ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Dois pontos foram destacados: a ressignificação das relações escola-família e o sentido da criação de um espaço de educação e cuidado o mais seguro possível, reforçando a necessidade de dar continuidade à discussão desses tópicos durante e após a pandemia. Familiares e professores terão que ser sensíveis para captar o ponto de vista uns dos outros e, ao mesmo tempo, lidar com suas próprias emoções e valores, com seus próprios medos e resistências, reconhecendo que viver em sociedade não é prescindir dos conflitos e de diferentes demandas, mas tomá-las enquanto oportunidades de se construir relações de confiança e parceria (OLIVEIRA, 2020, p. 21). Então a parceria, o diálogo e a escuta precisam ser praticados entre a família e a escola, ambas precisam entender as necessidades uma da outra, lidar com as diferenças e através de um trabalho multidisciplinar, melhorar as condições de realização dessa parceria. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Mesmo com tamanhos desafios e dificuldades, uma das participantes da pesquisa nos deixa uma mensagem bastante positiva em relação à Educação Infantil; é certo que muitos enfrentamentos precisarão ser feitos em relação a educação brasileira e a pandemia da Covid- 19 deixará para o século XXI, muitos impactos e consequências, mas não podemos perder as esperanças nem a força de lutar para que essas dificuldades sejam vencidas. Ela nos relata que “Ainda há tempo”, precisamos nos inspirar nas crianças e incorporarmos personagens que vencerão todos os desafios impostos por esse contexto atual, contudo, precisamos fazer isso juntos, em equipe e parcerias fortes e mútuas, pois ninguém vencerá sozinho. A pesquisadora Oliveira nos demonstra como as crianças enfrentam seus desafios, através das encenações, incorporações de personagens e a fé de que tudo ficará bem. A encenação é uma atividade em que as crianças expressam sua forma de ver o mundo e a si mesma usando de modo novo objetos e instrumentárias para construir cenários e personagens que os levam a representar cenas de relação no lar, na escola, no ambulatório de saúde, mas também em castelos, no espaço sideral, na floresta. [...] São heróis sem medo que enfrentam os elementos do mal. São pequenos médicos e enfermeiras que eliminam a Covid para sempre (OLIVEIRA, 2020, p. 17) Dessa forma, seguindo o exemplo das crianças, não podemos deixar de acreditar que ainda há tempo, mesmo que com muitos desafios a serem enfrentados; e para que enfrentemos 2069
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS tais desafios e dificuldades precisamos conhecê-los e entendê-los, a fim de se buscar estratégias para tal feito. REFERÊNCIAS ABBUD, I. Escola, famílias e crianças: continuidade e regularidade. 1 ed. São Paulo. Editora Biruta, 2020. A educação infantil e a pandemia; 3. AIDAR, L. Deusas gregas. Toda Matéria. S/d. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/deusas-gregas/. Acesso em: 30 nov. 2021. BASE NACIONAL COMUM CURRUCULAR. Educação é a base. [s.d]. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 23 nov. 2021. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Portaria Nº 343, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por meios digitais enquanto durar a situação de pandemia Covid-19. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Portaria/PRT/Portaria%20n%C2%BA%20343-20- mec.htm. Acesso em: 6 dez. 2021. OLIVEIRA, Z. R. Quando o retorno é o um novo recomeço. São Paulo: Biruta, 2020. SZYMANSKI, H.; ALMEIDA, L.R.; PRANDINI, R. C. A. R. A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva. 5 ed. Campinas, SP. Autores associados, 2018. Série pesquisa; v.4 2070
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A SAÚDE MENTAL DOS POVOS INDÍGENAS E COMUNIDADES TRADICIONAIS: Desafios e possibilidades de atuação para psicólogos(as) THE MENTAL HEALTH OF INDIGENOUS PEOPLES AND TRADITIONAL COMMUNITIES: Challenges and possibilities of action for psychologists Hellen dos Santos Ferreira1 Eugênia Bridget Gadelha Figueiredo2 Maria Vitória dos Santos Vera3 Francisco Elber Oliveira Fontele4 RESUMO Este trabalho surge de algumas inquietações provocadas à Psicologia pela acentuação da violência às comunidades tradicionais no Brasil e que ameaça, historicamente, a existência desses povos. Tomamos por objetivo problematizar o campo da saúde mental dessas populações específicas, diante da escalada de violência a elas dirigida e as possibilidades/desafios de intervenções psicossociais para promoção de saúde e prevenção de agravos. Foi realizada uma análise qualitativa, de caráter exploratório, com orientação analítico-descritiva de artigos e produções acadêmicas sobre a temática abordada. A pesquisa revela a necessidade de compreender a diversidade desses povos no que se refere, em especial, aos aspectos psicossociais e sugere a promoção de uma psicologia que implemente um pensamento crítico aos princípios eurocêntricos e colonizadores, fomentando, assim, políticas públicas que atendam as reais necessidades dessas comunidades. Palavras-chave: Comunidades tradicionais; Povos indígenas; Políticas Sociais. 1 Graduanda de Psicologia da Universidade Federal do Delta do Parnaíba. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Psicologia Social, professora de graduação de Psicologia da Universidade Federal do Delta do Parnaíba. E-mail: [email protected]. 3 Graduanda de Psicologia da Universidade Federal do Delta do Parnaíba. E-mail: [email protected]. 4 Graduando de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Delta do Parnaíba. E-mail: [email protected]. 2071
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ABSTRACT This project arises from some concerns caused to Psychology by the accentuation of violence against traditional communities in Brazil and that historically threatens the existence of these peoples. The main objective is to problematize the field of mental health of these specific populations, given the of violence directed at them and the possibilities/challenges of psychosocial interventions for health promotion and disease prevention. A qualitative, exploratory analysis was carried out, with analytical-descriptive orientation of articles and academic productions on the topic addressed. The research reveals the need to understand the diversity of these peoples with regard, in particular, to psychosocial aspects and suggests the promotion of a psychology that implements a critical thinking to Eurocentric and colonizing principles, thus promoting public policies that meet the real needs of these communities. Keywords: Traditional communities; Indigenous; Social politics. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho surge de algumas inquietações provocadas à Psicologia pela acentuação da violência às comunidades tradicionais no Brasil e que ameaça, historicamente, a existência desses povos. Tomamos por objetivo problematizar o campo da saúde mental dessas populações específicas, diante da escalada de violência a ela dirigida e as possibilidades/desafios de intervenções psicossociais para promoção de saúde e prevenção de agravos. Compreende-se por comunidades tradicionais: Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, possuidores de formas próprias de organização social, ocupantes e usuários de territórios e recursos naturais como condição à sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (BRASIL, 2007, p. 1). São, portanto, grupos populacionais específicos que organizam o seu engenho, ou seja, suas formas de pensar, sentir e agir no/com o mundo de forma diferenciada do engenho hegemônico do capital. A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), aprovada pelo Decreto n.°6.040 de 7 de fevereiro de 2007, afirma como seu principal objetivo assegurar os direitos dessas populações, ao reconhecê-las como povos diversos, mas, marcados por características que lhes são particulares, como por exemplo: i) a 2072
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ideia de um corpo/território. Um corpo que não se dissocia, não externaliza o lugar onde vive e humaniza a sua relação com os outros corpos não humanos dando um sentido de continuidade à vida (ancestralidade) e desenvolvendo relações de formas mais horizontalizadas; ii) uma ética- estética do trabalho que não visa acumulação de lucro máximo e preza pelo constante aprendizado coletivo das técnicas de manejo e (re) produção das suas atividades, geralmente ligadas a subsistência; iii) uma relação com o tempo diferenciada da lógica do capital demonstrando o respeito aos ciclos de vida de todos os corpos em ato, as forças da natureza e ao seu próprio corpo/território. A partir da compreensão dessas particularidades comuns das comunidades tradicionais, o Decreto n.°6.040 usa um critério fundamental para nomear os grupos atingidos pela Política: o critério de autodefinição. O reconhecimento de que pensa, sente e se movimenta diferente da corrente hegemônica e, por isso, constrói formas de organizações sócio-políticas singulares. Entretanto, esse reconhecimento não é compartilhado por todo tecido social. Há, desde o processo de colonização, uma perspectiva que afirma a ignorância, incivilidade, necessidade de educação/adaptação desses povos a uma forma de vida eurocentrada, tomada como modelo de civilização e sabedoria. Muitas vezes, esses povos são vistos como um empecilho ao desenvolvimento de determinados territórios e as violações a eles dirigidas são legitimadas socialmente em nome da obtenção de lucro, isso, inviabiliza o aumento de seu poder político na defesa de seus direitos e os coloca na submissão ou tutela do Estado e na condição de alvo fácil para a sanha daqueles que veem na exploração desenfreada dos recursos naturais o sentido de suas vidas. Essa exposição crônica ao perigo de morte e/ou a destituição de sua condição de humano produz, no mínimo, um estado de hiper vigilância, insegurança e angústia que adoece qualquer corpo assim exposto (FIGUEIREDO, 2018). Um adoecimento provocado pelo sofrimento ético-político, ou seja, provocado por uma dor mediada pelas injustiças sociais, especialmente caracterizada pelo sentimento de desvalor, de subalternidade e de humilhação. Para Sawaia (2009), autora do conceito de sofrimento ético-político, este é: [...] sofrimento/paixão, gerado nos maus encontros caracterizados por servidão, heteronomia e injustiça, sofrimento que se cristaliza na forma de potência de padecimento, isto é, de reação e não de ação, na medida em que as condições sociais se mantêm, transformando-se em um estado permanente da existência. (p. 370). 2073
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Portanto, não há um remédio ou cura disponível nas prateleiras para tal sofrimento. Ele se localiza no plano das relações, é um sofrimento psicossocial e precisa ser cuidado neste plano. Isso deve provocar a Psicologia, enquanto ciência e profissão, a deter-se mais sobre o assunto assumindo seu compromisso social de combate à desigualdade e o sofrimento por ela provocado, primando pelo desenvolvimento de saberes e práticas que promovam um campo ético-político-afetivo de defesa da vida e respeito a diversidade. Considerando que o movimento de aproximação dos psicólogos com os povos tradicionais é recente, compreendemos o grande desafio colocado a estes profissionais e aos cursos de formação em Psicologia de todo país, no sentido de se inserirem no debate e na qualificação do seu saber-fazer para atuarem junto às realidades dos povos no Brasil. Daí resulta a relevância deste, e de outros trabalhos, que se proponham a problematizar esta realidade, principalmente, no atual contexto brasileiro. Este estudo se baseia em uma pesquisa bibliográfica narrativa realizada a partir do levantamento de artigos publicados em periódicos nacionais até novembro de 2021, focalizando a temática dos povos e comunidades tradicionais. Para isso, realizamos a busca na base eletrônica de dados da a Scientific Electronic Library Online (SciELO), Portal de Periódicos CAPES e o Google Acadêmico, abarcando, assim, uma ampla coleção de periódicos científicos. O descritor utilizado na busca foi povos, comunidades, populações e tradicionais, de modo a buscar artigos que contemplassem as expressões “saúde coletiva”, “povos tradicionais”, “comunidades tradicionais” ou “populações tradicionais”, em qualquer parte dos artigos, seja no resumo, no corpo do texto ou nas palavras-chave. Em um primeiro momento, coletamos uma amostra que foi submetida a um processo de refinamento, considerando como critérios de inclusão artigos disponíveis de forma completa, que focalizasse a temática dos povos e comunidades tradicionais, que tivessem sido publicados em periódicos nacionais relacionados à área da Psicologia ou de outra área do conhecimento cujo(s) autor(es) seja(m) vinculado(s) à Psicologia. Sendo assim, excluíram-se teses, dissertações, livros, resenhas e documentos de eventos, artigos que não tratavam da temática principal, os estudos de periódicos internacionais e de outras áreas do conhecimento cujo(s) autor(es) não estava(m) vinculado(s) à área da Psicologia e os estudos não disponíveis para leitura completa. A partir da aplicação dos critérios mencionados, restaram vinte e um 2074
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS artigos. Tais artigos foram lidos integralmente e vinculados com outras ferramentas que se articulavam com o tema diretamente ou indiretamente, como livros, notícias etc. 2 A POLÍTICA DE SAÚDE E OS POVOS TRADICIONAIS-A ATUAÇÃO DA PSICÓLOGA EM QUESTÃO. A saúde coletiva, campo interdisciplinar estruturado pela Reforma Sanitária, compreende a saúde humana como uma produção social. Essa compreensão desloca o foco de atenção da doença para o campo relacional, socioeconômico e político e aponta a necessidade de transformação social para a promoção de saúde, prevenção de agravos e reabilitação. Dessa forma, a retirada da doença como centro, modifica o objeto do cuidado, reduz o estigma associado ao adoecimento, questiona a segregação e a assistência passa a ser entendida não apenas do ponto de vista curativo, mas como um processo de produção de cuidado (SEVALHO; DIAS, 2020). Logo, a concepção de saúde sai do campo apenas biomédico e entrelaça fatores sociais e culturais como parte do desenvolvimento do bem-estar dos indivíduos. Esse giro na concepção de saúde dá base para os princípios organizativos e doutrinários da Política Nacional de Saúde (PNS) objetivada pelo Sistema único de Saúde (SUS). Dessa forma, o SUS apresenta como seus princípios doutrinários: Universalização: a saúde é um direito de cidadania de todas as pessoas e cabe ao Estado assegurar este direito, sendo que o acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação, ou outras características sociais ou pessoais. Equidade: o objetivo desse princípio é diminuir desigualdades. Apesar de todas as pessoas possuírem direito aos serviços, as pessoas não são iguais e, por isso, têm necessidades distintas. [...]. Integralidade: este princípio considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades. [..]. Juntamente, o princípio de integralidade pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, para assegurar uma atuação intersetorial entre as diferentes áreas que tenham repercussão na saúde e qualidade de vida dos indivíduos. (BRASIL, 1990). Logo, garantir que esses princípios sejam efetivados é imprescindível para promover a saúde dos cidadãos brasileiros. Assim, torna-se fundamental salientar, especialmente, o princípio da equidade para proporcionar um serviço que abrange as necessidades das 2075
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS comunidades tradicionais, considerando estes como diferente e, portanto, viabilizar uma assistência que as reconheças integrando-as em sua prática profissional. Sob essa perspectiva, do SUS, considerar o meio onde o indivíduo tece sua existência com outros corpos é fundamental para o desenvolvimento de estratégias e ações de saúde e isso aponta para a necessidade de integração entre os serviços de saúde e a comunidade. Entretanto, Faro et al. (2020) elucida os desafios da saúde pública em desenvolver estratégias para que se possam atender toda a demanda de pessoas e de grupos específicos devido, principalmente à falta de investimentos do poder público, a formação de profissionais radicadas na técnica, em procedimentos e protocolos que objetificam os corpos e as relações. Com relação à Política Nacional de Saúde Mental que compõe o SUS, precisamos fundamentá-la a partir da Reforma Psiquiátrica. Segundo Nunes e Siqueira (2016 apud SERVALHO; DIAS, 2020), afirmam que a loucura, foi conceituada a partir da ausência de racionalidade, justificando práticas que desumanizaram os homens, por meio de agressões, torturas, maus-tratos, sendo legalmente sustentadas. Com o objetivo de supostos diagnóstico e tratamento, a loucura foi explorada e manipulada, pela ciência, em busca de normalizar indivíduos que fugiam do padrão hegemônico imposto. Desse modo, a Reforma Psiquiátrica, contrapõe essa lógica, já que ela vincula o sujeito à família, ao bairro, ao lazer e ao trabalho. É necessário compreender que para uma prática de assistência mental é fulcral integrar o serviço com a comunidade. No Brasil, os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), residências terapêuticas, centros de convivência e os CNAR (Consultórios de Rua) vem atuando de forma significativa para a redução de internações em hospitais psiquiátricos. Assim, no âmbito da Reforma Psiquiátrica Brasileira essa construção do saber, vinculada às políticas públicas nacionais, luta contra uma hegemonia e constroem diferentes espaços sociais para a loucura, com o objetivo de promover a inclusão social. (SEVALHO; DIAS, 2020) Entendido não como doença, mas, como algo que é do campo da existência o sofrimento psíquico pode ser produzido através das relações travadas com os outros corpos. Nessa perspectiva, em uma sociedade desigual como a nossa e estruturada em bases patriarcais, sexista, racista e patrimonialista o sofrimento psíquico, em especial aquele de caráter ético- político, está presente em muitas vidas. Aqui trouxemos o recorte das comunidades tradicionais 2076
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS para promover o debate sobre a escalada de violência que os abate e as possibilidades de contribuição da psicologia para o enfrentamento dessa questão. Tabela 1 – Violência contra a ocupação e a Posse em 2021 (número de famílias) Fonte: “CEDOC Dom Tomás Balduino – CPT” Segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), houve crescimento considerável na violação dos direitos desse povo. Tentativas acentuadas de destruição dos modos de vida, das roças, plantios, que são meios de manutenção das famílias. As comunidades tradicionais tem uma relação sociometabólica intensa com o território onde vivem. Não apenas porque dela tiram seu sustento, mas, também porque a vida se organiza e é tecida na relação corpo- território. Partindo dessa perspectiva, essa conexão com a natureza é de caráter crucial para a conservação dessas áreas, e sua exploração para a sobrevivência se dá de forma com um menor impacto destrutivo. O modelo socioeconômico capitalista e neoliberal tem provocado em larga escala no país a expropriação dessas terras que, por direito, deveriam ser asseguradas a essas comunidades. (WALLERSTEIN, 2001, P.13). A invasão das áreas por pessoas que não compartilham dos princípios e do modo de vida dessas comunidades, leva a constituição de uma fronteira étnico-cultural ameaçadora. Sob essa fronteira étnica, Vieira (2014) evidencia alguns exemplos: A fronteira étnico-cultural surge quando a comunicação entre grupos, por exemplo, de comunidades tradicionais do tipo extrativistas, não consegue estabelecer trocas inteligíveis de valores, sentimentos e práticas com os grandes industriais que querem utilizar seus conhecimentos para uso comercial [..]. (VIEIRA, 2014, p. 23). 2077
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS São relações marcadas por um exercício de poder que aniquila vidas, destrói territórios e apaga a memória de povos que, por não se colocarem totalmente dentro da perspectiva do capital cujo principal objetivo é a expansão do lucro, sofrem violência de todas as ordens e veem sua condição de humanos e seu direito a autorregulação constantemente ameaçados. Diante disso nos perguntamos: e a psicologia com isso? O debate sobre saúde mental em realidades indígenas e em comunidades tradicionais é fundamental para uma psicologia descolonizadora e humanitária. Enquanto ciência e profissão têm alargado seus passos em direção de populações antes ignoradas e se comprometido com a transformação social desejada pelas propostas de reformas e da saúde coletiva (CFP, 2019). Mas, ainda há muito caminho a ser percorrido. A saúde mental é uma temática que se consolidou, principalmente, com revolução tecno científica-informacional, estando aliada a ideia de produtividade e lucro, dessa forma a preocupação com o bem-estar psíquico individual é majoritariamente associado a lógica do sistema capitalista neoliberal. Somado a esse argumento, a história da psicologia foi estruturada por uma ótica urbana, centrada no homem branco e em suas dificuldades. Logo, pensar a psicologia fora desse viés é um ato revolucionário, pois garante que ela adentre em realidades diferentes, promovendo seu comprometimento político e com a garantia dos direitos humanos contribuindo, para a formação de sujeitos livres, criativos e potentes na defesa de seus direitos. É desafiador promover um espaço que tem como suas prioridades a saúde mental do indivíduo, agora esse desafio é ainda maior quando essa temática é colocada em realidades rurais. Nesse viés, o meio rural brasileiro sofre as consequências de um sistema que desobriga o Estado do seu dever, dessa maneira esse espaço lida com problemas sociais básicos, como mortalidade infantil e analfabetismo, e ainda convive com problemas típicos de grandes centros urbanos, como: aumento da criminalidade e violência. Quanto às áreas de assentamentos, os problemas sociais básicos referidos se agravam bem mais com a insegurança fundiária, o convívio com inúmeras situações de conflitos, o trabalho escravo, a violência contra a ocupação e posse de terras, os conflitos em tempos de seca e estiagem pela posse de água, e em áreas de garimpo, reservas indígenas, extração de madeira e preservação ambiental. Esses problemas são efeitos históricos de um doloroso 2078
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS processo de modernização que consolidou uma estrutura fundiária fundamentada no capitalismo que resultou na concentração de terra para as elites agrárias, os quais impulsionam o agronegócio, por meio da industrialização (LEITE et al, 2013). Compreender essa realidade é indispensável para a atuação profissional da psicologia. Neste sentido, Martín-Baró (1997) promove uma reflexão acerca da libertação da psicologia, ou seja, é preciso desenvolver uma práxis psicológica que atenda a realidade brasileira. Frantz Fanon, médico psiquiatra também nos oferece elementos para a compressão dos impactos do colonialismo sobre o sofrimento psíquico. Em seu livro “Os condenados da Terra”, ele observa que, a maioria dos casos psiquiátricos estavam vinculados com a opressão e a agressão imposta ao povo argeliano pelos agentes do imperialismo francês. Logo, a opressão é vista como um ato violento que define hierarquias de superioridade e inferioridade, além de categorizar o humano e o não-humano. A atuação da psicologia frente aos povos e comunidades tradicionais possui história recente, marcando seu início a partir do surgimento da psicologia social comunitária nas décadas de 1960 a 1970, em que foram desenvolvidas pesquisa em comunidades rurais (JR et al., 2019). Assim, essa tardia inserção nesses contextos fez com que essas populações permanecessem à parte das discussões dentro da Psicologia, produzindo lacunas quando se reflete sobre o saber-fazer psicológico nesses lugares. Deste modo, percebe-se ainda a permanência de práticas de silenciamento desses povos, configurando-se como um dos principais desafios da atuação nestes espaços (DE CARVALHO; MACEDO, 2018). Dessa maneira, na tentativa de orientar os profissionais sobre as possibilidades de atuação nesses contextos, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), lançou, em 2013, a cartilha com “Referências Técnicas para Atuação das(os) psicólogas(os) em Questões Relativas a Terra”, e em 2019, a cartilha com “Referências Técnicas para Atuação das psicólogas(os) com Povos Tradicionais”. Tais iniciativas ocorrem a partir de reflexões no âmbito das atuações do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), o qual possui como uma de suas funções a fomentação e qualificação da Psicologia nas políticas públicas (PIZZINATO; GUIMARÃES; LEITE, 2019). Deste modo, a partir dessas ações convoca profissionais ao exercício de ações comprometidas ético-politicamente com as especificidades dos povos e comunidade tradicionais, na tentativa de resgatar e demarcar a história e posição de resistência dessas 2079
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS populações frente a expansão capitalista e destruição de seus territórios, de sua cultura e de seus conhecimentos. Consoante a isso, torna-se crucial no exercício dessas atividades o rompimento com a concepção individualizante que não leva em consideração o contexto da produção dos sujeitos e de suas subjetividades, visão que marcou o início das práticas psicológicas e que ainda constitui um desafio no fazer psicológico (CFP, 2019). Assim, como reflexos desse processo, De Carvalho e Macedo (2018) apontam para a pouca produção de estudos que abarcam essas populações, o que denuncia o olhar hegemônico da Psicologia para o urbano e o pouco cruzamento desta com os debates a respeito das comunidades tradicionais. Refletindo em atuações que não dialogam com a realidade social e política desses povos, fruto de processos de formação distantes dos territórios e diferentes contextos. A fragilidade na formação de arcabouços teórico-metodológico e técnico-operativo representa mais um desafio para a construção de práticas psicológicas qualificadas nesses espaços. Essa defasagem acaba gerando um embate quando se fala da promoção de encontros entre a Psicologia e os conhecimentos advindos das comunidades tradicionais, sendo preciso refletir a respeito da inadequação das teorias e abordagens psicológicas em ambientes étnico- culturais distintos (PIZZINATO; GUIMARÃES; LEITE, 2019) e um olhar atento para a construção de encontros sem violência epistêmica, estética, política e ética. Além disso, outros obstáculos presentes são a negação de direitos básicos da maioria das comunidades tradicionais como: serviços de saúde, moradia, educação e justiça, já que o desenvolvimento de tais serviços concentra-se nas grandes capitais e cidades. Bem como, as condições de trabalho precárias para os agentes das políticas públicas, principalmente, as dificuldades com transporte e as necessidades de percorrer longas distâncias que prejudicam completamente essa entrada e a própria continuidade e eficácia dos serviços prestados. (SILVA; MACEDO, 2017b). A partir dos desafios explicitados torna-se necessário discutir sobre as possibilidades de atuação em Psicologia junto a essa população, pois tendo em vista que os espaços de atuação são amplos, surge outra demanda referente à forma como os profissionais devem ocupar esses locais. Conforme Silva e Macedo (2017a), essas atuações devem ocorrer de uma forma plural, interdisciplinar e transdisciplinar, pois o sofrimento destes povos é atravessado pelo 2080
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS sentimento de pertencimento territorial, temporal, histórico, político e social. Deste modo, para se aproximar da multidimensionalidade do processo saúde-doença, que possui diversos sentidos e formas de expressão é fundamental, como afirmamos anteriormente, uma análise transdisciplinar da forma de organização destes povos, bem como de suas estruturas socais, econômicas e culturais (DIMESTEIN et al., 2020). Assim, para atuar nesses novos cenários junto aos povos e comunidades tradicionais é preciso investimento em diálogos com profissionais de outras áreas do conhecimento que estejam diretamente ligados ao trabalho com essa população, como por exemplo, biólogas(os), engenheiras(os) florestais e de pesca, antropólogas(os), dentre outros profissionais. Assumir essa postura colaborativa, intersetorial e interprofissional, demonstra valorização pela história e saberes desses povos, sendo capaz de produzir novos entrelaçamentos, conhecimentos e visões de mundo sobre essas populações (CFP, 2019). Além do mais, o saber-fazer psicológico deve destinar um olhar singular aos moradores dessas comunidades, precisa-se realizar práticas ancoradas na escuta sensível e no acolhimento de acordo com uma postura ético-política. Assim, para que essas ações ocorram é necessário que os profissionais conheçam os processos histórico, sociais, econômicos e religiosos, além da cosmovisão dos povos tradicionais (CFP, 2019), pois desta maneira é que se consegue conhecer a multiplicidades destes, bem como suas particularidades, permitindo a superação de preconceitos e estigmas. Constituindo um passo importante para permitir a entrada e aproximação dos psicólogos(as) nas comunidades onde irão atuar, além de possibilitar a contribuição da Psicologia na construção de políticas públicas que considerem a diversidade e subjetividade dessa população (FERRAZ; DOMINGUES, 2016). Os desafios são muitos, por isso, é fundamental refletir sobre estratégias, métodos e práticas que se conectem com os territórios e suas formas de expressões, visto que são um importante elemento de conexão das comunidades tradicionais. As ações escolhidas devem visar sobretudo a união desses povos, por isso, podem ser adotadas intervenções grupais, como grupos focais, psicodrama, círculos de cultura, entre outras práticas que integrem os saberes populares e que fazem parte da própria cultura dos povos tradicionais (CFP, 2019). Portanto, a busca por conhecimento a respeito desses povos é um recurso essencial, visto que é preciso uma prática e postura que esteja implicada diretamente com a realidade na 2081
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS qual o profissional irá se inserir, pois querer a produção de um trabalho colaborativo, que esteja centrada nas necessidades das comunidades e que atue de modo a fortalecer as alianças e os processos de resistência. Assim, nessa caminhada é indiscutível a busca por aportes legais e éticos para a promoção de atuações junto às comunidades e povos tradicionais, pois a promoção de saúde perpassa processos sociais e políticos que vão além de ações focadas em fortalecer capacidades e habilidades individuais, devendo antes de tudo serem direcionadas às mudanças nas condições sociais, ambientais e econômicas (NETO et al., 2020). 3 CONCLUSÃO Este trabalho garantiu assim uma primeira aproximação discente com o tema. A pesquisa revela que a psicologia enquanto ciência e profissão só recentemente se aproximaram do contexto das comunidades tradicionais e das populações rurais. Essa aproximação tem desencadeado uma série de análises e movimentos que buscam compreender essas realidades em suas singularidades, mas, também na sua relação com a estrutura social hegemônica ditada pelo capital. Compreende-se que esse encontro entre subjetividades antagônicas e desigualdade de poder produzem sofrimento psíquico e que desenvolver saberes e práticas que contribuam para seu enfrentamento deve ser o compromisso de um projeto ético-político da psicologia enquanto ciência e profissão. Essa também é a concepção da Reforma Psiquiátrica, Reforma Sanitária e do campo da saúde coletiva que orienta o SUS. No entanto, os desafios são muitos e vão desde a necessidade de uma revisão crítica da práxis psicológica, da formação dos profissionais até a constituição de um movimento de composição ética, política e afetiva com esses povos no sentido de garantir seu direito imanente a autoregulação (liberdade) e expansão de suas potências. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto nº 6040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 7 fev. 2007. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em: 25 abr. 2022. 2082
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS BRASIL. Lei n° 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 19 set. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em: 29 abr. 2022. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT). Violência contra a Ocupação e a Posse em 2021 (número de famílias). Tabela. Disponível on-line: https://www.cptnacional.org.br/downlods?task=download.send&id=14247&catid=89&m=0 Acesso em: 27/04/2022 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referência Técnicas para atuação das (os) Psicólogas (os) em Questões Relativas a Terra. Brasília, 2019. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp- content/uploads/2019/05/CFP_Relatorio_QuestoesTerraweb-14.05.2019.pdf. Acesso em: 26 abr. 2022. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referência Técnicas para atuação das (os) Psicólogas (os) com Povos Tradicionais. Brasília, 2019. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp- content/uploads/2019/12/CFP_PovosTradicionais_web.pdf. Acesso em: 25 abr. 2022. DE CARVALHO, A. V.; MACEDO, J. P. Povos e comunidades tradicionais: revisão sistemática da produção de conhecimento em Psicologia. Revista Psicologia: Teoria e Prática, v. 20, n. 3, p. 180-197, set./dez. 2018. DIMESTEIN, M. et al. Desigualdades, racismo e saúde mental em uma comunidade quilombola rural. Amazônica: Revista de Antropologia, v. 12, n. 1, p. 205-229, 2020. FARO, A. et al, Covid-19 e saúde mental: a emergência do cuidado. Estudos de Psicologia, v. 37, e200074, p. 1-14, 2020. FERRAZ, I. T.; DOMINGUES, E. A Psicologia Brasileira e os Povos Indígenas: Atualização do Estado da Arte. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 36, n. 3, p. 682-695, 2016. FIGUEIREDO, E. B. G. É doce morrer no mar? Análise psicossocial do ingenium da pesca artesanal. 2018. 175 p. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2018. JR, J. F. M. et al. Psicologia e Contextos rurais no Brasil: Interlocuções com a Psicologia. Revista Interamericana de Psicologia, v. 53, n. 2, p. 140-154, 2019. LEITE, J. F. et al. A formação em Psicologia para a atuação em contextos rurais. In: LEITE, J. F.; DIMENSTEIN, M. (org.). Psicologia e Contextos Rurais. Natal: EDUFRN, 2013. p. 27-55. MARTÍN-BARÓ, Ignácio. O papel do Psicólogo. Estudos de Psicologia, Natal, v. 2, n. 1, p. 7-27, jun. 1997. NETO, C. F. A. et al. Revisão integrativa sobre saúde da comunidade tradicional: reflexões ecológicas. Revista Saúde e Meio Ambiente, v. 10, n. 1, p. 82-94, jan./jul. 2020. 2083
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EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: apontamentos sobre o direito à educação THE HISTORICAL TRAJECTORY OF THE PERSON WITH DISABILITIES IN BRAZIL: notes on the right to education Vívian Karen Batista da Silva1 Ederson Breno da Silva Batista2 Layana Silva Lima3 Emilly Florentina de Oliveira4 RESUMO O presente artigo versa acerca da trajetória dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil e a importância da educação para a inclusão social. Esse estudo é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social e possui por metodologia a pesquisa bibliográfica e documental embasada no método marxista. Como resultados, foi possível obter alguns apontamentos acerca da trajetória sócio-histórico da pessoa com deficiência no Brasil e no mundo, além também a construção sistemática sobre a luta pelo direito à educação. Palavras-chave: Pessoa com Deficiência, Educação, Capitalismo. ABSTRACT This article deals with the trajectory of the rights of people with accessibility in Brazil and the importance of education for social inclusion. This study is the result of the course conclusion work in social work and has a methodology of bibliographic and documentary research based on the Marxist method. As a result, it was possible to obtain some 1 Autora principal, bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]. 2 Coautor, graduando em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e estagiário do Programa BPC na Escola do Município de Natal/RN. E-mail: [email protected]. 3 Coautora, doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Assistente Social da Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social do Natal, Coordenadora do Programa BPC na Escola no Natal/RN. E-mail: [email protected]. 4 Coautora, graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e estagiária do Programa BPC na Escola do Município de Natal/RN. E-mail: [email protected]. 2085
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS notes about the socio-historical trajectory of people with disabilities in Brazil and in the world, in addition to the systematic construction of the struggle for the right to education. Keywords: Person with Disabilities, Education, Capitalism. 1 INTRODUÇÃO Discorrer acerca do processo de inclusão social das pessoas com deficiência (PCD) requisita se debruçar sobre um longo processo histórico da humanidade com a finalidade de identificar os determinantes sociais, políticos e econômicos que edificaram as bases para a exclusão social, bem como a luta e desafios para a inclusão social com bases na equidade social no seio de cada organização social. Por entendermos que realizar alguns apontamentos sobre a temática da inclusão é algo complexo, o presente artigo, almeja trazer elementos reflexivos desse processo no Brasil, com vistas a trazer a historicidade desse processo, e suas singularidades no país, tendo por recorte o direito à educação. Desse modo, o primeiro item traz uma abordagem sócio-histórica acerca da pessoa com deficiência no capitalismo, com o objetivo de apontar sua singularidade no modo de produção capitalista, o segundo item aborda a constituição a respeito da educação inclusiva no Brasil, com vistas a trazer apontamentos de como foram construídas as bases para a efetivação do direito à educação das PCD e por fim o último item o direito a educação. Vale ressaltar que o método utilizado na presente pesquisa é o materialismo histórico dialético oriundo do marxismo. A pesquisa teve como objetivo geral evidenciar o processo da exclusão sócio-histórico protagonizado pelas pessoas com deficiência no Brasil e no mundo e a relevância dessa questão nos dias atuais para a garantia dos diretos à educação de qualidade. No que tange os objetivos específicos, foram definidos: Desmistificar estigmas, estereótipos e preconceitos construídos ao longo da história no tocante aos indivíduos com deficiência e suas (in) capacidades; analisar o desenvolvimento da inserção escolar no que se refere a indivíduos com deficiência e investigar o desenvolvimento histórico da inserção. 2086
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Entendemos que essa temática é relevante não somente para os profissionais da educação, mas para todos os profissionais que desenvolvem trabalho social com pessoas com deficiência. Pois a pessoa com deficiência deve ser vista em sua totalidade tendo a equidade enquanto baliza para a excelência de sua cidadania em todos os âmbitos da sociedade. 2 ABORDAGEM SOCIO-HISTÓRICA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA SOB A ÉGIDE DO CAPITALISMO A discursão acerca da pessoa com deficiência na história humanidade tardou a ser direcionada pela via da inclusão social com vistas a construir as condições objetivas para o convívio em sociedade. Ao contrário, por séculos as pessoas com deficiência (PCD) eram marginalizadas, relegadas da participação em sociedade, e em algumas organizações eram até privadas do direito à vida. De acordo com as pesquisas de Otto Marques Silva (1986 apud Brandenburg e Lückmeier, 2013), haviam tribos que, ao nascerem crianças com os seus corpos diferenciados, elas eram enterradas junto com a placenta. Em outras tribos queimavam-nas e algumas as asfixiavam e até mesmo afogavam as crianças. Isso se dava “[...] por medo e por desconhecer as causas da deficiência ou por acreditarem que o corpo de um deficiente físico trazia consigo espíritos do mal.” (BRANDENBURG E LÜCKMEIER, 2013, p. 176). Já nas sociedades clássicas precedentes ao capitalismo era permitido o sacrifício das pessoas com deficiência, consideradas indivíduos incapazes de viver em sociedade. Na Grécia antiga, havia uma supervalorização do corpo belo e forte, pois favorecia as batalhas, então caso as crianças nascessem com alguma deformação no corpo, eram – por vezes – executadas. Em Roma, os próprios pais eram obrigados a executar os seus filhos, caso eles nascessem com alguma deficiência. (ALVES E PACHECO, 2007). Com a difusão do Cristianismo, tais atos cruéis foram proibidos, pois tais pessoas eram portadoras de “almas” e, portanto, tinham que ser cuidadas. Entretanto, essa visão não considerava a integração na sociedade, apenas condenava seu extermínio. Com a ascensão do capitalismo, a sociedade movida pelo lucro e exploração da força de trabalho, enquanto ordem 2087
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS dominante, o tratamento para com a pessoa com deficiência passou a ser embricado de atos de caridade cristã. É necessário compreender o forte papel desta instituição nesse momento histórico, pois era responsabilidade da Igreja Católica e da burguesia a filantropia. A Igreja e os burgueses tratavam dos pobres e das pessoas com deficiência como forma de caridade, deixando naquele momento o Estado de fora da responsabilidade das problemáticas sociais. Dessa forma, os ricos e a Igreja eram vistos como “bons” por “ajudar” os mais pobres. Mas na verdade, era uma forma de contensão social, pois se essas instituições cuidassem dos necessitados, não haveriam grandes revoltas sociais. (SILVA, 2020, p. 679). É importante pontuarmos que as PCD não eram consideradas força de trabalho para o processo produtivo capitalista, sendo assim, não possuíam significado econômico na busca incessante por lucro, sendo um fardo aos familiares que tinham que prover seu sustento. A caridade reportada da citação acima, entretanto, não considerava a importância desses indivíduos participarem da sociedade. A reclusão seja em instituições ou em cômodo isolado dos demais membros da família era uma realidade. Desse modo, a discriminação foi, e ainda é algo presente na realidade. Conforme Cunha (2021), o entendimento do social foi relegado das análises acerca dos cuidados para com as pessoas com deficiência, e que a perspectiva de patologia foi predominante por séculos enquanto fio condutor das ações. Tal postura não considerava os indivíduos em sua totalidade e singularidade, era apenas uma pessoa que possuía patologia e por isso necessitava de cura. No entanto, a “cura” dos corpos, não está ligada apenas a inserção na vida social, mas principalmente na lógica produtiva. (DINIZ, 2007 APUD CUNHA, 2021). Ao passo que a sociedade alavancou seu desenvolvimento nos âmbitos social, econômico, político, cultural e cientifico, tal desenvolvimento repercutiu também na forma de como se enxergar as pessoas com deficiência. Após a segunda metade do século XX, segundo Amaral (1995), surgem novas visões no que tange a deficiência. No entanto, essas visões tiveram algumas oscilações, sendo elas: organicistas (visando o assistencialismo), interacionistas (visando à educação e reabilitação física da pessoa com deficiência) e holísticas (visando reabilitação biopsicossocial que considera o indivíduo como um todo). De acordo com Barnes, Oliver e Barton (2002) a partir da década de 1970, sob o contexto do capital em crise, houveram muitos movimentos políticos em torno da pessoa com deficiência 2088
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS na Inglaterra, estudiosos com deficiência física deram origem ao movimento Disability Studies (estudos sobre deficiência), contribuindo para a compreensão da deficiência como pauta social (coletiva, cultural e política) e não apenas biomédica, fato este fundamental para o início da análise da questão como opressão social, assim como a importância da integração social. Dessa forma, o movimento Disability Studies objetivava “colocar que não é o impedimento físico, a lesão, que impossibilita a participação social, mas sim a estrutura social que é pouco sensível para a inserção da pessoa com deficiência em par de igualdade”. (DINIZ, 2007 apud CUNHA, 2021, p. 309). Assim, podemos compreender que a exclusão social direcionada a pessoa com deficiência nessa sociedade, está extremamente ligada com a lógica produtiva do sistema capitalista, por ser visto com um “corpo” inútil ao modo de produção. É indubitável que, existem outros motivos para a exclusão social dessa parcela populacional, principalmente relacionada ao preconceito e valores morais e culturais como citados anteriormente. No entanto, é por compreender-se que não possui a mesma capacidade de produzir, ou que necessita de suporte seja de cuidador, seja de provimentos essenciais à vida, que essa parcela é excluída da cultura, do lazer, do vínculo empregatício e da educação. Nesse sentido, segundo os estudos do teórico social Michel Foucault (1986 apud Santos, 2008, p. 507), “o padrão emergente sobre a expectativa do sujeito ideal necessário ao modelo de produção capitalista exige um tipo de sujeito com corpo hábil às novas atividades e práticas fabris, em que a força física se torna fundamental”. Nessa perspectiva, Santos (2008) acrescenta que, o modelo social da deficiência defende que a exclusão para com as pessoas com deficiência, ocorre devido a incompatibilidade entre as exigências do capitalismo no âmbito produtivo e as lesões que existem nos corpos das pessoas com deficiência, pois não existe a adaptação à diversidade corporal. Vale ressaltar que, a tese do modelo social da deficiência, segundo Santos (2008, p. 506), “era de que a desigualdade pela deficiência não estava apenas nas lesões corporais, mas constituída nas várias barreiras físicas, econômicas, políticas e sociais da vida em sociedade para os deficientes”. Com isso, a partir do progresso, sobretudo no decorrer da década de 1970, no que se diz respeito às visões sobre a pessoa com deficiência - ocasionada por inúmeros estudiosos que se debruçaram em analisar essa problemática como citado anteriormente - houveram grandes 2089
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS eventos internacionais que motivaram o movimento pró-educação para as pessoas com deficiência. De acordo com Alves e Pacheco (2007) foram elas: Liga internacional pela inclusão, a luta europeia contra a exclusão das pessoas com deficiência, a Conferência de Salamanca em 1994, a proposta integracionista dos Estados Unidos da América (EUA), etc. É valido salientar o quão foi impactante tais eventos mundiais pró pessoa com deficiência, pois foi a partir deles que foi impulsionado as primeiras iniciativas de direitos sociais atribuídos a esse público no Brasil. 3 A CONSTITUIÇÃO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASIL Vários foram os educadores que iniciaram a experiência de educar uma pessoa com deficiência. Ainda na Idade Média, a partir do cristianismo, com o desenvolvimento da filantropia dedicado as pessoas com deficiência feito pela burguesia e Igreja Católica, o monge espanhol beneditino Pedro Ponce de León (1520-1584) desenvolveu um método de educação para pessoa com deficiência auditiva, por meio de sinais com as mãos. Devido a isso, Leon se tornou famoso em toda a Espanha por impulsionar a educação dos filhos surdos da nobreza. Conforme os estudos de Reily (2007, p. 321) “O trabalho de Ponce de León foi reconhecido nacionalmente, havendo outros nobres com filhos surdos que deveriam ser educados para que pudessem assumir seu papel de herdeiros.\" Para Silva (2020), outro educador famoso para a educação dos surdos é Charles Michel de l’Épée, educador francês do século XVIII. É importante frisar que, l’Épée concluiu que deveria aprender a gramática com os sinais de suas alunas para então lapidá-los, desenvolvendo um método para aproximar os sinais à língua francesa. O número de alunos aumentou, e a escola, filantrópica, não fechava as portas a ninguém. (RÉE, 2000 APUD REILY, 2007, p. 322). É essencial acrescentar o papel da Igreja na educação das pessoas com deficiência auditiva, pois segundo Reily (2007) os sinais manuais criados dentro dos monastérios para comunicação entre os monges foram de grande importância para compreender a língua de sinais como a melhor possibilidade para os surdos. 2090
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS No tocante ao Brasil, em 1854, por meio do Decreto Imperial nº 428, foi criado no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, sendo resultado do empenho do escritor e poeta José Álvares de Azevedo, também deficiente visual desde nascença, tendo cursado o Instituto dos Jovens Cegos de Paris, na França. Ademais, para Figueira (2021), ainda hoje a literatura é muito importante e muito incentivada no Imperial Instituto dos Meninos Cegos, atualmente denominado de IBC (Instituto Benjamin Constant), sendo também um centro de excelência no ensino, pesquisa e extensão, no qual o seu conhecimento é difundido não só no Brasil, mas também para o exterior Em 1855, segundo Strobel (2009 apud Silva, 2020 p. 681), Eduard Huet (professor surdo com mestrado e experiência em cursos na cidade de Paris) foi contratado por D. Pedro II com a finalidade de fundar a escola de surdos do Brasil. Dessa forma, Huet, quando chegou em terras brasileiras, estudou a língua de sinais aqui já existente e trouxe os sinais construídos na França, formulando a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Com isso, em 1857 foi fundada a primeira escola para surdos, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (atual INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos). Figueira (2021) acrescenta que, na época, o Instituto era como um asilo, só aceitando surdos do sexo masculino, apenas em 1931, foi criado o externato feminino, com oficinas de costura e bordado. Mesmo sendo muito importantes para a história da inclusão educacional para as pessoas com deficiência, o IBC e o INES tinham um atendimento comprimido, pois no ano de 1872, “eram atendidos apenas 35 cegos e 17 surdos, sendo que, na época, havia um contingente de 15.848 cegos e 11.595 surdos.” (FIGUEIRA, 2021, p.79). Desses dados, podemos presumir que no Brasil o acesso à educação era limitado a classe rica, não sendo acessível as pessoas pobres. Assim, as famílias trabalhadoras dificilmente conseguiam ofertar educação aos seus filhos com deficiência. Ademais, apenas em 1925, foram criadas as primeiras escolas para o atendimento médico-pedagógico as crianças com deficiência intelectual, pioneirismo e marco histórico na Educação Especial no Brasil, através do médico e psicólogo Ulysses Pernambucano de Melo, as chamadas ‘Escolas para Anormais’. (FIGUEIRA, 2021, p. 79). 2091
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Nota-se que os termos escolhidos durante toda a história, e até mesmo durante o século XX, são termos grotescos e ofensivos. Se dirigir para um indivíduo com deficiência como “anormal” com certeza as feria de forma imensurável. Tal dor, não pode ser sequer descrita, pois foram séculos de tratamentos ofensivos e preconceituosos, feitos não só pela sociedade em geral, mas também pelas famílias e especialistas em medicina e educação. Sobre a evolução da educação para as pessoas com deficiência, a Educação Especial se caracterizou por ações isoladas e o atendimento se referiu mais às deficiências visuais, auditivas e, em menor quantidade, às deficiências físicas. Podemos dizer que em relação à deficiência mental houve um silêncio quase absoluto. (MIRANDA, 2003, p. 3) A partir dos anos de 1950, conforme a autora, o governo federal iniciou as campanhas voltadas para a educação para as pessoas com deficiência. A primeira campanha foi em 1957, voltada para os deficientes auditivos chamada de “Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro” objetivando promover a educação e assistência ao surdo em todo o Brasil. A segunda campanha, em 1958, foi direcionada as pessoas com deficiência visual, denominada de “Campanha Nacional da Educação e Reabilitação do Deficiente da Visão”. Já em 1960, foi criada a “Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais” (CADEME) tendo por finalidade “educação, treinamento, reabilitação e assistência educacional das crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo”. (MAZZOTTA, 1996, p. 52 APUD MIRANDA 2003, p. 5). A década de 1980, é marcada em todo o mundo a prática da integração social, reflexo dos movimentos de luta pelos direitos da pessoa com deficiência. Enquanto que, na década de 1990, inicia-se “as discussões em torno do novo modelo de atendimento escolar denominado inclusão escolar.” (MIRANDA, 2003, p. 6). No Brasil, em consequência à Constituição Federal de 1988, é estabelecido no Art. nº 208, “a integração escolar enquanto preceito constitucional, preconizando o atendimento aos indivíduos que apresentam deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.” (MIRANDA, 2003, p. 5). Enquanto que, na década de 1990, inicia-se “as discussões em torno do novo modelo de atendimento escolar denominado inclusão escolar.” (MIRANDA, 2003, p. 6). 2092
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Ademais, de acordo com Figueira (2021), é importante destacar o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência (1981), medida esta que foi estabelecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) para que fosse difundida e dialogada a questão das pessoas com deficiência. Logo, foi criado um comitê para a criação de um plano de ação mundial composto por 23 países, no qual o Brasil não estava incluído. No Brasil, um dos primeiros eventos importantes para esse ano foi a “Coalizão de Pessoas Deficientes”, depois denominada de “Movimento pelos Direitos das Pessoas Deficientes”. O “Ano Internacional”, levou a ONU a criar a “Década das Pessoas com Deficiência” e os frutos gerados por esses reconhecimentos internacionais levaram as pessoas com deficiência uma imagem positiva sobre si mesmos. É importante pontuarmos que a visão negativa foi fruto de uma construção histórica que as colocavam à margem da sociedade e que o entendimento de si enquanto sujeito de direitos é imprescindível para requisitar a execução de sua cidadania. Ressalta-se que o ano de 1981, de acordo com Figueira (2021) foi um grande marco para o movimento das pessoas com deficiência, pois, segundo o autor, elas estavam vivenciando uma nova etapa de suas vidas. Viram-se divididas entre o passado e o futuro, entre memória e projeto – da morte ou isolamento à presença no mundo, do ‘infantilismo’ socialmente construído à maturidade possível a cada um em função de um movimento histórico e irreversível que acenou, e continua acenando com o ideal de cidadania. (FIGUEIRA, 2021, p. 126). No que tange a educação, Figueira (2021) explana sobre a mudança de nomenclatura de Educação Especial para Educação Inclusiva. O autor afirma que, por muitos anos o termo utilizado foi Educação Especial, no entanto essa terminologia é referente a um modelo educacional-médico, no qual a equipe de profissionais tinha por finalidade habilitar e reabilitar as pessoas que possuíssem alguma deficiência. Todo o percurso trilhado citado nos dois primeiros tópicos foi longo e trágico, mas foi possível chegar a um patamar que agora, os mesmos conseguem se identificar como sujeitos de direitos e enfrentar batalhas pela sua inclusão. As palavras utilizadas como “anormais”, foi transformada em “pessoas com deficiência”, afirmando que a deficiência não resume o que são, mas é apenas mais uma característica como qualquer outra. A luta pelos seus direitos é 2093
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS grandiosa, mas os guerreiros que estão em batalha estão presentes para reconhecer o que é deles por direito 4 DIREITO À EDUCAÇÃO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL A década de 1980 se consolidou em um marco histórico no tocante a evolução dos direitos sociais no Brasil. Neste sentido a pessoa com deficiência, enquanto cidadã, também teve acesso aos frutos desse processo. A Constituição de 1988 consolidou o aparato legislativo para o progresso dos direitos no Brasil. Considerando a limitação desta análise, iremos apontar alguns elementos desse processo, tendo por recorte a educação. Neste sentido vários decretos e diretrizes criadas para que fosse fortalecido o atendimento e educação a pessoa com deficiência que contribuíram para se afastar de posturas discriminatórias, bem como de limitação de acesso em decorrência de classe social. Um grande exemplo é a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB 9394/96) que afirma o direito a educação, inclusive das pessoas com deficiência. Essa legislação se mostrou a mais progressista do Brasil, pois possibilitou o acesso ao direito à educação por meio da responsabilidade do Estado. Já no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) inciso III, responsabiliza o Estado manter o atendimento educacional especializado as pessoas com deficiência, principalmente na rede regular de ensino. Outrossim, a Resolução CNE/CP nº 1/2002, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica, delega a estes profissionais a terem conhecimento pedagógico no que tange as especificidades da educação especial. Além disso, referente a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) reconhecida na Lei n° 10.436/02 e no Decreto 5.626/05, como meio legal de comunicação e expressão, determinando que seja garantido seu uso e difusão, bem como a inclusão da disciplina de LIBRAS como parte integrante do currículo dos alunos do curso superior de pedagogia, fonoaudiologia e licenciaturas. 2094
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Para além do mais, no que se refere a educação especial no ensino superior, a Portaria n° 3.284 de 2003 inciso III que declara o compromisso integral da instituição de ensino para garantir o acesso e a permanência dos alunos surdos. Infelizmente, no atual governo de Jair Bolsonaro, há iniciativas de retrocesso em relação a educação para a pessoa com deficiência. No decreto 10.502/2020, foi instituída a política nacional de educação para alunos com deficiência e incentiva a criação de escolas especializadas para atender pessoas com deficiência que \"não se beneficiam\" da educação regular, indo em direção oposta a direitos já conquistados e ao conceito de educação inclusiva. De acordo com o decreto supracitado, Art. 2, VI - Escolas especializadas - instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos; (BRASIL, 2020). Em 2001, foi aprovada a Lei nº 10.172 pelo Governo Federal que dispõe sobre o Plano Nacional de Educação que tramitou no Congresso Nacional desde fevereiro de 1998, no qual a Educação Especial foi considerada como uma modalidade de ensino, objetivando a integração das pessoas com deficiência em todas as áreas sociais. (FIGUEIRA, 2021). Mesmo com tantos avanços que possibilitariam a inserção inclusiva da pessoa com deficiência em âmbitos educacionais, de forma concomitante, não ocorre a materialização das vias legais. Governos federais, estaduais e municipais tendem a não direcionar verbas suficientes para que tais leis sejam materializadas em meios de inclusão para pessoa com deficiência, seja na educação ou em outras áreas da vida social. Ocorre que, mesmo avançando politicamente, socialmente o Brasil está estagnado, não só referente a pessoa com deficiência, mas de forma ampla para toda a população. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Abordar a inclusão social da pessoa com deficiência no Brasil não constitui uma tarefa fácil. A historicidade desse processo demostra séculos de exclusão, inclusão excludente por classe social e conquistas recentes, advindas sobretudo da Constituição de 1988. 2095
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Por não serem consideradas força de trabalho em potencial, no capitalismo a intervenção acerca da pessoa com deficiência não possuía por suporte a perspectiva do direito e sim de caridade, ora da igreja ora da classe burguesa. Apesar da PCD ter sido enxergada no Brasil enquanto segmento populacional que necessitava de terem suas demandas respondidas pelo Estado, como foi o caso da educação, essa se consolidou via segmentação por classe social, apenas os ricos tinham acesso. Contudo, foi a partir da década de 1970, em razão de movimentos sociais internacionais em prol dos direitos da pessoa com deficiência a exemplo do Disability Studies é que a inclusão passou a ser entendida também como um processo decorrente da estrutura social com aportes no âmbito econômico. A década de 1980 se constituiu um marco histórico no tocante a consolidação dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil, sobretudo, no acesso à educação, tendo por primazia a inserção da PCD no ensino regular. É importante salientarmos que educação está para além de aprender disciplinas de formas padronizadas, educação é conviver e aprender em sociedade, desse modo, a escola se constitui em uma estratégia essencial para PCD desenvolver suas potencialidades. A atual conjuntura se revela extremante desafiante acerca de assegurar as conquistas históricas da PCD. Estamos vivenciando uma serie de retrocessos sociais dentre eles a defesa de segmentar estudantes com deficiência, os repelindo do ensino regular. O que deve ser posto em questão é equipar as escolas de ensino regular com as condições de acessibilidades para participarem em equidade do processo de ensino e aprendizagem com os demais estudantes, e não fomentar um discurso de resgatar o isolamento, que fortalece ainda mais as relações de preconceito. A luta não acaba no final dessas linhas, é necessário batalhar todos os dias contra o preconceito, mas também a favor de uma educação pública, integral e de qualidade, que possa atender de forma equânime todos os cidadãos. Pois com é sabido, apenas a educação transforma. “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.” Paulo Freire. 2096
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS REFERÊNCIAS ALVES, Vera Lúcia Rodrigues; PACHECO, Kátia Monteiro De Benedetto. TENDÊNCIAS E REFLEXÕES: A história da deficiência, da marginalização à inclusão social: uma mudança de paradigma. ACTA FISIATR 2007; 14(4): 242 – 248. BRANDENBURG, Laude Erandi; LÜCKMEIER, Cristina. A HISTÓRIA DA INCLUSÃO X EXCLUSÃO SOCIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA.CONGRESSO ESTADUAL DE TEOLOGIA, 1., 2013, São Leopoldo. Anais do Congresso Estadual de Teologia. São Leopoldo: EST, v. 1, 2013. CUNHA, Ana Carolina Castro P. Deficiência como expressão da questão social. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 141, p. 303-321, maio/ago. 2021. FIGUEIRA, Emílio. As pessoas com deficiência na história do Brasil: uma trajetória de silêncios e gritos! 4. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2021. REILY, Lucia. O papel da Igreja nos primórdios da educação dos surdos. Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 35 maio/ago. 2007. SANTOS, Wederson Rufino dos. Pessoas com Deficiência: nossa maior minoria. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 18 [3]: 501-519, 2008. SILVA, Vívian Karen Batista da Silva. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: as políticas de inclusão no Brasil para pessoas surdas e o descaso estatal na materialização dos direitos. ANAIS DO II SEMINÁRIO INTERNACIONAL E VI FÓRUM DE SERVIÇO SOCIAL NA EDUCAÇÃO – “A permanência estudantil na educação em tempos neoliberais e as estratégias de resistências” - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Serviço Social na Educação – GEPESSE. 2020. 2097
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EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS (DCN’s) DE EDUCAÇÃO FÍSICA: A face do conservadorismo neoliberal na formação de professores THE NEW NATIONAL CURRICULAR GUIDELINES (DCN's) FOR PHYSICAL EDUCATION: The face of neoliberal conservatism in teacher education Kassiano de Kássio Rosa da Silva1 Vera Solange Pires Gomes de Sousa2 RESUMO Uma nova realidade social imprimiu ao sistema reajuste para sua sobrevivência, que a classe trabalhadora senti diariamente, uma delas foi os ataques na formação educacional à classe por meio da fragmentação de diferentes cursos de graduação, inclusive nos cursos de Educação Física desde 1987 e novamente ratificado em 2018 pela Resolução nº 06 do Conselho Nacional de Educação, então esta pesquisa tem o objetivo analisa o referido texto. Para isso, organizou-se metodologicamente com uma abordagem critico-dialética, documental e qualitativo. Como conclusão verificou-se a interferência da classe dominante de forma direta na condução da formação em nível superior para cumprir as necessidades de sobrevivência da forma de produção. Palavras-chave: Diretrizes Curriculares Nacionais; Educação Física; Formação. ABSTRACT A new social reality gave the system a readjustment for its survival, which the working class felt daily, one of which was the attacks on the educational training of the class through the fragmentation of different undergraduate courses, including in Physical Education courses since 1987 and again ratified. in 2018 by Resolution nº 06 of the National Council of Education, so this research aims to analyze that text. For this, it was methodologically organized with a critical-dialectical, 1 Graduado em Educação Física – Licenciatura na pela Universidade do Estado do Pará (UEPA). Membro do Grupo IncorpoRe (UEPA) e do Grupo Gipe-Corpo (PPGAC-UFBA). Contato: [email protected]. 2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC-UFBA). Professora do Curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Coordenadora do Grupo IncorpoRe (UEPA) e do Membro do Grupo Gipe-Corpo (PPGAC-UFBA). Contato: [email protected]. 2099
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS documentary and qualitative approach. As a conclusion, it was verified the interference of the dominant class in a direct way in the conduction of the formation in superior level to fulfill the needs of survival of the form of production. Keywords: National Curriculum Guidelines; Physical Education; Formation. 1 INTRODUÇÃO Em uma sociedade na qual o modo de produção é baseado na desigualdade, esta logo estaria destinada ao fracasso, visto que isso leva a barbárie da humanidade, é no caminho deste fim, o sistema e seus privilegiados tentam de várias formas sobreviver mantendo seu modo de vida. Na perspectiva da sobrevivência e da manutenção deste sistema aniquilar a luta da classe trabalhadora é uma das formas encontradas, visto que é por meio desta a qual os não privilegiados, isto é, a classe trabalhadora, a grande parte da população, procura diminuir as desigualdades e não apenas sobreviver nesta forma de organização social. Os professores fazendo parte desta parcela que permanece a luta sofre com constante formas de silenciamento, uma delas foi realizada através de sua formação, ao justificarem, principalmente, a necessidade do mercado para a fragmentação da formação em licenciatura e bacharelado diversas áreas do conhecimento, uma delas foi a Educação Física a qual luta contra tal empreitada da fragmentação. Acontecido pela primeira vez em 19887 na Educação Física, a fragmentação em licenciatura e bacharelado hoje tem como principal caracteriza o campo de atuação, na qual os licenciados atual no âmbito de espaços da educação formal e os bacharéis não, desde então grupos progressistas da área lutam contra a institucionalização das fragmentação do conhecimento e da classe trabalhadora, a constante luta entre as classes, atualmente, resultaram na atuais DCN’s que reforçam a separação na formação entre licenciatura e bacharelado. Disto isso, este tem o objetivo de analisar as novas DCN’s presente na Resolução CNE/CES n° 06/2018, para isso inicialmente foi realizado uma breve sessão que contextualiza socialmente a implementação das DCN”s para os cursos de Educação Física no Brasil. Metodologicamente esta pesquisa se caracteriza como crítico-dialética, haja vista que essa é a 2100
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS abordagem que encara uma relação dialógica, dinâmica e conflitante da sociedade (TEIXEIRA, 2007), é documental, pois tem como base documentos sem tratamento analítico-cientifico (GIL, 2002), além de ser qualitativa (LÜDKE E ANDRÉ, 1986). 2 A CONTEXTUALIZAÇÃO DAS NOVAS DCN’S NO BRASIL As discursões sobre as DCN’s para os cursos de formação em Educação Física se dá a vários anos, desde a década de 1980, com a instituição do curso de bacharelado em Educação Física, assunto que se sobressai posteriormente com a criação a criação dos Conselhos Federal e Regionais (CONFEF/CREF’s) em 1998, haja vista que estes são fies defensores dessa modalidade de graduação. Foi por meio do Parecer nº 215/1987 e da Resolução Conselho Federal de Educação nº03/1987 que se instituiu os cursos de bacharelado em Educação Física no Brasil. Foi com o “novo” curso de Educação Física em nível superior se discutiu ainda mais sobre o campo epistemológico, objeto de estudo, área de atuação da área. Em 2004, surgem então o Parecer CNE3 n.º 58/2004 e a Resolução CNE n.º 07/2004 que ratificaram as duas formações, isto é, Licenciatura e Bacharelado, os quais surge após o Sistema CONFEF/CREF’s já ter se instalado, este que foi o primeiro conselho profissional criado após a Reforma Administrativa (BRASIL, 1967). Os conselhos então passam a cumprir um papel do Estado que é salvaguardar a sociedade, tendo como objetivos também de fiscalizar, orientar, disciplinar legal, tecnicamente e eticamente o exercício profissional e a habilitação profissional (MENDES, 2010). Vale destacar também que o início dos anos 2000 foi um período marcado pelas perdas advindas das privatizações e ações de um governo de direita, caracterizado por um Estado Mínimo e Regulador, portanto, dentro deste contexto de Estado Mínimo que é criado o sistema CONFEF/CREF’s. As DCN’s para os Cursos de Educação Física que estão atualmente me vigor é a da Resolução CNE/CES n° 06/2018 a qual teve início de sua elaboração em ainda em 2015, três 3 Conselho Nacional de Educação 2101
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS anos antes de sua homologação, quando o CNE por meio do relator Paulo Barone apresenta a comunidade a minuta de projeto da resolução, esta foi muito debatida em audiências públicas oficiais, mesas de debate e eventos científicos em todo o país (MACIEL; NOZAKI; BOTREL, 2019). Nesta minuta, apresentada em Brasília, no dia 07 de dezembro de 2015, destacava-se o artigo 7º que trazia a extinção do curso de bacharelado e formação unificada em torno da licenciatura. Uma vez anunciado o fim do bacharelado seus defensores logo apareceram, representados principalmente pelo sistema CONFEF/CREF’s, os quais distinguem área de atuação com base na formação, isto é, os bacharéis com atuação em espaços não escolares e os licenciados com a tua atuação limitada a espaços escolares (SANTOS JUNIOR; BASTOS, 2019). Salienta-se que foi também neste mesmo período, dezembro de 2015, que se iniciou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados presidida então por Eduardo Cunha, que foi acusada de crime de responsabilidade fiscal, desta forma dando início a mais um golpe de Estado, fragilizando a democracia brasileira que vinha se reconstituindo desde 1989 quando houve as primeiras eleições de forma direta para presidente após longos anos de ditadura cívico-militar no Brasil. Concretizado o Golpe Jurídico-Parlamentar, assume Michel Temer, com propostas que favoreciam a classe dominante, a mesma que apoio o Golpe na perspectiva de manter seus privilégios, durante seu curto mandato foi aprovado a PEC 55 que impôs limites de investimentos futuros do governo federal, a liberação de terceirização e a reforma trabalhista a qual foi vendida a leigos como a melhor forma de ativar a economia e gerar empregos, entretanto, a reforma trabalhista trouxe consigo outra realidade, que foi a redução de direitos dos trabalhadores e da proteção social (KREIN; OLIVEIRA, 2019). Essa troca das políticas do governo trouxe consequências as DCN’s, haja vista que houve diversas trocas nos ministérios, inclusive no Ministério da Educação e no CNE. O relator Paulo Barone e outros conselheiros que estavam acumulando conhecimento especifico da formação em Educação Física ao longo dos anos saíram da elaboração das DCN’s. Quando o Resolução CNE/CES n° 06/2018 é divulgada pela nova comissão, que foi (re) elaborada em dois anos, excluindo-se todas as contribuições dos professores, pesquisadores, entidades cientificas, movimentos sociais da área, estabelecendo-se novamente a formação em 2102
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS bacharelado em Educação Física, o qual seria extinto na minuta do projeto muito discutida anteriormente. Desta forma, ficando evidente que [...] a nova comissão não conseguiu ir na direção oposta às determinações do mercado de trabalho e aos ditames do movimento político do setor conservador/cooperativista, pois o bacharelado voltara de uma morte anunciada na minuta da resolução de 2015. (SANTOS JÚNIOR; BASTOS, 2019, p. 320) . 3 O PARECER CNE/CES Nº 584/2018 A Resolução CNE/CES n° 06/2018 apresentou um grande retrocesso para a Educação Física, reflexo do retrocesso o qual o país estava sofrendo, caracterizado principalmente pelas perdas da classe trabalhadora, na tentativa se manter as regalias da classe burguesa que vinha sofrendo com a crise do capital, conforme afirma Seki, Souza e Evangelista (2019, p. 122) “O mercado mundial atravessou a crise de 2007-2008 e as sucessivas ondas em 2011 e 2014, resultantes da incapacidade sistêmica do capitalismo de seguir apresentando meios de recuperação das taxas de crescimento no mundo”. Com o objetivo de uma reestruturação do sistema com o objetivo de manter a forma de produção capitalistas e suas características, empresários, conservadores, a direita e a extrema- direita agirem, isso resultou em perdas cruciais para a classe trabalhadora exemplos são: a Terceirização, a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência e o congelamento dos gastos públicos, entre elas educação e saúde pública, logo, quem mais sentirá com a falta de maiores investimentos nestas áreas é a classe trabalhadora, usuários da rede pública. E em meio a essas Reformas os grandes empresários, entre eles o da educação eram quais mais saiam ganhando, pois [...] mesmo em meio aos ritos do ajuste fiscal e do congelamento das despesas primárias, o Estado seguiu transferindo somas maiores ao capital de ensino superior. Para Vale (2011), operou-se nos últimos anos, com os recursos dos fundos educacionais, um verdadeiro sequestro em favor da acumulação dos capitais de grande porte. No mesmo sentido, Silva (2014), analisando o Proies, concluiu que, com o Fies e o Prouni, evidencia-se como as transferências de recursos do fundo público foi central para formação das grandes empresas educacionais, como a Kroton- Anhanguera, a SER Educacional e a Estácio de Sá Participações. (EVANGELISTA, SEKI; SOUZA, 2019, p. 174). 2103
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Grupos com as mesmas características, isto é, conservadores e empresários também assumiram o poder da direcionalidade que o Parecer CNE/CES nº 584/2018 tomou. Esses grupos na Educação Física eram representados pelos empresários da educação, do fitness e da linha tradicional da área, eles eram os quais mais se favoreciam com a permanência do bacharelado, haja vista que poderiam continuar e ampliar essa modalidade de graduação no setor privado. A área do fitness está cada vez mais ganhando espaço no mercado, exemplo disso é a maior procura do treinamento resistido que ganhou muitos adeptos nos últimos anos, Murer (2007) lista as seguintes causas para isso: preocupação com a aparência saudável, culto ao corpo e massificação pela mídia. Ademais, segundo a Associação Brasileira de Academias (Acad), “A indústria mundial do fitness alcançou, em 2017, cerca de 174 milhões de clientes […]. Trata-se de um crescimento de mais de 6% em relação ao número de clientes, nos últimos dois anos”4. O Brasil encontra-se no segundo lugar no ranking dos países com maior número de academias, em quarto lugar no número de clientes e decimo na colocação de receita no mercado (REVISTA ACAD BRASIL, 2017). Portanto, esses empresários do setor, tinham muito a favorecerem com a permanência do bacharelado, pois esses cursos têm características acríticas desta forma o trabalhador não questiona as condições de trabalho, além de fragmentar a classe trabalhadora entre os atuantes do espaço escolar e os atuantes dos espaços não escolares. Esses mecanismos foram organizados para enfraquecer a luta de classe e diminuir a aderência nas representações organizadas da classe trabalhadora que são os sindicatos, todos esses mecanismos na formação de Educação Física somente ratificaram as necessidades que o sistema impõe para sua sobrevivência, visto que esse enfraquecimento do sindicalismo foi proferido desde as reformas pós golpe de 2015. Por fim, parece claro que a sobrevivência dos sindicatos está ameaçada por razões de ordem financeira. A queda na arrecadação decorrente do fim da obrigatoriedade do imposto foi de grande magnitude [...] Essas perdas, porém, não decretam o fim dos sindicatos. As dificuldades e a crise podem, paradoxalmente, oferecer novas possibilidades para o sindicalismo se reinventar. (GALVÃO, 2019, p. 224). Além de que, esse enfraquecimento na formação, por meio da divisão em Licenciatura e Bacharelado, deixa grande parcela dos formandos a mercê do capital, isto é, na condição de 4 Disponível em: http://www.acadbrasil.com.br/mercado.html Acesso em: 25/01/2018. 2104
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS aceitar as propostas (impostas) pelos empresários, em especial do ramo do fitness, que não assumem responsabilidades de contratação formal, melhor dizendo, sem vínculo empregatício, sem assinar a carteira de trabalho, forma esta de emprego cada vez mais presente com as reformas, afetando principalmente os trabalhadores não sindicalizados (GALVÃO, 2019) no caso da Educação Física os bacharéis, os quais são formados dentro de uma ideologia da empregabilidade e do empreendedorismo, mesma que deu bases para a regulamentação da profissão em 1998 por meio da Lei 9.696 (DIAS, JUNIOR; LIMA, 2011). A duas possiblidades de formação contida no Parecer CNE/CES nº 584/2018 representa o esvaziamento teórico na formação acadêmica da classe trabalhadora, isso é o reflexo da fase atual deste sistema capitalista, pois estas tem a finalidade desqualificar as forças produtivas, como aponta Taffarel (2012, p. 106, grifo da autora) A “realidade atual” na formação de professores nos permite levantar a hipótese de que está em curso um processo de desqualificação e destruição das forças produtivas, das quais consta o trabalho e o trabalhador, que se expressa na formação dos trabalhadores, nos seus processos de qualificação acadêmica e de atuação profissional. Processos que, contraditoriamente, se dão pela negação do conhecimento científico, pelo estabelecimento de consensos, pela coerção, pela regulamentação e pela criação de conselhos de caráter privatista. Conhecimento este essencial para a luta de classe e a busca por melhores condições de trabalho, pois são por meio delas que se reflete sobre a realidade social, no entanto, são elas que são extinguidos dos currículos em detrimentos das disciplinas técnicas e desportivas na justificativa, comumente aceita, de elas serem disciplinas de cunho pedagógico, conforme ratifica Taffarel (2012, p. 107) Conhecimento que permite enfrentar e combater o neopositivismo, existencialismo, pragmatismo, entre outras correntes que alimentam o neotecnicismo, as quais isolam a escola e os esportes dos problemas que afetam a sociedade e incrementam a contraposição dos interesses individuais aos sociais. Desta forma, mais uma vez, dentro deste contexto de fragmentação da área, quem mais se beneficia é a classe dominante. O Parecer CNE/CES nº 584/2018, também foi alvo de vários estudos, entre eles de Furtado (2020, p. 127) que aponta uma serie de fragilidades no documento 2105
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Há limites teóricos e epistemológicos na proposta da Resolução 06/2018, há incongruências com a Resolução 02/2015 para formação de professores, há incoerências internas e há uma significativa distância para um documento radicalmente comprometido com a classe trabalhadora. Destaca-se, por exemplo, que para referir-se ao objeto de conhecimento foram negligenciadas pela Resolução 06/2018 as noções ou conceitos de cultura corporal, cultura corporal de movimento e práticas corporais. Ignorou-se, portanto, o acúmulo teórico, a ampla disseminação no campo e, inclusive, as suas utilizações em diversos documentos balizadores de políticas públicas tanto na educação, como na saúde e no esporte. O mesmo autor também analisa a possibilidade de implementação de uma formação única, o que a resolução coloca como dupla formação em seu Artigo 30 “As Instituições de Educação Superior poderão, a critério da Organização do Projeto Pedagógico Curricular do Curso de Educação Física, admitir, em observância do disposto nesta Resolução, a dupla formação dos matriculados em bacharelado e licenciatura” (BRASIL, 2018, grifo nosso). Sendo uma das possibilidades a disponibilidade das duas formações, isto é, licenciatura e bacharelado, e podendo, a interesse do aluno, cursa ambas, e segunda é já um currículo integrando ambas formações, com o cuidado de não sobrecarregar o currículo de disciplinas ou conteúdos redundantes (FURTADO, 2020). Então com o atual parecer, mais uma vez se abre a possibilidade de uma única formação por meio da dupla formação, o egresso saindo com a habilitação em licenciatura e bacharelado realizando um único percurso formativo. Entretanto, para isso se faz necessário o interesse das instituições de ensino superior e, gozarem de seu direito contido na carta magna que é a Constituição Federal, artigo 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988, p. 67, grifo nosso). Então, estas ao elaborarem os cursos devem parti deste pressuposta institucional. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se, portanto, que após este estudo a interferência das necessidades do modo de produção capitalista na formação de professores de Educação Física, como forma de enfraquecimento da classe trabalhado por meio da fragmentação desta em licenciados e 2106
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS bacharéis. Além do sistema interferir na conduzindo para a negação do conhecimento especifico da área de conhecimentos para os estudantes da própria área nos cursos de graduação ao conceberem duas formações. Então ainda se faz muito necessito a permanência da luta para a revogação dessas atuais DCN’s e a aprovação de uma que atenda às necessidades dos pesquisadores progressistas da Educação Física, além de uma diretriz curricular que esteja aliada aos anseios da classe trabalhadora e, a caminho da superação deste sistema que cada vez mais mostra não mais dar conta de atender a necessidades humanas e desta forma levando a sua própria destruição. Ademais, o próprio CNE por meio da atual DCN’s ratificou a possibilidade de formação única, logo, é fundamental os agentes dentro das instituições de ensino superior atuem na proposição deste modo de formação, então os professores progressistas, alunos e movimentos sociais, como o Movimento Estudantil de Educação Física (MEEF) que tem como uma de suas bandeiras de luta a formação unificada, provoquem mais discursões na perspectiva da dupla formação nas instituições. REFERÊNCIAS BRASIL, Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sôbre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso em: 06/04/2022. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. . Acesso em: 06/04/2022. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Educação Física e dá outras providências. Resolução CNE nº 06, de 18 de dezembro de 2018. Brasília: Diário Oficial da União, 19 de dezembro de 2018, DIAS JÚNIOR; Elson Moura; LIMA; Thiago Firmino de. MNCR: 10 anos de luta pela regulamentação do trabalho. Feira de Santana: UEFS Editora, 2010. EVANGELISTA, Olinda; SEKI, Allan K.; SOUZA, Artur G. de; Vitoria do Ead ou do Capital? In: EVANGELIS, Olinda; et al. Desventuras dos professores na formação para o capital. Olinda Evangelista… [et al.]. — Campinas, SP: Mercado de Letras, 2019. 2107
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS FURTADO, Roberto P. Novas diretrizes e antigos debates: uma análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Graduação em Educação Física − Resolução CNE/ CES 06/2018. In: SOARES, M. G.; ATHAYDE, P.; LARA, L. (Org.). Formação profissional e mundo do trabalho [recurso eletrônico] / organizadores Marta Genú Soares, Pedro Athayde, Larissa Lara. – Natal, RN: EDUFRN, 2020. GALVÃO, Andréia. Reforma Trabalhista: efeitos e perspectivas para os sindicatos., In: KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade / Organizadores: José Dari Krein, Roberto Véras de Oliveira, Vitor Araújo Filgueiras. – Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2019. GIL, Antônio Carlos, 1946-Como elaborar projetos de pesquisa/Antônio Carlos Gil. - 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2002. KREIN, José D.; OLIVEIRA, Roberto V. de. Os impactos da Reforma nas condições de trabalho. In: KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade / Organizadores: José Dari Krein, Roberto Véras de Oliveira, Vitor Araújo Figueiras. – Campinas, SP: Curt Nimuendajú, 2019. LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU,1986. MACIEL, Thiago B. ; NOZAKI, Hajime T.; BOTREL, Thunay V.. AS NOVAS DCNs (Resolução. n° 06/18): A continuidade do projeto de formação humana dominante e as possibilidades superadoras. Boletim Informativo do MNCR, Ano 18 - Nº 2, MAIO - AGOSTO, 2019 2019 MENDES, A. D.. Atuação Profissional e Condições de Trabalho do Educador Físico em Academias de Atividades Físicas. Dissertação (Mestrado em Educaççao Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade de Brasília, p. 235, 2010. MURER, Evandro. Epidemiologia da Musculação. In: VILARTA, Roberto. Saúde Coletiva e Atividade Física: conceitos e aplicações dirigidos à graduação em educação física / Roberto Viltara (Organizador). Campinas: Ipes Editorial, 2007. SANTOS JUNIOR; Osvaldo G. dos; BASTOS, Robson dos S.. As (Novas) Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Física: A fragmentação repaginada. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 11, n. 3, p. 317-327, dez. 2019. SEKI, Allan K.; SOUZA, Artur G. de; EVANGELISTA, Olinda. 72 Horas em 16 minutos: Qual escola para professor brasileiro? In: EVANGELIS, Olinda; et al. Desventuras dos professores na formação para o capital. Olinda Evangelista… [et al.]. — Campinas, SP: Mercado de Letras, 2019. TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa / Elizabeth Teixeira. 4 ed. – Petrópolis, RJ: Vocezes, 2007. 2108
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS AS REPERCUSSÕES DA COVID-19 NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PIAUÍ THE REPERCUSSIONS OF COVID-19 ON THE SUPERVISED INTERNSHIP IN THE PIAUÍ COURT OF JUSTICE Taynara Pereira da Silva1 Lúcia Cristina dos Santos Rosa2 Mauricéia Lígia Neves da Costa Carneiro3 Adriana Siqueira do Nascimento Marreiro4 RESUMO Este artigo busca apresentar a instituição Tribunal de Justiça do Piauí (TJ), mais especificamente a 1ª Vara da Infância e Juventude (1ªVIJ), campo de estágio supervisionado do curso de serviço social da UFPI, de fevereiro a maio de 2022, discutindo as repercussões e mudanças ocorridas na atuação do Serviço Social a partir das medidas sanitárias contra a covid-19, onde ocorre o estágio supervisionado II. Para tal discussão, foi empregado o modelo de análise de conjuntura, tal como proposto por Herbert de Souza (2005). Nesse sentido, baseou-se nas 5 categorias definidas pelo autor: acontecimento; cenários; atores, relação de forças, articulação, estrutura e conjuntura. Na busca de entender a essência do real que se apresenta muitas vezes em uma realidade múltipla, complexa e variada, intensificada pelo contexto pandêmico, identificou-se a importância dessa ferramenta para compreender a prática profissional articulada ao campo de estágio. Palavras-chave: Análise de Conjuntura; Instituição; Pandemia de Covid-19. 1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí. Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-UFPI). E-mail: [email protected]. 2 Professora da Pós-Graduação em Políticas Públicas e do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí. Doutora em Serviço social. Email:[email protected]. 3 Professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí. Doutora em Serviço Social. Membro do GEPPS/UFPI e NEF/UNIFESP. E-mail: [email protected]. 4 Supervisora de Campo-Assistente Social-Analista do Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (PPGPP-UFPI). E-mail: [email protected]. 2109
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ABSTRACT This article seeks to present the institution Court of Justice of Piauí (TJ), more specifically the 1st Court of Childhood and Youth (1st VIJ), supervised internship field of the UFPI social service course, from February to May 2022, discussing the repercussions and changes that have occurred in the performance of the Social Service from the sanitary measures against covid-19, where the supervised stage II takes place. For this discussion, the conjuncture analysis model was used, as proposed by Herbert de Souza (2005). In this sense, it was based on the 5 categories defined by the author: event; scenarios; actors, relationship of forces, articulation, structure and conjuncture. In the search to understand the essence of the real that is often presented in a multiple, complex and varied reality, intensified by the pandemic context, the importance of this tool was identified to understand the professional practice articulated to the internship field. Keywords: Conjuncture Analysis; Institution; Covid-19 Pandemic. 1 INTRODUÇÃO Diante das mudanças ocorridas em todos os lugares e aspectos da sociedade em virtude da Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da Organização Mundial de Saúde, de 30 de janeiro de 2020, em decorrência da infecção Humana pelo Coronavírus (COVID-19), o desenvolvimento das atividades do Serviço Social, que inclui o estágio supervisionado obrigatório do Curso de Serviço Social da UFPI, no Tribunal de Justiça do Piauí, mais especificamente na 1ª Vara da Infância e juventude e a CEJIJ – Coordenadoria Estadual Judiciária da Infância e Juventude, tiveram que se adequar às medidas sanitárias vigentes de distanciamento físico e trabalho remoto. Para apreender as mudanças e suas repercussões nas ações do Serviço Social, faz-se necessário entender primeiro o papel desses dois Setores e da profissão em seu interior. O trabalho na 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ) da Comarca de Teresina tem sua estrutura organizacional composta por quatro setores principais: Gabinete, Sala de Audiência, Secretária, Setor de Acolhimento e núcleo multidisciplinar, estes compostos por profissionais de psicologia e Serviço Social. A CEJIJ, é o órgão responsável pela elaboração e execução das políticas públicas relativas à infância e juventude no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Piauí e tem como atribuições, a exemplo: elaborar sugestões para o aprimoramento da estrutura do judiciário na área da infância e da juventude; dar suporte aos magistrados, aos servidores e às equipes 2110
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS multiprofissionais; promover a articulação interna e externa da Justiça da Infância e da Juventude com outros órgãos governamentais e não-governamentais. A 1ª Vara da Infância e Juventude – 1ªVIJ - da Comarca de Teresina – PI tem como legislação norteadora a Lei N° 8.069 de 13 de outubro de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente. Dessa maneira, a ela compete atuar em questões relacionadas às matérias cíveis, como medidas protetivas (acolhimento institucional e familiar), busca e apreensão, ações de guarda, tutela, adoção, pedido de providências, autorização para viagem nacional e internacional, e encaminhamento à rede própria de atendimento para crianças, adolescentes e familiares com o objetivo do pleno desenvolvimento individual e social dos usuários. As ações que são desenvolvidas pela 1ª VIJ abrangem a articulação com a rede de proteção aos direitos da criança e do adolescente; realização de audiências; blitz para fiscalizar a entrada e permanência de adolescentes em lugares que os exponham a situações de risco; coordenação do Sistema Nacional de Adoção (SNA); realização de curso de capacitação psicossocial jurídica aos pretendentes à adoção; desenvolvimento de projetos que prezam a proteção aos direitos e garantia das crianças e dos adolescentes; acompanhamento processual através da assessoria técnica; mutirão de audiências concentradas; orientação, acompanhamento e fiscalização das entidades de atendimento às crianças e adolescentes e ainda, realização de plantão para atendimento em casos de urgência. O núcleo multidisciplinar que compõe a 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ) conta com 04 (quatro) assistentes sociais e 03 (três) psicólogos com suas atuações profissionais majoritariamente voltada para elaboração de estudos com pareceres que forneçam subsídios à Decisão da Magistrada nas ações em andamento; para além, é ainda executada pelos Assistentes Sociais do Setor Técnico e de Fiscalização e Acolhimento a atividade de supervisão de estágio, contribuindo assim para a formação profissional. Já a organização do artigo surgiu de questões levantadas na disciplina Seminário de Prática II, ministrada pela Profª. Drª. Lucia Cristina dos Santos Rosa que alinhou o conteúdo da disciplina a experiência do supervisionado no Tribunal de Justiça do Piauí que tem como supervisora acadêmica a Profª. Drª. Mauricéia Lígia Neves da Costa Carneiro e a supervisora de campo Adriana Siqueira do Nascimento Marreiro. Para reiniciar o estágio supervisionado II, fez 2111
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS se necessário entender a atuação do Serviço Social na 1ª VIJ, na atual conjuntura no contexto pós vacinação Covid-19 efetivado a partir das ferramentas exploradas no livro “Como se faz análise de conjuntura” de autoria de Herbert de Souza (2005) que pontua sobre os acontecimentos, cenário, atores, relação de forças, articulação entre estrutura e conjuntura. Simultaneamente, foi realizada pesquisa bibliográfica e documental através de pesquisas em livros, sites, revistas e a análise institucional construída no decorrer do estágio I, além das observações acerca da realidade vivenciada no estágio da 1ª VIJ. Assim, o artigo busca apresentar e discutir as mudanças ocorridas no Serviço Social da 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ) da Comarca de Teresina, espaço de realização do estágio supervisionado II do curso de Serviço Social da UFPI, através do método de análise de conjuntura proposto por Herbert de Souza (2005) com o intuito de discorrer como esse espaço sócio ocupacional se adaptou à nova realidade em decorrência da crise sanitária ocasionada pela Covid-19. 2 A ANÁLISE DE CONJUNTURA Para compreender um determinado contexto, a internet e as mídias sociais, têm se tornado uma ferramenta cada dia mais usada por pessoas de todas as idades, principalmente com a chegada das mídias sociais como Facebook, Instagram, YouTube e Tik Tok que possibilitam diariamente comunicação, entretenimento e negócios. Redes essas, que proporcionam ao usuário um volume de informações e entretenimento veiculadas muitas vezes em tempo real, mas ressalta-se a necessidade de entender, avaliar e selecionar as informações para não “cair” e espalhar Fake News. Ciente desta realidade que desencadeia um aceleramento das relações e construção de novos fatos produzida pelo mundo virtual, há necessidade frequente de se atualizar a leitura da realidade, fundamental para o desenvolvimento das práticas profissionais, como afirma Iamamoto (1998). Herbert de Souza (2005), em seu livro sobre análise de conjuntura discorre que a todo momento é necessário atualizar as informações sobre a realidade e as análises de conjuntura são métodos que sabendo ou não, querendo ou não e em diversas situações como no campo 2112
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS pessoal, profissional ou político, são baseadas nas informações que se tem, no desenvolvimento dos fatos, só então a decisão é tomada. Desta forma, para se realizar a análise de conjuntura do espaço de estágio supervisionado, enquanto instituição, requer de início apresentar como o Tribunal foi se adaptando para à nova realidade com a chegada da pandemia de Covid-19. Souza (1984), considera a análise institucional, um ato político, pois contornado por interesses e necessidades, explicitando é um ato complexo, sendo uma mistura de conhecimento e descoberta. É uma leitura especial da realidade e que se faz sempre em função de alguma necessidade ou interesse” (SOUZA, 1984, p. 08). A partir dessa compreensão, com o objetivo de conhecermos como as medidas sanitárias influenciaram a organização do trabalho no TJ-PI, discorre-se sobre essas medidas necessárias para garantir a proteção de todos (as) da equipe e dos usuários dos serviços. A realidade no Tribunal de Justiça do Piauí enquanto instituição que possui como competência, na divisão de poderes, a aplicação da lei, que trabalha com base na normativa legal e em suas interpretações pelos operadores jurídicos passou por uma série de mudanças em seu ambiente físico e em sua reorganização do seu modelo de trabalho com as medidas sanitárias impostas pela pandemia. Mudanças essas que foram necessárias para se adequar a uma série de orientações com a finalidade de proteger e assim, reduzir o contágio entre funcionários e o público externo. Nesse sentido, foram estabelecidas através de Portarias formatos de organizações para o funcionamento das atividades do Poder Judiciário do Piauí. Atualmente, está em vigor a Portaria Nº 907/2022 - PJPI/TJPI/SECPRE, de 14 de março de 2022, que estabelece, dentre outros aspectos: que, a partir do dia 04 de abril de 2022, as atividades presenciais do Poder Judiciário do Estado do Piauí, deverão ser com percentual de 70% (setenta por cento) do quadro da respectiva unidade judiciária ou administrativa, devendo o quantitativo remanescente funcionar em regime obrigatório de teletrabalho/trabalho remoto§ 1º Poderão vir presencialmente magistrados, servidores, auxiliares, colaboradores e estagiários que atuam em cada unidade, inclusive os integrantes de grupo de risco que já tenham sido vacinados com a segunda dose, observadas as atividades desenvolvidas por 2113
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS cada unidade judiciária e administrativa. (Portaria Nº 907/2022 - PJPI/TJPI/SECPRE). Essas orientações passaram a influenciar também a execução do estágio supervisionado que em razão disso, os estagiários/as tiveram que se adaptar ao tempo de permanência no espaço do estágio de 16 horas semanais, para duas (02) a três (03) horas diárias, duas (2) a três (3) vezes por semana, seguindo a Resolução CEPEX/UFPI nº 187/2022, diminuindo a vivência presencial do processo de trabalho desenvolvido pelas assistentes sociais e a equipe técnica. Apesar das mudanças ocorridas no mundo do trabalho com a chegada da pandemia, Guerra (1995) adverte que a forma como pensamos, direciona nossa forma de conduzir-se e isso nos permite vivenciar o dia a dia dos sujeitos com os quais se trabalha. Ainda sobre isso, as medidas impostas pela crise sanitária, exigiu dos profissionais uma postura investigativa no cotidiano da prática, desenvolvendo argumentação, fundamentação na escolha de estratégias e instrumentos para auxiliar na leitura da realidade que se desenhava. Assim, o novo contexto que se apresentava demandou que novas estratégias fossem sendo discutidas, investigadas para garantir a continuidade do processo de trabalho dos assistentes sociais das instituições, como também, para a execução da disciplina de estágio, momento importante para a formação profissional do discente. 3 FERRAMENTAS PARA A ANÁLISE DE CONJUNTURA Herbert de Souza (2005), define 05 categorias específicas para a realização de uma análise de conjuntura, que são: acontecimentos, cenários, atores, relação de forças e a relação entre “estrutura” e \"conjuntura'', que como ele mesmo define são \"representações da vida\". O autor informa que as mesmas categorias foram usadas por Marx para analisar uma situação política da época, retratada no \"18 Brumário\" em seu estudo da revolução francesa, o que possibilitou uma compreensão mais apurada desse acontecimento. No sentido de organizar a explanação sobre como se realizar uma análise de conjuntura na 1ª VIJ, utilizaremos essas 05 categorias para ilustrar a experiência do estágio supervisionado, destacando o contexto vivenciado na crise sanitária ocasionada pela Covid-19. 2114
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 3.1 FATOS E ACONTECIMENTOS Para aplicar a primeira categoria de análise, Souza (2005) faz uma analogia entre o que é fato e o que é acontecimentos. Fatos são eventos que ocorrem diariamente, constituindo algo trivial, que não tem repercussão para produzir mudança, quando uma pessoa comum tropeça e cai. Por sua vez, um acontecimento é algo marcante, que altera a vida de indivíduos, famílias, grupos, nações, e até do mundo, como guerras e a mais nova pandemia de Covid-19. Com o início da pandemia na Cidade de Wuhan, na China, em dezembro de 2019, posteriormente se espalhando para todos os continentes do globo, houve consideráveis alterações da vida e do comportamento de todo o mundo. Desde janeiro de 2020, pesquisadores da Rede Zika Ciências Sociais começaram a acompanhar o surgimento de um novo vírus na China que produzia uma síndrome respiratória aguda grave (Srag). No dia 30, a Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) foi declarada e em 11 de março, devido à expansão geográfica do vírus, a OMS declarou que o mundo vivia a primeira pandemia do século XXI. (BUENO, SOUTO, MATTA, 2021, pág. 27) Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde - OMS, começa a emitir as recomendações necessárias para conter a disseminação do vírus. O Brasil adotou as medidas sanitárias, apesar de todas as controvérsias do governo brasileiro, sobretudo à nível federal, orientado por uma percepção da realidade que minimizava as consequências da crise sanitária que o mundo começava a viver. Antes da pandemia, o setor técnico da 1ª VIJ já lidava com situações referentes à crianças e adolescentes que vivenciam uma conjuntura de risco como: vínculos familiares fragilizados ou rompidos, além do sofrimento provocado pela desproteção social até a pobreza, fatos que se intensificaram com a presença da Covid-19. Com as mudanças ocorrendo e as adequações nas atividades da instituição, a Equipe Técnica busca se adaptar a essa reorganização no sentido de responder às demandas recebidas, bem como, buscando assegurar condições de segurança sanitária. Neste sentido, elenca-se as seguintes medidas adotadas: 2115
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS a. Adaptações no espaço físico (instalação de barreira de proteção de acrílico na sala de atendimento); b. Leituras processuais com vistas a realização de contatos com a Rede de Atendimento Socioassistencial e posterior prestação de informações nos processos, com vistas a efetivar o andamento dos mesmos para demais trâmites; c. Posteriormente, quando do retorno gradual das atividades presenciais, prestação de informações às partes via contato telefônico (ressaltando-se a aquisição de um telefone celular para a Assessoria Técnica, com vistas a melhorar os contatos com as partes e Rede de Atendimento); d. Realização de entrevistas através de visitas domiciliares previamente agendadas mediante contato telefônico, onde se buscava informações acerca das questões de saúde das partes, bem como a disponibilidade para realização do procedimento; e. Realização de atendimento virtualmente, quando possível, em processos simples (que não envolvessem litígios). A pandemia como um todo repercutiu de forma diferenciada, inclusive no processo de trabalho da Coordenação de Estágio do Curso de Serviço Social da UFPI e de seu alunado, pois antes, a 1ª VIJ contava com 03 estagiários, mas, após as medidas, o estágio foi interrompido, retornando em setembro-outubro de forma híbrida, presencial, com revezamento, passando assim a contar com apenas 02 estagiários. Essa situação trouxe comprometimentos para a oferta do estágio, atividade curricular obrigatória no curso de serviço social, trazendo repercussões para o processo de formação. 3.2 CENÁRIOS A segunda categoria de análise são os cenários onde se desenvolvem os acontecimentos. Cada cenário tem suas particularidades que interferem diretamente no seu desenvolvimento no processo de luta, como posto pelo autor, mas no caso em tela, no desenrolar do processo de trabalho. Uma realidade era posta antes da pandemia, com o estágio totalmente presencial, realizado por 4 horas diárias durante 4 dias na semana, com participação 2116
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS intensa nas ações do Serviço Social, incluindo atendimento a usuários, visitas domiciliares e institucionais, dentre outras. Com a pandemia é adotado um modelo híbrido sendo ofertado na modalidade presencial com revezamento remoto, em atendimento à Resolução CEPEX/UFPI nº 187/2022 que passou a regulamentar o desenvolvimento de processo híbrido de ensino e de aprendizagem como estratégia para retorno gradual às aulas presenciais quando fosse seguro. Outra mudança observada, foram as entrevistas e as visitas domiciliares como partes dos processos que antes eram realizados de forma presencial e durante o período pandêmico foram adaptados, quando possíveis, para espaços virtuais, como chamadas de vídeo pela rede social WhatsApp. Como informa o documento do Conselho Federal de Serviço Social – (CFESS). A pandemia acelerou o processo de entrada das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no trabalho profissional dos (as) assistentes sociais, algo que já estava sendo gradualmente incorporado e vinha desafiando, diante das metamorfoses do mundo do trabalho. A introdução das TICs e dos meios remotos repercutem nos processos de trabalho, na relação com outras profissões e trabalhadores, na relação com os usuários e nas condições éticas e técnicas de trabalho. (CFESS, 2021, P. 83). Assim, embora poucas alterações tenham acontecido em relação aos atores do trabalho profissional, observa-se intensa alteração relacional que necessitou de uma readequação nos processos de trabalho do serviço social. 3.3 ATORES A terceira categoria é a de atores, definidas por Souza (1984) como pessoas que representam um papel dentro do enredo de uma relação de forças, onde este ator representa algo para uma instituição, comunidade ou país. A regulamentação que proporcionou a efetividade de diversos atores na garantia de direitos foi a aprovação da Resolução nº 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Aprovada em 2006, o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) foi criado para fortalecer a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 2117
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Esse sistema articular-se-á com todos os sistemas nacionais de operacionalização de políticas públicas, especialmente nas áreas de saúde, educação, assistência social, trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores e promoção da igualdade e valorização da diversidade. (CONANDA, 2006). Essa articulação tem como objetivo formar uma rede com todos os atores na perspectiva de fortalecer o atendimento às demandas provenientes da violação dos direitos desse público. Os principais atores do trabalho profissional na 1ª VIJ são: a Juíza, que é a gestora de todo processo de trabalho; os profissionais, sobretudo assistentes sociais e psicólogos, as crianças vítimas ou não de violência ou desproteção social, os pais ou responsáveis, as instituições do SGDCA como Casas de Acolhimento, Ministério Público, Defensoria Pública, CRAS e CREAS, a exemplo. Assim, a 1ª VIJ é uma instituição que recebe uma grande demanda de processos, possuindo muitos atores e com interesses pessoais e coletivos distintos. Com essa realidade, vale observar o desafio que é articular interesses diversos a partir da realidade de cada ator que está envolvido por saberes, valores e realidades diversas. 3.4 RELAÇÃO DE FORÇAS A quarta categoria é a relação de forças existentes entre classes sociais, grupos e os atores sociais que estão se relacionando no dia a dia de trabalho profissional, exercendo uns sobre os outros, uma relação de força, com poder diferenciado. Essas relações são dinâmicas, mas, no geral, podem ser caracterizadas em 03 formas básicas, como concebidas por Souza (1984): uma relação de confronto, onde há relação de domínio e subordinação mais explicitadas; de coexistência, permeada pelo respeito e tolerância e cooperação, ou seja, ação igualitárias, solidárias. Na situação da 1º VIJ, a juíza é a representante máxima do poder dominante. As crianças e adolescentes, no geral, são os atores sobre os quais as relações de forças se tencionam, pelos maus tratos, violação de direitos, a que são sujeitados. Percebeu-se, na vivência do estágio, que a I VIJ articula-se de maneira contínua com os demais atores que compõem o SGD acima mencionado com vistas a estabelecer um movimento de encaminhamentos, contatos Institucionais, dentre outras ações com vistas a buscar, em 2118
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