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3ªEdição da Revista de Jurisprudência do Copeje

Published by Thiago Álvares da S. Campos, 2021-11-25 16:40:24

Description: Homenagem ao Ministro Luís Roberto Barroso

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processo eleitoral, razão pela qual não podem ser enquadradas no tipo penal. 2. Na espécie, extrai–se do quadro fático delineado que o total das irregularidades totalizaram o montante de R$ 1.049,90 (um mil e quarenta e nove reais e noventa centavos). E mais, se trata de recurso estimado (serviço de contabilidade do próprio contador que fez a prestação de contas), ou seja, não é possível, dizer, então que se trata “...recebimento de recursos de origem não identificada...” como alegou o MP na denúncia. 3. Segundo jurisprudência dominante no  Tribunal Superior Eleitoral, bem como desta Corte as irregularidades equivalentes a 1.000 (mil) Ufirs ou seja R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), são consideradas  diminutas  e, isoladamente, inaptas  a ensejar a desaprovação de contas, quanto mais, dá início a persecução criminal. 4. Não pode se lastrear em presunção de que determinadas despesas teriam sido omitidas na prestação de contas.   ACÓRDÃO: Os membros do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Tocantins decidiram, por unanimidade, em conhecer do habeas corpus, e, no mérito, conceder a ordem para determinar o trancamento da ação penal, anulando a decisão homologatória de suspensão do processo, ante a atipicidade da conduta da paciente, nos termos do voto do relator. O Presidente da Corte, Desembargador Helvécio de Brito Maia Neto, declarou-se impedido legalmente para causa, motivo pela qual presidiu o julgamento o Vice-Presidente/Corregedor Desembargador Eurípedes do Carmo Lamounier. Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins. Palmas, 28 de julho de 2021.   Juiz MÁRCIO GONÇALVES MOREIRA Relator VOTO   O habeas corpus é uma medida judicial  cabível para proteção sempre  que alguém sofrer ou se sentir ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. É um remédio constitucional previsto no inciso LXVIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Vale ressaltar que praticamente todas as diretrizes do habeas corpus estão previstas entre os artigos 647 e o 667, do Código de Processo Penal. Salienta-se, preliminarmente, que é pacífico o entendimento  de que eventual aceitação da suspensão condicional do processo, ainda que haja sentença homologatória, não prejudica a análise de habeas corpus em que se pleiteia o trancamento da ação 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 651

penal, pois durante todo o período de prova o acusado fica submetido ao cumprimento das condições impostas, cuja inobservância ensejaria o restabelecimento do curso do processo, nos termos do Informativo 449 STF. Cito julgado de relatoria do Min. Carlos Brito no HC 89179/RS, rel. Min. Carlos Britto, 21.11.2006. Impõe-se aduzir, também, que é remansosa a jurisprudência consoante  a  qual o trancamento de ação penal na via  do habeas corpus constitui-se medida excepcional, que somente se mostra admissível se estiver evidenciada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade, a ilegitimidade da parte ou mesmo a ausência de condição para o exercício da ação penal [Precedentes: TSE. HC. n. 681-10, de 3.9.2014, Rei. Min.  João Otávio de Noronha; Ac. HC n. 1140-80/MT, de 11.11.2011, Rei. Min. Marcelo Ribeiro]. Pois bem! Ao meu sentir os fatos são atípicos. A denúncia enquadra os fatos no crime de falsidade ideológica eleitoral, previsto no artigo 350 do Código Eleitoral. A desaprovação das contas por esta Corte Eleitoral não tipifica, por si só, o crime do art. 350 do Código Eleitoral, pois este reclama  alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante, além do dolo de omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar ou de nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, para fins eleitorais. Consta no voto condutor da Prestação de Contas n.º 0601104-89.2018.6.27.0000: “(...) Quanto ao recebimento de doação estimável em dinheiro no montante de R$ 1.000,00 (mil reais), declarado como referente a serviço de contabilidade, sem, contudo, apresentar contrato de prestação de serviços e recibo de doação, revelando indícios de recebimento de recursos de origem não identificada. A prestadora declarou ter recebido a referida doação na modalidade estimável em dinheiro, entretanto, devidamente notificada a apresentar o contrato de prestação dos supostos serviços contábeis ou mesmo o recibo da doação, não o fez. Desse modo, sem a comprovação devida, tem-se a doação como recurso de origem não identificada, inobservando os arts. 9º e 27 da Resolução TSE n.º 23.553/2017. O referido montante correspondente a 41,6% do total de doações recebidas.” (...) Com efeito, a configuração do crime de falsidade ideológica exige que a declaração falsa inserida no documento seja apta a provar um fato juridicamente relevante na seara eleitoral. Na hipótese dos autos, a suposta falsidade ideológica habitaria, primeiramente, na falta de apresentação de documento ou justificativa quanto ao \"(...) recebimento de doação estimável em dinheiro no montante de R$1.000,00 (um mil reais),  referente a serviço de contabilidade, sem, contudo, apresentar contrato de prestação de serviços 652 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

e recibo de doação, revelando indícios de recebimento de recursos de origem não identificada. Tampouco a mesma comprovou que o serviço doado constitui produto do serviço ou atividade econômica do suposto doador. (...)\", bem como na \"(...) omissão de despesas no valor de R$ 49,90 (quarenta e nove reais e noventa centavos) efetuada junto ao fornecedor Vakinha.com Negócios Virtuais Ltda, CNPJ 22.831.673/0001-2, conforme prova a Nota Fiscal Eletrônica n.º 201800000053752.\"  Dessa feita, segundo a denúncia, o silêncio da acusada para apresentar esclarecimentos traduziu-se em  incidência no tipo penal de  falsidade ideológica eleitoral. Consta na peça acusatória (pags. 42/44 do id 8289558 - Outros documentos (0600043 38.2020.6.27.0029): “(...) Nos referidos autos, se constatou que a acusada declarou o recebimento de doação estimável em dinheiro no montante de R$1.000,00 (um mil reais), referente a serviço de contabilidade, sem, contudo, apresentar contrato de prestação de serviços e recibo de doação, revelando indícios de recebimento de recursos de origem não identificada. Tampouco a mesma comprovou que o serviço doado constitui produto do serviço ou atividade econômica do suposto doador. Outrossim, verifica-se, das contas de campanha prestadas pela denunciada e dos dados amealhados nos autos, a omissão de despesas no valor de R$ 49,90 (quarenta e nove reais e noventa centavos) efetuada junto ao fornecedor Vakinha.com Negócios Virtuais Ltda, CNPJ 22.831.673/0001-2, conforme prova a Nota Fiscal Eletrônica n.º  201800000053752. ... Diante do exposto, a denunciada tornou-se incursa nas penas do artigo 350 da Lei 4.737/65 (CE) pelo que se oferece a presente, pedindo-se sua citação para todos os termos do processo, cujo rito há de ser o disciplinado nos artigos 359 e seguintes da Lei nº 4.737/65, sendo que desde já se pleiteia a oitiva da testemunha constante no rol infra.” (...) Sucede que, nos termos da plácida jurisprudência, o crime de falsidade eleitoral exige, para sua configuração, o dolo específico, qual seja, a finalidade eleitoral. Nesse sentido, cito precedente no Recurso Especial Eleitoral nº 7508, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 223, Data 20/11/2017, Página 20. Segundo o pensamento de Luiz Flávio Gomes, “o Direito penal, em suma, é a ultima ratio, isto é, o último instrumento que deve ter incidência para sancionar o fato desviado (em outras palavras: só deve atuar subsidiariamente)”. (GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos; BIANCHINI, Alice. Direito Penal – Introdução e Princípios Fundamentais. São Paulo: RT, v. 1, 2007). 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 653

Assim sendo, ao meu juízo, o Direito Penal, como ultima ratio, não tem autorização constitucional para tutelar, indiscriminadamente, todas as condutas, especialmente as previstas no art. 350 do CE, pois há sanções previstas na legislação eleitoral para tutelar o inadimplemento e buscar a reparação financeira, mediante recolhimento do valor irregularmente arrecadado ao erário. Digo isso porque se, segundo jurisprudência dominante no  Tribunal Superior Eleitoral, bem como desta Corte, as irregularidades equivalentes a 1.000 (mil) Ufirs, valor equivalente a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), são consideradas diminutas e, isoladamente, inaptas a ensejar a desaprovação de contas, quanto mais para dar início à persecução criminal. Em uma análise realizada no bojo dos autos prescinde do reexame do conteúdo fático-probatório, dada a moldura fática delineada, que autoriza a requalificação jurídica dos fatos, considerando a jurisprudência da Corte Superior: ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATO.  DEPUTADO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.  DESPESA SEM COMPROVAÇÃO DE ORIGEM. VALOR INFERIOR A 1.000 UFIRs E ENTENDIDO COMO DIMINUTO. PRECEDENTES. CONTAS APROVADAS COM RESSALVAS. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. O reenquadramento jurídico dos fatos, quando cabível, é restrito às premissas assentadas pela instância regional e não se confunde com o reexame e a revaloração do caderno probatório, providência incabível em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 24/TSE. 2. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a superação de irregularidades cujo valor absoluto seja entendido como diminuto, ainda que o percentual no total da arrecadação seja elevado. Precedentes. 3. Adota–se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de \"tarifação do princípio da insignificância\" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não supera 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo–se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 4. No caso dos autos, o diminuto valor das falhas detectadas (R$ 820,00 – oitocentos e vinte reais) não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 060313758, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 123, Data 23/06/2020) 654 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Segundo o relator do Acórdão, Min. Edson Fachin, sob o raciocínio de Rui Barbosa, aduz: “(...)traduz-se em mensurar o rigor com o qual a Justiça Eleitoral julga os processos de prestação de contas, impedindo que a aplicação da lei revele-se excessivamente rigorosa com aqueles candidatos titulares de menos recursos e, portanto, menos aptos a influenciarem o processo eleitoral, impondo a análise mais rigorosa aos candidatos com melhor capacidade de arrecadar recursos e, por consequência, interferir no processo eleitoral. Em outras palavras, aplica-se aqui o raciocínio de Rui Barbosa, de que há realização de justiça, eleitoral, no caso, no tratamento dos desiguais na medida de sua desigualdade. (...)”   Na espécie, extrai–se do quadro fático delineado que o total das irregularidades totalizaram o montante de R$ 1.049,90 (um mil e quarenta e nove reais e noventa centavos). E mais, se trata de recurso estimado (serviço de contabilidade do próprio contador que fez a prestação de contas), ou seja, não é possível dizer, então, que se trata de “(...) recebimento de recursos de origem não identificada (...)”, como alegou o MP na denúncia. Portanto,  os valores sobre os quais se constataram as irregularidades - uma omissão de valores de despesas na ordem de R$ 49,90 (quarenta e nove reais e noventa centavos) e uma doação de serviços contábeis para realização da prestação de contas, no importe de R$ 1.000,00 (mil reais) -, são, claramente, de pequena monta. A candidata, em seu depoimento na PF, relatou (p. 122 do id 8289558 - Outros documentos (0600043 38.2020.6.27.0029): 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 655

Impende  lembrar, só para que se deixe ainda mais claro,  que a contabilidade referente a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, sequer estariam sujeitos a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa  (Lei nº 9.504/1997, art. 18-A, parágrafo único). Portanto, não havia razão para ocultar sua posição de doador. Nessa linha, os gastos com serviços de contabilidade atinentes a processo jurisdicional não podem ser considerados de natureza eleitoral. Nesse sentido, destaco o Agravo de Instrumento nº 060542330, Acórdão, da Relatoria do Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 204, Data 13/10/2020. Por conseguinte, não possui aptidão para lesionar a fé pública eleitoral, o que descaracteriza o tipo penal Acrescenta-se a isso o fato de que a investigação sequer ouviu o contador que efetuou a prestação, pois esse exerceu seus serviços na prestação de contas e foi o responsável 656 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

por lançar a informação de sua doação. Logo, novamente, não havia razão para ocultar sua posição de doador. Ressalta-se, ainda, que  nem todas as irregularidades detectadas em prestação de contas têm, em regra, capacidade para alterar o processo eleitoral, e por esta razão não podem ser enquadradas no tipo penal. Nessa linha cito o Habeas Corpus nº 7508, Acórdão n° 31314 de 14/07/2016, Relatora Bárbara Lebarbenchon Moura Thomaselli, Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 123, Data 21/07/2016, Página 4: Na mesma esteira, trago  precedentes do Supremo Tribunal Federal que, em Plenário, rejeitou denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República pela prática de falsidade na prestação de contas de campanha envolvendo omissão de doações e de despesas, verbis: EMENTA Agravo regimental. Petição. Falsidade ideológica eleitoral (art. 350, Código Eleitoral). Inquérito. Instauração pretendida. Indeferimento. Desaprovação de contas por Corte Eleitoral. Fato que não tipifica, por si só, o crime em questão. Simples presunção de omissão de despesas na prestação de contas. Parlamentar que se limitou a submeter aos órgãos de controle eleitoral a documentação de que dispunha, tal como entregue pelos emitentes. Ausência de sua modificação. Recurso não provido. 1. A mera desaprovação das contas pela Corte Eleitoral não tipifica, por si só, o crime do art. 350 do Código Eleitoral. 2. O tipo penal em questão exige a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante e o dolo de omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar ou de nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, para fins eleitorais. 3. A pretensão de instauração de inquérito se lastreia na mera presunção de que determinadas despesas teriam sido omitidas na prestação de contas. 4. O parlamentar se limitou a submeter aos órgãos de controle eleitoral a documentação de que dispunha, tal como entregue pelos emitentes, sem modificar sua substância. 5. Ausentes elementos que indiquem a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante imputável ao parlamentar, inexiste base empírica idônea mínima para a instauração de inquérito. 6. Agravo regimental não provido. (Pet 7354 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/03/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-102  DIVULG 24-05- 2018  PUBLIC 25-05-2018) “Inquérito. Direito Penal e Processo Penal. Denúncia por suposta prática do crime descrito no art. 350 do Código Eleitoral. 2. Candidato ao cargo de Deputado Federal. Omissão de receita e de informar de despesa por ocasião da prestação de contas à Justiça Eleitoral. 3. Omissão de receita. Irregularidade formal. Contas aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Ausência de justa causa. 4. Omissão de informar de despesa. Falta de comprovação mínima de materialidade e autoria. 5. Denúncia improcedente” (Inq. 2.829/MG, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, maioria, j. 21/02/2013). 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 657

As decisões assentaram que a  desaprovação das contas pela Corte Eleitoral não tipifica, por si só, o crime do art. 350 do Código Eleitoral, pois a conduta exige a alteração da verdade sobre fato juridicamente relevante e o dolo de omitir, em documento público ou particular, declaração que dele deveria constar ou de nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, para fins eleitorais. Consequentemente, não pode se lastrear em presunção de que determinadas despesas teriam sido omitidas na prestação de contas. Nesse mesmo diapasão a jurisprudência do TSE, segundo a qual a conduta imputada ao paciente é atípica, pois não possui potencialidade para lesionar a fé pública eleitoral, bem jurídico tutelado pela norma do art. 350 do CE. Cito o AgR-REspe 36417, Rei. Mm. Felix Fischer, DJe 14.4.2010. Nesse contexto, reputo que os fatos são atípicos.   CONCLUSÃO Diante do exposto, concedo a ordem de habeas corpus e determino o trancamento da ação penal,  anulando a decisão  homologatória de suspensão do processo, ante a atipicidade da conduta da paciente. É o voto. Palmas, 28 de julho de 2021.   JUIZ MÁRCIO GONÇALVES MOREIRA RELATOR 658 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

JUIZ ARMANDO BIANCARDINI CANDIA (JUIZ DO TRE-MT) TRE/MT - N. 0000018-43.2018.6.11.0012 TEMA INSCRIÇÃO FRAUDULENTA DE ELEITOR ACÓRDÃO N° 28901 RECURSO CRIMINAL - 0000018-43.2018.6.11.0012 - Campo Verde - MATO GROSSO RECORRENTE: ISABEL ROSA SILVA DA COSTA ADVOGADO: RAFAEL SOUZA NUNES - OAB/MT0014676 ADVOGADO: RANIELE SOUZA MACIEL - OAB/MT0023424 RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO DA UNIAO FISCAL DA LEI: Procuradoria Regional Eleitoral RELATOR: ARMANDO BIANCARDINI CANDIA RECURSO CRIMINAL. CRIME DE INSCRIÇÃO FRAUDULENTA DE ELEITOR. PRELIMINAR DE COISA JULGADA MATERIAL. PRELIMINAR REJEITADA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DOLO GENÉRICO. SENTENÇA REFORMADA. PROCEDÊNCIA DO RECURSO. 1. Os procedimentos eleitorais instaurados pela via do Sistema Pardal não guardam semelhanças, subjetiva ou objetiva, com a ação penal e 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 659

ostentam natureza administrativa, motivo pelo qual não se revestem da autoridade da coisa julgada afeta aos atos jurisdicionais. Inexistência de coisa julgada material. Preliminar rejeitada. 2. Para a condenação do acusado da prática do crime constante do art. 289 do Código Eleitoral é necessária a efetiva comprovação da vontade consciente do agente para realizar, mediante expediente fraudulento, a transferência ou inscrição eleitoral indevida, evidenciando dolo genérico na conduta. 3. Partícipe que, envolvida nos fatos em face de assinatura aposta em documento durante o exercício de suas funções junto ao Cartório Eleitoral, não teve demonstrada a prática de qualquer ato doloso ou consciente que a ligasse aos fatos. 4. Recurso conhecido e provido para reformar a sentença condenatória. ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por unanimidade, em REJEITAR A PREJUDICIAL DE COISA JULGADA. ACORDAM, no mérito, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO. Cuiabá, 23/09/2021. ARMANDO BIANCARDINI CANDIA Relator RELATÓRIO JUIZ ARMANDO BIANCARDINI CANDIA (RELATOR): Trata-se de Recurso Criminal interposto por Isabel Rosa Silva da Costa, contra sentença que julgou procedente Ação Criminal Eleitoral promovida em seu desfavor pelo ministério Público Eleitoral, em razão de suposta prática do crime de inscrição fraudulenta de eleitor, capitulado no artigo 289 do Código Eleitoral, praticado em 28/04/2016. O Ministério Público Eleitoral ofereceu denúncia contra a Recorrente, Isabel Rosa Silva da Costa, funcionária do posto de atendimento da Justiça Eleitoral na cidade de Dom Aquino/MT e contra os eleitores Bruno Henrique da Silva Marques e Luana de Oliveira Silva, residentes em Cuiabá/MT, com fundamento nos elementos colhidos nos autos da AIJE n° 563-84.2016.6.11.0012. Naqueles autos, os Acusados Bruno e Luana confessaram que mesmo residindo na cidade de Cuiabá/MT, efetivaram a transferência irregular de seus títulos eleitorais para o município de Dom Aquino/MT mediante repasse de seus dados pessoais e cópia de seus documentos a terceira pessoa (não identificada), sendo todo o processo efetivado por conversas através do aplicativo WhatsApp. Disse a denúncia: Com efeito, vê-se que os denunciados, por meio de pessoa que conheceram no Whatsapp, conseguiram transferir seus títulos para o Município de Dom Aquino/MT 660 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

sem nunca terem comparecido no cartório eleitoral, o que só lograram êxito em fazer porque a denunciada Isabel, abusando da sua função, confeccionou os documentos de alistamento eleitoral em total desacordo com as normas, ou seja, sem a presença dos eleitores Bruno e Luana, fazendo constar assinaturas que não eram deles, apenas para \"esquentar\" a transferência dos citados títulos de eleitor para o Município de Dom Aquino/MT. Restou apurado, também, que os denunciados Bruno e Luana não retiraram os títulos no cartório eleitoral, mas sim, com terceira pessoa, não confirmada, no dia da eleição, ou seja, pessoa com acesso ao posto eleitoral, cuja única servidora era a denunciada Isabel, que era quem realizava os atendimentos e tinha acesso aos sistemas e aos documentos. Com a denúncia, o Parquet Eleitoral juntou cópia completa da AIJE n° 563- 84.2016.6.11.0012 e requereu a oitiva das testemunhas Joana Andrade Matos (indicada pela Acusada Luana como sendo a pessoa que lhe entregou os títulos de eleitor no dia das eleições) e Sheila Lopes de Amorim Donadon, servidora chefe do Cartório da 12ª Zona Eleitoral, ao qual está vinculado o posto de atendimento da cidade de Dom Aquino/MT. Na oportunidade do oferecimento da denúncia, o Ministério Público Eleitoral também propôs a suspensão condicional do processo em relação aos denunciados Bruno Henrique da Silva Marques e Luana de Oliveira Silva, o que foi aceito pelas partes e homologado pelo Juízo em audiência oportunamente agendada para tal finalidade, passando o processo a correr apenas em relação à senhora Isabel Rosa Silva da Costa, ora Recorrente. A denúncia foi recebida em 22/05/2018. A marcha processual seguiu seu curso normal, com a devida apresentação da defesa prévia, audiências para oitiva das testemunhas de acusação e de defesa, bem como o regular interrogatório da Acusada, seguido da apresentação das respectivas alegações finais e prolação da sentença. A sentença foi lançada em 02/12/2019. Ao prolatar a sentença, o Juízo de piso afastou arguição preliminar de coisa julgada manifestada pela defesa e, no mérito, julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar a acusada Isabel Rosa Silva da Costa nas penas do artigo 289 do Código Eleitoral, em razão de seu determinante auxílio para a consumação da prática criminosa, fazendo incidir a causa de aumento de pena do artigo 71 do Código Penal, finalizando por impor uma pena privativa de liberdade total de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, no regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, e perda do cargo público por ela exercido. Intimada da sentença condenatória, a Recorrente interpôs o competente Recurso Criminal a este Sodalício, agitando preliminar de coisa julgada material, ausência de provas de que tenha concorrido para a prática criminosa, apontando que os depoimentos das testemunhas de acusação acabaram por contribuir para sua defesa e, também, que produziu contraprovas em relação aos fatos, trazendo aos autos elementos suficientes para demonstrar que sempre agiu de modo escorreito e dentro dos ditames legais exigidos pela norma. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 661

Apontou, dentre outros argumentos, que a sentença condenatória se arvorou em presunções e hipóteses ao tentar apontar sua culpabilidade e participação em relação aos fatos, ignorando a necessidade de efetiva comprovação do dolo nas condutas do agente e violando o princípio do in dubio pro reo, terminando por requerer a reforma do julgado com a decretação da improcedência da denúncia em relação a sua pessoa e a consequente absolvição. Contrarrazões do Ministério Público Eleitoral pontuando a inexistência de coisa julgada, sob o argumento de que o procedimento imposto às denúncias recebidas via aplicativo Pardal não guarda semelhanças com o processo penal em análise, sendo aquelas arquivadas ainda na fase administrativa o que não gera efeitos na esfera penal. Quanto ao mérito, reafirmou os termos da sentença condenatória e pleiteou o desprovimento do recurso. A Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, opinou pela rejeição da preliminar e desprovimento do recurso, com a manutenção da sentença em sua integralidade. É o relatório. VOTO JUIZ ARMANDO BIANCARDINI CANDIA (RELATOR): PRELIMINAR. EXISTÊNCIA DE COISA JULGADA A matéria preliminar arguida não merece prosperar. Disse a Recorrente, em síntese, que os fatos tratados nesta ação penal já haviam sido objeto de decisão judicial, porquanto teriam sido denunciadas à Justiça Eleitoral, via aplicativo Pardal, e foram rejeitadas pelo Juízo da 12ª Zona Eleitoral. Para embasar a matéria, trouxe aos autos várias decisões proferidas em denúncias que se assemelham ao caso ora em exame, todas encaminhadas pelo aplicativo Pardal e arquivadas por ausência de irregularidade. Em que pesem as referidas decisões tratarem de denúncias de eleitores em casos semelhantes ao ora examinado, é certo que as referidas decisões foram exaradas em exame administrativo da matéria, no âmbito do procedimento relacionado ao aplicativo Pardal, não gerando qualquer efeito na seara judicial/criminal. Cito e aproveito os fundamentos lançados no judicioso parecer da Procuradoria Regional Eleitoral: Conforme bem explanado na sentença, os procedimentos eleitorais mencionados pela recorrente, deflagrados a partir de notícia anônima encaminhada pelo Sistema Pardal, não guardam semelhanças subjetiva e objetiva com a presente ação penal. Com efeito, não há identidade de partes, visto que a acusada não integrou o polo passivo daqueles procedimentos. Embora, em um deles, tenha havido a imputação genérica de \"conivência dos servidores do Cartório Eleitoral\". Além disso, é de se acrescentar que os procedimentos, aos quais se refere a recorrente, ostentam natureza administrativa. Daí porque as decisões neles tomadas não se revestem da autoridade da coisa julgada, própria e exclusiva dos atos jurisdicionais. 662 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Portanto, não há que se falar em coisa julgada material, devendo esta prejudicial ser afastada. Com essas considerações, rejeito a preliminar vindicada. VOTO - MÉRITO JUIZ ARMANDO BIANCARDINI CANDIA (RELATOR): Trata-se Recurso Criminal interposto por Isabel Rosa Silva da Costa, contra sentença que julgou procedente as acusações lançadas na denúncia e a condenou nas penas do artigo 289 do Código Eleitoral, reconheceu a incidência da causa de aumento de pena do artigo 71 do Código Penal e, por fim, impôs-lhe a pena de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, no regime aberto, e 20 (vinte) dias-multa, além da perda do cargo público por ela exercido. A denúncia está calcada nos elementos de informação produzidos nos autos da AIJE n° 563- 84.2016.6.11.0012, que tramitou perante a 12ª Zona Eleitoral, sobre a qual entendo necessário tecer breves apontamentos, para melhor entendimento da matéria. A referida AIJE n° 563-84.2016.6.11.0012, foi interposta pelos candidatos majoritários derrotados nas eleições municipais de 2016 na cidade de Dom Aquino/MT, imputando a existência de um grande esquema criminoso de transferência irregular de eleitores implementado pelo prefeito (em reeleição), o candidato a Vice-Prefeito e a ora Recorrente. Disseram que naquelas eleições, mediante fraude, os requeridos haviam efetivado maciça inscrição indevida de novos eleitores no município, com a participação da Recorrente, servidora pública municipal cedida para prestar seus serviços à Justiça Eleitoral, junto ao posto de atendimento ao eleitor de Dom Aquino/MT, imputando a ocorrência de ardil elaborado com o objetivo de fraudar o resultado do pleito. Importante pontuar, que as provas produzidas naqueles autos (AIJE) e a oitiva, nestes autos, da testemunha Sheila Lopes de Amorim Donadon, chefe do Cartório da 12ª Zona Eleitoral ao qual o posto de serviços de Dom Aquino é vinculado, revelaram que no decorrer do processo eleitoral do ano 2016, várias denúncias de fraude na inscrição de eleitores foram efetivadas por via do aplicativo Pardal do TRE/MT, sendo todas elas rejeitadas por absoluta improcedência. Sobre esse fato, testemunha Sheila afirmou que os cabos eleitorais da coligação que perdeu tinham certa “implicância” com a Recorrente e faziam constantes reclamações infundadas em relação aos procedimentos por ela adotados, pontuando que em virtude desses fatos, juntamente com a Juíza que atuava à época na 12ª Zona Eleitoral, foi até aquele posto de atendimento para verificar o que estava ocorrendo e nada de irregular encontraram. Outro ponto interessante em relação à AIJE que deu origem à ação penal ora analisada, é que os documentos que sustentaram a interposição da demanda, materializando os indícios de ilegalidade necessários à admissibilidade da AIJE, são as declarações firmadas pelos corréus desta demanda criminal, Bruno Henrique da Silva Marques e sua convivente Luana de Oliveira Silva, onde confessaram o crime de inscrição fraudulenta, 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 663

mas não explicaram os fatos e todas as suas circunstâncias. Eis o teor das declarações que, como são idênticas (alterando somente os dados do subscritor), peço vênia para transcrever o apenas uma delas: Cuiabá 17 de outubro de 2016. Eu, Bruno Henrique da Silva Marques, RG 001.916.575, CPF 050.845.561-82, declaro para os devidos fins de direito que em 2 de abril de 2016, transferi meu título de Campo Grande para Dom Aquino via mensagem de whatsapp para uma pessoa ligada ao atual prefeito da cidade. Peguei o título no dia da eleição na casa de um terceiro. O senhor Bruno e a senhora Luana, signatários das referidas declarações, prestaram seus depoimentos nos autos daquela AIJE, oportunidade em que deixaram de esclarecer todo o ocorrido, vez que não informaram quem foi a pessoa que contactaram via WhatsApp para que providenciasse a transferência dos títulos — sabendo apenas que era pessoa ligada ao então prefeito eleito. Não disseram quem lhes informou que essa “pessoa ligada ao prefeito” poderia fazer a transferência do título eleitoral sem a necessidade de se deslocarem até Dom Aquino/MT. Não esclareceram como conseguiram o contato telefônico da tal “pessoa ligada ao prefeito”. E, também, não apresentaram o número de telefone utilizado para contato com o misterioso interlocutor. Note-se, que seus depoimentos foram colhidos poucos meses após os fatos e, portanto, a falha da memória em relação aos elementos mais sensíveis para o total esclarecimento dos fatos, torna-se bastante duvidoso. Lembraram, apenas, que repassaram todos os seus dados e documentos pessoais para um desconhecido proceder à inscrição fraudulenta deles junto aos cadastros eleitorais sem a necessidade de se apresentarem ao posto de atendimento da Justiça Eleitoral e, também, que a tal pessoa (que não tem nome, não tem rosto, não tem telefone e não sabem com conheceram) era efetivamente ligado ao candidato vencedor das eleições. Bruno afirmou, também, que no dia da eleição foi orientado a pegar seu título eleitoral em uma residência daquele município, mas não se lembrava do local e nem do endereço, também não se recordando do nome da pessoa que lhe entregou a referida documentação, enquanto Luana apontou que, juntamente com Bruno, pegaram seus títulos eleitorais das mãos da senhora Joana de Souza Matos. Esse fato que foi peremptoriamente negado por Joana em depoimento nesta ação penal. Pontuo, por fim, que a AIJE n° 563-84.2016.6.11.0012 foi julgada totalmente improcedente pelo Juízo da 12ª Zona Eleitoral. Entendi necessário tecer tais ponderações, diante da estranheza que os fatos colocados à análise na AIJE que embasou a denúncia me causaram. A fragilidade e precariedade das declarações que autorizaram seu processamento (indício da ilicitude alardeada), a insegurança do depoimento testemunhal e, de outro lado, a gravidade da acusação posta em análise, que coloca em dúvida a própria credibilidade da Justiça Eleitoral, serviu como alerta para redobrar a prudência. Qual motivo levaria Bruno e sua companheira Luana firmarem documento confessando prática criminosa e entregá-los aos autores da AIJE? 664 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Já que confessaram o crime (de inscrição fraudulenta) e desejavam descortinar o “esquema de transferência ilegal de eleitores”, porque não contaram toda a verdade, fornecendo todos os nomes, telefones, endereços e circunstâncias? Quem são as pessoas que mantiveram no anonimato com a inaceitável amnésia seletiva? É verdade que tais questionamentos jamais terão repostas efetivas e que, de outro giro, a ausência dos esclarecimentos não serve para invalidar totalmente a formação da pretensa prova — principalmente no que se refere a ilegalidade da transferência do domicílio eleitoral —, mas são suficientes para indicar ao julgador que, em relação aos fatos e suas circunstâncias, estamos caminhando em terreno completamente lodacento, incapaz de proporcionar apoio seguro ao julgador, porquanto nem tudo foi efetiva e devidamente esclarecido. Ademais, a oitiva do casal Bruno e Luana revelou que os laços familiares de ambos têm fortes relações com os candidatos derrotados na eleição, autores da AIJE, sendo uma tia de Bruno candidata a vereadora pela coligação derrotada e um tio de Luana um dos coordenadores da campanha majoritária vencida, elemento informativo que traz ainda mais estranheza ao caso, pois não faz sentido que o casal tenha procurado pessoas ligadas à campanha adversária aos seus tios para proceder seus alistamentos fraudulentos. É que a própria justificativa por eles apresentada para efetivar a transferência de seus domicílios eleitorais, seria uma suposta vontade de votar em Dom Aquino por conta de seus laços com a cidade que nasceram e onde mantêm laços familiares e raízes, demonstrando importante antagonismo em relação à conduta confessada e não esclarecida, jogando ainda mais dúvidas em relação a tudo o que disseram e evidenciando a necessidade de redobrada cautela. Pois bem. Voltando a carga para estes autos, verifico que a acusação imputada à ora Recorrente é a de que, na qualidade de funcionária do posto de atendimento do Cartório da 12ª Zona Eleitoral de Dom Aquino/MT, ter efetivado a inscrição fraudulenta dos eleitores Bruno Henrique da Silva Marques e Luana de Oliveira Silva, no cadastro de eleitores do referido município, seja por que eles não residiam naquela cidade ou mesmo em decorrência das declarações por eles prestadas, de que realizaram a inscrição via aplicativo WhatsApp. A suposta prova dos fatos, de onde a sentença extraiu a participação da Recorrente no evento criminoso, está restrita as já mencionadas declarações assinadas pelos corréus Bruno e Luana, os depoimentos por eles prestados nos autos da AIJE n° 563- 84.2016.6.11.0012, os respectivos documentos de alistamento eleitoral onde consta a assinatura da Recorrente como servidora responsável pelo procedimento, além de uma perícia apontando a autenticidade da assinatura da Recorrente e que dissonância das assinaturas imputadas aos corréus naqueles documentos. Registro que tais provas foram, todas elas, produzidas no âmbito da AIJE e utilizadas como prova emprestada nesta ação penal. Apesar de guardar reservas quanto a essa 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 665

possibilidade, por entender as gritantes diferenças do exercício da defesa nas ações de natureza penal em relação às demais, no presente caso reputo como admissível a sua utilização, principalmente pelo fato da Recorrente haver participado da demanda. Ressalvas apenas quanto a sua valoração e credibilidade daquilo que disseram Bruno e Luana, pois como mencionado anteriormente, há fundadas dúvidas quanto a motivação de suas atuações em relação aos fatos, implicando dizer que suas declarações devem ser confrontadas com outros elementos dos autos. As testemunhas arroladas na denúncia e pela defesa da Recorrente, ouvidas no curso da instrução desta ação, nada acrescentaram à acusação. Considero que as provas mais que evidenciam a materialidade do crime de inscrição fraudulenta de eleitor, capitulado no artigo 289 do Código Eleitoral, por duas vezes, em relação às inscrições de Bruno Henrique da Silva Marques e Luana de Oliveira Silva, conforme evidenciam de suas confissões, os respectivos documentos de alistamento eleitoral e perícia grafotécnica efetivada. Em relação à Recorrente, para sua condenação, é necessária a comprovação de que teria conscientemente auxiliado para a consumação da prática criminosa de inscrição fraudulenta de eleitor, evidenciando que ela tenha agido com dolo, ainda que genérico, para o cometimento da infração. Esse é o entendimento do TSE: “[...] 4. A leitura do art. 289 do Código Eleitoral evidencia que o crime de inscrição fraudulenta de eleitor não demanda nenhuma finalidade eleitoral específica para sua configuração, de modo que, para subsunção da conduta ao tipo penal, basta a vontade consciente do agente para realizar, mediante expediente ardil, transferência ou inscrição eleitoral (dolo genérico), tal como reconhecido no acórdão recorrido [...]” (TSE. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 3158. Relator Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto. Acórdão de 3.9.2019)” Que a Recorrente, na qualidade de funcionária do posto de atendimento da 12ª Zona Eleitoral em Dom Aquino/MT, efetivamente assinou a guia de alistamento dos eleitores Bruno e Luana é fato incontroverso. A recorrente jamais negou ser dela a assinatura que consta do documento e, também, há perícia grafotécnica atestando o fato. Então, impende à sentença condenatória demonstrar que a acusada o fez conscientemente, anuindo e auxiliando o casal Bruno e Luana na prática criminosa. Deve haver prova efetiva do dolo, pois no campo das probabilidades e possibilidades, é possível imaginar inúmeras maneiras da assinatura da Recorrente ser lançada no referido documento sem que houvesse dolo e/ou participação no fato delituoso. O Juízo primeiro, ao sentenciar, teceu extensa fundamentação a fim de evidenciar a comprovação de que a Recorrente assinou o documento de alistamento eleitoral dos corréus Bruno e Luana e que estes não compareceram ao posto de atendimento do cartório eleitoral, fato que entendo estar devidamente comprovado nos autos, conforme mencionado linhas atrás. Já no que se refere à retirada dos títulos eleitorais, quando os corréus afirmam que o fizeram também através de terceiros, discordo das conclusões da sentença no sentido de que essa situação está muito bem demonstrada. Vejamos os fundamentos da decisão nesse particular: 666 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Interessa destacar que, nessa segunda etapa, de entrega dos títulos, os canhotos foram assinados pelos próprios eleitores Bruno e Luana, e não mais pelos intermediários que ilicitamente os representavam. E, segundo se infere dos depoimentos correspondentes, tais documentos lhes foram entregues apenas no dia da eleição. Embora o depoimento dos eleitores não possa ser tomado como prova indiscutível, dada a íntima relação deles com o ilícito, fato que, em relação também a esse ponto, confere-se idoneidade à alegação de ambos. É que, sendo residentes em Cuiabá, não se mostraria mesmo razoável presumir que se deslocassem até Dom Aquino apenas para a retirada do título. Ainda mais se for considerada a desnecessidade do documento em si, já que, no dia da eleição, autoriza-se o exercício do voto mesmo sem o título de eleitor, bastando, apenas, a apresentação de documento com foto. Assim, houvesse mesmo fraude feita sem o conhecimento da Acusada, muito dificilmente os eleitores Bruno e Luana teriam comparecido, pessoalmente, ao Posto Eleitoral para lá receberem os títulos. A um, porque a Servidora poderia reconhecer que os que retiravam os títulos não eram os mesmos que os solicitaram. Parece evidente que, para a preservação do engodo, os mesmos intermediários que haviam solicitado a mudança haveriam de buscar os títulos depois de impressos. A dois, porque, como dito, nenhuma razão havia para que se tomasse tal risco, já que o documento não era indispensável ao voto. O que se conclui é que, de fato, por alguma facilidade da Acusada, procedeu-se, de início, à transferência do domicílio eleitoral de maneira indevida perante o Posto Eleitoral, permitindo que terceira pessoa solicitasse a modificação, em direta afronta às normas da Justiça Eleitoral. Depois, entregou-se a terceiro, de novo, o encargo de entregar os títulos diretamente aos eleitores, deles tomando a assinatura correta, encaminhando-se, num segundo momento, o canhoto correspondente à Acusada, para que fosse arquivado como de praxe. (Negritamos) Em que pese o esforço argumentativo explicitado na decisão, os únicos elementos dos autos a indicar que os corréus Bruno e Luana não retiraram os títulos eleitorais diretamente no posto de serviço do cartório eleitoral de Dom Aquino/MT, são seus próprios depoimentos, de duvidosa credibilidade. É bom registrar que Bruno, ao depor, afirmou que pegaram os documentos no dia das eleições em uma casa, disse haver descido do veículo e adentrado à sala do imóvel a espera dos documentos, mas não soube indicar o endereço da residência ou sua localização aproximada, nem mesmo soube indicar a pessoa que efetivamente lhe entregou os títulos eleitorais. Luana, por sua vez, disse que pegou os documentos na casa da mãe de uma amiga, declinando o nome da senhora Joana Andrade Matos. Joana, arrolada como testemunha de acusação, prestou seu depoimento nos autos e se mostrou bastante surpresa, porquanto declinou que nunca teve qualquer envolvimento com os fatos e que não entregou qualquer documento à senhora Luana. Diante disso, e da total ausência de outros elementos que corroborem com as declarações prestadas pelos corréus, sobre os quais recaem sérias dúvidas de credibilidade, não posso entender como comprovado o fato de que Bruno e Luana não retiraram os respectivos títulos eleitorais junto ao posto de atendimento. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 667

Ademais, as hipóteses levantadas na sentença para informar que a versão narrada pelos corréus se mostraria mais razoável, pois seria mais lógico que não fossem até o posto de atendimento do cartório para não serem reconhecidos, é mero exercício de raciocínio calcado em hipotéticas situações e que não encontram guarida na prova produzida. Não podem servir de fundamento para a condenação da Recorrente. Não é demais lembrar que audácia e criatividade são elementos que não faltam aos malfeitores da norma eleitoral, não cabendo ao julgador tecer considerações sobre as hipóteses de atuação que menos riscos trariam ao criminoso e, assim, presumir a veracidade desta ou daquela versão apresentada. Por isso mesmo a legislação de regência exige prova robusta da materialidade e autoria do fato criminoso, bem como a presença do dolo em relação ao conduta do agente, a fim de autorizar a condenação penal. Vejamos mais um trecho do julgado primeiro: Não se mostra razoável concluir pela ocorrência de falsidade sem participação da Acusada. A um, porque nada existe a revelar algum proveito a quem quer que seja na fabricação de situação de fato que pudesse afetar apenas a Acusada. A dois, porque, em razão do procedimento adotado pela Justiça Eleitoral, a transferência irregular ocorreria apenas se os interessados pudessem falsificar os dois documentos de identidade, para que neles se lançassem as fotografias e as assinaturas de terceiras pessoas - naturalmente, um homem e uma mulher -, e também que falsificassem os comprovantes de endereço. Embora não se mostre de todo impossível tal falsificação, mesmo com a necessidade de dois agentes, um do sexo masculino e outro do feminino, adulterando-se documentos de identidade e de endereço, fato é que não se vê fundamento lógico nenhum para que a tanto trabalho se dessem os falsários. É bom frisar, aliás, que, do depoimento dos então Corréus Bruno e Luana, encontravam-se eles em Dom Aquino, de maneira que, com facilidade, poderiam comparecer ao Posto Eleitoral para que lá fosse realizada a transferência. Assim, se o objetivo era tão-somente a efetivação da transferência, mais fácil seria que ocorresse a mudança do domicílio eleitoral como de praxe, como o comparecimento dos eleitores no Posto, limitando-se a fraude, aqui, à assinatura de simples declaração de residência no local. Sendo assim tão simples o procedimento, motivo algum existiria para que, para simples transferência, fosse levada a cabo tão trabalhosa falsificação. Não há, nos autos, sequer no depoimento da Acusada, motivo algum para presumir alguma perseguição a ela, muito menos um que justificasse o considerável trabalho de falsificação imprescindível à transferência irregular do domicílio eleitoral sem o conhecimento dela. Por isso é que se prestigia a versão lançada na denúncia. Mais uma vez a sentença não evidencia a existência de prova idônea contra a acusada. Ao contrário, é obrigada a fazer elástico exercício de raciocínio sobre inexistência de argumentos que evidenciem o desejo de prejudicar a Recorrente e a dificuldade para a concretização do ilícito pelos corréus, caso se admitisse a não participação da Recorrente. 668 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Seguiu reconhecendo expressamente que não se mostra impossível a possibilidade de terceiros haverem retirado os títulos eleitorais, a hipótese demandaria muito mais trabalho e, portanto, não teria fundamento lógico a respaldar essa versão e que, por isso mesmo, deve ser prestigiada a versão apresentada na denúncia. O trabalho dispendido para justificar a condenação evidencia a completa inexistência de provas idôneas quanto a efetiva participação da Recorrente nos ilícitos, estando ainda mais distante a demonstração de que tenha agido com dolo em relação ao caso. A acurada análise do julgado, em conjunto com todo o arcabouço probatório constante dos autos, está a evidenciar que a condenação tem lastro única e exclusivamente na sua assinatura aposta pela Recorrente no documento de alistamento eleitoral dos corréus Bruno e Luana, não havendo nos autos qualquer elemento capaz de corroborar com a conclusão de que esta tenha agido com dolo, na vontade consciente de contribuir para o delito em exame. Os corréus, tanto nas declarações escritas firmadas para lastrear a inicial da AIJE que deu origem a estes autos, quanto em seus respectivos depoimentos, sequer mencionam o nome da Recorrente, evidenciando seu distanciamento em relação a estas pessoas. As demais testemunhas ouvidas em Juízo, seja nos autos da AIJE quanto no desenrolar desta ação criminal eleitoral, sequer trouxeram insinuações relacionadas à Recorrente, passando ao largo de qualquer imputação à sua pessoa. A testemunha de acusação, senhora Sheila Lopes de Amorim Donadon, chefe do Cartório da 12ª Zona Eleitoral, ao qual o posto de serviços de Dom Aquino é vinculado, relatou em Juízo que a Recorrente trabalhou sob seu comando no período compreendido entre março de 2014 e dezembro de 2018, período em que desempenhou os trabalhos sem quaisquer problemas ou intercorrências. Disse ainda que, na época dos fatos e em virtude deles, acompanhada da Juíza que atuava naquele Cartório Eleitoral, se deslocou até a cidade de Dom Aquino para fazer a conferência dos trabalhos, oportunidade que nada de irregular encontraram. Informou que era comum alguns equívocos durante o procedimento, que se não fossem devidamente checados e observados poderiam causar a duplicidade de títulos eleitorais, e conversaram com a Recorrente sobre os fatos, sendo informadas que o procedimento regimental era efetivamente observado, ressaltando a impossibilidade de se exigir cópias dos documentos dos eleitores por razões operacionais, a fim de evitar problemas. Sobre o caso específico dos corréus Bruno e Luana, a testemunha ressalvou que a Recorrente relatou não se recordar de ambos, esclarecendo que “o fechamento do cadastro são 150 (cento e cinquenta) dias antes da eleição, então em maio fechou e o requerimento deles foi no mês de abril, quando se intensificou mais a procura do cartório e ela não lembrava dessas pessoas, ressalvando que essa conversa foi em setembro ou outubro”, perguntada e nessa época houve uma transferência anormal de eleitores para Dom Aquino, a testemunha respondeu negativamente. Esclareceu que verificaram os documentos referidos em algumas das denúncias e que não havia nada de errado, afirmando que “eram denúncias muito vazias e não tinham comprovação”, terminando por esclarecer que “a gente sempre percebia que existia uma certa implicância” com a Recorrente. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 669

De outra banda, as testemunhas arroladas pela defesa atestaram que por vezes solicitaram que o procedimento de emissão dos títulos fosse facilitado mediante a dispensando a presença do solicitante no posto de atendimento, procedimento que foi negado pela Recorrente, que ressaltou a exigência do comparecimento pessoal do eleitor para conferência dos documentos pessoais e assinatura dos requerimentos necessários. A ficar no campo das possibilidades e probabilidades, como explicitado na sentença condenatória, também se poderia invocar um sem-número de possibilidades para a assinatura da recorrente constar dos requerimentos imputados como ilícitos ou outras formas da fraude perpetrada pelos corréus se materializar. Porém, nenhuma delas estaria em compasso com a prova produzida nos autos e, por isso mesmo, não guardam qualquer importância para o caso. Fato é que nenhum documento ou depoimento constante dos autos é capaz desnudar, com clareza suficiente a embasar édito condenatório, se a Recorrente efetivamente participou ou de algum modo contribuiu, voluntariamente, para que os corréus perpetrassem os ilícitos aqui apurados. A necessária demonstração do dolo, entendido como a vontade consciente de realizar, mediante expediente ardil, a transferência ou inscrição eleitoral fraudulenta, passa ao largo nos autos em relação à Recorrente. Novamente, sobre a necessidade de demonstração inequívoca do dolo genérico do agente em relação ao tipo do artigo 289 do Código Eleitoral, citamos os ensinamentos de Suzana de Camargo Gomes, in Crimes Eleitorais, 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 116, verbis: A exigência de dolo específico para a figura em comento não encontra sustentação legal, posto que o tipo do art. 289 do Código Eleitoral não impõe deva a inscrição fraudulenta ser realizada para um fim específico, não havendo sequer a menção de que seja levada a efeito para obtenção de alguma vantagem eleitoral para si ou para outrem, pelo que assiste razão à corrente doutrinária e jurisprudencial que entende ser indispensável, simplesmente, a presença do dolo genérico nessa hipótese. (Destacamos) Com essas considerações, por não vislumbrar a existência de provas suficientes a embasar o édito condenatório em relação à suposta participação da Recorrente para a consumação do delito, sendo impossível afirmar que esta tenha agido com dolo no presente caso, emprestando efetividade ao princípio do in dubio pro reo, nos termos do disposto no artigo 386, inciso VII, do Código Penal, DOU PROVIMENTO ao recurso aviado por ISABEL ROSA SILVA DA COSTA para ABSOLVÊ-LA das acusações lançadas na denúncia. É como voto. 670 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

JUÍZA CRISTIANE DE MEDEIROS BRITO CHAVES FROTA (JUÍZA DO TRE-RJ) TRE/RJ - N. 3-54.2017.6.19.0249 TEMA USO DE ENTIDADE COM CONTRATO COM O PODER PÚBLICO PARA BENEFICIAR PARTIDO OU ORGANIZAÇÃO POLÍTICA Recurso Criminal. Crime previsto nos artigos 346 c/c 377, do Código Eleitoral. Sentença que absolveu os acusados por ausência de provas. I. Cessão das dependências da sede da empresa EDAFO Construções Ltda., entidade que realiza contratos com o Poder Público, para beneficiar agremiação partidária, com a guarda e deposito de impressos de propaganda eleitoral apreendidos em farta quantidade. II. Provas de que o prédio era utilizado para guardar material de campanha do Partido da República. Relatório de Fiscalização descrevendo o material de propaganda eleitoral encontrado nas dependências do imóvel. Fotografias que atestam a presença do material nas dependências do galpão. Depoimento de testemunhas, inclusive do Réu, que foi acompanhado por advogados que puderam exercer a defesa e o contraditório de forma efetiva, inclusive formulando suas próprias perguntas. III. Norma legal que é clara em proibir a utilização de prédio e dependências de entidade que realiza contrato com o poder público para beneficiar partido ou organização de caráter político. Comprovação nos autos de que a EDAFO Construções LTDA. celebrou contratos com a Prefeitura 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 671

Municipal de Campos dos Goytacazes. IV. A caracterização do tipo penal do art. 346 do Código Eleitoral exige a comprovação do efetivo benefício do candidato ou partido político. Comprovação. Material de propaganda que constitui item essencial em uma campanha política. V. Autoria do delito. Prova dos autos suficiente para concluir que o referido imóvel e de propriedade efetiva da EDAFO Construções LTDA, e que o Réu, Sr. Paulo Ferreira Siqueira, a real administrador da empresa, foi o principal responsável pela cessão do imóvel ao Partido Político em questão. Ausência de provas de que a ré Isabela tenha concorrido para o ilícito, ocupando apenas a posição formal de sócia. VI. Comprovação da ingerência do réu para que fosse efetivada a cessão do terreno para o Partido Político. Demonstração do dolo. Plena consciência do uso que seria dado ao galpão. VII. Provimento parcial do recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o réu PAULO FERREIRA SIQUEIRA a pena privativa de liberdade de 3 meses e 15 (quinze) dias no regime inicialmente aberto e 38 dias-multa. Valor do dia-multa fixado em 5 vezes o valor do salário-mínimo, considerando que se trata de empresário, nos termos do § 1º do art. 49 do CP. Sanção privativa de liberdade que deve ser substituída pela pena de prestação pecuniária no valor de trinta salários mínimos, na forma do § 2° do art. 44 do Código Penal cominado com o §19 do art. 45. Manutenção da sentença absolutória em relação a ré ISABELA NUNES MAYERHOFER. ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por unanimidade, em prover parcialmente o recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o réu PAULO FERREIRA SIQUEIRA e manter a sentença absolutória em relação à ré ISABELA NUNES MAYERHOFER, nos termos do voto da relatora. Relatório. Trata-se de Recurso Criminal interposto pelo MINISTERIO PUBLICO ELEITORAL (fls. 227/232) insurgindo-se contra a sentença prolatada as fls. 217/224 pelo juízo Eleitoral da 75ª Zona Eleitoral (Campos dos Goytacazes), que absolveu os recorridos ISABELA NUNES MAYERHOFER e PAULO FERREIRA SIQUEIRA da prática dos crimes previstos nos artigos 346 c/c 377, ambos do Código Eleitoral, com fulcro no art. 386, IV do CPP para a primeira ré e no art. 386, VII, do CPP em relação ao segundo acusado. A denúncia foi oferecida após descumprimento da transação penal acordada com os acusados. Conforme a exordial de fls. 02/03, os réus, no dia 28 de agosto de 2014, cederam as dependências da sede da empresa EDAFO Construções Ltda., entidade que realiza contratos com o Poder Público, para beneficiar o Partido da República, com a guarda e depósito de impressos de propaganda eleitoral apreendidos em farta quantidade. A sentença recorrida (publicada em 01.06.2018), no mérito, absolveu os réus por ausência de provas, conforme trecho destacado: \"(..) a denúncia não caracteriza de forma precisa a conduta dos réus, porquanto a primeira acusada seria apenas sócia da empresa EDAFO, nada indicando que esta conduzia atos de gerência, havendo, inclusive, documentos nos quais há relação conflituosa com o segundo acusado, então 672 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

cônjuge ou companheiro, em decorrência da ruptura do relacionamento. Deste modo, qualquer pena imposta a tal acusada seria fruto de uma responsabilidade objetiva, sem exame de dolo ou culpa, o que vedado pelo ordenamento jurídico nacional. Por outro lado, no que toca ao gerente e principal gestor da EDAFO, o segundo acusado PAULO FERREIRA SQUEIRA, igualmente, nada há nos autos que indique que o gestor tenha conduzido atos concretos de concessão do espaço ou de propaganda no citado depósito do referido imóvel que estaria, inclusive, como noticiaram as testemunhas aparentemente desativado. Portanto, há apenas indícios de que no local haveria atividades da sociedade EDAFO, mormente porque em aparente inatividade.\"(fls. 220) O Ministério Público, em recurso de fls. 227/232, alega que os elementos de prova colacionados aos autos são suficientes a demonstrar a materialidade do delito descrito na denúncia, bem como a autoria do crime. Afirma que há prova concreta de que o imóvel, onde foi encontrado vasto material de campanha do Partido da República, pertence a empresa EDAFO, ainda que seja utilizado somente como depósito. Assim, pugna pela reforma da sentença para que sejam os acusados condenados na forma da denúncia. Nas contrarrazões às fls. 236/240, os acusados pugnam pelo desprovimento do recurso e pela manutenção in totum da sentença hostilizada. A Procuradoria Regional Eleitoral, às fls. 245, apresenta parecer pelo provimento do recurso nos termos das razões recursais apresentadas. É o relatório. VOTO Ausentes questões preliminares, passo a apreciar o mérito. Os réus foram absolvidos da pratica do crime previsto nos arts. 346 c/c 377 do Código Eleitoral. Para melhor analise da questão, eis a redação dos referidos dispositivos legais, in verbis: Art. 377. O serviço de qualquer repartição, federal, estadual, municipal, autarquia, fundação do Estado, sociedade de economia mista, entidade mantida ou subvencionada pelo poder público, ou que realiza contrato com este, inclusive o respectivo prédio e suas dependências não poderá ser utilizado para beneficiar partido ou organização de caráter político. Parágrafo Único. O disposto neste artigo será tornado efetivo, a qualquer tempo, pelo Órgão competente da Justiça Eleitoral, conforme o âmbito nacional, regional ou municipal do órgão infrator mediante representação fundamentada partidário, ou de qualquer eleitor. Art. 346. Violar o disposto no Art. 377: Pena - detenção até sets meses e pagamento de 30 a 60 dias-multa. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 673

Parágrafo Único. Incorrerão na pena, além da autoridade responsável, os servidores que prestarem serviços e os candidatos, membros ou diretores de partido que derem causa a infração. De acordo com a denúncia, os réus teriam cedido as dependências da sede da empresa EDAFO Construções Ltda., entidade que realiza contratos com o Poder Público, para guardar impressos de propaganda política do Partido da República em farta quantidade. O juízo de primeiro grau entendeu que restou comprovado que a ré Isabela não concorreu para a pratica da infração penal e que não há provas suficientes aptas a condenar o acusado Paulo. Em sede recursal, o I. Promotor de Justiça destaca que o acervo probatório carreado aos autos é suficiente para comprovar que os acusados de fato cederam as dependências da empresa para guardar material de campanha do Partido da República, infringindo a legislação eleitoral. Afirma que sendo a re Isabela soda da empresa e o réu Paulo gerente e principal gestor, seria impossível que desconhecessem que o material de propaganda eleitoral descrito à fl. 07 dos autos do inquérito policial estava armazenado nas dependências da EDAFO. Destaca que as testemunhas ouvidas em juízo afirmaram que o farto material de campanha foi encontrado junto com documentos da empresa no interior do local que era utilizado como depósito. De fato, há provas que atestam que o prédio da empresa EDAFO CONSTRUCOES LTDA. era utilizado para guardar material de campanha do Partido da República. O Relatório de Fiscalização juntado aos autos da ação cautelar em apenso (fls. 22/26) descreve o material de propaganda eleitoral encontrado nas dependências do imóvel, bem como diversos documentos da empresa em questão, aparentemente arquivados no local. De igual forma, os fiscais juntaram fotos que atestam a presença do material nas dependências do galpão. Ademais, o Sr. Ângelo Rafael, subsecretario da Prefeitura, foi encontrado pelos fiscais no galpão da EDAFO retirando parte da propaganda eleitoral no momento em que a diligência foi realizada. Para corroborar as informações prestadas no relatório, ressalte-se o que disse a testemunha Matheus Machado da Silva, em sede judicial, in verbis: \"QUE é policial militar; que estava disposição da 75ª Zona Eleitoral; que participou da diligência; que o GAP solicitou a participação da equipe do TRE na diligencia; que no local foi encontrado farto material de propaganda eleitoral; (...); que inclusive tinha um funcionário chamado Angelo Rafael, que era servidor da secretaria de governo e que estava em horário de expediente retirando material de campanha do local; que catalogaram o material e fizeram o registro na delegacia de polícia federal,- que no galpão havia documentos da empresa; que não se recorda se os funcionários que estavam no local eram da empresa ou do Partido da República; que 674 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

o delegado de polícia federal e a promotora de justiça estiveram no local; que tinha muito material; que na época a EDAFO liana contratos com a prefeitura; (...); que havia veículos e caminhões da empresa; que no galpão tinha muita coisa; que parecia mesmo um depósito de propaganda eleitoral; que o Sr. Angelo Rafael estava retirando material de campanha e colocando em veículos; que havia outras pessoas no local; que os veículos estavam dentro do galpão; que não se recorda quais eram os veículos; que o material de campanha era referente aos candidatos do PR; que o local parecia um grande arquivo da empresa; (...); que não tem informações sabre os locais de funcionamento da empresa EDAFD; (...); que havia caminhões no local; que não sabe se estavam sendo utilizados; que não se recorda se os caminhões tinham a logomarca da empresa; que não se recorda se retiraram o material do local; que era muito material e que fizeram uma análise por amostragem; que não se recorda se havia no local placa da EDAFO; (..); que qualquer pessoa que tivesse acesso ao galpão teria acesso a todo material e documentos; que não se lembra se tinha computador no local\". Vale destacar que neste caso não importa que o prédio em questão não seja sede da empresa ou que seu espaço seja utilizado somente para depósito de documentação antiga, uma vez que a norma clara em proibir o serviço de entidade que realiza contrato com o poder p6blico, inclusive a utilização do respectivo prédio e dependências para beneficiar partido ou organização de caráter político. Outrossim, não ha dúvidas de que a EDAFO CONSTRUÇÕES LTDA. celebrou contratos com a Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes, conforme as cópias do Diário Oficial acostadas as fls. 218/220, do procedimento administrativo eleitoral instaurado pelo Ministério Público. Cumpre consignar que o Diretório Municipal do Partido da República juntou as fls. 171/172, instrumento de contrato de cessão gratuita do imóvel situado na Avenida Senador Tarcísio Miranda, nº 1459/1469, assinado pelo tesoureiro do referido partido e pelo Sr. Júlio Cesar de Oliveira Cossolosso, suposto dono da empresa. Ocorre que nos autos do referido procedimento, foram realizadas as oitivas do Sr. Júlio Cesar de Oliveira Cossolosso e do Sr. Paulo Ferreira Siqueira, ocasião em que ambos confirmaram que o imóvel, apesar de registrado em nome do primeiro depoente, de fato pertenceria a EDAFO CONSTRKOES LTDA e que esta seria de propriedade do segundo depoente. Acrescentaram que o termo de cessão foi assinado a pedido do réu Paulo Ferreira Siqueira. Nesse passo, é importante constatar que Júlio Cesar de Oliveira Cossolosso apresentou, inicialmente, narrativa diversa, só alterando o teor de sua fala quando confrontado pelo Magistrado com documentos que desmentiam a versão por ele apresentada e advertido que o falso testemunho é considerado crime. Destaco os pontos essenciais do depoimento: 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 675

\"Que a verdade é que o imóvel é de Paulo Matraca; que a Edafo é de Paulo Matraca e funciona lá no imóvel há muitos anos; que o depoente é 'laranja'; que Paulo Matraca só pediu ao depoente que botasse o imóvel no seu nome e o depoente não sabe porque; que o documento foi na verdade assinado dentro da Prefeitura, na sala do Fundecam;\" De igual forma, o Sr. Paulo Ferreira Siqueira iniciou sua oitiva apresentando uma narrativa e a alterou substancialmente após ser confrontado pelo Magistrado, que lhe confrontou com o teor do depoimento de Júlio Cesar de Oliveira Cossolosso e com os demais documentos acostados aos autos. Vejamos: \"Que nesse momento após ser confrontado com documentos do processo e palavras do Sr. Júlio Cossolosso, o depoente admite que o imóvel da Rua Senador Tarcísio Miranda realmente pertence a Edafo Construções e ao depoente; que cedeu de graça o imóvel para o Partido da Republica; que confirma que o contrato de cessão firmado por Júlio Cossolosso fls. 171/172 foi feito a pedido do depoente; que quem pediu isso ao depoente foi o Sr. Ângelo Rafael; que Ângelo Rafael estava no local coordenando o recebimento e a distribuição do material; que o depoente chegou ao local por volta das 13 horas e Ângelo estava lá; que não sabe se Ângelo vai sempre lá; que sabe que ele é um dos coordenadores da distribuição do material de campanha da coligação que o Partido da Republica faz parte; que conhece o caminhão placa LFP1786, que ele este em nome da Light; que esse caminhão é da Edafo; que a Edafo nunca passou para o seu nome; que depois de informado ao depoente que o caminhão este em nome da J. C. Construtora, o depoente disse que o caminhão não é da Edafo;\" Como se percebe, o conjunto probatório carreado aos autos e suficiente para se concluir que o referido imóvel e de propriedade efetiva da EDAFO CONSTRUCOES LTDA, e que o Réu, Sr. Paulo Ferreira Siqueira, o real administrador do negócio, foi o principal responsável pela cessão do imóvel ao Partido Político em questão. Nesta senda, importante consignar que o Réu adotou a prática de colocar a empresa e seu patrimônio em nome de outras pessoas, conforme os depoimentos constantes do processo administrativo preparatório as fls. 194/201. Para esclarecer este ponto, o depoimento da Sra. Alessandra Lyrio Ribeiro Beraldi (fls. 200/201), que já constou como soda da EDAFO CONSTRUCOES LTDA, especialmente esclarecedor: \"que quem pediu para a depoente formar a sociedade com Renato foi o Paulo Matraca; que quando formou a sociedade com Renato, a depoente já trabalha na Edafo; que trabalhava como secretaria de Paulo; que depois que formou a sociedade com Renato, a depoente continuou fazendo o mesmo serviço, ou seja, ser secretaria do senhor Paulo Matraca; que a depoente não vendeu as suas cotas para Isabela, somente transferiu sem receber qualquer quantia; que nunca investiu dinheiro na empresa; (...) que a 676 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

depoente nunca foi dona da Edafo; que apenas emprestou o seu nome; que o dono da Edafo o Paulo Matraca; que não sabe dizer se Júlio Cossolosso era dono do imóvel ou se emprestou o nome; que sabe que Vitor entrou como sócio de Isabela; ( ) que sua assinatura que aparece no final do contrato da Edafo datado de 27/11/2007; que só foi sócia de Renato e Paulo Matraca no papel; que nunca dividiu com eles investimentos, lucros ou administração da empresa\". Dos depoimentos prestados pelas testemunhas no procedimento administrativo eleitoral (fls. 194/201) é possível concluir que o Sr. Paulo colocou a empresa e o seu patrimônio em nome de outras pessoas, inclusive, de sua ex companheira, a Sra. Isabela, também ré neste processo, permanecendo, entretanto, na administração do negócio. Quanto consumação do delito em comento, a doutrina entende que o tipo penal previsto no art. 346 do Código Eleitoral só resta caracterizado se for comprovado o efetivo benefício do candidato ou partido político. Veja-se, neste sentido, lição de Rodrigo Lopes Zilio: \"O crime do art. 346 do CE ocorre apenas quando houver o uso do serviço de qualquer repartição pública para beneficiar partido ou organização de caráter político. Portanto, necessária a prova de que houve o uso de serviço público e, ainda, o benefício concreto auferido por partido ou organização de caráter político. O juízo de absolvição é impositivo case não comprovado o uso indevido e o benefício obtido\". (in Crimes Eleitorais, 3. ed., Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 203) Neste caso, o benefício ao partido político e aos candidatos é evidente. O material de propaganda é item essencial em uma campanha política, sendo instrumento que em muitos casos define o sucesso ou insucesso de uma candidatura a cargo eletivo. Por outro lado, no que toca a autoria do delito, a situação dos dois Reuse substancialmente distinta. In casu, os denunciados são apontados como autores por serem os responsáveis pela administração da empresa. Ocorre que pela leitura do Processo Administrativo Eleitoral é possível concluir que a Re Isabela, ex -companheira do Réu Paulo, foi inserida nos quadros da empresa, contudo, não exercia papel de gestão e nem mesmo tinha conhecimentos dos fatos ocorridos no local. Entretanto, é importante consignar que a jurisprudência de nossa Corte Suprema é pacífica no sentido de que a mera indicação de que o Réu ocupa posição de gestão em pessoa jurídica de Direito Privado ou Público é insuficiente para a sua responsabilização penal, por incorrer em responsabilização objetiva que é vedada na seara do Direito Penal. Nesse sentido, trago a colação o precedente julgado pelo Supremo Tribunal Federal, Ação Penal nº 975/AL, cuja relatoria foi do eminente Ministro Edson Fachin: 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 677

PENAL. PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL. APELACAO. EXGOVERNADOR. ATUAL DEPUTADO FEDERAL. DENUNCIA. ALEGACAO DE INEPCIA. INOCORRENCIA. CONFORMIDADE COM 0 ART. 41 DO CPP. CONDENACAO POR FATOS NAO NARRADOS NA EXORDIAL ACUSATORIA. VIOLACAO AO PRINCÍPIO DA CORRELACAO. RECONHECIMENTO DE NULIDADE ABSOLUTA, QUE SE IMPOE. MATERIA DE MERITO. CRIME DE DISPENSA ILEGAL DE LICITACAO, LOCUPLETAMENTO ILÍCITO DECORRENTE DE DISPENSA ILEGAL DE LICITACAO E PECULATO-DESVIO. CONSTATACAO DE SOBREPRECO E DIVERGENCIA DE QUANTITATIVOS. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA NAO DEMONSTRADA. PROVA DOCUMENTAL INSUFICIENTE. TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. INAPLICABILIDADE. A MERA POSICAO DE UM AGENTE NA ESCALA HIERARQUICA E INSUFICIENTE PARA, DE FORMA ISOLADA, COMPROVAR A AUTORIA DELITIVA. ABSOLVICAO. 1. Não é inepta a denúncia que, em respeito ao art. 41 do Código de Processo Penal, descreve o fato imputado ao réu com todas as circunstâncias que possibilitem a individualização da conduta e o exercício da ampla defesa. Precedentes. 2. Deve-se reconhecer a nulidade absoluta de sentença que, em descompasso com os limites traçados pela exordial acusatória, condena o réu por fatos não narrados na denúncia. A sentença incongruente padece de vb.° irremediável, na medida em que compromete as garantias de direito de defesa, devido processo legal e ainda usurpa o monopólio da ação penal, concedido constitucionalmente ao Ministério Público. Precedentes. 3. Não são enquadráveis como notórios, ao ponto de prescindir de maior substrato probatório, fatos que demandam tarefa intelectiva do autor para serem compreendidos e aceitos, como é o caso de irregularidades relacionadas a complexo procedimento licitatório. 5. Deve ser refutada imputação centrada, unicamente, na posição de um dado agente na escala hierárquica governamental, por inegável afinidade com o Direito Penal Objetivo. 6. Não se admite a invocação da teoria do domínio do fato com vistas a solucionar problemas de debilidade probatória ou a fim de arrefecer os rigores para a caracterização do dolo delitivo, pois tais propósitos estão dissociados da finalidade precípua do instituto. 7. Não tendo o órgão acusatório se desincumbido do ônus probatório, de forma necessária e suficiente, e não tendo logrado demonstrar, de modo conclusivo, a autoria delitiva, a absolvição é medida que se impõe. 8. Apelação provida, a fim de, preliminarmente, declarar a nulidade parcial da sentença condenatória, por afronta ao princípio da correlação, e no mérito, absolver o réu, por ausência de provas de ter concorrido para o delito (art. 386, V, do CPP). (AP 975, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 03/10/2017, ACORDAO ELETRONICO Die-040 DIVULG 01-03-2018 PUBLIC 02-03-2018) No caso que aqui apreciamos, quanto a ré Isabela, que seria sócia da empresa EDAFO, as provas acostadas aos autos e acima já expostas, indicam que esta ocupava a posição de soda apenas formalmente. 678 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Nesse sentido, não há nenhum indício concreto de que a Ré tenha concorrido para o delito em análise. Registre-se que a acusada não foi mencionada no depoimento da testemunha Matheus Machado da Silva e tampouco estava no local no momento da diligência feita pela Justiça Eleitoral. Por outro prisma, a autoria do Réu Sr. Paulo Ferreira Siqueira restou plenamente provada nos presentes autos. Como já expusemos de forma minudente, as provas dos autos são consistentes no sentido de que o Réu era o efetivo administrador da Empresa Edafo. Ademais, o depoimento prestado pelo Sr. Júlio Cesar de Oliveira Cossolosso, no procedimento administrativo eleitoral, confirma que o Réu atuou de forma comissiva para a consumação do delito, considerando que o termo de cessão de uso do galpão somente foi formalizado a seu pedido. O próprio Réu, em depoimento no procedimento prévio, também admitiu a sua ingerência para que fosse efetivada a cessão do terreno para o Partido Político. No mais, inegável que o Réu agiu com dolo, pois as provas demonstram que ele tinha plena consciência do uso que seria dado ao galpão, bem como inconteste que ele dirigiu a sua vontade para que a cessão fosse efetivada. Registre-se quanto ao valor probante dos referidos depoimentos, que estes foram realizados em audiência conduzida por Magistrado, sendo todos os depoentes, inclusive o Réu, acompanhados por advogados que puderam exercer a defesa e o contraditório de forma efetiva, inclusive formulando suas próprias perguntas. No mais, os referidos depoimentos encontram perfeita harmonia com as demais provas cotejadas nos autos. Fixado o mérito das imputações, passo a analisar a dosimetria da pena do Réu Sr. Paulo Ferreira Siqueira. Quanto ao delito do art. 346 do Código Eleitoral, o preceito secundário do tipo define pena de detenção de até 6 meses e pagamento de 30-60 dias multa. Passo a análise da pena privativa de liberdade. Na primeira fase da dosimetria, em cumprimento ao art. 59 do Código Penal, a meu sentir, uma circunstância judicial deve ser valorada de forma negativa. No caso, as circunstâncias de cometimento do delito devem ser valoradas negativamente, visto que o Réu se valeu de termo de cessão de uso fictício, atuando de forma sub-reptícia, fraudulenta e por interposta pessoa. Quanto as demais, entendo que a prática do Réu não transbordou do que já se encontra previsto no tipo penal em epígrafe. Nessa senda, estabeleço a pena-base em 4 meses. Na segunda fase da dosimetria da pena, incide ao caso uma circunstância agravante e uma circunstância atenuante. No caso da atenuante, trata-se da confissão, disposta no art. 65, III, d. Apesar do Réu ter optado pelo silencio na Audiência de Instrução e Julgamento (fl. 191) deste processo, a sua confissão no procedimento prévio (fl. 191/204 do Anexo I) foi utilizada em cotejo com as demais provas dos autos para embasar o presente decreto condenatório. Desta feita, incide a sumula 545 do STJ: 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 679

\"Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fara jus a atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal.\" Quanto agravante, aplica-se ao caso, o teor do disposto no inciso I do art. 62, considerando que o Réu exercia posição de gestão na empresa e na conduta delituosa, se verificando que outros envolvidos no delito teriam atuado sob a sua liderança. Apesar dos demais envolvidos nos fatos terem optado pelo instituto da Transação Penal, o que implica na ausência de juízo condenatório aos mesmos, tal situação não elide a posição que o Réu efetivamente exerceu perante estes atores. Conforme cediço, na concorrência de atenuantes e agravantes, deve-se perquirir qual tem natureza preponderante. Neste caso, prepondera a atenuante da confissão, logo a reprimenda penal deve ser diminuída em quinze dias, resultando em 3 meses e quinze dias. Por fim, na terceira etapa dosimétrica, não há causas de aumento ou diminuição que se apliquem ao caso. Demais disso, nos termos do art. 33, § 2º, alínea \"c\" do Código Penal, considerando que o Réu não reincidente e o quantum de pena foi fixado em 3 meses e 15 (quinze) dias, determino o regime aberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade. No que pertine à pena de multa, o patamar mínimo definido e de 30 dias-multa. Considerando que no caso do Réu incide uma circunstância judicial negativa, bem como uma atenuante genérica preponderante e uma agravante genérica, determino a fixação de 38 dias-multa. Em relação ao valor do dia-multa, considerando que se trata de empresário, nos termos do § 1º do art. 49 do CP, entendo por fixar seu quantum em 5 vezes o valor do salário-mínimo. Por fim, constata-se que o Réu faz jus a substituição de sua pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, a luz dos requisitos definidos nos incisos do art. 44 do Código Penal. In casu, a condenação e inferior a 4 anos, não há reincidência em crime doloso e a substituição se mostra suficiente e proporcional a retribuição do ilícito cometido. Note- se que o Réu teve apenas uma das circunstâncias judiciais valorada de forma negativa, o que não impede a substituição, considerando a totalidade das circunstâncias. Desta feita, entendo por substituir a sanção privativa de liberdade pela pena de prestação pecuniária, por ser a que melhor se amolda ao caso concreto, consoante o definido no § 2º do art. 44 do Código Penal. Ressalte-se que, conforme a dicção do art. 46 do CP, o prazo diminuto da sanção corpórea não permite que esta seja substituída pela prestação de serviços à comunidade que bem se adequaria ao caso. Nesse quadro, entendo que, em cumprimento ao § 1º do art. 45 do CP, a prestação pecuniária deve ser fixada no valor de 30 salários-mínimos sendo destinada a mesma instituição indicada como beneficiaria da transação penal descumprida pelo Réu. Na hipótese da referida instituição não se encontrar apta a receber a prestação pecuniária por qualquer razão, o juízo de execução pode determinar como beneficiaria instituição congênere situada no Município de Campos dos Goytacazes. 680 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Ante o exposto, voto pelo provimento parcial do recurso do Ministério Público para condenar o réu Paulo Ferreira Siqueira, mantendo-se em relação a ré ISABELA NUNES MAYERHOFER a sentença absolutória. 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 681

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3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 683

contra-capa 684 3ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE


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