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Revista de Jurisprudência do COPEJE - 1.a Edição

Published by anderson, 2019-09-11 16:04:35

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cento apenas em oito Estados - Minas Gerais, São Paulo, Maranhão, Rondônia, Roraima, Rio de Janeiro, Alagoas e Paraná, legendo 13 deputados; e) Partido Comunista do Brasil - PC do B, com 2,12% dos votos, significando um milhão, novecentos e oitenta e dois mil, trezentos e vinte e três votos, nove Estados Acre, Amazonas, obtendo os dois por cento apenas em Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Amapá, Bahia e Pernambuco, elegendo 13 deputados; f) Partido Social Cristão - PSC, com 1,86% dos votos, percentagem a revelar um milhão, setecentos e quarenta e cinco mil, cento e trinta e dois votos, ultrapassando os dois por cento m sete Estados - Sergipe, Rio de Janeiro, Pará, Espírito Santo, Amapá, São Paulo e Maranhão, legendo 9 deputados; g) Partido Socialismo e Liberdade – PSOL, com 1,23% dos votos, a revelar um milhão, cento e quarenta e nove mil, seiscentos e dezenove votos, tendo alcançado os dois por cento em quatro Estados – Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Ceará e Distrito Federal, elegendo 3 deputados; h) Partido da Reedificação da Ordem Nacional - PRONA, com 0,97% dos votos, ou seja, novecentos e seis mil, trezentos e quarenta e sete votos, ultrapassando a meta de dois por cento em cinco Estados Amazonas, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo e Alagoas, legendo 2 deputados; i) Partido da Mobilização Nacional PMN, com 0,94% dos votos, logrando oitocentos e setenta e cinco mil, seiscentos e dezesseis votos, chegando aos dois por cento em quatro “Estados _ Rio Grande do Norte, Acre, Alagoas e Amazonas, elegendo 3 deputados: j) Partido Trabalhista Cristão - PTC, com 0,86% dos votos, isto é, oitocentos e quatro mil, duzentos e vinte e seis votos, alcançando os dois por cento nos Estados de Roraima e São Paulo, elegendo 3 deputados; 1) Partido Humanista da Solidariedade - PHS, com 0,46% dos votos, ou seja, quatrocentos e trinta e cinco mil e dezenove votos, não logrando os dois por cento em nenhum” os Estados, elegendo 2 deputados; m) Partido Social Democrata Cristão – PSDC, com 0,38% dos votos, logrando trezentos e cinquenta e cinco mil e vinte e um votos, não obtendo os dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado; n) Partido Trabalhista do Brasil - PT do B, com 0,32% dos votos, alcançando, assim, trezentos e dois mil, quinhentos e vinte votos, conseguindo os dois por cento somente no Estado do Rio de Janeiro, elegendo 1 deputado; o) Partido dos Aposentados da Nação - PAN, com 0,32% dos votos, perfazendo trezentos e um mil, duzentos e sessenta e seis votos, ultrapassando os dois por cento no Estado o Maranhão, elegendo 1 deputado; p) Partido Republicano Brasileiro - PRB, com 0,25% dos votos, tendo com isso duzentos trinta e dois mil e novecentos e setenta e sete votos, não logrando os dois por cento em nenhum dos Estados, elegendo 1 deputado; Revista de Jurisprudência do COPEJE 51

q) Partido Republicano Progressista - PRP, com 0,25% dos votos, logrando duzentos e trinta e um mil, cento e sessenta e um votos, não obtendo dois por cento em nenhum Estado, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado; r) Partido Social Liberal – PSL, com 0,20% dos votos, alcançando cento e oitenta e sete mil, trezentos e quarenta votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado; s) Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PRTB, Com 0,18% dos votos, isto é, cento e setenta mil, quatrocentos e trinta e seis votos, não chegando aos dois por cento em nenhum os Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado; t) Partido Trabalhista Nacional - PTN, com 0,16% dos votos, ou seja, cento e cinquenta m mil, duzentos e noventa e dois votos, conseguindo dois por cento em dois Estados: Rondônia Roraima, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado; u) Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado com 0,11% dos votos, significando em mil, quinhentos e setenta e quatro votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado; v) Partido Comunista Brasileiro - PCB, com 0,05% dos votos, percentual igual a quarenta rês mil, setecentos e dezenove votos, não obtendo dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado; x) Partido da Causa Operária PCO, com 0,03% do total, significando vinte e seis mil e novecentos e quarenta e nove votos, não logrando dois por cento em nenhum dos Estados, não elegendo, ante o quociente eleitoral, deputado; O registro desses dados servirá ao exame da razoabilidade das exigências legais. Sob o aspecto constitucional, somente a Carta outorgada de 1967 versou a matéria alusiva à cláusula de barreira. Fê-lo não quanto ao funcionamento parlamentar em si, a existência de partido cerceado no tocante a prerrogativas normalmente existentes, mas relativamente à extinção. O artigo 149 da Constituição Federal de 1967, ao dispor sobre a organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos, .além de remeter a lei federal, sentou como princípio a necessidade de as agremiações haverem obtido, na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, dez por cento do eleitorado atualmente cinco distribuídos pelo menos em sete Estados e não em nove como agora com um mínimo de sete por cento matéria: hoje dois em cada um deles. Eis o preceito regedor da matéria: Art. 1.49. A organização, o funcionamento e a dos partidos políticos serão regulados m lei observados os seguintes princípios: I (...) 52 Revista de Jurisprudência do COPEJE

(...) VII – exigência de dez por cento do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos em dois treços dos Estados, com o mínimo de sete por cento em cada um deles, bem assim dez por cento de Deputados, em, pelo menos, um terço dos Estados, e dez por cento dos Senadores. (...) A Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, também dispôs sobre o terna, flexibilizando a exigência anterior. Esta a disciplina verificada: Art. 152 - A organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos serão regulados em lei federal observados os seguintes princípios: I (...) (...) VII - exigência de cinco por eleitorado que haja votado a última eleição a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo sete Estados, com o mínimo de sete por cento deles; e (...) A Emenda Constitucional n. 11, de 13 de outubro de 1978, ao dar nova redação ao artigo 152 mencionado, modificou a previsão: Art. 152 - A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo com o disposto este artigo, serão regulados em lei federal. §2 (...) (...) II – apoio, expresso em votos, de 5 (cinco por cento) do eleitorado que haja votado na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, distribuídos, pelo menos, por nove Estados, com o mínimo de 3% (três por cento) em casa um deles; Com a promulgação da Emenda Constitucional n. 25, de 15 de maio de 1985, houve nova alteração do artigo 152 em análise. O §1 do citado artigo ganhou a seguinte redação: §1 Não terá direito a representação no Senado Federal e na Câmara dos Deputados o partido que não obtiver o apoio, expresso em votos, de 3% (três por cento) do eleitorado, apurados em eleição geral para a Câmara dos Deputados e distribuídos em, pelo menos, 5 cinco) Estados com o mínimo de 2% (dois por cento) do eleitorado de cada um deles. Então, é dado concluir que, sob a regência da Carta de 1967, tanto na redação primitiva, quanto nas resultantes das Emendas Constitucionais 1/69 e 11/78, Revista de Jurisprudência do COPEJE 53

as exigências ligadas à representatividade de partido político alcançaram, com gradação maior, constitucional, a própria organização, funcionamento e extinção das agremiações. Com a Emenda Constitucional n. 25/85, dispôs-se de forma precisa quanto às consequências de não ter o partido atingido os patamares fixados, versando o novo § 2° do aludido artigo 152 sobre a consequência de não ser alcançada a votação exigida, considerados os mandatos políticos: §2ª Os eleitos por partidos que não obtiverem os percentuais exigidos pelo parágrafo anterior terão seus mandatos preservados, desde que optem, no prazo de 60 (sessenta dias), por qualquer dos partidos remanescentes. O §3º do mesmo dispositivo cuidou da problemática da criação, fusão, incorporação, extinção e fiscalização financeira dos partidos políticos remetendo a lei federal, guardados, é certo, os princípios constitucionais. Conclui-se, portanto, que, anteriormente, a matéria tinha disciplina constitucional. Sob o ângulo da votação obtida, a própria Carta dispunha não só sobre a representação nas Casas legislativas como também sobre a vida ou a morte civil do partido político. O que aconteceu, considerados os novos ares constitucionais, os benfazejos ares democráticos, ao menos assim e quer e se proclama a todos os ventos, consagrados na Lei Fundamental de 1988? O artigo 1º revela como um dos fundamentos da própria República o pluralismo político - inciso V. Já o parágrafo único do citado artigo estabelece que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos do Diploma Maior. Este, ao fixar as condições de elegibilidade, menciona a necessária filiação partidária, ou seja, não existe a possibilidade de o cidadão, sem respaldo de partido político, lograr mandato eletivo, presente sufrágio universal, o voto direto e secreto. O capítulo V de Título compreendido em parte básica da Constituição Federal – o II, porque trata dos direitos e garantias fundamentais – encerra como medula a liberdade dos partidos políticos, predicado inasfastável quanto a essas pessoas jurídicas de direito privado. Pedagogicamente consigna a liberdade na criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, revelando a necessidade de se resguardar a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Vê-se o relevo maior atribuído à multiplicidade política. Relembrem: como fundamento da República, versou- se pluralismo político e, quanto aos partidos políticos, previu-se a livre criação fazendo-se referência, de maneira clara, ao pluripartidarismo. Tratou-se do caráter nacional das entidades para, a seguir, dispor-se que os partidos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil, devendo ter os estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. Federal diz respeito a o que contém no artigo 17 da Carta todo e qualquer partido político legitimamente constituído, não encerrando a norma maior a possibilidade de haver partidos de primeira e segunda classes, 54 Revista de Jurisprudência do COPEJE

partidos de sonhos inimagináveis em termos de fortalecimento e partidos fadados a morrer e inanição, quer sob o ângulo da atividade concreta no Parlamento, sem a qual é injustificável a existência jurídica, quer da necessária difusão do perfil junto ao eleitorado em geral, dado indispensável ao desenvolvimento relativo à adesão quando do sufrágio, quer visando, via fundo partidário, a recursos para fazer frente à impiedosa vida econômico-financeira. Em síntese, tudo quanto venha à balha em conflito com os ditames maiores, os constitucionais, há de merecer a excomunhão maior, o rechaço por aqueles comprometidos com a ordem constitucional, com a busca do aprimoramento cultural. Transcrevo, para efeito de documentação, a íntegra do citado artigo: Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, esguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III – prestação de contas à Justiça Eleitoral IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei. §1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito acional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. §2º Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma de lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. §3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei. §4º É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar. Ainda sob o ângulo do pluripartidarismo, da representatividade dos diversos segmentos nacionais, é dado perceber a ênfase atribuída pela Carta Federal às minorias. No tocante às comissões permanentes e temporárias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o §1º do artigo 58 do Diploma Maior assegura sem distinguir, considerada a votação obtida, o número de eleitos, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. Aliás, na cabeça do artigo, há a remessa aos regimentos Internos do Congresso bem como das duas Casas, e versa o preceito algo compreendido no gênero funcionamento parlamentar, disciplina em sintonia com a independência Revista de Jurisprudência do COPEJE 55

dos Poderes. NO processo legislativo, no aperfeiçoamento da lei em sentido formal e material, nesse ato complexo, atua, ao término da linha, o Executivo, sancionando ou vetando o que aprovado pelas Casas Legislativas. Fica no ar: existentes partidos com deputados leitos, é dado a Poder diverso o Executivo compor e balizar o funcionamento interno, embora e forma conjunta com Senado e Câmara? Di-lo que não o jurista e ex-ministro Célio Borja. Endosso a óptica por Sua Excelência externada. Da mesma forma que ao Judiciário cumpre reger órgãos internos - artigo 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal - via regimento interno, tem-se, preservado o sistema como único, idêntico enfoque quanto à vida interna de ada Casa Legislativa - artigos 51, incisos III e IV, 52, incisos XII e XIII, e 58 da Carta da República. ale repetir o que consignado pelo parecista em peça elaborada a pedido da Mesa da câmara os Deputados, considerada transcrição contida em memorial: “Da independência do órgão colegiado do Poder Legislativo e da inviolabilidade dos seus membros, no exercício do mandato, resulta a impossibilidade de lhes regular a conduta parlamentar por lei formal, dado que assim facultar-se-ia a intromissão de outra Casa e do Presidente da República em assunto entregue à autonomia de cada uma das Câmaras.” “As bancadas são instituições de direito parlamentar exclusivamente. Constituem-se, nos corpos legislativos, pela reunião dos representantes que se identificam pela unidade de propósito e pela uniformidade da atuação. Agrupam-se sob a liderança que designam” Sim, presentes deputados necessariamente vinculados a certo partido, cuja existência civil e registro no Tribunal Superior Eleitoral sejam incontestáveis, a eles são aplicáveis, em ermos de atividade parlamentar, as normas constantes do Regimento Interno. Fora isso é menosprezar a independência funcional da Casa Legislativa. Estabelece o §3° do mesmo artigo 58 que a criação de comissão parlamentar de inquérito se faz mediante requerimento de um terço dos membros da Câmara dos Deputados u do Senado Federal ou, se comissão mista, de ambas as Casas. A Constituição Federal atribui ainda legitimidade aos partidos políticos para provocarem a jurisdição constitucional concentrada, sendo suficiente, contar, para tanto, com um único representante em qualquer as Casas do Congresso. Em última análise, as previsões constitucionais encerram a neutralização da ditadura da maioria, afastando do cenário nacional óptica hegemônica e, portanto, totalitária. Concretizam, em, termos de garantias, o pluralismo político tão inerente o sistema proporcional, sendo com elas incompatível regramento estritamente legal a resultar em condições de exercício e gozo a partir da gradação dos votos obtidos. Aliás, surge incongruente admitir que partido sem funcionamento parlamentar seja, a um só tempo, legitimado para a propositura das ações direta de inconstitucionalidade e declaratória de constitucionalidade, não tendo atuação na Casa Legislativa, mas 56 Revista de Jurisprudência do COPEJE

agindo via credenciamento popular no âmbito do Judiciário, tudo acontecendo - repito - sem que existente a restrição institucional. Vê-se que a Lei Básica de 1988 não manteve a vinculação surgida com a Constituição de 1967, para o desenvolvimento da atividade política elo partido, aos votos obtidos em determinado certame. Nem se diga que o .inciso IV do artigo 7 remete o funcionamento parlamentar à disciplina mediante lei, podendo esta última dispor obre algo de fundamental relevância, ou seja. sobre a criação de partidos políticos de primeira segundacategorias,consideradoodesempenhonasurnas.A previsãoquanto à competência o legislador ordinário para tratar do funcionamento parlamentar há de ser tomada sem esvaziar- e os princípios constitucionais, destacando-se com real importância o revelador do pluripartidarismo. Vale dizer que se deixaram à disciplina legal os parâmetros do funcionamento parlamentar sem, no entanto, viabilizar que norma estritamente legal exterminasse a vida soberba de alguns partidos políticos e a morte humilhante de outros. Verificada a existência jurídica do partido, a participação em certas eleições, o êxito quanto a mandatos políticos em disputa, não há como afastar do cenário a vontade dos cidadãos que elegeram candidatos, que vieram a preencher cadeiras em Casas Legislativas desvinculando-os, em quase um passe de funesta mágica, do próprio partido que respaldou a candidatura. Surge incongruente assentar a necessidade de o candidato ter, em um primeiro passo, o aval de certo partido e, a seguir eleito, olvidar a agremiação na vida parlamentar. O casamento não é passível desse divórcio. Aliás, para aqueles preocupados com a proliferação dos partidos políticos, há de levar- e em conta que o enxugamento do rol é automático, presente a vontade do povo, de quem mana o poder. Se o partido político não eleger representante, é óbvio que não se poderá cogitar de funcionamento parlamentar. Considerada a ordem natural das coisas, cuja força é suplantável, a conveniente representatividade dos partidos políticos no parlamento fica ungida tão- somente ao êxito verificado nas urnas, entendendo corno tanto haver sido atingido quociente eleitoral, elegendo candidatos, pouco importando o número destes. Só assim ter-se-á como atendido o fundamento da República, ou seja, o pluralismo político, valendo notar que o verdadeiro equilíbrio decorre do somatório de forças que revelem a visão dos diversos segmentos que perfazem a sociedade. Em síntese, não elegendo candidato, o partido fica automaticamente fora do contexto parlamentar. Estão enquadrados nessa situação, porquanto não alcançaram o coeficiente eleitoral, os seguintes partidos: Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado – PSTU, Partido Social Liberal – PSL, Partido Trabalhista Nacional – PTN, Partido Comunista Brasileiro – PCB, Partido Social Democrata Cristão – PSDC, Partifo Renovador Trabalhista Brasileiro – PRTB, Partido da Causa Operária – PCO e Partido Republicano Progressista - PRP . Resumindo, surge com extravagância maior interpretar-se os preceitos constitucionais a ponto e esvaziar-se o pluripartidarismo, cerceando, por meio de atos que se mostram pobres em razoabilidade e exorbitantes em concepção de forças, a atuação deste ou daquele partido político. Revista de Jurisprudência do COPEJE 57

Tenham presente que a necessidade do trato constitucional da matéria, conforme a tradição, conforme a assegurada liberdade de criação dos partidos, foi percebida quando dos trabalhos de revisão da Carta de 1988. O então relator da revisão, deputado Nelson Jobim, presentou, em 1994, substitutivo ao Parecer n° 36. Neste ressaltou que a chamada ‘cláusula e barreira” não teria sido tratada na Constituição, aspecto que vinha dando margem a perplexidades interpretativas por parte do legislador”. O substitutivo acrescentava, ao §2° do artigo 17 da Constituição Federal, relativizando-o, a necessidade de o partido político comprovar o apoiamento de eleitores exigido em lei. Acrescentava os §5º e 6° ao citado artigo e revogava o inciso IV nele contido, a versar sobre a remessa, à lei, do funcionamento parlamentar. Eis o teor dos preceitos que, caso aprovada a emenda constitucional de revisão, estariam hoje em vigor, afastando a celeuma que deu margem a este julgamento pelo Supremo, guarda maior da Constituição; §5° Somente terá direito a representação na Câmara dos Deputados o partido que obtiver o apoio mínimo de cinco por cento dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos, apurados em eleição geral e distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, atingindo dois por cento em cada um deles. §6° Somente o partido que cumprir o disposto no parágrafo anterior poderá registrar candidato a presidente da República. A substitutiva data de 1994. Não houve o consenso indispensável à aprovação da emenda em que pesem aos parâmetros flexibilizados, para alterar-se a Carta da República, revistos no artigo 3’ do Ato das Disposições Constitucionais Transit6rias – voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional em sessão unicameral. Pois bem, ap6s hist6rico e disciplina a revelarem a necessidade do trato da matéria com envergadura maior constitucional legislador comum veio a aprovar o texto do que seria o li 5’ do artigo 17 da Constituição federal, olvidando a natureza rígida desse diploma. A Carta acabou alterada mediante lei ordinária! “Transportou-se sem o advérbio ‘somente” I é certo para o estatuto dos partidos políticos aprovado no ano seguinte, as regras submetidas ao Congresso Nacional e rejeitadas ara inserção no Documento Maior da República. Não houve sequer alteração quanto às percentagens. Está-se a ver que o disposto no artigo 13 da Lei no 9.096/95 veio a mitigar o que garantido aos partidos políticos pela Constituição Federal, asfixiando-os sobremaneira, a ponto e alijá-los do campo político, com isso ferindo de morte, sob o ângulopolítico-ideo16gico, certos segmentos, certa parcela de brasileiros. E tudo ocorreu a partir da 6ptica da sempre ilustrada. Sob o ângulo da razoabilidade, distancia-se do instituto diploma legal que, apesar da liberdade de criação de partidos políticos prevista na Constituição Federal, admite a existência respectiva e, em passo seguinte, inviabiliza o crescimento em termos de representação. A exigência de cinco por cento dos votos válidos para a Câmara 58 Revista de Jurisprudência do COPEJE

dos Deputados implica, considerados os dados da última eleição, a necessidade de o partido haver alcançado quatro milhões, seiscentos e oitenta e um mil, duzentos e noventa e três votos em um universo de noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e cinquenta oito votos. Aliás, assentada, em relação a todos os partidos hoje registrados no Tribunal Superior Eleitoral, a necessidade de alcançar cinco por cento dos votos, ter-se-ia que contar não com cem por cento correspondentes à totalidade dos sufrágios mas com cento e quarenta e cinco por cento! Ainda no tocante à razoabilidade, mostra-se imprópria a existência de partidos políticos com deputados eleitos e sem o desempenho parlamentar cabível, cumprindo ter presente que, persistirem partidos e parlamentares a eles integrados, haverá, em termos de funcionamento parlamentar I o esvaziamento da atuação das minorias. A cláusula constitucional a remeter o funcionamento parlamentar, as balizas deste, a receito legal o que, no entendimento do ministro célio Borja, constante de parecer, leva à disciplina mediante regimento interno – não pode ser tomada a ponto de admitir-se que a lei inviabilize, por completo, o dito funcionamento, acabando com as bancadas dos partidos minoritários e impedindo os respectivos deputados de comporem a Mesa Diretiva e as comissões, em flagrante contrariedade à disposição do §1 do artigo 58 da Constituição Federal, no que sinaliza, em bom vernáculo, a necessidade de ambas Mesa e comissões serem integradas, se houver possibilidade física, de forma proporcional, pelos partidos e blocos parlamentares existentes na Casa, vale dizer, que tenham deputados eleitos. Nos dias de hoje, tem-se exemplo marcante da extravagância da disciplina legal. O histórico e fidedigno Partido Comunista do Brasil logrou obter 2,12% da totalidade dos votos para a Câmara dos Deputados, significando esta percentagem substancial votação - um milhão novecentos e oitenta e dois mil trezentos e vinte e três votos em noventa e três milhões, seiscentos e vinte e cinco mil, oitocentos e cinquenta e oito votos perfazendo a percentagem de dois por cento dos votos em nove Estados Acre, Amazonas, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Maranhão, Bahia, Pernambuco e Amapá e elegendo 13 deputados. Conta hoje com integrante a presidir a Câmara dos Deputados o deputado Aldo Rebelo. Pois bem, ante a incidência do artigo 13, na próxima legislatura, de duas, uma: ou o deputado Aldo Rebelo migra para outro partido, em condenável polivalência político- ideológica, ou terá que desistir de concorrer à reeleição, esta última admitida pelo Supremo desde que se trate de nova legislatura – muito embora o §4 do artigo 57 da carta contenha cláusula vedando “a redução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. MAS ainda: o atual Vice-Presidente da República, José Alencar, é do partido Republicano Brasileiro - PRB. Foi reeleito. O Partido não veio a atender às exigências legais nas últimas eleições, elegendo 1 deputado. Contará com integrante Vice-presidente da República, mas com deputado órfão, sem endosso partidário, na Câmara dos Deputados. Revista de Jurisprudência do COPEJE 59

Quanto ao rateio do fundo partidário, a circunstância de ter-se a divisão inicial considerados os percentuais de noventa e nove por cento e de um por cento, concorrendo ao primeiro os partidos ditos, sob o ângulo da representação, majoritários com aumento da fatia de cada qual - e, à percentagem ínfima de um por cento, todos os 29 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, haverá situações concretas em que a redução de valor a ser recebido alcançará percentagem superior a noventa e nove por cento. Levem em conta a situação do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, que elegeu 22 deputados e obteve quatro milhões, quatrocentos e dezesseis mil, quinhentos e sessenta e seis votos, o que, a toda evidência, não é pouco em termos de representatividade. Considerada a eleição de 2002, teve jus, em 2006, à cota de seis milhões, setecentos e quarenta e seis mil, cento e vinte e cinco reais, sessenta e quatro centavos. Com a nova disciplina, repetido em 2007 o valor arrecadado em 2006 para o Fundo Partidário, o PTB ficará com a quota de quarenta mil, seiscentos e quarenta e seis reais e setenta centavos, verificada assim diminuição de 99.408. O mesmo se diga em relação ao Partido Liberal – PL, cujos votos chegaram a quatro milhões, setenta e quatro mil, trezentos e noventa e três, elegendo 23 deputados. Ante a eleição de 2002 e considerado o Fundo Partidário relativo a 2006, alcançou seis milhões, setecentos e oito mil, noventa e três reais e treze centavos. Incidentes as novas regras e mantida a arrecadação de 2006 relativamente a 2007, caberá a ele quarenta mil, seiscentos e quarenta e seis reais e setenta centavos, ocorrendo decréscimo de 99,39%. Enquanto isso, todos os sete partidos que lograram atender às exigências legais, com cinco por cento dos votos nacionais distribuídos em nove Estados, obtendo em cada qual dois por cento dos votos, terão majoração, a saber: Partido progressista - PP, de Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, do Movimento Democrático Brasileiro PMDB, de 17,08%; de 34,29%; da Frente Liberal PFL, de 1,59%; Partido dos 0,54%; Partido Trabalhadores - PT, de 12,68%; Partido Socialista brasileiro - PSB, de 43,53%; e Partido Democrático Trabalhista PDT de 25,25%. Ocorrendo alteração positiva e sendo alcançados valores que vão de 8.408.598,08 4.158.085,91. Não é aceitável, sob o ângulo da razoabilidade, tal equação, dividindo sete partidos o grande bolo de 99% do que vier a ser arrecadado para o Fundo Partidário e os vinte e nove partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, inclusive esses sete, um por cento. O mesmo enfoque é dado verificar em termos de horário reservado à propaganda partidária. Os sete partidos que conseguiram atender aos requisitos legais terão, por semestre, cada qual, vinte minutos em rede nacional e vinte minutos em rede estadual bem como inserções nas duas cadeias, a totalizarem, em relação a cada uma, por semestre, quarenta minutos. Já os vinte e dois partidos de representação menor, aquém das rigorosas exigências legais, terão, cada qual, dois minutos por semestre e unicamente em rede nacional, não contando com o tempo para inserções. Esta Corte é chamada a pronunciar-se sobre a matéria a partir da Constituição Federal. Descabe empunhar a bandeira leiga da condenação dos chamados partidos de aluguel, o preconceito, mesmo porque não se pode ter como a revelá-los partidos, 60 Revista de Jurisprudência do COPEJE

para exemplificar, como o Partido Popular Socialista PPS, o Partido Comunista do Brasil - PC do B, o Partido Verde - PV e o Partido Socialismo e Liberdade PSOL, sendo que este último, aliás, é condenado a não subsistir sem que tenha experimentado espaço de tempo indispensável a lograr grau de acatamento maior frente ao eleitorado. Se, impossibilitado de figurar junto à Casa para a qual elegeu deputados, tendo substancialmente mitigada a participação no fundo partidário e no horário de propaganda eleitoral, não deixará jamais a situação embrionária, própria ao surgimento de uma nova sigla. Permanecerá, se tanto, em plano secundário, inviabilizado o acesso eficaz a eleitores, o que somente ocorre em virtude da atuação parlamentar e da divulgação de metas partidárias. A dose é cavalar. Implicando a potencialização do objetivo visado em detrimento de princípios constitucionais. Possíveis circunstância reinantes, possíveis desvios de finalidade hão de ser combatidos de forma razoável, sem a colocação em segundo plano de valores inerentes à democracia, a um Estado Democrático de Direito. Levem em conta ainda que o funcionamento parlamentar não o é apenas nas Assembléias e Câmaras, alcançando o Senado da República e neste os seguintes partidos, da ala excluída, elegeram nas últimas eleições senadores - sem contar aqueles que se encontram em meio ao mandato: Partido Trabalhista Brasileiro PTB, 3 senadores; Partido Comunista do Brasil PC do B, I senador; Partido Renovador Trabalhista Brasileiro - PRTB, 1 senador; Partido Popular Socialista - PPS, 1 senador; e Partido Liberal - PL, 1 senador. Indaga-se: ter-se-á dois pesos e duas medidas com funcionamento Parlamentar no Senado e ausência nas demais Casas Legislativas? Se positiva a resposta, o sistema estará capenga, distinguindo-se onde o legislador não distinguiu. Que fique ressaltado, em verdadeira profissão de fé, em verdadeiro alerta a desavisados, encontrar-se subjacente a toda esta discussão o ponto nevrálgico concernente à proteção dos direitos individuais e das minorias, que não se contrapõe aos princípios que regem O governo da maioria cuja finalidade é o alcance do bem-estar público, a partir da vontade da maioria, desde que respeitados os direitos dos setores minoritários, não se constituindo, de forma alguma, em via de opressão destes últimos. No Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria, organizada em torno de qualquer ideário ou finalidade – por mais louvável que se mostre-, é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos minoritários dentre os quais estão a liberdade de se expressar, de se organizar, de denunciar, de discordar e de se fazer representar nas decisões que influem nos destinos da sociedade como um todo, enfim, de participar plenamente da vida pública, inclusive fiscalizando os atos determinados pela resguardem as prerrogativas e a identidade pr6pria daqueles que, maioria. AO reverso, dos governos democráticos espera-se que até numericamente em desvantagem, porventura requeiram mais da força do Estado como anteparo para que lhe esteja preservada a identidade cultural ou, no limite, para que continue existindo. Revista de Jurisprudência do COPEJE 61

Aliás, a diversidade deve ser entendida não como ameaça mas como fator de crescimento, como vantagem adicional para qualquer comunidade que tende a enriquecer-se com essas diferenças. o desafio do Estado moderno, é elidir as minorias, mas de organização das mais complexas, não reconhecê-las e, assim o fazendo, viabilizar meios para assegurar-lhes os direitos constitucionais. Para tanto, entre outros procedimentos, há de fomentar diuturnamente o aprendizado da tolerância como valor maior, de modo a possibilitar a convivência harmônica entre desiguais. Nesse aspecto, é importante sublinhar, o Brasil se afigura como exemplo para o mundo. Democracia que não legitima esse convívio não merece tal status, pois, na verdade, revela a face despótica da inflexibilidade, da intransigência, atributos que, normalmente afetos a regimes autoritários, acabam conduzindo à escravidão da minoria pela maioria. Alfim, no Estado Democrático de Direito, paradoxal é não admitir e não acolher a desigualdade, o direito de ser diferente, de não formar com a maioria. Mais: o Estado Democrático de Direito constitui-se, em si mesmo - e, sob certo ponto de vista, principalmente instrumento de defesa das minorias. Esse foi o entendimento adotado, levando o Supremo a garantir a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito pela vontade de um terço - e não da maioria dos parlamentares, no julgamento do Mandado de Segurança n” 24.831-9/DF, relatado pelo ministro Celso de Mello e cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 4 de agosto de 2006. É de repetir até a exaustão, se preciso for: Democracia não é a ditadura da maioria! De tão óbvio, pode haver o risco de passar despercebido o fato de não subsistir o regime democrático sem a manutenção das minorias, sem a garantia da existência desta, preservados os direitos fundamentais assegurados constitucionalmente. Então, encerro este voto, no julgamento conjunto das ações nº. 1.351-3/DF e 1.354- 8/DF, acolhendo os pedidos formulados – exceto quanto ao inciso II do artigo 56 – e, com isso, declarando a inconstitucionalidade da Lei 9.096/95: a) do artigo 13; b) da expressão “obedecendo aos seguintes critérios”, na cabeça do artigo 41, e dos incisos I e 11 do mesmo preceito; c) do artigo 48; d) da expressão “que atenda ao disposto no artigo 13”, no artigo 49; e) da expressão “no artigo 13” do inciso II do artigo 57. É o voto. 62 Revista de Jurisprudência do COPEJE

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COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO JORGE MUSSI (MINISTRO DO TSE) ACÓRDÃO AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL Nº 0601851- 89.2018.6.00.0000 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE. POSSIBILIDADE. PRESCINDIBILIDADE NO CASO CONCRETO. ALEGAÇÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. APRESENTAÇÕES ARTÍSTICAS. CANDIDATO. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. 1. A petição inicial não é inepta quando presentes seus elementos essenciais (partes, causa de pedir e pedido) e ausentes os vícios previstos no art. 330, § 1º, do CPC/2015, de modo a possibilitar às partes o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como o esclarecimento dos fatos no curso da instrução processual. 2. As partes não estão obrigadas a prestar depoimento pessoal, ante a falta de previsão na LC nº 64/90 e o caráter indisponível dos interesses envolvidos, embora não estejam impedidas de fazê-lo, caso a isso se disponham (AgR-RMS Revista de Jurisprudência do COPEJE 65

nº 2641/RN, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 27/9/2018; RHC nº 131/ MG, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 5/8/2009; e HC nº 85.029, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 1º/4/2005). 3. O art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 1990, exige, para a abertura de investigação judicial eleitoral, que sejam relatados fatos e indicados provas, indícios e circunstâncias, sem prejuízo de que, no curso da instrução, esteja assegurado o uso dos meios legais e moralmente legítimos para provar a verdade dos fatos, submetido ao controle e ao convencimento motivado do julgador (CPC/2015, arts. 369 a 371). 4. O candidato supostamente beneficiado pelo abuso de poder é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de investigação judicial eleitoral, ainda que a conduta investigada não seja a ele atribuída. Precedente. 5. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento. 6. O abuso do poder econômico, por sua vez, caracteriza-se pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), com gravidade suficiente para afetar o equilíbrio entre os candidatos e macular a legitimidade da disputa. 7. Não configura prática abusiva a divulgação, em turnê de apresentações no País, sem aporte de recursos públicos, de opiniões pessoais de artista estrangeiro, condizentes com suas convicções políticas, com a veiculação de críticas a autoridades e empresários de diversas partes do mundo, as quais constituem mero exercício da garantia constitucional a todos assegurada de livre manifestação de pensamento. 8. Inexistência, neste caso, de acervo probatório seguro a demonstrar a prática de condutas concretas de manifesta realização de propaganda eleitoral negativa, capaz de incutir em contingente expressivo de pessoas a ideia de que determinado candidato esteja vinculado a práticas antidemocráticas. 9. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes. 10. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as questões preliminares, se julga improcedente. 66 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em rejeitar as preliminares e julgar improcedente a ação de investigação judicial eleitoral, nos termos do voto do relator. Brasília, 13 de dezembro de 2018. MINISTRO JORGE MUSSI – RELATOR VOTO O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (relator): Senhora Presidente, Jair Messias Bolsonaro e a Coligação Brasil Acima de Tudo, Deus acima de Todos apontaram a existência de abuso do poder econômico atribuído a Fernando Haddad e Manuela Pinto Vieira D’Ávila – candidatos aos cargos de presidente e vice-presidente da República na Eleições 2018, respectivamente –, bem como a Fernando Luiz Alterio, Flabia Helena Schiavon e Luiz Oscar Niemeyer Soares, sócios da Empresa T4F Entretenimento, consubstanciado na suposta utilização da turnê de shows realizada no Brasil pelo artista Roger Waters para promover propaganda negativa do candidato representante, com a finalidade de favorecer os dois candidatos representados, seja pela utilização ilícita de vultosos recursos, ainda que indiretamente, em prol de sua campanha e em desfavor da dos representantes, seja pela não contabilização de tais valores na prestação de contas. Inicio o exame das preliminares pela suscitada inépcia da petição inicial. A peça de ingresso contempla partes, causa de pedir e pedido, circunstância que autoriza concluir – como bem observou o Ministério Público em seu parecer, citando precedentes desta Corte – ter possibilitado o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como a produção de provas no curso da ação. Nesse sentido: AgR-AI nº 45-05/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 10.8.2018; AgR-REspe nº 41-85/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 3.8.2018; e AI nº 45-65/MG, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 21.11.2017. Logo, impõe-se a rejeição desta preliminar. A ilegitimidade passiva dos investigados, por sua vez, decorreria do fato de “que as manifestações que supostamente consubstanciariam propaganda eleitoral” não foram proferidas pelos sócios da T4F, mas apenas pelo artista Roger Waters, “com base na garantia constitucional do livre exercício da atividade artística e de expressão do pensamento”, e, ainda, de que não foi possível aferir, das alegações firmadas e das provas colacionadas pelos autores, que Fernando Haddad e Manuela Pinto Vieira D’Ávila teriam “responsabilidade e legitimidade para figurar no polo passivo”. Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte Superior, como igualmente salientou o Órgão Ministerial em sua manifestação, tem adotado a teoria da asserção, a qual dispõe que as condições da ação – incluindo, portanto, a legitimidade das partes – devem ser aferidas em abstrato, à vista das situações fáticas e dos fundamentos jurídicos trazidos com a inicial, sem exame aprofundado de provas (REspe nº 478-21/MG, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 3.10.2018, e Rp nº 665-22/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 1º.10.2014). Revista de Jurisprudência do COPEJE 67

Sob essa ótica, é preciso lembrar que “a legitimidade e a normalidade das eleições se afiguram pressupostos materiais para a investidura idônea e legítima do cidadão eleito, bem como para a consequente fruição de seu mandato eletivo” (REspe nº 1260/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 30.6.2017), daí decorrendo que a responsabilização da conduta ilícita com aptidão para desequilibrar o pleito pode ser imputada não apenas ao seu autor, mas também ao candidato diretamente beneficiado por sua eventual prática. Por isso mesmo, este Tribunal, no julgamento da Ação Cautelar nº 189-47/RO, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha (DJe de 24.11.2015), firmou entendimento de que o candidato supostamente beneficiado pelo abuso de poder é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de investigação judicial eleitoral, ainda que a conduta tida por abusiva não seja a ele atribuída. Pois bem, relata a inicial que a prática abusiva consistiria na organização e realização de evento artístico pela Empresa T4F Entretenimento, de propriedade de Fernando Luiz Alterio, Flabia Helena Schiavon e Luiz Oscar Niemeyer Soares, no qual o músico internacional contratado teria externado manifestações de repúdio ao então candidato Jair Messias Bolsonaro, com intuito de propiciar dividendos eleitorais para a campanha da chapa formada por Fernando Haddad e Manuela Pinto Vieira D’Ávila. Diante dessa narrativa, a inclusão dos investigados no polo passivo da demanda mostra-se juridicamente legítima, pelo que rejeito também a segunda preliminar. Antes de adentrar a matéria de fundo, reafirmo os fundamentos adotados para o indeferimento do pedido de oitiva de testemunhas e depoimento pessoal do representado Luiz Oscar Niemeyer Soares, em decisão proferida no dia 22.11.2018 (ID nº 2236438). Para tanto, frisei que os esclarecimentos fornecidos pelo Ministério da Cultura negando o uso de subsídios públicos para a realização dos shows, tornaram desnecessária a produção de tais provas para o deslinde do objeto em exame nesta investigação e que os fatos aqui noticiados – de conhecimento público e notório – dispensariam prova, nos termos do art. 374, I, do CPC/2015. Demais disso, especificamente no que tange ao depoimento pessoal, trata-se de procedimento não abrangido pelo rito preconizado no art. 22 da LC nº 64/90, conforme assentado na jurisprudência desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal (AgR-RMS nº 2641/RN, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe de 27.9.2018; RHC nº 131/ MG, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 5.8.2009; e HC nº 85.029, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 1º.4.2005). Da mesma forma, reafirmo ser desnecessária para a solução da demanda a quebra de sigilo bancário da T4F Entretenimento requerida pelos representantes, por se tratar de medida de caráter excepcionalíssimo, somente justificável quando inexistirem outras providências probatórias hábeis e menos gravosas ao esclarecimento dos fatos, o que não é o caso dos autos, pois amealhados outros elementos de prova capazes de determinar a natureza dos recursos financeiros utilizados por referida empresa na produção dos eventos supostamente abusivos. 68 Revista de Jurisprudência do COPEJE

A respeito, rememoro o precedente jurisprudencial invocado para negar a realização da diligência, consignada na decisão de 8.11.2018 (ID nº 1477538), de cuja ementa extraí o seguinte excerto: PETIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. ACESSO. SIMULTANEIDADE. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. CONTA BANCÁRIA. CAMPANHA ELEITORAL. INDEFERIMENTO. (...) Ademais, o sigilo bancário somente é passível de ser suprimido após a individualização de um provável ilícito, mediante o devido processo legal, sob pena de busca generalizada e devassa indiscriminada, inadmissíveis em nosso ordenamento jurídico à luz dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição da República. (PET nº 73170/DF, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 27.11.2012) Como visto, restam inequívocas a impertinência e a inutilidade das mencionadas provas, motivo pelo qual o seu indeferimento não trouxe qualquer prejuízo para o pleno exercício do direito de ação e do contraditório. No expressivo dizer do Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto (AgR-REspe nº 46-12, DJe de 7.8.2017): (...) o magistrado é o destinatário da prova, cumprindo-lhe valorar sua necessidade. Em regra, tal procedimento não configura cerceamento de defesa, pois cumpre ao juiz, no exercício do seu poder-dever de condução do processo, a determinação das provas necessárias à instrução deste e o indeferimento das diligências inúteis ou meramente protelatórias. No mérito, retomo os pressupostos jurídicos e probatórios necessários à configuração das condutas abusivas reprimidas pela Lei Complementar nº 64/90 por mim assentados, com esteio na orientação jurisprudencial desta Corte, nos votos que proferi por ocasião do exame colegiado das AIJEs nos 0601754-89 e 061575-58, havido no corrente mês de dezembro. Naqueles feitos, vali-me das lições de lapidar voto da lavra do eminente Ministro Luiz Fux, lançado no REspe nº 1528-45 (DJe de 2.6.2017), no qual Sua Excelência logrou identificar e explicitar os aspectos a serem considerados para a precisa identificação do abuso de poder, tema de inegável complexidade e objeto de intenso debate na jurisprudência e na doutrina, notadamente por conta da escassez de um conceito previsto em que fixe os elementos tipificadores desse ilícito eleitoral. Eis os fragmentos da ementa do julgado paradigma de interesse para o caso em apreço: 17. O abuso de poder (i.e., econômico, político, de autoridade e de mídia) reclama, para a sua configuração, uma análise pelo critério qualitativo, materializado em evidências e indícios concretos de que se procedera ao aviltamento da vontade livre, autônoma e independente do cidadão-eleitor de escolher seus representantes. 18. O critério quantitativo (i.e., potencialidade para influenciar diretamente no resultado das urnas), conquanto possa ser condição suficiente, não se perfaz condição necessária para a caracterização do abuso de poder econômico. Revista de Jurisprudência do COPEJE 69

(...) 20. O fato de as condutas supostamente abusivas ostentarem potencial para influir no resultado do pleito é relevante, mas não essencial. Há um elemento substantivo de análise que não pode ser negligenciado: o grau de comprometimento aos bens jurídicos tutelados pela norma eleitoral causado por essas ilicitudes, circunstância revelada, in concrecto, pela magnitude e pela gravidade dos atos praticados. Efetivamente, após as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 135/2010, não se exige mais a potencialidade da conduta ilícita com intuito de alterar o resultado da eleição para fins de configuração do ato abusivo, “mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam” (art. 22, XVI, LC nº 64/1990). Sob esse ângulo, relembro o seguinte escólio da Min. Luciana Lóssio: [...] deflui do dispositivo que a verificação do abuso passou a demandar a avaliação da gravidade das circunstâncias inerente ao fato em si, ou seja, do desvalor presente diante do bem jurídico tutelado pela norma, no caso, a normalidade e a legitimidade das eleições. Assim, a investigação da prática abusiva não se prende necessariamente a eventuais implicações no pleito, muito embora tais implicações, quando existentes, reforcem a natureza grave do ato. (AgR-REspe nº 259-52/RS, DJe de 14.8.2015) A Constituição Federal é categórica na indicação dos valores a serem resguardados pelo Direito Eleitoral quando inscreve como parâmetro para a legislação complementar a proteção à “normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, § 9º). Outrossim, no plano infraconstitucional, a Lei nº 9.504/1997 reprime, com a perda do registro de candidatura ou a cassação do diploma, a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A) e a movimentação ilícita de recursos de campanha (art. 30-A), bem como diversos comportamentos administrativos “tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais” (art. 73), demonstrando a inequívoca preocupação em proteger a manifestação popular e o necessário equilíbrio da disputa política de influências indevidas do poderio econômico e político da sociedade. Desse modo, a mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, conquanto deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento. A esse respeito, ainda com apoio no mencionado precedente de relatoria do Ministro Luiz Fux, extraio a seguinte lição: Se diagnosticadas circunstâncias desabonadoras da conduta dos players durante a competição eleitoral, capazes de aniquilar e vilipendiar a higidez e a sinceridade 70 Revista de Jurisprudência do COPEJE

que devem presidir as eleições, o reconhecimento de corrupção eleitoral [e de abuso de poder] é medida que se impõe. Referido comportamento não se coaduna com o jogo democrático ético, transparente e republicano, máxime porque macula a própria noção de legitimidade do pleito, ínsita que é ao Estado Democrático de Direito, nomeadamente por resguardar, de forma suficiente, o direito dos cidadãos, atores principais dentro do processo político. No limite, é a própria liberdade de voto que se afigura comprometida. Consoante afirmado algures, a legitimidade e a normalidade das eleições são pressupostos materiais para a investidura idônea do cidadão eleito e o consequente desempenho de seu mandato eletivo. Além dos requisitos jurídicos a serem utilizados no processo de subsunção dos fatos à norma para fins de conformação do abuso de poder, também enfatizei nos referidos julgados a imprescindibilidade, para fins de impor condenação com base na Lei das Inelegibilidades, de conjunto probatório seguro a demonstrar a efetiva ocorrência dos ilícitos imputados e sua inequívoca gravidade para macular a regularidade do pleito. É que, na esteira da orientação jurisprudencial desta Corte, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional, verificar, com fundamento em provas robustas e conclusivas admitidas em direito, a existência de grave ilícito eleitoral suficiente para ensejar as severas e excepcionais sanções de cassação de diploma e de declaração de inelegibilidade (REspe n° 682-54/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 16.12.2014 e RO nº 2650-41/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 8.5.2017). Ou, ainda: (...) A retirada de determinado candidato investido em mandato, de forma legítima, pelo batismo popular, somente deve ocorrer em bases excepcionalíssimas, notadamente em casos gravosos de abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio manifestamente comprovados nos autos. (FUX, Luiz. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 115-116). Esta lição doutrinária leva à conclusão de que meras alegações, alvitres ou suposições de ilícitos, se não lastreados em dados concretos e empíricos, coerentes e firmes, não bastam à formação de juízo de condenação capaz de elidir a legitimidade do mandato popular obtido nas urnas. (REspe nº 901-90/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 14.3.2017) No que tange a esse aspecto probatório, tomei como norte, para formação do meu convencimento, as lúcidas ponderações do Ministro Celso de Mello, em julgamento de recurso neste Tribunal: (...) Revista de Jurisprudência do COPEJE 71

(...) no âmbito de uma formação social organizada sob a égide do regime democrático, não se justifica, sem base probatória idônea, mesmo em sede eleitoral, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelem-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas cuja existência poderia conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o ‘non liquet’. Meras conjecturas (que sequer podem conferir suporte material a qualquer imputação) ou simples elementos indiciários desvestidos de maior consistência probatória não se revestem, em sede judicial, de idoneidade jurídica. Não se pode – tendo-se presente o postulado constitucional da não-culpabilidade – atribuir relevo e eficácia a juízos meramente conjecturais, para, com fundamento neles, apoiar um inadmissível decreto de cassação do diploma. Não questiono a eficácia probante dos indícios, mas enfatizo que a prova indiciária – para viabilizar um juízo de condenação (penal ou civil) – deve ser veemente, convergente e concatenada, não excluída por contra-indícios, nem abalada ou neutralizada por eventual dubiedade que possa emergir das conclusões a que tal prova meramente circunstancial dê lugar, sob pena de o acolhimento judicial desses elementos probatórios indiretos, quando precários, inconsistentes ou impregnados de equivocidade, importar em incompreensível transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade. É que os indícios somente terão força convincente, ‘quando [...] concordes e concludentes’, pois indícios que não sejam coesos, firmes ou seguros não podem legitimar, a meu juízo, um decreto de condenação ou, como no caso, de cassação de diploma. (REspe nº 21.264/AP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 11.6.2004) (destaques no original) Em síntese, consignei a conclusão de que, para caracterização do abuso de poder apto à incidência das graves penalidades aqui referidas, impõe-se a comprovação, de forma inequívoca, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). Outro ponto a merecer ênfase, igualmente assinalado nas duas ações de investigação judicial relativas ao pleito presidencial de 2018 já submetidas ao crivo deste Plenário, nas assentadas de 4 e 11 últimos, consiste na ponderação de que a lesividade da conduta para conformação do uso abusivo do poder numa eleição presidencial, a meu 72 Revista de Jurisprudência do COPEJE

juízo, deve ser mais evidente, quer em razão da importância do cargo de presidente da República no âmbito nacional e internacional, quer por se tratar de pleito de proporções continentais, a envolver um eleitorado de quase 150 milhões de cidadãos. Nesse ponto, ganha relevo o alerta do então Ministro Caputo Bastos, no REspe nº 25.073/BA, DJ de 17.3.2006, no sentido de que a “intervenção da Justiça Eleitoral deve ter como referência o delicado equilíbrio entre a legitimidade da soberania popular manifestada nas urnas e a preservação da lisura do processo eleitoral”. De fato, todo poder emana do povo, competindo à Justiça Eleitoral proteger essa vontade popular e não substituí-la. Como consectário, à luz do princípio da reserva legal proporcional, nem todo ato ilícito reconhecido por esta Justiça especializada será necessariamente abusivo e, por conseguinte, apenado com os gravames alusivos à cassação de registro, mandato ou diploma e à inelegibilidade, podendo configurar ofensa a outros bens jurídicos igualmente tutelados pela legislação, a exemplo das condutas vedadas, passíveis de imposição das sanções de suspensão imediata da conduta e multa. Adotando por norte essas premissas, principio o exame das alegações e das provas dos autos. Na demanda em apreço, é imputada a prática de abuso do poder econômico, a qual se caracteriza pelo emprego desproporcional de recursos patrimoniais (públicos ou privados), de forma a comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas entre os candidatos. Esse é o firme posicionamento consolidado pelo TSE, refletido nos fragmentos das ementas, entre outras, adiante reproduzidas: RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LC 64/90. DISTRIBUIÇÃO. BEBIDA. (...) 9. Abuso de poder econômico caracteriza-se pela utilização desmedida de aporte patrimonial que, por sua vultosidade, é capaz de viciar a vontade do eleitor, desequilibrando a lisura do pleito e seu desfecho. Precedentes. 10. A teor do art. 22, XVI, da LC 64/90, para a configuração do abuso considerar- se-á a gravidade das circunstâncias do caso. (...) 14. Assim, seja sob o aspecto quantitativo ou qualitativo, a conduta em exame não é suficientemente grave para desconstituir a vontade da maioria popular sufragada na eleição majoritária de Sandovalina/SP em 2016. (...) (REspe nº 626-54/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 11.5.2018) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO FEDERAL E DEPUTADO ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LC 64/90. DISTRIBUIÇÃO DE PROPAGANDA IMPRESSA EM IGREJA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Abuso de poder econômico configura-se por emprego desproporcional de recursos patrimoniais, públicos Revista de Jurisprudência do COPEJE 73

ou de fonte privada, vindo a comprometer valores essenciais a eleições democráticas e isentas, o que também pode ocorrer mediante entrelaçamento com o instituto do abuso de poder religioso. Precedentes. (...) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Consoante a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o uso indevido dos meios de comunicação social caracteriza-se pela exposição desproporcional de um candidato em detrimento dos demais, ocasionando um desequilíbrio na disputa eleitoral. 2. Ainda segundo o Tribunal Superior Eleitoral, o abuso do poder econômico configura-se mediante o uso desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura. (...) (AgR-REspe nº 730-14/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 2.12.2014) A propósito, indiscutível que o emprego de recursos públicos ou privados para financiar evento artístico com o nítido fim de divulgar propaganda negativa de determinado candidato poderia materializar, em tese, o uso abusivo do poder econômico, a teor dos precedentes citados. Todavia, seria imprescindível a comprovação do uso de vultosos valores financeiros para a realização de espetáculo, com ampla repercussão pública, destinado a incutir em contingente expressivo de pessoas a ideia de não votar em determinado candidato. Tal não é, desenganadamente, a hipótese em apreciação neste feito, uma vez que inexiste prova segura da prática de condutas concretas pelos candidatos representados, em “conluio” com os sócios da empresa T4F, a revelar o uso malicioso dos shows da turnê brasileira do artista Roger Waters com a finalidade de influenciar eleitoralmente os seus expectadores. Com efeito, o conjunto probatório amealhado pela acusação para comprovar o abuso de poder limita-se às provas trazidas com a inicial, consubstanciadas em matérias jornalísticas e em sítios da internet, tendo se restringido a instrução postulada à requisição de informações ao Ministério da Cultura e à oitiva do Sr. Sérgio Sá Leitão, Ministro de Estado titular daquela Pasta, e de pessoas ligadas à empresa T4F, para esclarecimentos quanto ao “contexto em que foi feita a contratação dos shows do artista Roger Waters”. Tais diligências, no decorrer da fase instrutória, se revelaram – conforme alhures referi – absolutamente despiciendas para a elucidação dos fatos objeto da demanda. Relativamente ao suposto aporte de dinheiro público nos referidos shows, o Ofício SEI nº 261/2018/GM-MINC (ID nº 2117288), do Ministério da Cultura, afastou definitivamente cogitada tese ao informar a inexistência de registro de projeto da Empresa T4F Entretenimento S.A., no âmbito da Lei Rouanet, referente a Roger Waters, 74 Revista de Jurisprudência do COPEJE

salientando que “o espetáculo do cantor Roger Waters, realizado nas cidades brasileiras em 2018, não recebeu apoio pelo mecanismo de incentivo fiscal estabelecido pela Lei nº 8.313/1991”. O aventado “conluio” entre os candidatos representados, os sócios da T4F e o artista Roger Waters para divulgar propaganda negativa de Jair Messias Bolsonaro igualmente não se sustenta, porquanto os representantes não trouxeram ao processo elementos aptos a comprovar tal alegação. A mera repercussão, em páginas da campanha nas redes sociais dos candidatos representados, das mensagens veiculadas pelo artista nos shows, em nada comprova a existência de acordo prévio, nem de consentimento para tal divulgação. Por se tratar de personalidade de visibilidade internacional, os shows de Roger Waters tiveram alcance mundial, circunstância de que os candidatos representados buscaram tirar proveito, à vista das manifestações desfavoráveis ao adversário na disputa presidencial de 2018 – consoante frisou o Parquet eleitoral em seu pronunciamento. Nada, porém, que revele a implementação de estratagema previamente discutido e organizado com o artista para promover a obtenção de dividendos eleitorais nos eventos musicais. Os autos revelam, em verdade, a utilização oportunista durante a campanha de manifestações pessoais de renomado músico internacional, o que pode até ser considerado moralmente reprovável a depender da forma como realizado, mas incapaz de configurar o cometimento de ilícito eleitoral. Além disso, os contratos entre a empresa T4F Entretenimento Ltda. S.A. (Promotor) e 641 Productions LLC, C/O (Sociedade) (IDs n 1953588 e 1953538) foram firmados em novembro de 2017 e os maio de 2018, em momento anterior ao início do período eleitoral, para apresentações do artista Roger Waters na Turnê Us and Them 2018, nas cidades de São Paulo, Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e do Rio de Janeiro, estabelecendo as seguintes condições nas Cláusulas 3.1.9. e 3.1.11., conforme Tradução nº I-47671/18: 3.1.9. reconhecendo que a Sociedade deverá ter o controle exclusivo sobre todos os elementos criativos do Compromisso para incluir sem limitação elementos criativos com duração do concerto (desde que a Sociedade/o Artista cumpra com leis de toque de recolher locais), qualquer música/filme/vídeo exibido para usuários em qualquer momento durante os Compromissos incluindo antes do concerto e durante o intervalo; (...) 3.1.11. O Artista deverá ainda ter o direito de aprovação sobre todos e quaisquer outros atos no concerto, seus tempos de duração e horários no concerto. Salvo se de outra forma informado pela Sociedade e sempre sujeito a aprovação prévia do Artista, um artista fará o número de abertura para o Artista em cada Compromisso, não excedendo trinta e cinco (35) minutos. De tudo, infere-se que a turnê realizada no País por Roger Waters não teve financiamento público de recursos e que somente o mencionado artista e sua equipe Revista de Jurisprudência do COPEJE 75

detiveram controle sobre o conteúdo dos shows apresentados. Os candidatos e os empresários representados não detinham qualquer ingerência sobre o roteiro da apresentação artística, tampouco tiveram oportunidade de realizar qualquer aparição ou manifestação pública durante os eventos. Ademais, em diversas notícias juntadas ao processo, é possível observar que o referido cantor, usualmente, ao longo de sua carreira, expõe ao público presente em seus espetáculos opiniões pessoais, condizentes com as suas convicções políticas, contrárias a práticas que entende autoritárias, violentas e fascistas, com a veiculação de críticas a autoridades e empresários de diversas partes do mundo, as quais constituem mero exercício da garantia constitucional a todos assegurada de livre manifestação de pensamento. Destaco, uma vez mais, a posição do Ministro Luiz Fux, veementemente defendida nesta Corte, ao lembrar que: [...] a liberdade de expressão reclama proteção reforçada, não apenas por encerrar direito moral do indivíduo, mas também por consubstanciar valor fundamental e requisito de funcionamento em um Estado Democrático de Direito, motivo por que o direito de expressar-se e suas exteriorizações (informação e de imprensa) ostenta uma posição preferencial (preferred position) dentro do arquétipo constitucional das liberdades. (RO nº 758-25/SP, Redator para o acórdão Min. Luiz Fux, DJe de 13.9.2017) Não se vislumbra nas provas trazidas ao processo qualquer menção ao nome dos candidatos representados, nem dos partidos políticos aos quais se vinculam. Sobre a propaganda eleitoral negativa, esta Corte Superior adotou o entendimento estampado nas ementas a seguir transcritas: ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. INTERNET. NÃO CONFIGURAÇÃO. MULTA AFASTADA. DESPROVIMENTO. 1. Conforme declinado no decisum ora agravado, não há elementos descritos na moldura fática do voto condutor do acórdão regional que possam caracterizar extrapolação do direito à liberdade de expressão e pensamento. 2. Consoante já decidiu esta Corte, “não tendo sido identificada nenhuma ofensa à honra de terceiros, falsidade, utilização de recursos financeiros, públicos ou privados, interferência de órgãos estatais ou de pessoas jurídicas e, sobretudo, não estando caracterizado ato ostensivo de propaganda eleitoral, a livre manifestação do pensamento não pode ser limitada” (REspe nº 29-49/RJ, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 25.8.2014). 3. No conteúdo da mensagem impugnada, transcrita na íntegra no acórdão recorrido, não há ofensa propriamente dita, mas sim críticas políticas, ainda que incisivas e desabonadoras, as quais são insuficientes para a configuração da propaganda eleitoral antecipada negativa. 76 Revista de Jurisprudência do COPEJE

4. As críticas a adversários políticos, mesmo que veementes, fazem parte do jogo democrático, de modo que a intervenção da Justiça Eleitoral somente deve ocorrer quando há ofensa à honra ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos. 5. Não há no agravo regimental argumento que se sobreponha aos fundamentos lançados na decisão impugnada. 6. Agravo regimental desprovido. (Recurso Especial Eleitoral nº 40-51/PI, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 7.12.2017) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. CRÍTICAS INERENTES AO EMBATE POLÍTICO. DESPROVIMENTO. 1. Não há propaganda eleitoral negativa quando os termos supostamente ofensivos não extrapolam a liberdade de manifestação. 2. As críticas inerentes ao embate político, ainda que desabonadoras da atuação de determinado governo ou político, não são aptas a configurar propaganda eleitoral negativa. 3. Agravo regimental desprovido. (Recurso Especial Eleitoral nº 4474-94/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 20.10.2015) Inexiste, assim, qualquer prova permitindo atestar que as manifestações do referido artista durante sua turnê realizada no Brasil tiveram potencial para prejudicar a imagem e, consequentemente, a candidatura de Jair Messias Bolsonaro, sobretudo considerando-se que boa parte das menções feitas se referia a posições contrárias ao candidato representante externadas por terceiros em redes sociais e na internet em ocasiões anteriores e de conhecimento público há longa data – como, por exemplo, a expressão “#ELENÃO”. Além disso, a plateia presente nos shows, no momento em que ocorriam as alegadas ofensas, dividia-se entre os que apoiavam tais posicionamentos e os que dele discordavam. Ainda que assim não fosse, também é preciso ponderar que o universo de eleitores possivelmente influenciado pelo suposto abuso de poder seria ínfimo, quando considerado o eleitorado do pleito presidencial e o público total presente em todos os shows da turnê. Logo, dentro do contexto processual destes autos e à luz da jurisprudência desta Corte, tem-se como impositivo reconhecer a inexistência de acervo probatório seguro e consistente a revelar a efetiva ocorrência de abuso do poder econômico imputado. O Órgão Ministerial, ao concluir pela improcedência dos pedidos formulados na inicial, lastreado em precedentes do TSE, igualmente observou em seu pronunciamento, da lavra do il. Dr. Humberto Jacques de Medeiros, Vice-Procurador-Geral Eleitoral: (...) Revista de Jurisprudência do COPEJE 77

Inicialmente, vale destacar que a maior parte das provas acostadas aos autos consiste em matérias jornalísticas, repercutindo os shows de Roger Waters e suas opiniões políticas, especialmente as trazidas pela exordial (ID 575504). 48. Há ainda ofício oriundo do Ministério da Cultura que, contradizendo anterior afirmação do próprio Ministro signatário, atesta a inexistência de repasse de incentivos públicos (Lei Rouanet ou assemelhada) à turnê objeto destes autos (ID 2117288). 49. Não obstante, foi juntada documentação pertinente à contratação do artista, traduzida para o vernáculo (ID 1953488 e 1953838). 50. Diante de tal panorama, é forçoso concluir que a utilização da mensagem “#ELENÃO” durante o show, conquanto tenha ocorrido somente uma vez, configura, sem dúvidas, oposição ao representante. 51. Entretanto, considerando as manifestações de Roger Waters retratadas nos autos, não se vislumbra ato que transborde a crítica albergada pela liberdade de manifestação do pensamento. 52. De fato, o nome dos candidatos representados ou mesmo do partido adversário não foi citado em momento algum, ainda que, havendo somente dois na disputa do segundo turno, seja em tese beneficiado o adversário. (...) 54. Assim, a manifestação contrária a atos “autoritários”, “violentos” e “fascistas”, perpetrada pelo artista e veiculada pela imprensa, não tem natureza de ilícito eleitoral, ainda que se considere o momento de acirramento de ânimos entre o primeiro e o segundo turnos das Eleições. 55. A alegada tentativa de vinculação da imagem do então candidato Jair Bolsonaro a aludidos atos não logra êxito na seara eleitoral. Além disso, eventual dano supostamente causado a sua imagem deve ser reparado pela via própria, fora do contexto eleitoral. 56. Isso porque, consoante já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, a liberdade de expressão e pensamento é a regra, devendo ser apresentadas provas robustas de ato que transborde de seus limites, ausentes na hipótese. (...) 57. Ademais, não foi comprovado o suposto conluio entre os representados e o cantor Roger Waters voltado a, denegrindo a imagem do então candidato representante, desequilibrar o pleito e favorecer a coligação adversária. 58. Inexiste prova nos autos sobre a ocorrência de tal “premeditação” quando da contratação da turnê pelos representados dirigentes da empresa T4F. Afinal, o contrato foi ajustado ainda no ano de 2017 e nele não consta qualquer cláusula a obrigar a veiculação mensagens políticas ou se manifestar com base em viés ideológico pré-determinado. 59. Ao contrário, conforme alegado por Fernando Luiz Alterio, Flabia Helena Schiavon e Luiz Oscar Niemeyer Soares, a cláusula 3.1.9 da avença firmada prevê que o artista deterá “controle exclusivo sobre todos os elementos criativos com duração do concerto” (ID 1953888). 78 Revista de Jurisprudência do COPEJE

60. Com efeito, embora a página da campanha de Fernando Haddad e Manuela D’ Ávila tenha publicado a repercussão das mensagens veiculadas por Roger Waters em seus shows – visto que contrárias à candidatura adversária – impende reconhecer que tal fato, por si só, não significa que os representados consentiram ou mesmo possuíam ciência prévia do que foi falado. Propalaram o fato, dele pretendendo tirar proveito, mas disso não se extrai conluio. 61. O mesmo raciocínio se aplica ao pedido do artista para visitar o ex-presidente Lula na prisão. Ora, em que pese transpareça, ainda que discretamente, apoio à candidatura dos representados, não é ilícito e não tem o condão de influenciar o eleitorado. 62. A atitude do artista também não destoa de suas manifestações anteriores em shows realizados em diversos países, conforme notícias apresentadas pelos representados, as quais retratam o engajamento político de Roger Waters, além de não ocultar evidente estratégia mercadológica de visibilidade para a turnê assumindo a eventualidade de efeitos deletérios a suas iniciativas. 63. Não obstante, como asseverou o próprio representante, não foi Roger Waters o único artista a se manifestar favoravelmente à campanha eleitoral de Fernando Haddad e Manuela D’ Ávila. Não sendo o caso de elencá-los, é forçoso convir que diversas personalidades também apoiaram o representante, de modo que não se vislumbra desequilíbrio no pleito decorrente de abuso de poder. 64. Assim, não há evidência segura de cometimento, participação ou, ao menos, da anuência dos representados, tanto candidatos quanto empresários, no suposto ilícito. 65. Nesse sentido, também não há falar em realização de showmícios ou na prática de “caixa 2”. Afinal, diante dos argumentos acima articulados e do arcabouço probatório dos autos, entende-se que a turnê de Roger Waters não foi contratada por qualquer agremiação política ou mesmo por candidatos com finalidade eleitoral. (...) 67. Como se isso não bastasse, conclui-se que, mesmo caso se entenda configurado o ato abusivo, afigura-se salutar reconhecer que não há gravidade apta a macular a legitimidade e a normalidade das eleições. Ao contrário, as ditas celeumas nos shows decorreram do apoio de parte expressiva dos fãs às ideias do então candidato Jair Bolsonaro. 68. Percebe-se que vaias a Roger Waters e mesmo manifestações favoráveis ao representante durante os shows foram espontâneas. De igual modo, não se pode concluir como comprovada a ocorrência de ilicitude apenas com base em publicações jornalísticas, tais como as apresentadas pelos representantes. 69. Nesse cenário, tem-se como não demonstrada a ocorrência de abuso de poder econômico pelos representados Fernando Haddad, Manuela Pinto Vieira D’ Ávila, Fernando Luiz Alterio, Flabia Helena Schiavon e Luiz Oscar Niemeyer Soares, devendo a ação de investigação judicial eleitoral proposta pela Coligação Revista de Jurisprudência do COPEJE 79

“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” (PSL/ PRTB) e por Jair Messias Bolsonaro ser julgada improcedente. (...) Indene de dúvida, destarte, a condenação dos representados, à vista dos fatos investigados nesta ação e da precariedade das provas produzidas nos autos, afrontaria a razoabilidade e a proporcionalidade. Posto isso, rejeito as preliminares suscitadas e, na linha do parecer ministerial, ausentes a comprovação de abuso do poder econômico e a evidência da gravidade dos fatos narrados na inicial, julgo improcedente a ação de investigação judicial eleitoral, determinando seu arquivamento. É como voto. VOTO O SENHOR MINISTRO OG FERNANDES: Senhora Presidente, acompanho o relator. VOTO O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: Senhora Presidente, cumprimento os eminentes advogados, destacando o esforço da eminente advogada em buscar estabelecer um liame de responsabilidade entre o evento e a manifestação política, talvez, com aporte de recursos públicos. Mas a completude do voto do eminente relator, ao longo da sua leitura, fez-me perceber que daquilo que eu tinha anotado para dizer eu nada diria, a não ser para acrescentar uma dose a mais de cansaço aos colegas neste final de ano e ser repetitivo. Portanto, acompanho às inteiras o voto do eminente relator. 80 Revista de Jurisprudência do COPEJE

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRA LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO TSE – VOTO VISTA – RESPE Nª 243-42. 2012.6.18.0024 TEMA Fraude à participação política feminina RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. FRAUDE. PERCENTUAIS DE GÊNERO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. 1. Não houve ofensa ao art. 275 do Código Eleitoral, pois o Tribunal de origem entendeu incabível o exame da fraude em sede de ação de investigação judicial eleitoral e, portanto, não estava obrigado a avançar no exame do mérito da causa. 2. “É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte no sentido de que o partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos nos quais esteja em jogo a perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral” (AgR-AI nº 1307-34, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 25.4.2011). 3. Para modificar a conclusão da Corte de origem e assentar a existência de oferta de benesse condicionada ao voto ou de ato abusivo com repercussão econômica, seria necessário o reexame do conjunto probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial (Súmulas 7 do STJ e 279 do STF). 4. É possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista Revista de Jurisprudência do COPEJE 81

no ordenamento jurídico - tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º, da Lei das Eleições - ou se há o lançamento de candidaturas apenas para que se preencha, em fraude à lei, o número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas. 5. Ainda que os partidos políticos possuam autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quais candidaturas merecem maior apoio ou destaque na propaganda eleitoral, é necessário que sejam assegurados, nos termos da lei e dos critérios definidos pelos partidos políticos, os recursos financeiros e meios para que as candidaturas de cada gênero sejam efetivas e não traduzam mero estado de aparências. Recurso especial parcialmente provido. (Recurso Especial Eleitoral nº 24342, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11/10/2016, Página 65-66) VOTO-VISTA A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Senhor Presidente, dada a clareza e minudência na exposição dos fatos, adoto o relatório do Ministro Henrique Neves e rememoro o feito, nos pontos pertinentes. Na espécie, o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE/PI) acolheu as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam da Coligação Por um Novo Tempo, excluindo-a da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), bem como de inadequação da via eleita, relativamente à tese de fraude eleitoral para obtenção de resultado favorável no pleito, por meio de induzimento de eleitoras a se candidatarem, para suprir cota de gênero de 30% do sexo feminino. No mérito, a Corte de origem negou provimento ao recurso da coligação recorrente, mantendo a sentença que julgou improcedente a AIJE, por entender que não havia lastro probatório suficiente para a condenação dos recorridos por abuso de poder econômico, político e captação ilícita de sufrágio. Embargos de declaração opostos pela recorrente rejeitados. O recurso especial foi inadmitido pelo Tribunal de origem, tendo o Ministro Henrique Neves da Silva dado provimento ao agravo nos próprios autos, para melhor exame do apelo nobre e, em seguida, negou-lhe seguimento monocraticamente, às fls. 611-631. Interposto agravo regimental contra essa decisão, Sua Excelência, inicialmente, negou-lhe provimento na sessão do dia 7.5.2015, e eu pedi vista dos autos para melhor exame. Na sessão do dia 18.6.2015, o julgamento foi retomado, oportunidade em que votei divergindo do eminente relator que, em razão dos debates travados, se retratou 82 Revista de Jurisprudência do COPEJE

para dar provimento ao regimental, a fim de que o recurso especial fosse julgado em Plenário, o que foi aprovado por esta Corte de forma unânime. No recurso especial, a coligação recorrente alega que: a) o acórdão regional violou o § 40 do art. 275 do CE, porquanto o simples fato de os aclaratórios terem sido conhecidos e desprovidos já é suficiente para demonstrar a ausência de seu caráter protelatório, o que afastaria a interrupção do prazo recursal; b) ao rejeitar os embargos de declaração, o acórdão recorrido ofendeu os arts. 275, 1 e li, do CE, 50, XXXV, LV, e LIV e 93, IX, da CF, porquanto “era imprescindível que o e. TRE-PI tivesse o major cuidado no delineamento de todos os aspectos fático- probatórios relevantes para o deslinde da controvérsia” (fI. 467); c) desde a inicial, identificou as ilicitudes que poderiam ser apuradas na AIJE, como a apresentação de requerimentos de registro de candidatura para o sexo feminino de forma fraudulenta, com base, nos seguintes fatos, os quais não foram devidamente analisados pelo TRE/PI: i) houve vício de consentimento de três filiadas que desconheciam o fato de terem sido lançadas candidatas, as quais renunciaram às suas candidaturas assim que descobriram a fraude; ii) ocorreu a apresentação de registro de candidatura de filiada analfabeta, cuja assinatura do requerimento de candidatura era do representante da coligação, Manoel da Laura; iii) as duas candidatas restantes da coligação adversária tiveram votação pífia - uma delas não teve nenhum voto e a outra teve um único voto -, o que demonstra que ambas não tinham a intenção de concorrer e foram lançadas candidatas apenas para permitir o registro das candidaturas masculinas. d) o Tribunal assentou a inadequação da via eleita em relação à alegação de fraude, mas não identificou os fatos alegados como ilícitos; e) a inobservância do limite legal de candidatos do mesmo sexo acarreta o indeferimento de todos os registros do partido/coligação; f) o TRE/PI não se pronunciou sobre o cabimento da AIJE nos casos em que existiam candidaturas fictícias, sem compromisso nem mesmo de fazer campanha, e que foram registradas apenas para permitir o registro dos candidatos do sexo masculino; g) a Corte regional não se desincumbiu do ônus de se manifestar acerca do desempenho das candidatas ao cargo de vereador, em especial se as renúncias e os pífios desempenhos das candidatas caracterizam o instituto do “percentual branco por renúncia e por votos irrisórios” (fI. 470); h) houve afronta ao art. 10, § 30, da Lei n° 9.504/97 e aos arts. 47 e 267, VI, do CPC, visto que, além de a coligação recorrida ter concorrido às eleições de 2012 sem que a sua formação respeitasse a proporção de gênero prevista na Lei n° 9.504/97, ela foi excluída indevidamente da AIJE; i) não poderia sofrer as sanções da LC n° 64/90, pois a procedência dos pedidos formulados na presente demanda teria como consequência a perda das cadeiras de vereadores da Coligação Por um Novo Tempo; Revista de Jurisprudência do COPEJE 83

j) o art. 22 da LC n° 64/90 deve ser interpretado sistematicamente com o disposto no ad. 14, §§ 91e 10, da Constituição Federal, de maneira a possibilitar a apuração de fraude por meio da AIJE; k) em última análise, a fraude revela conduta ilegal, consubstanciada em desvio ou abuso de poder, o que também possibilita o manejo da AIJE; l) consta da decisão recorrida que os da Laura ofereceram e prometeram eleitoras Aurinete Soares de Araújo, Maria Borges da Silva e Erica Perein caracterizando a captação ilícita de econômico; senhores João Lima e Manoel empregos e aposentadoria às Aurineide Soares de Araújo, da Costa, em troca de voto, sufrágio e o abuso do poder econômico m) de acordo com a jurisprudência desta Corte, para a configuração do ilícito do ad. 41-A da Lei n° 9.504/97, basta a promessa de vantagem em troca do voto, bem como indícios mínimos de identificação dos eleitores; n) ao exigir a especificação do tipo de emprego que estava sendo ofertado em troca do voto, o acórdão recorrido violou o ad. 22 da LC no 64/90, bem como divergiu da jurisprudência desta Corte. Requer seja afastada a aplicação do ad. 275, § 40, do Código Eleitoral, a fim de que o presente recurso seja conhecido e provido, para: i) anular o registro da chapa de vereadores da coligação recorrida, por ter sido registrada com fraude e por ter desrespeitado a reserva de gênero; ii) condenar João Lima e Manoel da Laura pela prática de captação ilícita de sufrágio, bem como pelo abuso do poder econômico, aplicando-lhes multa no valor de cinquenta mil UFIR’s e a consequente cassação dos registros ou diplomas, além das sançôes de inelegibilidade. Pugna, ainda, seja incluída a Coligação Por um Novo Tempo no polo passivo da presente demanda e, caso se verifique que não há elementos nos autos para decidir o mérito da causa em proveito da recorrente, seja então provido o recurso para cassar o acórdão recorrido, determinando ao TRE/PI que se pronuncie sobre todas as questões nele suscitadas. Contrarrazões às fis. 567-586. A Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pelo desprovimento do apelo nobre (fis. 550- 552). É o relatório. Passo ao voto. Inicialmente, ressalto a ausência de violação ao art. 275, § 40, do Código Eleitoral, uma vez que o recurso especial não foi considerado intempestivo pelo presidente do TRE/Pl. Da mesma forma, também não merece reparos a conclusão do Tribunal a quo no sentido de que a coligação recorrida não figura como litisconsorte passivo necessário na 84 Revista de Jurisprudência do COPEJE

AIJE, porquanto não é apta a sofrer as sanções de inelegibilidade e cassação do registro de candidatura previstas na LC n° 64/90. Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte, consoante os seguintes precedentes: AgR-Al n° 1307-34, ReI. Mm. Marcelo Ribeiro, DJe de 25.4.2011; AgR-RO n° 23-65/MS, ReI. Mm. Arnaldo Versiani, DJede 12.2.2010). Quanto à alegação de ofensa ao art. 275, incisos 1 e II, do CE, em razão de suposta omissão da Corte Regional, que não se pronunciou sobre o cabimento da AIJE nos casos em que existiram candidaturas fictícias, sem compromisso nem mesmo de fazer campanha, e que foram registradas apenas para permitir o registro dos candidatos do sexo masculino, tenho que razão assiste à recorrente. In casu, entendeu a Corte de origem que o cabimento da AIJE está limitado às matérias dispostas no art. 22, caput, da LC n° 64/90, dentre as quais não se enquadra a alegação de fraude no cumprimento do percentual de gênero. Por essa razão, não houve alusão ao cabimento da AIJE nos casos de candidatura fictícia e à aplicação do instituto do “percentual branco por renúncia e por votos irrisórios”. Ocorre que, segundo assevera a recorrente, no caso vertente, a fraude perpetrada pelos recorridos objetivou dar a impressão de que a sua coligação atendeu o percentual da quota de gênero, prevista no art. 10, § 30, da Lei n° 9.504/97. Nesse contexto, sustenta a recorrente que das cinco candidatas com registros deferidos, três renunciaram por não terem concordado com a fraude no lançamento de suas candidaturas, e duas obtiveram votação pífia. Adverte, ainda, que foram oferecidos empregos e aposentadorias a eleitoras que, posteriormente, renunciaram às suas respectivas candidaturas, o que também configuraria abuso de poder e captação ilícita de sufrágio. Sobre a não insurgência contra supostos fatos na via processual adequada, qual seja o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP), a recorrente assevera que, até o prazo final para sua impugnação, não tinha conhecimento se as candidatas realmente haviam se candidatado validamente, se estavam fazendo campanha e se tinham conhecimento de que o partido havia registrado as suas candidaturas. Pois bem, os fatos apontados pela recorrente são demasiadamente graves e, a meu ver, precisam ser averiguados. lnicialmente, o ad. 10, § 30, da Lei n° 9.504/97 previa que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”. Assim, ainda que não preenchida a quota de gênero, o DRAP seria deferido, se respeitado o número reservado para o outro sexo; ou seja, os registros de candidatura masculinos eram deferidos, desde que não invadissem o percentual de candidaturas destinado ao gênero feminino. Cito, nesse sentido, o seguinte precedente: Recurso especial. Registro. Vagas destinadas à candidatura de mulheres. Interpretação do § 50, do ad. 10, da Lei n° 9.504/97. A análise do § 50 deve ser feita sistematícamente com o disposto no § 30 da mesma lei. Impossibilidade de preenchimento por candidatura de homem - Precedentes. Recurso não conhecido. (REspe n° 166-32/SP, ReI. Mm. Costa Porto, PSESS 5.9.2000 - grifei) Revista de Jurisprudência do COPEJE 85

Posteriormente, a Lei n° 12.034/2009 alterou a redação do § 30 do art. 10 da Lei das Eleições, vejamos: Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher. [... § 3O Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Diante desse quadro, a alteração do mencionado dispositivo legal pela Minirreforma Eleitoral de 2009 teve o claro objetivo de corrigir essa falha e diminuir o déficit de representação feminina no Legislativo, a fim de se garantir uma maior participação da mulher na política brasileira1. O advento dessa nova disposição normativa, portanto, é consequência da concretização de política pública de gênero, dando máxima efetividade ao exercício da cidadania pelas mulheres em nossa sociedade, o que garante sua participação e integração político-social, em igualdade de condições com os homens. Nesse sentido, a “Política Nacional para as Mulheres vislumbra o maior acesso e participação das mulheres nos espaços de poder como um instrumento essencial para democratizar o Estado e a sociedade. Para tanto, faz-se necessária a criação de uma rede institucional entre Governo Federal, Estados e Municípios para a implementação da Política, com vistas a garantir o alcance de seus resultados e a supera ção da desigualdade de gênero no país” 2 (Grifei) Desse modo, o objetivo do legislador foi determinar que fossem preenchidas, efetivamente, as quotas de gênero e que não ficassem apenas disponíveis para eventuais candidaturas femininas como acontecia na vigência da redação anterior do dispositivo, sob pena de indeferimento do DRAP. Esse é o posicionamento da atual jurisprudência desta Corte.Vejamos: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012.DRAP PERCENTUAIS DE GÊNERO. NÃO OBSERVÂNCIA. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. 1. A norma prevista no art. 10, § 30, da Lei 9.504197 tem caráter objetivo e o seu descumprimento impede a regularidade do registro da coligação ou do partido interessado em participar das eleições. 2. No caso, facultou-se à coligação, no prazo legal, adequar o DRAP aos percentuais de gênero, mas a determinação não foi atendida oportunamente. 3. Inviável a análise documental em recurso de natureza extraordinária para se aferir a suposta adequação do DRAP aos percentuais de gênero. 1 NERY, ANDRÉ LUÍS. Brasil vê mais mulheres eleitas, mas número ainda é pequeno. Disponível em: <http:llg1.globo.com/ Noticias/Mundo/O,,AA1 353904-5602,00-RASIL+VE+MAIS+MULHERES+ELEITA5+MAS+NUMER0+AINDA+E+pEQUEN0 html> Acesso em: 14 maio 2015. UOL. Cresce número de mulheres eleitas no Congresso, mas fatia ainda é de só 10%. <http://eleicoes. uol.com.br/ 201 4/noticias/201 4/1 0/06/cresce-numero-de-mulheres-eleitas-no-cong resso-mas-fatia-ainda-e-de-so-1 0. htm>. Acesso em: 14 maio 2015. 2 RODRIGUES, Maria de Lourdes Alves; SELEM, Maria Célia Orlato. Diretrizes da política nacional para as mulheres. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/cc/a_pcwmodulo3tema6aula7.pcjf>. Acesso em: 14 maio 2015. 86 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Incidência, na espécie, da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. (AgR-REspe n° 117-81/BA, Rei. Mm. Nancy Andrighi, PSESS 6.11.2012 - grifei) Registro de candidaturas. Percentuais por sexo 1. Conforme decidido pelo TSE nas eleições de 2010, o § 31do art.10 da Lei n° 9.504/97, na redação dada pela Lei n° 12.034/2009, estabelece a observância obrigatória dos percentuais mínimo e máximo de cada sexo, o que é aferido de acordo com o número de candidatos efetivamente registrados. 2. Não cabe a partido ou coligação pretender o preenchimento de vagas destinadas a um sexo por candidatos do outro sexo, a pretexto de ausência de candidatas do sexo feminino na circunscrição eleitoral, pois se tornaria inócua a previsão legal de reforço da participação feminina nas eleições, com reiterado descumprimento da lei. 3. Sendo eventualmente impossível o registro de candidaturas femininas com o percentual mínimo de 30%, a única alternativa que o partido ou a coligação dispõe é a de reduzir o número de candidatos masculinos para adequar os respectivos percentuais, cuja providência, caso não atendida, ensejará o indeferimento do demonstrativo de regularidade dos atos partidários (DRAP). Recurso especial não provido. (REspe n° 29-391PE, Rei. Mm. Arnaldo Versiani, PSESS 6.11 .2012 - grifei) Observa-se, portanto, que a consequência do indeferimento do DRAP por falta de preenchimento da quota de gênero exige, ainda mais, que se atente a toda e qualquer tentativa de burla à mencionada norma, a fim de que não seja descumprida, ainda que de forma oculta e dissimulada. Assim, entendo importante sinalizar, como o fiz no voto que proferi no regimental, que a Ação de impugnação de Mandato Eletivo (AIME) é ação própria e adequada para a averiguação dos fatos apontados nos autos sob a alegação de fraude, uma vez que a forma como foram delineados no acórdão regional permitem sua capitulação como fraude, haja vista representarem uma falsa representação da realidade. Nesse contexto, nota-se a importância de se adotar um conceito amplo de fraude a fim de se abarcar todo e qualquer ato ilícito, que, direta ou indiretamente, comprometa a regularidade do pleito e assim corrompa a vontade do eleitor, maculando, por consequência, o princípio da igualdade de meios na disputa e o próprio regime constitucional da representação popular, nos termos assentados pelo Ministro Carlos Ayres Britto, no REspe n° 269-451MG, DJde 18.4.2008. Nesse mesmo sentido, destaco Djalma Pinto3, ao afirmar que a fraude ensejadora da AIME consiste: na utilização pelo candidato de meios enganosos ou atos de má fé para captar votos ou macular a imagem do concorrente, de sorte que sua ação 3 PINTO, D. Direito eleitoral: anotações e temas polêmicos. 3. ed. São Paulo: Forense, 2000, p. 139-140 87 Revista de Jurisprudência do COPEJE

astuciosa interfira no resultado do pleito. A fraude, sob qualquer forma de sua exteriorização, é incompatível com a lisura exigida no processo eletivo. O objetivo de ludibriar a boa-fé do eleitor, induzindo-o em erro, guarda afinidade com o estelionato. A intenção deliberada do candidato, que dela se socorre, é passar ao eleitor, como verdadeira, informação que sabe, de antemão, falsa, para dela extrair proveito político. Por exemplo, apresentar, em programa eleitoral, pessoas se dizendo pistoleiros responsáveis por crimes de morte atribuídos ao concorrente. A prova de que esta encenação é fruto de simples farsa do candidato deve levá-lo à cassação do mandato, por ser incompatível o processo para sua conquista com tal expediente. A fraude alicerça-se na mentira, justificando a cassação do mandato quando a sua dimensão interfira ou repercuta de forma intensa ou definitiva para a obtenção deste. (Grifei) Na mesma linha, sobre o cabimento da AIME, pontua Joel J. CândidO4: “o abuso do poder econômico, de qualquer forma, a corrupção em qualquer acepção e a fraude em qualquer modalidade, seja qual for a fase do processo eleitoral em que ocorram, podem ensejar a ação”. (Grifei) E, ainda, segundo José Antonio Fichtner5, “o sentido do termo fraude utilizado pelo legislador nas normas eleitorais é o mais amplo possível, não se limitando à violação indireta da norma jurídica, mas alcançando, conforme salientado por BETT!, na passagem acima transcrita, qualquer negócio reprovado pelo direito” (Grifei) A hipótese fática retratada nos autos, segundo a qual a coligação a que pertencem os recorridos, para ter o seu registro (DRAP) deferido, forjara candidaturas femininas, de forma fraudulenta, malfere a igualdade de meios na disputa eleitoral e, por consequência, a legitimidade das eleições. Conforme sinalizei em meu voto no agravo regimental, entendo que este Tribunal não deve restringir o alcance da fraude a ser arguida em AIME apenas àquela ocorrida na fase de votação6, sob pena de autorizar o desvirtuamento de todo o processo eleitoral. Nesse sentido, já sinalizou o Mm. Marco Aurélio, no AgR-REspe no 248-06ISP, de relatoria do Mm. Luiz Carlos Madeira, DJ de 5.8.2005: Versa o aludido § 10 sobre mandato eletivo e refere-se ao abuso do poder econômico, presumindo-se que tal referência diga respeito à forma mediante a qual se logrou o mandato eletivo. Também versa a corrupção, que não se encontra no texto com especificidade quanto ao momento em que ocorrida e quanto ao envolvimento desta ou daquela prática. O texto não distingue. E, após a disjuntiva, há a referência ao vício na manifestação da vontade dos eleitores, a fraude. Indaga-se: obtendo alguém mandato eletivo, a partir 4 CÂNDIDO, J. J. Direito eleitoral brasileiro. 9. ed. São Paulo: Edipro, 2001, p. 265. 5 FICHTNER, J. A. Impugnação de mandato eletivo. São Paulo: Renovar, 1998, p. 103. 6 AgR-Al n° 22-21/SP, Rei. Mm. Arnaldo Versiani, DJe de 8.2.2011; AgR-RO n° 8-961SP, ReI. Mm. caputo Bastos, DJ de 2.6.2006 88 Revista de Jurisprudência do COPEJE

de premissa que venha a ser glosada pela Justiça, a partir da revelação de domicílio eleitoral que não corresponde à realidade, não fica o mandato eletivo contaminado pelo vício? Sim. E estreme de dúvidas a erronia quanto da existência do domicílio que ensejou o registro da candidatura e, mais adiante, a diplomação e a detenção do mandato eletivo. Sendo a fraude estreme de dúvidas, há base para ação de impugnação ao mandato. (Grifei) Assim, com razão o eminente Ministro Marco Aurélio, porquanto a previsão expressa da fraude, pelo legislador constituinte, exige uma densificação de seu conceito, notadamente no manejo da AIME, de forma a garantir a lisura do processo democrático. Nesse sentido leciona Edmilson Barbosa7: [..] a constitucionalização da matéria, dantes adstrita à legislação ordinária, alterou o eixo interpretativo do conceito de fraude para fins de impugnação do mandato eletivo para enrijecer o filtro que separa o candidato da representação popular. (Grifei) Se houve mesmo a alegada fraude - candidaturas de gênero falsas efetivamente lançadas -, dificilmente poderia ser denunciada em impugnação do DRAP, no exíguo prazo de cinco dias. Nesse contexto, oportuno salientar que a jurisprudência deste Tribunal admite o manejo da AIME para os casos de fraude em substituição de candidato. Confira-se, nesse sentido, o seguinte precedente: AGRAVO REGIMENTAL.RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. SUBSTITUIÇÃO ÀS VÉSPERAS DA ELEIÇÃO.FRAUDE. INOCORRÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. É cabível o ajuizamento de ação de impugnação de mandato eletivo para apurar-se fraude decorrente de substituição de candidato a cargo majoritário às vésperas do pleito. 2. Consoante os arts. 13 da Lei 9.504/97 e 67 da Res.-TSE 23.373/2011, nas eleições majoritárias a substituição de candidatos poderá ser requerida a qualquer tempo antes do pleito, desde que observado õ prazo de dez dias contados do fato ou da decisão judicial que lhe deu origem e que haja ampla divulgação perante o eleitorado. 3. No caso, a substituição do candidato a vice-prefeito não configurou fraude, notadamente porque o substituído, ao participar dos últimos atos de campanha, não pediu votos ou praticou conduta similar. Ademais, não há quaisquer evidências de que a substituição não tenha sido informada ao eleitorado. 4. Agravo regimental desprovido. (AgR-REspe n° 1-91ISP, Rei. Mm. João Otávio de Noronha, julgado em 16.9.2014) 7 BARBOSA, E. Ação de impugnação ao mandato eletivo O/acao-de-imøugnacao-ao-mandato-eletjvo.pdf>. 89 Acesso em: 14 maio 2015. Revista de Jurisprudência do COPEJE

Desse modo, a gravidade dos fatos trazidos no presente caso demanda investigação rigorosa por parte da Justiça Eleitoral, pois tais fatos, a meu ver, podem ser apurados inclusive em sede de AIJE, com fundamento em eventual abuso do poder político por parte do partido/coligação e de seus representantes, que supostamente forjaram candidaturas femininas, e até mesmo com fundamento na configuração de fraude à lei, em primazia do princípio da inafastabilidade de jurisdição, como pontuou o eminente relator, a fim de se garantir a lisura do pleito. Compulsando os autos, observa-se que a Corte de origem apenas assentou que a suposta fraude no lançamento de candidaturas femininas não poderia ser analisada em AIJE e, em seguida, passou à análise da alegação de promessa de emprego e aposentadoria, por parte dos recorridos, sob a ótica de possível abuso de poder e captação ilícita de sufrágio. Nesse ponto, entendeu o Tribunal a quo que não restou configurado o abuso de poder político e econômico, bem como a captação ilícita de sufrágio, sob os seguintes fundamentos: O recorrente sustenta que o candidato João Lima e o Sr. Manoel da Laura prometeram emprego e aposentadoria para as eleitoras Aurinete Soares de Araújo, Aurineide Soares de Araújo, Maria Borges da Silva e Erica Pereira da Costa. Na hipótese versada, entendo que, em tese, os fatos ora analisados podem ser enquadrados sob a perspectiva do abuso de poder econômico ou de autoridade, por meio de suposta promessa de emprego e aposentadoria, objetivando que as referidas eleitoras se candidatassem para suprir a cota de 30% do sexo feminino. Ocorre que para a caracterização do abuso de poder econômico e de autoridade seria necessário que os autores tivessemREspe no 243-42.2012.6.18.0024/PI 41 precisado na inicial que tipo de emprego estava sendo ofertado, bem como onde seria exercido, ou seja, na administração pública ou privada, e, qual seria o vínculo jurídico da aposentadoria. Não se sabe nem se o Sr. João de Deus Moreira Lima e o Sr. Manoel Pereira das Neves exerciam algum cargo público ou se eram empresários. O contexto probatório colacionado aos autos não permite extrair a existência de exorbitância, desbordamento ou excesso de recursos financeiros. Também não restou demonstrado qual o poder político que os Srs. João de Deus Moreira Lima e Manoel Pereira das Neves detinham, enquanto agentes públicos, que lhes proporcionasse se utilizarem de um ato da administração, como conceder emprego público ou aposentadoria, com o objetivo imediato de favorecimento eleitoral. De fato, inexistem elementos nos autos que possibilitem a plausibilidade do direito alegado, o que, portanto, inviabiliza o reconhecimento do abuso de poder econômico ou de autoridade. 90 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Quanto à alegação do recorrente de que os fatos se subsumam ao art. 41-A da Lei n 9.504/97, ressalto que mencionado artigo deve ser interpretado em consonância com a construção jurisprudencial que, paulatinamente, procurou caracterizar a atitude de captação ilícita de votos. Os elementos constitutivos da hipótese de incidência do ilícito são: a prática de uma ação (doar, oferecer, prometer ou entregar); a existência de uma pessoa física (eleitor); o resultado a que se propõe o agente, que se traduz no fim específico de obter o voto do eleitor; a participação direta ou indireta do candidato; e o lapso temporal, sendo que sua incidência pode ocorrer desde o período de registro de candidatura até a data das eleições. A análise do conjunto probatório colecionado, como acima esmiuçado, não aponta para tal prática. Na presente hipótese discute-se a própria ocorrência da captação ilícita de sufrágio, que deve estar alicerçada em sólida e harmônica versão probatória para embasar uma condenação. No caso dos autos, não estão presentes, em relação aos investigados, todos os requisitos necessários à configuração da conduta de captação ilícita de sufrágio e consequente abuso de poder econômico, ante a ausência de lastro probatório robusto. Desse modo, na situação vertente, entendo que a prova colhida não teve o condão de corroborar o possível abuso de poder econômico ou de autoridade e, muito menos, o ato de captação noticiado, de modo a demonstrar a efetiva materialização das condutas descritas no art. 41-A da Lei n° 9.504/97. (FIs. 436-436v) Como se vê, a Corte de origem analisou a configuração do abuso de poder político apenas no tocante ao eventual fornecimento de benesses, e não quanto ao suposto lançamento forjado de candidaturas femininas por parte do partido ou da coligação e de seus membros. Com efeito, o art. 22, caput, da LC no 64/908 dispõe que o uso indevido, o desvio ou abuso do poder político e de autoridade em benefício de candidato ou partido poderá ser apurado em sede de AIJE, devendo qualquer dos legitimados relatar fatos e indicar provas, indícios e circunstâncias. Segundo leciona José Jairo Gomes9: O abuso de poder constitui conceito jurídico indeterminado, fluido e aberto, cuja delimitação semântica só pode ser feita na prática, diante das circunstâncias que o evento apresentar. Portanto, em geral, somente as peculiaridades do caso 8 LC n° 64/90. Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito [ ...]. 9 GOMES, J. J. Direito eleitoral. 4. ed. Revista, atualizada e ampliada. Belo Horizonte: DeI Rey Editora, 2010, p. 253-255. Revista de Jurisprudência do COPEJE 91

concreto é que permitirão ao intérprete afirmar se esta ou aquela situação real configura ou não abuso.[ ... ] Note-se que o conceito, em si, é uno e indivisível. As variações concretas que possa assumir decorrem de sua indeterminação a priori. [ ... ] Para que ocorra abuso de poder, é necessário que se tenha em mira processo eleitoral futuro ou que ele já se encontre em marcha. Ausente qualquer matiz eleitoral no evento considerado, não há como caracterizá-lo. Saliente-se que o abuso de poder nas eleições deve ser reprimido em suas múltiplas facetas e formas de manifestação, independentemente de sua origem econômica, política, social, cultural ou dos meios de comunicação de massa. (Grifei) Para Joel J Cândido10, o abuso do poder político: É o emprego, em todo o período das campanhas eleitorais, por quem exerce atividade político-partidária, de prática que afronta a ética, o decoro, a liberdade de voto, a moralidade para o exercício do mandato eletivo ou os bons costumes políticos que devem reinar no Estado Democrático de Direito.(Grifei) E ainda, consoante preceitua Antônio Veloso Peleja Júnior e Fabrício Napoleão Teixeira Batista11: O abuso de poder é cláusula genérica da qual faz parte o econômico e o político. Ínsito no conceito está a vantagem ou o uso indevido com o fim de auferir ganhos eleitorais, quer valendo-se da força da fidúcia para influenciar de forma ilegítima uma coletividade - indeterminada ou determinável (abuso de poder econômico), quer manejando o poder de que se encontra investido (abuso de poder político). A conduta indevida ou abusiva com finalidade eleitoreira pode apresentar-se inicialmente em conformidade com a lei, mas descambar-se para a ilegalidade em evidente abuso de poder, ou seja, o ato é aparentemente lícito, mas esconde uma finalidade (eleitoreira) diversa. O cotejo da lei abstrata com a realidade concreta é que vai possibilitar, ao operador do direito, verificar se a situação constitui ou não abso de poder. Nesse contexto, o TSE, como órgão de cúpula do Judiciário eleitoral tem função primordial na definição das condutas abusivas para fins de AIJE.(Grifei) Desse modo, coloco-me de acordo com o raciocínio desenvolvido pela doutrina acima destacada, no sentido de que o conceito de abuso do poder político e de autoridade a ser combatido em AIJE, visa garantir a lisura e normalidade do pleito, e deve ser construído a partir de uma interpretação que permita ao operador do direito, diante das nuances do caso concreto, verificar se houve ou não o abuso de poder à luz dos princípios e garantias envolvidos. Até porque, como o legislador não consegue prever todas as hipóteses de abuso de poder, o delineamento das condutas abusivas só ocorrerá diante do caso concreto, em que a ofensa à legitimidade do pleito reclamará sua tutela. 10 CÂNDIDO, J. J. Direito eleitora/brasileiro. 15. ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Edipro, 2012, p. 171 11 PELEJA JÚNIOR, A. V.; BATISTA, F. N. T. Direito eleitoral: aspectos processuais, ações e recursos. 2. ed. Revista e atualizada, curitiba: Juruá Editora, 2012, p. 163. 92 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Tal raciocínio me leva a concluir que, no caso dos autos, o poder do partido ou da coligação e de seus membros pode ter influenciado diretamente o processo eleitoral, ferindo sua lisura, consubstanciado no lançamento fictício de candidaturas femininas para demonstrar o cumprimento de exigência legal. É fato que o partido político e as coligações detêm parcela de poder político, não só porque recebem e administram verbas públicas provenientes do Fundo Partidário, para utilização, inclusive, nas eleições, mas, principalmente, porque efetivamente exercem poder político em face do eleitorado, dada sua indispensável participação no processo eleitoral e democrático. Sobre a atuação política dos partidos, leciona o eminente Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes12: Os partidos políticos são importantes instituições na formação da vontade política. A ação política realiza-se de maneira formal e organizada pela atuação dos partidos políticos.Eles exercem uma função de mediação entre o povo e o Estado no processo de formação da vontade política, especialmente no que concerne ao processo eleitoral.Mas não somente durante essa fase ou período. O processo de formação de vontade política transcende o momento eleitoral e se projeta para além desse período.Enquanto instituições permanentes de participação política, os partidos desempenham função singular na complexa relação entre o Estado e a sociedade.(Grifei) Na mesma linha, destacou o eminente Ministro Ayres Britto no julgamento da ADI 39991DF: Não há como os eleitores chegarem aos eleitos senão pela via, pela estrada, pela ponte dos partidos políticos. È um vínculo tricotômico absolutamente necessário: eleitores, candidatos, partidos políticos. Sucede que partidos políticos, eleitores e candidatos se enlaçam num processo eleitoral por ocasião de uma determinada eleição. [ ... ] O fato é que o partido, ponte necessária entre o eleito e o candidato, é quem filia o candidato como condição de elegibilidade; aprova o nome do candidato em convenção - até então é um pré candidato —; inscreve o candidato; registra-o na Justiça Eleitoral (ou o partido ou a coligação); cede ao candidato seu espaço gratuito de rádio e televisão; financia a campanha do candidato com recursos do fundo partidário e outros recursos; empresta ao candidato seu aval ideológico, o seu aval ético durante a campanha, porque a ideologia do candidato se conhece pela ideologia do partido. (Grifei) Delineado esse quadro, incontroversa se mostra a detenção de poder político pelos partidos e coligações, nesse ato representado por seus membros. Todavia, não pode 12 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: 93 Saraiva, 2013, p. 722. Revista de Jurisprudência do COPEJE

esse poder ser exercido de forma indevida ou abusiva, seja mediante intimidação/ constrangimento de eleitores, seja mediante sua manipulação, como teria supostamente ocorrido in casu, com o lançamento forjado de candidaturas femininas. Por outro lado, importante ressaltar que o fato de os partidos/coligações não exercerem mandato eletivo não impede que se reconheça o uso indevido, desvio ou abuso do poder político nos fatos constantes dos autos, primeiro porque, nos termos do que dispõe literalmente o caput do art. 22 da LC n° 64/90, a investigação judicial eleitoral será processada para a repressão ao uso indevido, desvio ou abuso de poder em benefício de candidato ou de partido político; e, a duas, porque, conforme previsto no art. 73, § 50, da Lei n° 9.504/97, que trata das sanções por conduta vedada, “o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma”, e à multa a todos os responsáveis pela conduta ilícita (§ 4° do mesmo artigo). Desse modo, por entender que não houve pronunciamento do Tribunal a quo sobre eventual lançamento fictício de candidaturas femininas como ato ensejador de possível uso indevido, desvio ou abuso do poder político a permitir o manejo da AIJE, os autos devem, a meu ver, retornar à origem para avaliação de referida prática por parte dos recorridos, na condição de representantes da Coligação Por um Novo Tempo. Caso venha a ser demonstrada a lamentável simulação no lançamento dessas candidaturas, é certo que a igualdade de oportunidades nos meios de disputa do processo eleitoral restará gravemente violada, fazendo letra morta a norma que visou garantir o preenchimento das quotas de gênero no lançamento de candidaturas. Nesse contexto, sobre a importância de se apurar a quebra da lisura do pleito em AIJE, vale lembrar o que assentou o Ministro Carlos Ayres Britto no julgamento da QORCED, n° 6-71/MA, DJe de 5.11.2007, in verbis: A Legislação infraconstitucional-eleitoral dispõe que na apuração de suposto “uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido” (art 22 da LC 64/90), o julgador poderá determinar todas as diligências que julgar necessárias para o seu livre convencimento (incisos VI, VII e VIII do art. 22 da LC n° 64/90). E o “Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral” (art. 23 da Lei Complementar no 64/90). Sem falar que o Tribunal Superior Eleitoral detém competência para “tomar quaisquer providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral” (inciso XVIII do art. 23 do Código Eléitoral), sobretudo quando formalmente provocado a se pronunciar. A salvaguardar a vontade do eleitor soberano, que exerce tal soberania pelo voto direto e secreto (caput do art. 14 da Constituição Federal). (Grifei) 94 Revista de Jurisprudência do COPEJE

Por fim, diante do voto do eminente Ministro Carlos Ayres Britto acima mencionado, ressalto que também acompanho o seu fundamento no sentido de que “é possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico, tanto no momento do registro, como no curso das campanhas eleitorais no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3°, da Lei das Eleições ou se há o lançamento de candidatas apenas para que se obtenha, em fraude à lei, o preenchimento do número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas” (grifei). Nesse ponto, também entendo que a interpretação do art. 22 da Lei no 64/90, que prevê as hipóteses de cabimento da AIJE, não pode preterir a tutela do direito material em si que vem a ser a própria lisura do processo eleitoral, denegrida pela apontada fraude, em primazia de seu aspecto estritamente formal/processual. Sendo o processo, antes de tudo, instrumento de tutela de direitos, não é admissível que eventual fraude à lei, possivelmente concretizada no forjado lançamento de candidaturas femininas, deixe de ser investigado diante de uma interpretação literal do art. 22, caput, da LC n° 64/90, notadamente após o advento da Lei da Ficha Limpa, cujos valores de moralidade e probidade acabam por repercutir na normalidade e legitimidade das eleições. Assim, nos temos do que também sinalizou o relator, mostra-se inadmissível que se permita um vácuo na prestação jurisdicional quanto à apuração da fraude apontada nos autos, no período compreendido entre a apreciação do DRAP e a propositura da AIME, principalmente na hipótese em que os autores do ilícito não tenham sido eleitos. Entender de forma diversa configuraria manifesta ofensa ao princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição. É dizer: a todo direito violado, há uma ação que garanta sua efetividade. E sendo a Justiça Eleitoral a guardiã do processo eleitoral, cabe a ela, nos termos do que dispõe o ad. 23, XVIII, do Código Eleitoral, ao traçar as competências do TSE, “tomar quaisquer providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral”, ainda mais quando provocada para tanto. Por fim, imperioso levar em consideração que o que se propõe é a possibilidade de investigação judicial para apurar fraude à lei e eventual uso indevido e abuso de poder em ofensa à norma de caráter público, que resvala, em última instância, na quebra da isonomia no processo eleitoral, na lisura e legitimidade do pleito e no próprio direito de elegibilidade das mulheres. É de se deixar registrado, mais uma vez, que a norma garantidora da quota de gênero busca, desde a sua previsão inicial, equalizar uma disfunção crônica quanto à participação feminina no processo eleitoral, minimizando a distância abissal entre homens e mulheres na política brasileira. As peculiaridades do caso vertente não deixam dúvida de que, entre o direito individual dos recorridos à elegibilidade e a perpetuação no mandato e o direito das mulheres à participação política, a lisura do processo eleitoral e a tutela do próprio eleitor, devem prevalecer os últimos, por sua incontroversa importância na garantia do próprio Estado Democrático de Direito. Revista de Jurisprudência do COPEJE 95

É chegada a hora em que não se pode mais coadunar com fraudes como a apontada nos autos. A ascensão da moralidade e da probidade no processo eleitoral não permite que se deixe de apurar condutas como a suscitada no caso vertente. E, friso, não se trata de condenação prévia, mas somente da garantia de investigação (e do próprio direito de ação) de atos ilícitos inconcebíveis no atual cenário democrático, por serem violadores dos valores constitucionais mais caros. Por todo o exposto, dou provimento ao recurso especial para determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo, para que analise se houve o apontado lançamento forjado de candidaturas femininas, quer sob a forma de fraude, quer sob a forma de abuso do poder político por parte dos recorridos na condição de representantes de sua coligação. Determino, ainda, que seja extraída cópia dos autos e remetida ao Ministério Público Eleitoral, para apuração de eventual conduta criminosa consistente na falsa representação da realidade trazida ao conhecimento da Justiça Eleitoral. É como voto. 96 Revista de Jurisprudência do COPEJE

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO EDSON FACHIN (MINISTRO DO STF E DO TSE) TSE – VOTO – REGISTRO DE CANDIDATURA Nº 060090350 TEMA Inelegibilidades Art. 1º, inciso I, alínea “E”, itens 1 E 6, da Lei Complementar nº 64/90 SÍNTESE 1. O presente voto, ao dispor aos eminentes pares e às partes a respectiva íntegra, expressa fundamentação nos termos do inciso IX do art. 93 da Constituição da República Federativa do Brasil, e se contém em aproximadamente 22 (vinte e duas) páginas. A síntese e conclusão podem ser apresentadas, sem prejuízo da explicitação no voto contida, à luz do procedimento que se fundamenta nos termos do insculpido no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, em cuja abrangência se insere a celeridade de julgamento, mediante sucinta formulação que tem em conta as seguintes premissas e arremate: 1.1. Premissas: Primeira: A existência de uma causa de inelegibilidade impede o deferimento do pedido de registro de candidatura. Esse é o direito brasileiro, em sentido estrito, a seguir explicitado neste voto, como primeira parte relevante de análise. Revista de Jurisprudência do COPEJE 97

Segunda: A Medida Provisória concedida pelo Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos paralisa a eficácia da decisão que indefere o registro e garante ao requerente, de forma provisória, o direito de gozar e exercer seus direitos políticos como candidato à eleição presidencial. Terceira: A decisão do Comitê de Direitos Humanos afirma que “o Comitê solicita que o Estado-parte tome todas as medidas necessárias para assegurar que o autor goze e tenha o exercício de seus direitos políticos enquanto estiver na prisão, como candidato às eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à mídia e aos membros de seu partido político; assim como para abster-se de impedir que o autor concorra às eleições para as eleições presidenciais de 2018, até que os pedidos de revisão de sua condenação tenham sido apreciados em um processo judicial justo e que a condenação se torne final”. Quarta: A decisão produz efeitos internos no Brasil, porque é o próprio texto constitucional que define o momento a partir do qual um tratado de direitos humanos passa a ter efeito, isto é, o do depósito do instrumento de ratificação, momento a partir do qual o Estado brasileiro se torna parte de um tratado internacional. Além disso, porque o direito de petição ao Comitê é protegido pela própria Constituição, não há como o Poder Judiciário deixar de reconhecer a decisão que veio de ser proferida. 1.2. Base constitucional: cláusula constitucional de abertura (art. 5º, § 2º da CRFB); a regulação constitucional das inelegibilidades (art. 14, § 9º, da CRFB); a competência constitucional para celebrar e aprovar tratados (arts. 49, I; e 84, VIII); base convencional: o direito de participação política (art. 25 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos); o direito de petição ao Comitê (art. 1º do Protocolo Facultativo); base legal: lei de inelegibilidades e Código Eleitoral. 1.3. Base doutrinária. O voto se assenta no pensamento de diversos autores autoras nele citados; mencionam-se aqui especialmente os seguintes: Antônio Augusto Cançado Trinade, José Francisco Rezek, João Grandino Rodas, Valério Mazzuoli e Stephen Breyer. 1.4. Base em precedentes. o voto se estriba em precedentes que formam jurisprudência deste Tribunal, do Supremo Tribunal Federal, dos órgãos internacionais de proteção à pessoa humana, e da própria Corte Internacional de Justiça; especificamente citam-se os seguintes: a REspe n. 204-91/PR, Rel. Min. Herman Benjamin; REspe 139-25, Rel. Min. Henrique Neves; ADI 1.480, Rel. Min. Celso de Mello; CR 8.279, Rel. Min. Celso de Mello; RE 71.154, Rel. Min. Oswaldo Trigueiro; os Comentários Gerais n. 31 e 33 do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos; o Caso Paindiong et al. v. Filipinas, julgado pelo Comitê de Direitos Humanos; e o caso sobre o Projeto Gabčíkovo- Nagymaros, julgado pela Corte Internacional de Justiça. 1.5 Conclusão do voto: Em suma, assento a inelegibilidade do interessado, com o consequente indeferimento do pedido de registro da candidatura respectiva, contudo, se impõe, em caráter provisório, reconhecer, em face da medida provisória 98 Revista de Jurisprudência do COPEJE

concedida no âmbito do Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e do parágrafo 2º do art. 5º da Constituição da República, que ao requerente foi garantido o direito, mesmo estando preso, de se candidatar às eleições presidenciais de 2018. RELATÓRIO Em 15/08/2018 houve o protocolo do Requerimento de Registro de Candidatura (doc. 300441); Na mesma data a Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou Impugnação ao Registro de Candidatura (doc. 300458) e, em outro movimento, o Requerente suscitou dúvida quanto à distribuição ao E. Min. Roberto Barroso em razão de anterior distribuição da Pet. Nº 0600897-43.2018.6.00.0000 ao E. Min. Admar Gonzaga (doc.300470). Em 16/08/2018 a Procuradoria-Geral Eleitoral apontando que o Requerente tomou ciência da Impugnação por ela apresentada e, caso não ocorra o indeferimento liminar do Registro de Candidatura, seja considerada a data para início do prazo de apresentação de defesa (doc. 300537). Na mesma data os autos foram enviados à Presidência deste Tribunal para a sanar dúvida levantada quanto à distribuição (doc. 300538) que foi resolvida em favor da relatoria do Min. Roberto Barroso (doc. 300994) e o Requerente apresentou pedido de substituição de documentos (doc. 300942). Foram protocoladas Impugnações ao Pedido de Registro de Candidatura pela Coligação “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos” (doc. 300602), pelo Partido Novo, cumulada com pedido de tutela de evidência (doc. 300970). Em 17/08/2018 foi publicado o Edital nº 13/2018 dando publicidade ao Requerimento de Registro de Candidatura (doc. 300688), a Coligação “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos” ratificou a Impugnação anteriormente proposta (doc.301307), foram apresentadas 4 Notícias de Inelegibilidade (docs. 301543, 301545,301546 e 301547). Em 20/08/2018 foi apresentada Impugnação ao Registro de Candidatura pelo candidato a deputado federal Pedro Geraldo Cancian Lagomarcino Gomes (doc. 301637) e a Procuradoria-Geral Eleitoral apresentou manifestação pelo provimento das 4 notícias de inelegibilidade apresentadas (doc. 301748). Em 21/08/2018 foi apresentada nova Notícia de Inelegibilidade (doc. 304014) e o Requerente apresentou certidão faltante de Distribuição da Justiça Comum do Estado de São Paulo (doc. 304346). Em 22/08/2018 foram apresentadas três novas Impugnações ao Requerimento de Registro de Candidatura pelos candidatos a deputado federal Alexandre Frota de Andrade (doc. 305095), Kim Patroca Kataguiri (doc. 305096) e pelo candidato a suplente de Senador Marco Vinicius Pereira de Carvalho (doc. 305167) e três novas Notícias de Inelegibilidade (docs. 305088 e 305093 e 305123). Revista de Jurisprudência do COPEJE 99

Em 23/08/2018 o Requerente e a Coligação “O Povo Feliz de Novo” foram intimados para, querendo, contestarem as impugnações e notícias de inelegibilidade, todas, no prazo de 7 (sete) dias (art. 4º da LC 64/90, doc. 305381). Em 25/08/2018 a Procuradoria-Geral Eleitoral se manifestou pelo acolhimento das outras 4 Notícias de Inelegibilidade (doc. 307400). Por fim, no dia 29/08/2018 o Partido Novo Nacional reiterou pedido de tutela de urgência formulado em sua Impugnação (doc. 310520). VOTO Passo ao exame da matéria A existência de uma causa de inelegibilidade impede o deferimento do pedido de registro de candidatura. Esse é o direito brasileiro, em sentido estrito, a seguir explicitado neste voto, como primeira parte relevante de análise. O art. 1o, inciso I, alínea “e”, itens 1 e 6, da Lei Complementar no 64/90, com a redação dada pela Lei Complementar no 135/10, dispõe que são inelegíveis para qualquer cargo os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A certidão anexada ao documento 300470 traduz que o requerente incorre nessa causa de inelegibilidade, o que constitui impedimento ao deferimento do registro de candidatura. Com efeito, ali consta sua condenação a doze anos e um mês de reclusão, em regime inicialmente fechado, com julgamento definitivo dos embargos de declaração, no dia 18/04/2018, com encerramento do julgamento em segundo grau de jurisdição. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade no 29 e 30, bem como na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.578/AC, reconheceu a constitucionalidade da Lei Complementar no 135/10, ressaltando que “a razoabilidade da expectativa de um indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9o), resta afastada em face da condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de dever ético-profissional”. Assim, “a presunção de inocência consagrada no art. 5o, LVII, da Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda uma suspensão de direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de 100 Revista de Jurisprudência do COPEJE


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