esse fascistas que não vai dá certo esse era só o meu desabafo doutor Getúlio e parabéns pela rádio Folha, vou tá o dia todo ligado, principalmente após o final, porque eu gosto de está sempre ligado e sabendo o resultado ali pau a pau e aquele negocio é uma carta mentirosa que engana o povo e a gente sabe quem tava lá em Brasília articulando contra o prefeito Iradilson Sampaio e se pega os números do Iradilson aí tem números até muito melhores dela atual hoje e o senhor sabe disso, então tem um cinismo violento na minha casa eu botei tudo pra correr, eu tenho uma à varanda grande e quando eu vejo eles já chegando, eu digo, “opa aqui não pica-pau ” boto pra corre, porque já conheço e eu sei que quem tá fazendo isso não tem culpa, porque tão ali trabalhando, mas é bom eles já saberem o clima pra eles passarem pra quem tá mandando fazer isso que a situação tá complicada, então é isso doutor Getúlio um bom dia pra todo mundo e como diz o Vanque aí, “Deus abençoe e ilumine o povo de Roraima pra se libertar”, lá no Acre o povo tá se libertado dos Viana e o pessoal do Maranhão tá dando um show que o Sarney o filho dele e mais a outra filha não vão ganhar nem pro senado e nem pro governo e a gente tá vendo e eu tenho certeza que Roraima vai fazer isso também e á noite a gente vai tá podendo comemorar a libertação do Estado de Roraima, beleza é a certeza que eu tenho e meu voto pra isso, doutor Getúlio muito obrigado aí e um bom dia.” (Destaques da petição inicial) Tal situação, sustenta a Representante, caracteriza afronta aos ao disposto no art. 37, II e III da Resolução TSE nº 23.551/2017, que possui a seguinte redação: Art. 37. A partir de 6 de agosto do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e de televisão, em sua programação normal e noticiário (Lei nº 9.504/1997, art. 45, incisos I, III, IV, V e VI): (...) II - veicular propaganda política; III - dar tratamento privilegiado a candidato, partido político ou coligação; Ressalta, ainda, que nos termos do art. 44 da Lei nº 9.504/97, “a propaganda eleitoral no rádio e na televisão restringe-se ao horário gratuito definido nesta lei, vedada a veiculação de propaganda paga”. De outro modo, aduz que, nos termos do disposto no art. 39, §5º, III, da Lei das Eleições, constitui crime, no dia das eleições, “a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos”. O objetivo das citadas normas é proteger a isonomia entre os candidatos. Ressalto que pretensão da Representante, ancorada no conteúdo dos incisos II e III art. 37, da Resolução TSE 23.551/2017, possui como fundamento maior o disposto no art. 45, II e III, da Lei nº 9.504/97, assim vertido: “Art. 45. Encerrado o prazo para a realização das convenções no ano das eleições, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e em seu noticiário: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015) Revista de Jurisprudência do COPEJE 551
I - transmitir, ainda que sob a forma de entrevista jornalística, imagens de realização de pesquisa ou qualquer outro tipo de consulta popular de natureza eleitoral em que seja possível identificar o entrevistado ou em que haja manipulação de dados; II - usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito; (Vide ADIN 4.451) III - veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes; (Vide ADIN 4.451) IV - dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação; V - veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica a candidato ou partido político, mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos ou debates políticos; VI - divulgar nome de programa que se refira a candidato escolhido em convenção, ainda quando preexistente, inclusive se coincidente com o nome do candidato ou com a variação nominal por ele adotada. Sendo o nome do programa o mesmo que o do candidato, fica proibida a sua divulgação, sob pena de cancelamento do respectivo registro” (negritei) Com efeito, a norma em questão foi objeto da ADI 4451, julgada em 21/06/2018 pelo Supremo Tribunal Federal, cujo acórdão não foi disponibilizado até esta data. No entanto, consta da certidão de julgamento: “CERTIFICO que o PLENÁRIO, ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: (...) Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente o pedido formulado na ação direta, para declarar a inconstitucionalidade do art. 45, incisos II e III, da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, do § 4º e do § 5º do mesmo artigo, confirmando os termos da medida liminar concedida. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 21.6.2018” (Destaquei) Por ocasião do julgamento que ratificou a concessão monocrática de medida liminar no bojo da ADI em questão, a Corte Suprema proferiu julgamento assim ementado: “EMENTA: MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISOS II E III DO ART. 45 DA LEI 9.504/1997. 1. Situação de extrema urgência, demandante de providência imediata, autoriza a concessão da liminar “sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado” (§ 3º do art. 10 da Lei 9.868/1999), até mesmo pelo relator, monocraticamente, ad referendum do Plenário. 2. Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. Dever de omissão que inclui a própria atividade legislativa, pois é vedado à lei dispor sobre o núcleo duro das atividades jornalísticas, assim entendidas as coordenadas 552 Revista de Jurisprudência do COPEJE
de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu. Vale dizer: não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha. Isso porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se lê a partir da cabeça do art. 220 da Constituição Federal: liberdade de “manifestação do pensamento”, liberdade de “criação”, liberdade de “expressão”, liberdade de “informação”. Liberdades constitutivas de verdadeiros bens de personalidade, porquanto correspondentes aos seguintes direitos que o art. 5º da nossa Constituição intitula de “Fundamentais”: a) “livre manifestação do pensamento” (inciso IV); b) “livre [...] expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação” (inciso IX); c) ”acesso a informação” (inciso XIV). 3. Pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a imprensa mantém com a democracia a mais entranhada relação de interdependência ou retroalimentação. A presente ordem constitucional brasileira autoriza a formulação do juízo de que o caminho mais curto entre a verdade sobre a conduta dos detentores do Poder e o conhecimento do público em geral é a liberdade de imprensa. A traduzir, então, a ideia-força de que abrir mão da liberdade de imprensa é renunciar ao conhecimento geral das coisas do Poder, seja ele político, econômico, militar ou religioso. 4. A Magna Carta Republicana destinou à imprensa o direito de controlar e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria sociedade. A imprensa como a mais avançada sentinela das liberdades públicas, como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. Os jornalistas, a seu turno, como o mais desanuviado olhar sobre o nosso cotidiano existencial e os recônditos do Poder, enquanto profissionais do comentário crítico. Pensamento crítico que é parte integrante da informação plena e fidedigna. Como é parte do estilo de fazer imprensa que se convencionou chamar de humorismo (tema central destes autos). A previsível utilidade social do labor jornalístico a compensar, de muito, eventuais excessos desse ou daquele escrito, dessa ou daquela charge ou caricatura, desse ou daquele programa. 5. Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frases e quadros espirituosos compõem as atividades de “imprensa”, sinônimo perfeito de “informação jornalística” (§ 1º do art. 220). Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade que é assegurada pela Constituição à imprensa. Dando-se que o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos de Estado. Respondendo, penal e civilmente, pelos abusos que cometer, e sujeitando-se ao direito de resposta a que se refere a Constituição em seu art. 5º, inciso V. A crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura. Isso porque é da essência das atividades de imprensa operar como formadora de opinião pública, lócus do pensamento crítico e necessário contraponto à versão oficial das coisas, conforme decisão majoritária Revista de Jurisprudência do COPEJE 553
do Supremo Tribunal Federal na ADPF 130. Decisão a que se pode agregar a ideia de que a locução “humor jornalístico” enlaça pensamento crítico, informação e criação artística. 6. A liberdade de imprensa assim abrangentemente livre não é de sofrer constrições em período eleitoral. Ela é plena em todo o tempo, lugar e circunstâncias. Tanto em período não-eleitoral, portanto, quanto em período de eleições gerais. Se podem as emissoras de rádio e televisão, fora do período eleitoral, produzir e veicular charges, sátiras e programas humorísticos que envolvam partidos políticos, pré-candidatos e autoridades em geral, também podem fazê-lo no período eleitoral. Processo eleitoral não é estado de sítio (art. 139 da CF), única fase ou momento de vida coletiva que, pela sua excepcional gravidade, a Constituição toma como fato gerador de “restrições à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei” (inciso III do art. 139). 7. O próprio texto constitucional trata de modo diferenciado a mídia escrita e a mídia sonora ou de sons e imagens. O rádio e a televisão, por constituírem serviços públicos, dependentes de “outorga” do Estado e prestados mediante a utilização de um bem público (espectro de radiofrequências), têm um dever que não se estende à mídia escrita: o dever da imparcialidade ou da equidistância perante os candidatos. Imparcialidade, porém, que não significa ausência de opinião ou de crítica jornalística. Equidistância que apenas veda às emissoras de rádio e televisão encamparem, ou então repudiarem, essa ou aquela candidatura a cargo político-eletivo. 8. Suspensão de eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/1997 e, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo, incluídos pela Lei 12.034/2009. Os dispositivos legais não se voltam, propriamente, para aquilo que o TSE vê como imperativo de imparcialidade das emissoras de rádio e televisão. Visa a coibir um estilo peculiar de fazer imprensa: aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de áudio e vídeo como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos. 9. Suspensão de eficácia da expressão “ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”, contida no inciso III do art. 45 da Lei 9.504/1997. Apenas se estará diante de uma conduta vedada quando a crítica ou matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral. Hipótese a ser avaliada em cada caso concreto. 10. Medida cautelar concedida para suspender a eficácia do inciso II e da parte final do inciso III, ambos do art. 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo.” (ADI 4451 MC-REF, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 02/09/2010, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-125 DIVULG 30-06-2011 PUBLIC 01-07- 2011 REPUBLICAÇÃO: DJe-167 DIVULG 23-08-2012 PUBLIC 24-08-2012 RTJ VOL- 00221-01 PP-00277) (Destaquei) Muito embora não tenha sido disponibilizado o Acórdão do julgamento de mérito, ou o voto do Relator, nota-se que a certidão de julgamento dispôs que a ADI foi julgada procedente a fim de “declarar a inconstitucionalidade do art. 45, incisos II e III, da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, do § 4º e do § 5º do mesmo artigo, confirmando os termos da medida liminar concedida”. 554 Revista de Jurisprudência do COPEJE
Pois bem, por ocasião do julgamento do pedido liminar a Corte Suprema pontuou que “apenas se estará diante de uma conduta vedada quando a crítica ou matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral”. Tal entendimento evidencia a primazia do direito de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa, os quais constituem base para o desenvolvimento do estado democrático de direito. Temos assim, que a crítica objeto da norma em questão deve ser aquela que evidencie a realização de propaganda política, favorecendo uma das partes na disputa eleitoral. Em análise dos diálogos desenvolvidos entre o apresentador do programa Agenda da Semana e seus ouvintes, não se evidencia qualquer predileção favorável a quaisquer candidatos. No primeiro diálogo trazido aos autos, o ouvinte Vanque faz críticas genéricas a atuação dos políticos do Estado de Roraima, sem, contudo, citar nomes. Observa-se, em verdade, o exercício do direito de liberdade de expressão, consagrado na Constituição Federal. O segundo ouvinte, Ramon, realiza crítica a distribuição de cartas em que a Prefeita de Boa Vista pede votos em favor de Romero Jucá. Relata episódio em que o Senador supostamente foi hostilizado enquanto fazia campanha nas ruas da cidade, emitindo opinião pessoal a respeito do ocorrido, bem como avalia que o candidato não teria sucesso nas urnas. Mais uma vez, o que se evidencia é o exercício do direito de liberdade de expressão por parte de popular. Por outro lado, não se observa ação da Emissora Representada na tentativa de efetuar propaganda eleitoral favorável a candidato adverso. Como pontuado no Acórdão lavrado quando do julgamento da medida liminar da ADI 4451: “O rádio e a televisão, por constituírem serviços públicos, dependentes de “outorga” do Estado e prestados mediante a utilização de um bem público (espectro de radiofrequências), têm um dever que não se estende à mídia escrita: “o dever da imparcialidade ou da equidistância perante os candidatos. Imparcialidade, porém, que não significa ausência de opinião ou de crítica jornalística. Equidistância que apenas veda às emissoras de rádio e televisão encamparem, ou então repudiarem, essa ou aquela candidatura a cargo político-eletivo” Diante do exposto, com fulcro nos fundamentos acima expendidos, JULGO IMPROCEDENTE a presente representação. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se. Boa Vista, 25 de outubro de 2018. MARIA APARECIDA CURY Revista de Jurisprudência do COPEJE 555
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL LUIZ GUILHERME DA COSTA WAGNER JÚNIOR (JUIZ DO TRE-SP) TRE-SP – VOTO - HABEAS CORPUS Nº 337-06.2013.6.26.0000 TEMA Trancamento de ação penal HABEAS CORPUS PARA TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ORDEM CONCEDIDA 1. Habeas corpus visando o trancamento de ação penal por suposto crime de falsidade ideológica com fins eleitorais (art. 350 do Código Eleitoral). 2. Inépcia da denúncia. 3. Dos documentos constantes dos autos e da cópia de todo o processado, verifica- se que o Ministério Público não logrou demonstrar qualquer liame subjetivo entre a conduta do paciente e as supostas práticas delitivas, não havendo, ainda, suporte em qualquer elemento indiciário. 4. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao paciente. Depreende-se dos autos que a ação penal que tem o ora paciente como um dos co- réus se iniciou em razão de investigação instaurada em face de Ronaldo Napeloso, então vereador do município de Araraquara, por suposta infração ao artigo 350 do Código Eleitoral, sob a alegação de que o patrimônio ostentado pelo investigado poderia não ser correspondente ao declarado ao Juízo Eleitoral por ocasião do registro de sua candidatura. 556 Revista de Jurisprudência do COPEJE
A autoridade que presidia o referido inquérito extraiu do conjunto de apreensões documentais um relatório de investigação que no entender do Sr. Delegado Federal indicava a existência de indícios de autoria e prova de materialidade em torno de fatos penalmente típicos a envolver o investigado principal (ex-vereador Ronaldo Napeloso) e outras pessoas que não faziam parte da investigação inicial, entre as quais o ora paciente, que teria sido seu advogado. Para o Ministério Público Eleitoral de primeiro grau, está-se diante de fraude consubstanciada na simulação de negócio de compra e venda, cujas minutas teriam sido elaboradas pelo paciente, na condição de advogado do investigado principal, ex- vereador, Ronaldo Napeloso. Recebida a denuncia também contra o paciente, há que se averiguar se estamos, ou não, diante de alguma das poucas exceções em que o Habeas Corpus pode ser servir ao trancamento da ação penal. E diga-se isso porque, é de conhecimento de todos que a utilização do Habeas Corpus para o trancamento de ação penal é medida extrema, absolutamente excepcional, somente admissível em situações de fatos atípicos; inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo da autoria e da materialidade do crime, ou, ainda, em se verificando causa extintiva da punibilidade. (Nesse sentido: STJ. HC 2011/0067248-2, rel. Min. Campos Marques. 5ª. Turma, DJe 21/05/13 e STF. HC 115012, rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma, DJe 13/05/13) Pois bem. A questão que se impõe enfrentar é se o fato imputado ao paciente é ou não atípico, sendo certo que somente após essa resposta será possível deliberar sobre o imediato trancamento, ou não, da ação penal. A acusação imputada ao paciente é a de que teria ele, na condição de advogado do ex-vereador Ronaldo Napeloso, confeccionado falsas escrituras de compra e venda de imóveis e, por conta disso, seria ele o “mentor jurídico” das ações ilícitas do investigado. A inicial do presente Habeas Corpus mostra que o paciente já houvera atuado por diversas vezes como advogado do ex-vereador, Ronaldo Napeloso, seja em processos cíveis, trabalhistas, ambientais e previdenciários (documentos acostados a inicial comprovam essas alegações). É de se acreditar, então, que de fato o paciente exercia regularmente a sua profissão de advogado em favor, entre outros clientes, do ex-vereador, Ronaldo Napeloso, fato esse que, convenhamos, não traz qualquer indício de irregularidade. Extrai-se dos autos que, nessa qualidade de advogado do ex-vereador, o paciente teria sido contratado para elaborar minutas de instrumentos particulares de compromisso de compra e venda de imóveis, localizado na Avenida Armando Biagioni, n. 1.079 e 1.087, e na Rua Voluntários da Pátria, 2.777, apto. 103. É cediço que o advogado contratado para elaborar contratos de compra e venda não tem a obrigação de investigar a origem dos recursos utilizados pelo comprador para o pagamento. Pensar em sentido contrário seria imputar aos causídicos obrigação que não está, em momento algum, tipificada no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, ou mesmo na Constituição Federal. Revista de Jurisprudência do COPEJE 557
Ao contrário, sabemos que restou reconhecida constitucionalmente a importância da atuação do advogado, nos termos explicitados no artigo 133 da Carta Magna, in verbis: “Art. 133: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. E justamente para que possa desempenhar suas funções com segurança, tranquilidade e eficácia, foi que o legislador constituinte tomou o cuidado de observar que, no seu exercício profissional, o patrono tem como inviolável seus atos e manifestações. Não podem passar despercebidos os riscos que entendimento em contrário poderia trazer ao regular exercício da advocacia. Afastadas as repercussões civis e indenizatórias que poderiam ser derivadas de um contrato mal elaborado, ou da desídia de um profissional na análise das particularidades de um caso concreto que é levado a sua análise, imaginemos as consequências nefastas a profissão e a defesa dos interesses da sociedade, se o advogado pudesse ser processado criminalmente pela elaboração de um contrato, ou pela emissão de um parecer jurídico. Seria perigoso - e inconstitucional - precedente à classe da advocacia, admitir que os advogados que fossem contratados para elaborar ou revisar contratos, estivessem no futuro a mercê de responsabilização criminal caso fossem descoberto ilícito praticado entre os contratantes. Seria admitir uma impensada “responsabilização solidária” do advogado e seu cliente, hipótese essa não prevista em qualquer legislação. Aliás, nunca é demais lembrar as mais comezinhas lições de direito no sentido de que a solidariedade não se presume. Na verdade, além da impensada responsabilidade solidária, estaríamos admitindo, in casu, outra atrocidade, qual seja, a “responsabilização objetiva” do advogado em razão da sua atuação na elaboração ou revisão de contrato. Pelas razões acima, entendo que a conduta imputada ao paciente é atípica não autorizando o prosseguimento de ação penal contra a sua pessoa. Na verdade, tenho para mim estarmos diante de regular exercício da profissão. Mas não é só. Há outro óbice, a meu ver intransponível, a não admitir a continuidade da ação penal em curso perante o MM. Juízo Eleitoral em face do ora paciente. Há que se observar que estamos diante de uma ação penal em curso perante o Juízo Eleitoral, razão pela qual temos que verificar com muito cuidado se de fato a conduta tida como ilícita configura crime eleitoral e se o mesmo pode, de algum forma, extravasar efeitos à pessoa do paciente. A não demonstração clara de que estamos diante de crimes que devem realmente ser apurados pela Justiça Especializada Eleitoral não passou despercebida pelo Exmo. Sr. Dr. Henrique Neves da Silva, Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, vez que, quando da apreciação do pedido de Habeas Corpus nº 54950, impetrado pelo então vereador, Ronaldo Napeloso, assim se manifestou, ao deferir a liminar: 558 Revista de Jurisprudência do COPEJE
“De qualquer sorte, apenas como referência efêmera, há de se considerar que a atuação da Justiça Eleitoral deve ser restrita aos crimes que se contraponham ao processo eleitoral, sendo que eventuais delitos relativos à má administração de recursos públicos, tráfego de influência, corrupção administrativa são temas a serem examinados pela Justiça Comum. (...) Não há que se confundir, para efeito da decretação da prisão cautelar por autoridade eleitoral eventual prática de atos que possam caracterizar crimes contra a administração pública - que merecem ser impedidos, apurados e punidos pela Justiça Comum - com a realização de ações que visem interferir ou impedir o regular andamento das investigações para apuração de supostos crimes eleitorais. O raciocínio do Ministro do TSE, Dr. Henrique Neves da Silva, acima exposto, aplica- se ao caso em tela. Registro, por primeiro, meu entendimento de que as atividades profissionais advocatícias realizadas pelo paciente não podem ser caracterizadas como práticas criminosas vez que, conforme acima procurei explicitar, se referem a atos desempenhados no exercício regular da profissão (elaboração de minutas de contato de compra e venda de imóveis). Ainda que assim não fosse, tais práticas em nada se referem a crimes a eleitorais, razão pela qual, eventual apuração de ilícito não poderia, salvo melhor juízo, se processar na justiça Especializada Eleitoral. Aliás, não é demais lembrar que a própria Procuradoria Regional Eleitoral, em que pese ter se manifestado pela denegação da ordem, observou não ser clara a vinculação eleitoral dos crimes que estão sendo discutidos na ação penal ora em análise. Analisemos o seguinte trecho da manifestação ministerial de segundo grau: “Registre-se, assim, que os fatos narrados na denúncia deixam dúvida sobre a finalidade eleitoral das condutas imputadas aos réus e, consequentemente, sobre a tipificação dos crimes especificadamente eleitorais. A denuncia refere-se às supostas omissões de apenas três bens imóveis nas declarações apresentadas à justiça Eleitoral por Ronaldo Napeloso: os imóveis situados na Avenida Armando Biagioni, nos 1079 e 1087, e o imóvel localizado na Rua Voluntários da Pátria, 2777. O órgão Ministerial de 1º. Grau concluiu que os imóveis situados na Avenida Armando Biagioni, nos 1079 e 1087, pertenciam a Ronaldo Napeloso e foram efetivamente declarados por este em todas suas candidaturas, e que o imóvel localizado na Rua Voluntários da Pátria, 2777, teria sido adquirido em 2011, em nome de Leonardo Rodolfo Napeloso, porque Ronaldo, seu pai, não tinha como comprovar a origem lícita dos recursos utilizados na compra. Revista de Jurisprudência do COPEJE 559
Neste contexto, não haveria que se falar em declaração falsa, para fins eleitorais, em relação aos bens situados na Avenida Armando Biagioni, nos. 1.079 e 1.087, efetivamente declarados à Justiça Eleitoral, sendo as falsidades posteriores destinadas primariamente à comprovação dos recursos destinados à aquisição do imóvel localizado na Rua Voluntários da Pátria, 2777. Por outro lado, nos termos da denúncia, os esforços e falsidades relacionadas à compra do imóvel localizado na Rua Voluntários da Pátria, 2777, teriam como finalidade precípua comprovar a origem dos recursos utilizados na compra do sobredito imóvel, ocultando que tais recursos teriam provido, em verdade, dos crimes praticados pelo denunciado Ronaldo Napeloso e comparsas. O que sugere que os atos supracitados tinham como finalidade “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de infração penal”. Outrossim, como o imóvel da Rua Voluntários da Pátria teria sido falsamente adquirido e registrado em nome de Leonardo Rodolfo Napeloso, de modo a ocultar o dinheiro ilícito de seu pai, Ronaldo Napeloso, há que se por em dúvida a ocorrência do crime de falsidade ideológica previsto no art. 350 do Código Eleitoral, por conta da omissão de tal imóvel na declaração de bens apresentada por Ronaldo à Justiça Eleitoral quando do registro de candidatura para as eleições de 2012, pois tal imóvel não se encontrava em seu nome por conta das circunstâncias ora explicitadas”. Daí, porque, o Exmo. Sr. Procurador Regional Eleitoral concluir seu raciocínio confessando, com a honestidade que lhe é peculiar e que este relator não se cansa de elogiar, que opinava pela denegação da ordem “em que pesem as ressalvas quanto á finalidade eleitoral das condutas narradas na denúncia”. No caso em tela, a bem da verdade, a tipificação dos fatos narrados na denúncia como ilícitos eleitorais (suposta infração ao artigo 350 do Código Eleitoral) não convenceu o Exmo. Sr. Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Dr. Henrique Neves da Silva, nem o DD. Procurador Regional Eleitoral, conforme verificamos nos trechos acima destacados. Ora, se não é claro que os atos praticados pelo acusado originário, ex-vereador Ronaldo Napeloso, se enquadrem realmente no conceito de ilícitos eleitorais, o que se dirá dos atos praticados pelo seu advogado, ora paciente, que conforma acima exposto, se limitou a elaborar contratos de compra e venda de imóveis. Mas não é só. Recorde-se que o crime de falsidade ideológica eleitoral está assim previsto no Código Eleitoral: Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais: Pena - reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular. 560 Revista de Jurisprudência do COPEJE
A jurisprudência do Colendo Tribunal Superior Eleitoral é pacífica no sentido de que “A DECLARAÇÃO INCOMPLETA DE BENS POR OCASIÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA NÃO TIPIFICA DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PREVISTO NO ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL”. Vejamos: RECURSO ESPECIAL - CRIME ELEITORAL - ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL - DECLARAÇÃO INCOMPLETA DE BENS POR OCASIÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA NÃO TIPIFICA DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO - RECURSO NÃO CONHECIDO. (Acórdão n° 12.799, rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ 19.9.1997) Extrai-sedovotodorelatorque:“acresce,ainda,amaisressaltaraatipicidade,queadeclaração de bens constituía documento plenamente sujeito à verificação por parte da autoridade, como aconteceu efetivamente, não surgindo, nessa situação, o delito de falsidade ideológica”. Sobre o assunto, aliás, é também pacífica a jurisprudência em exigir, para a configuração do ilícito previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, a potencialidade lesiva da conduta, devendo-se extrair da ação do acusado “finalidade eleitoral”, alcançada na interferência na liberdade do voto. RECURSO ESPECIAL. CRIME ELEITORAL. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL. OMISSÃO DE BENS. CANDIDATURA. DOLO NECESSÁRIO. FINALIDADE ELEITORAL. POTENCIALIDADE DANOSA RELEVANTE. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. PRECEDENTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Para caracterização do crime do art. 350 do Código Eleitoral, eventual resultado naturalístico é indiferente para sua consumação - crime formal, mas imperiosa é a demonstração da potencialidade lesiva da conduta omissiva, com finalidade eleitoral. (AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 28.422, Relator: Ministro Joaquim Barbosa). Na leitura do voto do Sr. Relator, é possível verificar que o caso acima versava sobre situação idêntica a ora discutida nesses autos. Consta daqueles autos que: “o Ministério Público Eleitoral ajuizou ação penal contra Jurandir da Silva Castro, pela suposta prática do crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral1 (fl. 239). Segundo consta da denúncia, a parte ora recorrida teria, em 2004, na ocasião do registro de sua candidatura ao cargo de vereador, omitido dados relativos aos seus bens. À fl. 294, sentença do Juízo Eleitoral que condenou o candidato. Essa decisão foi reformada pela Corte Regional (fl. 378): RECURSO CRIMINAL - ART. 350. DO CÓD. ELEITORAL - CONDENAÇÃO - PRELIMINARES AFASTADAS - MÉRITO - PROVA INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR O DOLO - RECURSO PROVIDO PARA ABSOLVER O RECORRENTE”. Revista de Jurisprudência do COPEJE 561
Registre-se, aliás, que fora este Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo a Corte que houvera proferido a decisão acima, referendada pelo Colendo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 28.422, acima transcrito. Por fim, para fulminar de vez qualquer argumento em contrário, convém trazer à baila o julgamento realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral quando da apreciação do AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 36.417, também oriundo do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, que teve como relator o Ministro Felix Fischer. Novamente estamos diante de um caso simular ao discutido nesses autos. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. HABEAS CORPUS. CRIME DO ART. 350 DO CE. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE BENS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE POTENCIAL LESIVO AOS BENS JURíDICOS TUTELADOS PELA NORMA PENAL ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO. 1. Segundo a orientação das Cortes Superiores, a caracterização do delito de falsidade ideológica exige que o documento no qual conste a informação falsa tenha sido “preparado para provar, por seu conteúdo, um fato juridicamente relevante”, de modo que o fato de estarem as afirmações nele constantes submetidas à posterior averiguação afasta a possibilidade de ocorrer a falsidade intelectual (STF, RHC 43396, 1a Turma, ReI. Min. Evandro Lins, DJ 15.2.1967, STF, HC 85976, ReI. Min. Ellen Gracie, 2a Turma, DJ 24.2.2006). 2. Se o documento não tem força para provar, por si só, a afirmação nele constante - como ocorre na hipótese da declaração de bens oferecida por ocasião do pedido de registro de candidatura - não há lesão à fé pública, não havendo, assim, lesão ao bem jurídico tutelado, que impele ao reconhecimento de atipicidade da conduta descrita na inicial acusatória. 3. Ademais, ainda que se pudesse considerar a declaração de bens apresentada por ocasião do registro de candidatura à Justiça Eleitoral prova suficiente das informações nele constantes, haveria de ser afastada a ocorrência de potencial lesividade ao bem jurídico especificamente tutelado pelo art. 350 do Código Eleitoral, qual seja, a fé pública e a autenticidade dos documentos relacionados ao processo eleitoral, dado serem as informações constantes em tal título irrelevantes para o processo eleitoral em si (REspe 12.799/SP, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJ de 19.9.97). 4. Agravo regimental não provido. Extrai-se do voto do relator que: “este agravo não merece ser provido, devendo ser mantida a decisão que afastou a tipicidade da conduta imputada ao ora agravado pelo fato de que eventuais omissões em declaração de bens para fins de registro de candidatura não 562 Revista de Jurisprudência do COPEJE
configuram a hipótese típica versada no art. 350 do Código Eleitoral por ausência de efetiva lesão ao bem jurídico nela tutelado. (...) Ademais, ainda que se pudesse, por hipótese, considerar a declaração de bens apresentada, por ocasião do registro de candidatura à Justiça Eleitoral prova suficiente das informações nele constantes, haveria de ser afastada a ocorrência de potencial lesividade ao bem jurídico especificamente tutelado pelo art. 350 do Código Eleitoral, qual seja, a fé pública e a autenticidade dos documentos relacionados ao processo eleitoral. A respeito do tema, destaco do v. acórdão do Respe n. 12.799/SP a seguinte fundamentação: “Enquadrando-se o delito do art. 350 do CE, como os demais que tutela a fé pública e a autenticidade dos documentos relacionados com o processo eleitoral, na categoria dos crimes, de natureza política, lesivos à autenticidade do processo eleitoral, não se verifica como possam ter as falhas encontradas na declaração de bens ofertadas pelo réu atingido aquela referida autenticidade, mormente quando se vê que ressalta a absoluta impossibilidade que existia, ainda que potencialmente, de tanto a omissão na declaração, como o fornecimento impreciso dos dados para justificação da origem e as mutações patrimoniais, poderem produzir qualquer conseqüência jurídica importante para fins eleitorais (...)” Assim, por carecer a conduta imputada ao ora agravado de lesividade aos bens jurídicos tutelados pelo art. 350 do Código Eleitoral, patente sua atipicidade, devendo, assim, ser mantida a decisão de concessão da ordem de habeas corpus”. Note-se que o caso acima se trata, assim como o presente processo, de Habeas Corpus que pedia a concessão da ordem para imediato trancamento de ação penal, providência essa que naqueles autos fora deferida em favor do paciente. Em resumo, não há como fugir da realidade extraída dos recentes precedentes acima, no sentido de que a jurisprudência do Colendo Tribunal Superior Eleitoral é, repita- se, pacífica no sentido de que “A DECLARAÇÃO INCOMPLETA DE BENS POR OCASIÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA NÃO TIPIFICA DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PREVISTO NO ARTIGO 350 DO CÓDIGO ELEITORAL”. A partir da jurisprudência acima não há como se imputar a alguém que no exercício de suas funções como advogado tenha elaborado contratos de compra de compra e venda, a prática do crime eleitoral previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, se nem mesmo aquele que não declarou o seu patrimônio corretamente incide neste dispositivo legal. Essas as considerações que em princípio entendia aplicáveis ao caso sob exame. Entretanto, após iniciado o julgamento e os debates sobre a causa, decidi aderir ao bem-lançado voto proferido pela Desembargadora Diva Malerbi, o qual, em essência, Revista de Jurisprudência do COPEJE 563
difere do meu posicionamento na parte em que Sua Excelência reconhece a inépcia da denúncia formulada pelo Ministério Público, somente em relação à conduta do ora paciente. Adoto suas razões de decidir conforme trecho abaixo transcrito: “O paciente foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral como incurso nos delitos definidos nos arts. 288, caput, e 347, § único, ambos do Código Penal (formação de quadrilha e fraude processual contra a Justiça Eleitoral), art. 1º, V, §§ 1º e 4º, da Lei nº 9.613/1998 (lavagem de dinheiro - duas vezes), e art. 350, c/c art. 353, do Código Eleitoral (falsidade ideológica e uso de documento falso para fins eleitorais - cinco vezes), todos em concurso material (art. 69 do CP). Foram também denunciados por esses crimes, na mesma peça acusatória, Ademir Trizólio, José Antônio Ribeiro dos Santos, Leonardo Rodolfo Napeloso e Ronaldo Napeloso. No caso, da análise dos documentos constantes dos autos e da cópia de todo o processado, verifica-se que o Ministério Público não logrou demonstrar qualquer liame subjetivo entre a conduta do paciente e as supostas práticas delitivas, não havendo, ainda, suporte em qualquer elemento indiciário”. Com essas considerações, reconheço, de ofício, a inépcia da inicial (art. 41, CPP) e determino o trancamento da ação penal eleitoral nº 209-44.2013.6.26.0013 tão somente em relação ao ora paciente JOÃO LUIS RIBEIRO DOS SANTOS, nos termos do art. 395, I, do Código de Processo Penal. É como voto. L. G. COSTA WAGNER JUIZ TRE/SP 564 Revista de Jurisprudência do COPEJE
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL GRACIANE LEMOS (JUÍZA DO TRE-PR) TRE-PR – VOTO - RECURSO CRIMINAL No 154-37.2016.6.16.0023 TEMA RECURSO CRIMINAL. AÇÃO PENAL. CRIME ELEITORAL. TENTATIVA DE VIOLAÇÃO DO SIGILO DO VOTO. O F E N S A A O A R T. 3 1 2 D O C Ó DI G O E L E I T O R A L . CONFIGURADO.CONDENAÇÃO EM 15 (QUINZE) DIAS DE DETENÇÃO EM REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O tipo penal descrito no art. 312 do Código Eleitoral tem por finalidade a proteção ao sigilo do voto e visa punir toda a atitude inclinada a violar o segredo da votação. 2. O crime em apreço é classificado pela doutrina como delito de atentado ou de empreendimento, uma vez que prevê expressamente, em sua descrição típica, a conduta de tentar o resultado, o que significa dizer que o sujeito já praticou a condutanuclear picaquando tenta violar o sigilo de voto. 3. Mantida a pena restritiva de direito, consistente no pagamento de um salário mínimo em favor da instituição Lar da Criança. 4. Salienta-se o caráter preventivo da pena, no sentido de prevenir a ocorrência de futuros delitos, numa visão que torna a pena útil à sociedade, pois além de servir como exemplo (prevenção geral), atua de forma direta sobre o agente que praticou o ilícito (prevenção especial). 5. Recurso conhecido e desprovido. Revista de Jurisprudência do COPEJE 565
II – VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, o recurso merece conhecimento. A d. Juíza monocrática julgou procedente a pretensão punitiva contida na denúncia, condenando o réu pela prática do crime de violação do sigilo do voto, tipificado no art. 312 do Código Eleitoral. A decisão encontra-se fundamentada em: i) comprovação da materialidade, consubstanciada na prova testemunhal e na confissão do réu de que fez uso da câmera fotográfica de seu celular no momento da votação para tentar captar seu voto; ii) no fato do tipo penal ter por objetivo proteger o sigilo do voto, conforme previsão constitucional, art. 14 da CF, que fala em voto direto e secreto; iii) tratar-se de crime de atentado, em que o legislador prevê a mesma sanção para as duas modalidades do delito: tentado e consumado; iv) na vedação do porte de aparelho celular, máquinas fotográficas e filmadoras, dentro da cabine de votação, conforme parágrafo único do art. 91-A da Lei n° 9.504/97; v) concluindo que sujeito ativo do crime pode ser terceiro ou o próprio eleitor. A defesa recorreu sob os seguintes argumentos i) ausência de materialidade; ii) atipicidade da conduta de divulgar óprio voto; iii) crime impossível e iv) requereu, caso mantida a condenação, que não haja a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, posto que a ltima seria mais gravosa que a primeira. Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, considerando ser a conduta atípica. Passo à análise do caso. O crime de violação do sigilo do voto está assim tipificado no Código Eleitoral: Art. 312. Violar ou tentar violar o sigilo do voto: Pena - detenção até dois anos. O tipo penal tem por finalidade a proteção ao sigilo do voto. A preocupação do legislador foi proteger o voto secreto, tanto que a Constituição Federal/88 estabelece em seu artigo 14 que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto (...), e no artigo 60, § 4o, inciso II, eleva-o à categoria de cláusula pétrea, registrando que Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir ...o voto direto, secreto, universal e periódico. Também, com o objetivo de proteger o livre exercício do direito ao voto, o artigo 91- A, da LC 64/90,veda o porte de aparelho de telefonia celular, máquinas fotográficas e filmadoras dentro da cabine de votação. Ora, se o legislador cuidou de proibir a utilização de aparelhos que possam registrar ou gravar o voto na cabine, é evidente que o fez para resguardar o sigilo da votação. Além do mais, o sistema utilizado para proteger o sigilo acarreta despesas elevadas e demanda uma operação gigantesca, não podendo ser banalizado, máxime pela própria Justiça Eleitoral. 566 Revista de Jurisprudência do COPEJE
Apesar de distante dos tempos dos coronéis, velhas práticas, com novas roupagens, podem ser usadas em pleitos eleitorais, e é exatamente isso que a lei visa impedir, ao mesmo tempo em que salvaguarda o eleitor de qualquer pressão, antecipada ou posterior à votação. É importante diferenciar o ato de votar da conduta de divulgar o voto. O eleitor pode livremente declarar em quem vai votar ou em quem votou, mas não pode violar o sigilo no momento em que está na cabine de votação, registrando seu voto. Leonardo Schmitt de Bem e Mariana Garcia Cunha, no que concerne a esta matéria, destacam: “É importante diferenciar o ato de votar da declaração do eleitor. Uma pessoa não pode acompanhar o eleitor na cabine de votação, nem mesmo com a sua anuência, pois incidiria nas penas do presente preceito. Em contrapartida, o eleitor tem a liberdade para declarar suas preferências políticas, inclusive depois de votar. Consigne-se, apenas, que o declarado pode não corresponder ao voto depositado na urna” (grifo para destaque) Assim, o tipo penal descrito no art. 312 do Código Eleitoral visa punir toda a atitude inclinada a quebrar o sigilo do voto e a violar o segredo da votação. Suzana de Camargo Gomes, a propósito, nos ensina: “É de se questionar, no entanto, a hipótese de o sigilo do voto ser quebrado, com a aquiescência do eleitor, se ainda assim estaria configurado o crime em consideração. Ora, conforme já enfatizado, o voto é secreto por força de preceito constitucional, além de que o seu exercício não representa simplesmente um direito individual, de natureza subjetiva, do eleitor, mas reveste-se de função social. Assim, considerado sobre o prisma da relevância social do voto, dado que é a partir da manifestação isolada de cada eleitor, que somada, é possível aferir-se a vontade popular, necessária para determinar as escolhas democráticas,tem-se que, no momento da votação, todas as cautelas devem ser tomadas no sentido de ser preservada a manifestação de vontade daquele que vota, no que concerne ao seu sigilo” Desse modo, pode-se concluir que a violação do sigilo de voto é um crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, inclusive pelo próprio eleitor. No caso sob análise, a materialidade do delito encontra-se devidamente comprovada, tanto na ata da mesa receptora, como nos depoimentos colhidos em juízo. Transcrevo trechos dos depoimentos das testemunhas. Beatriz de Godoi, trabalhou como secretária na seção em que o réu votou: Promotor: o que a senhora sabe sobre o que aconteceu com Josuel no dia da votação? Testemunha: Eu era secretária estava na porta e foi avisado todos os votantes que não poderia ter uso de celular; então, já na entrada estava avisando. O que eu observei Revista de Jurisprudência do COPEJE 567
foi que a presidente viu que ele usou celular e eu vi ela chamando ele no canto e logo em seguida ela pediu para chamar alguém que estava representando o fórum(...) Promotor: A senhora estava na porta? Testemunha: Sim Promotor: E a senhora avisou todo mundo sobre o celular? Testemunha: Sim, todo mundo. Promotor: Ele, a senhora se recorda se avisou ele? Testemunha: Eu lembro que avisei. Avisava a todos, na fila eu falava e no momento que entrava eu também avisava. Graciela Zansávio Pereira, presidente da seção em que o réu votou: Promotor: o que aconteceu no dia dos fatos com relação ao Sr. Josuel? Testemunha: Nós tínhamos a secretária na porta avisando que não podia entrar com o celular...eu estava numa posição um pouco perto da urna e deu pra eu ver a luz do flash e o barulho da pessoa tirando a foto. Aí eu pedi para que ele se levantasse e pedi para conversar...foi chamado o moço do cartório e daí eles conversaram a parte...o que me chamou a atenção foi o flash e o barulho de uma máquina fotográfica... Carina Morais Lopes, trabalhou como mesária na seção em que o réu votou: Promotor: O que aconteceu com o Sr. Josuel lá, o que a senhora pode nos contar? Testemunha: A gente já tava pedindo o celular na porta, a outra ficava na porta pedindo o celular, aí ele entrou, a gente não percebeu que ele estava com o celular no bolso, ele entrou e tirou foto. Transcrevo trechos do interrogatório do réu: Réu: ...de fato eu ia tirar a foto sim, mas na hora que eu já tinha votado eu apertei e achei que iria demorar um pouco para sumir a imagem, daí só saiu a foto da cabine e da minha mão. Juíza: E qual era a intenção do senhor em fotografar o seu voto? Réu: Era uma coisa pessoal minha. (...) Juíza: Por que o senhor foi tirar a foto? Réu: Como eu disse doutora, por uma coisa pessoal minha. Juíza: Mas qual é a questão pessoal sua? Réu: Pra guardar de lembrança do voto, pra quem eu votei. (...) Juíza: O senhor apagou a imagem que tirou no dia? Réu: Eu apaguei porque não saiu foto nenhuma, só a mão. Juíza: Por que o senhor não guardou pra juntar no processo? Réu: Eu não quis deixar, já que não saiu nada mesmo, vou apagar isso aqui. O crime em apreço é classificado pela doutrina como delito de atentado ou de empreendimento, uma vez que prevê expressamente, em sua descrição típica, a conduta de tentar o resultado, o que significa dizer que o sujeito já praticou a conduta nuclear 568 Revista de Jurisprudência do COPEJE
típica quando tenta violar o sigilo de voto, mesmo que o faça por mera brincadeira. No delito de empreendimento, mais de uma conduta nuclear típica é apresentada alternativamente no tipo incriminador, e atos que constituem o iter criminis compõem a conduta nuclear típica, antecipando o momento da consumação, porque a lei penal pretende – por uma fórmula francamente constitucional - ampliar a proteção legal. Como assevera o raciocínio doutrinário de Jorge de Figueiredo Dias, nos crimes de empreendimento ou crimes de atentado, “ocorre uma equiparação típica entre tentativa e consumação, em que, por conseguinte, a tentativa de cometimento do facto é equiparada à consumação e é como tal jurídico-penalmente tratada”. Para estes delitos, não se aplica a especial causa de diminuição de pena do artigo 14, inciso II e parágrafo, do Código Penal brasileiro. Portanto, pela necessidade de proteção penal à hipótese, os atos de tentativa foram englobados pelo tipo legal de crime, constituindo-se em condutas nucleares típicas, tanto a violação – como conduta completa – como também atos que compõem a conduta imediatamente anterior à violação, isto é, a tentativa de violação. Trata-se de uma opção de política criminal importante para a hipótese de proteção legal que se pretendeu imprimir ao sigilo do voto, absolutamente compreensível em face justamente da alta relevância do bem ou valor jurídico penal tutelado. O crime não admitiria, por essa via, a tentativa como normalmente se aplica, porque atos que compõem a tentativa já completam o tipo incriminador. No ambiente teórico desta estrutura típica, há de se reconhecer que a questão fática não socorre ao apelante. Conforme apurado na instrução processual, notadamente nas provas testemunhais colhidas em juízo e mesmo na própria declaração do réu (interrogatório judicial), a tentativa de registrar o voto através da fotografia realmente ocorreu, preenchendo assim o tipo legal do artigo 312 do Código Eleitoral, sendo certo que o réu somente não fotografou o voto na tela da urna eletrônica por circunstâncias alheias à sua vontade. O recorrente alega que o fato delituoso que lhe é imputado constituiria crime impossível, alicerçando seu argumento na tese de que não haveria nos autos comprovação de que tivesse logrado êxito em violar o sigilo de seu voto. Recuso essa tese, pois o conceito de crime impossível não se encaixa na conduta praticada pelo agente. O Código Penal, em seu artigo 17, define crime impossível como aquele que, “por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto”, não pode ser praticado. Na dicção literal do dispositivo, tem-se: Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. O argumento de que o agente não teria logrado êxito em violar o sigilo do voto cai por terra quando ele admite - expressamente confessa - que praticou a conduta descrita no tipo incriminador, não importando se realizando todo o tipo penal ou apenas parte Revista de Jurisprudência do COPEJE 569
dele. Ele afirmou – com confirmação das testemunhas ouvidas em juízo – que fotografou, com seu celular, a tela da urna eletrônica logo que apareceu seu voto, e somente não o capturou na câmera fotográfica do seu celular porque não foi tão rápido para tanto. Daí que, neste episódio, não se trata – de modo algum ― de uma ineficácia absoluta, longe disso, a fotografia foi possível, buscando documentar o voto, mas, por detalhes da dinâmica circunstancial não conseguiu a captura da imagem naquele momento. Poderia, em oportunidade semelhante, obter o registro fotográfico.A alegada impossibilidade não era absoluta, mas apenas relativa. Ora, inidônea seria aquela tentativa que nunca poderia ocorrer, como por exemplo, se o agente tentasse fotografar com celular que não dispusesse de qualquer aplicativo fotográfico em sua estrutura. O tipo incriminador é muito claro ao registrar que ocorre o crime quando o sigilo do voto é efetivamente violado ou se o agente apenas tenta violá-lo. E, assim, a tese de apelação, de ser o crime impossível, não prospera. Para além disso, importante trazer à baila o entendimento da doutrina amplamente majoritária sobre a situação aqui tratada. Neste sentido, Guilherme de Souza Nucci () esclarece o seguinte: “Conceito de crime impossível (tentativa inidônea, impossível, inútil, inadequada ou quase crime): é a tentativa não punível, porque o agente se vale de meios absolutamente ineficazes ou volta-se contra objetos absolutamente impróprios, tornando impossível a consumação do crime. Trata-se de uma autêntica ‘carência de tipo’, nas palavras de Aníbal Bruno (sobre o tipo no Direito Penal, p. 56). Observe-se que as categorias de direito penal são completamente diferentes, ma punível e outra não, pois, no crime impossível, sequer o resultado acontece, pois, justamente, impossível. Ademais disso, o tipo penal prevê expressamente que a tentativa de violar o sigilo do voto já é objeto de pretensão punitiva do Estado. Na tentativa a execução é interrompida antes da consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente, conforme disposto no artigo 14, inciso II e parágrafo único, do Código Penal, mas ainda assim a conduta é punível. No crime impossível o resultado jamais ocorre, pois, ou há ineficácia absoluta do meio, ou há absoluta impropriedade do objeto, conforme artigo 17 do Código Penal.” Portanto, quando o agente efetivamente tentou fotografar seu voto, na urna eletrônica, praticou a conduta prevista no artigo 312 do Código Eleitoral na sua inteireza, nada tendo a se falar a respeito de ocorrência, ou não, do resultado ou de um (futuro) exaurimento do delito, com a divulgação, por exemplo, da sua fotografia. Se o agente fotografa ou tenta fotografar, se ele o faz porque quer comprovar ou não para si ou para alguém em quem votou, não importa à completude já configurada do delito, pois o crime resta está configurado, na forma do artigo 312 do Código Eleitoral brasileiro, eis que violado o sigilo do voto, ou tentada esta violação. O legislador acertadamente pune a tentativa justamente pela importância do sigilo do voto, o qual foi erigido na Constituição Federal como cláusula pétrea e merecedor de toda proteção legal a fim de evitar o retorno aos tempos do conhecido ‘voto de cabresto’. 570 Revista de Jurisprudência do COPEJE
E isto porque o crime sob julgamento não exige o especial fim de agir, o que significa dizer que os motivos do agente para realizar a conduta nuclear típica – que queria guardar uma recordação, ou mesmo que supostamente não queria violar o caráter secreto de seu voto, nem divulgá-lo ― são irrelevantes. E efeito, o artigo 312 do Código Eleitoral apenas exige atos que componham a violação do sigilo do voto. A rigor, exige menos ainda: atos que constituam em tentativa desta violação,conformando um tipo legal de crime, para o qual – para a sua completude típica, basta o dolo como vontade e conhecimento de praticar o ato de violação ou que tente a violação. Quando o agente, pois, ingressa na cabine de votação portando celular equipado com câmera fotográfica que sabe ser de uso proibido – justamente para evitar atos de violação de sigilo do voto – e, nisso é multi-avisado pelos mesários – conforme testemunhos colhidos na instrução -, toma uma fotografia da imagem confirmatória de seu voto e que contém os dados do seu voto, incide nas disposições do artigo 312 do Código Eleitoral, independentemente de não ter a intenção/motivação – que é totalmente despicienda ― de mostrar as outras pessoas ou divulgar seu voto. Quaisquer intenções/motivações – como, por exemplo, a intenção de comprovar para alguém o seu voto ― ou quaisquer resultados – como a divulgação ou conhecimento do voto ― constituem-se em meras circunstancialidades que são detalhes extravagantes ao tipo legal de crime e podem interceder, apenas, no âmbito da aplicação da pena; não da configuração do delito. O disposto no artigo 312 do Código eleitoral constitui-se em uma das mais importantes proteções penais existentes no sistema eleitoral brasileiro, com equivalentes na legislação correlata dos países democráticos, porque confere uma garantia jurídica acrescida – a de ultima ratio – ao pilar fundamental de todo o sistema eleitoral democrático. É a inviolabilidade do voto, a sua confidencialidade – como fundamento um sistema eleitoral válido - que está em causa, quando a disposição do artigo 312 do Código Eleitoral brasileiro apresenta a incriminação. Equivale asseverar que a proteção penal contra atos de violação do sigilo do voto – quaisquer que sejam, inclusive os do leitor, de documentar o voto, durante o sagrado exercício sigiloso do sufrágio, na cabine e votação – é uma proteção penal a tudo o que atenta contra característica nuclear e garantia de um sistema eleitoral digno e um Estado de Direito. Daí que o valor jurídico protegido em dito delito é um bem jurídico supra- individual ― é, essencialmente, o segredo do voto ―, afastando“qualquer possibilidade consentimento quanto à sua lesão por parte do agente por não se encontrar no âmbito da sua disponibilidade”, como anota, com plena razão doutrinária, Helena Moniz, a obra “Comentário Conimbricense do Código penal”, analisando o equivalente artigo 342 do Código Penal português, e que serve plenamente para a interpretação do artigo m312 do Código Eleitoral brasileiro e de disposições semelhantes, como a do Código Eleitoral argentino. Ora, o voto secreto constitui uma exigência constitucional consagrada no artigo 14 da Constituição Federal brasileira e “o princípio do voto secreto é um dos princípios Revista de Jurisprudência do COPEJE 571
materiais do sufrágio (ao lado do princípio da universalidade, da imediaticidade, da liberdade, da igualdade, da periodicidade e da unicidade) (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição 1999 294 ss.)”, de modo que “[na preleção de Canotilho] ‘o voto secreto pressupõe não só a personalidade do voto (...) como a proibição de ‘sinalização’ do voto’ e constitui uma garantia da liberdade de voto impedindo qualquer ‘reconstrução posterior do sentido da imputabilidade subjectiva do voto’ (idem, 296)” (cf. Helena Moniz, mesma obra citada). E isto significa, no âmbito da interpretação da norma penal incriminadora talhada no artigo 312 do Código Eleitoral que “é, pois, a liberdade de voto (liberdade de votar ou não votar e liberdade no votar) associada a uma impossibilidade de identificação de um certo voto com uma determinada pessoa que se pretende proteger com este tipo legal de crime” (cf. Helena Moniz, mesma obra citada). E integra tipo subjetivo qualquer atuação dolosa em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14 do Código Penal, e isto pode transcorrer tanto com dolo direto, como com dolo eventual, que amplia a tipificação do delito doloso, quando o agente, assumindo os riscos, pratica a conduta nuclear típica, mesmo que tenha uma qualquer outra motivação. De efeito, e com o magistério de Zaffaroni e Pierangeli: “No dolo direto, o resultado é querido diretamente (como fim ou como consequência necessária do meio escolhido) e esta forma de querer é diferente do querer um resultado concomitante quando aceitamos como possibilidade: este é o dolo eventual, cujo embasamento legal acha-se na segunda parte do art. 18, I, do CP: quando o agente “assumiu o risco de produzi-lo [o resultado]”. Quando uma pessoa planeja a causalidade para obter uma finalidade faz umarepresentação dos possíveis resultados concomitantes de sua conduta. Em tal caso, se confia em que evitará ou que não sobrevirão estes resultados, deparamo-nos com uma hipótese de culpa com representação (...), mas se age admitindo a possibilidade de que sobrenham, o caso será do dolo eventual. O dolo eventual, conceituado em termos coerentes, é a conduta daquele que diz a si mesmo ‘que aguente’, ‘que se incomode’, ‘se acontecer, azar’, ‘não me importo’. Observe-se que aqui não há uma aceitação do resultado como tal e sim sua aceitação como possibilidade, como probabilidade.” (grifos para destaque) E ainda, para reflexão, nem socorreria ao apelante alegar que não sabia destes detalhes, porque justamente “um dos casos mais comuns de dolo eventual é o que acontece quando o sujeito ativo não conhece, com certeza, a existência dos elementos requeridos pelo tipo objetivo, duvidando da sua existência e, apesar disto, age, aceitando a possibilidade de sua existência” (cf. doutrina desses autores mencionados, Zaffaroni e Pierangeli). Na hipótese, o réu, ora apelante, é pessoa madura, experiente de vida, e foi reiteradamente avisado e advertido pelos mesários, afora toda a campanha publicitária eleitoral que enfoca a votação. Ora, a construção do tipo legal de crime, na redação do artigo 312 do Código Eleitoral brasileiro, visa ao enfrentamento da violação do sigilo do voto consumado 572 Revista de Jurisprudência do COPEJE
ou tentado, para coibir todas as condutas que possam, por qualquer finalidade, diminuir o caráter sigiloso do voto, inclusive aquela praticada pelo agente, como tirar fotografia durante a permanência na cabine de votação. E é assim – sem qualquer possibilidade e abrandar esta intervenção penal por outras interpretações -, porque o tipo penal visa garantir o respeito ao sistema de escolha dos representantes do povo, bem assim a própria logística mantida pelo Direito Eleitoral para garantir que o pleito ocorra sem interferências e em plena harmonia com a intenção livre de voto. Se tentado ou consumado, ambas as condutas sofrerão sanções penais. Qualquer vacilo na permissão de registro – ainda que pelo próprio eleitor -, por fotografias ou outra forma de documentação, abre oportunidades alargadas para as diversas formas de captação ilegal de sufrágio, como a compra de votos, a qual sabidamente possui consequências funestas em todo o pleito eleitoral, podendo até mesmo interferir na validade das eleições. Claro, facilitada a documentação ou o registro (fotográfico, por exemplo) do voto de alguém, ainda que se trate do próprio voto, torna-se possível a cobrança de comprovação, exempli gratia, do sentido ou do conteúdo do voto encomendado por algum candidato, que se propõe ― como se verifica na prática comumente ocorrer nas eleições em geral – a pagar ao eleitor, pelo voto dado efetivamente ao inescrupuloso candidato. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma restritiva de direito, consistente no pagamento de um salário mínimo em favor da instituição Lar da Criança. Insurge-se o recorrente contra essa substituição, por achá-la mais gravosa. Mantenho a pena aplicada na sentença pelos seus próprios fundamentos, os quais transcrevo: “O réu preenche os requisitos do artigo 44, § 3o do Código Penal, e considerando a natureza do delito, a quantidade da pena e as circunstâncias judiciais e legais, bem como que a medida é socialmente recomendável, porque surtirá efetivo punitivo maior do que a pena privativa de liberdade, substituo-a por uma restritiva de direito, nos termos do artigo 44, § 3o do Código Penal. Opto pela prestação pecuniária, no valor equivalente a um salário mínimo, em favor da instituição Lar da Criança. Em face da aplicação do art. 44 do Código Penal, incabível a suspensão condicional da pena (Código Penal, art. 77, inciso III) ...” A substituição ocorreu porque se revela, do ponto de vista da prevenção, muito mais importante para que o agente compreenda a gravidade de seu ato e não incorra novamente em outras práticas criminosas. Como bem asseverou o d. Representante do Ministério Público Eleitoral, em suas contrarrazões recursais, dos antecedentes dos recorrente se extrai que a condenação a penas privativas de liberdade de curta duração não o impediram a tornar a delinquir, no caso em análise revela-se que a prestação pecuniária deve ser mantida com vistas a Revista de Jurisprudência do COPEJE 573
impor o caráter pedagógico da condenação, ou seja, desta feita, por meio da penalização patrimonial, será possível incutir com mais eficiência no sentenciado o senso de que sua conduta é errada e reclama correção. Nesse contexto destaco a importância do caráter preventivo da pena, no sentido de prevenir a ocorrência de futuros delitos, numa visão que torna a pena útil à sociedade, pois além de servir como exemplo (prevenção geral), atua de forma direta sobre o agente que praticou o ilícito (prevenção especial). No caso concreto, fica patente que a pena imposta ao recorrente visa prevenir novas práticas delitivas, pois nas situações pretéritas em que ele teve pena de prisão contra si decretada - como a que agora deseja - voltou a reincidir na conduta criminosa, pelo que mantenho a pena aplicada na sentença. Corroborando toda a fundamentação já exposta acerca da conversão da pena privativa de liberdade, trago à baila a lição de Guilherme de Souza Nucci sobre o tema, citado no voto do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, no Resp n° 1.524.484-PE: “(...) A reconversão da pena restritiva de direitos, imposta na sentença condenatória, em pena privativa de liberdade, para qualquer regime, a depender do caso concreto, depende do advento dos requisitos legais, não bastando o mero intuito do sentenciado de cumprir pena, na prática, mais fácil. Em tese, o regime carcerário, mesmo o aberto, é mais prejudicial ao réu do que a pena restritiva de direitos; sabe-se, no entanto, ser o regime aberto, quando cumprido em prisão-albergue domiciliar, muito mais simples do que a prestação de serviços à comunidade, até pelo fato de inexistir fiscalização. Por isso, alguns condenados manifestam preferência pelo regime aberto em lugar da restritiva de direitos. A única possibilidade para tal ocorrer será pela reconversão formal, vale dizer, ordena-se o cumprimento da restritiva e ela não segue a determinação. Outra forma é inadmissível.” Diante do exposto, verifica-se que o sistema eleitoral se reveste de diversos dispositivos e princípios para assegurar que todo o pleito não seja turbado por intercorrências dessa natureza, bem como que os representantes da população possam ser escolhidos e eleitos de maneira transparente e justa, cabendo à Justiça Eleitoral unir qualquer tentativa de macular esse sistema. III – DISPOSITIVO Desta forma, voto pelo conhecimento do recurso e no mérito pelo não provimento, mantendo integralmente a r. sentença proferida pela d. Juíza a quo. Curitiba, 13 de dezembro de 2017. GRACIANE LEMOS RELATORA 574 Revista de Jurisprudência do COPEJE
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