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Eixo 1 ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2022-09-27 01:23:21

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Expediente MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS Campus Universitário Ministro Petrônio Portela Nunes Centro de Ciências Humanas e Letras IV Simpósio Internacional sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas – SINESPP Desigualdades e Políticas Públicas: (Des)Proteção Social e (In)Certezas e Resistências Realização: Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPI | 2022 Editoração dos Anais SINESPP [Lestu Editora, Gráfica e Consultoria] Editor / Coordenador da Coleção: Edson Rodrigues Cavalcante Supervisão Técnica: Ana Kelma Cunha Gallas Editoração: Pétala Medeiros Leite DOI Manager / Suporte TI: João Eliezyo de Macedo Souza Silva Anais SINESPP Digital Wellington Pacheco Silva Instituições de Fomento / Financiadoras Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior – CAPES Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí - FAPEPI FICHA CATALOGRÁFICA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) AN532 Simpósio Internacional sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas (4: 2022: Teresina) Anais do IV Simpósio Internacional sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas, 23 a 26 ago. 2022, Teresina [recurso eletrônico]: Desigualdades e Políticas Públicas: (Des)Proteção Social e (In)Certezas e Resistências - Eixo Temático 1 Estado, Movimentos Sociais e Políticas Públicas / Organizado por: Sofia Laurentino Barbosa Pereira e Solange Maria Teixeira. [Realização PPGPP /CCHL – UFPI] – Teresina: EDUFPI/LESTU, 2022. 546 f. online. ISSN: 2675-9411 DOI: https://doi.org/10.51205/sinespp.2022.eixo01 Disponível em: https://sinespp.ufpi.br/. 1. Políticas Públicas. 2. Estado. 3. Sociedade Brasileira. 4. Desigualdade Social. 5. Proteção Social I. Autor(a). II. Título. III. Editora. IV. Assunto. CDD: 350

Sumário “ATINGIDOS” POR BARRAGENS: aproximação conceitual no contexto da 11 1 construção da Barragem Oiticica em Jucurutu/RN Micarla Duarte de Lima A (I)LEGITIMIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS LGBTQIA+: uma análise a 25 2 partir do contexto brasileiro Wemerson Silva A FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE RESERVA DE VAGAS PARA INGRESSO NAS 37 UNIVERSIDADES FEDERAIS: inserção da temática na agenda e formulação do 3 plano de ação Elis Rejane Silva Oliveira Guiomar de Oliveira Passos A GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS: uma breve reflexão histórica à luz da 49 4 formação do estado e da sua função civilizatória Amanda Bastos de Moura A NECESSIDADE DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA FORMULAÇÃO DE 61 POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO DE GLOBALIZAÇÃO 5 Francílio de Oliveira Sousa Sandy Swamy Silva do Nascimento Brenna Galtierrez Fortes Pessoa Delmárcio de Moura Sousa A POLÍTICA DE COTA RACIAL E A ALTERNATIVA “REVOLUCIONÁRIA” DE 73 6 DESRACIALIZAÇÃO: proposta de agenciamento crítico de coletivos antirracistas de Teresina, PI Lorrana Santos Lima A RELAÇÃO PÚBLICO/PRIVADO NA SAÚDE: as expressões das Organizações 87 7 Sociais no Brasil Maria Geremias da Silva 8 A TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DA POPULAÇÃO LGBT NO BRASIL 101 Naira de Assis Castelo Branco ACOLHIMENTO COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO EM TEMPOS DE 111 9 COVID-19 Scarlet Barros Batista Soares Lúcia da Silva Vilarinho

ANÁLISE DO IMPACTO DO CORONAVÍRUS NO PROGRAMA NACIONAL DE 125 ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: estudo de caso de uma cooperativa do município 137 151 10 de Ponta Porã 163 175 Claudia Vera da Silveira Giovane Silveira da Silveira 187 11 APONTAMENTOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO REGIONAL 199 211 Alan Silva 225 239 AS INFLEXÕES DO NEOLIBERALISMO NAS POLITÍCAS SOCIAIS: uma análise 12 do contexto brasileiro Jousiele Ferreira Simplício de Oliveira Maria Helena Lima Costa AS POLÍTICAS SOCIAIS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO 13 NEOLIBERAL, NEOCONSERVADOR E NEODIREITISTA: desafios e tensões Nayara de Holanda Vieira AS POLÍTICAS SOCIOASSISTENCIAIS PARA O ENFRENTAMENTO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL 14 Amanda Oliveira Mascarenhas Francisco Prancacio Araújo de Carvalho Caio Matteucci de Andrade Lopes DIFERENÇAS REGIONAIS DAS DESPESAS COM ALIMENTAÇÃO FORA DO DOMICÍLIO NO BRASIL 15 Amanda Oliveira Mascarenhas Francisco Prancacio Araújo de Carvalho Caio Matteucci de Andrade Lopes DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS: o território rural em cena 16 Marilene Borges de Sousa Iracilda Alves Braga ESTADO E ROTAÇÃO DO CAPITAL EM CRISE: “reformas” previdenciárias dos 17 RPPS no Nordeste, fundo público e o papel anticíclico da máquina estatal Ingred Lydiane de Lima Silva 18 ESTADO E SOCIEDADE: relações e imbricamentos Silvana Barros dos Santos Teixeira FOUCAULT E O ESTADO MODERNO: uma introdução à analítica do poder 19 Wécio Pinheiro Araújo Thamires Araújo Rios

GOVERNO BOLSONARO E PANDEMIA DO COVID 19: breves reflexões acerca 253 de seu enfrentamento negacionista 20 Jousiele Ferreira Simplicio de Oliveira Maria Helena Lima Costa Monica Barros da Nobrega GRAMSCI E O SERVIÇO SOCIAL: mapeamento das principais categorias do 265 21 pensamento gramsciano na disciplina Movimentos Sociais Cristiana Costa Lima Leilane da Silva Fonseca INTERVENÇÃO SOCIAL DE MULHERES NAS COMUNIDADES ECLESIAIS DE 277 22 BASE PARA ENFRENTAR A PANDEMIA DO COVID-19 Greyce Helen Marques Teixeira Paula Raquel da Silva Jales INTRODUÇÃO À TEORIA DE CLASSES MARXIANA: um estudo sincrônico entre 289 23 O Capital, O 18 de Brumário e o Manifesto Comunista Wécio Pinheiro Araújo Maria Imaculada de Andrade Morais MOVIMENTO LGBTQIA+ E PODER JUDICIÁRIO: uma análise das demandas 301 24 judicializadas pelo Grupo Matizes em Teresina (PI) Libni Milhomem Sousa Olívia Cristina Perez NUCLEAÇÃO DAS “ESCOLAS NO/DO CAMPO” DO MUNICÍPIO DE CAXIAS- 313 MA: uma política governamental de racionalização de recursos financeiros 25 ou uma política educacional municipal voltada para melhoria da qualidade da educação do campo? Denilson Barbosa dos Santos Rosana Evangelista da Cruz O CLAMOR DAS RUAS FRENTE AO PINOCHETISMO: PODER POPULAR- 327 26 CONSTITUINTE CONTRA O ESTADO SUBSIDIÁRIO Marcos Diligenti Ricardo Souza Araujo O DOMINÍO DO ESTADO PELO CAPITAL FINANCEIRO: o governo dos ricos 339 353 27 para os ricos Samuel Costa Filho O ESTADO E A JUDICIALIZAÇÃO DA LUTA PELA TERRA: indicações sobre o Acampamento Marielle Franco – Maranhão 28 Zaira Sabry Azar Esther Diniz dos Santos Aldenir Gomes da Silva

O ESTADO-NEOLIBERAL E AS POLÍTICAS DE INFÂNCIA NO GOVERNO 365 29 BOLSONARO Edvaldo Ferreira de Lima O PAPEL DO ESTADO NA OFERTA DO PROCESSO DE FORMAÇÃO 377 CONTINUADA PARA OS (AS) TRABALHADORES (AS) DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: 30 possibilidades x desmontes Aline Azevedo de Lima Suzaneide Ferreira da Silva O PAPEL ESTRATÉGICO DAS INFORMAÇÕES E DADOS NA EXECUÇÃO DE 389 31 POLÍTICAS JUDICIÁRIAS EM TEMPOS NEOLIBERAIS Thalison Clóvis Ribeiro da Costa Rosilene Marques Sobrinho de França O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA 401 32 POPULAÇÃO NEGRA E O PROTAGONISMO DO MOVIMENTO NEGRO Ana Emilia da Silva Pereira ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E EDUCAÇÃO: o curso serviço social da terra na 415 formação de quadros do MST 33 Julia Iara de Alencar Araújo Cristiana Costa Lima Zaira Sabry Azar OS EFEITOS DO CONSTITUCIONALISMO FEMINISTA NO SUPREMO TRIBUNAL 429 34 FEDERAL NA BUSCA PELA EFETIVAÇÃO DA IGUALDADE DE GÊNERO Hilziane Layza de Brito Pereira Lima Olívia Cristina Perez OS ESTEREÓTIPOS DE GÊNERO E AS INSTITUIÇÕES DE ATENDIMENTO 441 35 SOCIOEDUCATIVO NO BRASIL Carmem Letícia dos Santos Rosilene Marques Sobrinho de França POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES: estratégias de enfrentamento ao 455 36 racismo e sexismo na realidade brasileira Eriane Pacheco Miriam Thais Guterres Dias POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL: um 465 37 olhar sobre as trajetórias, limites e desafios Adriana Siqueira do Nascimento Marreiro Rosilene Marques Sobrinho de França

PROGRAMA CRIANÇA FELIZ: breve reflexão sobre seus marcos legais 479 491 38 Amanda Maria Cunha Menezes Elisa Celina Alcantara Carvalho Mélo Ana Cristina Brito Arcoverde SERVIÇO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS: uma perspectiva a partir da análise da relação entre o Estado e as Políticas Públicas 39 Jadejessica Costa de Oliveira Thalita da Silva Messias Karina Lima Duarte Neves Rocha SOBRE KEYNES E SCHUMPETER: uma proposta conciliativa 505 40 Gabriel Santos Perillo Francisco Prancacio Araújo de Carvalho SOCIEDADE E ESTADO: uma atuação conjunta para garantia de direitos por 519 41 meio de políticas públicas Jessica Katherine Alves Arraz Do Carmo Ana Keuly Luz Bezerra TRIBUTAÇÃO REGRESSIVA DA PROPRIEDADE E A DESIGUALDADE SOCIAL NO 533 42 BRASIL Thiago Dutra Hollanda de Rezende



EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS “ATINGIDOS” POR BARRAGENS: aproximação conceitual no contexto da construção da Barragem Oiticica em Jucurutu/RN “ACHIEVED” BY DAMS: conceptual approach in the context of the construction of the Oiticica Dam in Jucurutu/RN Micarla Duarte de Lima1 RESUMO O presente artigo apresenta reflexões teóricas acerca de uma aproximação conceitual da categoria “atingido” por barragem. Dialoga- se com referências que corroboram para reflexões ampliadas e complexas. É unânime definir que os “atingidos” não se restringem aos impactados diretamente pelo empreendimento, encontrando-se invisibilizadas populações que sofrem danos em decorrências da obra ou de atividades inerentes a mesma. Ressalta-se que a formalização de uma normatização jurídica que caracterize o “atingido” é preponderante para a conquista e garantia de direitos. Baseada na vivência profissional enquanto Assistente Social, apresenta-se o cenário observado em Oiticica, conforme diretrizes do Plano de Reassentamento e mobilização dos atingidos. Problematiza-se acerca da atuação do Estado nessa obra a partir das concepções de Mandel (1986) e Paulino (2017). Por fim, identifica-se a atuação organizada, politizada e democrática dos “atingidos”, que barganham junto ao Estado justas compensações pelos danos intangíveis ocasionados pelo processo de desapropriação para fins de utilidade pública. Palavras-chave: Atingido por barragem; Mobilização social; Estado; Barragem Oiticica. ABSTRACT This article presents theoretical reflections about a conceptual approach to the category “affected” by a dam. It dialogues with references that corroborate for expanded and complex reflections. It is unanimous to define that those “affected” are not restricted to those directly impacted by the project, with populations that suffer damage as a result of the work or activities inherent to it being made invisible. It is 1 Assistente Social - Mestranda em Serviço Social e Direitos Sociais. 11

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS noteworthy that the formalization of a legal standardization that characterizes the \"affected\" is preponderant for the conquest and guarantee of rights. Based on professional experience as a Social Worker, the scenario observed in Oiticica is presented, according to the guidelines of the Resettlement Plan and mobilization of those affected. It discusses the role of the State in this work from the conceptions of Mandel (1986) and Paulino (2017). Finally, the organized, politicized and democratic action of the “affected” is identified, who bargain with the State for fair compensation for the intangible damage caused by the process of expropriation for purposes of public utilityl. Keywords: Affected by dam; Social mobilization; State; Oiticica Dam. 1 INTRODUÇÃO A Barragem Oiticica, em construção no município de Jucurutu/RN desde junho/2013, é uma obra de grande relevância para o Estado do Rio Grande do Norte, considerada a redenção hídrica para o Seridó, acumulará cerca de 590 milhões de metros cúbicos de água. A base normativa para a construção deste açude encontra-se no Decreto nº 30.501 de 15 de abril de 2021, onde declara de utilidade pública, uma área de terra com 12.334,29 ha (doze mil trezentos e trinta e quatro hectares e vinte e nove ares). Quando concluída, será o terceiro maior reservatório de água do Estado do Rio Grande do Norte, com capacidade para irrigar até 10.000 hectares, beneficiar 43 municípios, contemplando cerca de 800 mil pessoas. Essa obra encontra-se orçada em aproximadamente R$ 650 milhões de reais, cujo recurso advém do Governo Federal através do Ministério de Desenvolvimento Regional. A execução do complexo de obras é realizada pelo Governo do Estado através da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SEMARH), sob a interveniência do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Data-se de 26/06/2013 a assinatura da ordem de serviço das obras que perduram até os dias atuais, cuja execução encontra-se com cerca de 92% concluída. Uma complexa “obra social” faz parte do cenário de Oiticica, cujo objetivo é minimizar os impactos ocasionados à população diretamente afetada. Conforme ações planejadas pelo Estado essa mitigação ocorrerá através do reassentamento de aproximadamente 350 (trezentos e cinquenta) famílias. Outra alternativa de reparação adotada foi a indenização pecuniária aos proprietários das áreas circunscritas na poligonal de desapropriação. Porém, nesse universo de “compensações” não estão previstas soluções para as comunidades 12

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS circunvizinhas que foram e/ou serão afetadas indiretamente pelo empreendimento ou obras complementares. Observa-se que a ausência de normatização jurídica acerca da determinação conceitual dos “atingidos” por barragens, com os respectivos direitos e deveres, reproduz injustiça social e mascara a realidade dos “reais impactados” por tais empreendimentos. Nesse sentido, propõe-se aproximar-se da conceituação da categoria “atingido” por barragem, levando em consideração as discussões propostas por autores e instituições que apresentam uma visão politizada e ampliada dessa população. Pretende-se ainda dialogar acerca dessa categoria no contexto da construção da Barragem Oiticica em Jucurutu/RN, numa perspectiva de garantia de direitos viabilizados pelo Estado. 2 APROXIMAÇÃO CONCEITUAL DA CATEGORIA “ATINGIDO” POR BARRAGEM A categoria “atingido” por barragem compreende uma construção de identidade coletiva, permeada pela luta e resistência, resultante de relações de poder e imposições. Outros termos são comumente usados para designar a população existente na área da Barragem, como desapropriados, expropriados e realocados. De modo geral, observa-se que há divergências em dois extremos de perspectivas conceituais, uma que está direcionada para o interesse indenizatório, restringindo o termo “atingido” à propriedade e ao proprietário. Já a outra versão para essa categoria é aquela que amplia o universo dos afetados, incluindo aqueles que sofrem modificações nas condições de vida, contemplando o agricultor, proprietário ou não, com ou sem terra. Essa discussão é reiterada por Vainer (apud SANTOS, 2015), quando o mesmo afirma que o conceito de atingido possui duas concepções similares. Sendo a primeira a concepção territorial-patrimonialista, onde o atingido é o proprietário, e a segunda é a concepção hídrica, em que o atingido é o inundado. Conforme Moreira (2017), observa-se a ação contraditória do Estado no que concerne à construção de barragens e as medidas adotadas para atender a população atingida. O processo decisório envolvia a negociação das propriedades que seriam inundadas, entre Estado e os detentores do título do imóvel. Para tanto, uma nova configuração vem modificando esse cenário, haja vista a efervescência da organização e mobilização social, que colocam em defesa 13

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS da população atingida os representantes do próprio Estado. Dessa forma, vale refletir acerca da diversidade conceitual que compreende o (a) “atingido (a)”. O termo atingido é disputado em diferentes instâncias: (i) no campo da afirmação de direitos, do reconhecimento de violações, rebatendo sobre processos indenizatórios, (ii) no seio dos movimentos sociais como identidade política coletiva e na disputa por contra-hegemonia na sociedade; (iii) no meio acadêmico, na busca por sua afirmação como conceito. (SANTOS, 2015, p. 116). Isto posto, é importante dialogar acerca da necessidade de ampliação do conceito de “atingido”, compreendo-o em um universo de pessoas que são diretamente e indiretamente impactadas pelas obras do empreendimento. Destaca-se que esse sujeito político, organizou- se historicamente enquanto movimento social e reivindica cidadania e direitos humanos. Para tanto, ainda perdura uma limitação conceitual, assim como, ausência de normatização/legislação específica, corroborando para violação dos direitos às famílias que elegivelmente seriam contempladas, haja vista encontrarem-se no contexto dos impactos ocasionados pela expropriação. Benincá (2011) expõe a caracterização dessa categoria conforme Banco Mundial, Comissão Mundial de Barragens e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Na perspectiva do Banco Mundial o atingido corresponde ao conjunto dos fisicamente ou economicamente deslocados, independente de possuírem ou não o título da propriedade, incluindo a população cuja atividade econômica é impactada pela obra, em qualquer localização físico-territorial. No que se refere a concepção da Comissão Mundial de Barragens, esse público compreende aos deslocados fisicamente e em seus modos de vida. Amplia o olhar vislumbrando os danos ocasionados pelos subprojetos decorrentes do empreendimento, assim como no fator tempo onde é perceptível os impactos desde do anúncio da construção da barragem, durante as obras até a operação do reservatório. Aludindo a percepção do MAB, destaca-se que no I Encontro Nacional dos Atingidos por Barragens em 1989, foi formulado o conceito da categoria atingido considerando, portanto, todos que sofrem modificações nas condições de vida, direta ou indiretamente, em consequência da construção do barramento. Nesta perspectiva, o MAB também passou a 14

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS classificar como atingido a população que é onerada com elevadas tarifas de energia. É possível inferir que os “atingidos” são vistos como obstáculos, empecilhos, entraves, dificuldades, ou seja, o “problema” da obra, sendo considerados prejudiciais para os investimentos multinacionais. Porém, no contexto brasileiro, o que existe é uma dívida social incalculável com mais de um milhão de famílias impactadas sem os direitos preservados, principalmente com as instalações dos sistemas elétrico e energético. São, portanto, empreendimentos que visam à apropriação e reprodução do espaço sob a lógica economicista, desenvolvimentista e exploratória de recursos naturais, desconsiderando as populações que vivem e possuem algum vínculo material ou imaterial com o local que sofrerá a ação deste. Muitas vezes são populações que jamais saíram de seus lugares e que possuem uma relação histórica com estes territórios que ocupam, sendo eles o palco de suas manifestações culturais, sociais e de trabalho, onde nem sempre impera a lógica do capital industrial-financeiro do mundo contemporâneo. (SILVA, 2011). A postura contra-hegemônica do MAB corrobora com a busca pela ampliação do conceito de “atingido”, considerando os impactos e mudanças sociais que estão implícitos e invisibilizados durante a implantação de uma barragem, garantindo dessa forma a efetivação de direitos que são negligenciados no modelo econômico vigente no Brasil. Discorre-se ainda acerca de algumas formulações técnicas e oficiais empreendidas na tentativa de ampliar a definição do “atingido” por barragem. Para tanto, foi publicado em 26 de outubro de 2010 o Decreto 7.342 que versa sobre o cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida por empreendimentos de geração de energia hidrelétrica, cria o Comitê Interministerial de Cadastramento Socioeconômico, no âmbito do Ministério de Minas e Energia, e dá outras providências. Nesse sentido, para fins de identificação do público atingido conforme essa normativa, contempla-se as populações expostas aos seguintes impactos: I - perda de propriedade ou da posse de imóvel localizado no polígono do empreendimento; II - perda da capacidade produtiva das terras de parcela remanescente de imóvel que faça limite com o polígono do empreendimento e por ele tenha sido parcialmente atingido; III - perda de áreas de exercício da atividade pesqueira e dos recursos pesqueiros, inviabilizando a atividade extrativa ou produtiva; IV - perda de fontes de renda e trabalho das quais os atingidos dependam economicamente, em virtude da ruptura de vínculo com áreas do polígono do empreendimento; V - prejuízos comprovados às atividades produtivas locais, com 15

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS inviabilização de estabelecimento; VI - inviabilização do acesso ou de atividade de manejo dos recursos naturais e pesqueiros localizados nas áreas do polígono do empreendimento, incluindo as terras de domínio público e uso coletivo, afetando a renda, a subsistência e o modo de vida de populações; e VII - prejuízos comprovados às atividades produtivas locais a jusante e a montante do reservatório, afetando a renda, a subsistência e o modo de vida de populações. VIII. “Comunidades e populações anfitriãs”: impactos negativos sobre os meios e modos de vida das comunidades que acolherão os atingidos reassentados. (BRASIL, 2010). Vale destacar que a regulamentação desse decreto em junho de 2012, realizada por uma Comissão Interministerial, entre eles o Ministério de Minas e Energia, privatizou o cadastramento dos atingidos, comprometendo assim a viabilização de direitos, já que o cadastro passou a ser um produto de interesse privado. Nesse contexto, situa-se o Projeto de Lei nº 2.788/2019 que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) que foi aprovada pela Câmara dos Deputados e encontra-se em tramitação no senado para posterior sansão presidencial. A PNAB em seu artigo 2º considera a população atingida por Barragens, todos aqueles que se virem sujeitos a impactos provocados pela construção, operação ou desativação de barragens, considerando as seguintes prerrogativas: I – perda da propriedade ou posse de imóvel; II – desvalorização de imóveis em decorrência de sua localização próxima ou a jusante dessas estruturas; III – perda da capacidade produtiva das terras e de elementos naturais da paisagem geradores de renda, direta ou indiretamente, da parcela remanescente de imóvel parcialmente atingido, afetando a renda, a subsistência ou o modo de vida de populações; IV – perda do produto ou de áreas de exercício da atividade pesqueira ou de manejo de recursos naturais; V – interrupção ou alteração da qualidade da água de abastecimento; VI – perda de fontes de renda e trabalho; VII – mudança de hábitos de populações, bem como perda ou redução de suas atividades econômicas e efeitos sociais, culturais e psicológicos negativos devido à remoção ou evacuação em situações de emergência; VIII – alteração no modo de vida de populações indígenas e comunidades tradicionais; IX - interrupção de acesso a áreas urbanas e comunidades rurais; ou X – outros eventuais impactos, a critério do órgão ambiental licenciador. (BRASIL, 2019). Observa-se que o Projeto de Lei da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens apresenta uma conceituação ampliada dos atingidos por Barragens que contempla uma diversidade de impactos no âmbito social, cultural, psicológico, econômico, ambiental, subsistência e de vivências. O texto traduz expectativas positivas para a efetivação de direitos ainda não reconhecidos na legislação brasileira. Conforme pesquisa realizada na 16

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS página oficial do Senado Federal, o Projeto de Lei está tramitando e a última movimentação ocorreu em 10/11/2021 quando ocorreu a segunda audiência pública para discussão da matéria. Isto posto, não se esgota nessa discussão a abrangente conceituação que envolve a categoria “atingido”, na verdade corrobora-se com a ideia de que nenhuma descrição dará conta de explicar toda a complexa e dinâmica realidade que contempla a população impactada por barragens. Todavia, as reflexões ora apresentadas reiteram a importância da regulamentação de um acervo jurídico que legalize a conceituação, os direitos e deveres desse público que historicamente tem sido marginalizado e destituídos de seu habitat. Contudo, no universo de construção de barragem impermeável com a finalidade de acumulação de água, propõe-se dialogar acerca dos atingidos pela construção da Barragem Oiticica em Jucurutu/RN, numa perspectiva de luta/resistência pela efetiva garantia de direitos. 3 “ATINGIDOS” PELA CONSTRUÇÃO DA BARRAGEM OITICICA EM JUCURUTU/RN EM UM CONTEXTO DE GARANTIA DE DIREITOS A obra da Barragem Oiticica em Jucurutu/RN compreende, além de todos os projetos de engenharia relacionados aos barramentos de solo e concreto, uma complexa obra social envolvendo cerca de 850 (oitocentos e cinquenta) famílias que foram diretamente impactadas. As famílias diretamente atingidas estão localizadas em propriedades rurais de três municípios do Rio Grande do Norte, são eles Jardim de Piranhas, Jucurutu e São Fernando, e em um distrito com características urbanas no município de Jucurutu. Parafraseando o lema utilizado pelo Movimento dos Atingidos “Barragem Oiticica, sim. Injustiças, não. Direitos, já. No ponta pé não sairemos”, é possível identificar um dos binômios cruciais que envolve a construção desse empreendimento. Por um lado, beneficiará milhares de pessoas, no acesso à água em seus múltiplos usos, em meio as sucessivas secas que assolam a região, porém sob um valor milionário aos cofres públicos e um preço incalculável para a população que por ela será expropriada. Será que essa conta gerará saldo positivo ou produzirá dívida social? 17

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Nesse contexto, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte adotou um Plano de Reassentamento Involuntário2, visando minimizar os efeitos negativos da realocação dessas famílias, garantindo uma nova base produtiva e/ou melhores condições de vida ou, no mínimo, similares às atuais, no que se refere à habitação, organização social e econômica, e condições ambientais. De modo geral, a noção e as medidas de mitigação remetem à redução ou amenização dos efeitos negativos, de sua magnitude e/ou abrangência. É recorrente na literatura o reconhecimento, porém, que em muitas situações tanto a magnitude quanto a abrangência são dificilmente quantificáveis. Conforme descrito no Plano de Reassentamento da Barragem Oiticica, considera-se “atingido” qualquer pessoa física ou jurídica que sofre ou sofrerá algum tipo de prejuízo com a construção ou operação das obras de açudagem ou obras correlatas. Descreve, porém, que “beneficiário” corresponde ao atingido que faz jus a qualquer tipo de indenização. Ainda conceitua a condição do atingido como sendo a situação do atingido com respeito ao seu vínculo com a terra e/ou vínculo de trabalho no imóvel. No que tange a identificação da população atingida o Plano de Reassentamento considera as seguintes peculiaridades: - Todos os ocupantes da área da a ser inundada pela construção da barragem; e - Todas as pessoas temporariamente deslocadas pelas obras civis. A diretriz nº 09 do mencionado documento ressalta que todas as famílias afetadas e cadastradas pelo programa independente de sua condição de acesso à terra (regular ou irregular), relação com o imóvel (proprietário, posseiro, ocupantes, locatários) deverão ser beneficiadas pelo programa de reassentamento. As soluções a serem adotadas deverão considerar mais a capacidade e a vulnerabilidade das famílias frente ao processo de relocação. (SEMARH-RN, 2014) Isto posto, observa-se que a delimitação conceitual de “atingido” contemplada no Plano de Reassentamento da Barragem Oiticica apresenta-se de forma ampliada ao considerar que qualquer pessoa impactada pelo empreendimento e/ou obras correlatas, assim podem ser 2 SEMARH-RN. Plano de Reassentamento da Barragem Oiticica – Jucurutu/RN. KL Engenharia, Fortaleza/CE. Novembro, 2014. 18

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS denominados. Porém, o documento diferencia o “atingido” do “beneficiário”, este último sendo aquele qualificado para receber o ressarcimento pelos danos ocasionados pelo empreendimento, ficando assim subentendido a possibilidade de “atingido” sem benefício, ou seja, sem direitos. Essa leitura corrobora com a conceituação baseada na concepção hídrica, onde os “atingidos” correspondem a população desapropriada pela barragem, independente de possuir o título da terra, porém não contempla as questões adversas ao público que indiretamente é impactado nas áreas circunvizinhas. (BENINCÁ, 2011) Nesse cenário, destaca-se o relatório de violação dos direitos das populações atingidas, elaborado pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH)3 em que o conceito de atingido, aplicável a indivíduos, famílias, grupos sociais e populações de modo geral, deve considerar as seguintes dimensões: ✔ A implantação de uma barragem implica, via de regra, processo complexo de mudança social, que envolve deslocamento compulsório de população e alterações na organização cultural, social, econômica e territorial; ✔ Entende-se que na identificação dos impactos e dos grupos sociais, comunidades, famílias e indivíduos atingidos devem ser consideradas as alterações resultantes não apenas da implantação do reservatório, mas também das demais obras e intervenções associadas ao empreendimento, tais como canteiro, instalações funcionais e residenciais, estradas, linhas de transmissão, etc. ✔ Na identificação dos tipos de impactos, devem ser considerados, entre outros: a) o deslocamento compulsório (de proprietários e não proprietários); b) a perda da terra e outros bens; c) perda ou restrição de acesso a recursos necessários à reprodução do modo de vida; d) perda ou redução de fontes de ocupação, renda ou meios de sustento; e) ruptura de circuitos econômicos. ✔ Em certas circunstâncias também devem ser consideradas como atingidas as comunidades e populações anfitriãs, isto é, que receberam reassentamentos de deslocados pelo empreendimento. ✔ Devem ser considerados os efeitos a jusante da barragem, que se fazem sentir normalmente apenas após o enchimento do reservatório. A restrição ou perda do potencial pesqueiro, mudanças do regime hídrico, efeitos sobre a navegação e comunicação, perda ou redução dos recursos para agricultura de vazante ou outras formas de exploração das várzeas (garimpo, extração de materiais, etc.), assim como todas as interferências a jusante deverão ser consideradas para efeito da identificação dos impactos. 3 O CDDPH foi revogado pela Lei 12.986/2014, passando a ser denominado de Conselho Nacional dos Direitos Humanos. 19

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ✔ Devem ser consideradas como perdas as alterações impostas a circuitos e redes de sociabilidade, sempre que implicarem na ruptura de relações importantes para a reprodução social, consideradas as dimensões culturais e a identidade dos grupos, comunidades e famílias atingidas. ✔ As perdas de natureza afetiva, simbólica e cultural, imateriais e intangíveis, e por isso mesmo não passíveis de quantificação e de monetarização, devem ser consideradas e objeto de ampla e aberta discussão e negociação. ✔ Proprietários e não proprietários, pequenos meeiros, parceiros, posseiros (de terras públicas ou privadas), empregados, autônomos, trabalhadores informais, pequenos empresários e outros poderão ser considerados atingidos. A ausência de título legal de propriedade, de vínculo legal de emprego ou de formalização da ocupação ou atividade não será tomada como critério para excluir grupos, comunidades, famílias ou indivíduos do adequado reconhecimento como atingido. ✔ Deverá ser considerada a dimensão temporal dos impactos, de modo a incorporar o caráter essencialmente dinâmico dos processos sociais, econômicos, políticos e ambientais. Isto implicará em considerar impactos que se fazem sentir em diferentes momentos do ciclo do projeto, desde o início do planejamento. ✔ Para os Povos Indígenas e demais Comunidades Tradicionais serão consideradas suas especificidades culturais, direitos históricos, constitucionais e reconhecidos por convenções internacionais. (MAB, 2021). As dimensões ora descritas coadunam com a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PL 2788/2019), que confere direitos às pessoas sujeitas a impactos provocados pela construção, operação, desativação ou rompimento de barragens, cuja matéria ainda tramita no senado para fins de avaliação e aprovação. Nesta perspectiva, nos dias atuais ainda perduram injustiças e desproteção aos “atingidos” por barragens, onde o discurso de “acidente” é propagado em eventos criminosos que vitimizam famílias que se encontram vulnerabilizadas pelos efeitos devastadores da acumulação capitalista. Esse panorama recentemente foi vivenciado no Brasil em Minas Gerais com o rompimento das barragens de rejeitos em Mariana (2015) e Brumadinho (2019). A tragédia ocorrida em Brumadinho foi o segundo maior desastre industrial do século, sendo considerado como uma das maiores catástrofes ambientais da mineração do país, depois do rompimento da barragem em Mariana. Esse cenário evidencia o ápice do descaso de empresas e empreendedores com o público atingido por barragens, onde visualiza-se como indispensável a atuação do Estado com vistas a reparação integral desse público, cuja centralidade deve ser o sofrimento da vítima. Para tanto, é importante a regulamentação de um marco normativo minudente para tornar os 20

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS princípios em regras, evidenciando o conceito de “atingido” de forma ampliada, com respectivos direitos e deveres, que até o momento inexiste na legislação brasileira. Para tanto, considerando o Estado como a condição social e política de um determinado território, este tem um papel fundamental na promoção de políticas públicas que atendam às necessidades dos “atingidos”, categoria essa compreendida no contexto do sistema capitalista como a classe proletária. Segundo Paulino (2017), o Estado teve e pode ter, em determinados contextos históricos, uma função positiva essencial, civilizadora, de aceleração de desenvolvimento econômico e social. Em sua obra não nega a função central de opressão de classe do Estado, mas ressalta que essa é uma visão reducionista, limitada, parcial e específica. Essa é uma interpretação ampliada do Estado que visualiza a natureza de classe e seu papel de dominação e repressão, mas também uma função positiva. Em contraponto, Mandel (1986) discorre acerca das três principais funções do Estado: 1) Criar as condições gerais de produção que não podem ser asseguradas pelas atividades privadas dos membros da classe dominante; 2) Reprimir qualquer ameaça das classes dominadas ou de frações particulares das classes dominantes ao modo de produção corrente através do Exército, da polícia, do sistema judiciário e penitenciário; 3) Integrar as classes dominadas, garantir que a ideologia da sociedade continue sendo da classe dominante e, em consequência, que as classes exploradas aceitem sua própria exploração sem o exercício direto da repressão contra elas (p.333-334). O autor reforça que o Estado manipula ideologicamente com o intuito de“(,,,)integrar o trabalhador à sociedade capitalista como consumidor, parceiro social ou cidadão” (MANDEL, 1986, p.341). Esse viés objetiva evitar conflitos entre os interesses de classes e as crises das relações de produção, assim como propor reformas que atendam parcialmente as reivindicações da classe subalternizada no escopo de possibilidades do próprio sistema. No que se refere aos atingidos pela construção da Barragem Oiticica e sua relação com o Estado, conforme vivência profissional nesse campo de atuação no período de 2013 a 2019, e em uma nova configuração iniciada no segundo semestre de 2021, é possível afirmar que as conquistas sociais ocorreram de maneira expressiva devido a atuação incansável e politizada do movimento dos atingidos. 21

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS O Estado do Rio Grande do Norte, assim como o Brasil, não possui políticas públicas direcionadas especificamente para a população impactada por esse tipo de empreendimento, assim como é perceptível a ausência de planejamento estratégico para as demandas sociais. Todavia, a temporalidade que compreende o início das obras datada em 2013 e que perdura até os dias atuais, ou seja, mais de 8 anos, provocou diversas modificações nas demandas previstas e orçadas inicialmente, conflitando com o Estado nas proposições iniciais. Atualmente o Estado propaga o discurso que Mandel (1986) supracitou acerca da “parceria” no que se refere a sua relação com o movimento dos atingidos. Para tanto, historicamente as obras do Complexo Oiticica foi paralisada quatro vezes, o que gerou “desconforto” e “prejuízo” para o Estado. Corroborando ainda com o aludido autor, o Estado cedeu a mobilização social para assim poder continuar a construir o terceiro maior reservatório do estado, denominado de redenção hídrica da região do Seridó. A “parceria” difundida pelo Estado foi oficializada em um Termo de Conciliação Extrajudicial, fruto de audiência de mediação entre o Estado e a Comissão dos Atingidos, após ação impetrada pelo Estado em favor da reintegração de posse do canteiro de obras ocupado pelo barracão da resistência do movimento dos atingidos. Nesse documento foram acordados ações e prazos, parametrizados pela evolução das obras físicas, objetivando priorizar o avanço das obras sociais sendo ainda condicionante para determinados serviços no barramento principal. Isto posto, o Termo de Conciliação Extrajudicial assinado em maio/2016 é periodicamente revisado e atualizado, em audiências públicas com a participação do Estado, empresas e Movimento dos Atingidos. As políticas sociais são determinadas pela luta de classes, nelas os trabalhadores postulam direitos sociais necessários a intensificação da busca pela efetivação da cidadania. Essa dinâmica é vivenciada com os atingidos pela construção da Barragem Oiticica, sendo o Estado impulsionado à ‘ceder’ à pressão social, atendendo os interesses desse segmento subalternizado. As desigualdades e as violações de direitos precisam ser superadas no processo de implantação de barragens, e tal superação será possível se dentre outros fatores o conceito de atingido for ampliado e normatizado, considerando as especificidades aqui destacadas, com segurança jurídica através da promulgação de legislação específica, corroborando assim na promoção de políticas públicas garantidoras dos direitos sociais. 22

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Contudo, diferente do que já foi observado em outras construções de barragens, considera-se que os “atingidos” da Barragem Oiticica estão protagonizando a conquista de direitos em um contexto de ampliação do público atingido, com luta, resistência e voz. A mobilização da população atingida se expressa como participação política e contra- hegemônica, corroborando para a ampliação dos espaços democráticos de decisão e formação de uma consciência crítica. A obra segue em construção e os atingidos seguem atuantes, difundindo o lema: “BARRAGEM DE OITICICA, SIM. INJUSTIÇAS, NÃO. DIREITOS, JÁ. NO PONTA PÉ NÃO SAÍREMOS”. REFERÊNCIAS BENINCÁ, Dirceu. Energia & cidadania: a luta dos atingidos por barragens. São Paulo: Cortez, 2011. BRASIL. Decreto 7.342 de 26 de outubro de 2010. Brasília, 2010. BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Meio Ambiente e Energia. Câmara aprova política nacional em prol de atingidos por barragens. Publicado em: 25/06/2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/560828-camara-aprova-politica-nacional-em-prol-de- atingidos-por-barragens/. Acesso em: 15/12/2021. MAB. História do MAB: 20 anos de organização, lutas e conquistas. Disponível em: https://www.mabnacional.org.br/historia. Publicado em: 01/08/2011. Acesso em: 26/02/2020. MAB. Relatório Violação dos Direitos das Pessoas Atingidas (CDDPH): Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana – Comissão Especial “Atingidos por Barragens” Resoluções nºs 26/06, 31/06, 01/07, 02/07, 05/07. Publicado em: 05/06/2020. MANDEL, Ernest. O capitalismo tardio. In: Os Economistas, 2.ed. São Paulo: Nova Cultural, 1986, p. 333-350. MOREIRA, Juliana Fernandes. Direito ao acesso à água: conflitos socioambientais na Bacia Hidrográfica Piranhas-Açu. Tese (Doutorado) – UFPB/CCEN. João Pessoa, 2017. PAULINO, Robério. O Estado como opressor e civilizador. Natal/RN: UDUFRN, 2017. SEMARH-RN. Plano de Reassentamento da Barragem Oiticica – Jucurutu/RN. KL Engenharia, Fortaleza/CE. Novembro, 2014. SANTOS, Mariana Corrêa dos. O conceito de “atingido” por barragens – direitos humanos e cidadania. Direito & Práxis Revista. Vol.6, n.11, p. 113-140. Rio de Janeiro, 2015. 23

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EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS A (I)LEGITIMIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS LGBTQIA+: uma análise a partir do contexto brasileiro The (I)LEGITIMITY OF LGBTQIA+ PUBLIC POLICIES: an analysis from the Brazilian context Wemerson Silva1 RESUMO Este artigo tem como objetivo problematizar como pessoas LGBTQIA+ tem acessado as políticas públicas brasileiras. Para tanto, analisa-se as particularidades e as necessidades de reconhecimento do segmento LGBTQIA+, visto que são desfavorecidos em iniciativas políticas pelo fato de que se opuseram ao conceito de identidade na história. Destaca-se que as contradições dessa disputa são temáticas, pois a luta do movimento além de promover uma identidade ao indivíduo, também fortalece estigma e a vulnerabilidade, tendo em vista que alguns membros da sociedade brasileira discordam das garantias direcionadas ao segmento. Na perspectiva da crítica dialética e a partir de situações específicas, este artigo realiza uma breve análise sobre os direitos sexuais e as políticas públicas LGBTQIA+ no Brasil tendo em vista a sua legitimidade e a reflexão no cotidiano do segmento. Palavras-chave: Direitos Sexuais; Movimento LGBTQIA+; Políticas Públicas. ABSTRACT This article aims to problematize how LGBTQIA+ people have accessed Brazilian public and social policies. To do so, it analyzes the particularities and needs for recognition of the LGBTQIA+ segment, since they are disadvantaged in political initiatives because they have opposed the concept of identity in history. It is emphasized that the contradictions of this dispute are thematic, since the movement's fight, besides promoting an identity to the individual, also strengthens stigma and vulnerability, since some members of Brazilian society disagree with the guarantees directed to the segment. From the perspective of dialectical criticism and based on specific situations, this article performs 1 Assistente Social; Especialista em Direitos Humanos pela Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS); Mestrando em Serviço Social pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. 25

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS a brief analysis of LGBTQIA+ sexual rights and public policies in Brazil with a view to their legitimacy and reflection on the daily life of the segment. Keyword: Sexual Rights; LGBTQIA+ Movement; Public policy. 1 INTRODUÇÃO Analisar as políticas públicas direcionadas a diversidade sexual, requer do pesquisador um olhar crítico, sendo, portanto, necessário uma compreensão sócio histórica complexa, com aspectos sócio jurídicos, que promovam questionamentos ao senso comum acerca da sexualidade, com o propósito de compreender as nuances da temática proposta, bem como a sua regulamentação jurídica. Cabe destacar, que o artigo se desenvolve a partir da luta por direitos sexuais e por políticas públicas mais efetivas para o segmento LGBTQIA+. São inúmeros obstáculos que o movimento LGBTQIA+ tem enfrentado na própria sociedade que nega as suas reivindicações, e quando se trata de direitos sexuais para essa população se torna ainda mais complexo, pois entendem que esses direitos contrariam os preceitos heterocêntricos que fundamentam o conceito de família, sob um alicerce moral e religioso. É importante ressaltar a forte tradição existente na sociedade brasileira, que relaciona o público somente com o governo, o que acaba desencadeando, e com dificuldades, somente políticas públicas governamentais (ARAÚJO, 1996). Sob esta perspectiva, contestar políticas públicas que atendam o segmento LGBTQIA+, torna-se um grande esforço. Ressaltamos que não abordaremos de forma exaustiva todas as ações e políticas públicas e para o segmento, bem como os tramites na justiça, congresso e governo brasileiro, mas buscaremos problematizar a forma como essas políticas públicas tem legitimado as demandas do segmento em questão. Nesse sentido, apresentaremos os aspectos gerais das políticas públicas, em seguida a sua relação com os direitos sexuais e com o segmento LGBTQIA+ e finalizaremos com a legitimidade das políticas públicas implementadas para o segmento supracitado. 2 POLÍTICAS PÚBLICAS: aspectos gerais Conhecer a origem e os processos históricos de uma área de conhecimento é importante para uma melhor compreensão de suas consequências, trajetórias e perspectivas. 26

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Neste sentido, Souza (2006) afirma que as políticas públicas surgem nos Estados Unidos como um campo de conhecimento e disciplina, quebrando/pulando as etapas seguidas pela tradição europeia de pesquisa neste campo, onde o foco maior da análise era o Estado e suas instituições e não a produção do governo. O campo das políticas públicas na Europa surgiu com obras baseadas em teorias explicativas sobre o papel do Estado, sendo ele o produtor principal de políticas públicas. Em contrapartida, nos Estados Unidos, quando esse campo surgiu na academia, ele não estabeleceu contato com a base teórica do papel do Estado, e se concentrou diretamente no estudo das ações governamentais (SOUZA, 2006). Autores como Harold Dwight Laswell (1936), Herbert Simon (1957), Charles Edward Lindblom (1959) e David Easton (1965), ficaram conhecidos como fundadores da área de políticas públicas, onde analisaram e formularam conceitos, variações e métodos que pudessem defini-las. Entretanto, existe uma variedade de impedimentos e conceitos, assim, não existe uma única e nem melhor definição, mas existem elementos que precisam estar presentes na hora de pensarmos sobre políticas públicas como uma solução de problemas públicos, gerais e específicos. Atualmente o conceito mais conhecido é o de Laswell (1936 apud SOUZA, 2006, p. 23) onde ele afirma que política pública implica em quem ganha o quê, por quê e a diferença que pode causar. A política pública, resulta da atividade política e requer várias ações estratégicas destinadas a implementar os objetivos desejados a partir de um conjunto de decisões e ações que visam a resolução de problemas. De acordo com Lowi (1972 apud RODRIGUES, 2011, p. 46) “as políticas públicas determinam a política. Elas estruturam o sistema político, definem espaços e atores, e delimitam os desafios que os governos e as sociedades enfrentam”, e tudo isso requer habilidades especificas para garantir melhores resultados para o público alvo. Segundo Souza (2006) a política pública é consistente em lidar com os pontos-chave, o comportamento do governo e as atividades de tomada de decisão, que são cruciais para o seu desensolvimento. É nessas ações que as políticas públicas procuram regular, fiscalizar e avaliar o desempenho do Estado e suas influências internas e externas. Para elaboração de uma política, é importante compreender suas etapas ou ciclos, Ham e Hill (1993) esclarecem que a política não se resume apenas no processo de tomada de decisão (elaboração da política), visto que possui um ciclo formado por alguns estágios que 27

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS constituem um processo dinâmico e de aprendizado. De acordo com Rua (2009, p. 37) “O ciclo da política é uma abordagem para o estudo das políticas públicas que identifica fases sequenciais e interativas-interativas no processo de produção de uma política”. Os elementos únicos da abordagem de cima para baixo, como mostra o quadro a seguir, são visões progressivas e racionalistas integradas no modelo do ciclo das políticas públicas: definição de agenda, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação, versão estabelecida na década de 1990 (Howlett, Ramesh e Perl, 2013). Fonte: RUA (2009, p. 37-38) Tabela SEQ Tabela \\* ARABIC 1 - Ciclo da política pública Como podemos observar na figura, o ciclo se inicia com a identificação do problema, onde por meio dele sugere-se a formação da agenda que é a fase estratégica para os grupos de interesses. Com a agenda formada, inicia-se a formulação das políticas onde as possibilidades são apresentadas para sua criação, entretanto é no estágio de tomada de decisão que acontece ou não a aderência da política. Após formalização, vem a fase de execução, ou seja, a 28

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS implementação e em seguida o processo avaliativo de todo o ciclo. Embora o ciclo da política pública seja o modelo mais utilizado para sua compreensão e análise, alguns autores o criticam como Parsons (1995), que julga o processo linear, por beneficiar o modelo top down2 e afirmam a possibilidade de novos ciclos. Ainda, para Kingdon (2011) o processo de etapas não coincide com o processo político, devido a retomada constante de cada etapa definida. Apesar das contradições, o modelo do ciclo de políticas públicas tem sido o ponto de partida para a maioria das abordagens na análise de políticas públicas. (ARAÚJO; RODRIGUES, 2017). Por sua vez, “A análise de políticas públicas [...] é uma forma de pesquisa aplicada desenhada para entender profundamente problemas sócio técnicos e, assim, produzir soluções cada vez melhores” (MAJONE; QUADE, 1980, p. 5) Portanto, da formulação à avaliação, as políticas públicas seguem uma ciclo de inércia no meio social, onde tem diversos conflitos e requer coordenação. Segundo a abordagem de Boneti (2007), isso é resultado de um jogo dinâmico de poder que se dá no contexto das relações de poder com a participação da política, economia, classe social e outras organizações da sociedade civil. 3 DIRETOS SEXUAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS LGBTQIA+ A participação do Estado na elaboração e proteção dos direitos sociais no Brasil passou a se tornas mais efetiva no Brasil após a promulgação da Carta Constitucional de 1988, que preconizava a ascensão desses direitos, considerados por Silva (2016, p. 286) “prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos [...]” e que proporcionam uma redução contínua das desigualdades sociais. Entretanto, ao adentrarmos no debate acerca das intervenções de forma ampla, é possível observar críticas às ações e programas estatais que proporcionam o atendimento as demandas sociais de alguns grupos específicos, como o LGBTQIA+ e o movimento feminista. Pois tratam-se de demandas específicas que estimulam a inclusão social e atenuam a 2 Abordagem de cima para baixo, partindo-se a análise de fatores macro para fatores micro. 29

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS desigualdade. Considerando a importância das políticas públicas na superação das opressões de gênero e sexuais, Junior (2013, p. 50) aborda: Para o avanço na implementação de políticas públicas de inclusão social e de combate à discriminação para a população LGBT foram sinalizados cinco preceitos básicos: a) laicidade do Estado; b) participação social no processo de formulação, implementação e monitoramento das políticas públicas para LGBT; c) promover e defender os Direitos Humanos; d) gerar e sistematizar evidências sobre a situação de vida da comunidade LGBT a fim de subsidiar a implementação de políticas públicas em defesa de seus direitos sociais; e) primar pela intersetorialidade e transversalidade na proposição e implementação de políticas públicas. Neste sentido, observa-se a influência da cooperação federativa em garantir a promoção da cidadania e dos direitos humanos para o segmento, podendo contribuir para redução de diversas desigualdades, entretanto, quando essas ações e programas visam atender necessidades supostamente universais, acabam ignorando as demandas específicas de alguns grupos da nossa sociedade (MELLO; MAROJA; BRITO, 2010). Os direitos sexuais, por sua vez, podem ser efetivamente alcançados por meio das políticas públicas impostas perante os três níveis de poder do Estado, que, se efetivadas e com a inclusão de legislações especificas que concedam a proteção socioeconômica e jurídica poderão promover a indispensável integração social a vários segmentos populacionais no padrão de cidadania integral, haja a vista a responsabilidade do Estado em promover a proteção necessária dos cidadãos, para que os direitos e garantias tenham efeito no ordenamento jurídico nacional (FELDENS; MELO; MOTA, 2017). Neste sentido, vale ressaltar a postura ativa do poder judiciário em relação a contribuição no aprofundamento do debate acerca dos direitos sexuais do segmento LGBTQIA+, dentre eles temos: 1) inclusão de parceiro do mesmo sexo como dependente em plano de saúde; 2) direito à pensão em caso de falecimento de companheiro; 3) garantia de visto de permanência a parceiro estrangeiro; 4) registro de mudança de nome e de sexo de transexual; 5) indenização por danos morais em casos de homofobia; 6) guarda e adoção de crianças por homossexuais e transgêneros. (NETO, 2004, p. 06). Esses direitos sexuais só são habilitados para prestação jurisdicional, quando 30

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS descumpridos ou limitados, embora o poder judiciário atenda propostas de transformações sociais que propicie a garantia dos direitos humanos ao segmento LGBTQIA+, o surgimento de grandes obstáculos é inegável, pois a sociedade é regida por normas heteronormativas e não compreendem o tema da diversidade sexual, desta forma acabam não aceitando o segmento como detentores de direitos como a liberdade e a orientação sexual. No que tange a consolidação das políticas públicas, seja especifica ou não, vale destacar algumas iniciativas fundamentais. De acordo com Mello, Brito e Maroja (2010) elas podem ser resumidas em cinco temas: 1) apoiar o desenvolvimento de um marco jurídico para políticas públicas, explicando a precisão de proteger os direitos de grupos/segmentos populacionais específicos ou priorizar determinadas áreas da vida social, como educação, saúde e seguridade social; 2) programas/planos com princípios, diretrizes, objetivos, metas e eixos estratégicos claros que possam nortear a formulação, implementação, monitoramento e avaliação da ação; 3) um órgão responsável pela mediação da definição e execução das políticas, baseadas em ações intersetoriais e horizontais; 4) um conselho composto por representantes da sociedade civil e governo, responsável pelo controle social do programa/plano que concretizam a política pública proposta; e 5) Verba orçamentária que proporcione a realização das ações propostas no plano/programa. No momento atual, as iniciativas para a implantação de direitos para pessoas LGBTQIA+, que poucas delas foram criadas por ações do poder público, são resultados da mobilização social do segmento, e são apenas duas das cinco iniciativas supracitadas, dentre elas um órgão responsável, a Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis e um conselho, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, travestis e transexuais (CNCD-LGBT). Com apenas duas iniciativas fundamentais implantadas, podemos observar o desinteresse da política governamental em relação a proteção dos direitos de pessoas LGBTQIA+, visto que ela possui autonomia para criar institutos protetivos, que necessariamente não dependem de legislação federal, somente da disposição dos demais níveis do governo para estabilizar ações que podem ser desempenhadas por estados ou municípios (FELDENS; MELO; MOTA, 2017). É preciso enfatizar que o governo encontra-se sob pressão, direta do movimento 31

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS LGBTQIA+, e indireta do judiciário que acata algumas demandas dos grupos ativistas. Alguns grupos das sociedade se opõe às exigências LGBTQIA+, essa oposição é exercida por grupos influentes entre parlamentares religiosos e conservadores no legislativo e sujeitos de grande influência na sociedade brasileira, como grandes empresários e representantes de igrejas (católicos e protestantes). Vale destacar que, no contexto da luta em torno da definição de sexualidade lícita e de quem está autorizado pela sociedade a exercê-la, o debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos é marcado por uma forte oposição religiosa. Para esclarecer, esses direitos são objetos de reivindicações do feminismo e dos movimentos LGBTQIA+ na arena política nacional e internacional, e sua estrutura detém de quatro componentes básicos, “a garantia da integridade física, o respeito a autonomia individual, promoção da igualdade entre homens e mulheres e valorização da diversidade de práticas e crenças na esfera sexual \" (CORRÊA; PETCHESKY, 1996). Como vimos ao longo do texto, o debate acerca dos direitos sexuais, requer o fortalecimento da comunicação entre os representantes dos três níveis de governo e o movimento LGBTQIA+, com o propósito de promover a formulação de políticas intersetoriais, transversais e continuadas, por meio da democracia participativa e também uma demanda por referências jurídicas que promovam fundamentos legítimos as políticas executadas pelo poder executivo. 4 A (I)LEGITIMIDADE DAS POLÍTICAS LGBTQIA+ NO BRASIL Diante os fatos apresentados anteriormente, podemos destacar a negação de direitos sexuais para o segmento LGBTQIA+, visto que a sociedade segue um modelo totalmente conservador que desconsidera singularidades, além de um cenário com uma permanente disputa política, \"seja pelas diferentes concepções, projetos, desejos e demandas do plural Movimento LGBT, seja pela intensa disputa com os setores burocráticos do Estado e com grupos antagonistas, conservadores, reacionários e opositores ao ativismo pelos direitos sexuais” (PEREIRA, 2016, p. 134). Desta forma, a ilegitimidade e ineficácia das políticas públicas formuladas para o segmento atualmente, está obviamente relacionada a não aceitação dos direitos sexuais e ao 32

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS uso frágil e tortuoso do conceito de diversidade por parte da sociedade e dos seus representantes políticos. Oliveira (2013) aponta que enquanto o tema sexualidade, for norteado por conceitos religiosos e morais, as ações políticas consolidadas para o segmento LGBTQIA+, não atenderão de forma eficaz a demanda desses sujeitos. Esse é um dos motivos para que o Movimento LGBTQIA+ lute de forma incansável, pois segundo Oliveira (2013, p. 131): Seja em relação ao terror provocado pelos segmentos fundamentalistas religiosos do Congresso Nacional, seja sobre temas sensíveis como a presença de crianças na companhia de pais e mães homossexuais – nos casos das discussões sobre adoção – , ou aos estigmas relacionados ao sangue e a seu controle, ou ainda em relação à discriminação no trabalho e na escola, sempre haverá dissenso. Nesse aspecto, é preciso lutar ideologicamente pela consciência das massas e pressionar o poder público a exigir decisões efetivas do poder legislativo, que é movido por valores conservadores e religiosos. De acordo com Feldens, Melo e Mota (2017) a combinação do avanço do conservadorismo político e do fundamentalismo religioso com o momento de crise econômica tem ocasionado retrocessos específicos na aplicação das políticas LGBTQIA+. Diante dessa situação, o segmento fica desamparado à espera da boa vontade dos governantes. Entretanto, Pereira (2017) afirma que no decorrer das duas primeiras décadas do século XXI, com a resistência e luta do Movimento LGBTQIA+, ocorreu a implementação de ações e programas nacionais destinados ao segmento no Brasil, dentre eles temos o Brasil Sem Homofobia (BSH) , criado em 2004, e foi um grande marco no que diz respeito ao Movimento em parceria com o Estado e um avanço na discussão em torno da promoção da cidadania LGBT, onde visava um conjunto de medidas para o combate da homofobia; em 2009 foi implantado o Plano Nacional de Direitos Humanos III (PNDH 3), que apesar de ter sofrido algumas alterações em suas ações programáticas, avançou na agenda de ações para o segmento, visto que sua elaboração contou com mais participação popular; a Política Nacional de Saúde Integrada a População LGBTQIA+, criada em 2011 prevê a garantia e ampliação do acesso do segmento ao Sistema Único de Saúde (SUS), além da produção de conhecimento, participação social e transversalidade, dentre outros marcos históricos relativos a formulação de políticas públicas ao segmento no Brasil. 33

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Embora o segmento tenha alcançado muitas conquistas sociais na história, dando uma impulsionada na formulação e na implementação de políticas públicas LGBTQIA+, Epstein e Johnson (2000) afirmam que não tem sido fácil conciliar a teoria com a prática, visto que a homossexualidade e o gênero ainda são motivo pra grandes represálias, sendo assim, as mudanças trazidas pela iniciativa publica, são ilusórias, pois possuem uma grande barreira moral e social devido ao forte avanço do conservadorismo na contemporaneidade. Cabe destacar o posicionamento da igreja católica sobre as relações homoafetivas onde ela “define a vivência homossexual como constitutivamente pecaminosa e contesta a legitimidade da reivindicação de direitos conjugais e parentais para lésbicas e gays” (NETO, 2004, p. 17), negligenciando a liberdade da orientação sexual. O segmento LGBTQIA+ até os dias atuais tem sido alvo de diversos questionamento pois são vistos por muitos como sujeitos ilegítimos para reivindicar direitos na arena política ou até mesmo que não sejam humanos o suficiente para ter sua própria integridade física, autonomia moral e a liberdade existencial com direito à proteção do Estado (FAGUNDES; MOURA, 2009). Ressalte-se que a natureza humana dessas pessoas é sistematicamente questionada ou mesmo negada por meio de ideologias da heterossexualidade e tradições religiosas, incompatíveis com os princípios de respeito à dignidade, garantia de autonomia e proteção de liberdade. Estes princípios movem uma sociedade democrática e os Estados laicos. A ausência de políticas clara e eficaz, que lide com a temática da diversidade sexual, reflete o não comprometimento político de nossos representantes, levando em consideração também, o fato de que os movimentos sociais estão perdendo espaço gradativamente na transformação social do Brasil, favorecendo a situação de retrocessos políticos e de conquistas estagnadas (FELDENS; MELO; MOTA, 2017). Embora já tenha ações e programas, alcançados pela luta do Movimento LGBTQIA+, que buscam a ampliar o escopo dos direitos ao segmento, a promoção da igualdade de justiça social como forma de alcançar a cidadania plena depende do Estado. Isto deve ser alcançado através da sua intervenção e atuação na ordem social, política e econômica. Neste caso, os padrões de proteção gerados pela sua intervenção devem atingir todo o segmento, por meio de políticas públicas, legislação específica, especialmente ações que produzam consciência democrática, para empoderar as pessoas LGBTQIA+ com direitos e garantias, a título de legitimação concedida. CONSIDERAÇÕES FINAIS 34

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A luta em busca da legitimidade do segmento LGBTQIA+ aos direitos sexuais e políticas públicas é inegável, e tem ganhado bastante visibilidade no Brasil, por meio de uma forte organização política de LGBTQIA+. No entanto, alguns entraves são perceptíveis quando o assunto é a materialização de ações que legitime a elaboração e a implementação das políticas públicas ao segmento, dentre elas a luta ideológica cultural e social que perpassa uma mudança referente a valores e costumes, baseados em representações religiosas e conservadoras, existente no âmbito legislativo brasileiro. Os entraves para políticas públicas LGBTQIA+ se tornam mais intensos, quando as ações e programa possuem uma baixa intensidade na força normativa, quando comparados a leis, ou até mesmo não possuem um caráter normativo, tratando-se apenas de documentos informais. Sendo assim, há a presença do que chamamos de “insegurança jurídica”, visto que ações e programas podem ser revogados pelo governo definitivamente. No Brasil, como destacamos ao longo do texto, houve um aumento na formalização de políticas públicas para o segmento, o que foi de suma importância para compreender que os direitos sexuais possuem uma grande influência para a comunidade, como um argumento de integração aos princípios do Estado social e democrático de direito. Neste sentido atuação estruturada do Estado para a materialização dos direitos LGBTQIA+, precisa ser norteada pelas reivindicações sociais do Movimento e incluir a sociedade civil nesse processo de conscientização sobre a diversidade e a carência de direitos para o segmento, desta forma, possibilitando a articulação da sociedade na fiscalização dessas políticas, assim, alcançando a verdadeira justiça social, legitimando a afirmação do segmento aos direitos sexuais e políticas públicas efetivas. REFERÊNCIAS NETO, Luiz Mello de Almeida. Política sexual e conjugalidade homossexual no Brasil contemporâneo. 2004. Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/28-encontro-anual-da-anpocs/st- 5/st06-4/3933-luizneto-politica/file. Acesso em 10 de abr. 2022. ARAÚJO, Luísa; RODRIGUES, Maria de Lurdes. Modelos de análise das políticas públicas, Revista Sociologia, Problemas e Práticas, n. 83, p. 11-35, 2017 35

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ARAÚJO, Tânia Bacelar. HERANÇA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL. 1996. Disponível em: http://www.enfoc.org.br/system/arquivos/documentos/37/f1148herana-das-politicas- publicas-no-brasil---tania-bacelar.pdf. Acesso em: 20 de abr. 2022. BONETI, Lindomar Wessler. Políticas públicas por dentro. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007. CORRÊA, Sonia; PETCHESKY, Rosalind. Direitos sexuais e reprodutivos: uma perspectiva feminista. In: Physis Revista de Saúde Coletiva, vol. 6, nº 1, Rio de Janeiro, 1996, p. 147- 177. EPSTEIN, Debbie; JOHNSON, Richard. Sexualidades y institución escolar. Madrid: Morata: La Coruña: Fundación Paideia, 2000. FAGUNDES, Helena; MOURA, Alessandra Ballinhas. Avaliação de programas e políticas públicas. Revista Textos e Contextos Porto Alegre. v. 08 n. 01, jan/jun. 2009. HAM, Cristopher & HILL, Michael. (1993). O processo de elaboração de políticas no Estado capitalista moderno (R. Amorim & R. Dagnino, Trad.). Adaptação e revisão: Renato Dagnino. Campinas-SP: Editora da Unicamp HOWLETT, M.; RAMESH, M.; PERL, A. Política pública: seus ciclos e subsistemas (uma abordagem integradora). 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. KINGDON, John W. Agendas, Alternatives and Public Policies, Boston, Longman (2.ª edição revista), 2011. MAJONE, Giandomenico; QUADE, Edward S. (eds.). Pitfalls of Analysis. London: John Wiley and Sons, 1980. MELLO, Luiz; MAROJA, Daniela. Políticas Públicas para população LGBT no Brasil: um mapeamento crítico preliminar. Revista Fazendo Gênero. Nº 9. 2010 OLIVEIRA, Rosa Maria Rodrigues de. Direitos sexuais de LGBT* no Brasil: jurisprudência, propostas legislativas e normatização federal. Brasília. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. 2013. Coleção Diálogos sobre a Justiça. PARSONS, Wine. Public Policy. An Introduction to the Theory and Practice of Policy Analysis, Cheltenham, UK, e Northampton, MA: Edward Elgar, 1995. PEREIRA, Cleyton Feitosa. Notas sobre a trajetória das políticas públicas de direitos humanos LGBT no Brasil. Revista Interdisciplinar de Direitos Humanos, Bauru, v. 4, n. 1, p. 115-137, jan./jun. 2016. RODRIGUES, Marta M. Assumpção. Políticas Públicas. São Paulo: Publifolha, 2011. (Coleção Folha Explica). RUA, Maria das Graças. Políticas Públicas. Florianópolis, Departamento de Ciências da Administração-UFSC, Brasília, CAPES, UAB, 2009. 36

EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS A FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE RESERVA DE VAGAS PARA INGRESSO NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS: inserção da temática na agenda e formulação do plano de ação THE FORMULATION OF THE VACANT RESERVATION POLICY FOR ENTRY IN FEDERAL UNIVERSITIES: insertion of the theme on the agenda and formulation of the action plan Elis Rejane Silva Oliveira1 Guiomar de Oliveira Passos2 RESUMO Investiga-se a formulação da política de reserva de vagas para ingresso nas instituições de ensino superior regulamentada pela Lei 12.711/2012. Analisa-se sua concepção desde a inserção da temática na agenda pública até a sanção da Lei. Recorreu-se à pesquisa bibliográfica e a fontes documentais depositadas nas páginas eletrônicas da Câmara e do Senado Federal. Constatou-se que a instituição da reserva de vagas iniciou-se no estado do Rio de Janeiro, por meio de lei estadual, que foi acompanhada por outras universidades, ao passo que o tema foi introduzido para debate no Congresso Nacional por meio do PL 73/99, que após 13 anos de tramitação foi convertido na Lei 12.711/2012. Essa é o resultado de 13 anos de debates, de negociações entre vários segmentos e atores e, principalmente, de uma comunhão de vontades expressa na junção de outras proposições com o mesmo objeto. Palavras-chave: Reserva de Vagas. Política Pública. Formulação de política pública. ABSTRACT It investigates the formulation of the policy for reserving vacancies for admission to higher education institutions regulated by Law 12,711/2012. Its conception is analyzed from the insertion of the theme in the public agenda until the sanction of the Law. We resorted to 1 Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí. Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do Piauí. e-mail: [email protected] 2 Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília e professora na Universidade Federal do Piauí, no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e no Departamento de Serviço Social. e-mail: [email protected] 37

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS bibliographical research and to documentary sources deposited in the electronic pages of the Federal House and Senate. It was found that the institution of the reservation of vacancies began in the state of Rio de Janeiro, by means of a state law, which was followed by other universities, while the theme was introduced for debate in the National Congress by means of PL 73/99, which, after 13 years of debate, was converted into an Ordinary Law. This is the result of 13 years of debates, of negotiations between several segments and actors and, mainly, of a communion of wills expressed in the joining of other propositions with the same object. Keywords: Reservation of Vacancies. Public policy. Public policy formulation. 1 INTRODUÇÃO No ciclo das políticas públicas, o momento do nascimento ou o início da existência, é demarcado no processo de formulação, caracterizando-se, conforme Capella (2018, p. 9), “como uma etapa pré-decisória, ou seja, anterior a qualquer atividade de formalização [...]” e compreendendo dois elementos principais: definição da agenda e definição de alternativas. O primeiro elemento, explica a autora (CAPELLA, 2018, p. 9), “envolve o direcionamento da atenção em torno de questões ou problemas específicos” e o segundo “a exploração e o desenho de um plano possível para a ação.”. Um e outro, completa a autora, têm suas características distintivas determinadas “em uma complexa combinação de instituições e atores, envolvendo elementos técnicos e políticos (CAPELLA, 2018, p. 9). Examina-se o direcionamento da atenção do governo para o acesso das camadas mais desfavorecidas da população (egressos das escolas públicas, negros e índios) ao ensino superior e como esse desenhou o plano para atuar no problema. Pergunta-se: como se desenvolveram esses processos? Essa é uma investigação que se volta, primeiro para as iniciativas das instituições de educação superior, depois para as ações dos Poderes Executivo e Legislativo Federais. Para isso, vale-se de pesquisa bibliográfica, relativa à instituição da reserva de vagas nas Instituições Federais de Ensino, e pesquisa documental composta pelos projetos de lei apresentados na Câmara e no Senado Federal e pelos requerimentos, ofícios, pareceres e relatórios produzidos na tramitação da matéria. 38

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Esses documentos, após a seleção, foram submetidos à análise de conteúdo de tipo “indutiva-construtiva” (MORAES, 1999, p. 31) que consistiu em construir categorias a partir dos dados, tendo como finalidade definir o que é essencial nos documentos analisados para compreender o processo de formulação da política de acesso ao ensino superior dos segmentos excluídos. Os resultados estão expostos em quatro partes, cuja primeira é esta introdução; a segunda expõe a inserção da temática na agenda pública; na terceira, discute-se a Lei 12.711/2012, focalizando sua gênese; e na quarta e última sintetiza como foi o processo de direcionamento da atenção do governo para o acesso das camadas mais desfavorecidas da população (egressos das escolas públicas, negros e índios) ao ensino superior e como esse desenhou o plano para atuar no problema. 2 A INSERÇÃO DA TEMÁTICA DO ACESSO DOS SEGMENTOS EXCLUÍDOS NO ENSINO SUPERIOR NA AGENDA PÚBLICA: DO PL Nº 73/1999 AO PLC Nº 180/2008 A sociedade brasileira ainda não alcançou a universalização da educação básica, pois, conforme dados do Observatório do Plano Nacional de Educação (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020), 63% das crianças de 0 a 3 anos e 5,9% das de 4 a 5 anos ainda estavam fora da escola em 2019; e, 24,6% dos jovens com idades entre 15 a 17 anos estavam fora das classes de ensino médio em 2020. No ensino superior, a taxa líquida, porcentagem de jovens de 18 a 24 da população matriculados é 23,8%, havendo 18,1% da população com 25 anos ou mais com curso superior concluído. O acesso ao ensino superior, desde a década de 1960, no que se convencionou chamar “movimento dos excedentes” (CASTRO, 2008; BRAGHINI, 2014), vem sendo objeto de atenção da sociedade e do Estado seja por meio das reivindicações da União Nacional dos Estudantes (UNE) e outras entidades da sociedade civil, seja por meio de políticas públicas de quem são exemplos a Lei nº 5.540 de 1968, a chamada Lei de Reforma Universitária, e a Lei nº 9.394 de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A Lei nº 5.540 de 1968, por meio da reformulação do vestibular e da diversificação institucional, isto é de modelos não universitários das unidades de ensino, favoreceu a expansão de cursos, matrícula, docentes e servidores, “passando de 582 IES, em 1970, para 39

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS 887, em 1979 (BRASIL, [1985] apud CASTRO, 2008, p. 31). A Lei nº 9.394/1996, conforme Coelho e Vasconcelos (2011, p. 121), promoveu “uma expansão da educação superior no país, sem precedentes históricos” ao demarcar, completam as autoras, “a implantação de uma nova política educacional que desencadeou um processo de reformulação profunda no sistema de educação superior brasileiro”. As reformulações favoreceram a criação de instituições privadas e a interiorização da oferta, as matrículas passaram de 1.868.529 em 1996 para 2.369.945 em 1999 (CASTRO 2008). Isso, contudo, não alcançou todos os segmentos da população, como comprova a taxa ajustada de frequência escolar líquida: apenas 7,6% de jovens, entre 18 a 24 anos, pertencentes ao quinto da população com menor renda per capita, frequentavam ou concluíram o ensino superior em 2019, enquanto entre os jovens pertencentes ao quinto de maior renda alcançou 61,5% (IBGE, 2020). O problema, como constatou Gomes (2013, p. 28), não é a falta de vagas, tampouco de candidatos; tem a ver, completa o autor, com a renda, o tipo de escola e grupo étnico e racial. Por isso, seu enfrentamento, desde os anos de 1990, tem se dado, por um lado, por meio de: medidas expansionistas, de que são exemplos as inovações trazidas pela LDB e a interiorização e oferta de vagas noturnas propiciadas pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Por outro, tem sido feito por meio de ações que focalizam os segmentos excluídos − egressos das escolas públicas, negros e índios - cujas mais notórias, mas não as únicas, são as reservas de vagas ou, como chamadas popularmente, as cotas. A instituição da reserva de vagas teve início no estado do Rio de Janeiro por meio da Lei Estadual nº 3.524/2000, de 28 de dezembro de 2000 com a destinação de 50% das vagas das universidades públicas estaduais para alunos que tivessem “cursado integralmente os ensinos fundamental e médio em instituições da rede pública dos Municípios e/ou do Estado” (RIO DE JANEIRO, 2000). A medida foi acompanhada por outras instituições públicas. Inicialmente, as estaduais, a exemplo da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) em 2002; depois nas federais, cujo pioneirismo é da Universidade de Brasília (UNB), em 2002, seguida pela Universidade Federal do ABC (UFABC) e pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), em 2005. 40

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Pari passu, o tema passa a constar na pauta da Câmara dos Deputados e do Superior Tribunal Federal. Este, chamado a se manifestar sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, protocolada pelo Partido Democratas (BRASIL, 2012d) e no Recurso Extraordinário (RE 597285) impetrado por um estudante que questionava os critérios adotados pela UFRGS para reserva de vagas, manifestou-se contrário às ações, julgando as medidas não apenas adequadas e proporcionais como no escopo da autonomia que foi conferida pelo art. 207 da Constituição às Universidades (GOMES, 2013). Na Câmara dos Deputados por meio de projetos de lei, cujo pioneiro foi o de nº 73/1999 de autoria da Deputada Federal Nice Lobão - PFL/MA. Este, é verdade, não tratava da reserva de vagas para um segmento específico, mas da adoção de um mecanismo de seleção que considerasse rendimento acadêmico do aluno egresso do ensino médio. A preocupação da autora, expresso na Exposição de Motivos que acompanhou a proposição, era com a qualidade do ensino, argumentando que era preciso reservar vagas para alunos, supõe-se, de alto rendimento, favorecendo, em seus termos, gestar os fundamentos do surgimento de uma verdadeira elite acadêmica (com \"e\" maiúsculo) e não no sentido pejorativo dos que excluem a maioria da cidadania, mas, ao contrário, dos que apostam decisivamente, na sua integração efetiva na sociedade com vistas a alcançar o bem estar social (BRASIL, 1999, p. 09546). Esse intento não impediu que lhe fossem apensados projetos voltados para o acesso dos segmentos excluídos, tendo prevalecido o tema principal: o acesso e, mais especificamente, os mecanismos de seleção. Com efeito, entre 1999 e 2008, a temática do acesso não apenas sofreu uma verdadeira metamorfose, deslocando-se das elites para os excluídos, como abriu o leque dos mecanismos de acesso para favorecer os mais variados segmentos. O mecanismo de acesso proposto em uns era a reserva de vagas de egressos da escola pública (o PL nº 1.447/99, o PL nº 1.643/99 e o PL nº 2.069/99), outros estabeleciam reserva de vagas para população indígena (o PL nº 615/03 e o PL nº 1.313/03) e outros, como o do governo, o PL nº 3.627/04, “para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas” (BRASIL, 2004). Na tramitação, alguns foram desapensados em face das diferenças nas proposições dentre eles os PLs n.º 1447/99, 2069/99, 3.627/04, todavia, juntaram-se ao substitutivo aprovado na Comissão de Educação e de Cultura, que incorporava tanto a reserva de vagas 41

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS “para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas” (BRASIL, 2005) como a seleção pelo desempenho ao estabelecer: As universidades públicas deverão selecionar os alunos advindos do ensino médio em escolas públicas tendo como base o Coeficiente de Rendimento – CR, obtido através de média aritmética das notas ou menções obtidas no período, considerando-se o curriculum comum a ser estabelecido pelo Ministério da Educação e do Desporto (BRASIL, 2005). Esse substitutivo foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Minoria e na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, onde tiveram seus méritos reconhecidos, e sofreram alterações. Estas combinaram critérios étnico-raciais e socioeconômicos para acesso à educação pública de nível superior, sem desconsiderar o conhecimento intelectual dos estudantes, uma vez que os beneficiados deveriam passar pelo filtro de uma seleção para ingresso nos cursos (BRASIL, 2006a). As apreciações, em caráter conclusivo, contudo, foram contestadas no Plenário da Câmara sob a alegação de que se tratava “de matéria de grande complexidade e impacto sobre a sociedade”, merecendo, diz o signatário Deputado Alberto Goldman, “ser legitimada pela maioria da composição plenária desta Casa” (BRASIL, 2006b). A aprovação da proposição ensejou novas discussões nas Comissões e Plenário, inclusive a realização de um seminário sobre as cotas no ensino superior, arquivamento e desarquivamento do Projeto de Lei até maio de 2007. A partir dessa data, tem-se a apensação de vários projetos (PL 373/2003/PL 2.923/2004, PL-1330/2007. PL-1736/2007, PL-14/2007, PL 3913/2008), apresentação de emendas e a aprovação do substitutivo elaborado na Comissão de Educação e Cultura com algumas emendas. O tema era controverso. A sessão foi marcada por acirrados debates, principalmente em torno dos critérios renda e étnico-racial, que dividia os parlamentares entre favoráveis e desfavoráveis a um ou outro critério. Os contrários à aprovação da matéria tinham como principal alegação que a reserva de vagas, em especial para negros, feria o princípio da igualdade e que “a diferenciação na educação brasileira se dá muito mais por critérios sociais do que por critérios raciais” (BRASIL, 2008, p. 52932) e, desse modo, o critério renda já contemplaria o racial. Entretanto, o critério racial foi acatado, pois, “especialmente da parte do 42

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS Governo e do Partido dos Trabalhadores, havia compromissos com os movimentos sociais que reivindicavam a inclusão do critério racial” (BRASIL, 2008, p. 52932). O texto aprovado manteve a determinação de que: cada instituição federal de ensino reservasse “em cada concurso seletivo para ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas” (BRASIL, 2008). Essas vagas deveriam ser preenchidas com “estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita” e por autodeclarados negros, pardos e indígenas, proporcionalmente à parcela dessa população “da unidade da Federação onde está instalada a instituição”. Além disso, estabelecia o Projeto de Lei que a seleção dos egressos do ensino médio público tivesse por base o Coeficiente de Rendimento (BRASIL, 2008). Desse modo, o público alvo primário eram os estudantes que concluíssem o ensino médio integralmente em escola pública e o alvo secundário aqueles com renda per capita familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e os autodeclarados negros e indígenas. É esse substitutivo que é enviado ao Senado Federal em 25 de novembro de 2008. Como foi a tramitação nessa Casa é o que se aborda a seguir. 3 DO PLC 180/2008 À LEI 12.711/2012: MARCHAS E CONTRAMARCHAS O Projeto de Lei, aprovado na Câmara, foi encaminhado ao Senado Federal em 25 de novembro de 2008, por meio do Ofício nº 678/08/PS-GSE, onde passou a ser o PLC 180/2008. A tramitação tem início na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que promoveu, entre dezembro de 2008 e abril de 2009, três audiências públicas das quais participaram cientistas políticos, representantes de organizações da sociedade civil, membros do governo federal, representantes dos dirigentes das instituições federais de ensino superior, antropólogos, historiadores, dentre outros. Nessa Comissão, assim como nas demais, a proposição foi aprovada apenas com emendas de redação, isto é, que apenas alteram partes do texto, como por exemplo a supressão da palavra desporto na designação do Ministério da Educação e a substituição da palavra “negros” por “pretos”. 43

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A redação final do Projeto de Lei foi apresentada no dia 07 de agosto de 2012 por meio do Parecer nº 1.005, de 2012 e mantém: Cota socioeconômica - ao estabelecer o mínimo de 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Desse percentual, “50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário (um salário mínimo e meio) mínimo per capita” (BRASIL, 2012c, p.2); Seleção com base no rendimento dos alunos advindos do ensino médio em escolas públicas; Cota étnico-racial - preenchimento de vagas “por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, no mínimo igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)” (BRASIL, 2012c, p.2). A sistemática de acesso deveria ser implementada no prazo de 4 anos, no mínimo 25% da reserva a cada ano e será revista no prazo de 10 (dez), a contar da publicação da lei (BRASIL, 2012c). O Projeto de Lei nº 180, de 2008 (nº 73/99 na Câmara dos Deputados) foi sancionado pela presidente da República, Dilma Rousseff, no dia 29 de agosto de 2012, com veto do artigo 2º, sob a justificativa de que O Coeficiente de Rendimento, formado a partir das notas atribuídas ao longo do ensino médio, não constitui critério adequado para avaliar os estudantes, uma vez que não se baseia em exame padronizado comum a todos os candidatos e não segue parâmetros uniformes para a atribuição de nota (BRASIL, 2012a). Chegava ao fim a tramitação de 12 anos que iniciou com a proposição de criação de mecanismos alternativos para ingresso no ensino superior público e tornou-se a Lei 12.711, que “dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências” (BRASIL, 2012b). 4 CONCLUSÃO Este artigo se voltou para a formulação de uma política pública, examinando como se desenvolveram os processos de direcionamento da atenção do governo para o acesso das camadas mais desfavorecidas da população (egressos das escolas públicas, negros e índios) ao 44

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS ensino superior e para o processo de elaboração do desenho do plano para atuar no problema. Desse modo, percorreu-se o caminho da inserção da temática na agenda pública até a promulgação da Lei 12.711, que determinou a reserva nas instituições federais para egressos das escolas públicas de ensino médio, privilegiando, entre eles, os de menor renda, negros e índios. Para isso, baseando-se em pesquisa bibliográfica e documental, voltou-se primeiro para as iniciativas das instituições de educação superior, depois para as ações dos Poderes Executivo e Legislativo Federais. As atenções voltaram para a problemática do acesso dos segmentos excluídos ao ensino superior a partir da ampliação do acesso a essa modalidade de ensino, promovida pelas medidas expansionistas e pela nova política de educação implementadas por meio da Lei nº 5.540 de 1968 e, especialmente, por meio da Lei 9.394/96, que favoreceu a criação de instituições de ensino superior privadas e a interiorização da oferta de vagas, porém, não alcançou a todos, pois egressos de escola pública, os de menor renda, negros e índios continuavam excluídos desse processo de ampliação. A reserva de vagas emergiu como solução para promoção do acesso à universidade aos grupos mais desfavorecidos da população e, foi primeiramente instituída no estado do Rio de Janeiro em 2000, por meio de uma lei estadual; passando a ser, a reserva de vagas, posteriormente, adotada por outras universidades, estaduais e federais. O debate em torno do acesso à universidade foi introduzido no Congresso Nacional em 1999, por meio do Projeto de Lei nº 73, da Deputada Nice Lobão, cuja tramitação estendeu-se até 2008. O PL 73/99 tinha como proposta a reserva de 50% das vagas em universidades públicas para ingresso através de mecanismo de seleção alternativo. Todavia, durante o período em que tramitou na Câmara foram apensados vários projetos de lei e acrescentados novos preceitos à proposição inicial na forma de substitutivos, que foram submetidos às comissões daquela casa onde tiveram seus méritos reconhecidos e sofreram alterações. Estas combinaram critérios étnico-raciais e socioeconômicos para acesso à educação pública de nível superior No Senado Federal o PL 73/99, nomeado PLC 180/2008, tramitou de 2008 até 2012, onde foi submetido à apreciação das comissões legislativas que o aprovaram sem grandes alterações, sendo as poucas sofridas apenas de redação, não lhe alterando o mérito. 45

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS A Lei Ordinária 12.711, de 29 de agosto de 2012, portanto, é o resultado de 13 anos de debates, de negociações entre vários segmentos e atores e, principalmente, de uma comunhão de vontades expressa, na junção de outras proposições com o mesmo objeto. Sua contribuição para o enfrentamento do problema do acesso ao ensino superior, como previsto, precisa ser avaliada, especialmente, quando completam 10 anos de sua implementação. REFERÊNCIAS BRAGHIN, Katya Mitsuko Zuquim. A história dos estudantes \"excedentes\" nos anos 1960: a superlotação das universidades e um \"torvelinho de situações improvisadas\". Educar em Revista, Curitiba, n. 51, p. 123-144, jan./mar. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/er/a/LRjYPXnRxwFHYwMG6RwzYzd/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 06 maio 2022. BRASIL. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados, ano LIV - nº 45, 16 de março de 1999. Brasília-DF, 1999. p. 09546 - 09547. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD16MAR1999.pdf#page=78. Acesso em 01 abril 2022. BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei nº 3.627 de 2004. Brasília-DF, 2004. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=223523&filenam e=PL+3627/2004. Acesso em 06 maio 2022. BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatório da Comissão de Educação e Cultura. Brasília-DF, 2005. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=342371&filenam e=CVO+1+CE+%3D%3E+PL+73/1999. Acesso em 06 maio 2022. BRASIL. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados, ano LXI - nº 026 - 14 de fevereiro de 2006. Brasília-DF, 2006a. p. 08033 - 08043. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD14FEV2006.pdf#page=321. Acesso em 02 abril 2022. BRASIL. Câmara dos Deputados. Recurso 265/2006. Brasília-DF, 2006b. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=375720&filenam e=REC+265/2006+%3D%3E+PL+73/1999. Acesso em 07 maio 2022. BRASIL. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados, ano LXIII - nº 197 - 21 de novembro de 2008. Brasília-DF, 2008. p.52925 - 52944. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD21NOV2008.pdf#page=103. Acesso em 05 abril 2022. BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação Informatizada - lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012 – Veto. Brasília-DF, 2012a. Disponível em: 46

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2012/lei-12711-29-agosto-2012-774113-veto- 137504-pl.html. Acesso em 11 abril 2022. BRASIL. Lei 12.711/2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da União. 30 ago. 2012. Brasília-DF, 2012b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em 18 abril 2022. BRASIL. SENADO FEDERAL. Parecer nº 1.005, de 2012. Brasília-DF, 2012c. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg getter/documento?dm=4546048&ts=1630433900978&disposition=inline. Acesso em 18 abril 2022. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186. Brasília-DF, 2012d. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6984693. Acesso em 05 maio 2022. CAPELLA, A. C. N. Formulação de Políticas. Brasília: Enap, 2018. CASTRO, Fabiana R. de Almeida. Os sentimentos, percepções e práticas de docentes e discentes do Curso de Administração da Universidade Federal do Piauí, em Teresina, como reflexo da expansão do ensino superior privado. 2008. 123 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) - Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2008. COELHO, Síntia Said.; VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. A expansão do ensino superior pós LDBEN: territórios disputados. Cadernos ANPAE, Goiânia, v. 11, p. 121-142, 2011. GOMES, Marcelo Batista. As cotas na Universidade Federal do Piauí: instituição e resultados. 2013. 122 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) - Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Universidade Federal do Piauí, Teresina, 2013. IBGE. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese dos indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2020. Estudos e Pesquisas, n. 43, Rio de Janeiro, IBGE, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101760.pdf. Acesso em: 03 maio 2022. MORAES, Roque. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32, 1999. RIO DE JANEIRO. Lei Estadual nº 3.524/2000, de 28 de dezembro de 2000. Dispõe sobre os critérios de seleção e admissão de estudantes da rede pública estadual de ensino em universidades públicas estaduais e dá outras providencias. 2000. Disponível em: < https://leisestaduais.com.br/rj/lei-ordinaria-n-3524-2000-rio-de-janeiro->. Acesso em: 03 maio 2022. 47

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS TODOS PELA EDUCAÇÃO (Coord.). Observatório do Plano Nacional de Educação - OPNE, 2020. Disponível em: https://observatoriodopne.org.br/metas/. Acesso em: 03 maio 2022 48

EIXO TEMÁTICO 1 | ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS A GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS: uma breve reflexão histórica à luz da formação do estado e da sua função civilizatória THE GUARANTEE OF SOCIAL RIGHTS: a brief historical reflection in the light of the formation of the state and its civilizing function Amanda Bastos de Moura1 RESUMO A garantia dos Direitos Sociais, positivados em nosso ordenamento jurídico, enfrenta inúmeros desafios econômicos, políticos e sociais constantemente. Nesse contexto, a temática do presente trabalho emerge da necessidade de se compreender o papel do Estado para efetivação desses direitos por meio das políticas públicas, levando-se em consideração a perspectiva histórica de sua formação e o exercício da sua moderna função civilizatória. Desse modo, objetiva analisar a formação do aparato estatal em nossa sociedade, apontando suas principais características, e busca compreender como o Estado cumpre sua missão de garantidor dos direitos sociais por meio das políticas sociais. Nesse delinear, utiliza o método histórico e argumentativo e realiza uma revisão bibliográfica. Ademais, expõe as bases teóricas do Estado Democrático de Direito e faz um apanhado sobre os principais pontos da missão estatal de promover o bem-estar social, principalmente no que tange a preservação do princípio da dignidade da pessoa humana. Conclui que para os direitos sociais se tornarem palpáveis e efetivos em nossa sociedade, faz-se mister a prática de políticas públicas efetivas que ratifiquem todas as lutas históricas para a superação de desigualdades sociais. Palavras-chave: Estado; Função Civilizatória; Direitos Sociais; Políticas Públicas. ABSTRACT The guarantee of Social Rights, affirmed in our legal system, faces countless economic, political and social challenges constantly. In this 1 Bacharela em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Pós-graduada em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá, Mestranda em Serviço Social e Direitos Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; [email protected]. 49

ANAIS IV SINESPP SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS context, the theme of this work emerges from the need to understand the role of the State in the realization of these rights through public policies, taking into account the historical perspective of its formation and the exercise of its modern civilizing function. Thus, it aims to analyze the formation of the state apparatus in our society, pointing out its main characteristics, and seeks to understand how the state fulfills its mission of guarantor of social rights through social policies. In this outline, it uses the historical and argumentative method and carries out a literature review. Furthermore, it exposes the theoretical bases of the Democratic State of Law and makes an overview of the main points of the state's mission to promote social well-being, especially with regard to the preservation of the principle of human dignity. It concludes that for social rights to become tangible and effective in our society, it is necessary to practice effective public policies that ratify all the historical struggles to overcome social inequalities. Keywords: State; Civilizing Function; Social rights; Public policy. 1 INTRODUÇÃO A questão dos Direitos Sociais em nosso país enseja sempre diversas reflexões. Consoante o desenvolvimento da sociedade, os direitos se transformam e influenciam a vida de todos os indivíduos. Assim, a concepção moderna dos Direitos Sociais é fruto de uma construção histórica influenciada pela própria formação do aparato estatal. Tal evolução histórica foi lenta e gradual, baseando-se na própria experiência da vida em sociedade. Partindo desse pressuposto, é possível afirmar que a garantia dos direitos sociais resultou de grandes lutas em diversos momentos históricos, sempre tendo por base o princípio da dignidade da pessoa humana. Por representarem um conjunto de normas e instituições voltadas ao resguardo da dignidade, liberdade e igualdade dos cidadãos, constituem o fundamento do Estado democrático e representam condições elementares para se garantir uma vida digna à sociedade, promovendo o mínimo existencial aos cidadãos. Assim sendo, o interesse em estudar os principais aspectos da função do Estado como garantidor desses direitos sociais, bem como a preocupação em compreender a moderna função civilizatória do Estado, sobretudo quanto aos seus efeitos sociais, foram as grandes balizadoras da escolha do tema. Objetivamos compreender a importância da preservação dos direitos sociais em nosso ordenamento jurídico, levando-se em conta a formação do Estado e da sua moderna função civilizatória. Ademais, pretendemos apresentar o papel do Estado como garantidor desses 50


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