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Revista de Jurisprudência do COPEJE - 1.a Edição

Published by anderson, 2019-09-11 16:04:35

Description: Revista de Jurisprudência do COPEJE - 1.a Edição

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A despeito disso, as estatísticas demonstram que os reflexos no espaço político feminino ainda se mostram tímidos, evidenciando-se a urgência da adoção de medidas mais efetivas para a reversão do cenário de sub-representação feminina na política. Segundo os dados mais recentes apresentados pela União Interparlamentar, a partir de informações obtidas em 1 de dezembro de 2017 , o Brasil ocupa a 151a posição, com 10,70% das vagas da 4 Câmara dos Deputados e 14,80% do Senado ocupadas por mulheres, atrás de países como Afeganistão (com 27,70% do parlamento) Iraq (25,30%), Paquistão (20,60%), Arábia Saudita (19,90%), Nigéria (17%) e República do Congo (11,30%) – os quais, tradicionalmente, renegam direitos à mulher e possuem normas discriminatórias . Imperiosa se faz, nessa linha, a implementação de práticas afirmativas que garantam o incremento da voz ativa da mulher na política brasileira, insofismável o protagonismo da Justiça Eleitoral nesta seara. Fixadas essas premissas, passo a responder a presente consulta. 3. DA RATIO DECIDENDI DA ADI 5617 E SUA APLICABILIDADE NA DISTRIBUIÇÃO DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA E DO TEMPO DE PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA NO RÁDIO E NA TELEVISÃO Ao julgamento da ADI 5617, em 15.3.2018, o c. STF, no tocante ao Fundo Partidário, deu “interpretação conforme à Constituição ao art. 9o da Lei 13.165/2015 6 de modo a (a) equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas (hoje o do art. 10, § 3o, da Lei 9.504/1997, isto é, ao menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do Fundo alocado a cada partido, para eleições majoritárias e proporcionais, e (b) fixar que, havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma proporção”. Extraio do voto do eminente Relator, Min. Edson Fachin, as cinco premissas em que se assentou aquele julgamento: Primeira: As ações afirmativas prestigiam o direito à igualdade. Segunda: É incompatível com o direito à igualdade a distribuição de recursos públicos orientada apenas pela discriminação em relação ao sexo da pessoa. Terceira: A autonomia partidária não consagra regra que exima o partido do respeito incondicional aos direitos fundamentais, especialmente ao direito à igualdade. Quarta: A igualdade entre homens e mulheres exige não apenas que as mulheres tenham garantidas iguais oportunidades, mas também que sejam elas empoderadas por um ambiente que as permita alcançar a igualdade de resultados. Quinta: A participação das mulheres nos espaços políticos é um imperativo do Estado, uma vez que a ampliação da participação pública feminina permite equacionar as medidas destinadas ao atendimento das demandas sociais das mulheres. (Destaquei) Revista de Jurisprudência do COPEJE 201

Relembrou, na oportunidade, o eminente Relator a baixa representatividade feminina no Poder Legislativo Federal. Consignou que menos de 15% das cadeiras são ocupadas por mulheres, percentual que cai para 9,9%, se considerada apenas a Câmara dos Deputados. Já nas prefeituras do país, apontou o percentual de participação feminina de 11%, destacando o contexto gritante de mais da metade da população e do eleitorado brasileiro corresponder a mulheres. Assentou, ainda, entre outros fundamentos, que: I. Se o princípio da igualdade material admite, como reconhece a jurisprudência desta Corte, as ações afirmativas, utilizar para qualquer outro fim a diferença, estabelecida com o objetivo de superar a discriminação, ofende o mesmo princípio da igualdade, que veda tratamento discriminatório fundado em circunstâncias que estão fora do controle dos indivíduos, como a raça, o sexo, a cor da pele ou qualquer outra diferenciação arbitrariamente considerada”, sendo “próprio do direito à igualdade a possibilidade de uma desequiparação, desde que seja ela pontual e tenha por objetivo superar uma desigualdade histórica. II. Os obstáculos para a efetiva participação política das mulheres são ainda mais graves, caso se tenha em conta que é por meio da participação política que as próprias medidas de desequiparação são definidas. Qualquer razão que seja utilizada para impedir que as mulheres participem da elaboração de leis inviabiliza o principal instrumento pelo qual se reduzem as desigualdades. Em razão dessas barreiras à plena inclusão política das mulheres, são, portanto, constitucionalmente legítimas as cotas fixadas em lei a fim de promover a participação política das mulheres [...]. (Destaquei) III. O estabelecimento de um piso de 5% significa, na prática, que, na distribuição dos recursos públicos que a agremiação partidária deve destinar às candidaturas, os homens poderão receber no máximo 95%. De outro lado, caso se opte por fixar a distribuição máxima às candidaturas de mulheres, poderão ser destinados do total de recursos do fundo 15%, hipótese em que os recursos destinados às candidaturas masculinas será de 85%. Inexistem justificativas razoáveis, nem racionais, para essa diferenciação. IV. A autonomia partidária não consagra regra que exima o partido do respeito incondicional aos direitos fundamentais. O art. 17 da Constituição Federal dispõe ser livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, “resguardados os direitos fundamentais da pessoa humana”. Noutras palavras, a autonomia partidária não justifica o tratamento discriminatório entre as candidaturas de homens e mulheres. (Destaquei) V. O respeito à igualdade não se aplica somente à esfera pública. “Incide, aqui, a ideia de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, sendo importante reconhecer que é precisamente nessa artificiosa segmentação entre o público e o privado que reside a principal forma de discriminação das mulheres. 202 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Ao final, ressaltou a natureza pública dos recursos do Fundo Partidário, a reforçar a vedação a que sua distribuição se dê de forma discriminatória. Confira-se: [...] o caráter público dos recursos a elas destinados é elemento que reforça a obrigação de que a sua distribuição não seja discriminatória. A fundamentalidade das normas constitucionais referentes à atividade financeira do Estado na unidade entre obtenção de recursos, orçamento e realização de despesas engloba o regime jurídico das finanças públicas em máxima conformidade com os fins da Constituição da República. Conforme dispõe o art. 38 da Lei 9.096/95, os recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) são constituídos por multas e penalidades pecuniárias aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis conexas; recursos financeiros que lhe forem destinados por lei; doações de pessoas físicas ou jurídicas; e dotações orçamentárias da União. Tais recursos são destinados, nos termos do art. 44 da Lei 9.096, à manutenção das sedes e serviços do partido, à propaganda doutrinária e política, ao alistamento e às campanhas eleitorais, às fundações de pesquisa e de doutrinação política, e, mais recentemente, aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. A consignação desses recursos é feita ao Tribunal Superior Eleitoral, que distribui aos órgãos nacionais dos partidos, na proporção de sua representação na Câmara dos Deputados (art. 41-A da Lei 9.096 c/c ADI 5.105, Rel. Ministro Luiz Fux, Pleno, DJe 01.10.2015). No que tange aos recursos empregados nas campanhas, os partidos detêm autonomia para distribuí-los, desde que não transbordem dos estritos limites constitucionais. Em virtude do princípio da igualdade, não pode, pois, o partido político criar distinções na distribuição desses recursos exclusivamente baseadas no gênero. Assim, não há como deixar de reconhecer como sendo a única interpretação constitucional admissível aquela que determina aos partidos políticos a distribuição dos recursos públicos destinados à campanha eleitoral na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, sendo, em vista do disposto no art. 10, § 3o, da Lei de Eleições, o patamar mínimo o de 30%. (Destaquei) Embora circunscrito o objeto da ADI 5617 à distribuição dos recursos partidários que veio a ser fixada por meio da Lei no 13.165/2015, os fundamentos então esposados transcendem o decidido naquela hipótese, considerada, em especial, a premissa de que “a igualdade entre homens e mulheres exige não apenas que as mulheres tenham garantidas iguais oportunidades, mas também que sejam elas empoderadas por um ambiente que lhes permita alcançar a igualdade de resultados”. Aplicável, sem dúvida, a mesma diretriz hermenêutica; “ubi eadem ratio ibi idem jus”, vale dizer, onde houver o mesmo fundamento, haverá o mesmo direito. Na lição da doutrina, “o Tribunal que, desempenhando com firmeza o seu dever de fundamentar, apreciar a maior gama de argumentos contrários e favoráveis a cada tese, estará produzindo não apenas uma decisão para um único litígio, mas sim uma metadecisão que, fixando regras, standarts e rotinas, orientará os órgãos jurisdicionais Revista de Jurisprudência do COPEJE 203

inferiores” BERNARDO, Clarissa Campos; ANDRADE, Marcelo Santiago de Paula. O sistema de precedentes do novo CPC e sua repercussão no direito eleitoral. In: DIDIER Jr., Fredie; LUCON, Paulo Henrique dos Santos; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe (Coord.). Repercussões do novo CPC. Direito Eleitoral. Salvador: JusPodivm, 2016). Nesse contexto, se a distribuição do Fundo Partidário deve resguardar a efetividade do disposto no art. 10, § 3o, da Lei no 9.504/97, no sentido de viabilizar o percentual mínimo de 30% de candidaturas por gênero, consoante decidiu a Suprema Corte ao julgamento da ADI 5617, a mesma ratio projeta-se ao exame da aplicação dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – cuja vocação é, exclusivamente, o custeio das eleições – que há de seguir a mesma diretriz. Não por outra razão, a teor dos arts. 19, §2o, da Res.-TSE no 23.553/2017 e 16-C, § 11, da Lei no 9.504/97, os recursos do Fundo Especial eventualmente não utilizados em campanha devem ser integralmente devolvidos ao Tesouro Nacional, vedada, ainda, a sua distribuição para outros partidos ou candidaturas, se o partido ou a coligação não apresentarem candidaturas próprias (art. 19, § 1o, da Res.-TSE no 23.553/2017). No tocante ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, consabido não haver disposição normativa expressa que balize a sua distribuição em termos de percentual de gênero. Indaga-se, então, se a omissão legislativa constitui óbice à extensão do conteúdo normativo em questão, de modo a equiparar o tempo mínimo destinado pelo partido aos patamares percentuais de candidaturas por gênero legalmente estabelecidos. No ponto, faço pequena digressão para rememorar as mudanças no cenário eleitoral pátrio já introduzidas por Consultas formuladas à Justiça Eleitoral, chamada ao enfrentamento de questões que desbordam o âmbito normativo infraconstitucional. São exemplos a verticalização das coligações partidárias em 2002 (Cta no 21002), a decretação de perda do mandato eletivo por desfiliação partidária sem justa causa, em 2007 (Cta no 1398); e o reconhecimento da constitucionalidade da aplicação da Lei da Ficha Limpa, em 2010 (Cta no 114709). A propósito da Cta no 1398, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – em que reconhecido, aos partidos políticos, o direito de conservarem a vaga obtida nas eleições proporcionais quando houver cancelamento de filiação de candidato eleito ou transferência para legenda diversa –, não prescindiu este Tribunal Superior de perquirir o arcabouço jurídico eleitoral sob ampla perspectiva axiológica, fugindo à limitada leitura calcada exclusivamente pelo ordenamento juspositivo. Na ocasião, o Relator destacou, de forma precisa, em seu voto que “o tempo presente é o da afirmação da prevalência dos princípios constitucionais sobre as normas de organização dos Partidos Políticos, pois sem isto se instala, nas relações sociais e partidárias, uma alta dose de incerteza e dúvida, semeando alterações ocasionais e fortuitas nas composições das bancadas parlamentares, com grave dano à estabilidade dessas mesmas relações, abrindo-se ensejos a movimentações que mais servem para desabonar do que para engrandecer”. 204 Revista de Jurisprudência do COPEJE

E complementou Sua Excelência: Com efeito, as exigências da teoria jurídica contemporânea buscam compreender o ordenamento juspositivo na sua feição funcionalista, como recomenda o Professor Norberto Bobbio (Da Estrutura à Função, tradução de Daniela Beccacia Versiani, São Paulo, Editora Manole, 2007), no esforço de compreender, sobretudo, as finalidades (teleologias) das normas e do próprio ordenamento. Ouso afirmar que a teoria funcionalista do Direito evita que o intérprete caia na tentação de conhecer o sistema jurídico apenas pelas suas normas, excluindo-se dele a sua função, empobrecendo-o quase até a miséria; recuso, portanto, a postura simplificadora do Direito e penso que a parte mais significativa do fenômeno jurídico é mesmo a representada no quadro axiológico. Outro ponto relevante que importa frisar é o papel das Cortes de Justiça no desenvolvimento da tarefa de contribuir para o conhecimento dos aspectos axiológicos do Direito, abandonando-se a visão positivista tradicional, certamente equivocada, de só considerar dotadas de força normativa as regulações normatizadas; essa visão, ainda tão arraigada entre nós, deixa de apreender os sentidos finalísticos do Direito e, de certo modo, desterra a legitimidade da reflexão judicial para a formação do pensamento jurídico. Volto, ainda esta vez, à companhia do Professor Paulo Bonavides, para, com ele, afirmar que as normas compreendem as regras e os princípios e, portanto, estes são também imediatamente fornecedores de soluções às controvérsias jurídicas. (Destaquei) Não é, portanto, inédito o debate, na seara eleitoral, tampouco inaugural a conclusão segundo a qual a lacuna da lei não afasta, per se, a extração da norma principiológica da fonte suprema, que é a Carta Magna. Porque a interpretação literal ou gramatical consubstancia tão somente o primeiro contato do hermeneuta com o texto – aproximação essa sem a qual não se faz possível extrair qualquer significado do comando normativo –, tenho presente que a interpretação jamais se esgota na literalidade do texto, mesmo nas raríssimas hipóteses em que a máxima in claris cessat interpretatio se mostra “aparentemente” adequada à realização do preceito normativo. Na lição de Inocêncio Mártires Coelho, com apoio em Niklas Luhmann, Friedrich Müller e Castanheira Neves (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. México: Herder/Universidad Iberoamericana, 2005, p. 425-6; MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 45; e NEVES, A. Castanheira. Metodologia Jurídica. Problemas fundamentais. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1993, p. 166-76.): Rigorosamente, portanto, ‘não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada’, vale dizer, preceito formalmente criado e materialmente concretizado por todos quantos integram as estruturas básicas constituintes de qualquer sociedade pluralista. A escrita é apenas uma forma que produz uma diferença entre o corpo do texto e a interpretação, entre a literalidade do escrito e o espírito da lei. Não existe nenhuma Revista de Jurisprudência do COPEJE 205

fixação por escrito do direito vigente que não origine uma interpretação. Ambas são produzidas, simultaneamente, como uma forma de dois lados. No instante mesmo em que se escrevem os textos origina-se, daí, um problema de interpretação. O teor literal de uma disposição é apenas a “ponta do iceberg”; todo o resto, talvez o mais importante, é constituído por fatores extralinguísticos, sociais e estatais, que mesmo se o quiséssemos não poderíamos fixar nos textos jurídicos, no sentido da garantia da sua pertinência.(Destaquei) E seguindo essa linha de pensamento, concluo que a carência de regramento normativo que imponha a observância dos patamares mínimos previstos no art. 10, § 3o, da Lei no 9.504/97 à distribuição do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão não obstaculiza interpretação extraída a partir de preceitos constitucionais que viabilizem a sua implementação. Aplica-se, no ponto, a mesma ratio decidendi adotada pela Suprema Corte na ADI 5617, com prevalência aos direitos à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da CF) e à igualdade de gênero (art. 5o, caput, da CF). Por último, registro que, a meu juízo, a revisão de atos partidários, no que se inclui a revisitação das diretrizes norteadoras da distribuição interna de recursos públicos destinados às campanhas eleitorais, bem assim a divisão do tempo de propaganda eleitoral gratuita entre os candidatos em disputa, não implica, em absoluto, desprestígio à autonomia partidária – consagrada na Carta Magna e reafirmada na Emenda Constitucional no 97, aprovada pelo Congresso Nacional em 4 de outubro de 2017 –, mas amparo 7 ao fortalecimento da democracia interna da própria grei, contribuindo para o desenvolvimento da política. Também nessa linha propugna a Procuradora-Geral Eleitoral em seu parecer, in verbis: “ Nenhum partido é obrigado a aceitar financiamento público. Todavia, se o aceita deve cumprir condicionantes que acompanhem esse financiamento, sobretudo se são uniformes a todos os partidos, dizem respeito ao aperfeiçoamento da democracia partidária e a proteção de direitos fundamentais. Financiamento que visa induzir práticas democráticas em partidos políticos e promoção de igualdade de gênero em um quadro generalizado de subrepresentação feminina na política é cumprimento da disciplina constitucional dos partidos políticos e jamais violação da autonomia desses”. Em conclusão, a mudança no cenário de sub-representação feminina na política perpassa não apenas pela observância dos percentuais mínimos de candidatura por gênero, legalmente previstos, mas, sobretudo, pela imposição de mecanismos que garantam a efetividade da norma. E consoante salientaram as consulentes, “a equação é simples: candidaturas são viabilizadas pelo poder público por meio de recursos destinados aos fundos partidário (Lei 9.096/95) e eleitoral (Lei 9.504/97), bem como pela propaganda eleitoral de rádio e televisão, veiculada nos trinta e cinco dias anteriores à antevéspera das eleições no horário eleitoral gratuito (art. 47 e seguintes da Lei 9.504/97)”. Seguramente, não há outro caminho para a correção de histórica disparidade entre as representações feminina e masculina no parlamento. 206 Revista de Jurisprudência do COPEJE

4. CONCLUSÃO Diante do exposto, a consulta deve ser respondida afirmativamente, nos seguintes termos: a distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), previsto nos artigos 16-C e 16-D, da Lei das Eleições, e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, regulamentada nos arts. 47 e seguintes do mesmo diploma legal, deve observar os percentuais mínimos de candidatura por gênero, nos termos do art. 10, § 3o, da Lei no 9.504/97, na linha da orientação firmada na Suprema Corte ao exame da ADI 5617. No caso de percentual superior de candidaturas, impõe-se o acréscimo de recursos do FEFC e do tempo de propaganda na mesma proporção. É como voto. Revista de Jurisprudência do COPEJE 207

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL HUMBERTO JACQUES DE MEDEIROS (VICE-PROCURADOR-GERAL ELEITORAL) TSE – PARECER Nº 121.040 NA CONSULTA Nº 0600252-18.2018.6.00.0000 TEMA Recursos públicos para campanhas eleitorais CONSULTA. IGUALDADE DE GÊNERO. RECURSOS PÚBLICOS PARA CAMPANHAS ELEITORAIS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). FUNDO PARTIDÁRIO. TEMPO DE PROPAGANDA EM RÁDIO E TELEVISÃO PARECER Consulta. Igualdade de Gênero. Recursos Públicos para campanhas eleitorais. Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Fundo Partidário. Tempo de propaganda em rádio e televisão. Supremo Tribunal Federal. Princípios constitucionais da igualdade e do pluralismo político. Autonomia partidária. Promoção da participação feminina na política. 1. Deve ser conhecida a consulta formulada ao Tribunal Superior Eleitoral, quando proposta por ator legítimo, deduzida com abstração e recaindo sobre tema sindicável pela Corte Superior, como ocorrido na presente hipótese. 208 Revista de Jurisprudência do COPEJE

2. Conforme o Supremo Tribunal Federal (Ação Direta de Inconstitucionalidade no 5617) não há como deixar de reconhecer como sendo a única interpretação constitucional admissível aquela que determina aos partidos políticos a distribuição dos recursos públicos destinados à campanha eleitoral na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, sendo, em vista do disposto no art. 10, § 3o, da Lei de Eleições, o patamar mínimo de 30%. 3. A autonomia partidária, consagrada na Constituição da República, deve obediência aos direitos fundamentais, de modo que a atuação dos partidos políticos deve concorrer para assegurar a efetiva participação feminina na política, inclusive por meio da distribuição proporcional dos recursos públicos que custearão as suas candidaturas. 4. O princípio da igualdade se irradia do mesmo modo sobre os recursos públicos que patrocinam campanhas eleitorais quer via Fundo Partidário, quer via Fundo Especial de Financiamento de Campanha, quer tempo de televisão e rádio adquiridos pelo poder público para veiculação de propaganda eleitoral. 5. Ubi eadem ratio ibi idem jus Parecer pela resposta positiva a todos os quesitos da consulta, - II - 7. Dispõe o art. 23, XII, do Código Eleitoral, que o Tribunal Superior Eleitoral tem competência privativa para “responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição, federal ou órgão nacional de partido político”. 8. A competência da Corte Superior para responder às consultas que lhe forem feitas em tese foi instituída em 1965, no Código Eleitoral, quando o Judiciário brasileiro apenas julgava casos concretos e a modalidade de controle de constitucionalidade disponível era apenas a difusa. A representação de inconstitucionalidade dirigida ao Supremo Tribunal Federal somente viria a ser prevista posteriormente, na Emenda Constitucional no 16. 9. O legislador eleitoral conferiu, em 1965, a certos atores políticos, a possibilidade de obterem do Tribunal Superior o acertamento da legislação eleitoral, dispensando- os da necessidade – então ínsita ao sistema jurídico pátrio – de arriscarem-se em aventuras e lides eleitorais (com todos os custos políticos envolvidos), para poderem obter um pronunciamento jurisdicional sobre a exata extensão da lei eleitoral. 10. A consulta à Corte Superior é, portanto, um mecanismo de exercício da jurisdição em abstrato, fora de uma lide, e com a obtenção da certeza do direito sem os custos e riscos de uma demanda comum. 11. Sem embargo, a consulta, pela abstração que envolve, orienta o Direito Eleitoral, mas não é nem norma; nem prejulgamento a se impor quando do conhecimento jurisdicional de um caso concreto, com todas suas vicissitudes próprias da densidade da realidade de um caso concreto; nem muito menos enunciado de Súmula, a consolidar reiterados argumentos em repetidos casos trazidos à Corte. Revista de Jurisprudência do COPEJE 209

12. Ao poder-dever de a Corte responder a consultas – faculdade única no Judiciário pátrio – corresponde um dever-poder de autocontenção, um parcimonioso recato em não eclipsar o legislador, e uma detida atenção em não fazer o Direito fora das instâncias do devido processo legal, sem a oitiva dos alcançados pela jurisdictio. 13. É como se disséssemos que, no espaço heterodoxo – e, por que não, tentador – da consulta ao Tribunal, aquilo que se espera do julgador é mais a vetusta (e superada) ortodoxia do juiz bouche de la loi. 14. Ainda que aquele que formule a consulta espere um ativismo judicial, uma construção neoconstitucionalista, uma intervenção corretiva da ordem jurídica, ou qualquer outra medida judicial tão ousada quanto necessária, a consulta não deve ser a via ordinária para o avanço do Direito pela jurisdição. 15. No presente caso, porém, já se desincumbiu a Corte Constitucional da tarefa de ajustar regra legal ao comando constitucional produzindo em sede de controle concentrado interpretação conformadora à Constituição e, portanto, norma jurídica sobre suporte à participação política feminina cujo alcance prático nas próximas eleições pretendem as consulentes seja demarcado, agora, pelo Tribunal Superior Eleitoral. 16. Ao Tribunal Superior Eleitoral, portanto, vinculado ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, se consulta sobre como se procede no campo operacional eleitoral conteúdo jurídico já positivado pela Corte Constitucional. 17. Assim, a presente consulta muito mais desafia o cumprimento do dever de vinculação e alinhamento de uma Corte Superior ao que determinado pela Corte Suprema, do que exige autocontenção em matéria de inovação normativa. 18. Outrossim, incabível que os partidos políticos se lancem na empreitada eleitoral sem saber o modo como devem repartir necessariamente os recursos públicos para as campanhas. Há, se não respondida a consulta, a possibilidade de financiamento inadequado às mulheres na política – impondo um quadriênio para, então, cumprirem-se as normas que somente na casuística concreta se revelarão. 19. A razão ontológica para a consulta é, portanto, no presente caso, imperativa. - III - 20. Cada uma das ilustríssimas consulentes poderia de per si formular a consulta. 21. Há abundância no polo ativo deste feito. 22. São legitimadas a formular a consulta não apenas porque autoridades federais, mas porque estão no topo da pirâmide política e conhecem as adversidades vencidas para o atingirem. 23. A pluralidade de consulentes também demonstra à saciedade que a problemática deduzida na consulta atinge todos os partidos políticos no amplo espectro ideológico que apresentam. 24. Não se trata, portanto, de um problema da política. É um problema da sociedade brasileira como um todo. É um conhecido problema, só que desta feita apreciado na política. Trata-se, então, de um problema elevado a segunda potência, eis que a política que deveria resolvê-lo para toda a sociedade é por ele atingido e, portanto, não consegue, por si e por suas forças internas, promover soluções efetivamente resolutivas. 210 Revista de Jurisprudência do COPEJE

25.Próceres femininos da política, dessarte, trilharam a construção de solução no espaço contramajoritário da Corte Constitucional e agora buscam colher suas consequências lógicas para o espaço eleitoral, no firme propósito de que assim se possa requalificar a política. 26. Tão legítima quanto necessária, portanto, a consulta -IV- 27.Uma democracia em que metade da população é subrepresentada é patologicamente organizada. Se a metade subrepresentada estivesse, por exemplo, concentrada em uma mesma área territorial, o risco de secessão seria enorme. A subrepresentação politica é fator de dominação, inferioridade e sujeição. Os contingentes humanos coloniais subrepresentados nos órgãos políticos metropolitanos se viram forçados aos movimentos de independência no novo continente. 28. Em uma república estabelecida por uma sociedade justa, fraterna e solidária não deve haver a possibilidade de um contingente humano equivalente a metade da população não se fazer presente de forma marcante na amostra política dos representantes de toda a sociedade nos parlamentos. 29. A gravidade desse quadro exigiu e exige políticas públicas de promoção de igualdade de gênero na representação política da sociedade. 30. Na seara das mais explícitas políticas de promoção de paritário acesso para promoção de igualdade houve opção legislativa por percentuais mínimos e máximos de gênero nas candidaturas legislativas proporcionais. 31. Tal política pública – sem o suficiente financiamento – não produziu o efeito esperado. Houve 16.000 candidaturas femininas nas eleições municipais que não receberam nem mesmo um voto. Em muitos casos nem as próprias candidatas votaram em si por não acreditarem em sua viabilidade 32. Toda política pública exige financiamento que a sustente. 33. O Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação de Inconstitucionalidade, explicitou que na utilização dos recursos públicos do fundo partidário em campanhas devem ser observadas as proporções de gênero dos candidatos. 34. Ao apreciar a referida ação, decidiu a Suprema Corte “dar interpretação conforme a Constituição ao art. 9o da Lei 13.165/2015 de modo a equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas (hoje o do art. 10, § 3o, da Lei no 9.504/97, isto é, ao menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do Fundo alocado a cada partido, para as eleições majoritárias e proporcionais, e fixar que, havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma proporção”2 35. Portanto, recursos públicos oriundos do contribuinte e destacados do Tesouro Nacional não se incorporam ao patrimônio dos partidos políticos tornando-se privados, disponíveis, desvinculados e livres de prestações de contas. Revista de Jurisprudência do COPEJE 211

36. Pelo contrário, os recursos que o Poder Público destina aos partidos políticos podem, sim, ser atribuídos com destinação específica, vinculada e com dever de prestação de contas. 37. A constitucional autonomia partidária, portanto, não proíbe a entrega de recursos públicos atrelados a sustentação de política pública de promoção de igualdade de gênero na política. 38. A autonomia partidária nem cria uma insindicabilidade dos recursos públicos que lhes são destinados, nem pode se opor ao dever constitucional de os partidos políticos respeitarem a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17). 39. Quando há financiamento público – não exclusivo(!) – indutor de política pública de igualdade de gênero na vida partidária e nas campanhas eleitorais, o Estado brasileiro patrocina, dessa forma, o aperfeiçoamento do regime democrático e a proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana. 40. Nenhum partido é obrigado a aceitar financiamento público. Todavia, se o aceita deve cumprir condicionantes que acompanhem esse financiamento, sobretudo se são uniformes a todos os partidos, dizem respeito ao aperfeiçoamento da democracia partidária e a proteção de direitos fundamentais. Financiamento que visa induzir práticas democráticas em partidos políticos e promoção de igualdade de gênero em um quadro generalizado de subrepresentação feminina na política é cumprimento da disciplina constitucional dos partidos políticos e jamais violação da autonomia desses. 41. Sendo inegável que a igualdade formal entre homens e mulheres, no que toca aos direitos políticos, ainda não atingiu padrões minimamente visíveis no protagonismo da cena política brasileira é irretocável o financiamento público indutor de ampliação da democracia pelo incentivo à atuação política feminina. 42. Com essa preocupação, o legislador nacional, inspirando-se em experiências estrangeiras, promoveu relevante intervenção legislativa, determinando que, nas candidaturas proporcionais às Casas Legislativas, cada partido apresente um máximo de 70% e um mínimo de 30% de postulantes de cada sexo (art. 3o da Lei no 12.034/09). 43. Não bastasse isso, em 2015, houve por bem obrigar a destinação, para promoção e difusão de participação politica feminina, até o ano de 2024, de percentuais de 20% e 15% do tempo de acesso “gratuito” dos partidos políticos ao rádio e à televisão. Desde 1995, a lei previa que os órgãos nacionais de direção partidária fixassem o tempo, respeitado o piso de 10%. 44. Como se pode notar, têm sido adotadas medidas afirmativas de promoção da participação feminina na política. É dizer, a produção de igualdade material nos conduziu a medidas assecuratórias, a priori, de espaços mínimos para a participação política de mulheres. 45. Essas medidas, contudo, não produziram mudanças efetivas na ampliação da representação feminina na política brasileira. Mulheres obtiveram 30% de 212 Revista de Jurisprudência do COPEJE

candidaturas, mas apenas 5% de financiamento e 10% de tempo na propaganda, na medida em que a prática política transformou os pisos mínimos legais em tetos. 46. Restaurando a autoridade da Constituição sobre esse cenário, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 5617, alinhou a proporção do financiamento público à proporção de gênero nas candidaturas, respeitados os pisos e tetos de cada gênero. 47. Segundo a Corte Constitucional, descabe a possibilidade de os partidos políticos resistirem ao princípio da igualdade, mesmo sendo entes privados. 48. É a melhor síntese do que patenteado pelo Supremo Tribunal Federal, então, a assertiva de que “não há como deixar de reconhecer como sendo a única interpretação constitucional admissível aquela que determina aos partidos políticos a distribuição dos recursos públicos destinados à campanha eleitoral na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos, sendo, em vista do disposto no art. 10, §3, da Lei de Eleições, o patamar mínimo de 30%. -V- 49. À primeira indagação, dessarte, se impõe resposta positiva. 50. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou Fundo Eleitoral, criado pela Lei no 13.487/174, formado com recursos eminentemente públicos com o objetivo de financiar campanhas eleitorais, deve observar uma participação correspondente ao percentual que a lei impõe às candidaturas de cada gênero. 51. Fundo Especial de Financiamento de Campanha e Fundo Partidário são ambos “recursos públicos destinados a campanha eleitoral” na dicção do Supremo Tribunal Federal. 52. Ubi eadem ratio ibi idem jus 53. Sendo ambos fundos públicos para custeio de campanhas eleitorais, um complementar ao outro, impossível que o princípio constitucional da igualdade não se irradie sobre ambos da mesma forma. - VI - 54. À segunda indagação, dessarte, se impõe também resposta positiva. 55. Na desejável hipótese de candidaturas femininas em patamar acima do piso de 30% não se apresenta razoável que as candidatas tivessem de ratear entre si o mesmo conjunto de recursos. Afinal, uma política de incentivo não pode piorar o quadro de financiamento de candidatas à medida que aumenta o volume de candidaturas femininas. 56. Tal leitura transformaria uma política de expansão da participação feminina em uma medida de sua contenção a apenas 30%, eis que seu crescimento implica redução do financiamento per capita de candidatas. 57. A fórmula do enunciado do Supremo Tribunal Federal determina aos partidos políticos a distribuição dos recursos públicos destinados à campanha eleitoral na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos. 58. Por conseguinte, os recursos públicos para as campanhas eleitorais devem ser divididos entre o conjunto de candidatas e o conjunto de candidatos na proporção existente entre esses dois conjuntos. Revista de Jurisprudência do COPEJE 213

- VII - 59. A terceira e quarta indagações também decorrem respostas afirmativas. 60. São semelhantes, respectivamente, à primeira e à segunda perguntas, apenas diferindo ao se referirem ao tempo de propaganda no rádio e na televisão em vez de recursos financeiros do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. 61. Em outras palavras, para fins de promoção de igualdade material de gêneros na política, tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão é equiparável aos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha ou do Fundo Partidário? 62. Primeiramente, há que se destacar a incorreção da denominação no Brasil do direito de antena como “propaganda eleitoral gratuita”. Não há gratuidade. O Estado paga pelo tempo no rádio e na televisão às emissoras e o disponibiliza aos partidos e candidatos. 63. Ou seja, são recursos públicos transferidos para suporte não privado de campanhas eleitorais. A única especificidade é que o Estado paga as emissoras e entrega aos partidos o tempo de propaganda eleitoral em rádio e televisão, rateado entre partidos por critérios fixados em lei. 64. O rateio intrapartidário, por seu turno, desse recurso de origem pública deve, como todos os demais subsídios públicos às campanhas eleitorais, respeitar a proporção entre as candidaturas masculinas e femininas não majoritárias. 65. Recursos públicos entregues para campanhas em espécie ou in natura devem obedecer o mesmo princípio da igualdade de gênero na política tal como afirmado pelo Supremo Tribunal Federal. 66. O simples fato de o Estado comprar o tempo de rádio e televisão para as campanhas eleitorais e o transferir aos partidos – em vez de dar-lhes recursos financeiros para que os partidos comprem as inserções no rádio e na TV – não tem o condão de permitir que esse patrocínio público de campanhas eleitorais fique imune ao princípio da igualdade e permita que se pratique discriminação de gênero na sua alocação. 67. Portanto, a mesma resposta afirmativa dada às duas primeiras perguntas deve ser atribuída às duas últimas perguntas - VIII - 68. Assim, entende o Ministério Público Federal que é necessário que o Tribunal Superior Eleitoral, tendo sido oportunamente provocado – antes de iniciado o processo eleitoral – sobre os reflexos do entendimento do Supremo Tribunal Federal, conheça da consulta, a fim de assegurar que as mulheres disponham de recursos para concorrer no pleito em igualdade de condições com os homens, em conformidade com o precedente estabelecido. 69. Em harmonização com a principiologia constitucional, o mínimo de recursos do fundo eleitoral ou do tempo de propaganda no rádio e televisão comprado pelo Estado para as campanhas eleitorais deve ser equiparado ao patamar mínimo de candidaturas femininas (art. 10, § 3o, da Lei no 9.504/97), de forma que 30% das candidatas tenham 214 Revista de Jurisprudência do COPEJE

direito a, no mínimo, 30% dos recursos, mantendo-se tal proporção na hipótese de percentual superior de candidaturas femininas. 70. Diante do exposto, o Ministério Público Eleitoral manifesta-se no sentido de se responder afirmativamente aos quatro quesitos formulados na presente consulta. Revista de Jurisprudência do COPEJE 215

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COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL JÚLIO ALCINO DE OLIVEIRA NETO (JUIZ DO TRE-PE) TRE-PE – Recurso Eleitoral nº. 120-93.2016.6.17.0133 TEMA Abuso de poder ELEIÇÕES 2016. RECURSO ELEITORAL. AIJE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. INELEGIBILIDADES DECLARADAS. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE CAMISAS. MATERIALIDADE. BENEFICIÁRIOS. CIÊNCIA OU PRÉVIO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE PROVA. EVENTO JUNINO. RECURSOS PÚBLICOS. DESVIO. INEXISTÊNCIA. PROPAGANDA EXTEMPORÂNEA. CONFIGURAÇÃO. PRECLUSÃO. CONDENAÇÕES AFASTADAS. PROVIMENTO DO RECURSO. 1. Faz-se imprescindível prova da ocorrência do ilícito nuclear do abuso (distribuição gratuita de bens) e da responsabilidade direta ou indireta, da participação, ciência ou prévio conhecimento dos supostos beneficiários. 2. Para se provar o abuso, sem comprometimento de valores fundamentais do Estado Democrático de Direito (presunção de não culpabilidade), deve-se demonstrar, primeiramente, a ocorrência dos ilícitos nucleares, ou seja, a distribuição ilegal de bens ou vantagens, bem como a participação direta ou indireta dos supostos beneficiários investigados (ou, ao menos, o prévio conhecimento ou anuência), na prática de tais ilícitos nucleares. 218 Revista de Jurisprudência do COPEJE

3. Condenar com base em ilações ou presunção se mostra absolutamente temerário, pois o uso comum de camisas amarelas no município pode decorrer de simples manifestação voluntária de eleitores. 4. Hipótese em que restou ausente prova da materialidade do ilícito e do prévio conhecimento dos investigados recorrentes. 5. No evento junino impugnado, não se colacionou qualquer prova de que houve discurso de natureza política, realização de shows, espetáculos ou distribuição gratuita de bens em troca de promessa de voto. 6. Não houve configuração do abuso de poder político (emprego de bens ou dinheiro público para promoção pessoal) e, sim, prática de infração eleitoral isolada, que resultaria em propaganda extemporânea - art. 36 da Lei n.º 9.504/1997. 7. O reconhecimento da propaganda irregular e respectivo sancionamento resultaria numa reformatio in pejus, porquanto referida repercussão jurídica dos fatos (propaganda antecipada) não foi considerada na condenação. 8. Levou-se em conta que o pedido específico da AIJE proposta não traz embutida (nem poderia trazer, em face da inadequação de ritos) pretensão cumulada, referente à apontada propaganda extemporânea (Lei n.º 9.504/1997), mormente porque ultrapassado o prazo para esse tipo de representação. 9. Provimento do recurso manejado, para, reformando a sentença, absolver os investigados recorrentes das imputações formuladas na presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral. VOTO De proêmio, verifico que todos os requisitos de admissibilidade do recurso se encontram presentes. Portanto, conheço do recurso e passo à análise de seu mérito.  Como relatado, a presente ação se baseou em diversos fatos imputados aos recorrentes:  - Realização de propaganda institucional para promoção pessoal dos candidatos; - Realização de captação ilícita de sufrágio na distribuição de camisas em troca de votos; - Abuso de poder econômico, consistente na distribuição de camisas amarelas; - Abuso de poder político na realização de evento junino com intuito eleitoreiro.  Não obstante, apenas os dois últimos fatos foram acolhidos pela juíza sentenciante: confecção maciça de camisas amarelas, com distribuição gratuita a eleitores, e realização de festa junina, sob patrocínio público municipal, no intuito desvirtuado de promover pessoalmente os candidatos investigados, ora recorrentes. Como de praxe, farei análise em separado de cada ponto relevante da presente pretensão recursal. Revista de Jurisprudência do COPEJE 219

1. NECESSIDADE DE PROVA DA OCORRÊNCIA DO ILÍCITO NUCLEAR DO ABUSO (DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS) E DA RESPONSABILIDADE DIRETA OU INDIRETA, DA PARTICIPAÇÃO, CIÊNCIA OU PRÉVIO CONHECIMENTO DOS SUPOSTOS BENEFICIÁRIOS É fato que distribuição gratuita de bens ou vantagens a potenciais eleitores, em troca do voto, é ilícito eleitoral capitulado no artigo 41-A da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), podendo acarretar inelegibilidade por oito anos, segundo a alínea “j” do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90 (Lei de Inelegibilidades). No campo penal-eleitoral, também é de conhecimento geral que a conduta de fornecer bem em troca de voto está prevista no tipo penal do artigo 299 do Código Eleitoral, sancionada com reclusão de até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa. Caso a prática da captação eleitoral seja comum, sistemática e organizada, a conduta lesiva praticada em massa – além de configurar captação de sufrágio pelo 41-A em cada caso – pode também ser sancionada como abuso de poder político e/ou econômico. Foi o que ocorreu nestes autos, consoante entendimento extraído da sentença condenatória.  Portanto, a compra do voto pode, a um só tempo, ser elemento nuclear e pressuposto fático integrante de vários ilícitos, averiguados individual ou coletivamente, a depender do contexto processual analisado. Portanto, para se provar o abuso, sem comprometimento de valores fundamentais do Estado Democrático de Direito (presunção de não culpabilidade), deve-se demonstrar:  I) Primeiramente a ocorrência dos ilícitos nucleares, ou seja, a distribuição ILEGAL de bens ou vantagens; II) A participação direta ou indireta dos supostos beneficiários investigados (ou, ao menos, o prévio conhecimento ou anuência), na prática de tais ilícitos nucleares. Não se está aqui a olvidar a maior elasticidade, empregada pelo Poder Judiciário, na consideração do elemento “culpa” para a configuração da responsabilidade.  Ocorre que – diferentemente do fixado pela magistrada de primeiro grau (fls. 239) – deve ser exigido elementos mínimos para imposição das gravosas sanções aplicadas (inelegibilidade e cassação dos diplomas expedidos), sob pena de inaugurarmos uma “responsabilidade sem culpa” ou “por atos exclusivos de terceiros”. Com efeito, para a configuração da responsabilidade dos supostos beneficiários, deve ser aferido, ao menos, o prévio conhecimento dos fatos que estariam sendo apontados como irregulares. A propósito (com nossos destaques): [...] 2. A atual jurisprudência do Tribunal não exige a prova da participação direta, ou mesmo indireta, do candidato, para fins de aplicação do art. 41-A da Lei das Eleições, bastando o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral, elementos esses que devem ser aferidos diante do respectivo contexto fático. No caso, a anuência, ou ciência, da 220 Revista de Jurisprudência do COPEJE

candidata a  toda a significativa operação de compra de votos é fruto do envolvimento de pessoas com quem tinha forte ligação familiar, econômica e política (Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Contra Expedição de Diploma nº 755. Relator: Arnaldo Versiani Leite Soares. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 28 set. 2010) [...] 5. A desnecessidade de comprovação da ação direta do candidato para a caracterização da hipótese prevista  no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 não significa dizer que a sua participação mediata não tenha que ser provada. Por se tratar de situação em que a ação ou anuência se dá pela via reflexa, é essencial que a prova demonstre claramente a participação indireta, ou, ao menos, a anuência do candidato em relação aos fatos apurados. (Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão no Recurso Especial Eleitoral nº 144. Relator: Henrique Neves da Silva. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 15 ago. 2014). Portanto, diversamente da conclusão tomada pelo juízo de primeiro grau, mostra-se imprescindível a prova da existência da irregularidade (distribuição de camisas) e do prévio conhecimento dos beneficiários investigados, ora recorrentes. Condenar com base em ilações ou presunção se mostra absolutamente temerário, pois o uso comum de camisas amarelas no município pode decorrer de simples manifestação voluntária de eleitores, como será explanado abaixo. Fixadas essas relevantes premissas, passo a analisar as questões de mérito propriamente ditas. 2. DA SUPOSTA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DAS CAMISAS: AUSÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DO ILÍCITO E DO PRÉVIO CONHECIMENTO DOS INVESTIGADOS RECORRENTES A existência de eleitores trajando camisas nas cores de determinada campanha, em manifestação de apoio a certo candidato, além de rotineiro (principalmente nos pequenos municípios do interior), é perfeitamente legal (desde que não haja manifestação coletiva abusiva, em bloco uniforme, vedado pelo art. 39-A, § 1º, da Lei n.º 9.504/1997). Interessante se ressaltar que a parte investigante, ora recorrida, também teve a seu favor manifestação volumosa de simpatizantes nas cores de seu partido (cor verde) – fls. 81/84.  Outrossim, sob outro viés, sabe-se que o uso de vestuário padronizado por cabos eleitorais também é permitido. A propósito: RECURSO ORDINÁRIO. REPRESENTAÇÃO. ARTIGO 30-A DA LEI N. 9.504/97. GASTO ILÍCITO DE RECURSOS. NÃO-OCORRÊNCIA. CAMISETAS PADRONIZADAS DISTRIBUÍDAS A CABOS ELEITORAIS. REFERÊNCIA AO CANDIDATO. AUSÊNCIA. LIMITE PREVISTO NO ARTIGO 27 DA LEI N. 9.504/97. PROVIMENTO.  1. A organização de cabos eleitorais por meio de camisetas que não ostentem identificação relacionada às eleições ou ao candidato em disputa não contraria o disposto no artigo 39, § 6º da Lei n. 9.504/97. 2. Não aplicável, no caso, a  sanção prevista no artigo 30-A  da Lei n. 9.504/97. Revista de Jurisprudência do COPEJE 221

3. Recurso ordinário provido para afastar a cassação do diploma expedido em favor do recorrente. (Recurso Ordinário nº 1.449/GO, rel. Min. Eros Grau, em 31.3.2009.) ELEIÇÕES 2006. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO  CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. CABOS ELEITORAIS. UNIFORME. UTILIZAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DESCARACTERIZAÇÃO. DECISÃO   AGRAVADA. FUNDAMENTOS INATACADOS.  1. A utilização de uniforme por cabos eleitorais não  implica nas condutas descritas no § 6º do art. 39 e no art. 41-A da Lei nº 9.504/1997. 2. O agravante deve atacar especificamente os fundamentos  da decisão agravada, não se limitando a reproduzir as razões do pedido indeferido, a teor da Súmula- STJ nº 182. Decisão agravada que se mantém pelos seus próprios fundamentos. 3. Nesse entendimento, o Tribunal negou provimento ao agravo regimental. Unânime. (Agravo Regimental no Recurso contra Expedição de Diploma nº 695/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski, em 8.10.2009, Informativo nº 32/2009) De mais a mais, a interpretação sistemática da lei também nos permite concluir pela regularidade da distribuição de camisas no âmbito da convenção intrapartidária. Segue precedente desta casa (com nossos destaques): RECURSO ELEITORAL. AIJE. ABUSO DE PODER POLÍTICO. CORES. CAMPANHA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. DISTRIBUIÇÃO DE CAMISAS. CONVENÇÃO PARTIDÁRIA. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.  1 - A utilização, em campanha eleitoral, das cores características da administração municipal não constitui abuso de poder político. Precedentes.  2 - É permitido o uso de camisetas nas cores da campanha eleitoral na data da convenção, o que caracteriza propaganda intrapartidária.  3- Não comprovado nos autos a distribuição das camisas, resta impossibilitada a configuração de abuso de poder econômico. (TRE-PE - Recurso Eleitoral RE 107271 - Data de publicação: 22/02/2013). Com isso, quer se asseverar apenas que o mero uso de cores pelos eleitores é fato comum, banal, corriqueiro, habitual, prosaico e rotineiro na realidade das campanhas, principalmente em pequenos municípios do interior. Não se consubstancia, por si só, em ilícito.  A manifestação regular de preferência é direito do eleitor, proveniente da liberdade de posicionamento político, expressão constitucional do exercício da cidadania e aspecto republicano decorrente da pluralidade democrática que caracteriza nosso país. De forma muito diversa, para o êxito da presente ação, o investigante recorrido deveria demonstrar que as camisas utilizadas pelos transeuntes fotografados no dia da eleição foram DOADAS a mando dos recorrentes ou com prévio conhecimento deles. Não foi o que ocorreu nestes autos, no entanto. De fato, as provas colacionadas são demasiadamente frágeis: - Os depoimentos testemunhais são inconclusivos; - As fotos anexadas (e as contidas nos CDs) apenas mostram fatos cotidianos de qualquer eleição (conjunto de eleitores, trajados com roupa amarela, caminhando em locais públicos, sem indício de tipificação no já mencionado art. 39-A, § 1º); 222 Revista de Jurisprudência do COPEJE

- A degravação de fls. 07 apenas aponta para uma encomenda de camisas, não deixando claro de que camisas se tratava, qual origem ou destino desses bens; - O depoimento do autor da conversa gravada, Francisco Gleyton da Silva Barbosa, consignado às fls. 157/159 dos autos, é bastante evasivo e não confirma os fatos imputados aos investigados. - O vídeo em que aparece um veículo (fls. 19), de onde supostamente se entrega camisas, é precário, não possui data provada, não tem identificação do veículo, do motorista ou sequer se sabe o tipo de camisa que se está distribuindo; - A nota de compra de camisas de fls. 23 não possui comprador identificado; - A quebra do sigilo bancário nada prova. Da mesma forma, não há nos autos qualquer prova do prévio conhecimento de qualquer esquema de distribuição de camisas por parte dos investigados recorrentes. O depósito de inúmeras camisas amarelas em cartório eleitoral, APÓS REALIZADAS AS ELEIÇÕES, ou seja, nos dias 06, 07 e 14/10/2016, não possui a aptidão de provar o conjunto dos ilícitos imputados (transferência gratuita de bens aos eleitores). Ora, não se sabe ao certo quem são os eleitores cooptados, de onde surgiram tais camisas ou quem determinou sua confecção. Se era fato público e notório, de grande monta e praticado durante todo o período eleitoral (fls. 320), por que os interessados não denunciaram às autoridades competentes (ex.: polícia, promotor ou juiz), ao tempo das ocorrências (ou seja, em flagrante delito), a distribuição ilícita de material? Se as infrações ocorriam “diante dos olhos da magistrada e do promotor eleitoral” (fls. 319), por que não se noticiou, nestes autos, a ocorrência de apreensão de material (no exercício do poder de polícia judicial) ou prisão em flagrante, por corrupção eleitoral (CE art. 299)? Os argumentos são frágeis e tardios. Depósitos de camisas não provam a sua prévia distribuição gratuita. Fazendo-se uma analogia grosseira, o depósito da droga, sem identificação da origem ou da posse, não prova a autoria do respectivo tráfico prévio. Pelas fotos acostadas à exordial (fls. 27/32), percebe-se que as camisas não possuem inscrições (são “lisas”), supostamente confeccionadas por duas fábricas (à vista das etiquetas).  Ora, uma eleição não pode ficar à mercê de uma presunção proposta por meio de depósitos de camisas sem origem ou identificação dos eleitores cooptados: numa hipótese inconcebível, bastaria o candidato derrotado ou adversário político vir a cartório, depositar bens uniformes e atribuir sua doação gratuita ao candidato vencedor. Outrossim, não há possibilidade física de se averiguar a uniformidade do TECIDO ou a ORIGEM das camisas apenas pela análise das fotos colacionadas. Seria necessário muito mais para se chegar à certeza da uniformidade de material: apreensão em flagrante dos materiais utilizados, o que não se noticiou nos presentes autos. Diga-se, aliás, que a própria juíza sentenciante também chega na mesma conclusão sobre ausência total de provas. Cito excerto da sentença (fls. 239v): Revista de Jurisprudência do COPEJE 223

“De fato não é possível dizer que os investigados Everton Costa e Jaécio Bizarro de Sá efetivamente distribuíram tais camisas ou que praticaram captação ilícita de sufrágio, nesse ponto acolhe razão à defesa, pois não há nos autos nenhuma prova nesse sentido.” Prossegue a juíza: “No entanto, conforme já suficientemente explicado, tal circunstância não é requisito para configuração do abuso de poder, o qual deve ser aferido de forma objetiva, bastando que haja prejuízo à normalidade e legitimidade da eleição” (fls. 240). Ora, como já dito no primeiro capítulo deste voto, equivoca-se a juíza quando dispensa, inclusive, o prévio conhecimento dos condenados (fls. 329). No Estado que se pretende Democrático de Direito não há como se condenar sem qualquer prova, sequer da anuência. Repita-se: o só fato do uso, por parte do eleitorado, de vestimenta com cores que denotam apoio a candidato “A” ou “B”, nada prova. Não se pode fragilizar o pleito realizado com base em mera suposição. Sobre o assunto, cito recente precedente desta Corte, sobre caso bastante semelhante (com nossos destaques): AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PROCEDÊNCIA. INELEGIBILIDADE. MULTA. 1. Com base no art. 333, inciso I, do Código de Processo Civii, incumbe o ônus da prova a quem alega e, no caso sub judice, a Coligação recorrida não logrou êxito em comprovar o alegado - que as aludidas camisetas destinavam-se a eleitores, com vistas a alterar o resultado do pleito. 2. Diante da gravidade das penalidades impostas, quais sejam: declaração de inelegibilidade por 8 (oito) anos, cassação do registro ou do diploma dos candidatos diretamente beneficiados, bem como aplicação de muita, a jurisprudência firmou- se no sentido de que a condenação por captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico exigem prova robusta, contundente da presença dos seguintes requisitos: participação direta ou indireta do candidato nos fatos tidos por ilegais, bem como a benesse ter sido ofertada em troca de votos. 3. Provimento da pretensão recursal. (RECURSO ELEITORAL nº 131-87.2012.6.17.0093 - Classe 30a – Julgamento em 19 de janeiro de 2016 – RELATORA: DESEMBARGADORA ELEITORAL ÉRIKA DE BARROS LIMA FERRAZ). 3. ABUSO DE PODER POLÍTICO EM EVENTO JUNINO: USO DE CAMISAS COM APELO ELEITORAL Compulsando-se os autos, chego à mesma conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral: de fato, há prova do uso de camisas, por parte de alguns correligionários, contendo apelo eleitoral (com inscrição: “Avança Trindade” na parte de trás das camisas) e alusões ao futuro número de campanha (40). No entanto, não há qualquer prova de que houve discurso de natureza política, realização de shows, espetáculos ou distribuição gratuita de bens em troca de promessa 224 Revista de Jurisprudência do COPEJE

de voto. Não houve configuração do abuso de poder político (emprego de bens ou dinheiro público para promoção pessoal) e, sim, prática de infração eleitoral isolada, que resultaria em propaganda extemporânea – art. 36 da Lei n.º 9.504/1997. Como bem pontuou o representante do Ministério Público Eleitoral no 2º grau, o reconhecimento da propaganda irregular e respectivo sancionamento resultaria numa reformatio in pejus, porquanto referida repercussão jurídica dos fatos (propaganda antecipada) não foi considerada na condenação. Sob outro aspecto, leva-se em conta que o pedido específico da AIJE proposta não traz embutida (nem poderia trazer, em face da inadequação de ritos) pretensão cumulada, referente à apontada propaganda extemporânea (Lei n.º 9.504/1997), mormente porque ultrapassado o prazo para esse tipo de representação. Sobre o prazo decadencial (ou falta de condição da ação, para alguns) para propor a representação baseada nessa irregularidade (com nossos destaques): Representação. Propaganda antecipada. [...] 1. A representação para apurar prática de propaganda eleitoral irregular, com violação à Lei nº 9.504/97, deve ser ajuizada até a realização do pleito, sob pena de reconhecimento da perda do interesse de agir do representante. [...] (Ac. de 19.5.2011 no R-Rp nº 295549, rel. Min. Marcelo Ribeiro; no mesmo sentido o Ac. de 31.5.2011 no REspe 251287, rel. Min. Nancy Andrighi e o Ac. de 18.12.2007 no AgRgREspe nº 27288, rel. Min. Gerardo Grossi.) 4.CONCLUSÃO Ex positis, discordando em parte da Procuradoria Regional Eleitoral, VOTO pelo PROVIMENTO do recurso manejado, para, reformando a sentença, ABSOLVER os investigados recorrentes das imputações formuladas na presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral. É como voto, Senhor Presidente. Recife, 29 de maio de 2017. JÚLIO ALCINO DE OLIVEIRA NETO DESEMBARGADOR RELATOR Revista de Jurisprudência do COPEJE 225

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA (JUIZ DO TRE-SC) TRE-SC – Recurso Eleitoral nº. 670-73.2012.6.24.0088, Acórdão nº. 28812 TEMA Abuso de poder ELEIÇÕES 2012 - PRELIMINARES - PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO JULGAMENTO (art. 265, IV, alíneas do CPC). AUTONOMIA DAS ESFERAS CRIMINAL E ELEITORAL. Ademais, a suspensão do processo no caso atenta contra a razoável duração do processo, de acordo com o art. 97 da lei das eleições. Pedido indeferido. LEGALIDADE DO COMPARTILHAMENTO DE INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS COLHIDA NO JUÍZO CRIMINAL - MATÉRIA APRECIADA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - Lei n. 9.296/96 - Art. 5º, inciso XII, CF/88 (Precedentes STF: Pet 3683 QO/MG. Min. Cezar Peluso 13/08/2008; Tribunal Pleno. Publicação DJe-035, 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009; STJ, MS 14226/DF, Ministro Adilson Vieira Macabu Terceira Seção Data do Julgamento 10/10/2012 Data da Publicação/Fonte DJe 28/11/2012). DESNECESSIDADE DE DEGRAVAÇÃO - Interpretação jurisprudencial do art. 6º, § 1° da Lei n. 9.296/1996. Provimento parcial do recurso dos recorrentes para desconsideração de áudios não juntados. (Precedentes: Inq. 2424, Relator Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2008; no Superior Tribunal de Justiça, o HC 91.717/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/12/2008, DJe 02/03/2009). IMPEDIMENTO 226 Revista de Jurisprudência do COPEJE

DO PROMOTOR DE JUSTIÇA - Ausência de participação da colheita da prova - Inexistência. AUSÊNCIA DE JUNTADA DA DECISÃO QUE DEFERIU A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - Ofensa ao art. 93, IX, artigo 5º, inciso XII da Constituição da República e Lei n. 9.296/1996 reconhecidos -Irregularidade formal que se deixa de proclamar, em razão da falta de prejuízo para os recorrentes e que foi devidamente saneada. AUSÊNCIA DA OITIVA DO RECORRENTE E DE TESTEMUNHAS. INCIDÊNCIA NA ORDEM INTERNA DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA), DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS E DO PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS - Status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos, por força do art. 5º, § 2º da CF/88. Possibilidade do controle de convencionalidade (doutrina de Flávia Piovesan e Cançado Trindade). Ausência de violação à ampla defesa e contraditório na falta de interrogatório do recorrente. Inteligência do art. 8º, 2, D, Convenção Americana de Direitos Humanos, art. X e XI da Declaração Universal dos Direitos Humanos e art. 3º, “b” e “d” do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. (Precedentes STF e STJ RHC 7.463, rel. Min. Vicente Cernecchiaro). ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO - ART. 22, DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990. CONDUTA VEDADA ART. 73, INC. I E III, DA LEI N. 9.504/97. Ampla utilização de servidores públicos, carros e de telefones da Administração para a realização de campanha eleitoral. Reconhecimento de condutas desviantes do necessário e saudável exercício da vereança e da função pública em favor de candidaturas. Pavimentação de rua em prejuízo das reais necessidades da população, ligação irregular de luz, pavimentação da região em derredor da casa de vereador, utilização da retroescavadeira estatal, doação de óculos, distribuição de macadame em desconformidade com os parâmetros assinalados pelo TRESC (Precedentes TRE/SC: Acórdão n. 27.905 Guaramirim (Massaranduba), rel. Juiz Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Acórdão n. 28.024, Relatora Juíza Bárbara Lebarbenchon Moura Thomaselli, Acórdão n. 28.045, Relator Juiz Luiz Cézar Medeiros) “[...]caracteriza-se o abuso de poder quando demonstrado que o ato da Administração, aparentemente regular e benéfico à população, teve como objetivo imediato o favorecimento de algum candidato [...] (Acórdão TSE n. 25.074, de 20.9.2005, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - ART. 41-A da Lei n. 9.504/97.- 1. Promessa de emprego ou função pública. Negociação para contratação de pessoa, não para servir a Administração, por conta de um vínculo de confiança que pode repousar sim em vínculos partidários, mas em terceirizar o pessoal da campanha, pagando-o com dinheiro público, para que este atuasse nas questões particulares de seu benfeitor e orientasse o seu voto. Presença dos requisitos: (i) promessa e negociação e do (ii) liame entre o candidato e o eleitor (iii) com vistas ao voto. 2. Compra de voto e de apoio político caracterizados. “A verdadeira política não deveria dar um passo sem haver rendido, antes de tudo, homenagem à moral. Unida a esta, já não é uma arte difícil e complicada; a moral corta o nó que a política é incapaz de desatar... É preciso ter por sagrados os direitos do homem: para isso deveriam os soberanos fazer os maiores sacrifícios. Não Revista de Jurisprudência do COPEJE 227

é o caso de dividir-se entre o direito e a utilidade. A política deve prosternar-se ante a moral...” (KANT, Emmanuel. “A Paz Perpétua”. Editora Vecchi: RJ, tradução de Galvão de Queiroz, 1.944, p. 12). SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PENAS DE CASSAÇÃO DE DIPLOMA E INELEGIBILIDADE MANTIDAS. INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS E CONSEQUENTE MAJORAÇÃO DA PENA DE MULTA APLICADA. Vistos etc. A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, por maioria de votos - vencida a Juíza Bárbara Lebarbenchon Moura Thomaselli no que se refere às questões preliminares de prejudicialidade externa e da ilicitude da prova emprestada, as quais acolhia, e vencido o Juiz Ivorí Luis da Silva Scheffer, que acatava as prefaciais de necessidade de degravação das escutas telefônicas e de oitiva do réu Célio Dias -, em afastar as preliminares suscitadas, e também por maioria de votos - vencida a Juíza Bárbara Lebarbenchon Moura Thomaselli, que dava provimento aos recursos interpostos por Fábio Fiedler, Robinsom Soares, Almir Vieira, Braz Roncáglio e Célio Dias e negava ao do Ministério Público Eleitoral e vencidos o Juiz-Relator e o Juiz Ivorí Luis da Silva Scheffer no que se refere ao recurso de Célio Dias, ao qual davam provimento parcial - dar parcial provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral e negar provimento aos recursos de Braz Roncáglio, Fábio Allan Fiedler, Robinsom Fernando Soares, Almir Vieira e Célio Dias, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante da decisão. Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral. Florianópolis, 16 de outubro de 2013. JUIZ MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA RELATOR VOTO (...) Uma outra preliminar esgrimida com esmero por Célio Dias aponta, conforme certidão de fls. 263, a impossibilidade de carga dos autos do processo. A proibição da carga não parece ter afastado o acesso, por meio de vistas dos autos do processo, até porque a defesa foi muito bem elaborada e no prazo legal, reportando-se a vários documentos aqui contidos. E se sabe que no curso do prazo comum, como na hipótese da certidão, os autos do processo não devem sair do cartório. Também pela defesa de Célio foi ressaltada que a não oitiva de algumas de suas testemunhas e do próprio recorrente violam o inciso VI, art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, igualmente, o art. 5º, inciso LV e o art. 8º, 1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). 228 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Não desconheço que o devido processo legal, especialmente na sua concepção inicial, contém o direito de ser ouvido, posteriormente tratado pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos como o “direito a um dia na Corte” (a day in Court). Isto, todavia, deve ser compreendido como o direito fundamental da parte de ter seus argumentos apreciados pelo juízo competente, mas não do ato específico do interrogatório do investigado ou da oitiva de todas as suas testemunhas. Noutro plano, igualmente reconheço a seriedade da tese da defesa e a incidência na ordem interna Convenção Americana de Direitos Humanos e dos tratados internacionais pertinentes (Declaração Universal dos Direitos do Homem - mesmo não sendo tratado a doutrina admite sua vinculatividade por força do costume internacional - e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos), os quais tem a hierarquia normativa integrante do chamado “bloco de constitucionalidade” na expressão literal do art. 5º, parágrafo segundo da Constituição da República. Pelo menos a partir do precedente no RE n. 466.343/SP, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido o status constitucional dos tratados de direitos humanos, nos quais se inclui a mencionada convenção, afastando-se da paridade com a lei federal afirmada no RE 80.004, Min. Xavier Albuquerque de 1.977, no que toca exclusivamente aos tratados de direitos humanos. Possível, assim, o controle de convencionalidade da sentença ou de qualquer ato normativo, com fundamento na norma de matriz constitucional, trazida ao direito interno por meio do tratado, em face da abertura constitucional do art. 5º (Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. Saraiva : SP, 14 edição, p. 65-177), conforme alerta do Min. Celso de Mello, RE 466.343/SP: O Juiz, no plano de nossa organização institucional, representa o órgão estatal incumbido de concretizar as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e reconhecidas pelos atos e convenções internacionais fundados no direito das gentes. Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição - e garante de sua supremacia - na defesa incondicional e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular. É bem verdade que a Corte Interamericana tem reconhecido o ilícito internacional em casos como a suspensão do habeas corpus (Parecer Habeas Corpus sobre suspensão de garantias de 1.987) e ausência de efetividade dos recursos formalmente previstos no ordenamento interno do Estado-parte (Garantias Judiciais em Estados de Emergência), tudo com o fito de preservação do Estado de Direito (Trindade, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Sérgio Antônio Fabris: Porto alegre. 1.997, Vol. I, 1º edição. 421-430). E tem, de mesma forma, sido incisiva no controle de convencionalidade da legislação interna com vista à obediência dos tratados, em especial da Convenção Americana de Direitos Humanos, como se sabe dos Revista de Jurisprudência do COPEJE 229

precedentes Almonacid Arellano e outros versus Governo de Chile; La Cantuta v. Peru de 2.006; Boyce e outros v. Barbados de 2.007; Trabalhadores do Congresso v. Peru (Sagues, Nestor. El Control de Convencionalid em Particular Sobre las Constituciones Nacionales. La Ley, ano LXXIII, n. 35, Buenos Aires, edição de 19 de fevereiro de 2.009). O caso dos autos, no entanto, em que a parte foi representada por advogado, tendo direito à ampla defesa, descabe falar em violação do tratado mencionado. Consabido que a própria Convenção Americana em seu art. 8, 2, D refere-se à suficiência da defesa técnica: “d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;”. De igual modo, os artigos X e XI da Declaração Universal e art. 3, “b” e “d” do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Em adição, a presença física do recorrente para expor suas razões não tem pertinência à discussão nestes autos, sendo desnecessária. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, deu vazão ao pedido de um réu, com fundamento na mesma tese, mas fundado em dispositivo da Lei de Execução Penal, cujo conteúdo exigia sim a presença física do réu para avaliação das suas condições para fins de cumprimento de pena. Com efeito, no RHC 7.463, o eminente rel. Min. Vicente Cernecchiaro reconheceu este direito, fundado no tratado aqui versado, em julgamento em 23 de junho de 1.998, muito embora este argumento não reste evidente da leitura da ementa: “O regime de cumprimento da pena é determinado na sentença condenatória, admitida transferência a regime mais severo. Impõe-se, porém, ensejar direito de defesa ao condenado. Não basta a defesa técnica. Impõe-se, como condição prévia, a audição do condenado (LEP. art. 118, § 2º). Exigência do Direito Penal, da Criminologia e dos Direitos Humanos”. Inobstante seja sim o depoimento um importante instrumento de defesa, a manifestação apresentada por seus advogados colmatou a ausência deste ato formal, sem malferir o inafastável due process, como visto. Noutra quadra, o i. sentenciante, a quem se dirige a prova, deu por suficiente as gravações, testemunhas e demais documentos até então carreados e esta análise está correta. Finalmente, não houve a apresentação pelos recorrentes dos fatos probandos a serem esclarecidos pelas testemunhas não ouvidas. Afasto, destarte, as preliminares apontadas por Célio. Passo à análise do mérito. Segundo a exordial, os recorrentes foram beneficiários do “uso ostensivo do aparato do Município” em prol de suas campanhas. Houve, por meandro tortuoso, a tomada da Administração pelos recorrentes que realizaram “obras eleitoreiras”, com a “pavimentação de ruas situadas em bairros dotados de pouca infra-estrutura”, “sem qualquer estudo e preparação técnica, “com 230 Revista de Jurisprudência do COPEJE

desvio de material de outras obras regulares, resultando em baixa qualidade final”. Tal operação foi viabilizada pelo regime de mutirão, previsto na legislação paroquial (Lei n. 4.868, de 22 de agosto de 1.997), numa comunhão de esforços entre proprietários, o Município e uma empresa contratada. Neste modelo a URB – Companhia Urbanizadora de Blumenau “gerencia a arrecadação dos recursos” e “contrata os empreiteiros e faz o repasse dos valores finais”. Em resumo, são os seguintes ilícitos eleitorais: i) Engajamento de servidores municipais comissionados e efetivos nas respectivas campanhas eleitorais no horário de expediente; ii) Indicação de asfaltamento irregular de ruas com finalidade eleitoreira; iii) “intervenções eleitoreiras” na escolha das ruas a serem asfaltadas; iv) alteração do projeto Asfaltando Prá Gente com a diminuição da qualidade da pavimentação de ruas com projetos já aprovados para utilização do material em áreas que beneficiariam as candidaturas dos recorrentes; v) uso reiterado de veículos oficiais; vi) desvio de recursos e de materiais do Município e da URB; vii) indicativos de irregularidades na execução de projetos aprovados no BADESC; viii) interferência dos candidatos na escolha das ruas a serem pavimentadas ou reperfiladas; ix) corrupção eleitoral mediante a entrega de materiais a eleitores; x) contratação de servidores no período vedado. Não desconheço que a igualdade entre os candidatos não implica em necessidade de absenteísmo político partidário e que todo servidor público pode participar da vida política nacional. Já deixei assentado sobre o assunto: “A democracia e o consequente engajamento das pessoas, num ambiente de pluralismo político é um estado de coisas ao qual se aspira –, um objetivo, um princípio fundamental inscrito no art. 1º da Constituição da República. A democracia brasileira é uma democracia partidária, na qual a filiação é condição de elegibilidade (art. 14, § 3º, inciso V, da Constituição), unindo, deste modo, ainda mais, qualquer militância política – a um determinado partido”. A propósito, afirmei no Acórdão TRESC n. 28213, de 3.6.2013 (Salete), de minha relatoria: Aliás, a noção de igualdade, como regra do processo eleitoral - tem redundado em severos mal-entendidos. A igualdade buscada refere-se ao direito de voto, ao sistema eleitoral e à campanha eleitoral. É a igual participação política, a de um regramento comum, de decisões judiciais uníssonas para casos iguais, do não uso do poder público em prol de candidatura, porque até na arrecadação de recursos a desigualdade é a regra. O que se afirma é que todos os cidadãos devem ter direitos iguais de acesso aos cargos eletivos, malgrado a disparidade de riquezas entre eles. Segundo Jonh Rawls “a constituição deve tomar providências para reforçar o valor dos direitos iguais de participação para todos os membros da sociedade. Deve garantir uma oportunidade Revista de Jurisprudência do COPEJE 231

equitativa de participação e influência no processo político. (...) Historicamente, um dos principais defeitos do governo constitucional tem sido a sua incapacidade de assegurar o valor equitativo da liberdade política. (...) Assim, as desigualdades do sistema socioeconômico podem solapar qualquer igualdade política que possa ter existido em condições historicamente favoráveis. O sufrágio universal é um contrapeso insuficiente, pois, quando os partidos e as eleições não são financiadas por verbas públicas, mas por contribuições privadas, o fórum político fica tão condicionado pelos desejos dos interesses dominantes que raramente apresenta de modo adequado as providências essenciais necessárias para instituir um governo constitucional justo (Uma Teoria da Justiça. Martins Fontes: SP. 2.012, p. 277-278). Não por outra razão J.J. Canotilho já advertiu: “Todavia, a imposição constitucional da igualdade de oportunidades não pode transformar- se numa obrigação dos cidadãos a “abstinências” partidárias. O sentido útil da eficácia externa do princípio da igualdade reside na necessidade de submeter as organizações com caráter de domínio (ex. países com concentração monopolista de imprensa) ou visivelmente condicionadoras da liberdade do voto (ex. igrejas) a não violar o princípio da igualdade de oportunidades” (Direito Constitucional e Teoria da constituição. Almedina, p. 312). Pelo contrário, há um direito subjetivo de participação. Também entendi que as legítimas competências e o regular desempenho de uma função pública ainda que muitas vezes claramente produzam uma desigualdade material devem ser protegidas, não se podendo contra aquelas acenar-se com a regra da igualdade, conforme registrei no Acórdão TRESC n. 27.819, de 14.11.2012 (Brusque), de minha relatoria: (...) (...) A única forma de afastar tal participação ou, melhor dizendo, tê-la como ilícito eleitoral repousa mesmo no abuso do direito, numa manifestação avassaladora do poder econômico, do poder político, dos meios de comunicação, de tal modo a conspurcar a igual chance de participação política, o que não vejo no caso concreto. Todavia, isso sequer é alegado, porque o que se discute é a conduta em si, que não tem qualquer relevância na seara da ilicitude eleitoral. É preciso, destarte, indagar se o caso dos autos desborda da lídima atuação política do servidor público ou do agente político ao se integrar na advertência do parágrafo anterior. Desta forma, passo a discorrer sobre os ilícitos eleitorais, iniciando pelos contornos do abuso de autoridade. O que importa aqui é analisar a existência do abuso, o desvio de finalidade pública. Se as atribuições do agente público, Secretário, Servidor e Vereador 232 Revista de Jurisprudência do COPEJE

foram usados em prol de uma candidatura ou de uma campanha. No que diz respeito ao abuso do art. 22, inciso XIV, o bem tutelado é a normalidade e legitimidade do pleito, ressaltando-se aqui a desnecessidade da potencialidade, mas tão-somente da gravidade das circunstâncias para sua configuração na dicção do art. 22, XVI: Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor- Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (...) O abuso de poder pode ser definido como “uso indevido do cargo ou de função pública, com a finalidade de obter voto para determinado candidato”. Sua gravidade consiste na utilização do munus público para influenciar o eleitorado, com desvio de finalidade” (Instituições de Direito Eleitoral. Adriano Soares da Costa. 5º edição, DelRey, p. 478). E advirta-se ainda que o favorecimento imediato ao candidato, mesmo sendo um ato regular da Administração, pode ser considerado abusivo, porque isto é da natureza desse instituto: um ato aparentemente lícito com objetivos para além da legalidade. Pode-se dizer: um ato formalmente impecável com um vício material a inquiná-lo, como se lê do precedente abaixo: “[...] Distribuição de material de construção. Abuso do poder político e econômico. Caracterização. [...] Caracteriza-se o abuso de poder quando demonstrado que o ato da administração, aparentemente regular e benéfico à população, teve como objetivo imediato o favorecimento de algum candidato. Fraus omnia corrumpit.” Ac. N. 25.074, de 20.09.2005, rel. Min. Humberto Gomes de Barros. Sobre a adstrição do administrador à esta realidade afirma Maurício Ribeiro Lopes: “O administrador ao atuar não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Ao ter que decidir entre o honesto e o desonesto, por considerações de direito e de moral, e o ato administrativo produzido não se poderá contentar com a mera obediência à lei jurídica, exigirá também a superação das dicotomias morais e a estrita correspondência aos padrões éticos internos da própria administração”. (grifou-se) (Gênesis -Revista de Direito Administrativo Aplicado, abril de 1994, p. 72.) Em artigo sempre citado, em digressão histórica sobre o princípio da moralidade Antônio José Brandão cita Maurice Hariou como o primeiro a se referir ao tema, definindo moralidade administrativa como: ”O conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração: implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto; há uma moral institucional, contida na lei, imposta pelo Poder Legislativo, e há uma moral administrativa, que é imposta de dentro e que vigora no próprio ambiente institucional e condiciona a utilização de qualquer poder jurídico, mesmo discricionário”. (grifou-se) (Revista de Direito Administrativo nº 25, p. 455). Revista de Jurisprudência do COPEJE 233

Hely Lopes Meirelles, asseverou em outra parte: ”O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, em outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal”. (grifou-se) (Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros: SP, 21º Edição, 1996, p. 74). E de forma exemplificativa, Weida Zancaner, apontando os casos em que a moralidade resta violada aduz: “Em síntese, podemos dizer que o administrador afrontará o princípio da moralidade todas as vezes que agir visando interesses pessoais, com o fito de tirar proveito para si ou amigos, ou quando editar atos maliciosos ou ainda atos caprichosos, ou com o intuito de perseguir inimigos ou desafetos políticos, quando afrontar a probidade administrativa, quando agir com má-fé ou de maneira desleal”. (Revista Trimestral de Direito Público nº2, p. 204). Também se examina a prática de condutas vedadas dos incisos I e III do art. 73, da Lei das Eleições: Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; (...) III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado; O que importa aqui, conforme cabeça do art. 73, é a existência de uma desigualdade ilícita, causada por uma das causas encetadas nos incisos empreendida por agentes públicos. Rompe-se aqui com a livre participação política, de certo modo, alijando- se os concorrentes dos benefícios auferidos com a atuação temerária de agentes do governo, em favor de determinada candidatura, como a utilização de bens públicos e de servidores numa campanha eleitoral. Também cumpre destacar a singularidade da ação judicial de captação ilícita de sufrágio. Esta obedece à dicção do art. 41-A, da Lei das Eleições: Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da 234 Revista de Jurisprudência do COPEJE

candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Esta ação cuida da tutela da liberdade do eleitor, visando coibir práticas que atentem contra a escolha livre de seu candidato, afastada a mercancia do voto por meio de doação, oferecimento ou a mera promessa de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública. Daí porque a potencialidade da conduta é irrelevante (TSE- RESPE 21.324/MG; TSE-RESPE 21.264/2.004; TSE- Acórdão n2 3.510, relator Ministro Luiz Carlos Madeira, de 27.3.2003). Observo que deve haver – inexoravelmente - um liame entre a conduta do agente aliciador e o voto do eleitor, não se prestando para a definição desta captação ilícita de sufrágio a exposição de uma plataforma como a promessa de asfaltar as ruas da cidade. Na realidade, trata-se de relação negocial em que de um lado o eleitor promete ou compromete a sua intenção de votar por uma contrapartida do beneficiado ou alguém a ele ligado, como tem decidido o Tribunal Superior Eleitoral. Um acordo sinalagmático de vontades espúrias, pode-se definir: “[...]. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Descaracterização. Reexame de provas. Impossibilidade. Agravo desprovido. [...]. 2. Não é possível concluir, diante das circunstâncias descritas no aresto impugnado, que o bem prometido teria sido condicionado ao voto dos beneficiários. [...]. 4. Depreende-se do acórdão recorrido que, a despeito de o relator fazer referência ao tipo descrito no art. 73, IV, da Lei das Eleições, inexistiu a alegada desclassificação do ilícito do art. 41-A para a mencionada conduta vedada. [...].” NE: “[...] a candidata teria participado de reunião com os moradores de determinada comunidade, com o propósito de inscrevê-los em um programa governamental, garantindo a todos os presentes a percepção de fogão ecológico. [...] ainda que a reunião tenha tido viés eleitoral, não é possível concluir, diante das circunstâncias descritas no aresto impugnado, que o bem prometido teria sido condicionado ao voto dos beneficiários, estando ausente o caráter mercantilístico que o art. 41-A da Lei nº 9.504/97 visa coibir.” (Ac. de 20.5.2010 no AgR-REspe nº 36.132, rel. Min. Marcelo Ribeiro.) Na mesma direção, da necessária vinculação do voto à manifestação do candidato ou de seu preposto: “Recurso contra expedição de diploma. [...]. Deputado estadual. Manutenção de albergues. Assistência gratuita. Captação ilícita de sufrágio. Abuso do poder econômico. Descaracterização. Pedido de votos. Prova. Ausência. Recurso Desprovido. 1. A caracterização da captação ilícita de sufrágio exige a prova de que as vantagens e serviços foram condicionados ao voto do eleitor. [...].” (Ac. de 13.10.2009 no RCED nº 699, rel. Min. Marcelo Ribeiro.) De minha lavra, TRESC. Ac. n. 28.013, de 18.2.2013: Revista de Jurisprudência do COPEJE 235

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI N. 9.504/1997) - INCONSISTÊNCIA DOS DEPOIMENTOS COLIGIDOS E DAS DECLARAÇÕES PRESTADOS POR INSTRUMENTO PÚBLICO - DUBIEDADE DAS VERSÕES APRESENTADAS - FRAGILIDADE DA PROVA - NÃO CONFIGURAÇÃO. Para a configuração da captação ilícita de sufrágio prevista no art.41-A da Lei das Eleições, imprescindível a existência de conjunto probatório sólido, não só da troca de voto ou abstenção de votar por benesse, seja de que natureza for, mas, também da participação do candidato beneficiado, ainda que apenas por meio de ciência ou anuência. De todo modo, também é relevante dizer que a decisão na ação direta de inconstitucionalidade n. 4578 e ações declaratórias de constitucionalidade n. 30 e 29, de efeito vinculante e erga omnes (art. 28, parágrafo único da Lei n. 9.868 de 10 de novembro de 1.999 - Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal), publicada no dia 29 de junho de 2.012, deve ser vista como um novo marco teórico e paradigma obrigatório para a compreensão e estudo do ordenamento jurídico eleitoral. Também é importante afirmar que reconhecemos ainda a aplicação do efeito transcendente à coisa julgada, onde restariam obrigados todos, exceção da própria Corte, para além da parte dispositiva do acórdão, aí se incluindo os fundamentos determinantes da decisão, conforme reclamação n. 1.987/DF (2.003), e lição do Min. Celso de Mello nos autos do processo da RCL 4.999. Um fundamento determinante da decisão entremeado em várias manifestações vem na síntese do Min. Ayres Britto (fls. 257-383): “Então a Lei da Ficha Limpa tem essa ambição de mudar uma cultura perniciosa, deletérias, de maltrato, de malversão da coisa pública para implantar no país o que se poderia chamar de qualidade de vida política, pela melhor seleção, pela melhor escolha dos candidatos. Candidatos respeitáveis. Esse é um dos conteúdos do que estou chamando de princípio do devido processo eleitoral substantivo. O outro conteúdo é o direito que tem o eleitor de escolher pessoas sem esse passado caracterizado por um estilo de vida de namoro aberto com a delitividade, a delituosidade”. O Min. Joaquim Barbosa, de seu turno, apontou a lei complementar como o próprio Estatuto da Moralidade Eleitoral, fls. 57 do acórdão. Feitas essas considerações mais teóricas, para melhor estudo e aprofundamento dos autos do processo, elaborei a transcrição livre dos depoimentos em áudio sem a preocupação da literalidade e da completude, mas pincelando aquelas partes que considerei importantes. Posteriormente, são citadas em cada caso a pertinente transcrição do depoimento. (...) A sentença exarada, um primor de coerência, síntese e de análise pormenorizada da prova da lavra do Exmo. Juiz Eleitoral, Dr. Ricardo Rafael dos Santos aduz com precisão: 236 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Os episódios da reunião na rua 5 de Outubro, do café com a Pastora Zenilda e do almoço com Tubinha, tratados no dia 02/07/2012 (vide áudio 269), além da reunião com Brollo e com Valério no Bairro Progresso, em horário de sessão na Câmara de Vereadores (áudio 279) (segundo se afirma na defesa, foram prestar explicações a Valério sobre determinada obra pública) reforçam o entendimento de que Alexandre Brollo usou o prestígio do cargo de Secretário de Obras em favor da promoção eleitoral de Fábio. No áudio 306, de 05/07/2012, Alexandre Brollo pede para sua secretária ver na agenda do requerido Fábio o horário que ele tem vago, ao que ela informa que está livre entre as três e quatro horas e, então, Alexandre pede a ela que marque uma reunião, na Secretaria de Obras, às quatro horas, juntamente com Fábio, Raquel e Moacir, “mas tem que ser os dois juntos” (Bom lembrar que a secretária de Alexandre Brollo afastou-se da Secretaria de Obras e foi contratada pelo requerido Fábio para trabalhar em sua campanha). Ainda que a defesa se esforce para mostrar o contrário, não há como não vincular seguidas reuniões a propósitos eleitorais, pois elas ocorreram na véspera do período eleitoral e são completamente atípicas (aliás, a julgar pela data em que ocorreu a conversa acima referida (áudio 306), entre Brollo e a sua secretária, conclui-se que a reunião ali tratada ocorreu no período eleitoral). Observe-se que, na mesma conversa telefônica destacada um pouco mais acima (áudio 269), Alexandre Brollo avisa Fábio que acabou de receber as bombas da rua 25 de Julho, informação que no mesmo dia (talvez de imediato) foi publicada no facebook do requerido (f. 403). Parece evidente que se trata de informação privilegiada com finalidade eleitoral. Ninguém é ingênuo de imaginar que a publicação da informação no facebook tinha propósito apenas informativo ou de prestação de contas à comunidade. Eles estavam em plena campanha eleitoral, tanto que Alexandre Brollo não nega que, mesmo antes do início do período eleitoral, já trabalhava para o requerido (áudio 223). Noutra vertente, importante também reafirmar-se que, como me manifestei no Acórdão TRESC n. 28.051, de 11.3.2.013, uma vez não realizada a hipótese de incidência de uma conduta vedada, o mesmo fato não se pode subsumir à vagueza e indeterminação do abuso de poder, porque uma (conduta vedada) é espécie do mesmo gênero (abuso). Neste precedente afirmou-se que se a conduta vedada do art. 73 da Lei das Eleições inexiste (aumento dos vencimentos acima da recomposição salarial), porque se cuida de mera reposição salarial, tal diploma que majora vencimentos dos servidores não pode, por outro lado, significar ao mesmo tempo abuso de autoridade, como havia sido fixado na sentença. Por isso, cada conduta descrita deve ter análise individualizada. No entanto, o caso dos autos é de cumulação das sanções para o mesmo fato, porque ambas refletem o abuso da função pública e estão de tal modo imbricadas que não faz qualquer sentido apartá-las. No precedente mencionado, ao contrário, cuidava-se de rejeitar a imputação mais específica – afastar qualquer abuso com fundamento na Revista de Jurisprudência do COPEJE 237

conduta vedada e depois admiti-lo em razão do art. 22, da Lei Complementar n. 64/90, o que seria contraditório. O uso do carro, dos celulares estatais (mesmo sem custo para o Município nas ligações entre celulares funcionais, por conta do sistema de rádio como apontado por Brollo ou com o desconto do valor gasto com celular por Fábio de julho a outubro, conforme ofício n. 34/12, fls. 765) e a utilização dos serviços de servidores públicos no horário de expediente caracteriza as condutas previstas no conduta vedada dos incisos I e III do art. 73, da Lei das Eleições, sendo Fábio enredado na qualidade de inexorável beneficiário das condutas vedadas alinhadas, como bem dispôs a sentença. Os também autores das condutas vedadas (Brollo e Fumagalli) e a coligação não foram incluídos como réus neste processo e o pedido a eles não se estende. Observo que Fábio Fiedler não é mero beneficiário, mas direto responsável pela estruturação de uma campanha, tendo Brollo e Fumagalli agido, pela leitura que faço da prova - como extensão e por delegação direta do candidato. No que diz respeito ao valor da multa e à necessidade de fixação de penalidade para o uso do carro de propriedade do Município por Fábio Fiedler, razão assiste ao Ministério Público (II.9, individualização da pena de multa por infração, fls. 1158), quando apela pela sua majoração acima do mínimo legal, conforme assentado na r. sentença. Fixo, afastado o pedido do reconhecimento da reincidência, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a multa para Fábio Fiedler para cada um dos áudios a seguir (na qualidade de beneficiário e de responsável por todas as conversas e condutas vedadas) somados a R$ 5.000,00 pelo uso do veículo municipal totalizando R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), onde se verifica que o celular público e o servidor foram usados em prol dos interesses particulares na campanha política: 30 (Brollo e Fumagalli); 37 (Fumagalli); 120 (Fumagalli); 260 (Brollo); 269 (Brollo); 271 (Brollo); 304 (Brollo); 465 (Brollo); 331 (Brollo); 279 e 23. Quanto ao abuso de poder, conquanto reconheça que em alguns casos as condutas se incluem no exercício legítimo da função pública da vereança, de integrante da bancada governista - como auxiliar do Chefe do Executivo na escolha de ruas a serem pavimentadas, tal como se verifica nos específicos áudios 19, 20, e nos fls. 988- 1042 (indicações de várias ordens emitidas pelo Parlamento Municipal) outras há que merecem diverso desate. Assim é que em relação às condutas descritas nos áudios 21 (pavimentação de rua em prejuízo das reais necessidades da população, conforme reconhecimento dos próprios recorrentes), 23 (pavimentação da região em derredor da casa de Fábio Fiedler), 42 (distribuição de macadame em desconformidade com os parâmetros assinalados por este E. Tribunal. Acórdão TRE/SC n. 27.905 - Guaramirim (Massaranduba), rel. Juiz Luiz Antônio Zanini Fornerolli: acórdão TRESC n. 28.024, Relatora Juíza Bárbara Lebarbenchon Moura Thomaselli; acórdão n. 28.045, Relator Juiz Luiz Cézar Medeiros), 74 (utilização da retroescavadeira), 304 (conduta vedada e do abuso de poder econômico e político da Rua “Carlos Richibitter”), reconheço, de maneira clara, o desvio e o abuso da função pública, seja pelo seu viés político, seja pela sua repercussão econômica, para manter a condenação exarada de cassação de diploma de Fábio Fiedler 238 Revista de Jurisprudência do COPEJE

e de sua inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que os ilícitos ocorreram, com fundamento nos artigos 1º, I, “d” e “h” e 22, XIV, da Lei n. 64/90. Dessa forma, nego provimento ao recurso de Fábio Fiedler e dou provimento parcial ao recurso do Ministério Público, pois aumento a multa aplicada e entendo configurada a conduta vedada do inciso I, do art. 73 da Lei das Eleições, mas não considero caracterizada a alegada reincidência. Robinsom Fernando Soares De maneira bastante sintética, as imputações apontadas para Robinsom Fernando Soares são as seguintes e se assemelham aquelas atribuídas a Fábio: i) item 2.2.1.1., abuso de poder econômico e político; 2.2.1.1. usar serviços de agente público durante horário de expediente para campanha eleitoral, fls. 18; ii) item 2.2.1.2, o Ministério Público alega o uso pelo candidato Robinsom de dois celulares cadastrados em nome do Município de Blumenau; iii) Item 2.2.1.3., interferência política para inclusão de ruas a serem pavimentadas para promoção pessoal do representado, fls. 21. O caso da Rua Max Klabunde e da Rua Ângelo Vanelli; iv) Item 2.2.1.4., interferência política para que colaboradores de campanha fosse admitidos na URB) também replicado no recurso (fls. 1.1154). Colocação de placas na Rua Eça de Queiroz; v) Item 2.2.2.1., captação ilícita de sufrágio (distribuição vantagem pessoal – ticket combustível). Robinsom teria promovido a distribuição de tickets combustível; vi) Item 2.2.2.2., acusação de distribuição de vantagem pessoal (– comprometer- se com possíveis eleitores para solução de problemas particulares referentes a energia elétrica) como troca de lâmpadas e colocação de postes; vii) Item 2.2.2.3., entregar a eleitor vantagem pessoal em troca de voto e apoio político relacionada ao pagamento por apoio político a João Valle Neto e para Dalto dos Reis; viii) item 2.2.1.5. utilizar-se de seu cargo junto ao Município, bem assim de seus colaboradores, para obter favores de empresas particulares que prestam serviços para o Município A exordial narra que Robinsom exerceu o cargo de Diretor de Iluminação do Município até 4 de julho, quando foi exonerado e que, junto com Luciano Machado Felizardo, gerente de orçamentos e de composição de custos do Município, Victor Silveira Farias, responsável pelo setor técnico da URB, Cláudio Marcelo Zimmermann, Diretor de Eventos do Município e dos servidores Evers Sanson e Alfonso Espíndola, em seus horários de expediente, atuaram na campanha eleitoral. Luciano chegou a contribuir para a campanha de Robinsom, conforme a prestação de contas (item 2.2.1., Abuso de Revista de Jurisprudência do COPEJE 239

Poder Econômico e Político; 2.2.1.1. usar serviços de agente público durante horário de expediente para campanha eleitoral, fls. 18). Esta participação de servidores no horário de expediente ocorreu, por exemplo no dia 21 de junho de 2.012, a partir das 15:30, conforme prova dos autos (áudio 150). As fotos de fls. 185 mostram Victor e Luciano chegando no comitê. Luciano participou, no horário de seu expediente, dos eventos no dia 20 de julho de 2.012, às 11 horas (áudio 410) e no dia 19 em reunião com Robinsom, João Valle Neto e Dalto dos Reis no apartamento deste último. Com efeito, no áudio 410 (479991-85-84, 20/07/2.012, 09:37) Beretta explica o endereço para Luciano. No áudio 412 (479991-85-84, 20/07/2.012, 09:37) Luciano diz para Beretta que vai se atrasar, em razão de um chamado do Prefeito. Luciano afirma que Robinsom está com ele. Ambos eventos deram-se no horário de expediente. Sobre o uso de bens do Município e serviços custeados em benefício da campanha de Robinsom (2.2.1.2, fls. 20), o Ministério Público alega o uso pelo candidato Robinsom de dois celulares cadastrados em nome do Município de Blumenau. Na qualidade de agente público, diretor da SESUR, valeu-se dos telefone 47 9929-25-55 para realizar “contatos relativos à campanha eleitoral” (áudios 136, 138, 150, 161, 275 281, 285 e muitos outros). E também fez uso do telefone 47 92542116, cadastrado em nome do Município, após a sua desincompatibilização da Administração Pública (áudios 396, 476 e 569). Luciano Machado Felizardo (4799459341), Victor Farias (4799459496) e Cláudio Marcelo Zimmermann (4796047879) também fizeram uso dos telefones funcionais. Victor era o principal elo entre o candidato e os empreiteiros e Robinsom. Num desses encontros, ocorrido em 27 de junho de 2.012, numa quarta-feira, durante o expediente, com o empreiteiro Moisés Rodrigues, conhecido como Tchê. Victor usou o Fiat/Palio, placa MKE 5479, veículo locado para uso da URB (fls. 21). Os áudios 136, 138, 150, 161, 272, 281, 285, 396 não foram encontrados. Esta a síntese da peça inicial e das provas apresentadas. No áudio 476 (47 99459341, 24/07/2.012, 13:45) Luciano e Robinsom falam sobre a “conversinha lá com Dalto” e um deles é chamado de Chefe. E é indagado se deve levar algo para ele. O Chefe manda “levar uns 3”. No áudio 569 (47-99459496 e 47 92542116, 31/07/2.012, 8:52, transcrição de fls. 148) Robinsom indaga Victor “como ficou a rua do Israel” ao que Victor responde que estivera no comitê no dia anterior para se informar com o Capi sobre a metragem da rua, para calcular a quantidade do material. Robinsom diz para olhar com carinho, porque esta rua é do Israel. “A outra lá, a do Max Klabunde”, segundo Victor ”já estaria equacionada”. A prova de que celulares de propriedade estatal foram utilizados na campanha eleitoral e desviados da função relacionada ao cargo público exercido é evidente. De igual maneira, a utilização pela campanha dos servidores em horário de expediente. A utilização do carro, locado pela URB, por Victor é devidamente comprovado pela foto encartada na exordial. 240 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Em suma, parte da campanha de Robinsom valeu-se de mão-de-obra paga com dinheiro público, às expensas do Erário, com uso de bens de igual natureza, conformando-se à conduta vedada mencionada pelo Ministério Público. A sentença muito bem abordou a atuação dos agentes públicos e sua vinculação ao candidato: (...) Assim, em relação ao item 2.2.1., Abuso de Poder Econômico e Político; 2.2.1.1. usar serviços de agente público durante horário de expediente para campanha eleitoral, fls. 18, o uso do carro, dos celulares estatais e a utilização de servidores públicos no horário de expediente caracteriza as condutas previstas nos incisos I e III do art. 73, da Lei das Eleições, sendo Robinsom enredado na qualidade de inexorável responsável, agindo por interpostas pessoas, e também de beneficiário das condutas vedadas alinhadas, assumindo uma gravidade que reclama a cassação do diploma e a imposição de multa, como bem dispôs a sentença. No que diz respeito ao valor da multa e à necessidade de fixação de penalidade para o uso dos celulares do Município e carro em benefício de Robinsom, razão assiste ao Ministério Público (item II.4 do recurso de fls. 1.155), quando clama pela sua majoração acima do mínimo legal, conforme assentado na r. sentença, mantida a cassação do diploma pela inelegibilidade decorrente da configuração da conduta vedada. Fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a multa para por cada um dos áudios a seguir (na qualidade de beneficiário de todas as conversas e condutas vedadas) somados a R$ 5.000,00 pelo uso do veículo municipal (utilização do carro, locado pela URB, por Victor, Fiat/Palio, placa MKE 5479, fls. 21) totalizando R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais): i) 21 de junho de 2.012 Victor e Luciano visita ao comitê; ii) Luciano no dia 20 de julho de 2.012, às 11 horas (áudio 410); iii) dia 19 em reunião com Robinsom, João Valle Neto e Dalto dos Reis; iv) áudio 476 (47 99459341, 24/07/2.012, 13:45); v) Luciano; áudio 569 (47- 99459496 e 47 92542116, 31/07/2.012, 8:52, transcrição de fls. 148); vi) 254, 499, 514 e 230 (mencionados expressamente na sentença). No item 2.2.1.3. (interferência política para inclusão de ruas a serem pavimentadas para promoção pessoal do representado, fls. 21) é apontado que os investigados voltaram-se para a realização de obras de infra-estrutura, em razão do apelo eleitoral de tais atividades. Houve, assim, com seu auxiliares, a intermediação da pavimentação de ruas pelo sistema de mutirão para obtenção de votos. Robinsom procurava os proprietários dos imóveis da rua escolhida para ser pavimentada e realizava um “barateamento” da contrapartida do ente municipal com desvio de materiais, ausência de projetos, de engenheiros responsáveis, drenagem, sendo as ruas objeto de obras exclusivamente por serem ruas destinadas a fomentar a sua candidatura (áudios 137, 140 e 157). (...) Passo à análise dos áudios. Observa-se, com perplexidade, a pavimentação de ruas sem critério lógico, impessoal, eficiente, sem projeto, sem qualidade (“jogando asfalto em cima da rua, sem preparar base e subase”) um serviço público prestado em prejuízo de pessoas que estavam há Revista de Jurisprudência do COPEJE 241

três anos esperando o asfaltamento de sua rua (“os cara estão há três anos guardando dinheiro para fazer um mutirão”), a prevaricação de servidor público (Almir) ao permitir a continuidade de uma obra embargada (“eu até passei um pano porque era de vocês”), por capricho e preferência política pessoal pelo recorrente, o relacionamento indevido de “Tchê” com o coordenador da campanha Victor, com visitas em casa para “fechar um negócio”, a divisão da cidade em ruas de propriedade de candidaturas e de seus amigos (“rua do Israel”), sem qualquer pundonor (“Rua do Robinho”). (...) E claro o abuso de poder: “[...]caracteriza-se o abuso de poder quando demonstrado que o ato da Administração, aparentemente regular e benéfico à população, teve como objetivo imediato o favorecimento de algum candidato. [...] (Acórdão nº 25.074, de 20.9.2005, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros). Reconheço, pois, em relação ao item (2.2.1.3. - interferência política para inclusão de ruas a serem pavimentadas para promoção pessoal do representado, fls. 21) o abuso do poder econômico e político, impondo a Robinsom Soares as penalidades de cassação do diploma e declaração de inelegibilidade (art. 22, XIV, da Lei n. 64/90). Almir Vieira mereceria igual tratamento, mas não há imputação à sua pessoa em relação a este fato na exordial ( são as seguintes, conforme numeração do libelo inaugural; item 2.4.2. – contratação de um pedreiro; 2.4.1.2. desvio de material da URB para o Morro do SESTREM; 2.4.1 abuso de poder relacionado à inclusão de rua a ser asfaltada – Emília Piske). No item 2.2.1.4. (interferência política para que colaboradores de campanha fosse admitidos na URB) também replicado no recurso (fls. 1.1154), onde se menciona o caso de Jefferson de Souza da URB e de Maisa, esposa do gerente da Construpav, Gilberto Wilwert, contratada pela URB em novembro de 2.011 (áudio 295, 296, 298). Na mesma esteira conseguiu a contratação de Amarildo, a pedido de Moisés, sendo- lhe afiançado que “ditas pessoas trabalharia com afinco em sua campanha eleitoral” (áudio 164, 165, 231, 549). Da igual forma conseguiu a contratação de Maisa, esposa do gerente da Construpav, Gilberto Wilwert, contratada pela URB em novembro de 2.011, conforme áudios 463, 295 e 296. Analiso a prova. (...) Como já afirmado, a captação ilícita de sufrágio ocorre quando há mera promessa de bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública. Daí porque a potencialidade da conduta é irrelevante (TSE- RESPE 21.324/MG; TSE- RESPE 21.264/2.004; TSE- Acórdão n. 2 3.510, relator Ministro Luiz Carlos Madeira, de 27.3.2003). E deve existir ainda um liame entre a conduta do agente aliciador e o voto do eleitor, tratando-se de uma “relação negocial em que de um lado o eleitor promete ou compromete a sua intenção de votar por uma contrapartida do beneficiado ou alguém a ele ligado”, como já me referi. Cuidou-se da negociação para contratação de pessoa, não para servir a Administração, por conta de um vínculo de confiança que pode repousar sim em vínculos partidários, mas em terceirizar o pessoal da campanha, pagando-o com dinheiro público, para que este atuasse nas questões particulares de seu benfeitor e orientasse o seu voto, 242 Revista de Jurisprudência do COPEJE

obviamente, conforme declaração do próprio Amarildo: “se ele me dá uma força lá no, no, numa vaga lá eu faço campanha do começo ao fim para ele” (transcrição de fls. 28 do áudio 165). Tudo corroborado por “Tchê” em conversa com Robinsom, onde é admitido um contrato bilateral com o eleitor: “nós podemos ajudar ele e ele nos ajuda”. E Robinsom diz que “dá um jeito, que resolve”; que consegue colocar Amarildo dentro da URB (transcrição de fls. 28 do áudio 164). Pouco razoável, neste caso, dissociar a compra do apoio político da compra do próprio voto, porque em ambos os casos se trata de uma relação negocial que conspurca a liberdade do eleitor ao fazer da pecúnia instrumento de convencimento – o que deve ser impedido por esta Justiça Eleitoral. O apoio político pode se revelar como compra terceirizada de votos. De todo modo, aqui a presunção de que o voto está contido na negociação (na “ajuda”) parece-me correta, uma vez que não cabe ao intérprete fazer uma distinção inexistente no enunciado. As partes assumiram obrigações recíprocas: de um lado, a promessa do cargo, de outro, a ajuda do começo ao fim, sendo o fim da campanha, é claro, o voto. Ademais, dissociar o apoio político do voto é inviabilizar a efetividade da norma e se exigir que tais negociações escusas sejam documentadas com o rigor das escrituras lavradas por um notário público. Em suma, mesmo se considerada lícita a compra de apoio político por uma mitigação jurisprudencial- eufemismo para definir a compra terceirizada de votos, reconheço a captação ilícita de voto, o de Amarildo, por meio de promessa de empregou ou função pública, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Nada obstante, seja também conduta abusiva (art. 22, da Lei das Inelegibilidades), em razão da (i) promessa e da (ii) negociação e do (iii) liame entre o candidato e o eleitor com vistas ao voto, entendo que tal conduta melhor se adeque à captação ilícita de sufrágio pela sua especialidade, por submeter o abuso a uma regulamentação própria, uma diferenciação mais esmiuçada da regra, onde os requisitos estão todos presentes. Neste caso há uma autonomia relevante entre a captação ilícita e o abuso, devendo tal ser resolvido pela regra hermenêutica da especialidade. Neste ponto (contratação de Amarildo- item 2.2.1.4., fls. 27 da exordial, áudios 164 e 165), ouso divergir da bem lançada sentença para reconhecer a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A, da Lei n. 9.504/97) consistente na obtenção de seu apoio e voto, mediante a promessa de emprego para Amarildo por Robinsom Fernando Soares (“pode fechar com ele”, fls. 28, áudio 165), dando provimento ao recurso do Ministério Público (item II.5, fls. 1.154, abuso de poder político por parte de Robinsom para que colaboradores obtivessem cargos públicos) para condená-lo à cassação de seu diploma. O Recorrente Robinsom teria obtido ainda apoio da empresa Construpav, empresa prestadora de serviços ao Município, na pessoa de sócio Israel de Souza e do gerente Giovani Wilwert, com o transporte e colocação de placas de propaganda eleitoral, ou a intermediação deste para obter veículo (áudios 499, 514, 387, 430, 501, 509, 426) (item 2.2.1.5. – utilizar-se de seu cargo junto ao Município, bem assim de seus colaboradores, para obter favores de empresas particulares que prestam serviços para o Município). Especificamente em relação a colocação de placas na Rua Eça de Queiroz (áudios 548, 549, 556, 559 e 568), consoante foto juntada fls. 30. Revista de Jurisprudência do COPEJE 243

(...) Na seara da captação ilícita de sufrágio (item 2.2.2. – distribuição vantagem pessoal – ticket combustível), Robinsom teria promovido a distribuição de tickets combustível, por meio de seu colaborador Cláudio Marcelo Zimmermann, servidor público do Município de Blumenau. Em 20 de julho de 2.012, no decorrer do seu expediente, em conversa com a eleitora Ana, promete combustível (áudio 416, 560), havendo inclusive participação direta de Robinsom que aponta o local de retirada dos tickets. (...) De todo modo, os requisitos para a comprovação da captação ilícita de sufrágio, todavia, não estão presentes, malgrado estar claro que a testemunha Cláudio Zimmermann faltou com a verdade. No caso dos autos, inexiste eleitor identificado e, por conseguinte, a relação comercial, típica da compra de votos está ausente no caso concreto. Noutra vertente, em tese, poderia ter-se como realizado o abuso do poder econômico, mas a prova não permite com clareza reconhecer tal ilícito eleitoral, pois os tickets podem muito bem ter ido para os cabos eleitorais do candidato. Destarte, não há como se reconhecer quanto ao ticket combustível, na espécie, a captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder econômico, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e art. 22, XIV, da Lei n. 64/90. Há ainda, em relação a Robinsom, acusação de distribuição de vantagem pessoal (item 2.2.2.2. – comprometer-se com possíveis eleitores para solução de problemas particulares referente a energia elétrica) como troca de lâmpadas e colocação de postes (áudio 527, 537). (...) Assim, dou provimento ao recurso do Ministério Público (II.6 d recurso de fls. 1155) e reconheço a captação ilícita de sufrágio no item 2.2.2.3, condenando Robinsom, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, à cassação do diploma e declaração de inelegibilidade. Noutro viés, dou por realizado também o abuso do poder econômico com a livre distribuição de recursos para os fins de garantia do apoio político e aplico a penalidade de cassação do diploma e declaração de inelegibilidade (art. 22, XIV, da Lei n. 64/90). (...) Em suma, nego provimento ao recurso de Robinsom Soares e dou provimento parcial ao recurso do Ministério Público, pois aumento a multa aplicada e entendo configurada a conduta vedada do inciso I, do art. 73 da Lei das Eleições, mas não considero caracterizada a alegada reincidência, reconhecendo ainda a prática de abuso (art. 22, XIV, da Lei n. 64/90) de poder e captação ilícita de sufrágio no item 2.2.2.3, condenando Robinsom, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, à cassação do diploma e declaração de inelegibilidade, mantendo a multa fixada na sentença quanto a esta conduta específica. Célio Dias Em relação à Célio Dias, vereador eleito, aponta o Ministério Público: 244 Revista de Jurisprudência do COPEJE

No item 2.3.1.1. (usar serviços de servidor público durante o horário de expediente para campanha eleitoral) é narrado o apoio de Edson Brunsfeld, então titular da Secretaria de Governo e Articulação Politica – SEGAP, coordenador de sua campanha e de Cláudio Marcelo Zimmermann, Diretor de Eventos do Município de Blumenau. Ambos, em pleno horário de expediente atuaram na campanha, conforme áudios 458 e 581. (...) Noutra quadra, tanto o uso do material, quanto ao macadame e brita, parecem ter maior relação com o parentesco de Giovanni e Célio do que com a empresa propriamente dita. Observa-se que Israel é claro ao mencionar Giovanni ao citar os materiais, sendo certo que a disposição desses bens passaram pelo primo de Célio, Giovanni. As bem lançadas razões do Exmo. Promotor de Justiça, Odair Tramontin sobre os áudios 423, 459 e 568, fls. 805, não afastam essa conclusão. Por outro lado, convém ter em mente que o art. 73 da Lei das Eleições pretende reafirmar a igualdade de oportunidade entre os candidatos e que a conduta de Célio não tisna tal fim último da norma. Em relação a este item (2.3.1.2.) não vejo prova de ilícito eleitoral. No áudio 568 Célio Dias aponta inclusive a afronta à legislação eleitoral e a impossibilidade de doação pela empresa prestadora de serviço para o Município, “sob pena de uso da máquina”. Por isso, quanto ao alegado abuso de poder econômico e político por parte de Célio Dias (item II.2., do recurso ministerial), a prova é rarefeita para reconhecer a sua existência, porquanto baseia-se ela tão-somente nos dois áudios acima mencionados, nada obstante, haja indícios da relação indevida com a empresa Construpav (como quando Célio gestiona brita e macadame para seu sogro, conforme depoimento do próprio, Edemar Hern) e de possível abuso do poder econômico. Em síntese, a prova para o afastamento do jus honorum deve ser robusta para permitir a restrição do direito fundamental, conforme já assentou esta Corte Regional em vários precedentes: Acórdãos n. 28.151, de 24.4.2013 e n. 28.045, de 27.2.2013, Relator Juiz Cézar Luiz Medeiros e Acórdão n. 28.352, de 17.7.2013, Relator Juiz Ivorí Luis da Silva Schaeffer, Acórdão n. 27.814, de 13.11.2012, Relator Juiz Nelson Juliano Schaefer Martins. Este relator opinou pelo dou parcial provimento ao recurso de Célio Dias para afastar a captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e, consequentemente repelir a multa respectiva e a pena de cassação do diploma. Dou parcial provimento ao recurso do Ministério Público para reconhecer a conduta vedada do inciso I e III, do art. 73 da Lei das Eleições, aplicando multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). (...) Almir Vieira Trata-se de Vereador eleito, anteriormente lotado na Secretaria de Obras do Município na função de Diretor de Obras Conveniadas – Obras de Mutirão. Na sua qualidade de agente público (item 2.4.1.1.), esclarece o Ministério Público, Almir fez com que a Rua Emília Piske fosse asfaltada por Moisés Rodrigues, “Tchê”, por meio da patrola da empresa Construpav, conforme registro fotográfico e áudio não identificado da nota de rodapé n. 37, 254. Revista de Jurisprudência do COPEJE 245

Em relação a este fato específico (item 2.4.1.1.), não verifico ilícito eleitoral em qualquer um se empenhar que determinada ação administrativa seja realizada, ainda mais quando se trata de rua com necessidade de pavimentação, inscrita no projeto respectivo, com projeto aprovado diferentemente do que adrede verificado nos casos já analisados. A testemunha João Pedro da Silva, morador da R. Emília Piske, afirma: que o asfaltamento ocorreu em junho e julho de 2.011, tendo demorado 3 semanas para ficar pronto. Foi feito um sistema de mutirão em 2.007 para tentar asfaltar a rua que deve chegar a 80% do valor total. Em 2.011, conseguiu-se atingir este valor. Não conhece Almir Vieira. Não teve a participação de Almir Vieira e há havia apenas uma placa dele e de outros candidatos. A construtora foi escolhida após a apresentação de uma lista de empreiteiras com respectivos preços pelo Município (“alguém da Secretaria de Obras”) na própria garagem de um morador da rua. “A população escolheu a mais barata”. Almir Vieira não teve qualquer participação da escolha da empreiteira. Não houve pedido de votos ou menção à candidatura de Almir. Moisés “Tchê” estava na obra. Também falta a relação entre Almir e a obra, matéria que não pode ser provada pela simples menção de Moisés em conversa com Victor. Uma única placa na rua, s.m.j., é incapaz de comprovar a “paternidade” ou o reconhecimento da responsabilidade de Almir pelo serviço público prestado, para então reconhecer o abuso de poder político. (...) Convém mencionar que é o próprio Almir quem permite o contato direto entre Victor e Chico, sendo seu nome mencionado como o intermediário do benefício concedido expressamente e no próprio depoimento de Francisco Dias, dado em juízo. Outra questão rumorosa é a alegação de que o macadame seria de origem pública, porque Israel, proprietário da Construpav, um dia antes, recebera um email de Júnior, do Setor de Compras da URB, com o pedido para encaminhar ordem de comprar de macadame (áudio 245), sendo que o material saiu do depósito da mesma. É verossímil, a julgar pela atuação sem peias da referida pessoa jurídica, ter ela se transformado em meio para o cometimento de ilícitos eleitorais como este que se descreve. Porém, não há prova sobre a origem do macadame ou de desvio de material, conforme testemunho da Del. Luana na audiência do dia 21 de janeiro. De todo modo, o depoimento de Francisco Dias não é nem um pouco convincente. Apesar de referir-se ao pagamento de R$4.000,00 (quatro mil reais) pelo macadame, perdeu-se quando instado sobre a divergência entre o recibo (fls. 585, de 23 de junho de 2.012), o cheque e sua versão para o pagamento, como salientado pelo perspicaz sentenciante. Isto porque os diálogos sobre o macadame deram-se em 27 de junho (áudio 226 - 47 99459496 e 47 33360143, 27/06/2.012, 14:02 e áudio 216 - 47- 99459496 e 84979553, 27/06/2.012, 9:28) e o pagamento foi feito, segundo Francisco, ao motorista Aristeu na entrega, ocorrida em 30 de junho, mas o recibo é de 23 de junho. A autenticação do recibo, de seu turno, em dezembro de 2.012. O cheque (fls. 585), igualmente, data de 14 de junho de 2.012, como muito bem explorado pelo Ministério Público em suas alegações finais. A movimentação financeira da Associação dá conta 246 Revista de Jurisprudência do COPEJE

de um valor superior ao pago, ou seja, R$ 4.400,00 para “terreno compl. aquis. terrapl/ muro” também no mês de junho (fls. 586). (...) Sobre este tópico, mantenho a sentença pelos seus próprios fundamentos na inexistência de qualquer prova, malgrado o indício de irregularidades nos concursos que se presume seja na URB (“(...) nós vamos pegar para depois botar no concurso”): “Este fato não ficou suficientemente comprovado. Existe como indício apenas o áudio 330. A conversa ocorreu no período eleitoral, o que é um forte indicativo de captação de sufrágio. Todavia, ouvindo-a atentamente, não há outras circunstâncias que vinculem o pedido de contratação a propósitos eleitorais. Não há prova de que a pessoa indicada era – como afirmado - colaboradora de campanha, nem da contrapartida eleitoreira”. Por isso, mantenho a sentença quanto ao abuso de poder político e econômico (2.4.1.2 da exordial), sujeitando Almir Vieira às penalidades de cassação do diploma, declaração de inelegibilidade e multa (art. 22, XIV, da Lei n. 64/90 c/c art. 73, I e III, da Lei n. 9.504/97), mas dou provimento ao recurso do Ministério Público (item d, fls. 1161; item II.9, fls. 158) para majorar a multa pelo uso do telefone do ente estatal e de servidor no horário de serviço, aplicando a multa individual de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para cada áudio (190, 192, 215, 216, 226, 227, áudios nas notas de rodapé 38 e 40), perfazendo um total de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), pela violação do art. 73, incisos I e III da lei de regência. Braz Roncáglio O recorrente foi Diretor da Secretaria de Articulação Política do Município, tendo se licenciado em 5 de julho de 2.012. (...) O abuso do poder político é evidente no caso. Braz, como seu colegas neste processo, atua de modo a inflar a sua candidatura com os braços da sua atividade estatal. Consegue função pública e cobra lealdade, pavimenta ruas, empresta máquinas, pede favores para empreiteiro, usa o celular público na sua campanha, tudo para concluir que a pavimentação de ruas “dá resultado pra nós tudo” na conversa com Jean. Conquanto me pareça que houve captação ilícita de sufrágio com a contratação de Sérgio Gomes, na tese já esgrimida, como não houve recurso quanto a esta questão específica, mantenho a sentença pela condenação por abuso do poder político. Igual sorte tem a alegação da incidência do inciso V, do art. 73 pela contratação no período eleitoral, porque filio-me à tese da sentença e do Procurador Regional Eleitoral: tal conduta deve ser realizada pelo próprio contratante para atrair a penalidade. O pedido, a intermediação, não tem relevância jurídica para os fins da configuração dessa conduta vedada. Todavia, merece ainda provimento parcial (não verifico a conduta do art. 73, inc. V) o recurso do Ministério (item d, fls. 1161; item II.9, II.8 fls. 1158) para: I) majorar a multa pelo uso do telefone do ente estatal e de servidor no horário de serviço, aplicando a multa individual de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), afastando a reincidência, para cada áudio, a partir do telefone do ente estatal público (69, 88, 90, 179, 204), perfazendo um total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), pela violação do art. 73, incisos I e III Revista de Jurisprudência do COPEJE 247

da lei de regência, mantida a sentença quanto à cassação e inelegibilidade e configuração do abuso. Nego provimento ao recurso de Braz. A empresa Construpav, segundo o Ministério Público, recebeu do Município de Blumenau, entre 2.009 e 2.011, a quantia de R$ 7.785.124,36 (sete milhões, setecentos e oitenta e cinco mil, cento e vinte e quatro reais e trinta e seis centavos). No caso dos autos, um empresário financia uma campanha com vistas a benefícios da Administração Pública. O empreiteiro é expresso ao pedir para não ser esquecido. O candidato usa a estrutura estatal, para se eleger e, não raras vezes, depois de eleito, para remunerar e pagar seus financiadores. Esta a lógica que se insinua e que redunda, sem qualquer dúvida, em conspurcar a legitimidade daqueles eleitos nesta rotina tão perversa quanto corriqueira, porquanto se verifica aqui, igualmente, o abuso de poder econômico e político nas eleições. E é de se indagar: o empreiteiro Moisés, vulgo “Tchê” esmeraria-se na participação da campanha política de candidatos que não estivessem nas funções diretamente relacionadas aos seus interesses empresariais mais imediatos? É o caso da diminuição de uma multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para um agradecido empresário, conforme transcrição do áudio 225, fls. 105-106. Aliás, o Sr. Moisés, vulgo “Tchê”, é servidor efetivo do Município de Blumenau, “com cargo de operador de máquinas”(anexo III, fls. 1.865). Noutra vertente, admitindo-se a boa-fé do empreiteiro, a relação que se instala é talvez de intimidação entre o agente público que contrata e aquele contratado pela Administração Pública. É também de se inquirir as consequências sobre a contratação na reticência do prestador-empresário auxiliar nas eleições daqueles que, posteriomente, fiscalizarão, contratarão e pagarão por seus serviços. A conversa entre “Tchê” e Jonas Dieter Oehlemann, outro candidato a vereador, é emblemática. “Tchê”, após pedir a liberação de uma obra de sua família, em troca de votos, afirma que “pra eles dar rua para mim e eu fazer campanha para eles”, porque “ele sabe que eu tenho terraplanagem e eu dependo desses caras também” (transcrição do áudio 457, fls. 133). E Jonas, insinuando-se para “Tchê”, sentencia: “normalmente lugar aonde tem sua placa o fiscal não para”. E há uma terceira hipótese elucidativa dos nomes dos recorrentes serem apostos aos das ruas, fundada em documentos juntados pelos recorrentes e não mencionados na exordial (impossíveis, então, de contribuir para a solução da questão jurídica propriamente dita), conquanto sirva para reflexão. Seriam os recorrentes os verdadeiros proprietários das empresas, sócios ocultos ou mesmo receberiam parte dos valores devidos aos empreiteiros? Isso, todavia, é mera ilação, mas também explicaria o diálogo de fls. 1.945/1900, anexo III, onde “Tchê” alerta Victor Farias, em 25/06/2.012: “Lá, lá, tu tem cinco mil naquela obra lá né, fica ciente né, tu falou pro cidadão lá daquele esquema lá”. Noutra transcrição de fls. 103, áudio 198 ao tratarem da nomeação de uma pessoa é afirmado: “Robinho diz ainda que não sabe e que e tem que ver alguém “que fique com uma parte e devolve a outra” ao que responde o interlocutor: “tem que ver o valor e quanto é que tu vai querer”. Mais sobre uma “comissão” é também discutido no áudio 220, fls. 105. A transcrição do áudio 137 também sugere um comportamento 248 Revista de Jurisprudência do COPEJE

inadequado na conversa entre “Tchê” e Israel: “Com certeza, mas já acertei lá, já levantei os oito mil que faltava, tamo com os quarenta mil na mão”, “Tchê”: “Tá, então eu tento falar com o Robinho hoje, e tu quer que eu dou a resposta mais tarde pra ver”, fls. 98. Noutro ponto também muito obscuro, onde se vê a largueza da atuação do grupo (fls. 147, transcrição do áudio 566), Robinsom comenta com um interlocutor que “Fábio na hora do meio-dia pagou pizza na Delegacia para o pessoal (...)”Marcam de ir na delegacia em meados de setembro porque os estagiários é ele quem paga, “ está na minha folha, então é eu que pago hora extra, eu que faço tudo para eles, eu que deixo que eles falta e não desconto”. E mais relevante sob a ótica eleitoral: “Falam sobre a empresa Orcalli são 506 funcionários que eles tem que visitar e Interlocutor fala que o bom é que a comida (o kit) vai ser entregue na sexta feira antes da eleição “pedindo voto é a empresa que tá dando não é tu””eles vão reforçar que depende de você para dar continuidade”. Este o retrato impiedoso do patrimonialismo brasileiro em que não se é permitido o alheamento. Vale o alerta de Kant: “A verdadeira política não deveria dar um passo sem haver rendido, antes de tudo, homenagem à moral. Unida a esta, já não é uma arte difícil e complicada; a moral corta o nó que a política é incapaz de desatar... É preciso ter por sagrados os direitos do homem: para isso deveriam os soberanos fazer os maiores sacrifícios. Não é o caso de dividir-se entre o direito e a utilidade. A política deve prosternar-se ante a moral...” (KANT, Emmanuel. “A Paz Perpétua”. Editora Vecchi: RJ, tradução de Galvão de Queiroz, 1.944, p. 12). E há um mal estrutural na política brasileira que perpassa as coligações partidárias, os partidos políticos, o financiamento das campanhas e a pouca participação das mulheres no Parlamento. Aliás, a participação feminina na política é inequívoco fator de promoção do desenvolvimento. Basta mencionar os dados do Relatório Global Gender Gap do Forum Econômico Mundial do ano de 2.012, onde se colhe que dos 135 países, compondo 90% da população mundial, os países nórdicos (Islândia, Finalândia e Noruega) com melhores índices de competitividade e de desenvolvimento humano (IDH) são exatamente os mesmos que possuem o maior grau de “apoderamento” das mulheres (“political empowerment”), ou seja, expressiva participação política do público feminino. O Brasil fica em 62º lugar dentre os 135 países atrás de Namíbia, Jamaica e Tanzânia. Por derradeiro, cabem algumas considerações sobre o sistema partidário e sobre a doação de campanha por pessoas jurídicas. Observa-se que a atuação dos envolvidos não obedece a uma lógica partidária. As ilegalidades perpetradas não parecem ter sido em nome e em prol do partido político ou de um projeto de poder coletivo, o que denotaria um laço ideológico entre os recorrentes. Comprova a ausência de comprometimento partidário a atuação estanque dos recorrentes. Isto demonstra que a atuação dos recorrentes consiste em atuação individual, em favor de seus interesses escusos, mas sem a organicidade que seria esperado de um projeto comunitário. Digladiaram-se os recorrentes, mesmo Revista de Jurisprudência do COPEJE 249

pertencendo ao mesmo partido, comungando, em tese, do mesmo ideário, em favor de suas candidaturas quase avulsas em relação à vida partidária. Matéria do jormal “O Globo” (6.10.2.013) dá conta que nos últimos 15 dias, 46 deputados federais mudaram de partido. Demonstra-se, às escâncaras, a fragilidade do partido político no cenário da política brasileira. Noutra direção, o caso dos autos reforça a necessidade de proibição de doação eleitoral por pessoa jurídica e a imposição de maiores limites às doações de pessoas físicas. Por isso mesmo, peço vênia e licença deste E. Colegiado para ressaltar a importante caminhada pelas “eleições limpas” (www.eleiçõeslimpas.org.br) que está sendo empreendida pelo Conselho Federal da OAB, OAB/SC, pela Confederação Nacional dos Bispos Brasileiros - CNBB e demais instituições engajadas no incremento das condições de excelência para a democracia representativa brasileira por meio de projeto de lei de iniciativa popular que dispõe “sobre ações e mecanismos que assegurem transparência no exercício do direito de voto, sobre financiamento democrático dos partidos e campanhas eleitorais, bem como sobre o controle social, a fiscalização e a prestação de contas nas eleições”, onde se fortalece o partido, por meio do voto proporcional em dois turnos, sendo o primeiro na agremiação e se proíbe a doação eleitoral por pessoa jurídica. Trata-se do mesmo grupo de pessoas que promoveu a aprovação do projeto de lei acerca do art. 41-A e a chamada Lei da Ficha Limpa capitaneados também pelo Juiz Estadual Marlon Reis. Muito embora já tenha feito o registro, a qualidade da sentença do Exmo. Juiz Ricardo Rafael dos Santos merece igualmente consideração, bem como sua condução serena e intimorata do processo. Há juízes no Estado de Santa Catarina. A bem da verdade, o retrato proporcionado pelo excelente trabalho do Ministério Público, dos Exmos. Promotores de Justiça, Dr. Odair Tramontin e Dr. Gustavo Mereles Ruiz Diaz foi o de trazer luzes sobre os malfeitos da República, o que pode ser considerado um retrato fiel e triste da realidade brasileira. Diante do exposto: 1) nego provimento ao recurso de Fábio Fiedler e dou provimento parcial ao recurso do Ministério Público, pois aumento a multa aplicada e entendo configurada a conduta vedada do inciso I, do art. 73 da Lei das Eleições, mas não considero caracterizada a alegada reincidência, para manter a condenação exarada de cassação de diploma de Fábio Fiedler e de sua inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que os ilícitos ocorreram, com fundamento nos artigos 1º, I, “d” e “h” e 22, XIV, da Lei n. 64/90. Fixo, afastado o pedido do reconhecimento da reincidência, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a multa para Fábio Fiedler para cada um dos áudios a seguir (na qualidade de beneficiário e de responsável por todas as conversas e condutas vedadas) somados a R$ 5.000,00 pelo uso do veículo municipal totalizando R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), onde se verifica que o celular público e o servidor foram usados em prol dos interesses particulares na campanha política: 30 (Brollo e Fumagalli); 37 (Fumagalli); 120 (Fumagalli); 260 (Brollo); 269 (Brollo); 271 (Brollo); 304 (Brollo); 465 (Brollo); 331 (Brollo); 279 e 23. 250 Revista de Jurisprudência do COPEJE


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