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EIXO 2 - Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:22:43

Description: Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Entendendo a importância do espaço institucional, apresentamos a estrutura dos Centros visitados e as atividades desempenhadas nestas instituições. O CSSF e o CSSM ficam localizados no mesmo bairro, praticamente um ao lado do outro, e a entrada se dá através do mesmo portão, diferenciando somente a porta de cada unidade. Apesar da proximidade física, a realidade de cada centro é muito diferente. O Centro Socioeducativo São Francisco recebe jovens de faixa etária mais baixa, cerca de 14 anos. Possui uma estrutura reduzida, as salas da equipe técnica, coordenação e direção são bem próximas. Possui uma área de lazer e seis salas de atividades destinadas aos jovens, a saber: três salas de aulas que se dividem entre o curso do SENAC4 de noções básicas de reparos domésticos, letramento e Projeto Recomece5, sala de música, de informática e uma para atendimento aos jovens. Importa salientar que a sala de atendimento não possui mesa, somente cadeiras e que estavam sujas de comida no momento em que estava fazendo a pesquisa de campo. O centro educacional possui três alas com número de dormitórios e capacidades diferentes. A ala que visitei possuía quatro dormitórios e, segundo fui informada pelo coordenador de segurança, é a maior e já chegou a acomodar até nove adolescentes por dormitório. Além disso, possui uma quadra e o refeitório. O Centro Socioeducativo São Miguel recebe jovens com uma faixa etária mais elevada (16-17 anos). Possui uma estrutura mais ampla, o espaço entre as salas é maior, conta com uma área verde entre as alas, possui onze salas (seis de atendimento, quatro salas de aulas e uma de informática), quadra e refeitório. Tive a oportunidade de visitar as alas, uma ala em cada unidade. No CSSF fui acompanhada pelo coordenador técnico e pelo coordenador de segurança, já no CSSM fui acompanhada pela Assistente Social Roberta. Nos dois centros foi perceptível a 4 “O Senac é uma instituição educacional privada sem fins lucrativos. Foi criada em 1946 e desde então inicia, atualiza e requalifica profissionais e organizações para ingressarem no mercado de trabalho no setor de comércio e serviços.” Disponível em: <http://www.sp.senac.br/jsp/default.jsp?newsID=a869.htm&testeira=457>. 5 No âmbito do Estado do Ceará foi implantado projeto de semelhante natureza. O “RECOMECE… Desenhando o Futuro” – como assim foi denominado o projeto – prevê a realização de oficinas diárias com temáticas universais, pautadas na concepção do documento “Educação: Um tesouro a Descobrir – Relatório para a Unesco (2010) da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI”. [...]O Projeto tem como objetivo geral abordar a Identidade e Cidadania no âmbito da formação pessoal dos jovens beneficiados, possibilitando sua reflexão sobre si mesmo, sobre o mundo, suas relações sociais e o desenvolvimento de competências e habilidades necessários para vida, além de abordar reflexões em torno das realidades humanas e como podem impactar positivamente em sua comunidade. (DEASE, 2018, p. 19-20) Disponível em: <http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/Cadernos_Finais/gestao_final.pdf>. 648

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI lotação em cada dormitório, com colchões no chão e pouca ventilação, o que difere do que afirma Pinto e Arruda (2013): O centro socioeducativo deve ter um ambiente físico destinado à privação de liberdade, com condições de habitabilidade e conter uma proposta pedagógica. Os centros de internação não devem ser meras instituições de contenção dos adolescentes e meios de controle social. Devem ser instituições que trabalhem as múltiplas dimensões da vida do adolescente, cabendo à equipe de profissionais o despertar das potencialidades nos adolescentes para que os mesmos possam refletir sobre seus atos, ampliar as relações com a comunidade e fazer escolhas a partir de valores socialmente aceitos quando retornarem definitivamente ao convívio social. (VOLPI, 1997 apud PINTO; ARRUDA, 2013, p. 5) No que se refere à estrutura dos centros, os profissionais do CSSF afirmam que: “Você já visitou um presídio? Não tem diferença” Manuel “A forma como os adolescentes ficam aqui é difícil da gente considera-los como socioeducandos, dentro de uma estrutura física que eles ainda não ficam dentro de dormitórios, eles ficam como se estivessem em uma cela mesmo né, é muito similar ao prisional, e isso prejudica muito.” Rodrigo “Quando eu comecei a trabalhar aqui, eu vi que era um ambiente insalubre... e aqui a gente não tem nem periculosidade e nem insalubridade. [...]” Patricia Os (as) profissionais sinalizam a semelhança da estrutura do socioeducativo e do sistema prisional apontando que a perspectiva dos direitos dos adolescentes inicia de forma fragilizada, tendo em vista o espaço destinado ao cumprimento da medida socioeducativa. Pinto e Arruda (2013, p. 5) afirmam que “é dever do Estado propiciar local adequado para o cumprimento da medida de internação, que deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes”, conforme previsto no artigo 125 do ECA. A insatisfação com a estrutura dos centros também foi expressa pelos profissionais do CSSM: “[...], lá são dois centros que ficam um ao lado do outro (o São Miguel e o São Francisco), e a estrutura deles é bem problemática, no sentido de infraestrutura e tantas outras coisas. [...] Thiago “[...] é muito pequena, o dormitório dos meninos é muito fechado, não tem ventilação, não é adequada. Eu acho muito desconfortável, principalmente lugar onde os meninos ficam.” Roberta “Eu acredito que tem muito que melhorar, tanto nos dormitórios, na própria parte administrativa, onde os meninos têm lazer, onde acontece as visitas...” Joyce 649

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI No que se refere às atividades desenvolvidas pelos profissionais nas unidades socioeducativas, e que são norteadas pelo Regimento Interno elaborado pela Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social em 2015 (Sessão II, Art. 102) foi possível observar que os Assistentes Sociais tinham ciência do que deveria ou não ser desempenhado. Esse esclarecimento quanto às atribuições possibilita uma intervenção pautada na perspectiva de direitos, fazendo com que o jovem e sua família percebam que são sujeitos nesse processo e que “a internação é mais uma etapa desse processo para o adolescente que cometeu ato infracional, e não o fim de perspectivas de socialização, escolarização e profissionalização” (FREITAS, 2011, p. 40). Entretanto ressaltamos que há um controle exercido pela instituição a respeito da atuação dos assistentes sociais o que pode acarretar um “ar de vigilância” sobre o trabalho realizado junto aos adolescentes e familiares. Há muitos tensionamentos e contradições como estas captadas na pesquisa de campo. Para compreender um pouco mais sobre o cotidiano profissional e suas condições, é necessário apresentar as narrativas dos interlocutores. Quanto ao trabalho realizado nas unidades de internação os profissionais do CSSM afirmaram: “O meu trabalho é muito limitado, infelizmente, por todas essas razões que eu já coloquei. A incompletude institucional, acessar os direitos sociais... a gente tem uma grande dificuldade de acessar os direitos sociais por meio do sistema socioeducativo, a simples retirada de um documento de um adolescente às vezes é uma via crucis, porque as instituições têm preconceito com jovens, acham que não deveriam estar ali, não os enxergam como sujeito de direitos.” Thiago “Eu queria fazer mais. É tanta burocracia que às vezes eu me sinto fazendo um trabalho burocrático, preenchendo o papel, preenchendo tabela, fazendo quantitativo, eu acho que ainda tem muito a melhorar para sair do emergencial e chegar na demanda realmente. O emergencial é o básico, eu quero sair do básico e eu ainda não consegui porque tudo é muito emergente. O adolescente entra crise tem que ser naquela hora, e aqui é um ambiente de crise. Não tem como tá tudo bem o tempo todo, é impossível. Eu acredito que o trabalho de todos os setores, não só do Serviço Social, mas de todos, ainda é muito burocrático.” Roberta “[...] eu considero bom, eu acho que o único problema é o acumulo de atribuições, por que a gente tem uma Assistente Social que está voltando de férias agora e teve um que se desligou recentemente que não se sabe quando vão chamar outra pessoa. A gente passou três ou quatro meses sem duas psicólogas, chegou uma agora, então assim, são muitas atribuições que a gente não consegue, é humanamente impossível a gente conseguir dar conta de tudo plenamente. Então a gente cobre aqui e descobre ali. Eu acho que a 650

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI minha atuação profissional aqui é boa, mas eu me sinto sufocada pelas inúmeras atribuições.” Joyce Percebe-se que a análise do cotidiano é indispensável para compreender e analisar o trabalho deste profissional, sendo nesta imediaticidade que são estabelecidos os nexos entre as demandas e a forma pela qual o profissional atribui (ou não) ao seu ofício o compromisso ético e político, de acordo com o projeto profissional da categoria (TERRA; AZEVEDO, 2013). Podemos compreender o termo “submínimo” atrelado as condições estruturais e aos estigmas atribuídos aos adolescentes autores de atos infracionais. Os aspectos da precarização do trabalho no continuam sendo citados pelos profissionais do CSSF: “Eu acho que as nossas ações aqui são muito limitadas, por exemplo, quando a gente quer desenvolver alguma atividade com os adolescentes como a Assembleia, que deveria ser um espaço em que eles teriam voz pra falar demandas coletivas, se a gente falar alguma coisa em favor deles, dizem que nós estamos “empoderando” os adolescentes e isso é meio que censurado aqui dentro. Se a gente quer fazer alguma atividade nova, a gente é meio que censurado aqui dentro, então eu acho que é muito limitado.” Patrícia “O trabalho aqui é desgastante, inclusive a gente precisa tomar muito cuidado com isso; não é o fato de trabalhar com o adolescente que me desgasta, mas é o fato de me relacionar com o Sistema (direção, socioeducador) porque o tempo todo a gente tem que se utilizar de estratégias pra realizar o nosso trabalho e isso vai desgastando a gente mentalmente. A questão de saúde também deve ser levada em conta, por que aqui é um lugar insalubre, a gente não tem condições de trabalhado adequadas e tudo isso faz com que a gente fique insatisfeito em alguns momentos com o trabalho aqui dentro, não com os adolescentes, com as condições que são dadas e esse desgaste que causa na gente.” Manuel A expressão “censurado” aparece de forma constante, reforçando a concepção de vigilância sobre o trabalho dos (as) assistentes sociais. Isso afeta atuação e o acesso aos direitos sociais, sobretudo quando os interlocutores apontam a limitação dentro da instituição. Um dos assistentes sociais, recém-chegado CSSF afirmou que: “Acho que é quase impossível fazer uma avaliação dentro de duas semanas incompletas de trabalho. O que eu posso dizer é que estou me apropriando, estou conhecendo ainda as relações, as interrelações dentro da instituição, vendo o que é possível fazer, vendo o que é estratégico. É complicado fazer essa avaliação, mas de certo modo eu estou bem satisfeito com o meu trabalho. Estou insatisfeito com a assembleia que aconteceu hoje... por que você vê e dá uma vontade de dar um basta naquilo, mas ai você pensa ‘opa, 651

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI não é assim, não dá pra fazer isso agora e não vai ser no basta que a gente vai conseguir avançar’. Mas, estou satisfeito.” Rodrigo Um dos pontos que me chamou atenção, no que se refere à precarização do trabalho, foi a questão da equipe reduzida. Conforme anotado em diário de campo, segundo informações dadas pelo Coordenador Técnico e confirmadas posteriormente pela equipe técnica, de junho de 2018 até março de 2019 só havia dois Assistentes Sociais no CSSF. Durante este período a unidade chegou a ter jovens 120 internos. Fazia cerca de duas semanas que havia chegado um novo Assistente Social, mas a equipe permanecia incompleta, já que segundo recomendações do SINASE era para ser composta por quatro assistentes sociais. Ressaltamos que a violação de direitos se inicia quando o Estado não visa garantir profissionais que possam atender minimamente as demandas e, que afetam a garantia de direitos dos jovens internos. No CSSM, a situação não é diferente. No dia em que realizei a visita para entrevista e observação, só havia duas profissionais do Serviço Social em atuação. Uma estava de férias e o outro havia se desligado a pouco tempo. Nos dois centros, era visível que a quantidade de trabalho a ser realizado, as atividades previstas para esse profissional e a rotina completamente agitada dentro das unidades tirava a possibilidade da realização de um trabalho plenamente efetivo. Ao falarem sobre a integridade física dentro das unidades, os entrevistados afirmaram que não se sentem seguros, que há falhas no sistema de segurança e que muitas vezes se apoiam no vínculo que constroem com o adolescente para que se sintam mais seguros: “Ameaçada. Nunca aconteceu nada de grave comigo, como acontece com os socioeducadores, por exemplo. Mas já ocorreram motins, tentativas de fuga, adolescentes que agridem socioeducadores, o que é raro acontecer, mas existe possibilidade sim, até por que há falhas no sistema de segurança.” Thiago “Mais ou menos. Não tem muita segurança, (a unidade) é muito pequena, o dormitório dos meninos é muito fechado, não tem ventilação, não é adequada. Eu acho muito desconfortável, principalmente lugar onde os meninos ficam. As nossas salas são pouco melhor, ainda acho pequenas para o atendimento, mas é um pouco melhor, mas para os meninos não é bom.” Roberta “[...] não existe essa segurança. A gente atende os adolescentes sem o suporte do socioeducador. A gente tem esse contato. Eu já me senti em risco, 652

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mas nunca aconteceu de fato alguma coisa que tenha ameaçado a minha integridade física não. Mas, por exemplo, já teve atendimento de adolescente que não foi feito o procedimento de revista e o adolescente foi com arma artesanal pra atendimento. Mas eles, por entenderem que a gente está aqui por eles, Sem cair na postura do fatalismo - de que não se pode fazer nada com as condições postas - ou do messianismo - de que o Assistente social conseguirá resolver todos os problemas que se apresentam -, entendemos que “o lugar que o profissional ocupa na organização da instituição, historicamente forjado, e a própria natureza dessa instituição, são questões que contribuem para que a potência da herança conservadora no exercício profissional persista” (TERRA; AZEVEDO, 2013, p. 114). Durante as entrevistas, os profissionais mencionaram estratégias desenvolvidas na perspectiva de acesso aos direitos, de orientação dos sujeitos atendidos (internos e famílias) visando a autonomia destes no processo de responsabilização. Os profissionais afirmam: A gente tenta fazer o máximo possível para que nossas intervenções sejam pautadas numa consciência ética, que as pessoas possam ser respeitadas na sua autonomia, na sua completude como ser humano, então é um desafio muito grande porque os empregadores têm uma visão assistencialista do serviço social, de concessão, de que são bons, esperando a gente uma postura de benesse, de pena, e não é isso, nosso trabalho não é esse. É o acesso a direitos, é o acesso a conhecimentos sobre como acessar determinado direito, a postura política totalmente diferente daquilo que as instituições querem o que a gente faça. Então é um descompasso bem grande entre aquilo que a gente como assistente social é formado para trabalhar e aquilo que as instituições querem que a gente faça, então a gente tá sempre nessa tensão, nessa interlocução, buscando efetivar o nosso compromisso ético- político, mas é um desafio diário e a gente tem que sempre está se articulando para que isso aconteça, com os próprios colegas assistentes sociais, se fortalecendo enquanto profissão, legitimando o que o CRESS busca fazer. – Thiago A questão dos direitos que também não são respeitados, a gente tenta, a gente luta, mas nem sempre depende da gente. Eu acho que ainda falta muito para a gente conseguir garantir um atendimento de qualidade, não pela questão dos Assistentes Sociais, mas por recursos humanos e recursos materiais, por exemplo, a nossa equipe está desfalcada: eram para ser quatro e somos três agora e uma está de férias, então só tem eu e a Joyce aqui. Psicólogos também estão desfalcados, o pedagogo também desfalcado, é complicado a gente fazer um atendimento de qualidade dessa forma. – Roberta Eu acho que na questão de enxergar adolescente não como um menor infrator, um delinquente, mas como um adolescente em processo de desenvolvimento e que, diferente dos adultos, ele tem uma mentalidade que ainda está em desenvolvimento, em amadurecimento. E a forma de enxergar 653

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI esse adolescente, a gente tem todo o histórico, todo um ranço de antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, então o assistente social tá aqui com a visão diferente da que ainda é difundida aqui e que a gente através dos atendimentos, tanto dos adolescentes como com a família, e com os próprios profissionais, tenta desconstruir. É um processo de sensibilização, inclusive com o próprio adolescente porque ele se autointitula como menor, preso, então nos atendimentos a gente traz essa sensibilização sobre quem são eles, quais são as perspectivas de futuro, o que ele tá fazendo aqui, o porquê do ato infracional, qual o sentido do ato infracional... Então eu acho que é uma questão mesmo de sensibilização, nosso trabalho é a sensibilização, educativo, é trazer perspectivas para o adolescente. – Joyce O aporte na dimensão ético-política e teórico-metodológica, estratégias de articulação coletivas, denúncias de irregularidades ou violações de direito, podem se apresentar como caminhos para a efetivação da atuação profissional voltada para a garantia de direitos da classe trabalhadora e sua autonomia, como também para os adolescentes em privação de liberdade. Sobre essas articulações, os profissionais do CSSF consideram que: Muitas vezes a gente aqui ficou pensando em até que ponto a gente poderia ir, mas eu tive sorte da equipe também ter esse perfil de enfrentamento e a gente consegue fazer isso. Lógico que tem muita coisa aqui que foge do nosso poder, mas minimamente a gente ainda consegue fazer essa articulação, essa orientação. A gente já entrou várias vezes em contato com o CEDECA, a gente já foi várias vezes no Conselho de Defesa pra falar sobre as condições de trabalho aqui, da falta de assistência aos meninos, questão de tortura e maus tratos, das orientações que a gente dá a família, de pedir que esteja mais no Centro vendo essas coisas...Então isso era uma articulação que antigamente não acontecia. – Patrícia Enquanto Assistente Social, a gente tem que se voltar pra uma militância, a gente tem que tá articulado, porque do contrário, facilita inclusive pra um adoecimento enquanto indivíduo que está trabalhando aqui dentro. É isso. – Rodrigo A gente trabalha dentro de um espaço que se prioriza segurança, tudo aqui é segurança e falar de direitos aqui dentro não é fácil. A gente compra briga quando a gente fala de direitos humanos, de direitos sociais. Há uma dificuldade de avançar no plano político mesmo, da gente desenvolver as nossas ações de uma forma mais pedagógica. Na verdade, a gente não consegue fazer nem um plano de intervenção, a gente é chamado a trabalhar respondendo as demandas. O que cobram da gente é um relatório e não importa como esse relatório vai sair. Não é dada as condições pra você fazer, mas tem que ter o relatório. Não tem um cuidado com as questões que a gente necessita na nossa profissão; questão de sigilo, questão de condições de trabalho. Tudo isso é descartado e o que se oferece é que você tem que atender o adolescente pra fazer o relatório e enviar pro juiz. - Manuel As exigências as quais os profissionais fazem menção relembram a pura execução das Políticas Públicas e um retorno à tecnocracia. Entendendo que o trabalho com os jovens em cumprimento de medida não é algo que deve se restringir à unidade socioeducativa e sim de articulação com outras instituições e com a família, conforme 654

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI previsto no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no sentido de fortalecer o processo de ressocialização. 3 CONCLUSÃO O conhecimento da rotina da unidade e do jogo de forças presente nesse espaço sociocupacional é essencial para que se consiga cumprir as atribuições designadas pela instituição e efetivar a garantia de direitos dos sujeitos atendidos, visto que “tão importante como o compromisso com a concretização de direitos do adolescente e sua família é o compromisso com a participação na instituição, já que essa tem também condições de viabilizar essa concretização de direitos”. (FREITAS, 2011, p. 45-46). Nesse caminho, os limites das atribuições privativas do Assistente Social exercem grande força na atuação, dentre eles, destaco as normas institucionais da empresa, os embates entre a direção e equipe técnica e a equipe reduzida. É importante ressaltar que a hierarquia e os limites institucionais não significam subalternidade e não anulam a autonomia técnica prevista pelo Código de Ética Profissional. É necessário que a competência crítica se sobressaia a competência burocrática, ou seja, que apesar das atribuições exigidas pela instituição se vá à raiz e desvende a trama submersa do conhecimento para “contestar e erradicar o tom repressivo e policialesco próprio da instituição” (TERRA; AZEVEDO, 2013, p. 95). Aqui podemos sinalizar a capacidade de articulação dos profissionais, a articulação com o Conselho Regional de Serviço Social, os mecanismos de denúncias, órgãos e ou movimentos sociais. A dimensão propositiva e interventiva dos profissionais, compreendendo os limites e possibilidades exigentes. Diante das narrativas, podemos intuir que o trabalho no campo socioeducativo possui grandes desafios, para além dos limites institucionais, abrangendo e sendo influenciados pela realidade concreta e interferindo na saúde física e mental desses profissionais, perceptível através dos relatos de excesso de atribuições, desgaste e sensação de insegurança. A própria dinâmica e como os adolescentes são vistos e tratados por outros profissionais intensifica a insegurança física. O espaço perpassa por múltiplas expressões de violências. 655

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A partir do momento em que se identificam os desafios impostos a estes profissionais e entende-se que a fragmentação do trabalho profissional imposta pela rotina como está estabelecida e do conflito ético que se apresenta diante da dificuldade de ultrapassar um exercício profissional que vise somente cumprir as atribuições, também podemos incitar o debate e articulações que propiciem a garantia de direitos dos jovens internos mediado pelo trabalho do Assistente Social e este é um dos objetivos desta produção. REFERÊNCIAS ARRUDA, D. P.; PINTO, P. da Silva. O Trabalho Do Assistente Social Na Medida Socioeducativa De Internação: Práticas E Desafios. III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais. Belo Horizonte (MG), 2013. FREITAS, Tais P. Serviço Social e medidas socioeducativas: o trabalho na perspectiva da garantia de direitos. Revista Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 105, p. 30-49, jan./mar. 2011. IAMAMOTO, M. V. A questão social no capitalismo. Temporalis. Revista da Associação Brasileira Ensino e Pesquisa em Serviço Social, Brasília, ano 2, n.3, jan./jul.2001. p. 17. _____. Serviço Social em Tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2008. RAICHELIS, Raquel. O trabalho e os trabalhadores do SUAS: o enfrentamento necessário na assistência social. In: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome. Gestão do Trabalho no SUAS: uma contribuição necessária. Brasília: Secretaria de Nacional de Assistência Social, 2011. TERRA, Cilene. AZEVEDO, Fernanda. Adolescente, ato infracional e Serviço Social no Judiciário: trabalho e resistência. São Paulo, Editora Cortez, 2018. 656

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS AS MEDIDAS EMPREENDIDAS SOB A INGERÊNCIA CAPITALISTA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19 E SUAS REPERCUSSÕES PARA CLASSE TRABALHADORA BRASILEIRA THE MEASURES UNDER THE CAPITALIST INGERENCE IN THE CONTEXT OF THE PANDEMIC OF COVID-19 AND ITS REPERCUSSIONS FOR THE BRAZILIAN WORKING CLASS Izabella Patrícia Brito da Silva1 Maria José dos Santos2 RESUMO Observa-se ao redor do globo o avanço neoliberal, atuando decisivamente na precarização das condições de trabalho, sob o eufemismo de modernização, perspectiva essa que é abertamente aderida pelo atual governo federal. Nessa conjuntura já adversa, fomos acometidos em 2020 pela pandemia do Covid-19 que, em nosso país, veio para escancarar uma crise sanitária e agudizar as consequências do ideário neoliberal para as políticas sociais. Mediante o exposto, o artigo em tela tem o objetivo discutir os impactos na classe trabalhadora de medidas empreendidas sob a ingerência capitalista no contexto da pandemia de COVID-19. Para isso, utilizamos as pesquisas bibliográfica e documental, a abordagem quati-qualitativa e o método materialismo histórico dialético. Sobre a realidade pesquisada, depreende-se que as consequências de uma crise dessa magnitude não recaem de igual forma para todas as pessoas. Mas sim, de forma muito mais brutal, para quem já vivenciava as expressões da desigualdade em seu cotidiano. Palavras-Chaves: Trabalho. Precarização das condições de trabalho. Pandemia. 1 Mestra em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Professora do curso de graduação em Serviço Social da Faculdade do Complexo Educacional Santo André. E-mail: [email protected] 2 Pós-graduada em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; e em Gestão Pública pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte. Professora do curso de graduação em Serviço Social da Faculdade do Vale do Jaguaribe. E-mail: [email protected] 657

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT precarious working conditions, under the euphemism of modernization, a perspective that is openly adhered to by the current federal government. In this already adverse situation, in 2020 we were affected by the Covid-19 pandemic that, in our country, came to open a health crisis and sharpen the consequences of the neoliberal ideology for social policies. In light of the above, the article in question aims to discuss the impacts on the working class of measures undertaken under capitalist interference in the context of the COVID- 19 pandemic. For this, we used bibliographic and documentary research, the qualitative approach and the dialectical historical materialism method. Regarding the researched reality, it appears that the consequences of a crisis of this magnitude do not fall equally on all people. But yes, in a much more brutal way, for those who already experienced the expressions of inequality in their daily lives. Keywords: Job. Precarious working conditions. Pandemic. INTRODUÇÃO O ano de 2020 estará marcado na história da humanidade de forma trágica. O coronavírus detectado, inicialmente, na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China, se alastrou por todos os continentes. E a doença chamada de Covid-19, espalhando-se rapidamente, tornou-se um problema de saúde pública mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID- 19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. (OPAS BRASIL, 2020, n.p.). Para evitar o avanço da contaminação e mitigar os impactos da doença na população, as cidades ao redor de todo o mundo têm tomado medidas de distanciamento social (bloqueio total/lockdown, distanciamento social ampliado, distanciamento social seletivo). A essas medidas pode ser importante associar a suspensão de atividades em escolas e universidades, a implantação de medidas de distanciamento social no trabalho e medidas para evitar aglomerações, como redução de capacidade instalada de restaurantes e bares, suspensão temporária de 658

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sessões de cinema, teatros, festas, cultos e missas, e eventos de massa propriamente ditos, tanto em locais fechados como abertos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, p. 26). Conforme o exposto, é inegável que a pandemia traz impactos econômicos difíceis de serem contornados. A crise hodiernamente instaurada vem atingindo todos os segmentos que compõem a classe trabalhadora, mas, com maior ou menor intensidade, de acordo com o tipo de vínculo empregatício e a situação socioeconômica em que o trabalhador se encontra. Por conseguinte, o desligamento de empregados e o aumento do número de pessoas em situação de pobreza são notícias cotidianas. Dado o quadro atual, o governo federal passou a anunciar algumas medidas, entre as quais: a possibilidade de as empresas suspenderem os contratos de trabalho e reduzirem os salários dos empregados, com redução da jornada de trabalho nesses meses de quarentena; o pagamento do Auxílio emergencial; e até mesmo incentivos (por meio de atitudes e pronunciamentos em entrevistas por parte do presidente) para que a população volte a seguir o ritmo de vida que se tinha antes da pandemia. Nessa esteira, o artigo em tela tem como objetivo discutir os impactos na classe trabalhadora de medidas empreendidas sob a ingerência capitalista no contexto da pandemia de COVID-19. Consideram-se as mudanças estruturais e conjunturais que ocorrem nas relações de trabalho e suas consequências mais imediatas para classe trabalhadora brasileira. Pretende-se ainda, apresentar a dinâmica capitalista e o processo de intensificação da flexibilização das relações de trabalho e evidenciar o processo de enxugamento da força de trabalho. Para tanto, percurso metodológico seguido teve seu início com a pesquisa bibliográfica, a qual “[...] é elaborada com base em material já publicado” (GIL, 2010, p. 29) sobre as categorias que fundamentaram nosso estudo, sendo trabalho a principal delas, para a qual utilizamos Antunes (2009) e Marx (2013), como autores norteadores. Como também, a pesquisa documental, uma vez que, é essencial nos reportarmos as legislações que disciplinam o trabalho em nosso país. Utilizamos a abordagem qualitativa, que “[...] se aplica ao estudo da história, das relações, das representações [...]” (MINAYO, 2013, p. 57), possibilitando desvelar os processos sociais e elaborar novas hipóteses, adentrando nos significados das ações e das relações humanas. E a abordagem quantitativa, “[...] que tem o objetivo de trazer à 659

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI luz dados, indicadores e tendências observáveis [...]”, (MINAYO, 2013, p. 56), para conhecermos melhor a realidade de emprego e desemprego no Brasil. E como método de investigação e análise das informações obtidas, escolhemos a lente orientadora do materialismo histórico dialético, por compreendermos que esse método possibilita ir além da realidade aparente. “Esse desvendamento do real e a apreensão da sua essência consistem em ‘aproximações sucessivas que não são lineares’ porque o que prevalece são os elementos produzidos social e historicamente”. (LIMA; MIOTO, 2007, p. 40, grifo das autoras). Apesar dos limites das normas estruturais do artigo, bem como, pela complexidade da conjuntura em que estamos imersas, esperamos que as considerações aqui empreendidas possam adensar os debates que estão em curso nas diversas áreas do saber, no sentido de delinear reflexões que nos levem a perceber a realidade para além dos fatos aparentes. 2 A DINÂMICA CAPITALISTA E A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO Ao estudarmos sobre trabalho, podem ser diversas as formas de intepretação sobre essa categoria. Tal diversidade decorre do fato de que ele é um aspecto da vida que proporciona a nossa integração social e cultural, bem como, ao compreender a sua forma de organização, compreendemos também a estrutura econômica de um determinado lugar em um dado momento histórico. Nessa esteira, importa deixarmos nítido na parte inicial do artigo que a percepção aqui utilizada segue o viés marxista, pois, entendemos que por meio do trabalho o homem transforma a natureza (a fim de suprir suas carências) e transforma a si mesmo. Ou, nas palavras de Marx (2013, p. 327): “Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza”. Com as transformações econômicas, políticas e sociais da Idade Moderna, intensificadas após o século XX, a mundialização do capital se tornou um acontecimento praticamente inevitável, que trouxe consigo o acirramento da concorrência entre as empresas internacionais e uma busca agressiva pelo aumento das taxas de lucro. Para que se possa alcançar esses objetivos, o processo produtivo passou (e ainda passa) por 660

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI metamorfoses, dentre as quais damos relevo as que são referentes a força de trabalho. “Por força de trabalho ou capacidade de trabalho entendemos o complexo das capacidades físicas e mentais que existem na corporeidade, na personalidade viva de um homem e que ele põe em movimento sempre que produz valores de uso de qualquer tipo”. (MARX, 2013, p. 312). Por meio da crise do capital e do Estado social, a partir da década de 1970, o receituário neoliberal passa a ter terreno fértil para sua propagação. Como se o Estado neoliberal fosse o sucessor natural e irremediável do Estado social, privatização, cortes nas verbas referentes as políticas sociais e desregulamentação das leis trabalhistas passaram a compor a ordem do dia. Muitas empresas estatais foram negociadas, e outras ainda serão geridas pelos interesses privados das grandes corporações capitalistas. Segue em andamento a desconstrução das políticas sociais, transferindo para o terceiro setor as funções que cabem ao Estado, deixando milhares de pessoas em situação de desproteção, pois não encontram lugar no que é ofertado pelos setores citados, e não têm condições financeiras de acessar de forma privada. Quanto a desregulamentação das leis trabalhistas, o grupo de pessoas que vende sua força ou capacidade, o proletariado, é o lado que sofre em seu cotidiano, em suas condições de trabalho e de sobrevivência, de forma demasiada, as consequências da busca pelo lucro, pois para que se chegue a esse objetivo, a burguesia põe em prática uma série de medidas que minimizam os custos do trabalho. Faz parte dessa lista de medidas: o enxugamento do número de trabalhadores, a terceirização, a polivalência, a implantação das empresas e seus processos produtivos em regiões que ofertam salários mais baixos. Essas não são práticas que se encerram em si mesmas, portanto, é “[...] imprescindível entender quais mutações e metamorfoses vêm ocorrendo no mundo contemporâneo, bem como, quais são seus principais significados e suas mais importantes consequências”. (ANTUNES, 2009, p. 18). Nesse sentido, o que se tem é uma profusão de reveses, tais como: a redução dos postos de trabalho com estabilidade e o aumento da quantidade de trabalhadores informais. E, em condições ainda mais vulneráveis, estão os que se avolumam nas filas do desemprego e do desalento. Trata- se de uma conjuntura bastante adversa, fortemente marcada pela precariedade. 661

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ao dizermos precariedade, tratamos de uma condição sócio-estrutural que caracteriza o trabalho vivo e a força de trabalho como mercadoria, atingindo aqueles que são despossuídos do controle dos meios de produção das condições objetivas e subjetivas da vida social. A precariedade do mundo do trabalho é uma condição histórico-ontológica da força de trabalho como mercadoria. Desde que a força de trabalho se constitui como mercadoria, o trabalho vivo carrega o estigma da precariedade social. (ALVES, 2007, p. 113, grifos do autor). A precarização do trabalho é um elemento fulcral na atual dinâmica de desenvolvimento do capitalismo, que atinge diretamente duas características que são importantes para o proletariado: o assalariamento e a estabilidade. Logo, abre-se margem para o emprego em tempo parcial, temporário, instável, desprotegido dos direitos que lhe são pertinentes. Vindo ao encontro desse contexto, tivemos no Brasil a implementação de uma agenda neoliberal que ganhou ainda mais radicalidade após a deposição da presidenta democraticamente eleita Dilma Rousseff (2011 - 2016) e o início do governo de Michel Temer (2016 - 2018). Em um processo de mercantilização da vida humana, Temer aprovou a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que altera a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), com o intuito de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Sob a égide dos termos modernização e/ou flexibilização, os direitos sofreram alterações e foram transformados em objeto de negociação, como se por meio de livres acordos as regras legais fossem realmente ser aplicadas, sobrando para o trabalhador um enorme prejuízo a ser pago. Na época da aprovação da lei supra citada, que ficou conhecida como reforma trabalhista, o então governo utilizou em seu discurso dois pontos que eram anseios de toda população: a criação de mais empregos e a previsão de crescimento econômico. Todavia, não é essa a realidade que se presencia, pois o que temos: [...] é o aumento do lucro dos patrões, a transformação de alguns dos atuais empregos em subempregos, a redução dos salários e o aumento da carga horária do trabalhador. O que parece ser apenas modernas formas de negociação, na realidade, rebatem profundamente na vida humana, pois o trabalho é a sua categoria fundante. (SILVA, 2018, p. 117). Todo esse repertório de mudanças nos processos de trabalho está em execução tanto no Brasil, como em todo o mundo, com volume e intensidade que, por vezes, se 662

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI torna difícil de conseguir acompanhar. Afinal, em geral, a classe trabalhadora está tão centrada na árdua luta diária e individual pela sua sobrevivência, que lhe falta tempo e energia para um olhar macro, o que faz parte da estratégia do modo de produção capitalista, de dispersar as mobilizações, os movimentos sociais e os sindicatos, os quais expressam a organização coletiva e são potência para transformações sociais. Como se não fosse bastante a conjuntura bastante desfavorável em que vive a classe trabalhadora brasileira, no ano de 2020 fomos tomados de forma surpreendente e despreparada pela pandemia do Covid-19, doença causada pelo coronavírus, que tem atingido todo o mundo, mas, com consequências ainda mais deletérias para os segmentos pauperizados. 3 OS IMPACTOS NA CLASSE TRABALHADORA DAS MEDIDAS EMPREENDIDAS SOB A INGERÊNCIA CAPITALISTA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19 Se num passado recente, a classe trabalhadora já assistia a ampliação do desemprego, precarização acentuada, diminuições e/ou perda de salários e desmonte de direitos, as direções sinalizadas no contexto da pandemia de Covid-19 apontam para uma intensificação dessas expressões, o que sugere uma classe trabalhadora desprovida de direitos, sem vínculo empregatício e sem cobertura de proteção social. Nesse quadro de crise e efeitos da pandemia do Covid-19, acrescentada a conjuntura de precarização estrutural do trabalho, é notório que as medidas empreendidas sob a ingerência desse sistema expressam o desmonte da legislação social protetora do trabalho. Sobre isso, Antunes (2009, p. 250) alerta: “Flexibilizar a legislação social do trabalho significa aumentar ainda mais os mecanismos de extração do sobretrabalho, ampliar as formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora”. Nesses “novos tempos” dissemina-se a narrativa de que é necessário pensar novos tipos de trabalho. No entanto, o que se revela é a intensificação do cenário semeado pelo neoliberalismo e pela reestruturação produtiva, do que são resultantes as distintas formas de flexibilização salarial, temporal, funcional e organizativa, como afirma Antunes (2009). 663

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI É inegável que a crise aprofundada pelo impacto econômico da pandemia, evidencia em larga escala o desemprego estrutural em sua forma mais virulenta, a cada dia aumentam as estatísticas de homens e mulheres sem trabalho. Segundo dados do IBGE, divulgados pelo site Correio Brasiliense, a taxa de desocupação passou para 12,2% no trimestre encerrado em março de 2020, e já estava em alta antes do coronavírus. Isso representa que aproximadamente 1,2 milhão de pessoas estão sem trabalho, e a estimativa é de que esse número tende a crescer. (BARBOSA; STRICKLAND; KAFRUNI, 2020). Com vista à dimensão do evento e as consequências no padrão de produção e acumulação capitalistas, e a atual crise dele decorrente - devendo-se observar que a pandemia de Covid-19 afetou: negócios de formas distintas, aumentando a demanda de alguns setores e diminuindo e/ou interrompendo abruptamente as atividades econômicas - pode-se constatar um cenário crítico que atingiu a economia global. Dentre os impactos econômicos e sociais causados pelo Covid-19, estão: a quarentena, que é recomendada para pessoas que foram expostas ao vírus e deve durar 14 dias. E pode também ser decretada pelo governo federal, os estaduais e os municipais, restringindo a circulação de pessoas e o tipo de estabelecimento que pode continuar funcionando, com regras e limitações. E em situações mais extremas, algumas cidades estão decretando o bloqueio total ou lockdown: Esse é o nível mais alto de segurança e pode ser necessário em situação de grave ameaça ao Sistema de Saúde. Durante um bloqueio total, TODAS as entradas do perímetro são bloqueadas por trabalhadores de segurança e NINGUÉM tem permissão de entrar ou sair do perímetro isolado. Objetivos: Interromper qualquer atividade por um curto período de tempo. Desvantagens: Alto custo econômico. Vantagens: É eficaz para redução da curva de casos e dar tempo para reorganização do sistema em situação de aceleração descontrolada de casos e óbitos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020, p. 25). Com essas medidas, por conseguinte, está acontecendo uma queda no consumo. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em razão da pandemia, a economia global pode crescer na taxa mais baixa desde 2009. (JONES; BROWN; PALUMBO, 2020). Afinal, em virtude da alta possibilidade de contágio houve uma diminuição e/ou interrupção de atividades comerciais que causam aglomeração como: supermercados; bares, restaurantes e lanchonetes; shoppings; e espaços afins. 664

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Nesta realidade, acentua-se de forma vultosa a massa de desempregados, com profundo impacto no trabalho informal. Mas esse não é um fato recente. Em 2009, Antunes em seu livro Os sentidos do trabalho, já advertia que a informalidade em nosso país poderia chegar a atingir mais de 50% da classe trabalhadora. Sobretudo, em um solo social em que já estava em curso a erosão do trabalho contratado e regulamentado. A repercussão dessa realidade implica no desmonte da rede de proteção social, principalmente, no acesso aos direitos previdenciários, uma vez que muitos trabalhadores informais estão à margem desse sistema. De acordo com informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada em setembro de 2019 pelo IBGE, 41,4% da população ocupada se encontra na informalidade, a maior proporção desde 2016, quando esse indicador passou a ser produzido. A pesquisa revela que 87,1% entraram no mercado de trabalho pela via informal. Nesse grupo estão os trabalhadores sem carteira assinada, os sem CNPJ - empregadores e por conta própria - e os sem remuneração, que auxiliam em trabalhos para a família. (RENAUX, 2019). Em entrevista ao Iguana Podcast, a professora Thays Mossi, do Departamento de Sociologia da UFRGS (2020, n.p.), infere: “O que a pandemia está produzindo é uma generalização de uma situação que os informais sempre conheceram para todos os trabalhadores: por motivos externos, que estão fora do seu controle, estão impedidos de garantirem o seu sustento”. Esse setor da economia se caracteriza por rendas baixas, além de ser extremamente precário e não garante os direitos trabalhistas. Ainda que se apresente, por vezes, sob o viés da autonomia, do trabalho por conta própria, grande parcela dos que estão na informalidade é em razão do desemprego. Em meio a tantas adversidades, pode-se dizer que em um contexto de pandemia, a economia em geral sofre, mas entre os trabalhadores, no momento atual, aqueles informais se apresentam como um dos segmentos mais vulneráveis. No Brasil, dentre as medidas apresentadas pelo governo federal para auxiliar a classe trabalhadora em tempos de pandemia, está a Lei nº 13.982, de 02 de abril de 2020, que cria o Auxílio emergencial, benefício financeiro concedido pelo governo federal destinado aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados. O auxílio, no valor de 600 reais, foi criado para durar 665

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI apenas três meses, com valores concedidos em abril, maio e junho de 2020, prevista uma prorrogação por mais dois meses, permaneceria assim, até agosto do ano em curso. Contudo, o atual ministro da economia Paulo Guedes, defende que o valor de R$ 600 seja reduzido para R$ 200, voltado, principalmente, a trabalhadores informais. A referida Lei, também modifica e acrescenta os parâmetros para a caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Em 22 de março de 2020, foi adotada a Medida Provisória nº 927, a qual Dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências. (BRASIL, 2020). Em seu Capítulo VIII – Do direcionamento do trabalhador para qualificação, artigo 18, versava sobre a possibilidade de o empregador poder suspender o trabalho pelo prazo de até quatro meses, período em que o funcionário estaria em participando de alguma atividade de qualificação. Com a possibilidade de “§ 2º O empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos termos do disposto no caput, com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual”. (BRASIL, 2020, art. 18). Esse artigo não passou despercebido pelos movimentos sociais e partidos políticos que militam em prol da classe trabalhadora, que tão pronto a MP foi divulgada, a ela deram visibilidade e fizeram pressão pela revogação do artigo, o que aconteceu no dia seguinte, com a Medida Provisória nº 928. A norma suprema, a Carta Magna de 1988, a ser aplicada em todo território nacional, previu a hipótese de redução salarial. Vejamos: “Art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. (BRASIL, 2004). Portanto, a MP nº 927/2020 vai em sentido contrário, quando dispensa a obrigatoriedade da previsão em norma coletiva. Quanto ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM), instituído pelo governo federal para evitar demissões, atinge apenas um terço 666

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dos empregados com carteira assinada. Os efeitos catastróficos da pandemia, acentuados pela lógica perversa do sistema capitalista, corrobora para situações instáveis, precárias, empregos sem direitos, e contingentes sem trabalho. Assim, não poderia ser diferente um cenário desolador: o Brasil registra 10 milhões de trabalhadores que já tiveram o contrato suspenso ou o salário reduzido. (CARAM, 2020). Constata-se nos discursos presidenciais o empenho para preservar, a todo custo, os interesses do empresariado. Porém, não podemos falar que fomos pegos de surpresa com essa postura dele. No ano de 2018, a Revista Veja divulgou uma pesquisa realizada pela empresa de pesquisa de mercado IBOPE, que apontava que que a maioria dos eleitores de Bolsonaro durante as eleições presidenciais de 2018, considerou que ele é defensor dos interesses dos ricos, empresariado e dos bancos. (VEJA, 2018). Daí, decorrem as falas que colocam em xeque as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) acerca da quarentena e do isolamento social, medidas fundamentais para contenção da disseminação do coronavírus; e propostas do Governo para o enfretamento da pandemia que corroem direitos historicamente conquistados. As medidas apresentadas pelo governo brasileiro para auxiliar a população trabalhadora em tempos de pandemia, tem impelido a expansão do número de homens e mulheres sem trabalho, e deteriora a remuneração daqueles que se mantém empregados. Revelam-se incipientes e insuficientes, porém, como era de se esperar, medidas vindas do atual governo, sempre traz consigo elementos nocivos para a classe trabalhadora. 4 CONCLUSÃO Vivemos tempos difíceis para o trabalho, para a sobrevivência, para os sonhos. É uma época de antítese à justiça social e aos Direitos Humanos, em que o modo de produção capitalista tem mostrado a sua face perversa, mas não para todas as pessoas. E sim, para aquelas que dispõem apenas da força de trabalho para o provimento de suas necessidades objetivas. Sabemos que essa não é uma conjuntura específica do Brasil. Trata-se de uma realidade mundial que, em certa medida, metaforicamente falando, nos une como um rebanho sendo levado forçosamente ao matadouro. Por outro lado, destacamos o fato 667

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de que contamos com um agravante: um governo federal nitidamente despreparado, fascista e que pouco se importa com os interesses da classe trabalhadora. As medidas anunciadas pelo governo federal deterioram a renda do trabalhador, extingue os direitos. E nas circunstâncias de não serem tomadas medidas efetivas por meio dos programas sociais e de apoio ao emprego, efeitos deletérios recairão para a classe trabalhadora. Em um cenário de incertezas, a projeção do que está por vir é o aumento da extrema pobreza. Sermos acometidos pela pandemia do coronavírus foi um golpe que veio para escancarar uma crise sanitária e agudizar as consequências do ideário neoliberal para as políticas sociais (de privatização, focalização e descentralização). Apesar de tudo isso, a força de trabalho está sendo requisitada. É constante a insistência na abertura do comércio. Precisamos produzir, precisamos consumir, para que se possa manter o lucro dos grandes capitalistas e dos banqueiros, mesmo que seja necessário pôr em risco a vida da classe trabalhadora. A principal consequência da pandemia em nosso país é ter elevado exponencialmente as desigualdades já existentes, o que faz com que cada dia sobrevivido seja de gratidão (apesar de todos os flagelos), com um misto de temor pelo dia que há de vir. Assim, é fundamental aquecer o coração na resistência e na luta coletiva, para que possamos fazer frente e resistir a esse momento de barbárie. REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva. Ensaios de sociologia do trabalho. 2. Ed. Londrina: Práxis, 2007. ANTUNES, Ricardo L. C. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. Ed. São Paulo: Boitempo, 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em de outubro de 1988. Brasília: Senado, 2004 BRASIL. Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm Acesso em: 9 jun. 2020. 668

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REVISTA VEJA. Eleitor vê Bolsonaro como defensor de ricos e bancos, mostra Ibope. 2018. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/eleitor-ve-bolsonaro-como- defensor-de-ricos-e-bancos-mostra-ibope Acesso em: 09 jun. 2020. SILVA, Izabella P. Brito da. Ordem e progresso para quem? A gestão temer e o desmonte dos direitos sociais. In: Revista Socializando. Aracati: FVJ, 2018, p. 108-122. UNIVERSIDADE, FEREDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Impacto da pandemia no trabalho informal. Departamento de Sociologia. 2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/ifch/index.php/br/impacto-da-pandemia-no-trabalho-informal Acesso em: 10 jun. 2020. 670

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO SUAS EM TERESINA(PI): limites e possibilidades frente às demandas e as condições objetivas e subjetivas de trabalho THE WORK OF SOCIAL ASSISTANT AT YOURS IN TERESINA (PI): limits and possibilities in face of the demands and objective and subjective conditions of work Iracilda Alves Braga1 RESUMO Com o presente artigo pretendemos analisar o trabalho profissional do assistente social no SUAS a partir das demandas e das ações profissionais identificar os limites e as possibilidades de intervenção frente às condições objetivas e subjetivas do trabalho profissional na Política de Assistência Social. O estudo é fruto da tese de doutorado da autora e foi realizado mediante pesquisa bibliográfica, documental e campo com a realização de entrevistas semiestruturadas realizadas junto a nove assistentes sociais de CRAS e CREAS, no município de Teresina. Palavras-Chaves: Trabalho. Assistente Social. Sistema Único de Assistência Social. Limites e possibilidade. Condições objetivas e subjetivas de trabalho. ABSTRACT With this article we intend to analyze the Professional Word of the social worker at SUAS based on the demands and Professional actions to identify the limits and possibilities of intervention in view of the objective and subjective conditions of Professional work in the Social Assistance Policy. The study is reult of the author’s doctoral thesis and was carried out through bibliographic, documentary and field research with semi-structured interviews conducted with nine social workers from CRAS and CREAS, in the city of Teresina. 1 Professora do Departamento de Serviço Social da UFPI. Doutora em Serviço Social pela UFPE. E-mail: [email protected]. 671

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Keywords: Work. Social Worker. Unified Social Assistance System. Limits and possibility. Objective and subjective working conditions. INTRODUÇÃO Nossa intenção neste estudo é analisar o conteúdo do trabalho profissional a partir da inserção do assistente social nas relações de trabalho assalariado no SUAS, bem como identificar os limites e as possibilidades da sua intervenção a partir da análise das demandas e ações/estratégias frente às condições objetivas e subjetivas do trabalho no SUAS e das possibilidades de exercício da relativa autonomia profissional orientados pelo Projeto Ético-Político do Serviço Social em CRAS e CREAS, no município de Teresina(PI). Este estudo é fruto da minha tese de doutorado e foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica, documental e da realização de entrevistas semi-estruturadas junto às assistentes sociais em CRAS e CREAS no município de Teresina, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e de parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa. A direção social da prática profissional dos assistentes sociais em CRAS e CREAS envolve as demandas dos usuários aos serviços (imediatas e mediatas); as exigências do SUAS (orientações e determinações do MDS); as atribuições técnicas definidas pelo SUAS; as ações e as estratégias profissionais dos assistentes sociais nos Serviços (particularmente este estudo abrange: Serviço de Atendimento Integral à Família -PAIF, no CRAS; e Serviço de Atendimento Especializado à Família e Indivíduo -PAEFI, e Medidas Socioeducativas - MSE, nos CREAS), os limites do seu poder decisório e interventivo nesses serviços e os objetivos da ação profissional e sua articulação com o projeto profissional. 2 AS DEMANDAS PROFISSIONAIS FRENTE AS CONDIÇÕES OBJETIVAS E SUBJETIVAS DO TRABALHO PROFISSIONAL EM CRAS E CREAS EM TERESINA As demandas constituem importante aspecto da direção social do assistente social no SUAS. Na Proteção Social Básica, são bastante diversificadas e no município de Teresina estão diretamente relacionadas aos seguintes serviços executados diretamente no CRAS: PAIF, Serviço de Convivência e Fortalecimentos de Vínculos (SCFV) e o Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas; 672

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI e a concessão dos seguintes benefícios: benefícios eventuais conforme Lei nº 4.916/2016: Auxílio Natalidade, Auxílio Funeral, Auxílio para atender situação de vulnerabilidade temporária e, Auxílio para atender a situação de Calamidade Pública; Programa Bolsa Família, assim como o acompanhamento de suas condicionalidades: educação, saúde e assistência social; Passe Livre para idosos (municipal e nacional); Passe Livre para pessoas com deficiência (municipal e nacional); cadastro para estacionamento de idosos e pessoas com deficiência; BPC Escola e demandas emergenciais provocadas por incêndios, inundações, desabamentos, dentre outras. A partir dos dados da pesquisa, podemos classificar as demandas de CRAS em: a) demandas por acesso a serviços socioassistenciais, descritas acima; b) demandas por acesso a serviços setoriais: de habitação, saúde, educação e emprego e renda; c) demandas por benefícios socioassistenciais e outros (saúde, educação e previdência social): Benefício de prestação continuada, Programa Bolsa Família, Passe livre para pessoa idosa e pessoa com deficiência, cadastro para estacionamento para pessoa idosa e pessoa com deficiência, cadastro para transporte de pessoa com deficiência, cadastro para encaminhamento ao mercado de trabalho, aquisição de documentação (certidão de nascimento, Identidade, carteira de trabalho, dentre outros), alimentação e d) demandas por público e vulnerabilidade: adolescentes e jovens usuários de drogas, adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, pessoa idosa vítima de violência e abandono; crianças, adolescentes e adultos com deficiência; famílias em situação de desemprego; violência doméstica (idoso, criança e adolescente, mulher e PCD) e situações de conflito familiares. Importa mencionar que, como o CRAS é “a porta de entrada” da política de Assistência Social e esta tem assumido centralidade dentre as políticas de seguridade, suas demandas extrapolam o campo de atuação do CRAS e sua capacidade de oferta de Serviços. Isso se dá em decorrência da falta de informação do usuário, da precária oferta de serviços, do perfil de vulnerabilidades do município, da extensão das bases territoriais dos CRAS. As demandas apresentadas vão para além da capacidade e dos limites de sua atuação. Desse modo, chega ao CRAS demandas de Educação, Saúde, Moradia, Qualificação profissional, Emprego, Previdência, conflitos familiares, dentre outras. 673

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Diante desse quadro de demandas que extrapolam os limites de atuação da Política de Assistência Social em Teresina, é oportuno nos reportarmos a algumas características do município que nos indicam a partir dos dados a situação de pobreza e vulnerabilidade social da capital do Estado do Piauí. A economia da capital piauiense se destaca pela indústria têxtil e de confecções que exporta para outras regiões do país. Teresina possui também indústrias de bebidas, móveis, cerâmica, medicamentos, montadoras de bicicletas, dentre outras. Predomina o comércio varejista e atacadista (50%), seguido pela prestação de serviços (33,33%) e atividades industriais (16,66%). Contudo, apresenta 0,73 de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ocupando a quarta pior posição no ranking em relação às demais capitais do país. De acordo com dados do IBGE (2010), Teresina no contexto regional e nacional, é a capital que figura dentre os locais de grandes vulnerabilidades sociais no Nordeste e no Brasil, sendo considerável a assimetria existente na apropriação da renda, o que a coloca em 8º lugar dentre as capitais nordestinas e 26º lugar dentre as capitais brasileiras e do Distrito Federal com proporção de pobres. Dados do IBGE (2010) demonstra ainda que Teresina é uma cidade tipicamente urbana (94% da população); mais de 50% é composta de mulheres. Destacamos o papel preponderante da mulher na sociedade e na família, pois, dentre os responsáveis por domicílios particulares permanentes, 70,3% de mulheres ocupam a condição de único responsável. Merecem destaque ainda os dados acerca dos rendimentos mensais por domicílio, conforme dados do IBGE (2010), do número total de 237.936 domicílios, 147.419 tem rendimento mensal de até 1 salário-mínimo. IBGE (2010) nos possibilita verificar os dados socioeconômicos do município por território. Assim, nos permite observar que a região sul se apresenta com maior contingente populacional, correspondendo a 290.839 habitantes, em que 36,10% residem em domicílio com rendimentos de até 1 salário-mínimo. Verifica-se, neste mesmo território, a maior taxa de mulheres responsáveis por domicílios 36,43%, bem como a mais elevada taxa de ocupação de domicílios (85.051 domicílios). Estes dados demonstram a situação de vulnerabilidade a que está exposta a população desse território, que possui a maior concentração de vulnerabilidade social do município, com o maior número de vilas e favelas com forte presença de violência urbana e casos de 674

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI violação de direitos. Por outro lado, o território Leste, considerado zona nobre de Teresina, possui o menor território, o menor número de domicílios (43,405) e representa apenas 14,76% dos domicílios com famílias de baixa renda. No que concerne aos índices de vulnerabilidades em Teresina, o Atlas de Desenvolvimento Humano (2010) informa que: 6,9 % de mulheres chefes de família, não possuem cônjuge e possuem filhos menores; 7,2% de mulheres adolescentes de 15 a 17 anos possuem filhos; 51,7% de crianças são de famílias com renda inferior a ½ salário- mínimo. E, de acordo com IBGE (2010), 63% das crianças de 0 a 5 anos de idade residentes em domicílios particulares, possuem responsável (e/ou cônjuge) analfabeto e 37% de pessoas acima de 15 anos ou mais de idade não sabem ler e escrever. Diante da situação de pobreza que caracteriza o município de Teresina e considerando que o Cadastro Único da Assistência Social (CadÚnico) registra o público preferencial da Assistência Social, com o quantitativo de 112.253 famílias cadastradas e 63.814 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família em Teresina no mês de abril de 2020. (SAGI, 2020) Importa mencionar que as famílias cadastradas têm perfil de renda de até ½ salário mínimo per capta e que as famílias com perfil de público preferencial da Assistência Social, são famílias em situação de vulnerabilidade social, desemprego e violação de direitos que compreende: a) crianças e adolescentes vítimas de exploração e abuso sexual, trabalho infantil, sem acesso à educação, saúde, lazer, em situação de acolhimento institucional, uso de substâncias psicoativas e em cumprimento de medidas socioeducativas; b) Idosos vítimas de violência doméstica, abandono, acolhimento institucional); c) Pessoas com deficiência vítimas de violência doméstica, abandono e discriminação; além de mulheres vítimas de violência, pessoas negras, população LGBT vítimas de violência e discriminação e população em situação de rua. Importa considerar ainda que o CadÚnico é a referência de entrada para todos os serviços e benefícios socioassistenciais do município: PBF, benefícios eventuais, BPC e programas como Minha Casa Minha Vida, BPC Escola, dentre outros. A partir disso podemos afirmar que a população referenciada em CRAS em sua quase totalidade está cadastrada no CadÚnico, uma vez que o acesso aos serviços e especialmente aos benefícios está condicionado ao cadastro. 675

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Neste sentido, a configuração da demanda por serviços e benefícios socioassistenciais no município de Teresina é heterogênea, diversificada e possui sua materialidade na situação de pobreza que caracteriza o município refletida nos níveis de acesso à renda e à educação da população teresinense. O CRAS, nesse contexto, configura-se como a porta de entrada não apenas dos serviços socioassistenciais, mas também da rede setorial, o que amplia a demanda profissional e traz exigências à equipe profissional que extrapola os limites institucionais e a capacidade de resposta, pois, o número de profissionais é insuficiente para atender toda a demanda posta aos profissionais. Como afirma o entrevistado (9): “O CRAS é a porta de entrada dos serviços socioassistenciais. A gente recebe de tudo” (Informação verbal2) Os dados do Censo SUAS 20173 apresentam o número de trabalhadores do SUAS em Teresina por unidade de CRAS e território. Os dados confirmam aqueles colhidos na pesquisa diretamente com os entrevistados, apontando para um número reduzido de profissionais de nível superior responsáveis por responder às exigências requeridas pela política de assistência social e as demandas dos usuários do SUAS. Os dados do censo SUAS 2017 demonstram que a insuficiência de profissionais não é apenas na equipe técnica, mas abrange a equipe de nível médio, que corresponde quase que exclusivamente aos profissionais terceirizados e com outros vínculos (àqueles contratados por ONG). Isso importa na medida que os profissionais de nível médio funcionam como equipe de apoio e suporte aos serviços do CRAS, suas fragilidades em quantitativo e em vínculos de trabalho, pois a grande maioria não é concursada, tem rebatimentos na atuação do CRAS. Na impossibilidade de análise dos dados de todos os territórios de Teresina, a título de ilustração, elegemos o território SUL, que possui maior densidade demográfica, maior número de famílias em situação de vulnerabilidade social, isto é, de pobreza. Vejamos os dados do censo: 2Entrevista. Assistente social 9. 3Os dados do Censo SUAS 2017, aqui apresentados, são exclusivamente do município de Teresina e foram sistematizados a partir da base de dados do SUASWEB no mês de novembro de 2017, após finalização do preenchimento online do Censo 2017. 676

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quadro 01 – Recursos Humanos de CRAS em Teresina – Território Sul 2017 Unidade Recursos Humanos Outros Total Tec. Nivel Comissionado Serv. estatutário Terceirizado vínculos Superior AS PSI CRAS SUL I 03 03 01 00 07 02 01 CRAS SUL II 04 06 03 03 16 01 01 CRAS SUL III 03 04 03 03 13 02 02 CRAS SUL IV 03 05 04 03 15 02 01 CRAS SUL V 02 02 08 00 12 01 01 Fonte: Dados sistematizados pela pesquisadora a partir da base de dados do Censo SUAS Teresina - 2017 Para uma análise mais cuidadosa dos dados do quadro 01, sobre o quantitativo de recursos humanos em cada CRAS do território Sul de Teresina, recorremos aos dados da base territorial que demonstra a abrangência de atuação de cada CRAS. Para isso, especificamos o quantitativo de bairro, vilas/favelas/residenciais assim como os povoados, no caso dos CRAS que possui abrangência rural. Vejamos o quadro 02 abaixo: Quadro 02 – Base territorial de CRAS na região Sul - 2017 CRAS Bairros Vilas/favelas/residenciais Povoados CRAS SUL I 8 25 4 CRAS SUL II 4 16 17 CRAS SUL III 13 61 Não possui CRAS SUL IV 16 26 Não possui CRAS SUL V 5 45 Não possui Total 46 173 21 Fonte: Sistematização da pesquisadora a partir de dados da Base do Território Sul Os quadros 01 e 02, acima, demonstram que a base territorial dos CRAS da região Sul de Teresina compreende um total de 46 bairros, 173 vilas/favelas/residenciais e 21 povoados a serem referenciados em cinco CRAS por uma equipe técnica que compreende 8 assistentes sociais e 6 psicólogos, que devem responder às demandas apresentadas acima, referenciar as famílias cadastradas no CadÚnico no território e, 677

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI conforme metas do Pacto de Aprimoramento, devem acompanhar 10% das famílias cadastradas do território. Quadro 03 – Famílias cadastradas no CadÚnico e em acompanhamento em CRAS no território Sul – 2017 Unidade Famílias cadastradas Meta de Famílias em (ago. 2017) acompanhamento acompanhamento 10% (ago. 2017) CRAS SUL I 5180 518 248 CRAS SUL II 7541 754 778 CRAS SUL III 7737 773 285 CRAS SUL IV 7449 745 318 CRAS SUL V 2082 208 161 Total 29.989 2.998 1.790 Fonte: Dados sistematizados pela pesquisadora a partir da base de dados do Censo SUAS Teresina – 2017 Os dados do quadro 03 demonstram o grande número de famílias cadastradas no CadÚnico no território Sul, o que representa uma meta de acompanhamento familiar elevada. Assim, diante das características do território e da insuficiência de equipe técnica o número de famílias em acompanhamento, apresenta-se aquém da meta estipulada pelo Pacto de Aprimoramento. O CRAS Sul II é uma exceção, embora com equipe reduzida apresenta atendimento da meta, a nosso ver justifica-se pelo perfil da população referenciada, a maioria rural (17 povoados). É valido destacar que a população rural tem uma característica peculiar com relação à população urbana, à medida em que é mais propicio a adesão aos serviços, tem na demanda espontânea sua principal característica, o que facilita o trabalho da equipe técnica. Outra exigência de acompanhamento familiar especificada no Pacto é o acompanhamento às famílias em situação de descumprimento de condicionalidades (Educação, Saúde e Assistência) do Programa Bolsa Família. Vejamos os dados do quadro abaixo: Quadro 04 – Acompanhamento de Famílias em Descumprimento de Condicionalidades do PBF – território Sul Unidade Famílias em descumprimento de Acompanhamento realizado Condicionalidades Set/ 2017 (RMA de jan. a set 17) CRAS SUL I CRAS SUL II 32 00 CRAS SUL III 91 02 29 00 678

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI CRAS SUL IV 52 08 CRAS SUL V 17 05 Fonte: Dados da lista de descumprimento de condicionalidades GPRM e RMA 2017 O acompanhamento às famílias em descumprimento de condicionalidades possibilita aos assistentes sociais e psicólogos de CRAS interferirem no bloqueio ou cancelamento do Programa Bolsa Família, utilizando o Sistema de Condicionalidades (SICON), ferramenta online do SUASWEB, o que permite ao profissional realizar suspenção de cancelamento e desbloqueio do benefício. No sistema, o profissional deve registrar o acompanhamento familiar realizado. O não acompanhamento das famílias em descumprimento de condicionalidades pelos profissionais tira da família a possibilidade de continuar recebendo o benefício. Ademais, o acompanhamento tem como norte a construção de estratégias para que os membros da família permaneçam na escola, realizando o acompanhamento de saúde e continue nos serviços de fortalecimento de vínculos (SCFV) da assistência social. Os dados do quadro 04 acima demonstram que, embora sejam pequenos o número de famílias em descumprimento de condicionalidades, os profissionais não têm dado conta dessa demanda. Importa lembrar que esta atividade envolve busca ativa e que a insuficiência de transporte e de profissionais na equipe técnica constrangem essa ação. Uma ferramenta importante para atendimento às demandas nos territórios é a articulação com a rede de atendimento socioassistencial que comporta os serviços ofertados diretamente pela SEMCASPI e pelas entidades socioassistenciais do território. Na região Sul, a SEMCASPI oferta serviços através de 5 CRAS, 1 CREAS e de Serviços de fortalecimento de vínculos (SFCF) para idosos, crianças e adolescentes ofertados diretamente ou por meio de parceria com as entidades socioassistenciais inscritas no Conselho Municipal de Assistência Social de Teresina. O quadro 05 indica que o território Sul possui 17 entidades regularmente cadastradas no CMAS e ativas no Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social – CNEAS. 679

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quadro 05 – Entidades do território Sul Cadastradas no CMAS e Ativas no CNEAS 2017 Unidade Total de entidades CRAS SUL I 01 CRAS SUL II 01 CRAS SUL III 04 CRAS SUL IV 10 CRAS SUL V 01 Fonte: Dados do CNEAS A articulação da rede socioassistencial de Teresina apresenta como dificuldades: a baixa oferta de serviços; a execução dos serviços por meio das entidades socioassistenciais; a distribuição dos serviços não considera as necessidades territoriais, uma vez que são ofertados essencialmente pelas entidades, a oferta depende, portanto, da abrangência de atuação da entidade e não da necessidade dos serviços nos territórios. Se considerarmos o quadro acima, verificamos que no território sul o CRAS que possui maior oferta de serviços é o SUL IV, 10 entidades. Desse modo, é o único CRAS da região que atende à meta do Pacto de Aprimoramento quanto à oferta de serviços de fortalecimento de vínculos, pois os demais possuem oferta reduzida e devido à extensão do território torna-se inviável o encaminhamento de usuários dos outros CRAS para atendimento nos serviços ofertados no território do Sul IV. É importante mencionar que a execução dos serviços socioassistenciais, por meio de entidades da rede privada, dá-se por convênios de repasse de recursos para financiamento desses serviços. Em 2017, a SEMCASPI possuía 21 convênios vigentes para execução de Serviços de Proteção Social Básica – o caso dos serviços de fortalecimento de vínculos e, de Proteção Social Especial – na oferta de serviços de média complexidade como o Centro Dia para pessoa com deficiência, a manutenção dos CREAS e de alta complexidade na execução de serviços de acolhimento institucional para idosos e crianças e adolescentes (Quadro Situacional de convênios SEMCASPI, 2017). A demanda de CREAS é diferenciada, à medida que o usuário, embora haja demanda espontânea, acessa o serviço via encaminhamento dos CRAS, disque 100 e sistema de Garantia de Direitos, que compreende: delegacias, Ministério Público, Conselho Tutelar, Justiça e Defensoria Pública. Em decorrência disso, a demanda de CREAS é mais qualificada e direcionada para a violação de direitos sociais e pessoais das famílias e indivíduos e estão relacionadas 680

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI aos serviços ofertados no CREAS: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); Serviço de Proteção Social a Adolescentes em cumprimento de Medidas Sócio Educativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) e Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS). As entrevistas demonstraram que predominam4 como demandas de CREAS nos territórios Sul e Norte a violação de direitos da pessoa idosa (violência doméstica, abandono, acolhimento institucional) e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de LA e PSC, e nos CREAS Leste e Sudeste violação de direitos de crianças e adolescentes (violência doméstica e acolhimento institucional) e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Incidem ainda nos CREAS demandas relacionadas ao uso de substâncias psicoativas; violência e discriminação contra a população LGBT, a pessoa negra, e pessoas com deficiência. Quanto aos benefícios, as demandas são essencialmente por benefícios eventuais e Benefício de Prestação Continuada. No que concerne às políticas setoriais, são as mais variadas possíveis: habitação, educação, saúde, mercado de trabalho, qualificação profissional (essas demandas decorrem especialmente de promoção de acesso ao público do CREAS, especialmente idosos e adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas). É importante mencionar que a base territorial de CREAS compreende todo o território da região a qual pertence. Desse modo o CREAS Sul, por exemplo, compreende o território de todos os CRAS da região sul, conforme quadro 02 acima, totalizando 46 bairros, 173 vilas/favelas/residenciais e 21 povoados. Para atender à sua demanda, o CREAS Sul conta com 02 assistentes sociais e 2 psicólogos, além de uma equipe de apoio com 3 orientadores sociais para atendimento aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, 04 agentes de proteção social para abordagem da população de rua, além dos profissionais administrativos. 3 LIMITES E POSSIBILIDADES DO TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO SUAS Considerando a demanda de CRAS e CREAS, o público da Assistência Social é formado pelo cidadão “pobre”, “necessitado” que busca a proteção social ofertada pela 4A predominância não exclui a incidência de violência quanto aos outros públicos. 681

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI política e está relacionado diretamente aos fatores de “vulnerabilidade social e econômica”, “risco social e pessoal”, “fragilidades de vínculos familiares e/ou comunitários”, além do cidadão desempregado que vai em busca de renda, especialmente o Programa Bolsa Família. Nos CRAS, chegam cidadãos em busca de proteção social, indistintamente. Diante disso, são os profissionais quem classificam a demanda direcionando aqueles que necessitam de atendimento especializado, em situação de “risco social e pessoal” ao CREAS e/ou outros serviços especializados a depender da demanda. Dessa forma, o CRAS acaba funcionando de fato como porta de entrada da política de Assistência Social, uma vez que no caso de CREAS, enquanto serviço especializado, a demanda, geralmente, é por meio de encaminhamento, como mencionado anteriormente. As demandas de CRAS e CREAS apresentam os seguintes limites aqui identificados: 1) as exigências burocráticas e administrativas requisitadas pela gestão institucional do SUAS expressas nas normas, nas orientações técnicas a exemplo da tipificação nacional de serviços socioassistenciais e do Pacto de Aprimoramento do SUAS – o controle gerencial; 2) a diversidade e complexidade das demandas – por serviços e benefícios socioassistenciais; por acesso a políticas setoriais como a educação, a saúde, a previdência, o emprego, a qualificação profissional, segurança alimentar, habitação, dentre outras; 3) a ausência de equipamentos institucionais de suporte e/ou retaguarda aos serviços de CRAS e CREAS, como serviços de fortalecimento de vínculos e convivência familiar, serviços de acolhimento para idosos, para crianças, para população de rua e serviços de atendimento as demandas dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas – educação formal, qualificação profissional, colocação no mercado de trabalho, dentre outras; 4) a precariedade das condições de trabalho; 5) a insuficiência de recursos humanos. Quanto às possibilidades, estas residem na responsabilização do Estado quanto ao atendimento das demandas que apontam para a necessidade de requalificação de serviços, de ampliação da rede de serviços, da melhoria das condições de trabalho, da 682

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ampliação das equipes de trabalho, de modo a favorecer o acesso à Assistência Social enquanto direito a todas as pessoas que dela necessitam. E no que concerne aos assistentes sociais, as possibilidades apresentam-se na formulação de “mediações teóricas, técnicas, éticas e políticas, na perspectiva da competência crítica” que possibilitem a construção de estratégias profissionais capazes de favorecer o acesso da população usuária a seus direitos (RAICHELIS, 2010, p. 753), para além das requisições institucionais e das relações de subordinação próprias do trabalho assalariado. 4 CONCLUSÃO Considerando o trabalho do assistente social no SUAS, o CFESS (2011, p.34) recomenda que o assistente social deve ter um “posicionamento político de compreender e de reconhecer os/as usuários/as como sujeitos históricos que implica “fazer com”, significa assumir uma atitude profissional que potencializa as ações dos sujeitos”. É necessário, também, compreender a lógica da intensificação e ampliação das demandas na política da Assistência Social, que está relacionada à centralidade que esta ocupa entre as políticas de seguridade e ao contexto social e econômico em que se forjam seus programas, projetos e ações, e em como se coadunam com os interesses ideopolíticos das classes dominantes. Exige do assistente social o desvelamento do seu caráter contraditório, “como prática polarizada pelos interesses das classes sociais” (RAICHELIS, 2010, p. 754). Espera-se dos assistentes sociais, portanto, um posicionamento pela defesa dos direitos dos usuários do SUAS. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em:07 de abril de 2016 ______.Censo SUAS 2017. Brasília: MDS, 2017. 683

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ______. Secretaria de Planejamento do Estado do Piauí. Cenários Regionais. 2015.Disponível em http://www.piaui2008.pi.gov.br/materia.php?id=14481. Acesso em 13 de setembro de 2015. PREFEITURA MUNICIPAL DE TERESINA. Lei nº 4.994 (19/03/2017). ______. Lei nº 5.050 (18/07/2017). ______. Lei nº 4.916 (30/06/2016). RAICHELIS, R. O trabalho do assistente social na esfera estatal. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília, DF: CFESS/ABEPSS, 2009. p. 377- 391. ______. Intervenção profissional do assistente social e as condições de trabalho no SUAS. Serviço Social & Sociedade, v. 104, p. 750-772, 2010. ______. O trabalho o os trabalhadores do SUAS: o enfrentamento necessário na assistência social. In: BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME (MDS). Gestão do trabalho no âmbito do SUAS: uma contribuição necessária. Brasília: MDS; Secretaria Nacional de Assistência Social, p. 39-64, 2011. SEMCASPI. Relatório de Avaliação do Pacto de Aprimoramento. Teresina, 2017. SEMTCAS. Relatório de Gestão 2013-2016. Teresina, 2016. 685

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO: um retrato do Brasil e do Piauí CONTEMPORARY SLAVE LABOR: a representation of Brazil and Piauí Francisca Scarlet O’hara Alves Sobrinho 1 Joésisa Saibrosa da Silva 2 Fabiana Rodrigues de Almeida Castro 3 RESUMO O trabalho escravo ou análogo à escravidão é uma violação de direitos humanos que persiste no mundo e no Brasil, notadamente nas regiões mais pobres do país, a exemplo do Piauí. Nessa perspectiva, busca-se analisar os fatores que contribuem para a prática do mesmo no Brasil e, principalmente, no Piauí. Utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental e abordagem quanto-qualitativa. Conclui-se que fatores como baixa escolaridade, gênero, raça e renda contribuem para a escravidão dos trabalhadores, tanto em âmbito nacional, como local. Palavras-Chaves: Trabalho Escravo. Brasil. Piauí. ABSTRACT Slave labor or slavery is a violation of human rights that persists in the world and in Brazil, highlighting the poorer regions of the country, an example of Piauí. From this perspective, we search for the factors that contribute to the practice of the same in Brazil and, especially, in Piauí. We used bibliographic and documentary research and a quantitative and qualitative approach. It concludes that the numbers such as low level of education, gender, race and income contribute to the slavery of workers, both nationally and locally. 1 Discente do Curso de Bacharelado em Administração da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected] 2 Advogada e Mestre em Gestão Pública pelo Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected] 3 Docente do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e do Curso de Bacharelado em Administração da Universidade Federal do Piauí. Doutora em Políticas Públicas. E-mail: [email protected] 686

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Keywords: Slave labor. Brazil. Piauí. INTRODUÇÃO O trabalho escravo ou análogo à escravidão é uma violação de direitos humanos que persiste no Brasil e no mundo. Este fato é consensual entre órgãos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização das Nações Unidas (ONU) assim como no meio jurídico (diversos crimes já foram julgados na Corte Interamericana de Direitos Humanos, inclusive os cometidos pelo governo brasileiro por omissão e negligência)4. A exploração de trabalhadores de forma desumana é mais evidente nas regiões mais pobres do Brasil, a exemplo das regiões norte e nordeste. O Piauí pode ser encontrado na Lista Suja do Trabalho Escravo através da Portaria Interministerial nº 4, de 11 de maio de 2016, do Governo Federal, com 6 empregadores penalizados pela utilização de 93 (noventa e três) trabalhadores na extração da carnaúba. (BRASIL, 2019). O artigo apresenta uma contextualização do trabalho escravo realizado no Brasil, mais especificamente, destacando o Estado do Piauí, cujas especificidades locais contribuem para a prática, considerando que o mesmo é apontado pelo IBGE (2019) como um dos Estados mais pobres do Brasil. A pesquisa classifica-se como descritiva, tendo sido utilizado a pesquisa bibliográfica e documental e abordagem qualitativa. O artigo está estruturado em quatro partes: a primeira, esta introdução; a segunda trata sobre a evolução das normas que regulamentam o trabalho escravo; a terceira aborda a escravidão contemporânea no Brasil e no Piauí e, a última, a conclusão. 2 EVOLUÇÃO DAS NORMAS SOBRE TRABALHO ESCRAVO 4 Pela prática de trabalho escravo o governo brasileiro foi condenado duas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Na primeira vez, pelo conhecido Caso José Pereira que evidenciou a falha e omissão do poder público em proteger os direitos humanos, além da ausência de políticas públicas voltadas para o enfrentamento da problemática. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e outras organizações da sociedade civil registraram denúncia na Organização dos Estados Americanos (OEA), no dia 22 de fevereiro de 1994 (BRASIL, 2013). No ano de 2016, o governo brasileiro foi condenado no Caso Brasil Verde pela mesma Corte, pelo crime de trabalho escravo, o qual envolveu dezenas de trabalhadores, dentre eles piauienses (CIDH, 2016). 687

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O final do século XIX evidenciou-se com a Segunda Revolução Industrial e a constatação da necessária intervenção do Estado na regularização das relações trabalhistas. A maquinização do campo, aliado ao surgimento das indústrias, possibilitou a alteração do cenário produtivo, destacando-se a exploração do trabalho e a opressão dos empregados. A classe operária, constituída por homens, mulheres e crianças, submetia-se a excessiva jornada de trabalho, sem condições mínimas de segurança e qualidade de vida, acrescida, ainda, de baixos salários, de exposição a ambiente insalubre e perigoso e ausência de saneamento básico e higiene (VISENTINE; PEREIRA, 2012). O cenário instigou o surgimento de movimentos sociais, que reivindicavam a igualdade material através da efetivação de direitos sociais por parte do Estado. A mobilização ampliou-se e ganhou força no Pós-Primeira Guerra Mundial, quando a situação se agravou diante da destruição de inúmeros bens e meios de produção e o problema adquiriu uma concepção universal (MORAES, 2014). Nesse diapasão, em 1919, foi constituído a Organização Internacional do Trabalho (OIT) através do Tratado de Versalhes, que formalizou o fim da guerra e pactuou a paz mundial. O órgão, constituído por todos os países signatários, dentre os quais o Brasil, propunha a promoção de uma cooperação internacional em defesa ao direito do trabalho. O resultado foi o desenvolvimento e harmonização da legislação trabalhista em âmbito mundial, em vista de melhores condições de trabalho. As primeiras convenções e recomendações buscaram alcançar as principais reivindicações suscitadas nas últimas décadas. Assim, restou estabelecido a limitação da jornada de trabalho a 8 horas diárias e 48 horas semanais, a proteção à maternidade, a luta contra o desemprego, a definição da idade mínima de 14 anos para trabalho na indústria, e a proibição de trabalho noturno para mulheres e menores de 18 anos. (NASCIMENTO, 1983). A princípio, portanto, buscou-se ratificar o direito ao trabalho como um direito fundamental social, bem como definir sua regulação. Em seguida, no entanto, passou a repreender toda forma de violação a esse direito, criando normas que apresentassem respostas efetivas a sua afetação. Dentre essas normas, destaca-se a Convenção sobre Trabalho Forçado nº 29, de 1930. O instrumento traz em seu corpo jurídico a definição de trabalho forçado apto a 688

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI alcançar todas as situações, que consiste: “[…] todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para a qual ela não se tenha oferecido espontaneamente” (OIT, [?]). A proteção ao trabalho digno, como direito social fundamental, expandiu-se e angariou o título de direito humano universal. Além disso, com o fim da Segunda Guerra Mundial surgiu a Organização das Nações Unidas (ONU), que consiste em uma reunião de países com o intuito de realizar a administração da segurança universal, através da declaração de direitos e determinação do modo de executá-los. (TUDE, 2014). Os fins auferidos pela ONU resultaram na edição da Declaração Universal sobre Direitos Humanos (DUDH) ratificando os direitos humanos universais, incluindo, nessa acepção, o direito ao trabalho digno como direito inerente à dignidade humana. A ideia e o valor agregado ao direito passam a ser objeto de reprodução a todos os seus integrantes, dos quais o Brasil se faz presente desde sua origem. A consequência é que a lei maior que rege o Brasil, a Constituição Federal de 1988, consagrou o referido entendimento, apontando o direito ao trabalho em vários momentos do ordenamento. Primeiro, no art. 5º, inciso XIII, designa o trabalho como um direito individual, sendo livre o seu exercício, desde que atendidas às qualificações profissionais que a lei estabelecer; em seguida, ratifica o trabalho como um direito social fundamental no art. 6º; apresenta-o, ainda, como fundamento da ordem econômica no art. 170; e, por fim, apresenta o primado do trabalho como base da ordem social no art. 193. (BRASIL, 1988). Como reflexo, a proteção constitucional do direito ao trabalho e as normas infraconstitucionais resguardam o dever de regular e prevê punições quando há o descumprimento das orientações. O Código Penal tipifica tais condutas como crime, classificando-os em três espécies, quais sejam, redução a condição análoga à de escravo (art. 149), frustração por direito trabalhista (art. 203) e aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (art. 207). (BRASIL, 1940). Ademais, é possível, ainda, que decisões políticas reflitam na proteção do direito. Isso ocorre por meio de portarias que servem de direcionamento a órgãos engajados na defesa do trabalho a exemplo da Portaria nº 540, do MTE, de 2004, na qual há previsão do Cadastro de Empregadores flagrados utilizando mão de obra análoga à de escravo, mais conhecida como Lista Suja. 689

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A lista suja tem uma finalidade pedagógica, já que visa atingir a abstenção dos empregadores na prática do crime. A finalidade desse instrumento é manter atualizada uma lista dos desobedientes à regra, de modo que fique acessível a toda a sociedade por até 2 anos, ficando o infrator impedido de receber financiamentos públicos, além de outras sanções até a sua regularização. 3 A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NA SUA FORMA MAIS SUTIL: considerações sobre o Brasil e o Piauí O trabalho escravo contemporâneo vai além do cerceamento de liberdade e do trabalho pesado a que são submetidos muitos trabalhadores no mundo, sejam homens, mulheres ou crianças. Caracteriza-se, principalmente, pela violação de direitos humanos e, consequentemente, de direitos trabalhistas, sendo que este último, isoladamente, não pode ser determinante na tipificação do trabalho escravo, pois o fator diferenciador é a dignidade humana. A conduta de escravizar não se limita à violação da liberdade física e pode existir mesmo havendo liberdade de locomoção. A vítima é livre do ponto de vista físico para deixar o trabalho, mas não o deixa porque se sente escravo. A escravidão se estabelece de forma sutil e complexa com a participação de vários agentes e até com o consentimento da vítima. Ficam próximos, às vezes se superpõem, os conceitos de trabalho escravo, de trabalho degradante e trabalho em condições indignas e subumanas, pois o estado de escravo implica negar a dignidade humana (status dignitatis). (CASTILHO, 2000, p. 57). Segundo Andrade (2012), escravizar envolve o domínio de si (escolher, optar, negar e recusar), ou seja, mesmo que um trabalhador decida voluntariamente aceitar uma oferta de emprego, este tem o direito de decidir não permanecer, desistir, recusar. Além disso, a autora aponta que a escravidão transforma o ser humano em coisa, retira a humanidade, coloca o outro como desigual e viola a liberdade. Uma pessoa vulnerável “[…] não pode conceder de forma ‘válida’ a sua força de trabalho e, portanto, a categoria 'consentimento' não é relevante para a análise e caracterização da problemática”. (ANDRADE, 2012, p. 240). Esterci (2008) destaca que o trabalho escravo contemporâneo pode ser mascarado até por práticas paternalistas. Com a dificuldade de concorrer no mercado de trabalho competitivo, as pessoas com baixa escolaridade e uma vida de escassez, 690

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI podem ver o “patrão” como benfeitor, como alguém que dá oportunidade quando as mesmas não possuem outras. Isso facilita e abre precedente para que o patrão use do seu poder enquanto empregador para usar a forma “[…] mais eficiente de coerção, que é a moral, a qual imobiliza sem deixar marcas muito visíveis”. (ESTERCI, 2008, p. 41). Além disso, as punições mais severas que são utilizadas para coagir os outros trabalhadores são direcionadas à moral e convicções do indivíduo. A carga simbólica que existe em algumas punições fere a moral do trabalhador frente à construção da sua masculinidade. Um exemplo marcante refere-se ao caso de um trabalhador escravizado que, após uma tentativa de fuga, foi capturado por um funcionário da fazenda em que trabalhava. Como punição, ele foi obrigado a realizar sexo oral nesse funcionário diante de todos os trabalhadores. [...] Obrigar o trabalhador fugitivo a praticar sexo oral em um funcionário da fazenda como forma de castigo parece ir de encontro a um possível argumento sobre a desumanização dos escravos contemporâneos por parte dos que lhe são hierarquicamente superiores. Se fossem considerados mercadorias, o ato, que claramente afeta as noções de virilidade, masculinidade e dignidade dos envolvidos, poderia não ter sido pensado como forma de punição eficaz. (COSTA, 2008, p. 175-196). Este relato demonstra que o trabalhador escravizado pode ser tratado como objeto, conforme discutido anteriormente, mas também como um sujeito desprovido de direitos, em momentos que dependem da conveniência para o empregador. Uma mercadoria que pode render mais lucros à medida que a dignidade é violada, como também um desigual com subjetividades e cultura que permite a coação e o cerceamento da liberdade na dimensão emocional. As práticas que usam a humilhação, ameaças e o plano ideológico são estratégias que partem do princípio de que aquele trabalhador é um indivíduo sem direito de recusar, negar ou decidir. A ausência de consentimento muitas vezes não está implícita no momento da migração para o trabalho, mas na própria rotina laboral. Sem o uso de grilhões de ferro, os trabalhadores possuem sua liberdade alienada por outros meios: ameaças, humilhação, coação, dentre outros. Para tratar sobre o mesmo crime, muitos autores utilizam nomenclaturas diferentes como trabalho escravo, trabalho forçado, redução à condição análoga à de escravo e trabalho em condições degradantes. No entanto, outras terminologias podem 691

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ser encontradas como: trabalho escravo contemporâneo, servidão por dívida e neoescravidão. (MOURA, 2016). A Organização Internacional do Trabalho (OIT), por sua vez, utiliza a expressão trabalho escravo para designar a escravidão moderna. Segundo o órgão, o trabalho forçado se refere a situações em que as pessoas são coagidas a trabalhar através do uso de violência ou intimidação, ou até mesmo por meios mais sutis, como a servidão por dívidas, a retenção de documentos de identidade ou ameaças de denúncia às autoridades de imigração. (OIT, 2019, p. [?]). O trabalho escravo pode ser explorado por autoridades do Estado, pela iniciativa privada ou por pessoa física, em qualquer tipo de atividade econômica e nos quatro 'cantos' do mundo. Entre outros, envolve um leque de práticas coercitivas impostas ao trabalhador, cuja exploração pode ocorrer no seu local de origem ou ser resultante de um movimento migratório interno e externo. Entre as práticas mais comuns, são verificadas “[…] restrições à liberdade de circulação, retenção de salários ou de documentos de identidade, violência física ou sexual, ameaças e intimidações, dívidas fraudulentas que os trabalhadores não conseguem pagar, […]”. (OIT, 2019, p. [?]). O trabalho escravo pode ser caracterizado de várias formas. Em uma delas, aliena-se a liberdade do trabalhador para que este trabalhe sem poder decidir sobre si mesmo, seja sob ameaça física ou psicológica, seja por meio de isolamento geográfico, impedimento de locomoção, fraude, violência, vigilância ostensiva e retenção de documentos. Também, cobra-se jornada de trabalho exaustiva de forma que esgote a capacidade física e mental, desrespeitando as necessidades humanas e incidindo negativamente na saúde do trabalhador. Ademais, consideram-se condições degradantes de trabalho: alojamento precário, água e alimentos impróprios para consumo, más condições de higiene, dentre outros aspectos. E, por fim, a escravidão por dívida diz respeito à dívida ilegal criada como meio de reter o trabalhador até que esta seja considerada paga pelo empregador. O trabalhador rapidamente passa da condição de livre e remunerado pela sua força de 692

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalho para um devedor que trabalha para pagar a dívida que só aumenta com a subsistência do mesmo. Esses elementos não precisam necessariamente estar juntos para caracterizar o trabalho escravo contemporâneo, já que todas essas características violam a dignidade humana e acompanham as mudanças típicas da passagem temporal e transformações da sociedade. O trabalho escravo contemporâneo hoje é uma problemática multifacetada e complexa. Quando se trata de trabalho escravo os números são alarmantes. Estima-se que 20,9 milhões de pessoas são escravizadas em todo o mundo atualmente, ou seja, três em cada 1.000 pessoas da população são vítimas desse tipo de crime. Deste total, 90% são exploradas na economia privada através de pessoas físicas e jurídicas, enquanto as demais (10%) são forçadas a trabalhar pelo Estado, por grupos militares rebeldes ou em prisões. Desses, a exploração laboral atinge 68% das vítimas e a exploração sexual forçada atinge 22%, segundo a OIT (2019). No Brasil, 53.607 trabalhadores foram resgatados durante os anos de 1995 a 2018. De 2003 a 2018 foram 45.028 resgates nos 26 Estados e Distrito Federal. O Pará teve a maior quantidade de trabalhadores resgatados (10.043), seguido pelo Mato Grosso (4.394), Goiás (3.944), Minas Gerais (3.711) e Bahia (3.256). O Piauí ocupou o 12º lugar com 932 trabalhadores resgatados. (BRASIL, 2018). A Região Norte do Brasil apresentou a maior quantidade de trabalhadores resgatados (14.580), representando pouco mais de 32% do total de libertos no período. Na Região Centro-Oeste foram 11.017 (24,47%) e na Região Nordeste, 9.194 (20,42%), sendo nesta última que está situado o Estado do Piauí, cujos números serão analisados na próxima seção. (BRASIL, 2018). Em relação à escolaridade, os números mostram que a realidade não avançou de forma considerável sobre o perfil dos resgatados de 2011 e 2018. Ainda que esse fenômeno não seja estático e linear, a maioria das vítimas são as pessoas com menor renda e com menor grau de instrução no qual 96,84% das pessoas resgatadas não possuem ensino médio completo e, desses, 31,43% são analfabetos (11.208 pessoas). Mais especificamente, entre 2003 e 2018 foram identificadas vítimas com ensino médio completo (2,9%), ensino superior incompleto (0,10%); superior completo (0,039%) e até pós-graduado (0,008%). (OIT, 2018). 693

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quanto ao sexo, a maioria das vítimas é do sexo masculino, representam 94,62% ou 34.592 resgatados, mas, de 2003 a 2018, foram resgatadas, em todo o Brasil 1.962 (mil novecentos e sessenta e duas) mulheres, um número expressivo apesar de não representar a maioria, o que mostra que a escravidão é um fenômeno presente entre as pessoas desse sexo. (OIT, 2018). 2.1 Trabalhadores piauienses: perfil dos escravizados e alguns números O Piauí possui pouco mais de 3,2 milhões de pessoas e densidade demográfica de 12,4 hab/km (IBGE, 2019). Situado na região nordeste, é considerado um dos Estados mais pobres do Brasil e isso pode ser comprovado através do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) um dos indicadores que mostram as condições de vida quanto a diversos fatores e dentre eles a educação e a renda per capta e, que, apesar das críticas de fragmentação e ausência de fatores subjetivos para indicar qualidade de vida, ainda é um parâmetro relevante para análise. (ORSI, 2009). Não é por acaso que o baixo poder econômico é acompanhado por um IDH baixo. O Piauí está na 24º posição num universo de 27 unidades federativas com o índice de 0,646. Desde 1991 a 2010 esse número vem crescendo, o que é positivo. No entanto, não tem sido suficiente quando analisado no contexto brasileiro. (IBGE, 2019). Em 2017, o rendimento nominal mensal domiciliar do Piauí era de R$ 750 reais. Comparado às outras 27 unidades federativas, o Piauí ocupa a 24º posição (IBGE, 2019). Isso evidencia quão baixa é a renda das famílias piauienses e a profunda desigualdade existente no Estado. Em relação ao analfabetismo, o Piauí apresentou o 2º lugar (17,2%) dentre os Estados brasileiros, com analfabetos com 15 anos ou mais, perdendo somente para o Estado de Alagoas (19,4%), segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), em 2017. (BRASIL, 2017). Quanto à raça, aproximadamente 64% da população é autodeclarada parda, 24% branca, 9,3% preta, 2,1% amarela e 0,09% indígena. Somando-se os pardos e pretos, são 73,4% de negros (2.289.322 pessoas). (IBGE, 2019). Em relação ao gênero, o masculino é o mais escravizado no Estado, a exemplo do país. Isso pode estar ligado à cultura paternalista que coloca o homem enquanto 694

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI provedor familiar. Caso seja esta a hipótese, há a ocorrência de vítimas diretas e vítimas indiretas, uma vez que ao deixar as mulheres ou filhos para trabalhar em outras regiões e localidades, estes ficam desassistidos e ainda mais vulneráveis economicamente. Apresentando as características descritas, o Piauí é um produtor de mão de obra para o trabalho escravo, seja no próprio Estado ou fora dele. Segundo a OIT e o MPT (BRASIL, 2018), no Piauí foram realizados 932 resgates entre 2003 e 2018. Quanto às vítimas do trabalho escravo, essas são divididas em duas categorias pelo Observatório Digital do Trabalho Escravo: naturais resgatados5 e residentes resgatados6. Foram resgatados mais naturais do que residentes, respectivamente, 2.144 e 1.666. (OIT, 2018). As cinco ocupações mais frequentes nas quais os naturais piauienses foram resgatados são: Trabalhador Agropecuário em Geral (79,43%; 1.703 pessoas), Servente de Obras (4,75%; 102 pessoas), Pedreiro (3,6%; 79 pessoas), Trabalhador da Cultura de Cana-de-Açúcar (3,07%; 66 pessoas) e Trabalhador da Pecuária-Bovinos de Corte (3,07%; 66 pessoas). Essas áreas coincidem na mesma ordem de prevalência para os resgatados residentes. (OIT, 2018). A raça dos naturais resgatados segue o mesmo padrão nacional: maioria de negros (pardos e pretos). 47,36 % são pardos, mulatos, caboclos, cafuzos, mamelucas ou mestiços; 14,38% de brancos; 10,07% de pretos e 0, 83% de indígenas. (OIT, 2018). A escolaridade dos naturais piauienses vítimas de trabalho escravo é baixa em um número expressivo e pontualmente com grau de instrução acima de ensino médio completo. Analfabetos foram 643 pessoas, 890 não completaram o 5º ano, 282 pessoas não completaram o 9º ano, 99 com fundamental completo, 92 com 5º ano completo, 53 com ensino médio completo, 47 pessoas com ensino médio incompleto, 2 com superior incompleto e 1 pessoa com especialização. Essa realidade se reproduz também com os residentes já que desses: 44% possuem escolaridade inferior ao 5º ano completo; 24% eram analfabetos e apenas 5% possuíam ensino fundamental completo. (OIT, 2018). 5 Os trabalhadores naturais regatados, definidos como os trabalhadores que foram resgatados pelo Brasil e que comprovaram seu nascimento no Estado do Piauí. 6 Os trabalhadores residentes declarados são os trabalhadores que foram resgatados em território brasileiro e que afirmaram residir no território piauiense 695

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Diferente da escravidão colonial que tinha como vítima as pessoas negras africanas ou afrodescendentes de forma específica, a escravidão contemporânea possui perfil traçado por meio de maioria. Os dados mostram um número expressivo de negros que foram submetidos às condições análogas à de escravo, mas não há indícios de que os empregadores estivessem buscando trabalhadores pela raça, mas por mão de obra barata. 3 CONCLUSÃO A preocupação com a criação de mecanismos legais de combate e prevenção ao trabalho escravo data do início do século XX com a criação da OIT. A partir daí, outros órgãos foram sendo criados, como a ONU e diversos tratados e leis internacionais e nacionais surgiram para reforçar o combate a essa prática. O direito ao trabalho, enquanto condição social universal está protegido por uma cadeia legislativa de âmbito internacional e, nacional, com o intuito de coibir e punir os sujeitos que insistem na prática do trabalho escravo. Muito embora o Brasil participe de convenções e tratados em âmbito mundial, o trabalho escravo perdura no país desde o século XIX até os dias atuais, no qual se verifica a crescente exploração do trabalhador com ataque direto à dignidade humana. É evidente que, no modelo contemporâneo, o perfil do trabalho escravo é multifacetado embora o perfil do trabalhador seja o mesmo em todas as regiões, inclusive no Piauí. A desigualdade social atrelada à baixa renda per capita do Piauí e, principalmente, à pouca escolaridade e à insuficientes e ineficazes políticas de trabalho e renda, faz com que o perfil dos trabalhadores, vítimas de trabalho escravo contemporâneo, desenhe o perfil da exclusão social: jovens, negros, com baixa escolaridade, rural e de baixa renda, tanto no Estado, como no contexto nacional. REFERÊNCIAS 696

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ANDRADE, S. S. Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo: direito de decidir? Revista Esmat, Palmas, Ano 4, nº 4, pag. 217 a 244 - jan/dez, 2012. Disponível em: http://esmat.tjto.jus.br/publicacoes/index.php/revista_esmat/article/view/91/97. Acesso em: 15 fev. 2020. BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo. 2019. Disponível em: http://trabalho.gov.br/images/Documentos/SIT/CADASTRO_DE_EMPREGADORES_201 9-4-3.pdf Acesso em: 20 fev. 2020. ______. Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil. Principais Achados. 2017. Disponível em: http://observatorioescravo.mpt.mp.br. Acesso em: 19 fev. 2020. ______. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 17 fev. 2020. ______. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 17 fev. 2020. CASTILHO, E. Considerações sobre a interpretação jurídico-penal em matéria de escravidão. Estudos avançados, n. 14, 2000. COSTA, P. A construção da masculinidade e a banalidade do mal: outros aspectos do trabalho escravo contemporâneo. Cadernos Pagu, n.31, julho-dezembro de 2008. ESTERCI, N. Escravos da desigualdade: um estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. IBGE. Cidades/Estados. Piauí. 2019. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pi/panorama. Acesso em: 22 fev. 2020. MORAES, Ricardo Quartim de. A evolução histórica do Estado Liberal ao Estado Democrático de Direito e sua relação com o constitucionalismo dirigente. In. Revista de informação legislativa. v. 51, nº 204, p.269-285, out/dez 2014. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/51/204/ril_v51_n204_p269.pdf. Acesso em: 22 fev. 2020. MOURA, F. Mídia. Trabalho Escravo Contemporâneo: perspectivas da recepção. Revista de Políticas Públicas. Universidade Federal do Maranhão/São Luís. Vol. Esp, 2016. 697


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