e três reais) de recursos oriundos do Fundo Partidário, conforme dotação orçamentária extraída do sítio eletrônico desta Corte. Em 2020, até o mês de setembro, esse valor alcançou R$ 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 277
631.204.635,01 (seiscentos e trinta e um milhões, duzentos e quatro mil, seiscentos e trinta e cinco reais e um centavo). Como se sabe, a Lei 9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos) estabelece de modo expresso em seu art. 44 que as verbas do Fundo Partidário transferidas para as agremiações possuem destinação vinculada. Dentre essas rubricas, é obrigatório que as legendas apliquem no mínimo 20% do montante em fundações ou institutos de pesquisa e de educação política (inciso IV), e, ainda, ao menos 5% em fundações, institutos ou na própria secretaria da mulher do respectivo partido visando promover a participação feminina na política (inciso V). Confira-se: Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: I – na manutenção das sedes e serviços do partido, permitido o pagamento de pessoal, a qualquer título, observado, do total recebido, os seguintes limites: a) 50% (cinquenta por cento) para o órgão nacional; b) 60% (sessenta por cento) para cada órgão estadual e municipal; II – na propaganda doutrinária e política; III – no alistamento e campanhas eleitorais; IV – na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido; V – na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível nacional, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; VI – no pagamento de mensalidades, anuidades e congêneres devidos a organismos partidários internacionais que se destinem ao apoio à pesquisa, ao estudo e à doutrinação política, aos quais seja o partido político regularmente filiado; VII – no pagamento de despesas com alimentação, incluindo restaurantes e lanchonetes; VIII – na contratação de serviços de consultoria contábil e advocatícia e de serviços para atuação jurisdicional em ações de controle de constitucionalidade e em demais processos judiciais e administrativos de interesse partidário, bem como nos litígios que envolvam candidatos do partido, eleitos ou não, relacionados exclusivamente ao processo eleitoral; IX – (VETADO); X – na compra ou locação de bens móveis e imóveis, bem como na edificação ou construção de sedes e afins, e na realização de reformas e outras adaptações nesses bens; 278 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
XI – no custeio de impulsionamento, para conteúdos contratados diretamente com provedor de aplicação de internet com sede e foro no País, incluída a priorização paga de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet, mediante o pagamento por meio de boleto bancário, de depósito identificado ou de transferência eletrônica diretamente para conta do provedor, o qual deve manter conta bancária específica para receber recursos dessa natureza, proibido nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à eleição. Dispõe ainda o art. 53 da mencionada Lei que “a fundação ou instituto de direito privado, criado por partido político, destinado ao estudo e pesquisa, à doutrinação e à educação política, rege-se pelas normas da lei civil e tem autonomia para contratar com instituições públicas e privadas, prestar serviços e manter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ainda, manter intercâmbio com instituições não nacionais”. A moldura dos dispositivos em comento revela situação bastante peculiar: no mínimo um quarto dos recursos do Fundo Partidário inicialmente dirigidos às legendas devem ser de imediato repassados às fundações ou aos institutos com quem possuem vínculo. Enfatizo a expressão “no mínimo”, pois, como se verá de forma mais detida, inexiste óbice legal para que as greis repassem percentuais superiores aos previstos nos incisos IV e V do art. 44 da Lei 9.096/95. Em termos práticos, considerando que os valores percebidos pelas legendas em 2019 totalizaram aproximadamente oitocentos milhões de reais, tem-se que ao menos 25% desses recursos – pouco mais de duzentos milhões – foram na verdade destinados às fundações ou aos institutos. Para 2020, esse valor em tese atingiu até o momento quase cento e sessenta milhões de reais. 4. Fixado o ponto de partida quanto à relevância da matéria, examina-se, no caso, a hipótese específica das contas das fundações partidárias, pois, quanto às contas dos Institutos, já existe orientação fixando a competência desta Corte Superior, como se abordará no decorrer do voto. A solução do caso perpassa pela necessária análise dos seguintes aspectos: (a) aferir a natureza jurídica das fundações vinculadas aos partidos; (b) definir, por conseguinte, o regime legal aplicável; (c) fixar a competência para o julgamento das respectivas contas; (d) aquilatar as repercussões do entendimento que se propõe. 5. Quanto ao primeiro item, é certo que não se apontou eventual controvérsia sobre a natureza jurídica das fundações vinculadas aos partidos políticos. Contudo, penso ser importante adentrar o tema em virtude dos potenciais desdobramentos acerca de sua fiscalização contábil. No ordenamento pátrio, três são as espécies de fundações contempladas, quais sejam: fundação de direito privado, instituída por particulares; fundação pública de direito privado, estatuída pelo Poder Público; e fundação pública de direito público, com natureza jurídica de autarquia. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 279
5.1. A primeira, fundação privada, caracteriza-se pela atribuição de personalidade jurídica a um patrimônio preordenado para certo fim social. Classifica-se na categoria das pessoas jurídicas de direito privado, nos termos do art. 44, III, do Código Civil de 2002. Nessa hipótese, a fundação é pessoa jurídica instituída por particular, derivando, assim, da iniciativa privada, e não encontra definição dentro dos estudos do Direito Administrativo, uma vez que é regida exclusivamente pelo Direito Civil. Segundo a professora Irene Patrícia Nohara, “costuma-se diferenciar a pessoa jurídica em duas espécies básicas: as associações ou sociedades, estudadas antigamente como corporações (universitas personarum), constituídas por pessoas que se associam para a consecução de determinados fins que geralmente as beneficiam, e as fundações (universitas rerum/bonorum), que abrangem um conjunto de bens personalizados e destinados a certas finalidades” (Direito Administrativo, 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 585). 5.2. Noutro vértice, Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece que, enquanto o particular pratica um ato de liberalidade e destaca de seu patrimônio bens que são destinados a fins alheios, o Poder Público, ao instituir uma fundação, lança mão dessa espécie de entidade para atingir determinado fim de interesse público, ou seja, procura descentralizar a execução do múnus que lhe compete. O art. 5º, IV, do Decreto-Lei 200/1967 dispõe sobre a organização da Administração Federal e estabelece o conceito de fundação pública: “entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de uma autorização legislativa, para desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”. Apesar de algumas divergências de ordem doutrinária, José dos Santos Carvalho Filho elucida que, hodiernamente, prevalece o entendimento de que as fundações públicas podem ser pessoas jurídicas tanto de direito privado como de direito público, condicionando-se essa definição à forma como vêm a ser constituídas (Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 525). Essa também é a posição do Supremo Tribunal Federal. No recente julgamento do RE 716.378/SP, reiterou-se o entendimento, há muito consolidado, de que as fundações instituídas pelo Estado podem se sujeitar ao regime público ou privado, a depender do estatuto e das atividades por ela prestadas. Nessa ordem ideias, assentou a Suprema Corte que as atividades de conteúdo econômico do Estado e as passíveis de serem delegadas, quando definidas como objeto de uma certa fundação, podem submeter-se ao regime jurídico de direito privado, ainda que instituída ou mantida pelo Poder Público. Extrai-se da ementa do mencionado precedente: 280 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
[...] Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Direito do Trabalho. Direito Constitucional. Ação trabalhista. Demanda de servidor da Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativas – pelo reconhecimento de sua estabilidade no emprego em razão do disposto no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Discussão acerca do alcance da referida norma constitucional. Matéria passível de repetição em inúmeros processos, com repercussão na esfera de interesse de inúmeros trabalhadores. Reconhecida a inaplicabilidade do dispositivo constitucional aos empregados das fundações públicas de direito privado que não exerçam atividades típicas de Estado. Ausência de estabilidade calcada nesse fundamento constitucional. Recurso provido. [...] 3. Segundo a jurisprudência da Corte, a qualificação de uma fundação instituída pelo Estado como sujeita ao regime público ou privado depende de dois fatores: i) do estatuto de sua criação ou autorização e ii) das atividades por ela prestadas. Não há na Constituição Federal o elenco das atividades que definiriam qual o regime jurídico a ser aplicado a uma determinada fundação pública. Entretanto, existem alguns pressupostos lógico-jurídicos que devem ser utilizados como critérios discriminadores. 4. Não pode a Administração Pública pretender que incida um regime jurídico de direito privado sobre uma entidade da administração indireta que exerça atividade constitucionalmente estatal – ainda que formalmente o tenha feito –, mais especificamente, um serviço público (lato sensu) que parte da doutrina denomina de serviço público próprio, seja porque essa atividade está definida na Constituição Federal como uma obrigação a ser executada diretamente (como são as atividades públicas de saúde, higiene e educação, v.g.), seja porque ela deve ser exercida com supremacia de poder, como é o caso do exercício do poder de polícia e da gestão da coisa pública. Essas atividades são essenciais, não podem ser terceirizadas, não podem ser delegadas a particulares e, portanto, devem se submeter a regras eminentemente publicísticas, o que afasta a possibilidade da incidência de um regime jurídico de direito privado sobre elas. 5. Por outro lado, as atividades de cunho econômico (respeitados os arts. 37, inciso XIX, e 173 da CF, esse com a redação dada pela EC nº 19/1998) e aquelas passíveis de delegação, porque também podem ser executadas por particulares, ainda que em parceria com o Estado, a toda evidência, se forem definidas como objetos de fundações, ainda que sejam essas instituídas ou mantidas pelo Poder Público, podem se submeter ao regime jurídico de direito privado caso as respectivas fundações também tenham sido instituídas como entes privados. [...] 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 281
(STF, RE 716.378/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJE de 29/6/2020, Tema 545) (sem destaques no original) 5.3. Nesse panorama, considerando as três espécies de fundação, parece não haver dúvida de que as fundações partidárias são pessoas jurídicas de direito privado, dadas as características atinentes à sua criação e ao seu funcionamento. 6. Considerando essa natureza jurídica, entendo, via de regra, que devem se submeter ao regime legal previsto nos arts. 62 a 69 do Código Civil de 2002. Dentre os comandos direcionados às fundações enquanto pessoas jurídicas de direito privado, destaco o art. 66, segundo a qual “velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas”. Sobre o mencionado dispositivo, leciona José Eduardo Sabo Paes que o verbo “velará” possui acepção ampla, compreendendo [o] exame de sua escritura de instituição, da suficiência ou não de seu patrimônio e da sua dotação inicial para o cumprimento dos fins a que se destina, da composição de seus órgãos e da correição de seu funcionamento, da adequação da sua atividade aos fins para os quais foi criada, da legalidade e pertinência dos atos de seus administradores, da eficiente aplicação e utilização dos seus bens e de seus recursos financeiros, tudo a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes proveitosa gerência da fundação. (Fundações, associações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis, trabalhistas e tributários. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 514). Esse compêndio de atribuições se traduz, como ensina Armando de Oliveira Marinho, em ampla competência do Ministério Público para promover a fiscalização institucional das fundações, tendente a garantir a observância de seus estatutos, prevenindo-se e eventualmente sancionando-se irregularidades (O Ministério Público como órgão fiscalizador das fundações. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rev. Dir. Adm., Rio de Janeiro, 114: 4-48 out./dez. 1977). Na mesma linha, conforme enfatizou o douto Ministro Luiz Fux em sua passagem pelo Superior Tribunal de Justiça, “a consecução dos objetivos finalísticos da Fundação é acompanhada pela Curadoria, a quem incumbe velar, na acepção mais ampla da palavra, qual seja, proteger, zelar e cuidar, a fim de que a fundação cumpra de forma eficiente os seus desígnios” (STJ, REsp 776.549/MG, Luiz Fux, 1ª Turma, DJ de 31/5/2007). Essa, portanto, é a regra geral para as fundações de direito privado. Contudo, rogando vênias aos que entendem de modo diverso, compreendo que a incidência dos arts. 62 a 69 do Código Civil não é absoluta quanto às fundações partidárias e deve ser compatibilizada diante de suas particularidades. Em rápido parênteses, deixa-se claro desde logo que essa constatação de forma alguma significa excluir ou desconsiderar o relevantíssimo papel do Ministério 282 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Público no desempenho de suas múltiplas e essenciais atribuições, prosseguindo, por óbvio, à frente da atividade fiscalizatória das fundações em geral, ressalvado o julgamento relativo à movimentação de verbas do Fundo Partidário pelas fundações vinculadas aos partidos. Esta Corte já teve oportunidade de assentar que as fundações partidárias guardam relevantes diferenças comparativamente com as demais fundações instituídas como pessoas jurídicas de direito privado, ainda que se enquadrem na mesma classificação. Nesse quadro, três pontos se sobressaem quanto a elas: (a) sua instituição obrigatória, nos termos da Lei 9.096/95; (b) o necessário vínculo com um partido político; (c) o indispensável emprego de recursos do Fundo Partidário para atingir seus propósitos – pesquisa e educação política (inciso IV do art. 44) e promover as mulheres na política (inciso V). Trago à colação, nesse sentido, o voto do douto Ministro Cezar Peluso por ocasião do julgamento da Pet 1.499, em 25/3/2008, em aresto firmado por unanimidade de votos: Com relação aos demais pedidos, é de reconhecer que as fundações instituídas pelos partidos políticos possuem natureza jurídica de certo modo diferenciada dos demais entes fundacionais de direito privado, como se tira às normas do Capítulo III do Código Civil e arts. 44, IV, e 53 da Lei nº 9.096/95, que permitem identificar três características peculiares àquelas fundações e, como tais, não encontradas nos outros entes de direito privado: a) vinculação a uma determinada agremiação política, consoante as finalidades específicas de estudo, pesquisa, doutrinação e educação política; b) instituição obrigatória nos termos da lei; c) destinação de recursos públicos do fundo partidário, para a consecução de seus fins. (sem destaques no original) Essas características bastante peculiares, como muito bem asseverou o eminente Ministro Cezar Peluso, “permitem inferir que as fundações criadas pelos partidos políticos, ainda que submetidas à lei civil, não o sejam de modo absoluto, devendo as diferenças ser consideradas na sua criação e no controle pelo Ministério Público”. Desse modo, penso que as fundações partidárias, embora se submetam a princípio aos arts. 62 a 69 do atual Código Civil, têm seu regime jurídico permeado também pelos dispositivos da legislação eleitoral acerca de sua constituição, funcionamento e fiscalização, com inegáveis consequências de ordem prática. Faço questão de reiterar, porém, de forma a não deixar margem para dúvidas, que o status jurídico diferenciado das fundações partidárias não conduz à exclusão ou à desconsideração do papel essencial do Ministério Público na ampla atividade fiscalizatória dessas entidades, tal como se dá também com as demais fundações de direito privado. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 283
É dizer: continua o Parquet à frente da vigilância dos mais diversos atos fundacionais, atestando sua licitude e, de outra parte, tomando as providências que entender cabíveis quando presentes quaisquer irregularidades. O caso sob julgamento envolve apenas a competência da Justiça Eleitoral para julgar – e, eventualmente sancionar – as contas das fundações partidárias quando do recebimento de recursos públicos do Fundo Partidário. 7. Certamente, dentre tais aspectos, o que mais repercute nas fundações partidárias é a competência para o julgamento das suas contas anuais. 7.1. Se, de um lado, o art. 66 do Código Civil estabelece que o Ministério Público velará pelas fundações, tem-se por outro vértice que todos os aspectos relacionados aos recursos do Fundo Partidário estão previstos na legislação eleitoral, sobressaindo- se a competência desta Justiça relativamente ao emprego de tais verbas, haja vista o princípio da especialidade. Não se trata, aqui, de flexibilizar o papel do Ministério Público, que, nos termos do art. 127, caput, da Constituição, “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Cuida-se, na verdade, de compatibilizar o art. 66 do Código Civil com a atribuição própria desta Justiça Especializada quanto ao gerenciamento e à fiscalização dos recursos do Fundo Partidário, sem que um órgão prejudique ou esvazie a atuação do outro e vice-versa. O cenário que se desenha, aliás, revela a princípio verdadeira ampliação das atribuições do Ministério Público. Com efeito, além do que já previsto de forma expressa no diploma civil, tem-se que o exame das contas das fundações partidárias pela Justiça Eleitoral quanto aos recursos do Fundo Partidário passaria a atrair a atuação do próprio Ministério Público Eleitoral quanto a essas entidades. 7.2. Dito isto, e como já se antecipou, anoto que a dotação orçamentária das verbas do Fundo Partidário, os seus critérios de repasse e as suas finalidades estão umbilicalmente ligados à Justiça Eleitoral. O art. 38 da Lei 9.096/95 delimita de início as verbas que compõem o Fundo Partidário, prevalecendo, na atualidade, as dotações orçamentárias da União. Por sua vez, prevê-se no art. 40 que “a previsão orçamentária de recursos para o Fundo Partidário deve ser consignada, no Anexo do Poder Judiciário, ao Tribunal Superior Eleitoral”, que, após o depósito desses valores pelo Tesouro Nacional, procederá à sua entrega aos diretórios nacionais das agremiações (art. 41), obedecendo aos critérios do art. 41-A, in verbis: Art. 41-A. Do total do Fundo Partidário: I – 5% (cinco por cento) serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que atendam aos requisitos constitucionais de acesso aos recursos do Fundo Partidário; e II – 95% (noventa e cinco por cento) serão distribuídos aos partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. 284 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Já o art. 43 dispõe que “os depósitos e movimentações dos recursos oriundos do Fundo Partidário serão feitos em estabelecimentos bancários controlados pelo Poder Público Federal, pelo Poder Público Estadual ou, inexistindo estes, no banco escolhido pelo órgão diretivo do partido”. Ressalvadas as compreensões em sentido diverso, penso que toda essa disciplina quanto ao Fundo Partidário constitui sonoro indicativo de que cabe à Justiça Eleitoral julgar a correta aplicação dos recursos em comento. 7.3. O eminente Relator pontuou em seu cuidadoso voto que “o Código Eleitoral, tampouco a Lei 9.096/95, a qual poderia criar regra de competência da Justiça Eleitoral”, previram nesta seara o exame das contas das fundações partidárias. Entretanto, a meu sentir, ao menos dois dispositivos da Lei 9.096/95 revelam a competência desta Justiça para analisar o ajuste contábil dessas entidades quando em jogo os recursos do Fundo Partidário. Consoante o art. 44, § 2º, da Lei dos Partidos Políticos, “a Justiça Eleitoral pode, a qualquer tempo, investigar sobre a aplicação de recursos oriundos do Fundo Partidário”. Como se vê, para fim de fiscalização, não se estabeleceu nenhuma diferença quanto à destinação dessas verbas, se às legendas ou às fundações. Por sua vez, os incisos I a XI do citado art. 44 versam sobre as despesas com recursos do Fundo Partidário, dentre elas a aplicação mínima pelas legendas de 20% em fundações ou institutos de pesquisa e de educação política (inciso IV) e de ao menos 5% em fundações, institutos ou na secretaria da mulher para promover a participação feminina na política (inciso V). Confira-se: Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: [...] IV – na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido; V – na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível nacional, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; [...] Por conseguinte, se é assegurado à Justiça Eleitoral aferir a qualquer tempo a correta aplicação das verbas do Fundo Partidário, e, ademais, sendo ao menos 25% desses recursos destinados às respectivas fundações, a competência desta Justiça sobressai de forma indissociável também para este último caso. Entender de modo diverso, a meu sentir, equivaleria a negar vigência ao § 2º do art. 44 da Lei 9.096/95, que em nenhum momento impõe qualquer espécie de restrição à Justiça Eleitoral para apreciar o emprego desses recursos. Aplica-se aqui o brocardo segundo o qual onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete assim fazer. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 285
Além disso, a competência desta Justiça para analisar as contas das fundações partidárias também é extraída do art. 37, § 14, da Lei dos Partidos Políticos. Com efeito, nele se dispõe que os institutos e fundações serão atingidos pelas sanções decorrentes da rejeição das contas das legendas quando tiverem, de forma direta, contribuído para a desaprovação. Confira-se: Art. 37. A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento). [...] § 14. O instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política não será atingido pela sanção aplicada ao partido político em caso de desaprovação de suas contas, exceto se tiver diretamente dado causa à reprovação. (Incluído pela Lei 13.165, de 2015) A toda evidência, no meu modo de pensar, para se concluir que o instituto ou a fundação deu causa à desaprovação é imprescindível que se proceda nesta seara ao exame das contas dessas entidades, em análise simultânea e conjunta, delas se extraindo os fundamentos para consignar o caráter decisivo das falhas no caso concreto. Em síntese, considero que a legislação eleitoral prevê sim a competência desta Justiça para examinar e julgar as contas das fundações partidárias, não havendo falar em falta de previsão legislativa. 7.4. A competência desta Justiça também se reforça a partir da própria regulamentação dos Ministérios Públicos Estaduais sobre a matéria e da jurisprudência da Suprema Corte. Tem-se, como exemplo maior, a regulamentação procedida pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, que em 2019 foi responsável pelo acompanhamento institucional de ao menos 16 das fundações partidárias. O Conselho Superior daquele órgão, ao estabelecer a atuação das Promotorias de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social nas contas das fundações em geral, ressalvou explicitamente a competência de outros órgãos externos de controle, tais como os tribunais de contas. Confira-se a Res. 90/2009: Art. 19. Às Promotorias de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social competem as atribuições previstas nos arts. 2º e 11 desta Resolução e ainda: [...] VII – examinar as contas prestadas anualmente pelas fundações e entidades de interesse social, aprovando-as ou não, independentemente das decisões prolatadas pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, Câmara Legislativa e demais órgãos do sistema de controle; [...] 286 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
X – fiscalizar a aplicação e utilização dos bens e recursos destinados às fundações e entidades de interesse social, independentemente daquela exercida por outros órgãos de controle; [...] Da mesma forma, a competência concorrente dos órgãos externos de controle das fundações já foi reconhecida no âmbito do Supremo Tribunal Federal, modulando-se a norma do art. 66 do Código Civil quando em jogo a gestão de recursos de natureza pública, como é o caso do Fundo Partidário. No julgamento do AgR-MS 32.703/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, DJE de 11/5/2018, envolvendo fundação particular de direito privado, assentou-se a inequívoca competência do Tribunal de Contas da União para fiscalizar o repasse de recursos federais. Veja-se trecho da decisão monocrática, referendada por maioria de votos (vencido o eminente Ministro Edson Fachin, que ampliava a fiscalização também para outras verbas diante das especificidades do caso): Pois bem. Partindo dessa premissa, e numa análise mais aprofundada da questão posta em debate, concluo que não compete ao TCU adotar procedimento de fiscalização que alcance a Fundação Banco do Brasil quanto aos recursos próprios, de natureza eminentemente privada, repassados por aquela entidade a terceiros, eis que a FBB não integra o rol de entidades obrigadas a prestar contas àquela Corte de Contas, nos termos do artigo 71, inciso II, da CF. Tampouco cabe à FBB, sob esse raciocínio, observar preceitos que regem a Administração Pública ao executar tais atividades. Em contrapartida, quanto aos recursos de origem pública, não me pairam dúvidas acerca da obrigatoriedade [...] da fiscalização pela Corte de Contas [...]. Nesse viés, transcrevo apontamentos extraídos da brilhante manifestação do d. Subprocurador-Geral da República acerca do tema, os quais adoto como razões de decidir. Senão, vejamos: Se o Banco do Brasil não pode ser tido como Poder Público, a impetrante tampouco pode ser considerada como fundação ‘instituída e mantida pelo Poder Público’, a justificar a fiscalização irrestrita do TCU quanto às suas contas, com base na competência que lhe é atribuída pelo art. 71, II, da CF. [...] O TCU determinou que a impetrante tome providências ordenadas ao controle dos recursos repassados a terceiros, a título de doação e de contribuição, e entendeu sujeito a controle o conjunto de bens móveis e imóveis e dos direitos que a Fundação adquire ou recebe de pessoas físicas ou jurídicas, bem 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 287
como os rendimentos que aufere em decorrência de aplicações financeiras. Tais recursos, porém, por não serem públicos, e ante a natureza jurídica de fundação privada da impetrante, não se submetem à fiscalização da Corte de Contas, mas apenas do Ministério Público – responsável por velar pelas fundações privadas. A natureza jurídica de fundação privada da impetrante não afasta, contudo, a possibilidade de fiscalização da Corte de Contas quanto aos recursos públicos que recebe por diversos meios, incluindo, obviamente, as dotações do Banco do Brasil – sociedade de economia mista integrante da Administração Pública Indireta. (sem destaques no original) A ratio que se extrai do precedente aplica-se às inteiras à hipótese. Isso porque, tanto naquele caso como neste, está-se diante de fundação de direito privado, a qual recebeu recursos públicos, e cuja fiscalização por órgão de controle externo é prevista independentemente do disposto no art. 66 do Código Civil. 7.5. Em acréscimo aos aspectos de ordem legislativa, doutrinária e jurisprudencial expostos, entendo que a competência desta Justiça para examinar as contas das fundações partidárias decorre também do preocupante cenário quanto à fiscalização desses recursos e das implicações práticas em se manter a quadra atual. Para tanto, valho-me de início da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Segundo o art. 20 da referida Lei, nas deliberações nas esferas judicial, administrativa e controladora impõe-se levar em conta as consequências do que se está a decidir, prestigiando-se, fundamentadamente, a necessidade e a adequação da medida. Eis o texto legal, com as alterações da Lei Anastasia (Lei 13.655/2018): Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. Assim, aspectos de ordem legal meramente pragmáticos ou abstratos não podem se sobrepor às consequências e às repercussões do que se objetiva com este debate: proporcionar a efetiva fiscalização de recursos públicos que orbitam a casa de centenas de milhões de reais todos os anos. No caso do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, zelosa e combativa instituição, a quem cabe acompanhar atualmente a maior parte das fundações partidárias, ressalto que a ação fiscalizatória compreende em linhas gerais o atendimento aos objetivos institucionais por aquelas entidades, sem análise contábil mais profunda. 288 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Tal constatação não se dá em tom de crítica ao Ministério Público, muito pelo contrário. A valiosa atuação do Parquet dentro desses limites, ao revés, justifica-se exatamente pelo fato de que suas atribuições no ponto abrangem apenas os recursos particulares, pois, quanto às verbas públicas, há órgãos externos de controle, como se previu na própria Res. 90/2009 do Conselho Superior do MPDFT. Ademais, anoto que as Câmaras de Coordenação Reunidas aprovaram em 2018 o Enunciado 84, segundo o qual a regularidade das contas de determinado exercício financeiro dispensa a análise dos anos anteriores. Veja-se: Enunciado 84 CCRs/MPDFT. Estando regulares as contas do último exercício, observa-se que não é necessária a análise das contas dos anos anteriores. Não se aplica, no entanto, o presente enunciado, quando a apreciação das contas for convertida em procedimento para apuração de irregularidade detectada. Ressalto, ainda, em comum a essas e a outras regulamentações, a ausência de sanções específicas para o uso irregular de recursos do Fundo Partidário pelas fundações vinculadas às legendas, nem mesmo a devolução de valores. E não poderia ser diferente, pois, como se demonstrou, essas verbas devem na verdade devem se sujeitar a julgamento pela Justiça Eleitoral. Nesse estado de coisas, pontuando-se a imprescindibilidade da medida e sua adequação com supedâneo no art. 20 da LINDB, além da expressa previsão na Lei dos Partidos Políticos, entendo que a postura ativa da Justiça Eleitoral na atividade fiscalizatória desses recursos públicos se faz preponderante. 8. Entendo pertinente, ainda, tecer algumas linhas sobre as perplexidades e as contradições que na minha visão prevaleceriam caso mantido o atual entendimento da incompetência da Justiça Eleitoral para fiscalizar os recursos do Fundo Partidário destinados às fundações. Em primeiro lugar, como se viu, os incisos IV e V do art. 44 da Lei 9.096/95 estabelecem teto apenas mínimo, e não máximo, dos valores que podem ser repassados àquelas entidades. No meu entender, há evidente e potencial risco de esvaziamento do papel da Justiça Eleitoral na fiscalização desses recursos, na medida em que, em tese, nada impede que as legendas transfiram 100% do Fundo Partidário para suas fundações. Em segundo lugar, recentemente esta Corte reforçou o entendimento há muito consolidado de que os institutos – os quais também podem receber aquelas verbas – devem prestar contas à Justiça Eleitoral (PC 241-43, redator para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, sessão de 27/4/2020). Seria no mínimo contraditório que a competência para o exame dos recursos destinados à pesquisa e educação política e à participação feminina variasse unicamente de acordo com a espécie de entidade contemplada – instituto ou fundação. Como bem enfatizou a Procuradoria-Geral Eleitoral, “recursos públicos de igual natureza receberão tratamento diverso em razão da pessoa jurídica a quem os partidos 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 289
desejem repassar, quebrando a igualdade de tratamento pela Justiça Eleitoral aos institutos e às fundações”. É ilógico, segundo penso, atribuir ao próprio jurisdicionado a decisão sobre quem deve apreciar suas contas, notadamente quando em contraponto à expressa disposição da lei. Em terceiro lugar, na mesma linha do item anterior, a Res.-TSE 23.604/2019 e Res.- TSE 23.607/2019 preveem a publicidade das contas tanto anuais como de campanha dos partidos políticos, não havendo notícia, por outro lado, acerca do caráter público do ajuste contábil das fundações partidárias. Em quarto lugar, ressalto a incongruência de se conferir, aos Ministérios Públicos dos Estados, a atribuição de julgar o correto emprego de verbas de natureza federal, em afronta à simetria estabelecida, por exemplo, quanto ao Tribunal de Contas da União, na forma dos arts. 70 e 71 da Constituição da República e da Lei 8.443/29 (Lei Orgânica do TCU). Ademais, a prevalecer o entendimento atual, a União – por meio desta Justiça Especializada – ficaria impedida de examinar a destinação das verbas que saíram de seus próprios cofres. 9. Enfrento também as relevantes preocupações externadas pelo douto Relator, o qual, com o esmero que lhe é costumeiro, abordou temas que a princípio se afiguram sensíveis para equacionar o caso. O eminente Relator assevera de início que “o art. 17, III, do texto constitucional impõe aos partidos políticos – e somente a eles – o dever de prestação de contas à Justiça Eleitoral, nada dispondo acerca de outras pessoas jurídicas”. Todavia, tenho que a premissa quanto ao mencionado dispositivo – dever de os partidos políticos prestar contas à Justiça Eleitoral – não permite se chegar à conclusão alcançada. Em primeiro lugar, porque o dispositivo não visa regulamentar a competência da Justiça Eleitoral, mas sim dispor sobre obrigação específica em capítulo destinado apenas aos partidos políticos. Assim, não vejo como inferir que no texto constitucional se pretendeu excluir as fundações partidárias. Em outras palavras, a circunstância de o art. 17, III, da Constituição dispor que as legendas devem prestar contas à Justiça Eleitoral não pode levar ao entendimento de que, a contrario sensu, as respectivas fundações estão excluídas da atividade fiscalizatória desta Justiça. A premissa não induz a essa conclusão. Em segundo lugar, como visto, esta Corte já reconheceu a competência da Justiça Eleitoral para apreciar as contas dos institutos – pessoas jurídicas de direito privado distintas dos partidos e das fundações – e em nenhum momento assentou qualquer óbice de natureza constitucional para tanto. De outra parte, o douto Relator esclarece que “do ponto de vista jurídico, a fundação não se vincula nem se subordina às esferas partidárias, podendo, inclusive, ter administradores não vinculados às legendas”, na esteira do art. 53 da Lei 9.096/95, já citado neste voto e que assim dispõe: 290 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Art. 53. A fundação ou instituto de direito privado, criado por partido político, destinado ao estudo e pesquisa, à doutrinação e à educação política, rege-se pelas normas da lei civil e tem autonomia para contratar com instituições públicas e privadas, prestar serviços e manter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ainda, manter intercâmbio com instituições não nacionais. Com as mais sinceras vênias, a tese ora em debate – competência da Justiça Eleitoral para julgar as contas das fundações partidárias – não repercute na autonomia dessas entidades, inexistindo liame entre os temas. Em outras palavras, é dizer: a fixação da tese da competência não limita a autonomia das fundações vinculadas aos partidos políticos, as quais podem continuar a “contratar com instituições públicas e privadas, prestar serviços e manter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ainda, manter intercâmbio com instituições não nacionais”. Por outro vértice, o douto Relator salienta “que não há previsão na Res.-TSE 23.546 de integração da lide pela fundação, a qual tem personalidade jurídica própria, e pelos seus administradores, que não necessariamente são pessoas vinculadas ou subordinadas às instâncias partidárias”. Embora reconheça essa circunstância, penso que a controvérsia requer enfoque diverso. A falta de dispositivo específico para chamar à lide as fundações e seus dirigentes poderia em tese apenas obstar a imediata aplicação do novo entendimento – o que será objeto de tópico específico –, mas não levar ao entendimento de que, por isso, as contas das fundações não podem ser julgadas nesta seara. Mero ato regulamentar não tem o condão de se sobrepor à lei. O douto Relator também pontua que o “cenário de vácuo normativo para reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral, poderia levar ao paradoxo de esta Corte analisar as contas da fundação e, ressalvadas as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, não poder implementar nenhuma glosa nesse particular”. No entanto, como já se assentou, o § 14 do art. 37 da Lei 9.096/95 dispõe de modo expresso que os institutos e fundações serão atingidos pelas sanções decorrentes da rejeição das contas quando tiverem, de forma direta, contribuído para a desaprovação: Art. 37. [omissis] [...] § 14. O instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política não será atingido pela sanção aplicada ao partido político em caso de desaprovação de suas contas, exceto se tiver diretamente dado causa à reprovação. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015) O eminente Relator acentua, ainda, “o eventual descompasso que pode ser extraído da limitação constante do inciso I do art. 44 da Lei 9.096/95, que estipula limites para 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 291
o pagamento de despesas com pessoal pelos partidos políticos. Se, para as agremiações, o Poder Legislativo entendeu por bem limitar tais despesas, poder-se-ia dizer o mesmo em relação às fundações, cujas atividades podem se centrar na contratação de pessoas?”. Apesar de compreender a relevância da questão, entendo que a matéria não constitui obstáculo ao reconhecimento da competência para julgar as contas das fundações, tratando-se de tema que também deve ser regulamentado a posteriori, em grupo de trabalho constituído para esse fim. Cabe, nesta primeira etapa, apenas definir quem deve apreciar o ajuste contábil das referidas entidades quanto aos recursos do Fundo Partidário. Prosseguindo, questiona o douto Relator: “como exigir que sejam abertas, pelas fundações, contas distintas para o manuseio de recursos públicos e privados, tal qual se impõe aos partidos políticos?”. No ponto, penso que a adequada organização contábil representa aspecto basilar para permitir a correta fiscalização do emprego de recursos públicos, qualquer que seja o órgão competente – a Justiça Eleitoral ou Ministério Público. De todo modo, nada impede que esta Corte, no exercício de suas atribuições, discipline o tema. Em conclusão neste tópico, e apesar das legítimas preocupações do eminente Relator, no meu modo de pensar elas não constituem óbice ao entendimento que se propõe na hipótese. 10. Passo ao último tema, que envolve a pretensão da Procuradoria-Geral Eleitoral de que a competência desta Justiça no tocante às contas das fundações incida de imediato para o exercício financeiro de 2015. No ponto, tenho que a irresignação não merece prosperar por questões de segurança jurídica, de necessária regulamentação da matéria e de proximidade do prazo prescricional, o que me leva a acompanhar o eminente Relator apenas na conclusão deste caso, ainda que por fundamento diverso. Isso porque, especificamente para o exercício de 2015, o prazo final para julgamento encerrar-se-á em abril de 2021 e os processos de contas dos partidos já se encontram ou em fase final de instrução ou com instrução finda. No meu modo de pensar, seria extremamente arriscado, na iminência da consumação desse prazo, permitir verdadeira reabertura de todas as fases do processo, citando- se as fundações e seus dirigentes, concedendo-se prazo para apresentar inúmeros documentos e demandando-se do órgão técnico o exame de provas e alegações. Some-se a isso que a matéria trazida à apreciação pelo Parquet, embora procedente quanto à tese, foi suscitada em momento já bastante avançado no exame das contas do exercício de 2015. No que toca às contas dos exercícios de 2016 a 2020, embora menor o risco de consumação do prazo prescricional, a segurança jurídica também se aplica. Ainda que em reduzida extensão, de igual modo haveria necessidade de reabertura de várias fases processuais já ultrapassadas, além de se colher de surpresa os jurisdicionados, pois as fundações e seus dirigentes seriam compelidos, anos depois de prestadas as contas ao Ministério Público, a reunir toda a documentação anterior para apresentá-la à Justiça Eleitoral. 292 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Ademais, compactuando plenamente com algumas das preocupações externadas pelo douto Relator, entendo salutar que a Res.-TSE 23.604/2019 seja objeto de cuidadoso trabalho de revisão por esta Corte a fim de que se contemplem importantes aspectos das contas das fundações partidárias, tais como: (a) citação das entidades e de seus dirigentes; (b) eventuais critérios de aplicação dos recursos do Fundo Partidário e (c) sanções e a forma de execução. Por todas essas razões, e apesar da inegável necessidade de se propiciar da forma mais célere possível a efetiva fiscalização dos gastos despendidos pelas fundações com recursos do Fundo Partidário, penso que o entendimento que se propõe deve incidir a partir das prestações de contas do exercício financeiro de 2021, que serão apresentadas em 2022. 11. Ante o exposto, acompanho o douto Relator no sentido de que (a) é incabível, em prestações de contas de exercício financeiro de diretório nacional de partido político, já com parecer conclusivo do órgão técnico, adotar o novo rito da Res.-TSE 23.604/2019; (b) no caso específico dos autos, para o exercício de 2015, descabe à Justiça Eleitoral julgar as contas da Fundação Milton Campos. Proponho, todavia, a seguinte tese para o exercício financeiro de 2021 em diante: a Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar as contas anuais das fundações vinculadas aos partidos políticos envolvendo a aplicação de verbas do Fundo Partidário. É como voto. PEDIDO DE VISTA O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Pois não, Presidente. O tema suscita uma discussão, como Vossa Excelência vem de mencionar, muito importante. É claro que, no caso concreto, para o desate dessa prestação de contas, creio que não há divergência, na conclusão, diante do voto do Ministro Luis Felipe Salomão. Em outras palavras: nesse caso, não estão sendo examinadas as contas da fundação. A questão remanesce, todavia, no que diz respeito à tese proposta no voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão. Da minha parte, Senhor Presidente, eu gostaria de examinar melhor a matéria, porque entendo que, até agora – pelo menos até onde posso alcançar, na compreensão –, não houve decisão de forma verticalizada, quanto à contabilidade, à prestação de contas de institutos, e até mesmo da sua própria configuração existencial, por assim dizer. Até porque o Código Civil brasileiro não trata de institutos, trata de fundações. E esse é um tema presente nos debates. Há, no plenário virtual – que está, creio que em curso até a data de hoje –, um feito da relatoria do eminente Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho também tratando da matéria. E, nesse ponto, o voto-vista remete para a Justiça Eleitoral o protagonismo desse sistema fiscalizatório que, enfim, eu gostaria de melhor examinar, porque tenho fundadas dúvidas. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 293
Portanto, Senhor Presidente, eu, por um lapso temporal mais exíguo possível, se os colegas me permitirem, também gostaria de refletir alguns dias sobre esse tema. E, na semana vindoura, na quarta-feira, eu, tendo alguns dias de reflexão, já restituirei o pedido de vista que agora venho de fazer, se Vossa Excelência e os pares me permitirem. O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (presidente): Muito obrigado, Ministro Edson Fachin. Indago dos demais colegas se aguardam. EXTRATO DA ATA QO-PC nº 192-65.2016.6.00.0000/DF. Relator: Ministro Sérgio Banhos. Requerente: Ministério Público Eleitoral. Requerido: Partido Progressista (PP) – Nacional (Advogados: Herman Ted Barbosa – OAB: 10001/DF e outros). Decisão: Após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão, resolvendo a questão de ordem, no sentido de acompanhar o relator na rejeição dos requerimentos formulados pelo Ministério Público Eleitoral, com fundamento diverso quanto ao segundo requerimento, e de propor tese relativa à competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar as contas anuais das fundações vinculadas aos partidos políticos envolvendo a aplicação de verbas do Fundo Partidário, pediu vista o Ministro Edson Fachin. Aguardam os Ministros Alexandre de Moraes, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Luís Roberto Barroso. Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (presidente), Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos. Vice-Procurador-Geral Eleitoral: Renato Brill de Góes. SESSÃO DE 15.10.2020. VOTO-VISTA O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Senhor Presidente, eminentes pares, trata- se de questão de ordem afeta ao desenlace de dois pontos distintos. O primeiro debate aborda a aplicabilidade das normas procedimentais da Res.-TSE nº 23.604/2019 às prestações de contas de partidos políticos referentes aos exercícios financeiros anteriores a 2020. O segundo, quanto à inclusão da contabilidade das fundações partidárias no âmbito de análise contábil que esta Justiça Especializada exerce sobre as prestações de contas de partidos políticos. Em relação ao primeiro ponto indicado, nota-se que o e. Min. Relator e o e. Min. Luis Felipe Salomão colacionaram ao Plenário desta Corte idênticas compreensões, no sentido da possibilidade de aplicação do novo rito processual instalado pela Res.-TSE nº 23.604/2019 às prestações de contas de partidos políticos referentes aos exercícios 294 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
financeiros anteriores ao de 2020, desde que o relator dos autos promova a necessária adequação do rito, na forma do art. 65, §§ 1º e 2º, da mencionada norma regulamentar. Esse entendimento harmoniza-se com minha percepção da matéria, de modo que, sem mais delongas, acompanho, no ponto, o e. Min. Relator. No segundo ponto debatido na presente questão de ordem, há uma contraposição de compreensões entre o e. Min. Relator e o e. Min. Vistor que me antecedeu. De forma sintética, defende aquele que à Justiça Eleitoral não compete a análise da contabilidade das fundações partidárias, enquanto este finca entendimento diametralmente oposto e reconhece a competência desta Justiça Especializada para o mencionado campo de análise. Registre-se, de saída, que acompanho o e. Min. Relator quanto à solução da questão de ordem. De modo a poder debater, ao final, a existência da competência da Justiça Eleitoral para a fiscalização da contabilidade das fundações partidárias, faz-se necessário o enfrentamento de 3 pontos distintos. Adiantando vênias pela extensão dos argumentos, passo a eles. 1. DA INEXISTÊNCIA DE INSTITUTOS PARTIDÁRIOS QUE NÃO ADOTARAM A ESTRUTURA JURÍDICA DE FUNDAÇÕES. Afirma o e. Min. Vistor que me antecedeu que o Tribunal Superior Eleitoral assentou, no julgamento da Prestação de Contas nº 241-43.2015.6.00.0000, recentemente esta Corte reforçou o entendimento há muito consolidado de que os institutos – os quais também podem receber aquelas verbas – devem prestar contas à Justiça Eleitoral. Peço-lhe vênia para divergir dessa compreensão. Extrai-se da leitura do inteiro teor do acórdão mencionado que meu voto, naquele caso, não chancelou a existência de institutos partidários, mas apenas e tão somente deixou de discutir a questão, de modo verticalizado, em estrito prestígio ao princípio da segurança jurídica. No voto-vista que fiz juntar naquela ocasião, assentei a necessidade de aprofundamento da discussão em razão do advento do Código Civil de 2002 e da Res.- TSE nº 22.121/2015, e, repita-se, em momento algum acenou-se positivamente à manutenção da existência jurídica de institutos partidários. Lê-se ainda no inteiro teor do aresto que os e. Ministros Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Sérgio Banhos adotaram compreensões similares, extraindo-se de seus votos como principal elemento da racionalidade da decisão o prestígio à segurança jurídica. Por zelo, infere-se ainda que o Exmo. Min. Presidente acompanhou o Min. Vistor que me antecedeu, e que a Exma. Min. Rosa Weber pautou seu voto também pelo critério da segurança jurídica. Por fim, a posição externada pelo Min. Og Fernandes, relator originário, é no sentido da existência dos institutos partidários e de que incumbe ao Ministério Público das Fundações a fiscalização de suas contas. Portanto, ainda que o resultado prático da decisão tenha importado na manutenção de análise das contas do instituto partidário naquelas contas, o fundamento para essa 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 295
decisão não foi o reconhecimento de sua existência como juridicamente adequada, mas, sim, a preocupação desta Corte com a segurança jurídica como elemento impeditivo de modificação, naquele momento, dessa compreensão. A presente questão de ordem tem o condão de apartar a discussão e, ao meu sentir, permitir que ela seja debatida com maior profundidade. É de valia relembrar que, na redação originária da Lei dos Partidos Políticos, em 1995, havia menção às fundações ou institutos partidários nos arts. 44, IV, e 53, caput: Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: [...] IV - na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido. Art. 53. A fundação ou instituto de direito privado, criado por partido político, destinado ao estudo e pesquisa, à doutrinação e à educação política, rege-se pelas normas da lei civil e tem autonomia para contratar com instituições públicas e privadas, prestar serviços e manter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ainda, manter intercâmbio com instituições não nacionais. Naquele momento do tempo, as pessoas jurídicas e suas personalidades eram regidas pelo Código Civil de 1916, nos seguintes termos: Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações; [...]. Com o início de vigência do Código Civil de 2002, esse tópico recebeu nova roupagem normativa: Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações; IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003); V - os partidos políticos; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003); VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Incluído pela Lei nº 12.441, de 2011). Acrescida das normas de direito intertemporal: Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005) 296 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às organizações religiosas nem aos partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003); Art. 2.032. As fundações, instituídas segundo a legislação anterior, inclusive as de fins diversos dos previstos no parágrafo único do art. 62, subordinam- se, quanto ao seu funcionamento, ao disposto neste Código. A Justiça Eleitoral editou, então, a Res.-TSE nº 22.121/2015, que, em atenção ao novo Código Civil – e considerando, entre outros: i) que, na nova ordem civil, não está prevista a existência de institutos partidários como entes personalizados; ii) ser atribuição legal do Ministério Público velar pelas fundações (art. 66 do Código Civil de 2002); e iii) que o Ministério Público dos estados tem, por força de lei, velamento civil sobre as fundações e que não há previsão legal para esse controle quando o ente adota a forma de instituto –, trouxe novo regramento para as fundações e institutos partidários, com destaque para o seguinte dispositivo: Art. 1º Os entes criados pelos partidos políticos para pesquisa, doutrinação e educação política devem ter a forma de fundações de direito privado. § 1º Aqueles entes criados sob a forma de instituto, associação ou sociedade civil devem ser convertidos em fundações de direito privado, nos termos e prazos da lei civil (arts. 2.031 e 2.032 do Código Civil de 2002). § 2º A conversão a que se refere o parágrafo anterior não impede a manutenção do nome até então adotado por esses entes, desde que a este se acresça o vocábulo fundação. Para encerrar essa perspectiva histórico-normativa, o legislador promulgou a Lei nº 13.847/2017, que acrescentou os seguintes parágrafos ao já transcrito art. 53, caput, da Lei dos Partidos Políticos: § 1º O instituto poderá ser criado sob qualquer das formas admitidas pela lei civil. (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017) § 2º O patrimônio da fundação ou do instituto de direito privado a que se referem o inciso IV do art. 44 desta Lei e o caput deste artigo será vertido ao ente que vier a sucedê-lo nos casos de: (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017) I - extinção da fundação ou do instituto, quando extinto, fundido ou incorporado o partido político, assim como nas demais hipóteses previstas na legislação; (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017) II - conversão ou transformação da fundação em instituto, assim como deste em fundação. (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017) 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 297
§ 3º Para fins do disposto no § 2º deste artigo, a versão do patrimônio implica a sucessão de todos os direitos, os deveres e as obrigações da fundação ou do instituto extinto, transformado ou convertido. (Incluído pela Lei nº 13.487, de 2017) § 4º A conversão, a transformação ou, quando for o caso, a extinção da fundação ou do instituto ocorrerá por decisão do órgão de direção nacional do partido político. Observa-se que a evolução normativa da questão se revela harmônica em indicar que as fundações e institutos partidários previstos no art. 44, IV, da Lei nº 9.504/97 somente podem existir na forma da lei civil, ou seja, sob o regime jurídico de fundações. Impende frisar que a determinação constante da resolução assinalada, mais especificamente no art. 1º, § 1º, se encontra plenamente justificada à luz da legislação civil, sendo, ademais, absolutamente compatível com o princípio da contabilidade controlada, que rege as atividades partidárias por força do que dispõe o art. 17, III, da Constituição da República. Nessa toada, a obrigatoriedade de assunção do modelo fundacional não tem outro espeque senão impedir que uma vultosa quantidade de recursos públicos adentre o limbo contábil, ficando isenta de qualquer espécie de controle externo. Dentro dessa perspectiva, a adoção do modelo fundacional surge como um verdadeiro imperativo do sistema, considerando que, a teor do que disciplina o art. 66 do Código Civil, as fundações adentram o espectro de controle do Ministério Público. Acrescente-se, ainda, que a eventual manutenção do nome Instituto exige que a ele seja aposto o termo Fundação (art. 1º, § 2º, da Res.-TSE nº 22.121/2015), sendo acertada a compreensão de que aquele vocábulo nada mais representa do que o nome fantasia representa para o direito empresarial, ou seja, uma forma de melhor se conectar com os cidadãos da República sem, contudo, produzir quaisquer efeitos na forma organizacional sob a qual deve se assentar a pessoa jurídica. Deve-se enfrentar, ainda, a questão da mora dos partidos políticos em operarem a conversão de seus institutos partidários em fundações, deixando de cumprir o prazo previsto na Res.-TSE nº 22.121/2015 e, também, no Código Civil. A consequência jurídica é a impossibilidade de se reconhecer que institutos partidários que não estejam constituídos sob o arquétipo normativo das fundações sejam reconhecidos pela Justiça Eleitoral como entes de direito privado que podem desempenhar as funções previstas nos arts. 44, IV e 53, caput, da Lei dos Partidos Políticos. O fato de a norma debatida (art. 1º, § 1º, da Res.-TSE nº 22.121/2015) ser desprovida de um preceito secundário sancionador impede que o Estado-Juiz puna o partido político que se manteve inerte ante o comando normativo. Mas não impede, sob qualquer método de interpretação, que o Tribunal Superior Eleitoral cesse o reconhecimento de que aquelas pessoas jurídicas estão em conformidade com os requisitos legais exigidos para o recebimento de parcela do fundo partidário reservada na forma do art. 44, IV, da Lei dos Partidos Políticos. 298 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Assim, não se fala em sanção, mas em simples aferição de incompatibilidade de institutos que não adotaram a forma jurídica de fundações com a Lei dos Partidos Políticos. As consequências advindas das condutas dos partidos políticos em repassarem recursos públicos em desacordo com o conjunto normativo que regula o uso desses valores deve ser aferido caso a caso. Por fim, cumpre rechaçar a possibilidade de se reconhecer, por benesse, que os institutos partidários que não foram convertidos em fundações partidárias são, de direito, fundações partidárias. Sob uma primeira óptica, ainda que o nomem iuris atribuído a determinado instituto não seja determinante de sua essência e permita que o Poder Judiciário trate a questão pelo que de fato ela é, no caso concreto isso exigiria o completo desrespeito pelo ato juridicamente perfeito que constituiu esses institutos jurídicos, providência vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Ademais, esse tratamento putativo colocaria em risco, em meu entender, a possibilidade de fiscalização dos recursos públicos repassados – ao arrepio do art. 44, IV, da Lei dos Partidos Políticos – aos institutos partidários. Isso porque a incumbência do Ministério Público das Fundações de por elas velar não admite o desrespeito pela forma jurídica sob a qual estão constituídos os institutos partidários. Nesse cenário, a superação de nomenclatura operada pela Justiça Eleitoral acarretaria a destinação de recursos públicos a pessoa jurídica que não estaria sujeita ao controle da Justiça Eleitoral, tampouco do Ministério Público das Fundações, o que não se revela admissível. Feitas todas essas considerações, e para concluir este primeiro tópico, assenta-se que o ordenamento jurídico não contempla a figura de institutos partidários, especialmente para os fins dos arts. 44, IV e 53, caput, da Lei dos Partidos Políticos, salvo aqueles que adotem o arquétipo jurídico de fundações, na forma da Resolução-TSE nº 22.121/2015 e dos arts. 44, 62, 2.031 e 2.032, todos do Código Civil. 2. DO REGIME JURÍDICO DAS FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS A compreensão exposta pelo e. Min. Vistor que me antecedeu, quanto à existência de três tipos de fundações no ordenamento jurídico pátrio – fundação de direito privado, instituída por particulares; fundação pública de direito privado, estatuída pelo Poder Público; e fundação pública de direito público, com natureza jurídica de autarquia –, concluindo que as fundações partidárias são fundações de direito privado, é imune a críticas ou divergências. Igual medida se aplica ao reconhecimento de que as fundações de direito privado estão sujeitas ao regime jurídico contido nos arts. 62 a 69 do Código Civil. A divergência consiste no alcance que o e. Min. Vistor que me antecedeu confere ao art. 66 do CC/2002: 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 299
Art. 66. Velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas. § 1 º Se funcionarem no Distrito Federal ou em Território, caberá o encargo ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. (Redação dada pela Lei nº 13.151, de 2015) § 2º Se estenderem a atividade por mais de um Estado, caberá o encargo, em cada um deles, ao respectivo Ministério Público. Em seu entender, ao qual se renovam vênias, o papel do Ministério Público Fundacional, extraído do verbo velar, consiste na atividade de fiscalização geral das fundações, excluindo-se o julgamento relativo à movimentação de verbas do Fundo Partidário pelas fundações vinculadas aos partidos, em razão de 3 elementos peculiares: (a) sua instituição obrigatória, nos termos da Lei 9.096/95; (b) o necessário vínculo com um partido político; (c) o indispensável emprego de recursos do Fundo Partidário para atingir seus propósitos – pesquisa e educação política (inciso IV do art. 44) e promover as mulheres na política (inciso V), extraídos do julgamento proferido por este Tribunal Superior Eleitoral na Pet nº 1.499, em 25.3.2008, Relator o Ministro Cezar Peluso. A leitura do texto integral da Pet nº 1.499, mencionada, revela que o Min. Cezar Peluso relatou que o PSDB formulou pedido para que o Ministério Público somente atuasse na fiscalização das verbas oriundas do Fundo Partidário (p. 4), e que o Democratas formulou pedido para que a atuação do Ministério Público se limitasse ao acompanhamento da aplicação dos recursos do fundo partidário nas atividades da Fundação, sendo que em caso de irregularidade poderá oferecer representação, através do Procurador Geral, ao Tribunal Superior Eleitoral, nos termos do art. 35 da Lei no 9.096/95 (p. 5). Em atenção ao rompimento da jurisdição, neste ponto, o Relator, com admirável poder de síntese e acerto, assentou: Quanto à atuação do Ministério Público, não merece agasalho o pleito dos requerentes de que se limite à fiscalização das verbas do Fundo Partidário. O controle do MP sobre as fundações é decorrência linear do art. 66 do Código Civil (p. 7). Com efeito, o julgado deste Tribunal Superior é unívoco em assentar que a fiscalização do uso de recursos por fundações partidárias está contida no espectro de incumbência do Ministério Público das Fundações, na forma do art. 66 do Código Civil. A natureza pública das verbas do fundo partidário não desnatura a apontada competência, porquanto a medida de sua fixação é a natureza da pessoa jurídica de direito privado e de suas atividades e, por isso, alcança tanto as verbas advindas do Tesouro Nacional como aquelas provenientes de outras fontes privadas. Observa-se, no ponto, que a atribuição de competência à Justiça Eleitoral para fiscalizar e julgar as prestações de contas de exercícios financeiros de partidos políticos, conforme previsão do art. 17, III, da Constituição Federal e do art. 32 da Lei nº 9.096/95, também toma como fundamento a natureza jurídica dos partidos políticos (art. 44, V, do 300 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
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