ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Rede, a efetivação de direitos de crianças e adolescentes, bem como proteção a estas direcionadas, corroborando-se desta forma, com o pensamento de Farinelli e Pierini (2016), ao mencionarem o estudo de Baptista ( 2012) acerca da operacionalização do SGD: A autora detalha aspectos relevantes na construção de um sistema de direitos: a ação que objetiva a garantia de direitos, pela incompletude das instituições para enfrentar individualmente demandas e dificuldades, requer a intervenção concorrente de diversos setores, nas diversas instâncias da sociedade e do poder estatal. A efetividade e a eficácia das ações dependem da articulação intersetorial, interinstitucional, intersecretarial e até intermunicipal, resultando em um todo organizado e relativamente estável, norteado por finalidades. (FARINELLI, PIERINI, 2016, p. 63). No período pandêmico, observou-se um crescimento da articulação e encaminhamentos entre as Instituições através dos meios remotos; comunicação através de contatos telefônicos, aplicativo watts, bem como e-mail foram usados com maior frequência para encaminhamentos, com os demais Órgãos, sendo que, na atualidade alguns dos procedimentos têm sido incorporados nas atividades dos técnicos da VIJ sem ocasionar prejuízos, incorporando, por sua vez, maior agilidade ao atendimento das demandas. 3.5 ARTICULAÇÃO ENTRE CONJUNTURA E ESTRUTURA A quinta categoria é a articulação entre estrutura e conjuntura que tem como pano de fundo as ações vivenciadas pelos atores sociais. Na 1ª VIJ, a conjuntura diz respeito a realidade de crianças e adolescentes que têm seus direitos violados. Isso, vai remeter para as estruturas que historicamente são conhecidas e institucionalizadas na sociedade brasileira desde o Código de Menores de 1927, dirigido a uma classe social específica, as camadas populares, ou seja, o pobre. Posterior a Constituição Federal de 1988, com o predomínio do paradigma da Proteção Integral do Estatuto da Criança e do Adolescente, a estrutura responsável pelo abrigamento e adoção de crianças e adolescentes foi ampliada, significando uma uniformidade na atenção a esse segmento que tinham seus direitos violados, embora, majoritariamente, persista com o foco na criança pobre. 2119
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Um fenômeno que trouxe mudanças na conjuntura do espaço da 1ºVIJ, foi a chegada da pandemia. Esse novo cenário transformou as relações de trabalho na 1ª VIJ, redesenhando as demandas que chegavam e as formas de contato com outras instituições. A presença constante das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC 's) passou a fazer parte do cotidiano e da rotina de trabalho, sendo operadas para a realização de entrevistas, audiências e contatos de articulação com a rede de serviços, trabalho esse, que passou a ser realizado de forma virtual. Essas cincos categorias apresentadas, possibilitam identificar a riqueza que o campo de estágio apresenta para a compreensão de uma realidade social. Assim, percebe-se a importância de se refletir sobre as mais diversas situações do cotidiano em um campo sócio- ocupacional e como essas reflexões tornam-se nexos fundamentais para a formação profissional. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das percepções aqui apresentadas, o campo sociojurídico da 1ª VIJ, precisa ser um campo de investigação contínuo pela diversidade de expressões da questão social que se articulam cotidianamente. Dessa forma, é necessário observar as demandas que chegam até o setor, buscando relacioná-las a uma postura profissional pautada no Projeto Ético-Político da profissão de serviço social. Esse cenário apresenta inúmeros desafios, sendo necessário inserir no cotidiano profissional do serviço social, estratégias que tenham o olhar para a garantia do direito de crianças, adolescentes e sua família. Desafios esses que se intensificaram com a chegada da pandemia de Covid-19 levando a inúmeras mudanças na estrutura física do prédio e no modelo de trabalho adotado para evitar o contágio entre funcionários e o público externo. Percebe-se ainda, que algumas medidas sanitárias implementadas tendem a permanecer como um benefício mútuo para funcionários da 1ª Vara, instituições e o público atendido. Com o propósito de entender como se configurou o estágio supervisionado desenvolvido na 1ª VIJ, o presente trabalho se prontificou a fazer um exercício, com o modelo de análise de conjuntura pautado em Souza (2005), que permite entender o cenário 2120
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS institucional de forma investigativa, ampla, resultando em um conhecimento da organização do trabalho das demandas assistidas e dos atores que se entrelaçam no cotidiano institucional, destacando as adaptações realizadas em virtude da crise sanitária vivenciada mundialmente. Por meio do texto base de Souza (2005) e de outras referências bibliográficas, foi possível entender o que é uma análise de conjuntura e as características de cada uma das cinco categorias criadas pelo autor, como também, identificar e traçar uma relação, com a conjuntura atual, caracterizada pela crise sanitária identificada na 1ª VIJ e a estrutura institucional que se apresenta como campo de estágio supervisionado. Diante disso, é notório a importância de se ter uma análise de conjuntura do espaço sócio-ocupacional em que é desenvolvido a atividade estágio supervisionado, pois por meio desta, é possível construir um olhar crítico sobre as informações recebidas diariamente no processo de trabalho do serviço social e as estratégias de trabalho, podendo também, auxiliar no planejamento das atividades desenvolvidas na instituição, assim, corroborando de forma incisiva para o processo de formação acadêmico profissional. REFERÊNCIAS CFESS. Diálogos do cotidiano do assistente social: reflexões sobre o trabalho profissional. Brasília: CFESS, 2021. CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DOADOLESCENTE. Resolução nº 113/2006. Dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ministério Público. Rio Grande do Sul, 19 de abril de 2006. Disponível em: http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/diversos/mini_cd/pdfs/res_113_conanda.pdf. Acesso em: 27 Abr de 2022. FARINELLI, Carmen Cecilia e PIERINI, Alexandre José. O Sistema de Garantia de Direitos e a Proteção Integral à criança e ao adolescente: uma revisão bibliográfica. In: Revista O Social em Questão. Ano XIX. Nº 35. 2016. Página: 63-86. Disponível em: http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ_35_3_Farinelli_Pierini.pdf. Acesso em: 03 maio de 2022. IAMAMOTO, M. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 1998. MATTA, Gustavo.C et All. Os impactos sociais da Covid-19 no Brasil: populações vulnerabilizadas e respostas à pandemia. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2021. 2121
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PIAUÍ. Portaria Nº 907/2022 - PJPI/TJPI/SECPRE, de 14 de março de 2022. Dispõe sobre o retorno de 70% das atividades presenciais do Poder Judiciário do Estado do Piauí. Disponível em: http://www.oabpi.org.br/2019/wp- content/uploads/2022/03/Portaria-Retorno-presencial-70-1.pdf. Acesso em: 27 mar de 2022. SOUZA, Herbert José de. Como se faz análise de Conjuntura. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2005. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ. Resolução nº 187/2022 CEPEX de 19 de janeiro de 2022. Regulamenta o desenvolvimento de processo híbrido de ensino e de aprendizagem para o retorno gradativo à presencialidade dos cursos de Graduação e Pós-Graduação da UFPI. Disponível em: https://ufpi.br/arquivos_download/arquivos/Coordcom/RESOLU%C3%87%C3%83O_CEPEX_1 87_2022.pdf. Acesso em: 08 mar. 2022. 2122
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS COTAS RACIAIS NO ENSINO SUPERIOR E SEUS IMPACTOS ÍNDICES DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL (IDS) RACIAL QUOTAS IN HIGHER EDUCATION AND THEIR IMPACTS SOCIAL DEVELOPMENT INDEXES (IDS) José Da Cruz Bispo de Miranda1 RESUMO O artigo tem o objetivo analisar em que medida as cotas raciais no ensino superior estão a impactar os Indicadores de Desenvolvimento Social (IDS), tais como: educação de qualidade, na redução das desigualdades, igualdade de gênero e erradicação da pobreza no atual contexto econômico e político brasileiro, especialmente no Piauí. Após Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, a Conferência de Durban. Para isso, foi utilizada uma pesquisa bibliográfica com análise de referenciais teóricos que discutem o tema, assim como uma investigação quantitativa de dados de Indicadores de Desenvolvimento Social (IDS) de educação, renda, pobreza e gênero no período de até 2019, não só no Brasil, como no estado do Piauí, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dentre as discussões da pesquisa, destacam-se como principais resultados: primeiramente, que, a partir da análise dos dados Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (2012-2019), a população brasileira alterou sua forma de autoidentificação, hipótese que se justifica pelas medidas garantidoras de direitos pelo Estado para o acesso no ensino superior, concursos públicos ou políticas culturais, para essa população alvo. Outra afirmativa é de que houve um crescimento populacional entre negro. Essa mudança confirma um dos resultados encontrados: mudança na autoidentificação das pessoas, trazendo as desigualdades de seu percurso de vida. Portanto, a desigualdade aumenta de fato, em razão da lógica de concentração de renda por parte dos grupos privilegiados, isso foi demonstrado nos dados por ocupação no mercado de trabalho. Os dados do IBGE (2020) demonstram que o rendimento do piauiense na ocupação principal é a menor do Brasil, além de possuir a maior razão entre o maior e o menor rendimento indicando a baixa instrução educacional, baixa renda e a maior desigualdade econômica entre os mais ricos e os mais pobres. Portanto, as perspectivas para a redução da desigualdade social causada pelo racismo parecem não está 1 Universidade Federal Do Piauí (UFPI). 2123
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS próxima, devido ao aumento do segmento excluído e as expectativas de vagas para esta população parece se fixar, a despeito do texto legal. Ainda mais, o contexto político é adverso às conquistas, que mais são legados de uma política liberal na sustentação da democracia social, do que da luta antirracista no Brasil. Palavras-chave: Cotas Raciais. Índice de Desenvolvimento Social. Política de Ação Afirmativa. ABSTRACT The article aims to analyze the extent to which racial quotas in higher education are impacting Social Development Indicators (IDS), such as: quality education, reducing inequalities, gender equality and poverty eradication in the current economic context. and Brazilian politician, especially in Piauí. After the Third World Conference against Racism, Racial Discrimination, Xenophobia and Related Intolerance, the Durban Conference. For this, a bibliographic research was used with analysis of theoretical references that discuss the topic, as well as a quantitative investigation of data from Social Development Indicators (SDI) of education, income, poverty and gender in the period until 2019, not only in the Brazil, as in the state of Piauí, made available by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). Among the research discussions, the following main results stand out: first, that, based on the analysis of data from the Continuous National Household Sample Survey (2012-2019), the Brazilian population changed its form of self- identification, a hypothesis that is justified by the measures guaranteeing rights by the State for access to higher education, public tenders or cultural policies for this target population. Another statement is that there was a population growth among blacks. This change confirms one of the results found: a change in people's self- identification, bringing the inequalities of their life path. Therefore, inequality actually increases, due to the logic of income concentration on the part of privileged groups, this was demonstrated in the data by occupation in the labor market. Data from the IBGE (2020) show that the income of Piauí in the main occupation is the lowest in Brazil, in addition to having the highest ratio between the highest and lowest income, indicating low education, low income and greater economic inequality among workers. richest and the poorest. Therefore, the prospects for reducing social inequality caused by racism do not seem to be close, due to the increase in the excluded segment and the expectations of vacancies for this population seem to be fixed, despite the legal text. Even more, the political context is adverse to the achievements, which are more legacies of a liberal policy in the support of social democracy, than of the anti-racist struggle in Brazil. Keywords: Racial Quotas. Social Development Index. Affirmative Action Policy. 1 INTRODUÇÃO A questão das cotas enquanto política pública no Brasil não é recente, vários segmentos foram beneficiados com ações governamentais. O Decreto 1.331, de 17/02/1854, 2124
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS estabelecia que era proibida admissão de negros e negras na escola pública, em outro decreto, o nº 7.031- A, de 06/02/1878, disponibilizava o horário noturno para os negros. Em 1968, em pleno Regime Militar, foram os latifundiários, na medida em que foi instituída a cota para os filhos desse segmento para o ingresso nas universidades públicas2. A reversão desse quadro político, cultural e social começa nos anos 2000, no Brasil, após Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, em Durban, ocorrida no período de 31/08 a 08/09/2001, na África do Sul, na qual o Brasil comprometeu-se com seus objetivos e resultados. Em consequência disso, várias medidas são tomadas pelo Estado brasileiro, dentre elas, as leis nº 12.711/2012, a 12.288/2010 e a 12.990/2014 tornando possível um movimento para um sistema de igualdade racial no Brasil. Vários trabalhos debatem a eficácia das ações afirmativas no ensino superior, notadamente no diz respeito ao ingresso de negros e negras (SILVA, 2011; TAVARES JUNIOR & DIAS, 2018; MIRANDA, 2019), contudo, a percepção não é a mesma quanto ao impacto dessa política nos diversos indicadores sociais que fazem o diagnóstico de sua sustentabilidade nas dimensões da renda, da educação, da igualdade de gênero e da erradicação da pobreza com o objetivo de compreender a lógica do desenvolvimento sustentável no âmbito dessa população alvo. Esta investigação surge de estudos realizados no âmbito do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação e Ciências Sociais (NUPECSO), do Núcleo de Estudos Afro (NEPA)3 e na possibilidade de ampliar os olhares da pesquisa sobre essa temática e diagnosticar o alcance da política de cotas raciais na sociedade brasileira, partimos do seguinte problema: em que medida as cotas raciais no ensino superior pode impactar os Indicadores de Desenvolvimento Social (IDS), tais como: educação de qualidade, na redução das desigualdades, igualdade de gênero e erradicação da pobreza no atual contexto econômico e político brasileiro, especialmente no Piauí? A questão tenta prescrutar a temporalidade da existência de políticas de ações afirmativas até o momento em que a geração de jovens negros e negras consigam reproduzir os elementos econômicos, sociais, culturais e 2 Criada em 1968, Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968, a chamada cota do boi beneficiava os filhos dos fazendeiros nos cursos das ciências agrárias: agronomia, veterinário, zootecnia, bovinocultura, dentre outros. 3 Ver Miranda (2012, 2019). Estes trabalhos versam sobre as políticas de cotas raciais na Universidade Estadual do Piauí, bem como, suas perspectivas diante do contexto de governos conservadores e questionamentos sobre sua legitimidade. Os núcleos de pesquisa citados são da mesma Universidade. 2125
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS simbólicos adquiridos pela renda e status para seus descendentes de forma sustentável. Para isso, escolhemos a cidade de Teresina, Piauí, no período de 2015 a 2019 para termos a dimensão da relevância das Políticas de Ações Afirmativas (PA) nas transformações da estrutura social. 2 PERCURSOS DA INVESTIGAÇÃO As questões que envolvem a desigualdade social no Brasil podem ser encontradas a partir uma autoanálise. Os que experenciam a desigualdade social enquanto homens brancos e mulheres brancas e / ou homens negros e mulheres negras devem encontrar, na memória de seus ancestrais, explicações para esse quadro de pobreza de uma determinada população: negros e negras pobres. Em nosso auxílio Florestan Fernandes (2013), na obra ‘O negro no mundo dos brancos’, descreve como o Estado Brasileiro, as oligarquias agrárias, as classes abastardas e os imigrantes contribuíram para a situação social e econômica de negros e negras no Brasil. A elite brasileira não soube sair de uma ordem capitalista e racional com ordem estamental e escravocrata para uma República democrática. As diminutas frestas existentes no sistema escravocrata não foram suficientes para evitar um sistema capitalista, patriarcal e racista que se volta de forma violenta contra a população negra até os nossos dias. Ao prefaciar a obra ‘O genocídio do negro brasileiro’, de Abdias Nascimento, Florestan Fernandes (2017, p.19) afirma: “Da escravidão, no início do período colonial, até os dias que correm, as populações negras têm sofrido um genocídio institucionalizado, sistemático, embora silencioso”. Os descendentes de escravizados (afrodescendentes e/ou negros ou pardos) não se enquadram na sociedade brasileira. Adrelino Campos (2005. P.20-21) afirma: Por não se constituírem em indivíduos fenotipicamente enquadrados nos ideais de monarquistas e, posteriormente, de republicanos [...] os negros escravos ou alforriados foram excluídos da prática política e marginalizados economicamente, apontados pela sociedade da época-e permanecendo até os dias atuais, agora de maneira subjetiva- como “vadios”, “vagabundos”, “desocupados” [...] e outros termos depreciativos sociais, que, na base, tinham como pano de fundo o preconceito racial, fruto do estigma legado pela Coroa portuguesa ainda no século XVII. 2126
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A reversão ou mesmo a sistematização de uma luta contrária à extinção cultural e física da população negra está a depender da formação de um campo de luta com valores opostos aos da sociedade capitalista, patriarcal, escravocrata e estamental. Esse campo não se desvinculará totalmente dos condicionantes dessa sociedade de classes, mas como diz Bourdieu (2004, p. 20-21): “Se jamais pode escapar às imposições do macrocosmo, ele dispõe, com relação a este, de uma autonomia parcial mais ou menos acentuada”. O pensar epistemológicos e axiológico das questões a serem desenvolvidas nesta investigação não pode prescindir de teorias que privilegiem as relações étnico-raciais e as questões de classe, tendo em vista que ambas são impactadas pela estrutura da sociedade capitalista. Neste contexto de indagações no qual estrutura e subjetividade estão correlacionando-se a opção por uma metodologia reflexiva que o agente se torna parte relevante diante da estrutura social, torna-se capaz de produzir valores distintos do campo dominante, o que provoca a criação de campos de forças (BOURDIEU, 2004). A noção de campo de forças é conveniente nesta investigação considerando a possibilidade de novos agentes e valores estarem se constituindo diante de uma estrutura estabelecida, referimo-nos aos movimentos sociais de negros e negras e outros, que desde os primeiros anos da República ou antes dela amadurecem ideias e propostas de uma sociedade mais igualitária. Acontecimentos que desembocam na Conferência de Durban, na África do Sul e na elaboração de propostas de políticas afirmativas para os negros e negras no Brasil com o objetivo de redução das desigualdades sociais. Com isso um novo arcabouço institucional se apresenta, novas lideranças, novas elaborações teóricas e novos intelectuais negros e negras constituem um campo de força que se pretende competir com o campo estabelecido na sociedade brasileira. Essa tensão, acreditamos está descrito melhor em outro trabalho (MIRANDA, 2019). Apesar dos avanços no aspecto institucional, cabe indagar se existe êxito nos indicadores sociais, que são base para apontar o desenvolvimento sustentável de sociedade. As políticas de ações afirmativas, que têm possibilitado negros e negras pobres ingressarem em maior número na universidade pública e a terem financiamento para instituições particulares, foram desenvolvidas por um conjunto de lutas vinculadas ao campo social de intelectuais negros e negras no Brasil. Contudo, necessário realizar o acompanhamento da transformação do capital cultural conquistado pela inclusão dessa população no ensino superior em capital econômico, social e simbólico. 2127
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A noção de capital vem para explicitar o cálculo de capitais incorporados ou conquistados por parte dos agentes e/ou do grupo social em competição na estrutura da sociedade desigual. Estes capitais, nesta investigação podem impactar nos indicadores sociais. Quanto mais capitais o agente ou o grupo social possuir mais destacado na estrutura social. Descrevemos os capitais como: cultural, simbólico, social e econômico. A aquisição desses capitais condiciona a relação de força no interior do campo (BOURDIEU, 1997). O que vem a ser indicadores sociais e como impactam o desenvolvimento sustentável? Inicialmente reconhecer que não é comum em trabalhos sobre cotas raciais a relação com a categoria de desenvolvimento sustentável, talvez porque a questão em si das cotas faz transbordar múltiplas perguntas, além da temática está em constante precariedade, tanto quanto à política púbica de ações afirmativas. Outra razão é o contexto geral das pesquisas em ciências humanas, como dizem Santagada (2007) e Hamburger (1976), ambos trabalham os indicadores sociais a partir das elaborações da Organização das Nações Unidas (ONU), sendo a trajetória de evolução desses indicadores e, por vez, a preocupação com a qualidade de vida. Nosso referencial neste trabalho é a agenda proposta pela ONU no ano de 2015, quando ocorreu a elaboração dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com ele a construção de seus indicadores (IBGE, 2017). Como os indicadores sociais dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável se encaixa com os objetivos desta investigação? Antes de responder à questão, precisamos entender a correlação das categorias: desenvolvimento sustentável, indicadores sociais e cotas raciais no ensino superior. A proposição das cotas raciais no ensino superior(Lei nº 12.711/2012) não tem o objetivo apenas de política compensatória para um segmento que contribuiu para o desenvolvimento do país sem ter participado de seu bem estar, mas para possibilitar a mobilidade social de negros e negras brasileiros na renda, na educação, na erradicação da pobreza, indicadores que devem resultar não apenas no crescimento econômico desse grupo, mas que a variável econômica possa significar o acesso à educação de qualidade para seus descendentes, a retirada da geração da miséria e da pobreza e igualdade de gênero de forma sustentável. Neste contexto o que vem a ser desenvolvimento sustentável? O desenvolvimento sustentável garante que o acesso a determinada política pública gere benefícios estruturais à população alvo, ou seja, para que a política promova o bem estar 2128
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ela deve impactar o maior número de indicadores possíveis. Neste caso, não é suficiente constatar o êxito no ingresso de negros e negras no ensino superior, este indicador deve impactar na renda, na erradicação da pobreza, no acesso à cultura, dentre outros. Para essa verificação, os indicadores sociais precisam ser verificados. Para o IBGE (2017, s/p): “sustentabilidade é a capacidade dos sistemas naturais da Terra e dos sistemas culturais humanos de sobreviver, prosperar e se adaptar às mudanças nas condições ambientais no longo prazo”. É importante salientar que não se trata de uma avaliação de política pública, pois a avaliação deve ocorrer de forma sistemática, como um monitoramento e avaliação contínuos, o que não se propõe nesta investigação. A coleta dos dados para o alcance dos objetivos foi realizada da seguinte forma: 1. Leitura bibliográfica O desenho da arte não pode prescindir das informações situadas no tempo, no espaço e na especificidade das temáticas e dos sujeitos estudados anteriormente (YIN, 2016), ao mesmo tempo em que a bibliografia fundamental o referencial do projeto e a análise dos dados coletados. A leitura bibliográfica abrange as informações seminais da temática, a fundamentação teórica, a qual servirá de base para análise dos dados (GOMES, 2002). 2. Leitura de documentos publicados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos órgãos de pesquisa do Estado do Piauí: CEPRO E FAPEPI e, da Prefeitura Municipal de Teresina Essas instituições acompanham o desenvolvimento econômico e social do Estado do Piauí e de Teresina com pesquisas e publicações referentes à renda, educação, gênero e pobreza. O cruzamento de dados de publicações no período de 2015 a 2019 podem oferecer um cenário dos impactos das cotas raciais no ensino superior 3. Leitura e sistematização dos dados da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e da Universidade Federal do Piauí (UFPI) referentes aos ingressantes e graduados por cotas raciais Os dados quantitativos da UESPI e da UFPI sobre os ingressantes e graduados por cotas raciais são importantes para demonstrar o êxito da política nessas fases (ingresso e conclusão do curso), ao mesmo tempo em que caracteriza por gênero, no período de 2015 a 2019. 4. Organizar os dados a partir dos indicadores de educação, renda, pobreza e gênero no período de 2015 a 2019. 2129
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A organização dos dados quantitativos e qualitativos deve ocorrer a partir das categorias de educação, renda, pobreza e gênero e com o referencial da análise de conteúdo (BARDIN, 2011) e na teoria dos campos em Bourdieu (1997). 5. Análise dos dados coletados Os dados coletados foram organizados conforme propõe Bardin (2011): pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na primeira fase ocorre a leitura rápida dos dados com o objetivo de diagnosticar as categorias e a funcionalidade do texto para o alcance dos objetivos da investigação. “geralmente esta primeira fase possui três missões: a escolha dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final” (p. 125). Neste momento podem ser descartados textos e incluídos outros. Na segunda fase, as categorias organizam as informações relevantes dos dados e, por fim, o tratamento dos resultados obtidos e a interpretação. 3 AS COTAS NO ENSINO SUPERIOR E SEUS IMPACTOS NOS IDS Em pesquisa realizada pelo IBGE (2013)4 intitulada “As características étnico-raciais da população: classificações e identidades”, a tabela 03: Distribuição das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por cor ou raça, nas 14 categorias mais frequentes, segundo as Unidades da Federação pesquisadas – 2008, apresenta dados em que a população branca brasileira tem percentual de 49%, morena, 18,7%, parda, 13,6%, negra, 7,8%, morena-clara 3.0%, preta 1.4% e amarela 1,5%. Decorridos mais de uma década esses números foram afetados na diminuição dos grupos autodeclarados brancos e no aumento dos grupos morena, parda, negra e morena- clara. A variável vegetativa (crescimento por nascimento) é frágil devido à redução da natalidade na população brasileira (IBGE, 2010), mesmo considerando que a baixa natalidade se situa nos grupos mais privilegiados, ficando como hipótese alternativo para o crescimento da população negra (pretos, pardos e morena-clara) à uma mudança na autodeclaração dos que antes se identificavam por brancos, após 2008 passou a se identificar dentro do grupo dos afrodescendentes. Em Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (2012-2019), a 4 Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua – PNAD realizada nos estados do Amazonas, Paraíba, São Paulo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Distrito Federal. 2130
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS população brasileira apresenta a seguinte configuração: população branca, 42,7%, Preta, 9,7%, parda, 46,9% e indígena, 1,1%, amarela, 1,1%. No estado do Piauí, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010), a população é constituída de 63% de pardos, brancos, 33% e pretos, 3%. Podemos nos interrogar o que levou uma determinada população a alterar sua forma de autodeclaração. Desde 2000, após a III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban, África do Sul, em 2001, da qual surge a Declaração e Programa de Ação adotados na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, no qual o Brasil torna-se signatário e como consequência é levado a produzir um ordenamento jurídico que propiciasse a elaboração e execução de políticas públicas para o enfrentamento da desigualdade ocasionada pela condição racial das pessoas. Inicialmente as universidades criam sistemas de cotas sociais e raciais para o ingresso no ensino superior público (as primeiras instituições são a Universidade Estadual do Rio de Janeiro e a Universidade de Brasília), em 2010 é aprovado o Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12,288/2010, as cotas raciais no ensino superior público, a Lei 12.711/2012 e as cotas raciais no concurso público, lei 12.990/2014. A guinada do Estado Nacional em observar a população negra (pretos e pardos) como beneficiária de políticas de inclusão social e gerando direitos para acesso no ensino superior e nos concursos públicos, além do fortalecimento da identidade negra através de políticas culturais alterou o processo de autoidentificação, na medida em que segmentos significativos da população passam a se autodeclarar parda, morena ou preta, alterando os dados da população nacional. Cabe salientar que parte dessa população que altera sua autodeclaração para pardo, morena-clara e preta, especialmente nos dois primeiros grupos, não resiste à uma banca de heteroidentificação. Outra hipótese em que confirma a forte influência da autoconsciência étnico-racial está em que 63% da população pesquisada nos estados do Amazonas, Paraíba, São Paulo. Rio grande do Sul e Distrito Federal afirma que a cor da pele influência na vida das pessoas (ANEXO I ). Saber que a cor da pele cria espaços de privilégios para uns e de exclusão para outros pode gerar duas predisposições comportamentais, a primeira é se identificar com a cor de pele que gera privilégios, ou seja, embranquecer-se; outra posição, é a de enfrentamento ao contexto de racismo na sociedade brasileira. O fato da elevação da autodeclaração nos grupos de pretos 2131
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS e pardos constatado pelo IBGE aponta para a segunda alternativa. Não se deve deixar de mencionar que na mesma pesquisa 2.8% da população não soube responder qual era sua cor de pele. O que se interroga nesta pesquisa é a possibilidade da política de ação afirmativa, notadamente, a que se refere a lei 12.711/12, que dispõe sobre a reserva de cotas raciais no ensino superior público pode ser construir uma geração de jovens e adultos com superior e com capacidade de reproduzir sua posição social e melhorar sua condição econômica, com isso, a longo prazo, a população negra não precisar mais dessa alavanca de mobilidade social. Não está deslocado as reflexões sobre o sistema capitalista, o qual depende do modelo econômico para propiciar menos desigualdades sociais e raciais, considerando, ainda, que as desigualdades sociais convivem com o sistema capitalista, porém é inadequado à democracia. O conjunto de políticas públicas voltado para a população negra é justificado devido, ao significativo número de habitantes negros e à desigualdade social ocasionada pelos elementos étnico-raciais. Na obra “A desigualdade Racial no Brasil nas Três Décadas”, de Rafael Guerreiro Osório (IPEA, 2021), é demonstrada as diferenças de renda familiar, especialmente entre brancos e negros (pretos e pardos). No gráfico 3 (ANEXO I) desta obra, é visível o aumento lento e gradativo, mas com a persistência da desigualdade entre brancos e negros. Uma hipótese levantada pelo Osório para o aumento da desigualdade racial é o aumento da população negra, A contribuição da desigualdade de renda entre os negros para a desigualdade total, por sua vez, aumentou. Não por conta do crescimento recente da desigualdade, mas, sim, por ter acompanhado o crescimento relativo da população negra (OSÓRIO, 2021, p. 18). É possível levantar um questionamento, tendo em vista que o crescimento vegetativo (nas cimento menos mortes de pessoas), não foi significativo e está em tendência de queda, em 2019 foi de 1.5 milhões e, em 2020, ficou em 1.2 milhões, além disso a natalidade por casal tem caído a pelo menos dois filhos, em média. Neste caso, tendemos a afirmar que o crescimento populacional entre negros ocorre pela mudança na autoidentificação das pessoas, trazendo as desigualdades de seu percurso de vida. Portanto, a desigualdade aumenta de fato, em razão da lógica de concentração de renda por parte dos grupos privilegiados, isso será demonstrado nos dados por ocupação no mercado de trabalho. 2132
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A dificuldade da autoidentificação da população negra está em seu autoconhecimento enquanto negros e negras. Não se trata de ‘vergonha’ de ser negro, mas de um processo de construção de outras identidades sobre o fenótipo do negro brasileiro. Munanga (1999), descreve esse processo na obra “Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra”, na qual demonstra que o colonizador se aproveitou do colorismo brasileiro para instituir a ideologia do embranquecimento, segundo a qual o deslocamento da cor negra para a branca significaria mais privilégio, menos exclusão, menos preconceito e discriminação. Neste sentido, o negro, especialmente o mestiço que tem sua cor graduada tenta deslocar-se para a representação mais próxima do branco. Em outra publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2020), dados referentes ao mercado de trabalho, instrução/educação e rendimentos apontam o lado submerso do iceberg da desigualdade racial, além disso, as razões para a implementação da política de cotas no ensino superior e nos concursos públicos, através das leis federais 12.711/2012 e 12.990/2014, respectivamente. O percurso das desigualdades sociais e raciais no Brasil coincidem com a modernidade, notadamente no século XVI. Neste período os pressupostos para a escravização da pessoa humana foram alterados, antes vários fatores condicionavam a transformação do status da pessoa livre para a de escravo, dentre eles não estava a questão da cor da pele, mas dívidas, ser espólio de guerra, sequestros, até através de vendas de esposas e filhos, dentre outros (FRAGA, 2016; N’DIAYE, 2019). Na África, como afirma N’DIAYE (p. 33): Quaisquer que tenham sido as formas de servidão na maior parte das sociedades africanas negras, não podem ser comparadas com os horrores do tráfico árabo- muçulmano e transatlântico, isto é, com práticas que resultaram em deportações maciças e em tratamentos de mutilação, traumatizantes ou homicida. A servidão africana, aceite com resignação pelas populações, integrou-se no seu modo de vida. E continua dizendo que; “Contrariamente ao que se passava no Mediterrâneo da Antiguidade, o continente negro não conhecia a escravatura como sistema de exploração econômica e social.” A escravização, prática comum entre os europeus, tinha tráfico de pessoas do norte da Europa para Veneza, comandado pelos vikings, que levavam pessoas cativas resultantes dos conflitos com os países ao sul do continente. 2133
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Tudo muda, após acordos realizados com autoridades islâmicas, nos quais fica pactuado a proibição de escravização de árabes-muçulmanos por parte dos cristãos e vice-versa (N’DIAYE, 2019). Esses acordos vão coincidir com a expansão das navegações, o ‘achado’ de novas terras e a necessidade de mão-de-obra para a exploração das novas terras. Fora das restrições religiosas para a escravização das pessoas (que nem sempre foram seguidas, o olhar, especialmente do Europeu desceu o continente africanos. A partir desse momento, a estranheza com a cor da pele e com os modos culturais, religiosos africanos, a baixa tecnologia de guerra para enfrentamento com os europeus e a cumplicidade da igreja, em legitimar a escravização dos africanos, a cor da pele tornou-se a razão para escravização (FRAGA, 2019). O tráfico de negros e negras africanos, a escravização por mais de 350 anos, a abolição resultante da pressão econômica externa, a pactuação com os segmentos oligárquicos e com a monarquia resultaram na exclusão de pretos e pardos da distribuição da riqueza e do mercado de trabalho. Excluir trabalhadores e trabalhadoras negros e negras do mercado de trabalho foi uma atividade que exigiu muito empenho dos setores dominantes brasileiros. Primeiro, os negros e negras dominavam todas as arte e ofícios, desde a manufatura do ouro até o concerto de sapatos nas praças, como diz Moura (1988, p. 68): Durante todo o tempo em que o escravismo existiu o escravo negro foi aquele trabalhador que estava presente em todos os ofícios por mais diversificados que eles fossem. Sua força de trabalho era distribuída em todos os setores de atividade. [...] como escravo urbano, desempenhava as mais variadas profissões a fim de proporcionar o ócio à classe senhorial. Para compor uma sociedade branca e esconder os pretos e pardos brasileiros, a elite política e o Estado, desde o Império favorecia à imigração de europeus colocando em execução a política de embranquecimento da população, com isto, os postos de trabalho, desde a agricultura à fábrica foram tomados pelos estrangeiros, em detrimento da população preta e parda local. Florestan Fernandes (2013, s/p) notou esse processo, em sua obra “O negro no mundo dos brancos”: Vítima da escravidão foi também vitimada pela crise do sistema escravista de produção. A revolução social da ordem competitiva iniciou-se e concluiu-se como uma revolução branca. Em razão disso, a supremacia branca nunca foi ameaçada pelo abolicismo. Ao contrário, foi apenas reorganizada em outros termos, em que a competição teve uma consequência terrível – a exclusão, parcial ou total, do ex-agente 2134
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS da mão de obra escrava e dos libertos do fluxo vital do crescimento econômico e do desenvolvimento social. As consequências desse processo social e econômico capitaneado pelo racismo têm repercussões em pleno século XXI, como apontam os dados do IBGE (2020) em relação ao mercado de trabalho. Nestes valem destacar as informações sobre áreas ocupadas e níveis de instrução educacional. Os gráficos 12 e 13 (ANEXO I) demonstram que os setores da agropecuária, serviços domésticos e construção são os que exigem menor instrução educacional, ao mesmo tempo em que são ocupados por um maior número percentual de negros e pardos. As ocupações que exigem alto grau de instrução educacional, notadamente os engenheiros e que recebem maior remuneração estão com as pessoas brancas. As áreas de complexidade e, consequentemente, exigência de maior instrução educacional e de melhor renda são ocupadas por pessoas brancas, no caso da Administração pública, educação, saúde e serviços sociais e; Informação, financeira e outras atividades profissionais. Os dados do Síntese dos Indicadores Sociais – IBGE demonstram que a exclusão social dos negros e negras na sociedade brasileira permanecem de forma estrutural e para enfrentar essa desigualdade baseada na cor da pele das pessoas são elaboradas políticas afirmativas, desde 2000, após a Conferência em Durban. Interessa-nos neste trabalho focar nas políticas afirmativas para o ensino superior e seus impactos na desconstrução da desigualdade racial no Brasil e no Piauí. No Estado do Piauí, as cotas sociais e raciais para o ensino superior público tiveram seu início com a Lei Estadual nº 5.791/2008, que institui 30% de reserva das vagas para estudantes oriundos das escolas públicas e, no seu artigo 4º afirma: “Fica reservado à UESPI, através do Conselho Universitário, deliberar em relação as cotas das minorias.” Com base nisso, a UESPI passa a debater a possibilidade de cotas raciais dentro do percentual disposto na legislação referida. A Resolução do Conselho Universitário (CONSUN) nº 007/2008 aprova as cotas para negros e negras, sendo distribuídas a partir do total da reserva de 30%, ficando 50% para estudantes negros e negras oriundos de escola pública e 50% para estudantes da escola pública. Em 2013, o CONSUN aprova a adesão ao Sistema de Seleção Unificada – SISU operacionalizado pelo Ministério da Educação – MEC, ficando, ainda com o percentual dos 30%, sendo 15% para estudantes de escola pública e 50% para estudantes negros e negras. 2135
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Depois de 12 anos de cotas raciais no ensino superior público piauiense com percentuais baixo da lei Federal nº 12.711/2012, que prescreve 50% das vagas para escola pública, incluídos os grupos, tais como negros, pessoa com deficiência, indígenas e de baixa renda, tem início debate para uma legislação mais ampla sobre cotas no ensino público piauiense. São agregados aos debates professores e professoras, núcleos de pesquisas, campus do interior, pessoas da administração superior e deputados estaduais interessados na temática. Após longos debates é produzida uma minuta de lei e de resolução, a primeira encaminhada à Assembleia Legislativa Estadual e, a segunda ao Conselho Universitário, através desta última, a UESPI dá ciência à Assembleia do debate naquela instituição, a qual aprova a minuta de lei e, o executivo sanciona a Lei Estadual nº 7.455/2021, que institui 50% das reservas de vagas para a escola pública, incluídos os seguintes grupos: negros e negras, pessoas com deficiência, indígenas e quilombolas. Neste contexto buscamos conhecer os impactos da implementação das cotas raciais no ensino superior na população beneficiária (negros, negras, pardos e pardas). Ao ler os dados do IBGE anteriormente mencionados neste trabalho é possível afirmar que as cotas ainda não impactaram de forma expressiva as ocupações profissionais e a renda dos negros e negras na sociedade brasileira e piauiense. Considerando o período de 2009 a 2020 e o percentual de 30% das vagas no ensino superior na UESPI para escolas públicas e estudantes negros e negras, totalizando, em média 810 discentes5, do total de 2.700 vagas em média, em condições ideais que todas as vagas sejam ocupadas por negros e negras, cabe destacar o seguinte: a. A partir da população estimada pelo IBGE para o Piauí, em 2020, sendo de 3.281,480, destes quase 80% autodeclaram-se preta ou parda, 9.270 pessoas egressas do ensino superior, a depender da área e da relevância econômica do curso, o impacto é insignificante; b. Vale destacar, que para negros e negras são apenas 15%, ou seja, do total de 810, as vagas destinadas a negros e negros são apenas 50% deste total, 405. 5 Estimativa da média das vagas ofertadas pela Universidade Estadual do Piauí nos vestibulares ou Sistema de Seleção Unificada. 2136
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Os gráficos 16 e 17 do IBGE/2020 (ANEXO I) demonstram que o rendimento do piauiense na ocupação principal é a menor do Brasil, além de possuir a maior razão entre o maior e o menor rendimento indicando a baixa instrução educacional, baixa renda e a maior desigualdade econômica entre os mais ricos e os mais pobres. O Piauí deveria ser o Estado mais preocupado em garantir políticas de igualdade econômica pelo viés racial, por ser o que é mais impactado por essas varáveis, contudo, apenas em 2021 sanciona uma lei estadual que garante 50% das reservas das vagas no ensino superior público para escola públicas e a população negra, indígena, quilombola e pessoas com deficiência e, a lei da cota para negros e negras no concurso público, ainda está por ser sancionada pelo governador (em agosto de 2021). Na tabela 06 (ANEXO I) a taxa de ocupação informal por sexo, cor/raça, em 2019, no Estado do Piauí apresenta os seguintes números: 65,1% da população tem ocupação informal, destes, 66,9% são pretos e pardos. Estes dados indicam que devido ao pouco desenvolvimento econômico no período estudado, a inclusão de pessoas de grupos, anteriormente excluídos não tiveram oportunidade de ingressar no mercado formal de trabalho, além disso, devemos considerar que o número de pessoas oriundas de escolas públicas e pretas e pardas é pequeno, não impactando o cenário de vulnerabilidade das pessoas pretas e pardas no Estado do Piauí. A taxa de desocupação das pessoas pretas e pardas é alta em relação às pessoas brancas em todos os níveis de instrução, as pessoas com curso superior não fogem à regra. Diante do contexto das ações afirmativas no Brasil e da situação do ensino público do Estado do Piauí e sua correlação com o desenvolvimento sustentável pode-se utilizar os objetivos da educação de qualidade (objetivo 4) e emprego digno e crescimento econômico (objetivo 8). Além destes objetivos deve-se considerar o desenvolvimento sustentável como sendo o de capacidade de suprir as necessidades da geração atual sem o comprometimento dos recursos naturais, econômicos, sociais e culturais das gerações futuras (IBGE, 2020). Com base nos dados coletados e analisados anteriormente, as ações afirmativas implementadas desde os 2000 no Brasil, ainda não são suficientes para garantir que o a lógica do desenvolvimento atual não possa prejudicar a população futura, notadamente a população negra, tendo em vista, que a política alcança uma população reduzida deste segmento e, além disso, parte significativa dos atendidos por esta política não são os reais beneficiários, ou seja, negros e pardos. 2137
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Observamos pelos dados incorporados acima, que a renda dos pretos e pardos no Brasil tem crescido lentamente e abaixo dos rendimentos dos brancos. Este processo decorre da exclusão da população afrodescendente da educação formal e, quando ela se insere, os mecanismos da escola a exclui na medida em que avança para o ensino fundamental, ensino médio e superior. Os que ficam habilitados a concorrem à uma vaga de reserva de cotas são oriundos da escola pública, em razão disso, seus desempenhos são menores dos que concorrem para vagas da concorrência ampla e, mesmo, dos da escola pública. Neste último item carece compreender que a experiencia de estudantes negros/negras e brancos e brancas são distintos no ambiente escolar. Traduzindo-se na formulação de conteúdos formativos eurocêntricos e brancos, o que provoca o preconceito, a discriminação e, por último, na exclusão dos negros e negras do ambiente educacional, quando não diminuindo seu desempenho acadêmico. Portanto, as ações afirmativas implementadas são tímidas tendo em vista um substrato significativo da sociedade contrária às políticas de cotas raciais no Brasil. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa se propôs a analisar como as cotas raciais no ensino superior pode impactar os Indicadores de Desenvolvimento Social (IDS), tais como: educação de qualidade, na redução das desigualdades, igualdade de gênero e erradicação da pobreza no atual contexto econômico e político brasileiro, especialmente no Piauí, no período de 2015 a 2019 para termos a dimensão da relevância das Políticas de Ações Afirmativas (PA) nas transformações da estrutura social. Dentre os indicadores utilizamos os objetivos 4 e o 8 relacionados à educação de qualidade e ao emprego digno e crescimento econômico. Estes objetivos foram acompanhados pelos dados do IBGE no que se referem à educação, mercado de trabalho e renda. Nos objetivos específicos alguns elementos não puderam ser alcançados nesta pesquisa, por sua brevidade temporal, sendo o panorama dos ingressantes pelo sistema de cotas raciais no Piauí em de forma genérica a avaliação das cotas raciais no ensino superior. Por outro lado, a pesquisa descreve a situação da desigualdade gerada pela raça/cor, a qual se mantém se reproduz no interior da sociedade brasileira no século XXI. 2138
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Portanto, as perspectivas para a redução da desigualdade social causada pelo racismo parecem não está próxima, devido ao aumento do segmento excluído e as expectativas de vagas para esta população parece se fixar, a despeito do texto legal. Ainda mais, o contexto político é adverso às conquistas, que mais são legados de uma política liberal na sustentação da democracia social, do que da luta antirracista no Brasil. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: UNESP, 2004. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas. Sobre a Teoria da Ação. Campinas, SP: Papirus, 1997(1ª Reimpressão). CAMPOS, Adrelino. Do Quilombo à Favela. A produção do “Espaço Criminalizado” no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. DIAS, Gleidson Renato Martins & TAVARES JÚNIOR, Paulo Roberto Faber (Orgs). Heteroidentificação e Cotas Raciais. Dúvidas, metodologias e procedimentos. Canoas, RS: IFRS Campus Canoas, 2018. FERNANDES, Florestan. O negro no Mundo dos Brancos. São Paulo: Global, 2013(Edição digital) FERNANDES, Florestan. Prefácio. In: Abdias Nascimento. Genocídio do Negro Brasileiro. 1ª reimpressão da 2.ed – São Paulo: Perspectiva, 2017. P.17-21. GOMES, Romeu. A análise dos dados em pesquisa qualitativa. In: Maria Cecília de Souza Minayo (Org.). Pesquisa Social. Teoria, método e criatividade. (21ª ed.) Petropolis: Editora Vozes, 2002. P.67-80. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Indicadores de Desenvolvimento Social – IDS. Disponível em http://www.ider.org.br/ibge-explica-%E2%80%A2-indicadores-de- desenvolvimento-sustentavel-ids/. 2017. Acesso em 02/05/2020. HAMBURGER, Polia Lerner. Indicadores Sociais no sistema de informação mercadológica. Rev. Adm. Empresa. 16(4): 16-28, JULHO/AGOSTO, 1976. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Características Étnico-raciais da População: Classificações e identidades. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília, 2013. 2139
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS MIRANDA, José da Cruz Bispo de & SILVA, Robson Carlos da (Orgs). Entre o Derreter e o Enferrujar. Os desafios da educação e da formação profissional. Fortalea:Ce: EDUECE, 201 15. MIRANDA, José da Cruz Bispo de. Ações Afirmativas para Negros e Negras no Ensino Superior do Piauí. Teresina, Piauí: Universidade Estadual do Piauí/Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós- graduação, 2019 (Projeto de Pesquisa). MIRANDA, José da Cruz Bispo de. As Políticas Afirmativas no Ensino Superior: o caso da Universidade Estadual do Piauí. In: José da Cruz Bispo de Miranda & Antonio Francisco Lopes Dias (Orgs). Educação, Violência e Formação Policial. Curitiba, Paraná: CRV, 2012. P. 51-62. MOURA, Clóvis. A Sociologia do Negro Brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Ática, 1988. MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. N’DIAYE, Tidiane. O genocídio Ocultado. Investigação histórica sobre o tráfico negreiro árabo- muçulmano. Gradiva: Lisboa, Portugal, 2019. OSORIO, Rafael Guerreiro. A Desigualdade Racial no Brasil nas Três Últimas Décadas. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. - Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2021 SANTAGADA, Salvatore. Indicadores Sociais: uma primeira abordagem social e histórica. In: Pensamento Plural. Pelotas [01]: 113 - 142, julho/dezembro 2007. SILVA, Iraneide Soares da. Abrindo Caminhos, construindo novos espaços de afirmação para a população negra brasileira na educação profissional e tecnológica. Curitiba, Paraná: Honoris Causa, 2011. YIN, Robert K. Pesquisa Qualitativa: do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016. 2140
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS DIREITO À EDUCAÇÃO EM DIVERSIDADE E GÊNERO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: BNC-Formação e pedagogia docente RIGHT TO EDUCATION IN DIVERSITY AND GENDER IN TEACHER EDUCATION: BNC-Training and teacher pedagogy Kellyane do Nascimento Muniz1 Maria do Socorro Pereira da Silva2 RESUMO A invisibilidade do direito à diversidade e gênero na BNC-Formação, nega as minorias não apenas o direito a existência, mas legitima a produção de conhecimento que inferiorizam e autorizam a discriminação perpetuando preconceitos e suas variadas formas de exclusão e opressão. Nesse sentido, partimos das seguintes questões: como a BNC-Formação enfoca a educação para diversidade e gênero na formação de professores na universidade, e, seus impactos na educação para direitos humanos na escola? Como professores-pesquisadores das áreas dos direitos à diversidade e gênero desenvolvem metodologias de ensino comprometidas com uma educação emancipatória, em alternativa aos paradigmas da BNC-Formação? Para responder essas questões da pesquisa, partimos de o seguinte objetivo: analisar a educação para as relações de gênero dentro das perspectivas das novas diretrizes educacionais, com foco central na formação de professores e professoras a partir da publicação da BNC-Formação com a “nova” reforma do ensino básico. Palavras-chave: BNC-Formação; Formação de Professores/as; Gênero e Diversidade Sexual. ABSTRACT The invisibility of the right to diversity and gender in BNC-Formação, denies minorities not Only the right to existence, but legitimizes the production of knowledge that inferiorizes and authorizes discrimination, 1 BNC-Training; Teacher Training; Gender and Sexual Diversity. 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí, Brasil; período sanduíche no Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra, Portugal; professora adjunta da Universidade Federal do Piauí, Brasil; coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação, Ciência Descolonial, Epistemologia e Sociedade (NEPEECDES/UFPI). E-mail: [email protected]. 2155
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS perpetuating prejudice and its various forms of exclusion and oppression. In this sense, we start form the following questions: how does BNC-Formação focus on education for diversity and gender in teacher training at the university, and its impacts on human rights education at school? How do teacher-researchers in the areas of rights to diversity and gender develop teaching methodologies committed to na emacipatory education, as na alternative to the paradigms of BNC- training? To answer these reserarch questions, we start from the following objective: to analyze education for gender relations within the perspectives of the new educational guidelines, with a central focus on the training of teachers from the publication of the BNC-Formação with the “new” basic education reform. Keywords: BNC-Training; Teacher Training; Gender and Sexual Diversity. 1 INTRODUÇÃO Historicamente o processo educacional vem se transformando e encontra-se em constante dinamismo por ser uma das políticas públicas mais utilizadas nas relações cotidianas e asseguradas constitucionalmente desde 1988. Por sua vez, na trajetória da instituição escolar é possível analisar as inúmeras mudanças referentes à sua estrutura organizacional, não apenas na estrutura física, como também nas relações sociais entre docentes e alunos. Essas modificações no universo educacional vêm rompendo com o modelo tradicional de fazer educação, saindo de o mero aprender ler e escrever, avançando para além da sala de aula e trabalhando sobre uma égide contemporânea, sendo capaz de aprofundar e evoluir a construção das relações sociais já pré-estabelecidas no âmbito educacional. A ressignificação da instituição escolar é fator primordial para o avanço pedagógico que se conecte com outros direitos sociais, compreendendo o aluno como sujeito coletivo que necessita de outros aspectos sociais para o seu desenvolvimento dentro da sociedade. Conforme o artigo 1° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 1996) a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Ao longo das últimas décadas os avanços com relação ao sistema educacional são muitos, tanto em relação à participação dos sujeitos, quanto à criação de programas e projetos encabeçados e que atenda as especificidades do público-alvo para assegurar uma política de 2156
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS educação pública de qualidade. Contudo, no sistema capitalista em que estamos inseridos, nem todos têm acesso à educação, quanto mais a uma educação que vise acabar com as desigualdades de gênero e que proporcione uma diversidade, pois o capitalismo se alimenta dessas desigualdades para continuar se reproduzindo economicamente. No Brasil os parâmetros normativos da política educacional de formação de professores vêm se alternando conforme as ideologias dos governos. Fora da lógica racional de um projeto de educação, a formação de professores na BNC-Formação fundamenta-se em ideias tecnicistas, instrumentalista do mundo eurocêntrico, em habilidades e competências desvinculadas das teorias educacionais que fundamentam a construção social de uma educação emancipatória indissociável dos direitos humanos. A invisibilidade do direito à diversidade e gênero na BNC-Formação, nega as minorias não apenas o direito a existência, mas legitima a produção de conhecimento que inferiorizam e autorizam a discriminação perpetuando preconceitos e suas variadas formas de exclusão e opressão. Nesse sentido, partimos da seguinte questão: como a BNC-Formação enfoca a educação para diversidade e gênero na formação de professores na universidade, e, seus impactos na educação para direitos humanos na escola? Como professores-pesquisadores das áreas dos direitos à diversidade e gênero desenvolvem metodologias de ensino comprometidas com uma educação emancipatória, em alternativa aos paradigmas da BNC-Formação? Para responder essas questões da pesquisa, partimos de o seguinte objetivo analisar a educação para as relações de gênero dentro das perspectivas das novas diretrizes educacionais, com foco central na formação de professores e professoras a partir da publicação da BNC- Formação com a “nova” reforma do ensino básico. Com relação à metodologia consideramos a abordagem qualitativa e a investigação- ação participante, tendo como base um estudo documental sobre a Resolução CNE/CP n°2/2019 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores e professoras da Educação Básica (BNC-Formação). Para coleta e produção de dados, realizamos o levantamento documental relacionando marcos normativo, estudos e pesquisas sobre a BNC-Formação cruzando com dados de campo. Para análise dos dados optamos pelo método dialético, enfatizando as categorias movimento e contradição, situando o processo 2157
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS histórico e a atualidade do debate sobre os paradigmas que fundamentam a formação de professores e professoras no âmbito da política educacional. 2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES, BNC-FORMAÇÃO, DIVERSIDADE E GÊNERO: Fundamentos e Teorias Educacionais A partir dos anos de 1990, o Brasil passou a adotar medidas mais eficazes no que tange a implementação de políticas públicas nos diferentes setores da sociedade. “No campo da educação, verifica-se tal processo com as (contra) reformas, que têm consistido na aprovação de resoluções, diretrizes, entre outros documentos sob orientações de organismos multilaterais, fundações e grupos empresariais.” (COSTA et. al, 2021, p.897). As políticas públicas de respeito às diferenças, as relações de gênero e as diversidades têm sido um grande desafio para política educacional quanto a sua implantação e a ressignificar o papel da escola como território educador na garantia dos direitos humanos. Almeida et.al (2018, p.1515) afirmam que: Em tempos de incertezas em relação à promoção de políticas públicas que promovam o debate sobre gênero e sexualidade nas escolas, torna-se urgente a criação de territórios de diálogo e o fortalecimento da natureza plural das instituições educativas em defesa de uma agenda comprometida com a igualdade de direitos e oportunidades para mulheres e homens, independente de gênero, raça, etnia e classe social. (ALMEIDA et al., 2018, p. 1515). Vivencia-se na formação humana um processo de precarização nas formas de trabalho, assim como uma exacerbada competitividade, devido ao sistema capitalista, que visa sempre o lucro ao grande capital, e a classe trabalhadora é a parte que vem sendo afetada negativamente na perspectiva de seus direitos. “Trata-se de um modelo da educação pública que, por um lado, privilegia ações que estimulam e beneficiam o setor privado, e por outro lado, nega direitos aos filhos da classe trabalhadora, e ainda impõe a estes o perfil que o mercado exige, isto é, sujeitos com habilidades e competências em vista de obter “o privilégio da servidão” (ANTUNES, 2018).” Nota-se diante disso que a preocupação da sociedade capitalista é apenas capacitar o sujeito conforme desígnio do mercado, e assim gerar lucro ao capital, tendo uma mão-de-obra barata e precarizada. Retrato disso são as mudanças ocorridas nos currículos da educação 2158
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS infantil, educação básica e no ensino médio, além das além das alterações no currículo dos cursos de licenciaturas. E que apesar de estar atrelado a princípios pedagógicos, está revestido em uma vertente mercadológica. Debruçamos neste estudo sobre a Resolução CNE/CP n°2/2019 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). Na nova legislação encontra-se presente no art. 4°, § 3º que “As competências específicas da dimensão do engajamento profissional podem ser assim discriminadas: III - participar do Projeto Pedagógico da escola e da construção de valores democráticos” (BRASIL, 2019, p. 2). Essa é a única passagem que aborda traços para uma sociedade mais justa e igualitária, embora propriamente não exista nessa legislação uma passagem específica que trate a educação na perspectiva de gênero e diversidade sexual. Segundo Curado Silva, (2020, p. 104): “a BNC-Formação é a ferramenta para “formar professores para ensinar a BNCC\", ou seja, é a estratégia para tornar viável o modelo de escola, educação e formação que o capitalismo contemporâneo projeta’’. À luz da compreensão sobre a BNC-Formação, interpreta-se que o Estado, trabalhou estratégias de “controle” sobre os currículos de formação dos professores, assim classificando o conteúdo que é ou não pertinente dentro da educação básica, resguardando o profissional apenas como um transmissor do conteúdo já programado. A BNC-Formação foi construída levando em consideração o Plano Nacional de Educação- PNE 2014-2024, porém tem sido alvo de intensos questionamentos por órgãos do sistema educacional, uma vez que, ela estabelece um viés reducionista frente ao que se espera das diretrizes que direcionam as práticas docentes no país. Compreende-se que tanto a BNCC quanto a BNC-Formação são resoluções que dão legitimidade aos conteúdos lecionados nas escolas e nas instituições de ensino superior do país, contudo vale ressaltar que devido essa está atrelada ao PNE, e ele atende aos interesses privados de determinados grupos, enfraquece os objetivos daquilo que se preconiza, cujo é uma educação pública de qualidade. As políticas de formação vão, em alguns momentos, incorporar orientações mais democráticas e inclusivas e, em outros, vão se afastar desses referenciais, de acordo com os referenciais, de acordo com os objetivos dos grupos que adquirem maior 2159
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS relevância no campo da formulação das políticas educacionais no país, em diferentes períodos e governos. (ALVARENGA, 2021, p. 836). Esses fatos intimidam o avanço das políticas públicas educacionais, gerando uma estagnação destas, colaborando para um cenário progressivamente conservador, cujas diretrizes educacionais instituídas fomentam práticas reducionistas, colocando os profissionais como agentes transmissores de um modelo corporativista, sem o compromisso por uma educação emancipadora que subsidiem para superação e acompanhamento das transformações sociais. Sobre o avanço de documentos norteadores para a abordagem da temática diversidade e gênero no âmbito escolar temos incontestáveis contribuições nos últimos anos em âmbito educacional, esses documentos que legitimam a abordagem do tema diversidade sexual e de gênero nas escolas, que são os respectivos documentos: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 1998, Programa Brasil sem Homofobia (2004b), Caderno Gênero e Diversidade Sexual na Escola (2007) e o (PSE) Programa Saúde na Escola (2007). Ambos possuem em comum o direcionamento da educação referente a essa temática que é transversal na sociedade, contribuindo veemente no processo para uma sociedade mais justa e igualitária, além de promover um novo olhar para si e para o mundo. No entanto, algumas dificuldades fazem parte dessa realidade, contribuindo para a defasagem de uma política de educação diversificada e de qualidade, que atenda a todos os indivíduos em sua particularidade. Desse modo, a socialização desses temas não se dá de formas isoladas na perspectiva da formação humana, uma vez que, estes possuem o poder de transformar ou reproduzir esse conhecimento para compreensão das relações sociais pré-estabelecidas dentro da sociedade. Podemos afirmar que o período histórico que estamos vivenciando é um tempo de severos retrocessos, políticos, econômicos e na educação, uma vez que a ausência da temática gênero e sexualidade vem sendo invisibilizadas nos documentos curriculares nacionais. E pensar a formação docente de forma emancipatória é propor possibilidades de surgimento de respostas para questões que antes eram estigmatizadas, produzindo uma nova perspectiva que conteste a ordem societária em que impõe aos sujeitos a heteronormatividade como expressão concreta das sexualidades dos sujeitos. 2160
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos enfatiza em um dos princípios norteadores da educação em direitos humanos na educação básica que “[...] D- a educação em direitos humanos deve estruturar-se na diversidade cultural e ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a equidade (étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras) e a qualidade da educação”. 3 PEDAGOGIA DOCENTE E EDUCAÇÃO PARA DIVERSIDADE E GÊNERO: Entre Silenciamentos e Invisibilidades na BNC-Formação Neste eixo temático apresentaremos como as discussões sobre diversidade e gênero são temáticas fundamentais e urgentes, abordaremos falas de profissionais que fazem parte do processo de formação dos sujeitos. A BNC-Formação “Pressupõe que a formação deve promover o desenvolvimento do licenciado e de suas competências orientadas pela BNC, priorizando aprendizagens de aspecto intelectual, físico, cultural, social e emocional de sua formação (BRASIL, 2019). Dessa forma, foi questionado para as entrevistadas se elas consideram essa diretriz capaz de promover um ensino para os direitos humanos relacionado as questões de gênero e diversidade? E duas das professoras consideram que “Sim, uma vez que essa discussão não deve estar presente apenas nas legislações, precisa aparecer de forma obrigatória nos currículos de todos os cursos, já que a educação é a chave para se alcançar uma sociedade justa e igualitária.” (Dados de pesquisa, 2022). Uma delas afirma, que “Não, pois seria necessário trazer outras questões que se fazem presentes desde a formação da sociedade. (Dados de pesquisa, 2022). Desse modo, A regulação do currículo faz parte de um processo mais amplo que envolve as relações econômicas, políticas e culturais estabelecidas na sociedade, mas que afeta a vida das pessoas, interferindo na sua forma de ser, pensar e viver, ou seja, é uma estratégia para regular a subjetividade dos sujeitos. Por isso, é importante compreendermos as concepções de formação docente implementadas nas reformas educativas, uma vez que elas servem de referência para as políticas curriculares direcionadas à Educação Básica. (COSTA, et al., 2021, p. 898-899). 2161
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Imbricados de conhecimento sobre diversidade e gênero, os docentes poderão exercer um trabalho pedagógico que contribua para desnaturalizar conceitos errôneos acerca dessa temática, construindo uma base promissora para uma sociedade cada vez mais preocupada com a redução das desigualdades sociais e preconceitos. Quando questionadas sobre considerar a temática diversidade e gênero ser tratada como componente específico e obrigatório nos currículos, parte das entrevistadas disseram que “Sim, no intuito de fortalecer o sistema de ensino brasileiro e contribuir para uma sociedade que adote a diversidade e gênero como pautas centrais, uma vez que a temática perpassa no campo dos direitos humanos.” (Dados de pesquisa, 2022). Outra defendeu que “Essas temáticas poderiam entrar como temas transversais, sendo trabalhadas através de palestras, oficinas, projetos, pois é importante trazer essa discussão para dentro da escola.” (Dados de pesquisa, 2022). Ou seja, a escola precisa atualizar suas atividades formativas para o respeito aos direitos humanos, a partir das demandas da sociedade. Com relação aos impactos que a BNC-Formação representa para formação de professores da Educação Básica e sua relação com atos de discriminação e preconceitos na escola, apenas uma entrevistada alega que “Representa um retrocesso perante as necessidades advindas da práxis cotidiana, uma vez que a formação docente é colocada como instrumental.” (Dados de pesquisa, 2022). Desse modo o professor torna-se apenas um profissional que lida com as pautas pedagógicas, deixando os aspectos sociais das relações cotidianas invisibilizados. Enquanto as demais afirmam que a: BNC-Formação resguarda a formação docente, desse modo permite que a práxis profissional da professora e do professor, deve basear-se apenas em campos específicos da formação pedagógica profissional, o que representa algo positivo para prática docente, pois os aspectos de cunho preconceituoso e discriminatório não serão abordados em sala de aula. (Dados da Pesquisa, 2022). Compreender esses aspectos aponta para situações que podem ser evitadas não apenas ao âmbito educacional, mas também para sociedade que por sua vez, historicamente, já traz aspectos machistas, racistas etc. O desafio imposto à escola e à formação docente é implodir a lógica de que nas instituições educativas estamos somente lidando com o intelecto e com os corpos do “pescoço para cima”. O aluno e a aluna, a criança, é um sujeito completo e isso inclui 2162
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS seu corpo, suas sexualidades, seus gêneros, seus desejos, seus prazeres e desprazeres, suas dúvidas. Os cursos de formação docente necessitam pensar seus currículos para incluir o sujeito em seu aspecto amplo e complexo. (FILHA, 2017, p. 225). A BNC-Formação aponta para a direção de que não há a necessidade de uma educação que vislumbre a transformação social ou o questionamento do Status quo, nem professores com formação que permita ter um posicionamento crítico diante das injustiças sociais que inferioriza os sujeitos em razão de sua diversidade e gênero. As entrevistadas foram questionadas que enquanto professoras formadoras já haviam vivenciado situações de discriminação ou violações aos direitos humanos ligados a grupos de diversidade e gênero na universidade ou em processos formativos, ambas apontaram essa resposta em comum, respondendo “Sim” à indagação realizada. É necessário se repensar o papel da educação, da escola e da docência, e ter em mente que não se pode ter uma visão restrita e disciplinar sobre os corpos, é necessário pensarmos as práticas pedagógicas capazes de proporcionar novos olhares para a construção de um processo de ensino e aprendizagem de qualidade, bem como para a construção de uma sociedade igualitária. Ferrari e Castro (2013) afirmam que: A formação docente pode ser um espaço/tempo em que os/as professores/as têm a oportunidade de desconstruir concepções naturalizadas, abalar certezas prontamente construídas, revisar seus próprios valores, colocá-los sob suspeita, repensar os currículos escolares e as práticas pedagógicas, com vistas à ampliação das noções de saberes legítimos e da pluralidade em torno da vivência da sexualidade, percebendo, também, sua contingência (FERRARI; CASTRO, 2013, p. 316). Em relação à pedagogia docente e a urgência de uma epistemologia emergente é indispensável a defesa pelos direitos à diversidade e gênero diante das violações dos direitos humanos de grupos e minorias, em razão do aumento da violência na escola e na sociedade. Questionamos nesse contexto, quais metodologias de ensino ambas desenvolvem para abordar os conteúdos referentes à diversidade e gênero em sala de aula, de forma que relacionasse com as mais importantes em relação aos resultados, com isso, a fala das entrevistadas foi a seguinte: “que podem trabalhar através da discussão fundamentada no cotidiano das relações no ambiente escolar. Além de provocar momentos de problematização com estudantes em momentos pontuais.” (Dados de pesquisa, 2022) Outra professora, relata que: “É importante desenvolver uma metodologia participativa que seja capaz de envolver todos na abordagem 2163
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS da aula. Deve ser feito um chamamento para alertar sobre a importância desta discussão.” (Dados de pesquisa, 2022). Foi citada também na fala de uma a importância de “rodas de conversa, debates, produção de texto.” (Dados de pesquisa, 2022). Fazendo desse debate de respeito a diversidade e gênero uma discussão cotidiana da escola. Pensar nos processos metodológicos que contribuam na perspectiva de saber lidar com a temática gênero e diversidade no espaço escolar, contribui na formação intelectual dos alunos, e possibilita para que as relações sociais entre sujeitos tenham uma base que leva em consideração as diferenças, o respeito pelas identidades de gênero e as orientações sexuais. Essas transformações do currículo resultam na diminuição da autonomia docente, bem como no acirramento do processo de ensino e aprendizagem dos sujeitos, o que resulta no esvaziamento das práticas dos professores e professoras, o que representa um desmonte dos direitos sociais que já tinham sido assegurados. Nesta perspectiva a formação de sujeitos torna-se mecanizada, o que constitui-se como elemento de controle, ignorando os processos culturais e sociais que os sujeitos estão inseridos, levando em consideração o “aprender a aprender”, uma prática mais tecnicista e sem interesse em promover uma sociedade questionadora que preze para emancipação dos sujeitos dentro dos ditames do capital. A discussão sobre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores e professoras da Educação Básica (BNC-Formação), respinga na construção de uma sociedade comprometida numa educação em direitos humanos, na formação de sujeitos empoderados, engajados na luta por direitos sociais e uma sociedade mais democrática. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O artigo apontou que embora haja muitas contribuições legislativas significativas, é possível notar que estabelecer um diálogo sobre diversidade e gênero dentro do contexto educacional, desde a educação básica, até a formação docente, ainda é um dos maiores desafios para se falar em educação que respeite os direitos humanos, embora, exista uma política para disseminar uma “ideologia de gênero” que mascara o real significado e teor dos estudos científicos dessa natureza. Outro ponto crucial e desafiador é a marginalização e 2164
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS invisibilidade no que tange as temáticas envolvendo educação em gênero e diversidade, dentro da nova resolução das Diretrizes Curriculares Nacionais, o que representa um retrocesso para as políticas educacionais, uma vez, que deveriam garantir uma educação pautada nos direitos humanos e visasse a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Reconhecer a educação em diversidade e gênero é categoria fulcral para análise de uma sociedade mais justa e igualitária, com vistas a emancipar os sujeitos cujos são categoricamente tratados como minorias dentro da nossa sociedade, participando de uma ordem societária que trabalhe a favor de e para direitos anos humanos em especial no âmbito educacional. Portanto é necessária a revisão da Resolução CNE/CP n°2/2019 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores e professoras da Educação Básica (BNC-Formação), com intuito de reparar a ausência de predispostos que enfatizem a educação em gênero e diversidade como viés indispensável para uma educação que respeite os direitos humanos, como enfatizado no PNE (2014) “Promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e a sustentabilidade socioambiental” (art.2, § X) (BRASIL, 2014). Compreende-se que trazer esse diálogo para a formação docente e para a sala de aula, é dar visibilidade para as relações assimétricas existentes entre homens e mulheres, e consequentemente proporcionar igualdade entre ambos. Espera-se com esse trabalho fomentar uma discussão mais profunda sobre a nova BNC-Formação, e de como as práticas pedagógicas dos professores/as encontram-se defasadas com essa resolução, e desse modo contribuir para novas pesquisas dessa área investigativa. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Sandra Maciel de; JAEHN Liset; VASCONCELLOS Mônica. Precisamos falar de gênero: por uma educação democrática. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 13. n. esp. 2, p. 1503-1517, set., 2018. Acesso em: 29 de março de 20222. ALVARENGA, Elda; SILVA, E. M da; MELLO, M. M. L de. Políticas Públicas de Formação de Professores/as em Gênero e Diversidade Sexual: Entre Interdições e Disputas, o que resiste? Formação em Movimento v. 3, n.7, p.826-846, 2021. Disponível em: http://costalima.ufrrj.br/index.php/FORMOV/article/download/720/1148. Acesso em: 30 de março de 2022. ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018. 2165
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação). RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 2, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2019. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de abril de 2020, Seção 1, pp. 46-49. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=77781%E2%80%9D. Acesso em: 27 de março de 2022. BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: 2007. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. 76 p. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/2191-plano-nacional-pdf/file. Acesso em: BRASIL. Plano Nacional de Educação (Lei no 13.005/2014). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm. Acesso em: 25 mar. 2022. CURADO SILVA, K. A. P. C. Formação de Professores na Base Nacional Comum Curricular. In: UCHOA, A. M. C.; LIMA, Á. M; SENA, I. P. F. S. (Org.). Diálogos críticos, volume 2: reformas educacionais: avanço ou precarização da educação pública? Porto Alegre: Editora Fi, 2020. p. 102-122. Acesso em 07 de março de 2022. COSTA, E. M; MATOS, C. C de; CAETANO, V. N da. Implicações da BNC-Formação para a Universidade Pública e Formação Docente. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 16, n. esp. 1, p.896-909, 2021. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/14924. Acesso em 07 de março de 2022. FERRARI, A; CASTRO, R.P. “Quem está preparado para isso?”: Reflexões sobre a formação docente para as homossexualidades. Práxis Educativa, Brasil, v.8, n.1, p.295-317, 2013. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/894/89427917013.pdf. Acesso em 10 de março de 2022. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. Ed. – São Paulo: Cortez, 2011. XAVIER FILHA, Constantina. Tecer e entrecer a vida: Educação para as sexualidades e gênero na formação docente. Intermeio, Campo Grande, v. 23, n.46, p.215-236, 2017. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/intm/article/download/5319/4040/. Acesso em: 18 de março de 2022. 2166
EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS DIRETRIZES CURRICULARES, FUNDAMENTOS E ESTÁGIO SUPERVISIONADO: desafios frente a contrarreforma do ensino CURRICULAR GUIDELINES, FUNDAMENTALS AND SUPERVISED INTERNSHIP: challenges facing the teaching counter-reform Maicow Lucas Santos Walhers1 Cirlene Aparecida Hilário da Silva Oliveira2 RESUMO Buscamos apresentar algumas reflexões da relação dos fundamentos no estágio supervisionado em Serviço Social, a partir da construção coletiva das Diretrizes Curriculares, que marcam o avanço na defesa da qualidade da formação, pautando-se por um projeto profissional revolucionário, crítico e inovador, com base em fundamentos que permitem elevar o nível da formação a um novo patamar, procurando a superação da fragmentação de conteúdos e a articulação entre pesquisa, ensino e extensão, pautado por uma teoria que permita desvelar a realidade em sua totalidade. Destaca-se entre os avanços, a clareza em relação ao perfil profissional que se deseja formar e as competências e habilidades necessárias para o exercício da profissão. Consolidar as Diretrizes Curriculares enquanto instrumento ético- político, configura-se como desafio no atual cenário de contrarreforma do ensino e seus rebatimentos no Serviço Social. Almejamos dessa forma, compreender as estratégias para sua efetivação frente ao desmonte do Estado e do ensino superior. Palavras-chave: Diretrizes Curriculares; Fundamentos; Estágio Supervisionado. 1 Doutorando em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca. Graduado e Mestre em Serviço Social pela UNESP/Franca. Especialista em Gestão de Organização Pública de Saúde – CEAD/UNIRIO. Membro pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação Profissional em Serviço Social (GEFORMSS) e do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Dimensão Educativa no Trabalho Social (GEDUCAS). Bolsista CAPES/DS. E-mail: [email protected]. 2 Docente do Programa de Pós-graduação em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação Profissional em Serviço Social (GEFORMSS). E-mail: [email protected]. 2167
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ABSTRACT We seek to present some reflections on the relationship of the foundations in the supervised internship in Social Work, from the collective construction of the Curricular Guidelines, which mark the advance in the defense of the quality of training, guided by a revolutionary, critical and innovative professional project, based on on foundations that allow raising the level of training to a new level, seeking to overcome the fragmentation of content and the articulation between research, teaching and extension, guided by a theory that allows revealing the reality in its entirety. Among the advances, the clarity regarding the professional profile that is desired to be formed and the skills and abilities necessary for the exercise of the profession stand out. Consolidating the Curricular Guidelines as an ethical-political instrument is a challenge in the current scenario of counter-reform of education and its repercussions in Social Work. In this way, we aim to understand the strategies for its effectiveness in the face of the dismantling of the State and higher education. Keywords: Curriculum Guidelines; Fundamentals; Supervised internship. 1 INTRODUÇÃO Neste vinte e cinco anos de Diretrizes Curriculares aprovadas pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS e construídas coletivamente através dos órgãos representativos da profissão, nos convida a um processo permanente de reflexão e crítica em relação aos seus rebatimentos frente as mudanças vivenciadas no mundo do trabalho e a necessidade de garantir o direcionamento político e ético em defesa da qualidade da formação profissional em Serviço Social, frente a uma conjuntura política, social e cultural onde vivencia o desmonte dos direitos sociais, entre eles a educação enquanto política pública e como direito fundamental da população através das contrarreformas do Estado ordenadas pelo capital. Na educação, a contrarreforma ganha grandes proporções, principalmente no ensino superior, onde as ações do Estado e do empresariado partem para duas vertentes: o corte de verbas e recursos para as universidades públicas, a falta de investimento em pesquisa científica e na permanência estudantil, a priorização das pesquisas rendáveis para o capital, com o financiamento de agências privadas e do setor financeiro. Contraposição, fomenta-se o ensino privado, principalmente nas modalidades à distância e semipresencial. Cursos considerados rendáveis para o capital e com pouco investimento no campo de infraestrutura são os principais 2168
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS alvos da crescente mercantilização da educação. Instituições Privadas de Ensino – IPE’s, seguindo a lógica empresarial, tem fechado cursos presenciais e aberto na modalidade semipresencial e à distância. Nesta lógica, verifica-se é a transferência das disciplinas consideradas mais gerais dos primeiros anos para a modalidade à distância. Esta tendência não tem ocorrido somente nas IPE’s, mas também nas UFA’s públicas. Observamos com isto, que existem dois projetos em disputa que atravessam o Serviço Social: a proposta de uma formação crítica, generalista e competente para a intervenção na questão social, tendo em seu horizonte um projeto ético-político vinculado a uma proposta transformadora da sociedade, ligada aos interesses da classe trabalhadora e a àquele vinculado a reforma da educação, que preconiza uma formação aligeirada, tecnicista, a-crítica e voltada para os interesses do grande capital. É neste cenário da educação brasileira, que nos propomos analisar a importância e relação dos fundamentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos no estágio supervisionado a partir da lógica curricular orientada pelas diretrizes curriculares. Procuraremos no primeiro momento, abordar os avanços das diretrizes e o significado dos fundamentos na formação profissional e sua articulação no processo de ensino-aprendizagem. No segundo momento, destacaremos a importância do estágio neste processo, os desafios para a supervisão de estágio, os instrumentos que norteiam sua realização e a importância dos fundamentos no processo de supervisão. 2 AS DIRETRIZES CURRICULARES E A IMPORTÂNCIA DOS FUNDAMENTOS NA NOVA LÓGICA CURRICULAR As Diretrizes Curriculares foram construídas em um momento histórico que marcou o avanço da profissão em defesa de um projeto profissional crítico e alicerçado na matriz social crítica, que tem na centralidade da categoria trabalho, como fundante do ser social e das contradições da sociedade capitalista. Concepção suficientemente desenvolvida por Iamamoto (2008, p. 57): “[...] o Serviço Social se formou e desenvolveu no marco das forças societárias, como especialização do trabalho na sociedade”. 2169
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A aproximação e apropriação pelo Serviço Social da teoria marxista, contribuiu para a crítica radical da sociedade capitalista e o desvelamento dos seus processos sociais de exclusão social e de propriedade privada, que tem na luta de classes a mola propulsora da história. “A divisão da sociedade em classes, a propriedade privada do solo e dos meios de produção, não são, pois, de modo nenhum um produto da “natureza humana”. São o produto de uma evolução da sociedade e das instituições econômicas e sociais” (MANDEL, 2015, p. 16). A tradição marxista contribui para o desvelamento do real em sua totalidade e com a raiz no dialético processo histórico, instrumentalizando o Assistente Social para a intervenção profissional crítica, competente e alicerçada em valores humano-genérico, transformando o concreto em concreto pensado pelas mediações dos fenômenos sociais, afinal a realidade social é sua matéria, uma realidade que é mediatizada por fenômenos sociais complexos, antagônicos, portadores de processos sociais mais amplos e complexos que se inter- relacionam: [...] quanto mais os assistentes sociais forem capazes de explicar e compreender as lógicas que produzem a pobreza e a desigualdade, constitutivas do capitalismo, mais condições terão para intervir, para elaborar respostas profissionais qualificadas do ponto de vista teórico, político, ético e técnico - o conhecimento teórico é a primeira ferramenta do trabalho do assistente social. (YAZBEK, 2010, p. 1). Os avanços construídos na década de 1990, resultado de um amplo movimento da categoria em um processo de busca de ruptura com o Serviço Social tradicional, onde “a perspectiva de intenção de ruptura deveria construir-se sobre bases quase que inteiramente novas; esta era uma decorrência do seu projeto de romper substantivamente com o tradicionalismo e suas implicações teórico - metodológicas e prático-profissionais” (PAULO NETTO, 2008, p. 250). Nota-se que o projeto profissional, atualmente hegemônico na profissão e que marca a intencionalidade e direção social do Serviço Social, enfrenta suas inflexões diante de uma conjuntura mundial, marcado pelas contrarreformas do capital e seus rebatimentos na educação, mudando substantivamente o perfil dos profissionais egressos das Unidades de Formação Acadêmica – UFA’s. Torna-se dentro desse contexto, fortalecer o debate em torno da tradição marxista e sua importância frente a crise do capital e dos seus processos de acumulação e legitimidade. É necessário pensar o direcionamento político da profissão dentro 2170
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS das suas tensões sociais e políticas, diante da heterogeneidade da categoria e de disputas de projetos e de vertentes teóricas que perpassam pela profissão: [...] inclino-me a pensar que o debate está centralizado por profissionais vinculados à tradição marxista (ou a ela próximos) 'porque a efetiva diferenciação da categoria não está sendo explicitada'. Nesta eventualidade, a polêmica pode esvaziar-se, dado que distintos protagonistas, representantes de outras tendências, não se fazem ouvir - e a perda é coletiva, posto que não ocorra um confronto de ideias aberto, marxistas e não marxistas deixam de estimular-se reciprocamente no terreno privilegiado que é o do enfrentamento ideal. (PAULO NETTO, 1989, p. 100-101). As Diretrizes Curriculares é produto da luta coletiva da categoria em defesa do projeto de formação profissional que sinaliza o acúmulo histórico do Serviço Social, o redimensionamento político em defesa do projeto profissional crítico e alicerçado na tradição marxista e sua viabilidade principalmente na atual conjuntura mundial, onde vivencia a crise do padrão civilizatório do capitalismo. O núcleo desse patrimônio é compreensão da história a partir das classes sociais e suas lutas, da centralidade do trabalho e dos trabalhadores. Ele foi alimentado teoricamente pela tradição marxista — no diálogo com outras matrizes analíticas — e politicamente pela aproximação das forças vivas que movem a história; as lutas e movimentos sociais. (IAMAMOTO, 2014, p. 613, grifo do autor). Frente a este contexto, elas buscam materializar a construção de um perfil profissional com competência ético-política e teórico-metodológica, capaz de instrumentalizar para a intervenção profissional por meio do desvelamento da realidade social, e a partir das contradições da sociedade e os desafios vivenciados no mundo trabalho que tem sua expressão através do acirramento da luta de classes e sua particularização nas mazelas da questão social, criar respostas críticas e propositivas na perspectiva da consolidação dos direitos sociais e do fortalecimento da classe trabalhadora enquanto coletivo, contribuindo para a construção de uma práxis emancipatória. Neste sentido, concordamos com Martinelli (2006): “mais do que conhecer é preciso agir de modo competente, crítico, qualificado teoricamente e ainda mais é preciso também muita coragem para lutar contra os obstáculos que se interpõem em nossa caminhada”. (MARTINELLI, 2006, p. 21). O projeto de formação em Serviço Social materializado nas Diretrizes Curriculares, sinaliza um perfil profissional generalista, crítico, competente, onde as dimensões ético- 2171
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS políticas, técnico-operativas e teórico-metodológicas estão articuladas num mesmo processo, dando solidez e materialidade no exercício profissional, reconhecendo o caráter interventivo, investigativo e organizativo da profissão como intrinsecamente relacionado. Destaca-se a importância da pesquisa como instrumento de investigação da realidade e de instrumentalização para propostas profissionais que rompem com o imediatismo e com ações descontextualizadas e desarticuladas com projetos emancipatórios que busquem a superação do capital enquanto ordem social dominante. Enquanto instrumento ético-normativo, as Diretrizes Curriculares, ao colocar a formação profissional em outro patamar, procurando a superação da fragmentação de conteúdos e articulando a dimensão teórico-prática na formação profissional, avança significativamente através da centralidade dos fundamentos teórico-metodológicos, ético- políticos e técnico-operativos, inspirados na tradição marxista, tendo o trabalho como categoria fundante do ser social e sua particularidade na sociabilidade burguesa e no processo histórico da luta de classes. Este é o núcleo central de discussões da categoria em relação ao projeto acadêmico-profissional, no bojo da profissão a partir da década de 1980 e até os dias atuais: [...] compreensão da história a partir das classes sociais e suas lutas, o reconhecimento da centralidade do trabalho e dos trabalhadores. Ele foi alimentado teoricamente pela tradição marxista – no diálogo com outras matrizes analíticas – e politicamente pela aproximação às forças vivas que movem a história: as lutas e os movimentos sociais. (IAMAMOTO, 2014, p. 615, grifo do autor). A concretude do desenvolvimento das competências e habilidades necessárias a intervenção profissional, articuladas pelas dimensões teórico-metodológicas, ético-política e técnico-operativas no projeto acadêmico-profissional, fundamentais para a construção dos conhecimentos no Serviço Social, nas Diretrizes Curriculares, estão articuladas através dos núcleos de fundamentação que representam a coluna dorsal na formação profissional em Serviço Social e que norteiam todo os componentes curriculares, entre eles o estágio enquanto atividade curricular obrigatória. Os núcleos de fundamentação, se constituem em três grandes áreas que se inter- relacionam se se particularizam: núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; núcleo de fundamentos da formação sócio histórica da sociedade brasileira; e, núcleo de 2172
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS fundamentos do trabalho profissional. Sua organização, congregam conteúdos para a compreensão da profissão no mundo do trabalho, sua particularidade sócio-histórica na sociedade capitalista brasileira e as especificidades e contradições do Serviço Social enquanto trabalho. Sendo esta a categoria central na apreensão do processo histórico em sua totalidade, coloca sua importância no processo de constituição do homem enquanto ser social e o do capital que se alicerça na alienação do homem pelo trabalho e contraditoriamente, enquanto categoria ontológica para a superação da sociabilidade burguesa a partir de suas contradições tendo a luta de classes como motora da história. Nesta dinâmica dialética a profissão é apreendida inserida na relação capital/trabalho, enquanto especialização do trabalho coletivo que se insere e responde as contradições da luta de classes, enquanto expressões da questão social da sociedade capitalista madura. Em síntese, os núcleos de fundamentação: [...] ainda que por vezes tratados como uma tricotomia e independentes uns dos outros, foram concebidos enquanto diferentes níveis de abstração necessários, complementares e interdependentes para decifrar o Serviço Social inscrito na dinâmica societária. Abrangem, respectivamente, dimensões teórico-sistemáticas, particularidades históricas (continentais, nacionais, regionais e/ou locais), que determinam o trabalho profissional e nele se condensam, enquanto dimensões indispensáveis à sua análise. (IAMAMOTO, 2014, p. 620, grifo do autor). A importância da articulação dos núcleos de fundamentação no processo de ensino- aprendizagem é fundamental para evitar a fragmentação dos conteúdos e realizar a superação da histórica dicotomia entre conhecimento e realidade social, tão difundido no Serviço Social particularizado através do distanciamento entre formação e exercício profissional, sendo necessário a mediação entre as dimensões do concreto real e o conhecimento, através do método dialético fundado na teoria social crítica que orienta o Serviço Social e inscrita nas Diretrizes Curriculares: Argumenta-se que há uma nova lógica, inerente às diretrizes, que não permite a dicotomia entre o ensino teórico e o ensino prático em Serviço Social, pelo contrário, pauta-se em uma relação de auto implicação entre ambos. Com isso, todas as disciplinas, tanto as de fundamentos quanto as que transmitem saberes interventivos, têm a responsabilidade de colocar o exercício profissional no centro de suas discussões, priorizando os conhecimentos necessários, a fim de desenvolver competências, habilidades e valores para a formação do perfil e qualificar os profissionais para responder às demandas. (GUERRA, 2005, p. 147). 2173
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Destacamos a importância do estágio enquanto componente curricular obrigatório e, que nas Diretrizes Curriculares, adquire centralidade enquanto um dos momentos fundamentais de articulação entre conhecimento e realidade social, espaço pedagógico de síntese de múltiplas determinações, que contribui para a apreensão do real em sua totalidade e de desenvolvimento de competências e habilidades necessárias para o exercício profissional. Enquanto espaço privilegiado de desenvolvimento da autonomia e da identidade em Serviço Social, deve estar presente a articulação dos fundamentos da profissão para a concretização da relação entre os conhecimentos teórico-metodológicos e as particularidades do concreto real, possibilitando através das contradições da realidade social, o desenvolvimento de estratégias de intervenção profissional, mediatizado pelos fundamentos da profissão. O estágio supervisionado “[...] possui significado ímpar no processo de capacitação para o exercício profissional do assistente social”. (OLIVEIRA, 2009, p. 100). 3 A ARTICULAÇÃO DOS FUNDAMENTOS NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO CURRICULAR E OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS É importante destacar que os fundamentos da profissão se configuram como eixo fundante da lógica curricular apresentada pelas Diretrizes Curriculares que norteia o processo de ensino-aprendizagem em Serviço Social. Isto significa que os fundamentos teórico- metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos devem perpassar todos os componentes curriculares construídos nos projetos pedagógicos do curso. Procurando articular o conhecimento com a realidade social, através de espaços que propiciam a aproximação com o trabalho profissional do Assistente Social. Estas dimensões devem ser articuladas através dos núcleos de fundamentação que baliza todo o processo formativo, que “[...] congregam um conjunto de conhecimentos necessários, em diferentes níveis de abstração, à do trabalho do assistente social na sociedade presente”. (IAMAMOTO, 2008, p. 277) Entre esses momentos, destacamos o estágio supervisionado enquanto componente curricular obrigatório, considerado espaço de mediação no processo de ensino-aprendizagem, articulando conhecimentos e recursos pedagógicos que permitem realizar a apreensão crítica 2174
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS da realidade social. Crítica esta, que não é imobilizadora, mas mobilizadora de estratégias através de competências e habilidades necessárias para a intervenção profissional. [...] é parte integrante e essencial na formação do assistente social. É lócus apropriado onde o aluno estagiário treina o seu papel profissional, devendo caracterizar-se, portanto, numa dimensão de ensino-aprendizagem operacional, dinâmica, criativa, que proporcione oportunidades educativas que levem à reflexão dos modos de ação profissional e de sua intencionalidade, tornando o estagiário consciente de sua ação. (BURIOLLA, 2001, p. 79). Enquanto espaço privilegiado de desenvolvimento da autonomia, do compromisso ético-político e da identidade profissional, está alicerçado na compreensão do lugar que ocupa o Serviço Social na sociedade capitalista e o profissional enquanto sujeito social e político, capaz de se articular na construção de respostas críticas e propositivas que tem como norte um projeto emancipatório. Partiremos das contribuições de Oliveira (2009) em relação aos elementos significativos do estágio, para apresentar nossa análise em relação a articulação dos fundamentos da profissão no estágio supervisionado. A autora destaca a legalidade, a legitimidade, os diferentes sujeitos – partícipes desta atividade acadêmica – e a construção de uma nova lógica curricular. Para objetivo proposto, abordaremos a legalidade, a legitimidade e a construção de uma nova lógica curricular. Partiremos da compreensão da dimensão que o estágio curricular nas Diretrizes Curriculares, que o reconhece como parte do processo de ensino-aprendizagem, configurando como atividade pedagógica que tem como objetivo capacitá-lo para o exercício profissional, o que supõe a articulação do conhecimento (teórico-metodológico, técnico-operativo) com a realidade social, com uma intencionalidade que está relacionada ao projeto profissional construído coletivamente (ético-política). [...] atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do aluno no espaço sócio institucional objetivando capacitá-lo para o exercício do trabalho profissional, o que pressupõe supervisão sistemática. Essa supervisão será feita pelo professor supervisor e pelo profissional do campo, através da reflexão, acompanhamento e sistematização com base em planos de estágio, elaborados em conjunto entre Unidade de Ensino e Unidade Campo de Estágio, tendo como referência a Lei 8662/93 (Lei de Regulamentação da Profissão) e o Código de Ética Profissional (1993). O estágio supervisionado é concomitante ao período letivo escolar. (ABESS; CEDEPSS, 1997, p. 71). 2175
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Para autora, o estágio não deve ficar circunscrito a uma disciplina, de forma fragmentada, isolada e pulverizada, mas configura-se como temática transversal, articulando os núcleos de fundamentos da profissão, articulando os conhecimentos teórico-metodológicos necessários para a intervenção profissional, através da decodificação da realidade social e de suas múltiplas determinações: Trata-se de temática transversal, que deve ser de responsabilidade do corpo docente formado, no caso, pelos assistentes sociais, que, por sua vez, deve estar presente sobretudo no desenvolvimento dos conteúdos programáticos das disciplinas que compõem o Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional, numa mediação entre os conhecimentos teórico-metodológicos e o exercício profissional. (OLIVEIRA, 2009, p. 103). Os fundamentos teórico, metodológicos, éticos, políticos, técnico e operativos dão materialidade ao projeto de formação profissional, contribuindo para construção do arcabouço científico e profissional da categoria, a partir de referenciais teórico-metodológicos alicerçados na tradição marxista, articulando as três dimensões (ético-política, teórico-metodológica, técnico-operativa) que se inter-relacionam e dão materialidade a formação e o exercício profissional em Serviço Social, rompendo com práticas burocratizadas, estéreis e conservadoras da profissão: A apropriação dos fundamentos teóricos, metodológicos, históricos, ético e políticos, atrelados à aquisição de novos saberes, tem como parâmetros os princípios e os fundamentos ético-políticos do projeto profissional na articulação entre as três dimensões (ético-política, teórico-metodológica, técnico-operativa), as quais, imbricadas, materializam a atividade profissional. (LEWGOY, p.154-155). A necessária relação dos fundamentos no estágio supervisionado, fornece elementos para o desenvolvimento do rigor teórico-metodológico na compreensão crítica da realidade social e sua dinâmica, instrumentalizando o estagiário para apreensão do processo histórico em sua totalidade e o desenvolvimento de competências e habilidades alicerçadas numa postura profissional condizente com sua direção social: “a competência ético-política. Produto da formação e do exercício profissional, situada na sociedade real em que vive como profissional, implica diálogo crítico e rigoroso entre teoria e realidade”. (LEWGOY, p.159). 2176
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Dessa forma, o estágio curricular é espaço de legitimação da profissão enquanto momento de relação e síntese entre teoria e realidade social, de afirmação de competências e habilidades construídas ao longo do curso e de construção da identidade profissional a partir de uma nova lógica curricular que está assentada nas Diretrizes Curriculares. A Política Nacional de Estágio – PNE, sinaliza um grande avanço na defesa do estágio supervisionado ao balizar a mediação teórico-prática na formação profissional, em defesa do estágio supervisionado, aborda as problemáticas relacionadas com sua efetivação e propõe princípios e diretrizes para sua efetivação, reforçando e reafirmando o compromisso com a formação profissional e o perfil preconizado pelas Diretrizes Curriculares e sua lógica curricular e a centralidade dos fundamentos no processo de ensino-aprendizagem. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste vinte e cinco anos de Diretrizes Curriculares aprovadas pela ABEPSS, percebemos que sua viabilidade em defesa do projeto de formação profissional em Serviço Social torna-se cada dia mais urgente e necessária, diante de uma conjuntura marcada pelo agravamento da questão social e seus rebatimentos na vida social, principalmente da classe trabalhadora e do Serviço Social enquanto profissão, desafiando os sujeitos sociais na construção de projetos societários que vão de enfrentamento com o capital em direção da sua superação. As Diretrizes Curriculares tem significativa importância enquanto resistência da profissão em defesa da qualidade da formação em Serviço Social, ao preconizar uma nova lógica curricular que supõe a construção de um perfil generalista, crítico, competente e com habilidades para o desvelamento do real. Destaca-se que os núcleos de fundamentos tem um importante papel neste processo, por articular as dimensões teórico, metodológicas, ético, política e histórica contribuindo para a instrumentalização teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa necessárias no exercício profissional. Neste processo é fundamental destacar a importância do estágio supervisionado enquanto espaço de síntese da relação entre o conhecimento e a realidade vivenciada no campo de estágio, sendo espaço de legitimidade da identidade profissional e de construção de competências e habilidades, efetivando a relação entre teoria e realidade social, através das 2177
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS mediações presentes no real, contribuindo para o desvelamento das possibilidades que se apresentam no real do cotidiano de trabalho. Considera-se a importância da defesa do projeto de formação profissional proposto pelas Diretrizes Curriculares, através da organização política da categoria em direção da sua apropriação pelas UFA’s, principalmente em tempos de desmonte dos direitos sociais e de projetos emancipatórios, tornando-a instrumento de resistência e de luta em direção de uma formação profissional, crítica e alicerçada em valores e princípios em defesa da vida, o que supõe superação da sociedade regida pelo capital. REFERÊNCIAS ABEPSS. CEDEPSS. Diretrizes para o curso de Serviço Social (com base no currículo mínimo aprovado em Assembléia Geral Extraordinária de 8 de novembro e 1996). Cadernos ABESS, São Paulo, n. 7, p. 58-76, 1997. BURIOLLA, M. F. O estágio supervisionado. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2001. GUERRA, Y. O potencial do ensino teórico-prático no novo currículo: elementos para o debate. Katálysis, Florianópolis, v. 8, n. 2, p.147-154, jul./dez, 2005. IAMAMOTO, M. V. Serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2008. IAMAMOTO, M. V. A formação acadêmico-profissional no Serviço Social brasileiro. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, Cortez, n. 120, p. 609-639, out./dez. 2014. Acesso em: 27 jun. 2019. Disponível em: < www.scielo.br/pdf/sssoc/n120/02.pdf>. LEWGOY, A. M. B. Supervisão de estágio em serviço social: desafios para a formação e o exercício profissional. São Paulo: Cortez, 2009. MANDEL, E. Introdução ao Marxismo. (Trad. Mariano Soares). 2ª Ed. Porto Alegre: Renascença, 2015. MARTINELLI, M. L. Reflexões sobre o Serviço Social e o projeto ético-político profissional. Emancipação, Ponta Grossa, 2006. MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martin Fontes, 1983. OLIVEIRA, C. A. H. Estágio supervisionado curricular em Serviço Social: elementos para reflexão. Temporais, Brasília, DF, ABEPSS, ano IX, n. 17, p. 99-110, jan./jun. 2009. PAULO NETTO, J. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2008. 2178
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS PAULO NETTO, J. A crítica conservadora à reconceituação. Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo, Cortez, v. 2, n. 5, p. 59-75, 1981. YAZBEK, M. C. Editorial Serviço Social e pobreza. Revista katálysis, Florianópolis, v. 13, n. 2, 2010. 2179
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EIXO TEMÁTICO 6 | EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS DISCENTES COM DEFICIÊNCIA VISUAL E O ENSINO REMOTO: A poluição visual e os impactos na formação profissional VISUALLY IMPAIRED STUDENTS AND REMOTE EDUCATION: The visual pollution and impacts on professional training Carlos Felipe do Nascimento Cardoso1 Geovana de Andrade e Silva2 Isabelle da Silva Cunha3 Jeovana Nunes Ribeiro4 RESUMO Este trabalho tem por objetivo realizar uma reflexão acerca dos impactos da exposição à poluição visual no meio digital durante o ensino remoto, no período pandêmico nos anos 2020 e 2021, bem como possíveis implicações no processo de ensino-aprendizagem e qualidade de vida dos estudantes, em especial os alunos com deficiência visual. Utilizou-se de revisão bibliográfica dos teóricos da educação inclusiva, partindo-se da obrigatoriedade de inserção da pessoa com deficiência nos sistemas de ensino regular, bem como dificuldades e barreiras enfrentadas; barreiras estas que se mostraram mais evidentes no ensino remoto em contexto de isolamento social. Ao que conclui-se que, considerando-se o caráter emergencial de concepção do ensino remoto, se pôde notar certa negligência na inclusão de algumas minorias, em especial pessoas com deficiência, que sofrem impactos diretos na saúde mental, física e no rendimento acadêmico, devido aos desdobramentos da exposição a poluição visual. Palavras-chave: Ensino Remoto Emergencial; Poluição Visual; Pessoa com Deficiência Visual. 1 Estudante de Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]. 2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]. 3 Estudante de Serviço Social pela Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]. 4 Doutora em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista UNESP/FRANCA/SP. Professora vinculada ao Departamento de Serviço Social, coordenadora do projeto de pesquisa: “As pessoas com deficiência no ensino superior: um estudo na Educação Pública do Maranhão”. E-mail: [email protected]. 2181
ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ABSTRACT This work aims to reflect on the impacts of the exposure to visual pollution in the digital environment that students were subjected to during remote teaching, in the pandemic period in the years 2020 and 2021, as well as possible implications for the teaching-learning process and their quality of life, especially students with visual impairments. A bibliographic review of inclusive education theorists was used, starting from the mandatory inclusion of people with disabilities in regular education systems, as well as difficulties and barriers faced; These barriers were more evident in remote teaching in a context of social isolation. To which it is concluded that, considering the emergency nature of the concept of remote teaching, it was possible to notice a certain negligence in the inclusion of some minorities, especially people with disabilities, who suffer direct impacts on mental and physical health and academic performance, due to the consequences of exposure to visual pollution. Keywords: Emergency Remote Teaching; Visual pollution; Perdon with Visual Disability. 1 INTRODUÇÃO Ao visar a inclusão social e assegurar da plena cidadania da pessoa com deficiência, a Lei N° 13.146, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da inclusão e acessibilidade, sendo assim, define: Pessoa com deficiência: aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (BRASIL, 2015). Assim sendo, considera-se a deficiência visual como uma incapacidade ou limitação no ato de “ver”, sendo ela uma impossibilidade total ou parcial da capacidade visual. Desse modo, são incluídos os cegos, visão reduzida e visão subnormal, cada qual com a variação de perdas desde a percepção da luz até o limiar da normalidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, uma pessoa é considerada cega quando apresenta uma acuidade de 20/200, ou 0,1 no melhor olho, após máxima correção óptica ou quando, informam Cruickshank e Johnson (1983, p.4), o indivíduo apresenta no seu campo visual um ângulo não maior do que 20 graus, denominada de “cegueira legal”, “cegueira econômica”, “visão em túnel”, ou “em ponta de 2182
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