Important Announcement
PubHTML5 Scheduled Server Maintenance on (GMT) Sunday, June 26th, 2:00 am - 8:00 am.
PubHTML5 site will be inoperative during the times indicated!

Home Explore Eixo 6 EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Eixo 6 EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2022-09-29 16:46:24

Description: Eixo 6 EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS

Search

Read the Text Version

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Logo, o servidor deve ter a percepção do que precisa em relação a ação para capacitação no ano seguinte, assim como de um possível afastamento que necessite. Cada vez, percebe-se que as políticas instituídas almejam um controle e responsabilização exacerbados em relação aos servidores. Neste contexto, há de se indicar a propagação das políticas neoliberais com o consenso de meritocracia, empreendedorismo e de que há espaço para o desenvolvimento de todos, desde que se dediquem, constata-se uma realidade bem distinta do proposto. Os servidores atendidos por essa política são os da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, regulamentados pela Lei nº 8.112/1990, no caso da área de educação onde são percebidos diretamente os maiores contingenciamentos desde a EC 95/2016. Com a política imposta com mais veemência pelo governo atual, fica clara a posição de sucateamento, precarização e desnecessidade de capacitação. Não é prioridade no atual cenário, a formação emancipatória de quem quer que seja, muito menos dos servidores que tratam diretamente do âmbito educacional brasileiro. De acordo com os dados extraídos da Nota Técnica nº 19/2021 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO: DESPESAS PRIMÁRIAS PAGAS 2015-2020, IMPACTO DA EC Nº 95/2016 (TETO DE GASTOS) E ORÇAMENTO PARA 2021), a qual analisa o impacto da EC 95/2016 no Ministério da Educação, a formação de Recursos Humanos é uma subfunção não finalística, ou seja, não proporciona atendimento direto às demandas da sociedade. Neste sentido, apenas a função Educação, de acordo com a NT nº 19/2021, apresentou um decréscimo de R$ 54,4 bilhões no período estudado de 2016 a 2020. Nota-se que as outras funções não apresentaram diminuição em seus investimentos, com isso se percebe que o investimento em educação não é prioridade para os governos vigentes no período citado. Ainda no âmbito do IFPB, devem ser observadas as Resoluções nº 34/20 que vem Convalidar a Resolução AR 26/2020, de 12/06/2020, que dispõe sobre a Regulamentação da Política de Capacitação e Qualificação dos servidores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba e a Resolução 42/2020 que retifica a Resolução 34/2020- CONSUPER/DAAOC/REITORIA/IFPB, que dispõe sobre a Política de Capacitação e Qualificação dos servidores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba. No entanto, esses últimos anos é notório os cortes orçamentários voltados as políticas de Desenvolvimento de pessoal que o IFPB vem sofrendo. Podemos perceber na Tabela 1 que 2283

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS esse corte está na ordem de R$ - 987.615,00 (Novecentos e oitenta e sete mil e seiscentos e quinze reais), conforme demostrado na tabela abaixo. Ano base Tabela 1: Orçamento do IFPB para o Desenvolvimento de Pessoal 2017/2022 Orçamento 2017 R$ 1.779.551 2018 R$ 1.693.000 2019 R$ 1.886.000 2020 R$ 1.823.000 2021 R$ 669.582 2022 R$ 791.936 Fonte: Tesouro Gerencial, 2022. https://tesourogerencial.tesouro.gov.br/tg/servlet/mstrWeb?pg=login&v=1650994955646. Acesso em 26/03/2022. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS As soluções propostas pelas políticas de austeridade, com cortes dos gastos públicos, induzem à queda do crescimento econômico do país, provocando novas quedas da arrecadação, pois os gastos do governo são a renda do setor privado, deixando de gastar ele deixa de receber. Em síntese, essa reforma fiscal proposta pela EC 95/2016 não é um plano de estabilização fiscal, mas uma ação forte para diminuir o tamanho do Estado. Para a educação em 2021, o cenário projetado pela lei orçamentária anual, estabeleceu à educação novos reveses que indicam a manutenção da tendência observada na efetiva execução de despesas do período 2016-2020. A figura apresentada na seção 2 mostra uma situação preocupante em relação ao futuro próximo das políticas para a educação superior pública no Brasil. Embora, num primeiro momento, algumas avaliações tenham apontado para uma paralisia do governo federal em relação à educação e ao ensino superior em particular, focada principalmente nos cortes de recursos e na falta de propostas específicas, a partir do segundo ano começaram a se definir ações mais concretas, como a proposta do Future-se e a ampliação da ingerência do MEC nas instituições federais de ensino, como apontam Cruz et al (2019; Ação Educativa/Carta Capital, 2019). Para 2022 o cenário nas IFES é ainda preocupante, pois com todos esses cortes orçamentários ficará impossível uma boa gestão desses espaços, em virtude do aumento 2284

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS significativo nas demandas desses espaços, seja no atendimento aos estudantes quanto a reestruturação dos serviços prestados pelas instituições, em função da situação gerada após a pandemia. Essas drásticas reduções orçamentárias, assim como outras resoluções, pareceres e vetos presidenciais comprometerão os recursos humanos das IFES. Com o corte orçamentários voltados as políticas de Desenvolvimento de pessoal que o IFPB vem sofrendo nesses últimos anos, como demostrado na Tabela 1, fica ainda mais difícil atender as necessidades voltadas à formação dos servidores do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) identificadas no Levantamento das necessidades de desenvolvimento em atendimento a Política de Desenvolvimento de Pessoal (PDP), que tem sua construção anual, de forma coletiva e eletrônica em atendimento ao Decreto n° 9.991/2019. Nessa perspectiva, o Plano Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP) traz em 2019 com esse Decreto uma nova proposta de controlar e reduzir os gastos destinados à formação dos servidores das IFES. Para isso, as demandas identificadas voltadas à formação dos servidores são agrupadas e identificadas quais capacitações poderão ser ofertadas pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e as ações de desenvolvimento que não forem ofertadas por ela, poderão ensejar a contratação de outras instituições ou empresas para sua realização, mas para isso é preciso recursos orçamentários, para que essas contratações aconteçam, mas com os cortes que pudemos acompanhar no decorrer desse estudo, fica impossível ou quase inviável isso acontecer. REFERÊNCIAS ANDIFES, 2020. Disponível em: http://www.andifes.org.br/execucao-orcamentaria/.Acesso em 06 dez 2021. Barone, Juliana. Como ficou o plano de Bolsonaro para afastar a influência da esquerda na educação. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/o-que-bolsonaro-fez- na-educacao-2019/. Acesso em 01 dez 2021. BRASIL. Decreto no 9.991, de 28/08/2019. Dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e regulamenta dispositivos da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, quanto a licenças e afastamentos para ações de desenvolvimento. Brasília: DOU, 2019. Blyth, M. (2018). Austeridade: a história de uma ideia perigosa: Autonomia Literária. BOAVENTURA, Elias. Instituições metodistas de ensino na República Velha. Revista de EDUCAÇÃO do Cogeime, v. 3, n. 5, p. 89-100, 1994. 2285

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS CASTRO, A. M. D. A; SANTOS, I. de P. Crises do Capital, Austeridade e Educação no Brasil. Research, Society and Development, v. 10, n. 2. 2021. Câmara dos deputados. Despesas primárias – Disponível em: https://www2.camara.leg.br/orcamento-da- uniao/estudos/2021/NT19_2021MECdespesasprimriasetetodegastos.pdf. Acesso em 15 nov. 2021. Cruz, Priscila F. da; Borges, João M.; Batista Filho, Olavo N. 2019. Educação Básica sob Bolsonaro: Análise da Conjuntura e um Olhar para o Futuro. São Paulo: Todos pela Educação. Disponível em: http://interessenacional.com.br/2019/10/14/educacao-basica-sob-bolsonaro- analise-da-conjuntura-e-um-olhar-para-o-futuro/ Acesso em 01 dez 2021. DOTTA, Alexandre; BERTAZOLLI, Carolina Braglia Aloise. POLÍTICA DE ACESSO E PERMANÊNCIA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: O PROGRAMA UNIVERSIDADE PARA TODOS (Access and Permanence Policy Higher Education in Brazil: The University for All Program). Available at SSRN 3705828, 2020. Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa: Atlas. SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista brasileira de e PRESTES, Emília Maria da Trindade; FIALHO, Maríllia Gabriella Duarte. Evasão na educação superior e gestão institucional: o caso da Universidade Federal da Paraíba. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 26, p. 869-889, 2018.ducação, v. 14, p. 143-155, 2009. TESOURO GERENCIAL. Disponível em: https://tesourogerencial.tesouro.gov.br/tg/servlet/mstrWeb?pg=login&v=1650994955646. Acesso em 26 abr 2022. 2286

EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCAÇÃO, ESCOLA “SEM” PARTIDO E SUA ARTICULAÇÃO COM O GOVERNO BOLSONARO: uma análise a partir do papel do Estado EDUCATION, “SEM” PARTY SCHOOL AND ITS ARTICULATING WITH THE BOLSONARO GOVERNMENT: an analysis based on the role of the State Dheniffer José Ferreira Freire1 RESUMO O trabalho que apresentamos se propõe a analisar o movimento Escola “sem” Partido e sua articulação com o Estado a partir das ações empreendidas pelo governo Bolsonaro na educação. Dialogamos com a literatura marxista, ao debatermos sobre o papel do Estado e a noção de ideologia. Desse modo, compreendemos que o Estado e a ideologia se encontram diretamente articulada aos interesses do movimento. Por fim, tecemos nossa conclusão, na qual foi possível compreender que o movimento atua no sentido de manter inalteradas as estruturas sociais que perpetuam desigualdades e opressões, utilizando-se do espaço educacional com o aval do Estado. Palavras-chave: Escola “sem” Partido; Educação; Governo Bolsonaro. ABSTRACT The work we present proposes to analyze the Escola “without” Party movement and its articulation with the State from the actions undertaken by the Bolsonaro government in education. We dialogue with Marxist literature, as we debate the role of the State and the notion of ideology. In this way, we understand that the State and ideology are directly linked to the interests of the movement. Finally, we weave our conclusion, in which it was possible to understand that the movement works to keep the social structures that perpetuate inequalities and oppressions unchanged, using the educational space with the endorsement of the State. Keywords: School “without” Party; Education; Bolsonaro government. 1 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Direitos Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. E-mail: [email protected] 2287

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 1 INTRODUÇÃO Analisar a educação brasileira sob a gestão do presidente Jair Bolsonaro se coloca como um desafio. Equivale esclarecer, que os obstáculos encontrados se relacionam não com a complexidade do programa estabelecido pelo governo, mas na medida em que há uma total falta de direcionamento e medidas eficazes que busquem solucionar os problemas reais da educação brasileira. Convém ressaltar que no título desse trabalho, bem como, no decorrer da exposição utilizaremos o nome Escola “sem” Partido aspeado, por considerarmos que o próprio nome do movimento é tendencioso, pois expressa uma equivocada separação entre escolas “com” e “sem” partido2. No presente estudo, buscamos analisar o movimento Escola “sem” Partido (ESP) e sua articulação com o governo Bolsonaro, a partir de uma visão do papel do Estado e como este pode atuar na efetivação dos princípios defendidos pelo ESP. Abordamos os principais aspectos característicos do movimento, seus objetivos e meios de atuação. Para tanto, realizamos um passeio pela página do movimento na internet, bem como, buscamos a literatura existente que discute sobre o tema. Para além disso, discutimos Estado e Ideologia à luz do referencial teórico marxista, pois compreendemos que o mesmo se articula à luta de classes, ao entendimento das contradições que perpassam nossa sociedade e mantém uma perspectiva de transformação social. Sem pretender esgotar o tema, já que a realidade é bem mais complexa, inicialmente trazemos uma breve introdução, em seguida, desenvolvemos a discussão sobre a conjuntura histórica brasileira com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência, além de apresentarmos características relevantes do movimento Escola “sem” Partido. Em um segundo momento, traçamos um debate em torno do papel do Estado e o uso da ideologia como mecanismo de falsear a realidade com o objetivo de manter o status quo da classe dominante inalterado, utilizando-se do espaço educacional. Por fim, tecemos considerações finais, na qual nossas análises nos levam a concluir que o que se encontra em curso é um amplo projeto de desmonte da educação brasileira, com o intuito de deslegitimar as instituições de ensino, reduzindo-as a um projeto de educação técnica que sirva aos interesses da classe dominante. 2 Disponível em: https://www.sinprodf.org.br/artigo-escola-sem-partido-ou-educacao-sem-liberdade/ acesso em: 11/01/2022. 2288

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 2 A EDUCAÇÃO EM TEMPOS DO ESCOLA “SEM” PARTIDO Observou-se um discurso abertamente conservador no Brasil, que encontrou terreno fértil na polarização política no qual se encontra o país, desde a campanha política entre Dilma Roussef (PT) e Aécio Neves (PSDB), em 2014. Assim, presenciamos Jair Messias Bolsonaro, vencer as eleições em 2018, apresentando uma campanha política que não diverge de sua trajetória parlamentar, sempre pautado em tom ofensivo contra mulheres, gays, lésbicas, negros, indígenas, entre outros. Defensor fervoroso de que há em curso no Brasil um processo de “esquerdização” política, o que, na visão do mesmo, é preciso montar todo um aparato estatal para desestabilizar as instituições que se encontram embebidas de uma militância política. Já em seu discurso de posse, enfatiza ser necessário retomar os valores familiares, respeitar as religiões e a tradição judaico cristã, que segundo ele, foram deturpados ou invisibilizados pelas “amarras ideológicas” que dominam o Brasil na atualidade3. Nesse mesmo discurso, o presidente eleito evidencia a atenção especial que dará a área educacional brasileira, a mesma ganha bastante notoriedade nessa suposta cruzada ideológica que Bolsonaro travou e diz que irá aniquilar. As pautas do governo tentam minar com as discussões de gênero, instauram um clima policialesco nas instituições de ensino e colocam a educação em um cenário de incertezas e de poucas ações efetivas. As ideias do governo Bolsonaro, encontram embasamento no movimento que ficou conhecido nacionalmente por Escola “sem” Partido (ESP). Considera-se sua origem em 2004, nesse ano, o advogado e procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, acusa o professor de história de sua filha de doutrinação e encabeça, sem sucesso, uma tentativa de punição. Mas, é importante pontuar que as ideias que dão origem a sua criação remontam ao ano de 2002, quando o então Partido dos Trabalhadores (PT) chega à presidência da República. Segundo os argumentos do ESP, o PT seria o causador do aparelhamento do Estado (aqui especificadamente, a escola) no que tange ao processo de propagação de ideologias identificadas como de esquerda. Contudo, é entre 2014 e 2015, que o movimento começa a apresentar notoriedade. Quando os filhos do atual presidente Jair Bolsonaro elaboram Projetos de Lei (PL) e apresentam em suas casas legislativas. 3 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na- cerimonia-de-posse-no-congresso.shtml Acesso em: 04/01/2021. 2289

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Realizando um passeio pelo site do ESP4, o mesmo se descreve como “associação informal, independente, sem fins lucrativos e sem qualquer espécie de vinculação política, ideológica ou partidária”. Observa-se também que o programa elenca alguns objetivos considerados cruciais para o desempenho de suas atividades, a saber: 1) combater a suposta contaminação político ideológica presente nas instituições de ensino do país, as quais os mesmos defendem que há um processo de “esquerdização” em curso; 2) defesa dos valores morais e intelectuais dos estudantes e o direito das famílias de ensinar a partir das suas próprias convicções morais e religiosas e por fim, 3) combate a discussão de gênero e sexualidade nas escolas, sendo considerados pelos signatários do movimento, como conteúdos em conflito com a moral defendida pelos(as) estudantes e famílias, o que complementa o segundo ponto, tornando-o mais claro em relação aos “valores morais” e ao padrão social instituído que não pode ser questionado. Desse modo, o ESP vem se configurando como um dispositivo que atua no sentido de policiar a ação docente, utilizando mecanismos que buscam instaurar o medo e a censura dentro dos muros escolares, em nome de uma suposta neutralidade defendida pelo movimento. Importante pontuar que a neutralidade não é um pressuposto defendido pelo Estado Democrático de Direito, pelo contrário, nossa Carta Magna institui objetivos políticos a serem alcançados. Segundo a Constituição Federal, são elementos primordiais do Estado Democrático de Direito “a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político” (BRASIL, 2015, art. 1º, grifo nosso). Em conformidade, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB - Lei n° 9394/96) que define as diretrizes e bases da educação brasileira, que compreende que a educação tem o compromisso de articular-se com o mundo do trabalho e à prática social, tendo por “finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1996, art. 2º; grifo nosso). Ainda em alinhamento com a Constituição Federal e com o direito de liberdade de ensinar e aprender temos os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCN), desde as séries iniciais, que direcionam a imprescindibilidade do ensino em pautar-se na construção da cidadania “tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos” (BRASIL, 1997, p. 13). 4 Disponível em: http://escolasempartido.org/ acesso em: 05/01/2021. 2290

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Desse modo, preza-se por uma escola que seja um espaço que contribua para a formação de sentidos éticos fundamentais e característicos do fazer e ser cidadão(ã), possibilitando as discussões de assuntos que fazem parte da dinâmica social e incidem diretamente sobre a vida dos sujeitos. Assim, observamos com clareza que preparar os(as) estudantes para o pleno exercício da cidadania não corresponde ao ato de doutrinar, mas, de contribuir para que o(a) estudante compreenda as relações sociais nas quais se insere e nesse sentido possa atuar sobre elas de forma crítica e consciente. O discurso dos defensores do ESP e nisso o presidente Bolsonaro se inclui apresentam uma nítida função de ocultar o controle ideológico que há tempos ocorre nos muros escolares, bem como ao disseminar que o ambiente escolar é cadeira cativa de “doutrinação ideológica de esquerda” atuam de forma “hipócrita e interesseira, militam em favor da ampliação do controle e da precarização do trabalho docente, do desrespeito à autonomia das escolas e dos sujeitos da educação e em favor de todos aqueles que têm lucrado [...] com esse projeto” (GIROTTO, 2016, p. 73). Assim, compreendemos que o ESP se utiliza de um discurso que tem por objetivo disseminar os interesses e o modo de enxergar o mundo de um grupo social específico. 3 A ASCENÇÃO DO ESCOLA “SEM” PARTIDO E SUA RELAÇÃO COM O ESTADO SOB A LIDERANÇA DE BOLSONARO O Escola “sem” Partido não pode ser analisado de forma isolada, é necessário entender a conjuntura política, social e econômica que permeiam sua ascensão e fortalecimento dentro das políticas públicas empreendidas pelo Estado, no governo Bolsonaro. Eleito em 2018, a partir de artimanhas jurídico-midiáticas, o presidente não somente evidenciou a sua agenda econômica alinhada aos interesses do capital, como também colocou em pauta os interesses de diversos grupos que o apoiaram até a chegada ao planalto. Nesse contexto, observamos um crescente alinhamento das ações executadas pelo MEC ancorados nos objetivos defendidos pelo ESP para a educação brasileira. Em meio a esse caldo, torna-se necessário entender o papel do Estado e quais interesses se colocam como primordiais na agenda governamental. Na obra Ideologia Alemã, Marx e Engels, apresentam o Estado como uma criação histórico-social dos homens (e mulheres), colocando-o como instrumento da classe dominante 2291

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS com o objetivo de manter o status quo e assegurar que a classe dominada se conserve subjugada. Os autores enfatizam que “por essa contradição do interesse particular e do interesse comunitário que o interesse comunitário assume uma organização autônoma como Estado, separado dos interesses reais dos indivíduos e do todo, e ao mesmo tempo como comunidade ilusória, mas sempre sobre a base real” (MARX & ENGELS, 2009, p. 47). Em sua mocidade, Marx sinalizou que aprofundaria as discussões em torno do Estado, o que acabou não ocorrendo diretamente. Em contrapartida, pensadores marxistas se propuseram a dialogar com a categoria e trouxeram a luz significativas contribuições para se pensar o papel do Estado. Ernest Mandel aponta para uma perspectiva que coaduna com Marx, “o Estado é produto da divisão social do trabalho [...] cujo papel era sustentar uma estrutura de classe e relações de produção” (1986, p. 334). Lênin em sua obra, O Estado e a revolução, analisa criticamente o papel do Estado, enfatizando que “o Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classes não podem objetivamente ser conciliados” (2010, p. 27). Ao passo que compreendemos que o Estado se configura como instrumento de dominação e legitimação da burguesia, é necessário entender como essa dominação se faz concretamente, seguindo essa linha de raciocínio, Ernest Mandel em seus estudos, elenca como três, as funções do Estado: 1) o Estado precisa gerar as “condições gerais de produção”, condições estas que não podem ser concebidas pela classe dominante; 2) conter as insatisfações ou insurreições das classes dominadas ou de parcelas particulares da classe dominante; 3) “integrar as classes dominadas, garantir que a ideologia da sociedade continue sendo a da classe dominante [...] que as classes exploradas aceitem sua própria exploração sem o exercício direto da repressão” (1986, p. 334). O autor esclarece que para o Estado exercer sua dominação de classe, é preciso manter uma estrutura que funciona como mediadora no que tange a integrar as diversas esferas da vida social, a saber: ideologia, política, filosofia, valores morais. Mas elenca que é pela instrução, através dos seus mecanismos de propagação, “pela educação, pela cultura, pelos meios de comunicação”, mas, que principalmente pelas “categorias de pensamento” inerente à organização de classe de uma sociedade” (IDEM) que se efetivam e atingem o consenso geral na sociedade. 2292

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS É no sentido de manter inalterado o sistema de exploração e submissão da classe trabalhadora que a educação ganha centralidade. Esta engloba não somente as instituições formais de ensino, em sua maioria de responsabilidade estatal, mas se alarga para outras instituições que atuam fortemente no processo de formação de consciência, como família, igrejas, associações, grupos de jovens, partidos políticos, entre outros. Nesse sentido, “o processo educativo se reverte de suma importância, de uma relevância sem par na construção da vida, na formação do mundo, no estabelecimento das relações interpessoais dos indivíduos” (GUIMARÃES, 2008, p. 39). Seguindo essa lógica, a educação, vinculada ao Estado, em sua própria natureza assume a função de veículo de disseminação da ideologia dominante visando a manutenção do status quo vigente (MESZÁROS, 2005.). Nesse sentido, Mauro Iasi elucida que ideologia não significa exclusivamente um conjunto de ideias, que são difundidas e introjetadas nas cabeças de homens e mulheres pelos mais diversos instrumentos e mecanismos. Pois, se assim fosse, nos levaria a errônea e simples solução de se criar uma “ação anti-ideológica” e substituir as “velhas, por novas ideias” e “[...]quando, numa sociedade de classes, uma delas detém os meios de produção, tende a deter também os meios para universalizar sua visão de mundo e suas justificativas ideológicas a respeito das relações sociais de produção que garantem a dominação econômica” (2011, p. 20- 21). Nessa perspectiva, a burguesia ao assumir o controle dos meios de produção e desse modo ao ter para si o domínio da força de trabalho neste processo, se estabelece como classe dominante refletindo seu poder também na esfera Estatal, este se transforma em representante oficial dos seus interesses. “O Estado é a instância que diz representar o interesse universal, mas representa o de uma classe. Ele cumpre a universalidade reproduzindo o interesse da classe dominante”. (MONTAÑO E DURIGUETO, 2011, p. 36). Nesse panorama a educação se coloca como espaço de disputas sociais, dada a sua dimensão formativa e desencadeia confrontos políticos e ideológicos, revelando que esta pode atuar tanto para a manutenção da sociedade capitalista, como pode contribuir para a superação da ordem vigente. Em consonância com tal discussão, Antônio Gramsci, importante estudioso italiano marxista, faz uma discussão sobre Estado, denominando-o de Estado Ampliado5. 5 “Em Marx, o conceito de sociedade civil está na infraestrutura, o local das necessidades e da produção econômica. Gramsci já aloca a sociedade civil na superestrutura, ambiente da construção das ideologias e do embate pela hegemonia. Todavia, não se pode negar seu marxismo, pois a sociedade civil para ele está sempre em relação dialética com a infraestrutura, a qual é determinante em última instância” (ADAMS; PFEIFER. 2006, p. 242-243). 2293

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Observando a sociedade de sua época, foi possível desvelar uma outra expressão do Estado que não era somente a coercitiva. Gramsci identifica que o cenário histórico abre espaço para novas articulações, que mesclam entre coerção e consenso. Assim, temos um aprimoramento, uma ampliação da visão marxista de Estado, que além de considerar “sociedade política”, em seu sentido mais restrito, inclui a “sociedade civil” (GRAMSCI, 2011, C1, p. 119). O autor compreende esta como, variadas e diferentes instituições, “ditas privadas”, que integram o “aparelho de hegemonia política e cultural das classes dominantes” (GRAMSCI, 2011, C 8, p. 284), por meio dos quais o Estado exerce a sua função de mentor do consenso, fazendo com que as classes dominadas não consigam perceber a opressão e desigualdade que estão submetidos. E acrescenta Gramsci, a Escola se constitui em uma instituição de enorme grau de importância para o Estado. Para o italiano, “o proletariado deveria buscar não só controlar a produção econômica, mas torna-se classe dirigente imprimindo uma direção político-cultural às forças sociais” (ADAMS; PFEIFER. 2006, p. 246). Daí compreendemos a correlação de forças que se estabelece dentro dos muros escolares. A Escola pode contribuir como espaço de desconstrução de preconceitos naturalizados socialmente, atuando de forma a descortinar a desigualdade entre homens e mulheres, a expor a problemática do racismo latente e estrutural de nossa sociedade, ampliar a visão de mundo da classe trabalhadora diante da exploração do capital. Importante pontuar que a escola, sozinha, não modifica as estruturas sociais vigentes, mas, como já dito anteriormente, é um espaço que que serve de aliado nesse processo. Na tentativa de alinhar a educação as suas pautas conservadoras, o presidente deu início a um período de desequilíbrio no comando da própria pasta, o Ministério da Educação (MEC), teve sua gerência ocupada por quatro nomes até então. O primeiro, Vélez Rodrígues, esteve à frente durante três meses. Teve sua gestão marcada por decisões que foram desde a alterações no que tange a não mais exigir referências bibliográficas para os livros didáticos a proferir em entrevista que a “universidade não era para todos”6. A situação tornou-se insustentável. Em seu lugar assumiu o não menos polêmico, o economista Abraham Weintraub. A frente da pasta, Weintraub, se envolveu em diversas situações embaraçosas e declarações em tom ofensivo nas redes sociais. Sua gestão também ficou marcada pelos cortes 6 Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/01/28/ideia-de-universidade-para-todos-nao- existe-diz-ministro-da-educacao.ghtml acesso em: 08/01/2022 2294

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS na educação. Chegou a declarar que nas Universidades Públicas o que ocorria não era ensino/pesquisa e extensão, mas sim “balbúrdia” e plantações extensivas de maconha.7 Em maio de 2019, o MEC divulgou um bloqueio de 30% do orçamento das verbas de custeio e investimentos das instituições de ensino federais, o corte de verbas comunicado pela pasta inicialmente atingia a Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade de Brasília (UnB). Questionado em relação a motivação do bloqueio em entrevista ao Jornal Estado de São Paulo8, o ministro comentou o corte de verbas na UFF, Ufba e UnB e enfatizou \"Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas. O próprio jornal Estado de São Paulo mostrou que as instituições citadas na entrevista pelo gestor da pasta haviam apresentado progressos significativos no ranking universitário internacional, o Times Higher Education. No mesmo dia em que a reportagem foi publicada o MEC recuou e estendeu o corte a todas as Universidades e Institutos Federais. Exaltando os ânimos ainda mais, em dezembro, foi publicada uma portaria que limitou a participação de cientistas brasileiros em congressos, feiras, seminários e afins ao mínimo de dois participantes, mesmo que essas despesas fossem custeadas com fundos próprios dos pesquisadores. Em nota a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) argumentaram que os encontros científicos são de extrema importância para a pesquisa e inovação brasileiras. A portaria foi revogada pouco mais de um mês após sua publicação O governo Bolsonaro, por intermédio do MEC, estabeleceu que não fossem pagos aos professores das universidades e institutos federais horas extras, adicional noturno, bem como aumento de salário por progressão de carreira ou qualquer outra ação que consequentemente resulte em aumento de despesas com os servidores da ativa e aposentados. Tal atitude foi severamente rechaçada pelos reitores, pois segundo estes tal determinação afeta frontalmente as atividades de ensino e pesquisa, tendo como consequência uma infinidade de ações judiciais, pois viola direitos dos trabalhadores da educação. 7 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53058067 acesso em: 08/01/2022. 8 Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,balburdia-plantacao-de-maconha-e-bloqueio- de-recursos-os-ataques-de-weintraub-as universidades,70003203018 Acesso em: 11/01/2022. 2295

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Encerrando o ciclo de Weintraub, a gota d’água foi uma reunião ministerial em que o mesmo se refere aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como “vagabundos” e que se pudesse colocaria todos na “cadeira”9. A fala teve bastante repercussão, obrigando o presidente a demiti-lo. Mas, em contrapartida, o ex-ministro foi indicado por Bolsonaro para cargo no Banco Mundial. Em seu lugar nem chega a assumir a pasta, Carlos Alberto Decotelli, o mesmo é acusado de inconsistência em seu currículo lattes, inclusive foi acusado de plagiar sua dissertação. O governo logo anunciou seu substituto. Como quarto ministro a ocupar a chefia da pasta em menos de um ano e meio, Milton Ribeiro, é nomeado pelo presidente. Teólogo, professor, advogado e pastor da igreja Presbiteriana. Já presenciamos seu nome envolto a uma polêmica que envolvia um vídeo publicado no pretérito, no qual o mesmo defendia a dor como mecanismo para educar crianças, mesmo apagando o vídeo com receio de represálias a seu posicionamento, a tentativa foi em vão já que o mesmo havia sido compartilhado nas redes sociais. Milton Ribeiro fez diversas declarações ofensivas e que demonstram seu total alinhamento ao que defende o governo Bolsonaro. Em entrevista à Folha de São Paulo (s/p, set, 2020), Ribeiro afirmou que a homossexualidade não é normal e atribui a “famílias desajustadas”. Na mesma entrevista, o ministro desvaloriza o papel do professor e declara que no Brasil só é professor(a) quem não conseguiu ascender em outra carreira, “hoje ser professor é ter quase uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”. Milton Ribeiro também aponta que irá revisar os conteúdos trabalhados em sala de aula referente ao tema gênero. Segundo Bolsonaro, a escola perdeu o sentido de ensinar ao incluir pautas que buscam discutir temas que afetam diretamente a sociedade brasileira e que podem contribuir na redução da violência, discriminação e desigualdade social. Bolsonaro como chefe do poder executivo, concedeu tutela para demissões do alto escalão do ministério da Educação, em uma clara tentativa de desarticular a pasta. Seguindo nossa linha de análise, os pressupostos nos quais se embasam o ESP defendem uma neutralidade não somente da escola, mas do próprio Estado. Observa-se que nem a escola e nem o Estado são neutros. Afirmamos não ser possível a neutralidade dentro dos muros escolares, mas com isso não queremos dizer que a mesma seja monopolizada por uma única 9 Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2020/06/18/interna_politica,1157920/video-veja- os-motivos-que-levaram-weintraub-a-deixar-o-governo.shtml acesso em: 08/01/2022. 2296

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS visão de mundo, deve ser plural, permeada pelas contradições que envolvem a sociedade na qual esta se encontra inserida. O cenário atual é de desmonte da escola pública, gratuita e laica. As vias de desmoronamento se dão tanto pelo asfixiamento financeiro, como pela desvirtuação da função da escola, sendo resumida a mera instrução técnica. Presencia-se a falta de financiamento e a criação de uma esfera de desprestígio das instituições de ensino e pesquisa do país. Portanto, se coloca urgente e necessário analisar de forma minuciosa as ações do governo, em especial para nosso estudo, a educação. É preciso estar atento as mudanças e os projetos que vem sendo implementados pelo MEC. Observamos o avançar dos princípios do ESP e o presidente já alertou em sua fala que “o governo operacionaliza a política educacional sem lei específica sobre o assunto. Já botamos isso sem lei. Já tem impresso em livros e cadernos o que o aluno tem direito”10. Finalizo, sem esgotar o tema, com uma fala que Karl Marx fez do contexto histórico francês, da tomada do poder, pelo sobrinho de Napoleão Bonaparte, Luis. Importante pontuar que a “presente obra nasceu sob o impulso imediato dos acontecimentos, e o seu material histórico não ultrapassa o mês de Fevereiro (de 1852)”. O que nos assombra é observar as infelizes coincidências no que tange a subida ao poder de um governo reacionário, que não se dava credibilidade quando se lançou candidato. Aqui, mencionamos, Marx, que em 1852 demonstrou “como a luta de classes criou em França as circunstâncias e as condições que permitiram a um personagem medíocre e grotesco representar o papel de herói” (MARX, 1984, p. 1-2). Assim, compreende-se que quando há o acirramento da luta de classes, os aparatos estatais se unem a classe dominante com o objetivo de manter a ordem, nem que isso custe perder os anéis, se preservada a mão. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O quadro que se delineia sob o manto do governo bolsonarista para a educação manifesta os reais propósitos da extrema direita no poder estatal. O autoritarismo e o conservadorismo expressos em seu programa de governo e nos direcionamentos dados até 10 Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/12/18/interna_politica,815051/bolsonaro- defende-weintraub-e-que-escola-sem-partido-esta-em-operacao.shtml acesso em: 10/01/2022. 2297

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS então as instituições de ensino evidenciam a tentativa de dissolver o pensamento crítico e deslegitimizar a importância dessas instituições perante a opinião pública. Entendemos que a ideologia dominante, esta que é disseminada em todos os espaços, inclusive na escola, busca omitir uma relação de dominação, a partir dela busca transformar uma visão de mundo, que é particular e atende aos interesses de uma classe, (leia-se classe dominante) como universais. É notório que qualquer alternativa a ordem vigente é fortemente reprimida e nesse propósito entra todo o aparato estatal que funciona como representante dos interesses da burguesia, mesmo tentando transparecer que atua buscando o bem coletivo. O Escola “sem” Partido é fruto desse caldo conservador e ideológico que paira sobre, ou melhor, que se mantem nas estruturas que fundam desigualdades, injustiças e opressões. Se alimenta da polarização política que o Brasil vivencia e camufla seus reais objetivos ao reproduzir um discurso de neutralidade e de uma escola livre de influências partidárias e ideológicas. Observa-se que o que se busca é a manutenção da ordem social vigente controlando o que se pode pensar e o que se pode falar. Tal atitude é extremamente perigosa para uma democracia tão frágil como a brasileira. O campo é minado e a resistência se coloca como horizonte. O pensamento crítico é uma das vias de superação dessa ordem que priva a maioria da população de vivenciar uma sociedade livre de injustiças e privações. REFERÊNCIAS ADAMS, J. R. B.; PFEIFER, M. O Estado ampliado de Gramsci. Revista Mosaico Social. Ano 3. n° 3. dezembro, 2006. BETTO, F. “Escola Sem Partido?” In: AÇÃO EDUCATIVA. A ideologia do movimento Escola Sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 48. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. ______. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Acessado em 12/05/2017. ______. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília: 2014. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais (1ª a 4ª série): introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. 2298

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS GIROTTO, E. Um ponto na rede: A “escola sem partido” no contexto da escola do pensamento único In: AÇÃO EDUCATIVA. A ideologia do movimento Escola Sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. v. 3: Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Tradução de Luiz Sérgio Henriques, Marco Aurélio Nogueira, Carlos Nelson Coutinho. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. GUIMARÃES, V. “Educação não-sexista e não-homofóbica - Um caminho de múltiplas mãos na construção de um projeto educativo”. In: GENTLE, I.; ZENAIDE, M.; e GUIMARÃES, V. Gênero, diversidade sexual e educação: conceituação e práticas de direito e políticas públicas. João Pessoa: Editora UFPB, 2008. IASI, M. Ensaio sobre consciência e emancipação. São Paulo: Expressão Popular, 2011. LENIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a Revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. Tradução revista por Aristide Lobo. 2ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. SALLES, D. C. As bases do conceito de “doutrinação ideológica” do Movimento Escola Sem Partido na obra de Nelson Lehmann da Silva. In: Anais do XXIX Simpósio Nacional de História, Brasília/DF, 2017. SALDANA, Paulo; PALHARES, Isabela. Declaração de Ministro sobre gays e papel do MEC contrariam Lei. Folha de São Paulo. 24 set 2020. Não paginado. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/09/ministro-da-educacao-diz-nao-ter- responsabilidade-sobre-volta-as-aulas-e-desigualdade-educacional.shtml acesso em 08/01/2022 MARX, Karl. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte (2ª Edição), Avante: Abril de 1984. ______. A ideologia Alemã. São Paulo: Expressão Popular, 2009. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. In: Os Economistas, 2.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986, p. 333-350. 2299

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 2300

EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ENSINO A DISTÂNCIA, AUMENTO DA TECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE EM TEMPO DE PANDEMIA DISTANCE EDUCATION, INCREASE IN TECHNOLOGY AND ENVIRONMENT IN A TIME OF PANDEMIC Francisca Kananda Lustosa dos Santos1 Márcia Regina Galvão de Almeida2 Silvana Silva Cunha3 RESUMO Este trabalho trata sobre o ensino a distância e o meio ambiente, tendo como objetivo analisar quais são as perspectivas do ensino a distância diante dos avanços tecnológicos e das exigências do mercado capitalista em tempos pandêmicos e os impactos para o meio ambiente. O ponto chave deste artigo é saber como a educação a distância tem contribuído para o ensino no período de pandemia e quais impactos isso trará para a natureza, visto que o uso exagerado da internet contribui para o uso em massa de energia elétrica, que são recursos retirados do próprio meio ambiente. A pesquisa se utilizou do método Histórico Dialético, sendo de natureza qualitativa, e abordagem bibliográfica. Conclui-se que neste momento de pandemia é exigido cada vez mais uso das tecnologias que perpassam o ensino a distância e geram impactos devastadores para o meio ambiente. Palavras-chave: Pandemia; meio ambiente; capitalismo. ABSTRACT This work deals with distance learning and the environment, aiming to analyze what are the perspectives of distance learning in the face of technological advances and the demands of the capitalist market in pandemic times and the impacts on the environment. The key point of this article is to know how distance education has contributed to teaching in the pandemic period and what impacts this will bring to nature, since the exaggerated use of the internet contributes to the mass use of electricity, which are resources taken from the 1 Mestranda em Políticas Públicas, graduada em Serviço Social. E-mail: [email protected]. 2 Mestranda em Políticas Públicas, Assistente Social. E-mail: [email protected]. 3 Especialista em família e políticas públicas, Assistente Social. E-mail: [email protected]. 2301

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS environment. The research used the Dialectical Historical method, being of a qualitative nature, and bibliographic approach. It is concluded that in this moment of pandemic, the use of technologies that permeate distance learning is increasingly required and generate devastating impacts on the environment. Keywords: Pandemic; environment; capitalismo. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho trata sobre o ensino a distância e o meio ambiente, tendo como objetivo geral analisar quais são as perspectivas do ensino a distância diante dos avanços tecnológicos e das exigências do mercado capitalista em tempos pandêmicos e os impactos para o meio ambiente, e como específicos, contextualizar sobre ensino a distância; mostra como acontece em um sistema capitalista e, por fim, compreender como o ensino a distância traz resultados negativos para o meio ambiente no contexto de pandemia. O ponto chave deste artigo é saber como a educação a distância tem contribuído para o ensino no período de pandemia e quais impactos isso trará para a natureza, visto que o uso exagerado da internet contribui para o uso em massa de energia elétrica, que são recursos retirados do próprio meio ambiente. Com vista a alcançar o objetivo geral a pesquisa se utilizou do método Histórico Dialético, sendo de natureza qualitativa, e abordagem bibliográfica. A inquietação para pesquisa sobre ensino a distância e meio ambiente surgiu no momento em que a pandemia apareceu e o uso do ensino a distância, proporcionada pelo aumento da tecnologia em um contexto capitalista, começou a ser mais requisitado para tentar amenizar as distancias entre os corpos até que o vírus fosse superado, porém, no decorrer será possível notar que esse processo de implantação da pandemia somente foi acelerado pelo vírus, mas que já estava em curso por uma demanda do próprio sistema. Tratando inicialmente da educação, esta é um dos direitos sociais preconizados pela Constituição Federal de 1988, tendo como uma das modalidades de ensino a educação a distância, atribuindo como referência a separação física diária entre o professor e aluno, e a utilização de distintos meios de comunicação, principalmente com o avanço das tecnologias, fundamental para o contato de forma mais prática e rápida. Assim, a educação vem mudando suas atividades e enfoque a todo o momento para atender as exigências do capitalismo. O processo que antes utilizava somente a interação entre escola, professor, aluno, quadro negro e giz, na atualidade transforma a cada dia as 2302

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS metodologias utilizadas e, ainda, por intermédio da Educação a Distância proporcionada por meio de novas tecnologias. (PILLON; REINERT; AVILLA, 2019). No atual contexto pandêmico, causado pelo Covid-19, à Educação, conforme a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), retratam que a crise causada pelo vírus resultou no encerramento das aulas em escolas e em universidades, afetando mais de 90% dos estudantes do mundo (UNESCO, 2020) o que causou uma busca para readequação da forma de ensino que passou de presencial para a distância e/ou remoto. Com isso, o consumo de eletricidade do Brasil avançou 2,9% em setembro na comparação com mesmo mês de 2019, informou nesta quinta-feira a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), melhor desempenho desde o início da pandemia global de coronavírus, em meio ao retorno gradual das atividades econômicas do país (UOL, 2020). Isso, certamente, causa impactos na natureza. A referida pesquisa foi realizada por meio de leituras e análises de textos referentes à temática estudada, tendo como método a teoria Histórica Dialética, pois de acordo com Minayo (2008) a mesma possibilita uma visão de mundo crítica, permitindo desvendar as contradições postas na realidade estudada, sendo possível explanar e verificar as relações existentes dos contextos históricos, as opiniões de autores, indo muito além de uma percepção imediatista e numérica dos dados. Para tanto, será de natureza qualitativa, pois esta abordagem permite uma melhor interpretação e reflexão dos fatos estudados, buscando seus significados mais aprofundados sobre a temática com uma visão ampliada dos mesmos. Os estudos foram feitos baseados em pesquisas bibliográficas, pois para Gil (2008) a pesquisa bibliográfica um atrativo de fenômenos rico de referências. E para que o estudo seja mais completo, será usada também a pesquisa documental, pois esta de forma igual possibilita uma investigação muita mais ampla. 2 A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO BRASIL E O AVANÇO DAS TECNOLOGIAS A educação a distância no Brasil, de acordo com o Decreto nº 5.622, de 19 de Dezembro de 2005, é caracterizada como a modalidade educacional que se utiliza dos meios tecnológicos de informação e comunicação como forma de mediação didático-pedagógica nos processos de 2303

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ensino e aprendizagem, onde estudantes e professores desenvolvem atividades educativas em lugares ou tempos diversos (BRASIL, 2005). Com base em Arruda; Ereni (2015) este decreto estava voltado para uma visão de educação a distância como uma forma de resolver o problema de evasão de ensino superior no Brasil e ainda pelo baixo nível de acesso ao mesmo. No entanto, isso causou um efeito inesperado, uma vez que facilitou a oferta de cursos superiores às instituições particulares, principalmente pelo fato de trazer menores custos, já que a educação a distância é tida como um processo de “autoaprendizagem”, assim passou a ocorrer à desvalorização de professores. O texto do PNE considera a EaD como um “meio auxiliar de indiscutível eficácia” para superar os desafios educacionais existentes. É interessante observar a presença de um olhar técnico sobre a EaD no referido documento, valorizando os meios e as tecnologias em detrimento dos aspectos acadêmicos e pedagógicos. A expressão “meio auxiliar” leva a uma interpretação perigosa da EaD como uma forma de “tampar” os buracos históricos da falta de acesso ao Ensino Superior no Brasil. Já a “indiscutível eficácia” envolve uma afirmativa sem respaldo científico ou empírico, à exceção da perspectiva posta pela ampliação do acesso ao Ensino Superior (ARRUDA; ERENI, 2015, p.324). O que se entende sobre o olhar da autora é que o Plano Nacional de Educação valorizou somente os meios técnicos como, por exemplo, as tecnologias para a implantação do ensino a distância, esquecendo os aspectos pedagógicos e acadêmicos. Assim tratou a educação a distância como uma forma de remediar a falta de investimento, dificuldade de acesso e poucas vagas para ingresso em ensino superior, que são problemas históricos da educação no Brasil. Para Gomes (2013) a educação no Brasil teve início justamente com o crescimento e introdução do uso das tecnologias no país, passando pelas fases de transmissão por meio da televisão, rádios, correios e atualmente através da internet. Nesse período, tiveram seus erros e acertos, contradições e incoerências, tendo em vista a estrutura educacional problemática do país que necessitam de correções urgentes. Assim, Catapan (2008) mostra que desde a década de 80 do século passado, e com mais força nos anos 90 até os dias atuais, a educação a distância recebeu um reforço muito grande com a popularização dos computadores pessoais (PC). É a invenção do microcomputador que vai causar uma revolução no papel desempenhado pelo computador na sociedade e, mais particularmente, nas instituições educacionais, estabelecendo um novo conceito: máquinas 2304

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS manuseáveis, profissionais de baixo custo, ao alcance de todos, para uso tanto profissional quanto pessoal. Assim, é possível notar a desvalorização dos profissionais que só beneficia o sistema capitalista e um aumento cada vez maior de computadores tecnológicos que logo será mostrado como isso causa uma devastação no meio ambiente cercando a natureza por todos os lados. Esse período marca o auge da educação a distância com a difusão do uso das tecnologias propiciada pelo surgimento dos computadores pessoais. Frente a isso, Resende (2002) afirma que os meios tecnológicos, não são capazes de apresentar contribuição para a educação se forem utilizados sem as reflexões humanas necessárias para o aprendizado, e ainda se considerados como o elemento mais importante deste processo. Nesse caso, mesmo aqueles que consideram a tecnologia como meio importante para a difusão do ensino a distância, não devem desconsiderar que existe um processo político-pedagógico que é necessário para alcançar os objetivos, devendo se colocar a serviço deste e nunca os determinar. O autor retrata ainda que ainda que seja verdade que as tecnologias educacionais não irão resolver os problemas da educação, que são de natureza social, política, ideológica, econômica e cultural, essa constatação não nos pode deixar sem ação frente à introdução das inovações tecnológicas no contexto educacional. “Ainda é preciso continuar pesquisando sobre o que as novas tecnologias têm a oferecer à educação, para que tenhamos condições de formar uma visão crítica fundamentada sobre o seu uso” (RESENDE, 2002, p.70). Assim, com base nisso, a difusão do uso das tecnologias não irão resolver os diversos problemas da educação que tem surgido por vários fatores que envolvem o âmbito social, político, social, ideológico, entre outros, porém não se pode deixar de buscar resposta por meio das pesquisas, para saber em até que ponto esse uso pode contribuir ou não e quais os resultados isso poderá trazer em longo prazo, para que não se perca a visão crítica sobre o assunto de forma a aceitar tudo que está posto. Frente a esses problemas apresentado no país, Gomes (2013) retrata que a Educação a Distância tem sido alvo de vários governos que buscaram por vias econômicas e prováveis a ampliação do acesso ao ensino, com vista a superar o atraso educacional concentrado em diversas regiões onde a educação não alcançou. Nesse sentido, usa-se o discurso da democratização como a forma capaz de solucionar, como uma mágica, os problemas educacionais. 2305

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Assim, concorda-se com o autor acima, ao dizer que hoje, os assuntos referentes a educação a distância aparentam ter como assunto central as novidades tecnológicas no uso em conjunto com diversas ferramentas, no lugar de discussões de outras propostas metodológicas, assim como modelos educacionais que sejam viáveis e necessários, considerando não apenas as atuais tecnologias, mas também as inúmeras demandas sociais, seja para o trabalho, seja para o exercício da cidadania ou para o lazer. Por outro lado, Catapan (2008) afirma que a educação a distância possibilitou a democratização do ensino, a inserção de mais pessoas ao ensino superior, a autonomia para o aluno quanto a organização do tempo de acordo com sua rotina diária, exercer a disciplina seguindo criteriosamente os prazos e orientações repassadas, o compromisso com a autoaprendizagem, uma vez que depende muito do aluno, ator principal da educação a distância, além de outros benefícios, como o favorecimento ao atendimento das exigências do mercado de trabalho, conciliando tecnologia e conhecimento. Portanto, o interesse maior com essa elevada preocupação em implantar um modelo de ensino que diminuía a evasão e amplie o acesso, é, mais precisamente o de atender as novas exigências postas pelo mercado de trabalho. Pois além de as tecnologias serem consideradas os principais elementos da implantação do ensino a distância, é para atender as novas qualificações exigidas por elas próprias que surge esse interesse por novas competências profissionais. Isso pode ser percebido na fala de Delors (1998, p.94) onde diz que “o progresso técnico modifica, inevitavelmente, as qualificações exigidas pelos novos processos de produção”. As tarefas meramente físicas são substituídas por ocupações de produção mais intelectuais, mais mentais, como o comando de máquinas, a sua manutenção e vigilância, ou por serviços de concepção, de estudo, de organização à medida que as máquinas se tornam, também, mais “inteligentes” e que o trabalho se “desmaterializa”. Ou seja, o aumento do uso das tecnologias, modifica as exigências do mundo do trabalho, no qual requer novos requisitos, novos saberes intelectuais. Além disso, o autor ressalta ainda que esse progresso técnico requeira profissionais competentes e com curso superior. Nesse sentido, para Frigotto (1997) esse processo, trazido pelas novas forças produtivas do capitalismo, necessita do saber do trabalhador, sendo forçado a demandar um nível de 2306

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS capacitação teórico cada vez mais elevado, o que pressupõe mais tempo de escolaridade e de melhor qualidade. Nessa mesma perspectiva, Delors (1998, p. 94) aponta que; Se juntarmos a estas novas exigências a busca de um compromisso pessoal do trabalhador, considerado como agente de mudança, torna-se evidente que as qualidades muito subjetivas, inatas ou adquiridas, muitas vezes denominadas “saber ser” pelos dirigentes empresariais, se juntam ao saber e ao saber-fazer para compor a competência exigida – o que mostra bem a ligação que a educação deve manter entre os diversos aspectos da aprendizagem. Qualidades como a capacidade de comunicar, de trabalhar com os outros, de gerir e de resolver conflitos, tornam-se cada vez mais importantes. Entretanto, alguns retratam que por meio da educação a distância essa qualidade profissional nem sempre está sendo obtida com sucesso, assim é mostrado por Gomes (2013) onde diz que essa modalidade de educação tem sido representada principalmente pelo setor privado, em que visa o barateamento dos cursos superiores para atrair estudantes de todos os níveis socais e obter mais lucros. A qualidade, nesse caso, fica em segundo plano, pois o objetivo maior é a obtenção de lucro, ou seja, a quantidade é valorizada. Isso leva a outro problema, que é a relação desproporcional entre o número de professores e tutores se comparado ao número de alunos, pois ocorre a simplificação do processo didático-pedagógico como um todo. Outro fator problemático, com base no autor, é a falta de qualidade na infraestrutura dos pólos, sendo esta bastante precária, ocorrendo diversos problemas, como por exemplo, a falta de energia elétrica, o que leva as universidades a ofertarem cursos monitorados quase que exclusivamente somente por tutores, deixando de lado as contratações de professores presenciais. Isso ocorre também por falta de profissionais qualificados para atuarem no ensino a distância. Ainda assim, segundo Arruda; Ereni (2015) a educação a distância obteve alguns avanços significativos no âmbito da democratização, como o aumento do número de vagas para a Educação pública superior, investimento em políticas de formação continuada para professores, contudo, o atraso é a conservação de um modelo de ensino que torna a mesma “provisória”, pois visa apenas atender os problemas educacionais de evasão e a falta de acesso. Diante disso, há o risco de construir uma modalidade de educação com características emergenciais, voltada para a resolução rápida de uma demanda por mão de obra qualificada. No entanto, segundo as mesmas autoras, as atuais exigências do mundo do trabalho proporcionadas pelas tecnologias, demandam exatamente essa rápida qualificação por mão de 2307

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS obra, o que acaba indo na contra mão de uma Democratização da educação que se diferencia da massificação da mesma em sua origem. A primeira é relacionada ao dever do Estado de oferecer uma equidade aos cidadãos em tudo àquilo que é básico e necessário para uma integração social. Trata-se de uma extensão quantitativa, mas que privilegia o aspecto qualitativo da formação, de caráter marcadamente emancipatório e democrático. Essa massificação da educação é mostrada por Segnini (2000) onde retrata estudos do Banco mundial, onde este diz que a formação são questões essenciais, por terem atribuições basicamente instrumentais capazes de adaptar o trabalhador e de atender a mudanças tecnológicas. Assim, os investimentos iniciais em instrução têm sido importantes para reforçar fatores que preveem o crescimento futuro do país. Assim, quanto maior o grau de instrução dos trabalhadores, maior chance terá de absorver o uso das tecnologias predominantes, e assim gerar um rápido crescimento da produção. Com base nisso, é possível perceber que essa qualificação constante exigida pelo mundo do trabalho visa atender a essas novas tecnologias que surgem na contemporaneidade, assim, o intuído do estabelecimento de uma educação de fácil acesso para todos é por um lado contribuir para a democratização do ensino, e por outro lado, buscar atender ao mercado capitalista, que visa o lucro. Para isso tem que manter uma alta produtividade, sendo possível somente com profissionais altamente qualificados. Portanto, frente a essa demanda cada vez maior por tecnologias dentro de um contexto capitalista, tem causado cada vez mais uma devastação na natureza, visto que aparelhos eletrônicos, como computadores, notebooks, celulares, tabletes e etc. têm sido bastante demandados pela sociedade para possibilitar o acesso a cursos a distâncias entre outras necessidades demandadas pelo mercado. Nyland (2012, p.2) assevera que; As indústrias retiram da natureza sua matéria prima e recursos energéticos os quais são escassos e limitados. O clima mundial é afetado pelo acelerado desenvolvimento industrial. Muitas vezes o processo tecnológico é imprevisível e os riscos e danos são invisíveis, porem refletem e agem silenciosamente no sistema ambiental. Quando menos se espera as catástrofes acontecem, a exemplo de muitas ocorridas nos últimos anos. Além desses recursos serem retirados da natureza, Cordeiro; Bittencourt (2020) afirma que esses mesmos recursos em formato de aparelhos eletrônicos são novamente jogados para a própria natureza como forma de descarte, ou melhor, como lixos eletrônicos. Isso acontece 2308

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS por conta do acelerado crescimento das tecnologias que tornam os equipamentos eletrônicos obsoletos em um curto espaço tempo, como resultado da demanda do capitalismo por lucro no qual sobrevive da venda desses produtos no mercado, portanto a venda não pode parar e demanda inovação. Com esse descarte, para o autor, que causa poluição e diversos problemas naturais, os ciclos naturais do meio ambiente são seriamente afetados quando, por exemplo, pela derrubada da vegetação e fuga de animais silvestres em terrenos virgens para a construção de fábricas ou condomínios, comprometendo toda a cadeia alimentar local, com sérios prejuízos para a natureza. O próprio coronavírus conhecido como covid-19 surgiu como resultado de todo essa devastação ambiente que causou e continua causando um aumento maior do contato entre humanos e animais silvestres, acompanhado de outros problemas ambientais, como por exemplo, a poluição do ar, da água e do solo, no qual seus efeitos são o aquecimento da Terra, a destruição da camada de ozônio, as doenças genéticas, o câncer e outras doenças provenientes da contaminação do solo. A tecnologia e consequentemente a globalização, têm responsabilidade nisso, na em medida que os seus avanços trazem como “efeito colateral” um risco maior de propagação de doenças. “Com mais tecnologia, o tráfego de pessoas é cada vez mais intenso. No ano passado, foram 1,5 bilhão de viagens internacionais. É um cenário internacional de propagação de doenças” (OLIVEIRA; CAMPOS, 2020; SIQUEIRA, 2020, p.3). Outro fator que envolve o ensino a distância junto ao aumento das tecnologias e o próprio vírus é que com o início da pandemia ocorreu um aumento da demanda pelo ensino a distância e ensino remoto que fez com que crescesse o uso da internet, apesar de a área de informática não ser tão vista tradicionalmente como uma indústria poluidora, o avanço tecnológico acelerado encurtou o ciclo de vida dos equipamentos de informática, gerando assim um lixo tecnológico que na maioria das vezes não está tendo um destino adequado, como dito anteriormente. A tecnologia, embora se apresente como algo limpo e saudável, produz um lixo aparentemente invisível, em um primeiro momento, que chamado de e-lixo. (CORDEIRO; BITTENCOURT, 2020; CORDEIRO, 2020). Junto a isso, como dito na introdução, a demanda pelo ensino a distância junto ao uso das tecnologias e as exigências de isolamento social para combater o vírus, também causaram um problema que é pouco observado pela população, mas que gera efeitos indesejados para 2309

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS natureza, que seria o aumento no consumo da energia, tendo crescimento de 3% no início do ano de 2020. Isso ocorre por conta do processo de queima da água, causando um dos piores impactos ambientais em termos de emissão de gases de efeito estufa e poluição do ar. As termoelétricas a carvão respondem por mais de 40% da produção mundial de energia. (UOL, 2020). A partir disso já é possível notar os efeitos que são causados ao meio ambiente. Com isso, caminhando para os resultados, por meio dos autores e autoras citadas, foi possível perceber que a educação a distância poderia democratizar o ensino se tivesse isso como um dos principais objetivos, e em consequência a isso atenderia as exigências postas pelo mercado de trabalho com o aumento das tecnologias, mas para isso precisaria de mais investimento de infraestrutura, de qualificação e contratações de professores e professoras e não somente tutores e tutoras, tendo como foco o processo de ensino-aprendizagem, deixar de atuar somente no sentido emergencial, e como assevera Gomes (2013) conciliar o uso das tecnologias no ensino a distância (em casa), com os momentos presenciais de compartilhamento de experiências, conhecimentos e conservação das relações sociais dadas em sala de aula. Mais para isso, seria preciso rever o modelo atual e trocar por que algo que não trouxesse impactos tamanhos para a natureza. É certo que o ensino a distância no momento atual é bem-vindo, porém em qual medida isso poderia continuar sem causar maiores dados do que o que já está posto com a cegada de contextos pandêmicos causados pelo aumento das queimadas, desmatamento, poluição e etc. e mal uso das tecnologias. A intenção aqui não é descartar e demonizar as tecnologias e o ensino a distância, mas alertar para o uso inadequado desses recursos, visto que o aumento do uso das tecnologias contribuiu para a difusão cada vez maior de ensino com modalidade a distância, pois a própria tecnologia provoca a criação de novos hábitos de vida em sociedade facilitando o acesso à informação. Com isso, ocorre a democratização cada vez maior do ensino, tanto básico quanto superior. Nota-se ainda que a educação a distância surgiu para responder aos problemas de educação, como por exemplo a evasão dos cursos superiores e falta de acesso a universidades, porém, o problema é que esta modalidade não veio acompanhada com a qualidade necessária para uma melhor educação, já que o setor privado foi quem mais ofertou este ensino, com vista ao lucro; já as universidades públicas que visam a democratização do ensino não tiverem 2310

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS investimento suficiente em sua estrutura. Outro fator foi a ênfase exagerada no uso das tecnologias, tendo esta como o elemento principal do ensino a distância, dando pouco ênfase nos sujeitos da aprendizagem e no próprio processo pedagógico. Por canta disso, as transformações sofridas no mundo do trabalho pela própria utilização das tecnologias, passou a exigir profissionais mais qualificações a fim de atender a essas novas exigências e atividades vinculadas a tecnologias. Então, foi possível notar que, o próprio mercado capitalista que visa o lucro busca dá respostas a essas exigências, ofertando- as por meio das tecnologias que possibilita a difusão do ensino a distância. Assim o objetivo de resolver os problemas da educação com a implantação dessa forma de ensino, acaba sendo massificada, tomando outros rumos, pois está, simplesmente, formando profissionais para atender a emergência que o capitalismo tem em obter mão de obra qualificada para atender a suas próprias exigências de manuseio das novas tecnológicas. Nesse sentido, não resolve o problema da educação, pois além de torná-la mercadoria por algumas faculdades privadas, oferta-a sem qualidade. Além disso, o momento atual de pandemia evidenciou e acelerou um contexto que antes já estava em processo de forma gradual, porém acabou por tornar o uso do ensino a distância cada vez mais demandado, processo esse que não abandou os problemas antes existentes e que ainda trouxe novos elementos para serem discutidos como o impacto que tudo isso tem causado e ajudado na degradação do meio ambiente com uso exagerado e descarte muito rápidos de meios eletrônicos, causando lixo eletrônico, destruição da natureza e expulsão dos animais silvestres das florestas que tem contato com os seres humanos, junto ao uso de energia que solta poluentes, gastar água entre vários outros problemas que acabam se tornando um ciclo vicioso, no qual um problema tanto causa quanto depende do outro para existir. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, pode-se concluir que a Educação a Distância é de suma importância na atualidade, com formação acessível a todos os públicos, principalmente para aqueles que encontram dificuldade de deslocamento diário para aulas presenciais. Nesta perspectiva, o avanço das tecnologias facilitou a comunicação durante o processo de ensino aprendizado 2311

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS anteriormente e neste momento de pandemia, contribuindo também para as exigências postas pelo mercado de trabalho, que visa um profissional qualificado, de inúmeros conhecimentos e habilidades. Porém trouxe outros problemas que precisam ser resolvidos para que a própria vida humana continue existindo com uma qualidade de vida adequada. Como dito antes, o objetivo deste artigo não é descartar o uso desta modalidade ou das tecnologias, mas buscar formas responsáveis e conscientes para esse processo. A própria educação ambiental nas escolas, pelo próprio ensino a distância é apontado por alguns autores e autoras, como Guimarães, 2020; Oliveira; Rodrigues, 2019. Portanto, é preciso recuperar o meio ambiente e tornar o planeta habitável em longo prazo. REFERÊNCIAS ARRUDA, Eucidio Pimenta Arruda; ERENI, Durcelina Pimenta Arruda. Educação à distância no brasil: políticas públicas e democratização do acesso ao ensino superior Educação em Revista. Belo Horizonte. v.31, n.03, p. 321-338, Jul-Set, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/edur/v31n3/1982-6621-edur-31-03-00321.pdf BRASIL. Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o Art. 80 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/decreto/ D5622.htm CATAPAN, Araci Hack et. al. Introdução à educação a distância. Florianópolis: Filosofia/EaD/ UFSC, 2008. 113p. CORDEIRO, Francisco Antonio Vieira; BITTENCOURT, Luis. O IMPACTO DO USO DA TECNOLOGIA NO MEIO AMBIENTE: UMA PROPOSTA EDUCACIONAL PARA O DESCARTE ADEQUADO. Compolis, v. 1, n. 1, p. 164-179, 2020. CORDEIRO, Karolina Maria de Araújo. O Impacto da Pandemia na Educação: A Utilização da Tecnologia como Ferramenta de Ensino. 2020. DELORS, Jacques e outros. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXl. São Paulo, Cortez Editora/MEC/UNESCO, 1998. Disponível em: http://dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e formação humana: ajuste neoconservador e alternativa democrática. In: GENTILI, Pablo A. A. e SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.). Neoliberalismo, qualidade total e educação: visões críticas. Petrópolis: Vozes, 1997. 2312

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS GOMES, Luiz Fernando. EAD NO BRASIL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 18, n. 1, p. 13-22, mar. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S141440772013000100002&script=sci_abstract&tlng=pt GUIMARÃES, Mauro. Dimensão ambiental na educação (A). Papirus Editora, 2020. MINAYO, Maria Cecília De Sousa. O DESAFIO DO CONHECIMENTO: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 2008. MORAN, J. M., MASSETO, M. T., BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2013. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/site/textos/tecnologias_eduacacao/novtec.pdf NYLAND, Inco Lúcio. O avanço tecnológico e a problemática ambiental. Tecnologia e Educação, 2012. OLIVEIRA, Macsuel Miranda de; RODRIGUES, Denise Celeste Godoy de Andrade. Educação Ambiental na Modalidade EAD: Um Estudo Bibliométrico. EaD Em Foco, v. 9, n. 1, 2019. OLIVEIRA, Marcel Nunes de; CAMPOS, Maria Amávia de Souza; SIQUEIRA, Thomaz Décio Abdalla. CORONAVÍRUS: GLOBALIZAÇÃO E SEUS REFLEXOS NO MEIO AMBIENTE. BIUS-Boletim Informativo Unimotrisaúde em Sociogerontologia, v. 20, n. 14, p. 1-12, 2020. PILLON, Ana Elisa; REINERT, Herley Cesar; AVILLA, Tais Sandri. Identificação dos fatores críticos no processo de elaboração de materiais didáticos para ead. In: Experiências significativas para o ensino a distância. (Org.) ANDREZA, Regina Lopes da Silva. Belo horizonte: Atena 2019. Cap. 2, p. 17-26. Disponível em: https://www.atenaeditora.com.br/wp- content/uploads/2019/04/E-book-Experi%C3%AAncias-Significativas-para-a- Educa%C3%A7%C3%A3o-a-Dist%C3%A2ncia-2.pdf RESENDE, Flavia. As novas tecnologias na prática pedagógica sob a perspectiva construtivista. E N S A IO: Pesquisa em Educação em Ciências. v. 2, n. 1, Març. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/epec/v2n1/1983-2117-epec-2-01-00070.pdf SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. EDUCAÇÃO E TRABALHO: uma relação tão necessária quanto insuficiente. São Paulo Perspec. v.14, n.2, São Paulo Abril/Jun, 2000. UNESCO. A Comissão Futuros da Educação da Unesco apela ao planejamento antecipado contra o aumento das desigualdades após a COVID-19. Paris: Unesco, 16 abr. 2020. Disponível em: https://pt.unesco.org/news/comissao–futuros–da–educacao–da–unesco–apela–ao– planejamento–antecipado–o–aumento–das. Acesso em: 4 jun. 2020. UOL. Consumo de energia sobe 3% em setembro, maior avanço desde início da pandemia. 2020. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/10/08/consumo-de- energia-do-brasil-sobe-29-em-setembro-diante-de-reabertura-diz- ccee.htm?cmpid=copiaecola. 2313

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 2314

EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ESTRATÉGIAS DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DA UERN PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO NAS RESIDÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS: uma análise a partir da realidade da RUF do campus central em 2019 STRATERGIES OF STUDENT ASSISTANCE POLICY OF UERN TO EFETIVATE THE RIGHT TO FOOD IN UNIVERSITY RESIDENCES: an anylize from the reality of RUF of central campus in 2019 Ariele França de Melo1 RESUMO Muitos estudantes oriundos de famílias pobres enfrentam inúmeros desafios e privações, dentre elas a falta de uma alimentação adequada para permanecerem em cursos de graduação no ensino superior público brasileiro. Dessa forma, a Política de Assistência Estudantil é uma ferramenta que se faz imprescindível na permanência acadêmica destes. Assim, este trabalho é de natureza qualitativa, o que nos permitiu analisar a realidade dos indivíduos em suas particularidades e ter uma melhor aproximação das suas vivências. A partir disso, buscamos identificar as implicações que permeiam a efetivação do direito social à alimentação nas residências universitárias da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), a partir da realidade da residência feminina do campus central em 2019. Palavras-chave: Assistência Estudantil; Direito à Alimentação; Residências Universitárias. ABSTRACT A lot of students that comes from poor families faces numerous challenges and privations, between them the lack of a proper nutrition to keeps in graduation courses in the public brazillian superior education. In this way the Student Assistance Policy is a tool that reveals essential in the academical permanence of these students. Thus, this article is of a qualitative nature that allows us to analyze the reality of the individuals in their particularities and have a better aproximation of their experiences. From that we search to identify the implications that permeate the efetivation of social right to food for university residences 1 Assistente Social Residente em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade - UERN/PMM. Especialista em Trabalho Social com Família e Comunidades - UCAM. E-mail:[email protected]. 2315

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS in the University of State of Rio Grande do Norte (UERN) from the reality of the feminine residence of central campus in 2019. Keywords: Student Assistance; Right to Food; University Residences. 1 INTRODUÇÃO As transformações societárias pós 1970 impactaram o capitalismo e engendraram um conjunto de políticas neoliberais a fim de beneficiarem a produção, acumulação e reprodução do capital. Nesse cenário, a riqueza de poucos aumenta ao mesmo tempo em que as desigualdades sociais se intensificam para muitos. Assim, problemáticas históricas como a pobreza e a fome atingem, de forma acentuada, a vida de inúmeras pessoas que são obrigadas a viverem em condições sub-humanas e/ou com o mínimo dos direitos sociais básicos, como educação e assistência social, oferecidos pelos Estado. Contudo, faz-se necessário destacar que esse mínimo dos direitos sociais, ainda que insuficientes para reduzir completamente as misérias na sociedade, são resultados de intensas organizações e mobilizações da classe trabalhadora ao exigir seus direitos sociais básicos e melhores condições de existência. É a partir disso que são desenvolvidas as políticas sociais que passam a ser instrumentos permeados por contradições, ao mesmo tempo em que possuem a intenção de oferecer direitos sociais como educação, alimentação e assistência social. É nesse contexto que pretendemos discutir a assistência estudantil e sua relação com o direito à alimentação de estudantes de ensino superior, por compreendermos que existe uma precarização na educação superior pública brasileira que acaba por dificultar a vida acadêmica de estudantes pobres, pois estes tendem a enfrentar cotidianamente inúmeros desafios para permanecerem estudando, dentre eles, a dificuldade de se alimentarem adequadamente. Dessa forma, podemos perceber que os direitos sociais como alimentação e educação, ainda que conquistados pela sociedade e garantidos em lei pelo Estado, são constantemente sucateados. Portanto, para este trabalho, objetivamos analisar como se efetivou o direito social à alimentação na Residência Universitária Feminina (RUF) do campus central da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) no ano de 2019. Para alcançarmos esse fim, mapeamos quais estratégias foram adotadas pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) a fim de garantir alimentação para aos/às estudantes inseridos/as nas residências universitárias, 2316

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS problematizamos como os critérios de seletividade imposto aos programas de auxílio e incentivo à permanência estudantil implicam na restrição do direito à alimentação e identificamos o perfil socioeconômico das estudantes que residem na RUF do campus central da UERN. O nosso interesse por esse assunto foi despertado a partir das contradições presentes na realidade brasileira, já que o Brasil possui uma das maiores produções alimentares do mundo, apresenta uma alta taxa de desperdício de alimentos por ano, ao mesmo tempo em que é o país onde milhares de pessoas sofrem com a falta de acesso à alimentos de forma segura2. A comida compõe uma relação capitalista, e, onde o desperdício de alimentos é exacerbado, consequentemente milhares de pessoas não têm acesso à alimentação adequada (GOMES, et al., 2018). Dessa forma, essa pesquisa torna-se pertinente por levantar uma discussão em torno de um tema de alta relevância social, mas que é pouco observado e debatido dentro da própria universidade. Assim, este trabalho é de natureza qualitativa, que combinou as metodologias da pesquisa documental, bibliográfica e de campo, o que nos permitiu analisar a realidade dos indivíduos em suas particularidades e ter uma melhor aproximação das suas vivências. Para a pesquisa de campo trabalhamos com entrevistas semiestruturadas com uma amostra de 3 técnicos da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE). Já com as 10 residentes da RUF do campus central da UERN, que possuíam idades entre 19 e 25 anos, aplicamos um questionário estruturado que foi formulado com o intuito de compreender melhor o perfil dessas estudantes, o que nos propiciou um entendimento acerca de suas realidades, informações sobre as situações econômicas de suas famílias, como também onde estas realizam suas principais refeições e de que forma adquirem seus alimentos. 2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA ESTUDANTIL DA UERN EM 2019 E SUAS ESTRATÉGIAS PARA GARANTIA DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO AOS ESTUDANTES INSERIDOS NAS RESIDÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS: a realidade da RUF do campus central A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte foi instituída em 28 de setembro de 1968 a partir da Lei Municipal de nº 28/68 e, assim, é a faculdade mais antiga da cidade de Mossoró/RN. De acordo com Costa (2016, p. 31), esta universidade “possui colegiados, com 2 “A realidade do Brasil é marcada pelo desperdício em meio à abundância” (BEHRING E BOSCHETTI 2011, p. 19). 2317

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS papéis deliberativos acerca da administração e da vida acadêmica, sendo a reitoria o órgão máximo da universidade, composta por órgãos suplementares e Pró-Reitorias”. Entre as Pró- Reitorias existentes, queremos destacar a PRAE que foi criada em 19 de junho de 2018 pelo Conselho Universitário (CONSUNI) com o propósito de concretizar a Política de Assistência Estudantil, de forma a atender o “anseio da comunidade acadêmica sendo o órgão que fomenta e desenvolve mecanismos que favoreçam a permanência, o aprimoramento profissional, o intercâmbio com outras instituições e a melhoria na qualidade de vida dos discentes”3. Assim, entendemos esta como sendo um verdadeiro resultado da organização e das lutas do movimento estudantil que já há muito tempo reivindicavam da UERN um espaço como esse, que pudesse proporcionar a garantia de direitos aos/às estudantes que necessitam de políticas assistenciais para poderem permanecer estudando. Nas entrevistas realizadas com funcionários desse setor, podemos perceber em suas falas que eles também reconhecem a PRAE como sendo uma conquista importante para esta universidade. “ [...] a PRAE representa a consolidação da política de assistência estudantil na UERN” (Funcionário X). “A PRAE pra mim representa, como eu digo, [...] é a construção de um sonho de assistência né”. (Funcionário Y). Entre os programas de assistência estudantil já utilizados nesta universidade, o Programa de Apoio ao estudante (PAE) foi um dos primeiros, tendo com o objetivo “oferecer apoio ao estudante devidamente matriculado em curso de graduação na UERN, que se encontre em situação de comprovada vulnerabilidade socioeconômica, visando a sua permanência na universidade”. Este programa, que inicialmente destinava apenas 100 bolsas, oferece um apoio financeiro no valor de R$300,00 reais devendo, obrigatoriamente, ser utilizado com moradia, transporte e reprografia4. O segundo programa criado foi o Programa de Concessão de Auxílio de Alimentos (PCAA), sendo também um auxílio financeiro no valor de R$40,00 reais destinados exclusivamente para gastos alimentícios5. Entretanto, o PCAA não se tornou muito atraente para os/as estudantes, pois é notório que o valor ofertado era extremamente baixo e insuficiente para que uma pessoa se alimente de forma adequada durante 30 dias. 3 Disponível em: http://prae.uern.br/default.asp?item=prae-apresentacao. Acesso em 30 jan. de 2020. 4 Disponível em: http://prae.uern.br/default.asp?item=prae-pae. Acesso em 05 de mai. de 2019. 5 Disponível em: http://prae.uern.br/default.asp?item=prae-pcaa. Acesso em 05 de mai. de 2019. 2318

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Dessa forma, percebemos uma assistência estudantil fragmentada e imediatista, tendo como base de seus programas o processo de bolsificação, e, portanto, de transferência de renda para seus estudantes. Sobre essa tendência de bolsificação, Nascimento e Arcoverde (2012, p. 173) nos dizem que este processo “é também consequência da tendência à assistencialização das políticas sociais, que no âmbito da educação superior, a assistência ao estudante é expressão máxima”. Em 2016 foi lançado o Programa de Desenvolvimento Institucional (PDI) da UERN. Este documento é considerado “o mapa do futuro da Instituição, uma vez que pretende explicitar o que ela deseja ser nos próximos dez anos” (UERN, 2016, p. 15), de forma que corresponda com os anseios e demandas do corpo discente, inclusive, no que diz respeito à assistência estudantil, como podemos perceber no texto a seguir. A democratização do acesso à educação superior, definida pela Política Nacional de Educação, requer da Universidade novas respostas que extrapolam as dimensões do ensino, da pesquisa e da extensão. Assim, torna-se necessária a adoção de medidas para garantir a permanência exitosa do estudante, em que a Universidade se compromete em assegurar estratégias para o atendimento eficiente das demandas apresentadas pelos discentes, possibilitando a igualdade de oportunidades para todos. (UERN, 2016, p. 74). Mesmo em meio a dificuldade, a PRAE foi alcançada dentro do tempo proposto pelo PDI/2016, sendo assim, uma grande conquista da classe estudantil da UERN, que antes tinha suas ações de assistência estudantil comandadas apenas por um setor de diretoria subordinado a Pró-Reitoria de Recursos Humanos e Assuntos Estudantis (PROHAE). Contudo, mesmo com a conquista da PRAE, muito percurso ainda necessita ser percorrido para que esses direitos da classe estudantil sejam efetivados com mais responsabilidade e prioridade. Dessa forma, uma das principais contradições que observamos é a respeito da falta de recursos públicos destinados para estes programas, o que impede que estudantes possam conciliar mais de um auxílio ao mesmo tempo. Isto é, ainda que o público das RUs seja de família pobre, não possua condições financeiras suficientes para se manter, inclusive para suprir suas necessidades alimentares adequadamente e more em locais distantes da universidade, não pode ser contemplado com auxílios financeiros como o PAE. No momento das entrevistas, ao questionamos sobre essa situação, compreendemos que esta não acumulação de auxílios foi a melhor estratégia encontrada pela PRAE para atender um maior número de estudantes. 2319

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Todavia, ao ser necessário tomar essa medida, percebemos que existe a contradição em que ao mesmo tempo em que se garante um direito, também há a negação deste. Sobre os então programas ofertados pela PRAE além do PAE, que foi ampliado de 100 para 250 bolsas, é ofertado também ajuda de custo para eventos, o Programa de Moradia Universitária, o Apoio ao Esporte Universitário e o Restaurante Popular. Sobre o PCAA, é necessário mencionar que a partir do ano de 2018 foi descontinuado, isto é, este programa foi suspenso, e, desde então não são mais lançados editais para que estudantes possam vir a concorrer. Esse acontecimento revelou o quanto este programa foi uma estratégia contraditória e insuficiente na tentativa de garantir o direito à alimentação para os/as discentes que buscavam ser atendidos/as pela assistência estudantil da UERN. Outro ponto que precisamos destacar é que mesmo em meio a essas circunstâncias o PAE só passou por essa ampliação graças à atuação do movimento estudantil desta universidade. Por pertencerem, em sua grande maioria, a classe dos trabalhadores e que dependem desses recursos para terem maiores condições de permanecer estudando, são os/as estudantes que possuem maior autonomia e articulação para exigir mudanças e estratégias que façam alguma diferença importante em suas trajetórias. A respeito do Programa de Moradia Universitária. Este programa é o mais recente e alterou a forma como a UERN oferece Residência Universitária (RU) aos/as estudantes. Foi instituído em 19 de nov. de 2019 com a intenção de implementar a modalidade de auxílio financeiro “para fomento da permanência estudantil, além de incorporar a modalidade RU, instituída em 03 de julho de 1972, para oferecer aos universitários moradia e, consequentemente, proporcionar um desenvolvimento pessoal e acadêmico”6. Enquanto responsável pelas RUs, a PRAE acompanha e intervém nas relações sociais dos/as estudantes residentes, exige manutenção do imóvel ao proprietário, e provê materiais de limpeza e o pagamento de despesas fundamentais como contas de água e energia, além de que em algumas RU mantém a distribuição de gás de cozinha. Dessa forma, ao adotar a modalidade de auxílio moradia mediante o pagamento no valor de R$ 300,00 para que o/a estudante tenha alguma condição de manter uma casa alugada próxima ao campus onde estuda, passa a ser uma situação em que existe a terceirização das funções do Estado, pois este 6 Disponível em: http://prae.uern.br/default.asp?item=prae-residenciasuniversitarias. Acesso em 03 de fev. de 2020. 2320

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS deveria ser o mantenedor dos direitos desses/as estudantes. Esse auxílio se assemelha a lógica dos programas de transferência de renda, pois transfere para o indivíduo a responsabilização de uma política social, isto é, de um direito social, e como nos lembra Silva, Yazbek e Giovanni (2011, p. 227), a respeito do cenário neoliberal, no qual estes programas se tornaram a principal estratégia no trato da pobreza dentro do capitalismo, A principal decorrência vem sendo a redução do debate e da intervenção social a melhorias imediatas de condições de vida dos pobres. Trata-se de uma opção política que se limita a manter e a controlar a pobreza, ao mesmo tempo em que potencializa a legitimação do Estado. Mantém um estrato de pobres no limiar da sobrevivência, inserido no consumo marginal. Portanto, esse processo de transferência de renda se configura pela estratégia de moralizar os sujeitos na forma como utilizam o auxílio, ao mesmo tempo em que se tem uma atuação mínima do Estado em garantir direitos, refletindo a verdadeira contradição capitalista. Quanto ao acesso, pelos/as estudantes, às ações oferecidas pela PRAE, estes precisam ir até a sede desta Pró-Reitoria para poderem se inscrever ou agendar atendimento. Já para serem beneficiados com os programas de assistência estudantil, estes precisam concorrer em seleções previstas em editais publicados no site oficial da UERN. Apesar de serem efetivados, encontramos inúmeras contradições na forma como são materializados os programas de assistência estudantil da PRAE, pelo fato destes sofrerem com os rebatimentos das crises econômicas, tanto do país quanto do Estado, são efetivados de forma seletiva e fragmentada. Sobre o Restaurante Popular da UERN, este é uma parceria da universidade com o Governo do Estado, especificamente com a Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (SETHAS), na tentativa de garantir alimentação adequada a um preço baixo para o escopo desta universidade visando atender especialmente à estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica e aos funcionários terceirizados, ou seja, ao grupo de pessoas que possuem menor poder aquisitivo. Entretanto, destacamos que esse Restaurante Popular é aberto à toda a comunidade acadêmica e ao público externo em geral. O Programa Restaurante Popular foi implantado no Campus Central da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, em março de 2016, por meio do Termo de Cooperação n. 005/2015 com a Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da 2321

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Assistência Social – SETHAS/RN e oferece à comunidade acadêmica uma refeição custo de R$ 1,007. Além da oferta de almoços à R$ 1,00 no campus central da UERN existe também a oferta de Café da Manhã e Sopa para a janta a um custo de R$ 0,50 cada. A PRAE tem a intenção de levar o Restaurante Popular também para os campis avançados. Enfatizamos, contudo, que Restaurante Popular não é a mesma coisa que Restaurante Universitário e esta situação acaba interferindo na oferta adequada e diária da alimentação ao corpo discente, pois neste último, todos os recursos, gerenciamento e manutenção seriam de responsabilidade da própria universidade, o que não acontece no Restaurante Popular. Apesar dessa parceria render frutos e o nosso reconhecimento de que o Restaurante Popular foi uma estratégia imediatista da universidade em garantir alimentação, também podemos perceber que esta solução é permeada por contradições, das quais podemos citar a terceirização dos funcionários ao invés da contratação de trabalhadores efetivos da própria UERN, o que resulta na negação de direitos trabalhistas, na precarização das condições de trabalho e nos serviços ofertados. Outro fator que colocamos em análise é a respeito da oferta de refeições diárias que aumentou ao longo dos anos. Podemos constatar isso na seguinte fala quando o entrevistado cita o aumento dos almoços oferecidos. Então em 2016 a gente teve, foi em março ou em fevereiro de 2016, a gente conseguiu o restaurante com almoço, na época eram 400, ai hoje em dia a gente tem 900 [...] (Entrevistado Y). Acreditamos que esse aumento no número de refeições necessitou acontecer em virtude da ampliação na demanda de pessoas que passaram a se alimentar no Restaurante Popular da UERN, seja público externo ou interno. Nessas circunstâncias entendemos que a universidade necessitou procurar alternativas para que houvesse a possibilidade desse restaurante ofertar mais refeições. Contudo, mediante esse aumento nos questionamos se as estratégias traçadas para aumentar o número de refeições ofertadas foram acompanhadas pela qualidade nos alimentos preparados, porque se esse 7 Disponível em: http://prae.uern.br/default.asp?item=prae-restaurantepopular. Acesso em 03 de fev. de 2020. 2322

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS acompanhamento não existiu, a universidade tende a passar uma ideia de que qualquer refeição basta, desde que esta seja ofertada. Assim, tanto o Estado, quanto a UERN, estariam cumprindo com suas responsabilidades, que seria, principalmente efetivar uma política de saciedade alimentar para estudantes, ainda que esta não esteja associada com a intenção de atender integralmente, inclusive em oferecer alimentos que sejam favoráveis ao paladar e a degustação daqueles que neste espaço se alimentam. A nossa preocupação quanto à realização deste questionamento se dá em virtude de compreendermos se o Restaurante Popular tem a intenção de ser visto e efetivado como um direito social oferecido pela assistência estudantil da UERN, ou se este foi uma estratégia que segue a lógica do favor em que universidade, ao oferecer refeições a um baixo custo, automaticamente impossibilita que estudantes possam fazer quaisquer reclamações daquilo que lhes é oferecido, já que a UERN estaria cumprindo com suas responsabilidades ao garantir que exista a possibilidade destes estudantes se alimentarem durante todo o dia na universidade com apenas R$ 2,00. Trazendo esse fator para a realidade da RUF do campus central, a partir das respostas recebidas em nosso questionário, ao perguntarmos a respeito da quantidade de refeições que elas fazem ao dia, as respostas se dividiram em duas opções: 5 residentes afirmaram que fazem apenas 3 refeições diárias, enquanto as outras 5, realizam entre 4 e 6 refeições. Entretanto, um dado nos chama atenção, pois como discutimos anteriormente, a PRAE não tem condições de oferecer auxílio financeiro direto como o PAE para os/as estudantes inseridos nas RUs na tentativa de aumentarem as chances destes se alimentarem. Assim, a melhor solução encontrada para que houvesse a garantia de refeições a preços acessíveis foi também a implementação do Restaurante Popular, como nos relatam as falas dos entrevistados: [...] o aluno que está na residência, ele pode vir a se alimentar a um preço subsidiário aqui no restaurante popular né (Entrevistado X). Mas o que foi que a gente fez: Vamos encontrar medidas no restaurante, (popular) (Entrevistado Y). Na compreensão do direito à alimentação dos estudantes inseridos no programa de residências, a Universidade procurou articulação junto ao Governo do Estado para a garantia do direito à alimentação. Nessa perspectiva no Campus de Mossoró é disponibilizado o café, almoço e jantar no restaurante popular a preço popular (por R$ 2,00 ao dia), a fim de facilitar a permanência dos estudantes (Entrevistado Z). 2323

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Contudo, mesmo que o Restaurante Popular tenha também sido pensado como uma estratégia de oferecer e, de certa forma, garantir o direito à alimentação para os/as estudantes das RUs, na realidade da RUF, constatamos que apenas 3 das 10 residentes realizam suas principais refeições no Restaurante Popular do campus central da UERN, as outras 7 responderam que fazem a maioria de suas refeições na própria RU. A respeito da decisão das 7 residentes em fazerem suas principais refeições nas dependências da RU, mesmo que esta aumente as chances de haver conflitos sociais e maiores exigências em se manter boas relações de convivência, elas encontraram nesta decisão a mais viável financeiramente, pois assim podem dividir seus tempos, recursos e mantimentos alimentícios, que em sua maioria são providenciados pelos seus familiares, e produzirem suas próprias refeições conforme suas preferências e condições. Assim, a opção diária de realizar todas as refeições no Restaurante Popular, mesmo que a um preço baixo, ainda se torna um gasto fixo e isto pode ser inviável para elas, que como já sabemos, são de famílias com baixo poder aquisitivo, além de também enfrentarem outras dificuldades estruturais que acabam por limitarem suas refeições neste restaurante, sendo uma delas o horário, pois algumas aulas vão até o meio dia, mas o almoço, por exemplo, começa a ser ofertado a partir das 10:30 da manhã, ameaçando assim que estudantes não cheguem a tempo porque as refeições já estarão perto do fim, ou até mesmo finalizadas. Todavia, precisamos destacar que esta decisão da maioria das residentes dessa RUF em preferir se alimentar na própria residência se caracteriza como uma particularidade delas, não sendo necessariamente a realidade de todas as outras RUs da UERN, somente nos preocupa a aparente falta de comunicação entre a PRAE e os estudantes inseridos nas RUs, o que acaba ocasionando uma fragilidade no acompanhamento por esta Pró-Reitoria, e que dessa forma, prejudica também a garantia de uma alimentação adequada para estudantes inseridos não só nas residências, mas em todos os programas de assistência estudantil. Dessa forma, podemos constatar que, a partir do que foi apresentado neste trabalho, que o direito à alimentação, ainda não é um direito integralmente efetivado nas Residências Universitárias da UERN, pois este ainda enfrenta muitas implicações que tornam a alimentação dos/as residentes ser materializada de forma fragilizada. Mesmo com a conquista da PRAE, esta ainda tem um longo caminho a percorrer para que os programas e ações sejam materializados 2324

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS de forma mais integralizada e não imediatista, tornado assim, a Política de Assistência Estudantil um real direito social garantido e conquistado pelos/as estudantes. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A elaboração deste trabalho nos possibilitou refletir a respeito das inúmeras dificuldades enfrentadas cotidianamente por estudantes oriundos de famílias pobres ao acessarem o ensino superior público brasileiro. Essa reflexão nos possibilita a percepção de que os direitos conquistados pelos/as trabalhadoras, como o direito de se alimentar e de estudar, sofrem retrocessos cada vez mais intensificados para que a produção, acumulação e reprodução do capital de poucos possa permanecer legitimada e a pobreza de muitos naturalizada. A Política de Assistência Estudantil, assim como o direito à alimentação, é legitimada por lei, e, portanto, de responsabilidade do Estado brasileiro. Este é um mecanismo de extrema importância para que estudantes pobres possam não somente acessar, mas também permanecerem e concluírem o ensino superior. Contudo, encontra-se em constantes retrocessos mediante o avanço dos ideais neoliberais, como a aprovação da Emenda Constitucional nº 95 em 2016 que congelou os gastos sociais, interferindo diretamente na política educacional que cada vez mais vem sendo efetivada de forma fragmentada e seletiva, isto é, não atendendo integralmente os/as estudantes que dela necessitam, além de corriqueiramente ser resumida em programas de bolsificação, que é a transferência monetária do auxílio para os/as beneficiários, transferindo diretamente a responsabilidades da universidade e do Estado para os indivíduos. Nesse sentido, nos propormos a adentrar e pesquisar as especificidades da Política de Assistência Estudantil da UERN com o intuito de saber como é garantido o direito à alimentação aos/às estudantes inseridos nas RUs, a partir da realidade da RUF do campus central, já que estes são oriundos de famílias pobres e com rendas financeiras limitadas que os desafiam a traçarem cotidianamente estratégias para poderem enfrentar diversos obstáculos, especialmente o de se alimentar, e assim conseguirem permanecer estudando. 2325

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS REFERÊNCIAS BEHRING, E. R; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2011. 213 p. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. COSTA, Stephanny Carolliny Alves da. Política de Assistência Estudantil: uma análise da sua efetivação na Universidade do Estado do Rio grande do Norte (UERN). 2016. 73 f. Monografia (Graduação) - Curso de Serviço Social, Departamento de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, 2016. GOMES, Emanuelle Monaliza de Sousa et al. Tem gente com fome! O programa Mesa Brasil de Mossoró/RN em cena. VI GESPET Encontro de Gestão Social do Pet, Mossoró/RN, 2018. NASCIMENTO, Clara Martins do; ARCOVERDE, Ana Cristina Brito. O Serviço Social na Assistência Estudantil: reflexões acerca da dimensão político-pedagógica da profissão. Revista Comemorativa 25 Anos: histórias, memórias e múltiplos olhares / Organizado pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis, Uberlândia, p.167-179. 2012. SILVA, Maria Ozanira da Silva e; YAZBEK, Maria Carmelita; GIOVANNI, Geraldo di. A Política Social Brasileira no Século XXI: A previdência dos programas de transferência de renda. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 236 p. UERN. Plano de Desenvolvimento Institucional - Projetando o futuro da universidade: 2016/2026 / Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Aldo Gondim Fernandes (organizador). - Mossoró – RN, 2016. 100 f. 2326

EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS EXPANSÃO E INTERIORIZAÇÃO DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO: reflexões sobre a implantação e atuação do IFPI- Campus Angical EXPANSION AND INTERIORIZATION OF FEDERAL EDUCATION INSTITUTES: reflections on the implementation and performance of the IFPI- Campus Angical Layane Almeida Monte1 RESUMO Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), criados pela Lei nº 11.892/2008, são instituições que ofertam educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais. Com base nessa atribuição dos IFs, realizou-se pesquisa de caráter descritivo e exploratório com o intuito de analisar o processo de implantação e a atuação do campus do IFPI, em Angical do Piauí, bem como se as ações de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas estão em consonância com os arranjos produtivos locais e se estão realmente direcionadas para a realidade local. Identificou-se que o IFPI- Campus Angical possui relevância para a região abrangida, mas precisa direcionar suas ações com mais efetividade para o local, sobretudo, no tocante as atividades de pesquisa e extensão. O estudo realizado visa contribuir para o aperfeiçoamento das suas ações e fortalecimento dessa Instituição. Palavras-chave: Institutos Federais de Educação; inserção regional; IFPI. ABSTRACT The Federal Institutes of Education, Science and Technology (IFs), created by Law No. 892/2008, are institutions that offer professional and technological education, as an educational and investigative process of generation and adaptation of technical and technological solutions to social demands and regional peculiarities. Based on this assignment of the IFs, descriptive and exploratory research was carried out in order to analyze the implementation process and the performance of the IFPI 1 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestre em Gestão Pública pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Assistente Social do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI). E-mail: [email protected]. 2327

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS campus, in Angical do Piauí, as well as whether the teaching, research and extension actions developed are in line with the local productive arrangements and whether they are really directed to the local reality. It was identified that the IFPI Campus Angical has relevance for the region covered, but needs to direct its actions more effectively to the site, especially with regard to research and extension activities. The study conducted aims to contribute to the improvement of its actions and strengthening of this institution. Keywords: Federal Institutes of Education; regional integration; IFPI. 1 INTRODUÇÃO A educação profissional no Brasil passou por diversas alterações estruturais, conforme a conjuntura política e econômica vigente no país em diferentes momentos. O marco histórico ocorreu em 1909 quando o então presidente Nilo Peçanha criou dezenove Escolas de Aprendizes Artífices, uma para cada unidade federativa existente, as quais são consideradas a primeira composição da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. No decorrer de mais de um século, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no Brasil deixa de ser voltada para as classes desprovidas para ser uma política de gestão que busca por resposta “ágil, eficaz, às demandas crescentes de formação profissional, difusão de conhecimentos científicos, tecnológicos e de suporte aos arranjos produtivos locais” (BRASIL, 2010, p. 3). Com a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, passa-se a ter um novo conceito de política pública educacional. Os IFs são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica em todos os níveis e modalidades de ensino. (BRASIL, 2008). A partir do processo de expansão e interiorização, iniciado no ano de 2005, com a implantação de campi em diversas localidades do país, estes tornaram-se importantes referências no ensino público de qualidade e com a proposta de serem agentes de desenvolvimento local. Dentre as finalidades e objetivos dos Institutos Federais, elencados nos artigos 6º e 7º da Lei nº 11.892/2008, destaca-se o desenvolvimento da educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais, além de orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e 2328

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal. Ademais, ainda realiza pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade (BRASIL, 2008). Diante desses propósitos, surgiu o interesse em investigar e analisar se o Instituto Federal de Educação do Piauí, mais especificamente o campus em Angical do Piauí, buscou esse diálogo durante o processo de implantação e no desenvolvimento das diferentes ações implementadas no/pelo campus. A escolha do campus do IFPI em Angical, explica-se por, dentre todas as cidades do interior do Piauí onde há unidade do IFPI, esta é a menor em termos populacionais e territoriais. Entretanto, o campus em Angical apresenta expressivos índices de matrículas, em comparação com outros campi situados em municípios maiores do interior do estado. Realizou-se um estudo de caso, pois teve-se como foco de investigação o campus do IFPI em Angical e a sua atuação na localidade onde está instalado. Buscou-se analisar como ocorreu a implantação do IFPI-Campus Angical, além de identificar e verificar se as ações de ensino, pesquisa e extensão dialogam com o perfil socioeconômico da região que abrange, e se estão sintonizadas com os arranjos produtivos locais. Referente à abordagem da pesquisa utilizou-se de métodos quantitativos e qualitativos, tanto na coleta de dados quanto nas análises dos resultados. O percurso metodológico adotado iniciou-se pela realização de pesquisa bibliográfica, em complementariedade, utilizou-se da pesquisa documental. O levantamento concentrou-se sobre leis, decretos, resoluções, cujos conteúdos tratam do ensino profissional no país, além de materiais bibliográficos sobre o processo de expansão dos IFs, de modo geral, e do IFPI, em particular. No tocante à atuação do campus, a pesquisa documental deteve-se sobre as ações desenvolvidas de ensino, pesquisa e extensão, através das informações fornecidas pela Pró- reitoria de Pesquisa e Inovação e Pró-reitoria de Extensão do IFPI, a fim de identificar e analisar a relação entre as atividades implementadas e a realidade local. Realizou-se também levantamento dos dados socioeconômicos para conhecer as características da cidade onde estão instalados o campus e o perfil econômico, sobretudo, referente aos arranjos produtivos locais da região. A pesquisa desenvolvida pautou-se na 2329

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS relevância dessa política pública no âmbito da educação, uma vez que abrange a dimensão do desenvolvimento local, na perspectiva de promoção das potencialidades produtivas locais. 2 INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: nova institucionalidade da rede de ensino profissional no Brasil O ensino profissionalizante iniciou-se com característica assistencialista, baseada no auxílio aos desamparados, que viam nesse tipo de ensino uma forma rápida para adquirir um ofício, ou seja, preocupava-se na época com o ensino estritamente manual. Ao longo dos anos, ocorreram transformações no âmbito do ensino profissional que promoveram sua evolução até alcançar os paradigmas que constituem atualmente essa modalidade educacional. Em 2008, através da lei 11.892, foi instituída a Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica (RFEPCT) e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, ou simplesmente, Institutos Federais (IFs). Tal medida enfatiza um modelo de política pública educacional que objetiva a integração regional e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico local, algo que pode ser considerado novo, até então, na história da educação profissional no Brasil. Atualmente, a Rede Federal tem mais de um milhão de matrículas distribuídas em 661 unidades de ensino abrangidas por 38 institutos federais, dois centros federais de educação tecnológica, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná, o Colégio Pedro II e 22 escolas técnicas vinculadas às Universidades Federais. Em nova modelagem, os Institutos Federais (IFs) se diferenciam por articular educação superior, básica e profissional pluricurricular e multicampi, e também por terem a missão de atender as demandas sociais locais e contribuir para o desenvolvimento do território que abrange. Afirma-se, pois, a educação profissional e tecnológica como política pública, não somente pela fonte de financiamento de sua manutenção, mas principalmente por seu compromisso com a sociedade como um todo. Os Institutos Federais, particularmente, têm como missão, proporcionar a construção dos caminhos que visam o desenvolvimento local e regional. (PACHECO, 2011). Atuar em favor do desenvolvimento local e regional na perspectiva da construção da cidadania constitui uma das finalidades dos Institutos Federais. Para tanto, é necessário um diálogo concreto dessas 2330

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS instituições com a realidade local e regional, buscando a compreensão de suas características e necessidades. Assim, na visão de Castioni (2012), os Institutos revelam-se espaços privilegiados de aprendizagem, inovação e transferência de tecnologias capazes de gerar mudança na qualidade de vida de milhares de brasileiros. Conforme estabelecido pela lei 11.892/08, os Institutos Federais de Educação visam qualificar cidadãos para atuarem nos setores econômicos que estejam ligados principalmente aos arranjos produtivos, regionais e/ou locais, de maior relevância. De um modo geral, os Arranjos Produtivos Locais (APLs) são depreendidos como um conjunto de atividades econômicas, cuja característica é a complementaridade, ou seja, conexão entre os atores. Como afirma Pacheco (2011), a intervenção na realidade local se dá através das ações de ensino, pesquisa e extensão articulada com as forças sociais da região. Vale destacar, que só a instalação da instituição não é garantia de desenvolvimento, é necessário que a instituição encontre condições propícias de expansão e de aperfeiçoamento. E isso depende da composição, organização e articulação com a rede de atores sociais existentes na localidade. O processo de expansão e interiorização dos Institutos Federais proporcionou a ampliação significativa das unidades de ensino profissional e tecnológico no estado do Piauí, vinculadas ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI). O aumento do número de campus do IFPI permitiu a distribuição destes em todas as mesorregiões de norte a sul do estado. A interiorização do IFPI, iniciou-se pela instalação de campus em Floriano no ano 1994, ainda quando funcionava como CEFET-PI. Posteriormente, implantou mais duas unidades em 2007, nas cidades de Picos e Parnaíba. Em 2010, na segunda fase do processo de expansão da Rede Federal, foram criados os seguintes campi: Angical, Corrente, Piripiri, Paulistana, São Raimundo Nonato e Uruçuí. Em 2012, foram inaugurados campus em Pedro II, Oeiras e São João. Em 2014, houve a inauguração dos campi de Campo Maior, Valença e Cocal, além de terem sido publicadas as portarias de criação dos campi avançados Dirceu Arcoverde (em Teresina), Pio IX e José de Freitas. A presença das unidades do IFPI nesses territórios, além de promover a interiorização e abrangência da área de atuação da instituição, garante a permanência do estudante em sua 2331

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS própria região de origem, elevação do grau de escolaridade, ampliação do acesso à educação pública e de qualidade. (IFPI, 2014). No âmbito da política de pesquisa do IFPI, um dos principais propósitos é realizar pesquisas aplicadas em sintonia com as demandas e necessidades locais, estendendo seus benefícios à comunidade. No tocante à extensão, esta é compreendida como o espaço em que o IFPI promove a articulação entre o saber fazer e a realidade socioeconômica, cultural e ambiental da região. Por meio da extensão, o IFPI realiza a difusão, a socialização e a democratização do conhecimento produzido e existente em seu ambiente acadêmico. (IFPI, 2010). 3 ANÁLISE DA IMPLANTAÇÃO E ATUAÇÃO DO IFPI-CAMPUS ANGICAL O município de Angical do Piauí, onde está instalado o campus do IFPI, integra a microrregião do Médio Parnaíba Piauiense, localizada no território Entre Rios. Possui uma população, conforme o último censo realizado pelo IBGE em 2010, de 6.672 habitantes (IBGE, 2010). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) de Angical do Piauí é 0,630, em 2010, o que situa esse município na faixa de Desenvolvimento Humano Médio. Ao analisar a evolução do PIB local, percebe-se que, a partir de 2011, um ano após a instalação do campus na cidade, houve avanço nesse indicador, uma vez que a presença de campus em cidades de pequeno porte, o impacto na economia local é percebido de forma mais rápida, pois contribui para impulsionar sobremaneira a dinamicidade econômica, em virtude do consumo de produtos, serviços e demais gastos relacionados à permanência na cidade, por parte dos servidores e alunos do campus. A instalação de campus, conforme analisa Schneider (2002), significa um atrativo de grande importância para o surgimento de novas atividades e investimentos nos municípios onde as mesmas são instaladas. Evidente que a presença do campus na cidade não é o fator determinante para indução do desenvolvimento econômico, mas provoca efeitos que contribuem para o estímulo de setores da economia local. No âmbito do território Entre Rios, do qual Angical faz parte, as potencialidades comuns aos municípios são: agricultura de subsistência; pecuária de pequeno porte (caprino, ovino); criação de ave caipira, peixes; horticultura; fruticultura (manga, laranja e caju); cana-de-açúcar 2332


Like this book? You can publish your book online for free in a few minutes!
Create your own flipbook