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EIXO 2 - Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:22:43

Description: Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI situação de pobreza (BEZERRA, 2011). Fenômeno que atinge diretamente a classe trabalhadora, via precarização e flexibilização das relações de trabalho, bem como, diminuição no campo dos direitos sociais já conquistados ou sequer reconhecidos no campo jurídico-político, a configurar uma precarização da existência, no dizer de Antunes e Alves (2004). Ressaltamos que a classe trabalhadora assume, na contemporaneidade, nova configuração. Se apresenta de maneira heterogênea, ampliada e complexa, a incorporar o conjunto de trabalhadores/as que se inserem na divisão social e técnica do trabalho coletivo, desenvolvendo múltiplas funções, sendo compreendida para além da classe que vende a sua força de trabalho em troca de um salário – os assalariados. Portanto, o desenho da classe trabalhadora atual comporta “[...] a totalidade dos trabalhadores assalariados, em todas as suas distintas modalidades de inserção no mundo do trabalho, incluindo aqueles subempregados, na informalidade e desempregados (ANTUNES, 2020, p. 95). Ainda segundo Antunes, se pode falar de uma dualização da classe trabalhadora contemporânea, a considerar: [...] De um lado, em escala minoritária, o trabalhador polivalente e multifuncional da era internacional-digital, capaz de exercitar sua dimensão mais intelectual com maior intensidade. De outro, uma massa de trabalhadores precarizados, terceirizados, flexibilizados, informalizados, cada vez mais próximos do desemprego estrutural. A expansão do trabalho part time, as formas como o capital se utiliza da divisão sexual do trabalho, a ampliação do trabalho dos imigrantes, frequentemente ilegais, são outras marcas dessa processualidade potencialmente estranha e reificada (ANTUNES, 2020, p. 108). Antunes e Alves (2004) explanam que, diante deste contexto de crise estrutural do capital, somada a medidas de cunho neoliberal, as formas desregulamentadas de trabalho ganham espaço, logo, o número de trabalhadores estáveis, bem como, as formalidades dos vínculos empregatícios, diminuem. Este fator resulta do aumento desenfreado da terceirização6 e da subcontratação de trabalhadores. Diante disto, alternativas informais de trabalho ganham forças em países, sobretudo, os ditos periféricos, dada as suas condições de dependência nas dinâmicas do mercado 6 Esse processo revela a redução de custos em decorrência da sonegação das leis do trabalho, assim como, em relação a diferença dos salários e benefícios entre os contratados e os terceirizados, sendo uma forma encontrada pelo sistema capitalista para externalizar os custos em relação aos trabalhadores/as, na medida em que eles mantêm o mesmo ritmo de produção (KREIN; TEIXEIRA, 2016). 848

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI capitalista mundializado. Realidade esta que perpassa o mundo do trabalho no Brasil e assume particularidades em virtude de nossa formação sócio-histórica a partir da qual os traços de nosso “atraso” assumem a face de nossa suposta contemporaneidade, nos termos do crescente processo de precarização e informalização do trabalho neste país. Depreendemos que algumas questões devem ser consideradas nesta reflexão. Como já citado, as metamorfoses do capital incidem de maneira negativa sobre a classe trabalhadora, atingindo as esferas dos direitos sociais e trabalhistas até então assegurados jurídico-politicamente. Para além disto, é possível visualizar outras mudanças significativas no mundo do trabalho, tais como: o crescimento do público feminino; o aumento de atividades circunscritas à lógica economicista e de valorização do capital; o aumento da população jovem na ocupação de vínculos informais e precários, bem como de desemprego estrutural; e de sua participação no ciclo econômico, desenvolvendo formas de trabalho que, descaracterizam o sentido de direito, o que rebate de modo negativo no campo das políticas sociais (ANTUNES; ALVES, 2004). Diante dos apontamentos tecidos, nos interessa nesse momento explicitar mais detalhadamente como essas alterações no mundo do trabalho estão se configurando na contemporaneidade. Ressaltando ainda, como ela repercute na atuação profissional dos(as) assistentes sociais, com ênfase no trabalho desenvolvido dentro da Política de Assistência Social. 2 REFLEXÕES SOBRE AS MUTAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E SEUS IMPACTOS NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DE ASSISTENTES SOCIAIS As metamorfoses que permeiam o campo do trabalho podem ser expressas por meio de seus aspectos objetivos e subjetivos. O grande investimento do capital em tecnologias, com o intuito de aumentar a produção e a lucratividade, desemboca na elevação excessiva das taxas de desemprego, além de afetar a classe trabalhadora, na medida em que as exigências aumentam e esta não consegue dar conta do ritmo imposto pelo ordenamento desse modo de produção (ANTUNES; ALVES, 2004). 849

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Concomitante a esse processo, como levantado por Netto e Braz (2012), as medidas que se voltam para a reestruturação produtiva7 e a terceirização do trabalho se tornam mais latentes, rebatendo na diminuição das taxas de lucro para o capital e na renovação das novas formas de exploração do trabalho. Materializando, assim, via flexibilização e desregulamentação das leis e dos direitos trabalhistas e sociais. Desta feita, as relações de trabalho passam a ser caracterizadas por meio de sua curta duração de contratos, das formas de subcontratação e terceirização, também sendo expressas através do crescente desemprego, subemprego, informalidade, rotatividade e seletividade dos trabalhadores (SOUSA, 2016). Antunes e Alves (2004) afirmam que, embora cada vez mais a venda da força de trabalho por parte da classe trabalhadora, seja permeada por consequências nefastas, por conta do processo de reestruturação produtiva e da acumulação flexível8 do capital, ela jamais poderá ser eliminada, pois, é a única capaz de gerar a mais-valia, fazendo com que o capital se realize plenamente. Portanto, apesar de sofrer inúmeros impactos face às transformações no mundo do trabalho, a força de trabalho humano, ainda continua sendo primordial e central para a produção e a reprodução do capital, e, por conseguinte, para a geração do excedente econômico. No tocante ao trabalho dos(as) assistentes sociais desenvolvido dentro da Política de Assistência Social, percebemos que essa categoria sofre diretamente com as alterações (negativas) do mundo do trabalho, face à sua condição de trabalhador(a) assalariado(a). A Gestão Trabalho prevê e assegura a participação de todos os envolvidos na Política de Assistência Social, perpassando dos conselhos, até os usuários. Entretanto, embora o exercício profissional seja assegurado legalmente, o cenário de precarização envolve o campo socioassistencial, sobretudo, face a introdução de medidas neoliberais na realidade brasileira. Diante desse cenário, as funções públicas ficam fragilizadas. O desaparelhamento do Estado rebate, negativamente, no trabalho assalariado. Como apontado por Raichelis, 2011, p. 43: 7 Na medida em que as forças produtivas se desenvolvem, há uma incorporação de tecnologias no processo produtivo, e em contrapartida, fica cada vez mais evidente a uma diminuição do trabalho vivo (NETTO; BRAZ, 2012). 8 Para Netto e Braz (2012), dentro da lógica da acumulação flexível, a produção se dá para atender as necessidades do consumidor, variando conforme as determinações de mercado. 850

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Essa dinâmica de flexibilização/precarização/desregulamentação atinge também as relações e o trabalho dos profissionais que atuam em instituições públicas e privadas no campo das políticas sociais, gerando rebaixamento salarial, intensificação do trabalho, precarização dos vínculos e condições de trabalho, perda e/ou ausência de direitos sociais e trabalhistas, pressões pelo aumento de produtividade, insegurança do emprego, ausência de perspectivas de progressão na carreira, ampliação da competição entre trabalhadores, adoecimento, entre tantas outras manifestações decorrentes do aumento da exploração da força de trabalho assalariada. A institucionalização do Serviço Social como profissão está ligada à questão social, tendo em vista que as demandas históricas construídas na era dos monopólios, exigiram enfrentamento e controle estatal, daí a necessidade da atuação da profissão junto a esse aparato, com vistas a amenizar os impactos das refrações da questão social. A consolidação da fase monopólica do capitalismo coloca em evidência as contradições burguesas e do próprio sistema, uma vez que explicitam a essência desse modo de produção fundamentada na exploração e na alienação da classe trabalhadora. Com isso, as condutas filantrópicas e assistenciais exercidas pelo Serviço Social em suas protoformas9 não são suficientes. Se fez necessário uma nova postura da profissão, para que ela pudesse abarcar então, as novas demandas que começam a surgir naquele momento histórico específico (NETTO, 1996). O Estado, no período monopólico refuncionalizou e redimensionou suas ações através de mecanismos de intervenção extraeconômicos, assegurando as condições da produção e reprodução capitalista, ao intervir, diretamente, na economia – com vistas à valorização do capital – bem como no social, via políticas e serviços sociais produzidos em face das demandas político-sociais postas pelas classes trabalhadoras. Logo, “[...] o Estado atua como um instrumento de organização da economia, operando notadamente como um administrador dos ciclos da crise do capital” (NETTO, 1996, p. 22). Ao criar as condições necessárias para a reprodução do capital, com medidas que também se voltaram para a preservação e a reprodução da classe trabalhadora, o Estado opera suas ações no sentido de fortalecer os monopólios, enquanto reduz o campo dos 9 Em suas protoformas, as ações profissionais foram orientadas conforme os fundamentos da Doutrina Social da Igreja Católica, na busca pela recristianização do indivíduo, através do ajustamento dele ao meio social, restaurando assim, os bons costumes e a moral, para que ele pudesse apresentar um bom comportamento perante as normas da sociedade - conservadora (IAMAMOTO, 2004). 851

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI direitos e garantias de organização e participação política desse segmento, na medida em que suas ações se direcionava, sobretudo, com vistas a garantir a hegemonia do capital. Parece inadequado em face do que põe depois), refuncionalizando, assim, as suas demandas em detrimento da maximização dos lucros. Portanto, enuncia Netto (1996, p. 25): [...] o capitalismo monopolista, pelas suas dinâmicas e contradições, cria condições tais que o Estado por ele capturado, ao buscar a legitimação da política através do jogo democrático, é permeável às demandas das classes subalternas, que podem fazer incidir nele seus interesses e suas reivindicações imediatas. E que este processo é todo tensionado, não só pelas exigências da ordem monopólica, mas pelos conflitos que esta faz em dimanar em toda a sua ordem societária”. O supracitado autor lança aportes teóricos para que entendamos os fundamentos da materialização das políticas sociais, pois, “[...] através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista procura administrar as expressões da “questão social” de forma a atender às demandas da ordem monopólica” (NETTO, 1996, p.26), revelando assim, o seu caráter duplo. Nesse sentido, ele coloca em evidência, quais os fundamentos das políticas sociais no sistema capitalista, em que de um lado, são utilizadas como mecanismos de intervenção direta e indireta na economia; e, por outro, são gestadas a fim de conservar e controlar a força de trabalho, que é essencial para o capital. As mudanças ocorridas em face da implementação do capitalismo monopolista exigem uma reorganização da sociedade, e é dentro desse meio que o Serviço Social se tornou necessário. Ao comportar agentes que atuam na operacionalização das políticas sociais, a profissão se insere na divisão social e técnica do trabalho, institucionalizando- se ou seja: [...] o processo pelo qual seus agentes – ainda que desenvolvendo uma autorrepresentação e um discurso centrados na autonomia dos seus valores e da sua vontade – se inserem nas atividades interventivas cuja dinâmica, organização, recursos e objetivos, são determinados para além de seu controle” (NETTO, 1996, p. 69). O Serviço Social, dessa forma, direcionou suas ações profissionais para o controle e a reprodução da força de trabalho. Atuava, diretamente, no subsídio de demandas 852

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI para a elite dominante, e, indiretamente na garantia de uma força de trabalho apta e viva para a exploração por parte do capital, exercendo ações para oportunizar a reprodução econômica desse sistema (NETTO, 1996). Conforme tratado por Netto (1996), as ações executadas pelos assistentes sociais são ditadas conforme as instituições empregadoras, sejam elas de caráter público ou privado. Dessa forma, embora as funções que lhes sejam determinadas considerem em primeira instância as necessidades ou demandas sociais, elas ainda assim, obedecem à lógica do capital. Esse quadro revela, portanto, a dimensão da autonomia relativa do Serviço Social enquanto profissão liberal, pois ao comportarem a classe trabalhadora, na medida em que tem profissionais que vendem a sua força de trabalho, também sujeitam as suas ações às relações de poder que se estabelecem no cotidiano. Na obra O Privilégio da Servidão (2020), Ricardo Antunes, lança bases para compreender as mutações das condições de trabalho e da organização dos trabalhadores na era digital do capital. O século XXI configura-se em palco de profundas mudanças em face da implementação do processo de reestruturação produtiva global, que altera, significativamente, as formas de produção e de apropriação do capital. Junto a isso, o mundo do trabalho também passa por alterações, em decorrência da sua nova morfologia, em curso. As novas relações de trabalho, que se estabelecem, são pautadas, sobretudo, na precarização10 e terceirização da classe trabalhadora. O trabalho pode auxiliar na compreensão da vida em sociedade, uma vez que nos dá bases para decifrar as formas de sociabilidades expressas em nosso cotidiano. As mudanças face a globalização do capital alteram as relações sociais. Se antes, o trabalho era entendido como uma categoria que compunha a vida do indivíduo na sociedade, com vistas a sanar as suas necessidades, diante de tais mudanças, ele assume caráter essencial para a nossa própria sobrevivência. Percebemos que, nesse tipo de sociedade – capitalista – o trabalho está subjugado aos ditames do capital, uma vez que as ações são orientadas para a produção e para a reprodução desse modelo socioeconômico (ANTUNES, 2020). Segundo Antunes (2020), a classe trabalhadora ganha um novo formato na contemporaneidade. A nova morfologia desse segmento, na era digital, engloba 10 Para Antunes (2020), esse processo explicita bem o desmonte na legislação social protetora do trabalho, o que impacta, direta e negativamente, a esfera dos direitos sociais assegurados à classe trabalhadora. 853

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalhadores e trabalhadores que vendem a sua força de trabalho das mais variadas formas, ainda que essas atividades sejam ou não regulamentadas. Traz à tona, portanto, outra característica das relações de trabalho nó século XXI: a flexibilização. Todas as alterações retratadas anteriormente reverberam, de maneira direta, no campo social, fragilizando, assim, as ações e funções públicas desenvolvidas., ao rebater também, negativamente, no trabalho assalariado. Como apontado por Raichelis, 2011, p. 43: Essa dinâmica de flexibilização/precarização/desregulamentação atinge também as relações e o trabalho dos profissionais que atuam em instituições públicas e privadas no campo das políticas sociais, gerando rebaixamento salarial, intensificação do trabalho, precarização dos vínculos e condições de trabalho, perda e/ou ausência de direitos sociais e trabalhistas, pressões pelo aumento de produtividade, insegurança do emprego, ausência de perspectivas de progressão na carreira, ampliação da competição entre trabalhadores, adoecimento, entre tantas outras manifestações decorrentes do aumento da exploração da força de trabalho assalariada. Raichelis (2011) também sinaliza que as novas formas de precarização que circundam e se objetivam no campo do trabalho rebatem de maneira concisa na informalização das relações contratuais. Com a adequação das relações de trabalho aos parâmetros de acumulação flexível do capital, impostos pelo processo de reestruturação produtiva, as formas de subcontratação e/ou o estabelecimento de contratos temporários se tornam cada vez mais comuns. O que gera, portanto, uma grande rotatividade de trabalhadores/as nos cargos, e por consequência, uma “quebra” no trabalho profissional desenvolvido dentro das políticas públicas. A prática profissional de assistentes sociais exige a compreensão das dimensões micro e macrossociais para a leitura e interpretação da realidade na qual se insere. Logo, o movimento de execução das ações profissionais perpassa três aspectos: estrutura, conjuntura e cotidiano, a considerar a compreensão da formação sócio-histórica de cada sociedade e a apreensão das tessituras que se apresentam na vida social (MARTINELLI, 2006). O conhecimento, fundamental para o deciframento da realidade social, possibilita identificar que as demandas, os seus fundamentos e as ações profissionais são determinadas com uma finalidade (telos). Se tomarmos por base o projeto ético- 854

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI político profissional11 percebemos que essas ações implicam na possibilidade de firmar alianças com a classe trabalhadora, vislumbrando, sobretudo, a emancipação desse segmento, a partir da compreensão que ele é composto por sujeitos sociais e detentores de direitos (GUERRA, 2007). Para Guerra (1995), estas respostas são pautadas na subjetividade profissional, através da articulação do projeto ético-político do Serviço Social com o projeto societário, expressando as habilidades e as competências profissionais. Entretanto, tendo em vista que as bases que regem o modo de produção capitalista são fundamentadas, sobretudo, na superexploração do homem pelo homem, o Projeto Ético-Político do Serviço Social acaba apresentando aversão em relação ao projeto do capital, fato este que põe em xeque a sua materialização. Dessa forma, se de um lado, o contexto neoliberal faz com que a categoria profissional de assistentes sociais inseridos nas políticas públicas se submeta à lógica do capital, por outro, possibilita com que esse segmento construa alianças estratégicas com os movimentos sociais e segmentos da sociedade civil brasileiras mobilizados na perspectiva da garantia de direitos. Ao se comprometerem com as causas sociais, na medida em que vislumbram uma sociedade emancipada, livre de todo o tipo de exploração (PEREIRA, 2013). Sabemos que, em tempos de agudização da crise do capital e do avanço do viés conservador, a organização política da classe trabalhadora é diretamente afetada, tendo em vista a crescente criminalização das lutas sociais. Nesse contexto, cada vez mais se torna necessário assegurar direitos sociais e manter a organização enquanto classe social trabalhadora, mesmo diante dos desafios e tensionamentos provocados, constantemente, pelo sistema capitalista. 11 De acordo com Pinheiro (2015), o Projeto Ético-Político Profissional é fundamental para a intervenção de assistentes sociais no cotidiano. Ele fundamenta a formação crítica e reflexiva da categorial profissional, na medida em que instiga constantemente a produção de conhecimento que auxiliam no exercício profissional. Além disso, também permite a aproximação de assistentes sociais com instâncias político-organizativas, fazendo com que as participações desses profissionais em espaços democráticos de construções coletivas sejam possibilitadas. Entretanto, o referido autor ainda chama a nossa atenção para um aspecto fundamental nessa discussão, o fato do projeto do projeto que norteia a profissão, ser permeado por tensões, contradições e divergências. 855

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 CONCLUSÃO Conforme enunciado, o exercício profissional de assistentes sociais se faz necessário no bojo das relações sociais capitalistas, em sua fase monopólica, atuando com a finalidade de amenizar os impactos da relação entre o capital e o trabalho. É interessante ressaltar que a profissão se materializa em uma realidade social perpassada por uma totalidade composta por diversas dimensões que, ao se articularem entre si, compõem um ramo específico da divisão social e técnica do trabalho, como uma especialização que precisa responder a um conjunto de necessidades sociais. Necessidades que podem ser viabilizadas por outras profissões, mas que também precisam da atuação direta do Serviço Social (GUERRA, 2007). Para Guerra (2007), a profissão possui um conjunto de atribuições e competências que, historicamente, foram se formulando com base nos espaços sócio ocupacionais de atuação, sendo então gestadas, conforme a realidade social em que se inseriam e eram materializadas. Nessa linha de pensamento, a autora ainda sinaliza que o contexto no qual todas essas questões são objetivadas é permeado por relações sociais tensas e conflituosas, formuladas a partir de interesses de classes contraditórias. O trabalho profissional do Serviço Social é dotado de elementos políticos no âmbito de sua intervenção. Contundo, devemos ter em mente que, essa relação entre assistentes sociais e classe trabalhadora não se dá de forma direta, sendo então, mediada conforme o Estado intervém na questão social, se materializando via políticas públicas e sociais. A instrumentalidade (Nota completa – qual instrumentalidade// racionalidade) se volta para explicitar a capacidade que a profissão tem de rever e identificar seus componentes – com base naquilo em que ela está comprometida – e de conseguir alcançar, de fato, seus objetivos, a partir da escolha exata do que fazer, e, com base na mobilização de suas três dimensões: teórico-metodológica, ético-política e técnico- operativa. Ressaltamos ainda, que compreender a instrumentalidade, implica apreender as contradições que se materializam no interior da profissão. E que giram em torno da teleologia e da causalidade, na qual, a primeira se volta para a inserção do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho; e a segunda se destina em explicitar 856

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a capacidade reflexiva dessa categoria profissional no que tange a busca por respostas frente às complexas demandas que lhe são postas (GUERRA, 1995). Ao tecer explanações sobre a categoria instrumentalidade, podemos depreender que essa tem um campo multifacetado por pré-conceitos, uma vez que se expressa com base na criticidade profissional. Nesse sentido, a instrumentalidade se volta para o processo capaz de construir respostas profissionais frente às expressões da questão social que se materializam no cotidiano, sobretudo, aquelas voltadas para a viabilização das políticas sociais, afirmando o comprometimento profissional junto aos seus usuários, e com/enquanto a classe trabalhadora (VALE et al., 2018). Diante do que apresentamos, afirmamos que as ações profissionais de assistentes sociais devem ultrapassar os limites que se colocam em seu cotidiano, com vistas a emancipação dos usuários, enquanto sujeitos sociais e detentores de direitos. Compromisso esse que motiva o trabalho, mesmo diante dos retrocessos e da falta de recursos cada vez mais constantes na realidade brasileira das políticas públicas sociais. Dessa forma, reiteramos que, embora sejam reconhecidos os limites institucionais nesse contexto, o trabalho profissional dos assistentes sociais exige reflexividade constante, de modo a atuar em consonância com o projeto ético-político da profissão, no assumir cotidiano do compromisso com os interesses da classe trabalhadora e com um projeto societário radicalmente diverso do modo de vida capitalismo. A exigir rigor teórico- metodológico, no caso da perspectiva histórico-crítica, de maneira a prezar pela qualidade dos serviços sociais garantidos no seu exercício profissional, na contribuição efetiva para a materialização de direitos sociais, apesar de nos defrontarmos com limites institucionais, conjunturais e estruturais, em especial, aqueles relativos aos processos de precarização das condições de trabalho às quais estamos submetidos na condição de trabalhadores (as) assalariados (as) que, todavia, mantém relativa autonomia nos diversos espaços sócio profissionais nos quais atuamos. REFERÊNCIAS ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020. 857

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI _____; ALVES, G. As mutações do mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004. BEHRING, E. R. Sobre o Financiamento das Políticas Sociais no Brasil. In: CRESS. A dimensão técnico-operativa do Serviço Social. Revista Conexão Geraes. Minas Gerais, 2013. p. 11-15. BEZERRA, L. M. P. S. Sentidos da pobreza e do viver em territórios estigmatizados: versões de moradores do Grande Bom Jardim em Fortaleza-Ce. V Jornada Internacional de Políticas Públicas – UFMA São Luís, 2011. GUERRA, Y. A. D. A instrumentalidade do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 1995. _____. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. Belo Horizonte: CRESS, 2007. IAMAMOTO, M. V; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 21ª ed. São Paulo: Cortez, 2007. _____. O Brasil das desigualdades: “questão social”, trabalho e relações sociais. In: SER social, Brasília, v. 15, n. 33, p. 261-384, jul./ dez. 2013. KREIN, J. D.; TEIXEIRA, M. Terceirização e relações de trabalho. Mercado de trabalho: qualificação, emprego e políticas sociais. Fortaleza: IDT, 2016. MARTINELLI, M. L. Reflexões sobre o Serviço Social e o projeto ético-político profissional. Emancipação, n. 6, p. 9-23. 2006. NETTO, J. P. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996. _____; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. – 8. ed. – São Paulo: Cortez, 2012. PEREIRA, P. A. P. Proteção social contemporânea: cui prodest? Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 116, p. 638-651. out/dez. 2013. PEREIRA, V. S. Gestão de Recursos Humanos no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) no Brasil: particularidades e desafios. Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Brasília, 2013. PINHEIRO, P. W. M. Serviço Social, neoconservadorismo religioso e o desafio para a formação profissional. Revista Temporalis. Brasília (DF), ano 15, n.29, jan./jun. 2015. RAICHELIS, R. O assistente social como trabalhador assalariado: desafios frente às violações de seus direitos. Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n 107, jul/set. 2011, p. 420-437. 858

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI SOUSA, F. J. P. Precariedade no mercado de trabalho, proteção social e mobilidade de trabalhadores: implicações inquietantes do neoliberalismo na América Latina. Mercado de trabalho: qualificação, emprego e políticas sociais. Fortaleza: IDT, 2016. SOUZA, JESSÉ. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. - Rio de Janeiro: Leya, 2017. VALE, E. S.; SOUSA, R. B.; CAMELO, R. A. Trabalho e instrumentalidade do serviço social. Fortaleza: EdUECE, 2018. 859

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS ASSÉDIO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: reflexões sobre sua inserção no campo das políticas públicas WORKPLACE HARASSMENT: reflections on its insertion in the public policies field Karoline Parrião Rodrigues1 Lourdes de Maria Leitão Nunes Rocha2 RESUMO Objetiva-se provocar reflexão sobre a prática do assédio nas relações de trabalho, compreendendo esta como uma forma de violência que implica consequências graves a nível pessoal e profissional, mas também provoca impactos na esfera social e institucional. As relações de poder e dominação impostas pelo sistema capitalista de produção e reprodução possibilitam que trabalhadoras e trabalhadores vivenciem em seu cotidiano várias formas de opressão, sendo o assédio aqui priorizada. Assim, busca-se identificar as formas de enfrentamento a essa problemática e de que forma o assédio se situa no campo das políticas públicas. Palavras-Chaves: Assédio, Políticas Públicas, Trabalho. ABSTRACT We aim to provoke reflection on the harassment conduct in workplaces, understanding it as a type of violence that implies serious consequences at personal and professional levels, which also causes major impacts at social and institutional environment. The domination and power relations imposed by production and reproduction capitalist system enable workers experiencing many forms of oppression on their daily life, among which we highlight the harassment. Therefore, we seek to identify potential ways to confront this issue and how harassment is approached in public policies field. 1 Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Graduação em Serviço Social; Universidade Federal do Maranhão – UFMA/ Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas, Mestranda; [email protected]. 2 Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Graduação em Serviço Social; Universidade Federal do Maranhão – UFMA/ Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas, Doutorado; [email protected]. 860

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Keywords: Harassment, Public Policies, Workplace. INTRODUÇÃO Busca-se neste trabalho provocar debate acerca das práticas de assédio nas relações de trabalho no Brasil, considerando-as como formas de violência ao trabalhador e/ ou trabalhadora, na tentativa de identificar as estratégias de enfrentamento a essa pauta por meio de políticas públicas e sua possível constituição enquanto agenda governamental. Conforme aponta o Ministério Público do Trabalho e Emprego em cartilha lançada em 2010, “o assédio moral e sexual no trabalho caracteriza-se pela exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e relativas ao exercício de suas funções”. Trata-se de uma forma de violência praticada independente do grau de hierarquia, podendo ser procedente de chefias, de colegas ou mesmo do/ a subordinado/a à chefia, que objetiva principalmente constranger, humilhar, obter vantagens pessoais, desestabilizar e/ ou desqualificar a vítima, para citar alguns. Atualmente, há poucas legislações que tratam sobre a prática do assédio no ambiente de trabalho, que se configura como uma problemática mundial. No entanto, diversas iniciativas governamentais e empresariais que visam a prevenção de tal prática podem ser identificadas. Destaca-se ainda que, no ano de 2019, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a partir de um processo de negociação entre sindicatos, governos e empresas, aprovou a primeira Convenção para Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho, C190, caracterizando-o como incompatível ao trabalho decente. Apesar de muito recente, datando de 21 de junho de 2019, o referido tratado internacional representa avanço significativo no enfrentamento ao assédio como forma de violência, que incide em consequências graves tanto a nível pessoal, como institucional e social, possibilitando maior destaque da referida demanda na agenda das políticas públicas. Destarte, vamos iniciar o texto com um breve destaque sobre a construção das políticas públicas, com ênfase na agenda governamental, seguida da contextualização do assédio nas relações de trabalho, suas implicações e sua constituição enquanto demanda social, finalizando com algumas considerações e inquietações provisórias. 861

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 POLÍTICAS PÚBICAS E DEMANDAS SOCIAIS As políticas públicas são formas de regulação e/ ou intervenção na sociedade, que se realizam por meio de um processo envolvendo a articulação de diferentes sujeitos com interesses variados. Conforme aponta Silva (2014, p. 90), elas representam “um conjunto de ações ou omissões do Estado, decorrentes de decisões ou não- decisões, constituída por jogos de interesses, tendo como limites e condicionamentos os processos econômicos, políticos, sociais e culturais de uma sociedade historicamente determinada”. Nesse sentido, são consideradas respostas a determinadas demandas (issues) materializadas geralmente por meio de programas, projetos e/ ou serviços, executadas prioritariamente pelo Estado, no entanto, a sociedade civil por meio do chamado terceiro setor e até mesmo empresas também assumem tal responsabilidade. De acordo com Hossoé (2014, p. 271) “as políticas públicas configuram modos de escalonamento das demandas sociais no campo de ação dos agentes públicos, o que pressupõe a participação de sujeitos diversos nesse processo”. A construção das políticas públicas é conduzida por movimentos permeados por uma diversidade de interesses e contradições, não se configurando como processo linear e consensual, mas sim, expressando as contradições da relação capital X trabalho, pois possibilitam mudanças sociais por meio de ações que, em sua maioria, contribuem para o enfrentamento da questão social, ameaçando com isso os interesses das classes dominantes. Com base nisso, Silva (2014) considera o fazer das políticas públicas como um processo, em que cada movimento se constitui em totalidade específica, porém, dialeticamente articulados, destacando como principais movimentos: a constituição do problema e da agenda governamental; a formulação de alternativas de políticas; a adoção da política; a implementação ou execução e a avaliação. A complexidade do referido processo sofre influências de diversos sujeitos que possuem interesses e expectativas, em sua maioria, conflitantes, onde podemos identificar principalmente os movimentos sociais, grupos de interesse ou de pressão, políticos, membros da burocracia estatal e a mídia, que contribuem em menor ou maior grau na construção da agenda governamental, formulação, implementação e avaliação 862

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI das políticas. Esses sujeitos são considerados potenciais formuladores, implementadores e/ ou beneficiários de determinada política pública e, conforme aponta Capella (2005, p. 13) com base nos estudos de Kingdon, esses sujeitos podem ser influentes na definição da agenda governamental (governmental agenda), enquanto outros exercem maior influência na definição das alternativas (decision agenda). O primeiro grupo de participantes é composto por atores visíveis (visible cluster of participants), que recebem considerável atenção da imprensa e do público; no segundo grupo estão os participantes invisíveis (hidden clusters of participants), que formam as comunidades nas quais as ideias são geradas e postas em circulação (policy communities). (CAPELLA, 2005, p. 13) Destarte, interessa-nos neste momento identificar de que forma as demandas sociais tornam-se políticas públicas e como o assédio nas relações de trabalho está inserido nesse contexto. Considerando o tecido social permeado por uma gama de problemas envolvendo os campos político, econômico, social, cultural, ambiental, entre outros, como as demandas sociais materializam-se em políticas públicas? Para buscar resposta a essa inquietação, precisamos discorrer sobre o processo de construção da agenda governamental, pois é a partir desse movimento que os issues entram na pauta de prioridades do governo. No movimento de constituição da agenda governamental podemos identificar com muita nitidez a atuação dos diversos sujeitos aqui mencionado, sendo um espaço complexo de intensa disputa de interesses e poder entre eles. Depois de identificado o problema, este precisa despertar a atenção dos decisores, quanto maior a visibilidade de determinada demanda, mais chances ela possui de ser eleita, passando a compor “a agenda decisional: um subconjunto da agenda governamental que contempla questões prontas para uma decisão ativa dos formuladores de políticas, ou seja, prestes a se tornarem políticas”. (CAPELLA, 2005, p. 3) Concordando com Silva (2014, p. 93), um problema político para ingressar na agenda governamental depende de muitos elementos, precisa “ter reconhecimento da sociedade, apresentar possibilidade de ação e ter legitimidade”, além de exigir dos sujeitos envolvidos uma gama de estratégias com vistas a influenciar indivíduos, grupos de interesse, planejadores, burocratas, partidos políticos, candidatos, legisladores, 863

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI burocratas e mídia. Assim, a construção da agenda sinaliza a necessidade de: identificação de problemas/ demandas socais (issues); pressão social; reconhecimento da sociedade (relevância); viabilidade de atendimento (possibilidade de ação); e legitimidade/ credibilidade. Ressalta-se ainda que a “não-decisão” quanto à inserção de uma demanda na agenda governamental também é considerada uma decisão, uma escolha, que atende a interesses e expectativas de determinado grupo aliado ao Estado, fato que não pode ser desconsiderado no movimento em debate. (DYE, apud SILVA, 2014) Com base nisso, Capella (2005, p. 06) reforça a necessidade do problema em questão estar bem definido e articulado de forma a possibilitar a concentração da atenção dos formuladores da política, pois “partindo de um grande número de ideias possíveis, um pequeno conjunto de propostas é levado ao topo do ‘caldo primordial de políticas’, alternativas que emergem para a efetiva consideração dos participantes do processo decisório”. Após eleitas as demandas que serão priorizadas, parte-se para o estudo das alternativas de ação para responder às questões propostas, movimento que abrange principalmente os sujeitos da burocracia (técnicos e gestores), passando pela tomada de decisões e, posteriormente, inicia-se a implementação caso a política tenha sido aprovada. Ressalta-se que o movimento de construção de políticas públicas aqui esboçado não é linear, não se trata do cumprimento de fases e/ ou etapas, mas sim de um movimento dialeticamente articulado, que dialoga com os sujeitos envolvidos e determinantes sociais, políticos, econômicos, culturais, etc. Considerando o ciclo de políticas públicas aqui esboçado, cabe então tentarmos identificar o assédio nas relações de trabalho como demanda social e sua relação com as prioridades da agenda governamental e suas alternativas de resposta via Estado. 2 APONTAMENTOS ACERCA DO ASSÉDIO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO O tema proposto traz uma preocupação latente no cotidiano de trabalhadores e trabalhadoras que vivenciam em suas relações de trabalho diversas agressões, muitas vezes invisíveis. Tais agressões provocam adoecimento físico e mental, comprometendo suas vidas em níveis pessoal, social e trabalhista. Embora possua pouca visibilidade, esse 864

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI tipo de violência ocorre cotidianamente nos espaços de trabalho mais diversos, tanto no setor público quanto no privado, trazendo danos, muitas vezes irreversíveis para as vítimas. É mister destacar que, situações de sofrimento e opressão no trabalho são identificadas desde os primórdios. No entanto, o sistema de produção/ reprodução capitalista em curso na atualidade, faz uso de diversos mecanismos para aprofundar a dominação/ exploração da classe trabalhadora e com isso se fortalecer. Em referência às estratégias capitalistas para superação da crise estrutural, com efeitos internacionais principalmente a partir de 1970, Raichelis e Silva (2015, p. 583) afirmam que o assédio colabora com elas por: acirrar a superexploração promovida pelo capital e incrementada pelo neoliberalismo, que fragilizou os direitos conquistados pela classe trabalhadora com os processos de sucateamento dos sistemas de proteção social, terceirização da força de trabalho, responsabilização dos indivíduos pelas suas carências, desresponsabilização do Estado perante os direitos de cidadania, privatização das estatais rentáveis, entre outros. (RAICHELIS; SILVA, 2015, p. 583) As novas formas de gerenciamento e organização do trabalho conduzidas pelo neoliberalismo, a partir de 1990, impõem ao mundo do trabalho mudanças significativas no intuito de reduzir os custos da força de trabalho ao passo que minimiza a queda das taxas de lucro do capital. Tais mudanças provocaram impactos diretos nas relações de trabalho. No Brasil, podemos citar: fragilização dos vínculos de trabalho; precarização das condições trabalhistas; intensificação do trabalho realizado; estímulo ao individualismo e à competitividade; privatizações; ampliação de contratos terceirizados; adoção de modelos gerenciais no poder público, etc. (RAICHELIS; SILVA, 2015) Compreende-se que o contexto aqui mencionado colabora para o aprofundamento da precarização das relações de trabalho, onde o assédio moral e/ ou sexual terá influência. Marie-France Hirigoyen (2002), uma das estudiosas de maior expressão sobre essa temática, afirma que o assédio é uma violência declarada, embora possua a invisibilidade como característica, sendo um processo real de destruição moral do outro. Assim, assegura: 865

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. (HIRIGOYEN, 2002, p. 65) Os conceitos sobre assédio no trabalho variam conforme as áreas de atuação dos/as estudiosos/as (social, psicologia, administrativa, econômica, etc.), porém, em essência não fogem à definição acima, como também à de órgão oficiais da justiça brasileira. Acerca do assédio moral, Freitas, Heloani e Barreto (2008) indicam como principais fatores que o compõem: a temporalidade, a intencionalidade, a direcionalidade, a repetitividade/ habitualidade e a degradação deliberada das condições de trabalho, consideram-no como: conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho e que visa diminuir, humilhar, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional. (FREITAS; HELOANI; BARRETO, 2008, p. 37) No tocante ao assédio sexual, o Ministério Público do Trabalho (2017, p. 9), com apoio da Organização Internacional do Trabalho, lançou cartilha informativa sobre o tema onde o define como uma “conduta de natureza sexual, manifestada fisicamente, por palavras, gestos ou outros meios, propostas ou impostas a pessoas contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual”. Afirma ainda que tal prática “viola a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais da vítima, tais como a liberdade, a intimidade, a vida privada, a honra, a igualdade de tratamento, o valor social do trabalho e o direito ao meio ambiente de trabalho sadio e seguro” (Idem, p. 9). O assédio sexual, na maioria das vezes, pretende extrair vantagens da vítima ou intimidá-la, sendo, portanto, praticado prioritariamente de forma vertical, ou seja, por superiores hierárquicos. Tal violência, “não é motivada pelo sexo, mas pelo poder; o agressor possui poder para prejudicar a vítima se houver resistência; desvincula-o de sedução ou prazer, mas o associa a ameaça e represália” (FIGUEREDO, 2012, p. 71). Ampliando o debate sobre esse aspecto, Hirigoyen (2002, p. 80) chama atenção para a 866

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI questão de gênero quando discorre sobre a maioria dos casos descritos e/ ou queixas apresentadas destacando referirem-se a mulheres que foram agredidas por homens. De que forma o assédio pode ser identificado? Hirigoyen (2002), como também, Freitas, Heloani e Barreto (2008) e Figueredo (2012) apontam quatro principais características, a saber: a) “deterioração proposital das condições de trabalho” – desqualificar o trabalho da vítima, retratando-a como incapaz de realizar as funções que lhe cabem; b) “isolamento e recusa de comunicação” – estimular o isolamento físico da vítima com outros colegas e/ou chefia e dificultar o acesso às informações institucionais; c) “atentado contra a dignidade” – ataques à vítima por meio de deboches, injúrias, situações vexatórias perante demais membros da instituição, etc. d) “violência verbal, física ou sexual” – considerada a fase mais adiantada do processo, momento em que a demonstração do assédio é evidente para qualquer pessoa da instituição, rompendo a invisibilidade e solidão das fases anteriores, que ocorrem de forma bastante sutis. As consequências de qualquer tipo de violência podem ser extremamente danosas para homens e mulheres. Em se tratando do assédio relacionado ao trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego (2010, p. 13) assegura que esse tipo de violência ”ocasiona desordens emocionais, atinge a dignidade e identidade da pessoa humana, altera valores, causa danos psíquicos (mentais), interfere negativamente na saúde, na qualidade de vida e pode até levar à morte”. O assédio nas relações de trabalho, para além da problematização acerca de sua contribuição para o fortalecimento do modo de produção/ reprodução capitalista em suas nuances mais perversas, que é a exploração sem limites do/a trabalhador/a, provoca impactos profundos, muitas vezes irreversíveis. Considerando isso, Raichelis e Silva (2015, p. 590) abordam o aspecto importante do indivíduo enquanto vítima de tais práticas: A vítima do assédio é penalizada individualmente pelo sofrimento vivido. Sem a visibilidade sobre o fenômeno que afeta o conjunto dos (as) trabalhadores (as), as situações tornam-se individualizadas, gerando ainda mais sofrimento para o (a) assediado (a), que se sente culpado (a) pelo ocorrido e acaba tendo reforçados os sentimentos de solidão e medo. (RAICHELIS; SILVA, 2015, p. 590) Patrícia Figueredo, (2012, p. 23, 24 e 25), que estudou o assédio moral contra mulheres nas organizações privadas, demonstra as consequências desse tipo de violência considerando os âmbitos individual, organizacional e social, abaixo elencadas: 867

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A) Quanto aos impactos na vida pessoal, a autora destaca o desenvolvimento de transtornos mentais como depressão, ansiedade, transtornos alimentares e comportamentos autodestrutivos, comprometimento da saúde física, isolamento social, mudança brusca na rotina, além dos impactos no convívio familiar e círculos de amizade. B) No tocante às implicações para a empresa e/ ou instituição, é apontada a queda na produtividade e no rendimento não somente da vítima, mas também da equipe, relacionamento conflitivo entre o grupo de trabalho, falhas no processo de comunicação institucional, afastamento das vítimas por motivo de doença e até demissão com ônus para o órgão/ empresa. C) Por conseguinte, em se tratando dos impactos para a sociedade, a autora indica o aumento das taxas de desemprego, assim como das aposentadorias precoces, maior dependência de políticas públicas, acirramento das desigualdades sociais e consequente fortalecimento do sistema de produção/ reprodução capitalista. Com isso, observa-se o quão nefasta pode ser a ocorrência do assédio no ambiente de trabalho. Trata-se de uma demanda social importante e urgente, pois perpasse a vida cotidiana de diversos/as trabalhadores/as, suas famílias, instituições e sociedade como um todo, provocando implicações de longo prazo para todos os envolvidos. 3 ASSÉDIO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS O debate sobre assédio é relativamente recente, especialmente no Brasil, onde as próprias legislações sobre a temática são consideradas tímidas. Atualmente, algumas iniciativas parlamentares acerca desse tema tramitam no legislativo brasileiro, onde possui destaque o Projeto de Lei Nº 4.742 apresentado em 23 de maio de 2001 que trata sobre a tipificação do assédio como crime, propondo alterações no Código Penal Brasileiro, porém, somente em março de 2019 o documento foi aprovado pela câmara 868

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dos deputados, aguardando ainda apreciação do senado federal, apesar de já terem se passado 18 anos. Apesar da fragilidade nas legislações, inúmeras iniciativas de instituições públicas e privadas podem ser encontradas de forma esporádica. O ordenamento jurídico brasileiro coleciona jurisprudências a respeito do assédio, reconhecendo-o como violência praticada por meio das relações de trabalho. Além disso, há grande sensibilização da justiça do trabalho, por meio de ações educativas e preventivas (produção e distribuição de cartilhas, boletins informativos, realização de eventos, etc), assim como recebimento de denúncias e judicialização de queixas, onde o Ministério Público do Trabalho e demais órgãos a ele vinculados são sujeitos bastante expressivos em todas as unidades federativas. No âmbito do poder executivo, podemos identificar a inserção do tema no Ministério da Saúde, embora de forma insipiente, sendo reconhecidos seus impactos nocivos para a saúde de trabalhadores e trabalhadores vítimas do assédio. Outrossim, registra-se retrocesso de grande impacto na proteção das relações trabalhistas em decorrência da extinção do Ministério do Trabalho e Emprego a partir da Medida Provisória Nº 870/ 2019, que distribuiu suas atribuições para os Ministérios da Economia, Cidadania e Justiça. No contexto internacional, por outro lado, 2019 foi marcado por grande conquista. A Organização Internacional do Trabalho – OIT, na conferência alusiva a seu centenário ocorrida em Genebra – Suíça, dia 21 de junho de 2019, aprovou o 1º Tratado Internacional acerca da violência no trabalho, que foi denominado Convenção para Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho, C190. O acordo histórico, que durou anos, envolveu representantes de governos, de sindicatos, empresários/as, trabalhadores/as, de pelo menos 187 países. A OIT atua fortemente na defesa do trabalho, deveras ameaçado pelas políticas neoliberais de reestruturação do capital e consequente precarização das condições de trabalho a nível mundial. Comprovando tal afirmativa, a C190 declara: “Reconociendo que la violencia y el acoso en el mundo del trabajo pueden constituir una violación o un abuso de los derechos humanos, y que la violencia y el acoso son una amenaza para la igualdad de 869

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI oportunidades, y son inaceptables e incompatibles con el trabajo decente3. (OIT, 2019) Assim, configura o assédio como uma violência que viola os direitos humanos, ameaçando a igualdade de oportunidades, sendo essas práticas“inaceitáveis e incompatíveis com o trabalho decente”. A C190 é considerada um instrumento jurídico internacional devendo ser aplicada com “tolerância zero” em todos os países que a ratificarem. Ela propõe proteção a todos trabalhadores/as, independente do vínculo contratual, abrangendo inclusive aprendizes e estagiários/as, tanto de setores públicos quanto privados. Destaca-se ainda a prioridade do documento acerca das desigualdades de gênero, fortalecendo a proteção para as mulheres. Porém, sua implementação e efetividade dependem da ratificação dos seus termos pelos Estados membros da OIT. Podemos aqui reconhecer os esforços de interligação das ações do Estado brasileiro no sentido de enfrentar as práticas de assédio nas relações de trabalho em que pese as ações já citadas, juntamente com a judicialização das queixas e denúncias. No entanto, é notória a deficiência de políticas públicas de abrangência nacional comprometida com tal violência. A própria extinção do Ministério do Trabalho e Emprego gera dúvidas quanto à prioridade que as questões relacionadas a trabalhadores/as possuem no atual governo. Até o presente momento não foi identificada a ratificação da C190 da OIT pelo Brasil, o que corrobora com o cenário de incertezas e inseguranças de trabalhadores/ as no país. 4 CONCLUSÃO Um dos grandes desafios no que tange ao enfretamento dos assédios é a não objetivação das denúncias e a complexidade de comprovação do fato. Na maioria das vezes, a vítima depende de outros colegas para formalizar a denúncia, possui medo de represália, medo de se expor, ou mesmo acredita na impunidade do/a agressor/a. O processo vivenciado pela vítima é bastante solitário na maioria dos casos, o que provoca 3 “Reconhece que a violência e o assédio no mundo do trabalho podem constituir uma violação ou abuso dos direitos humanos, e que a violência e o assédio são uma ameaça à igualdade de oportunidades e são inaceitáveis e incompatíveis com o trabalho decente.” 870

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI seu isolamento e distanciamento do grupo, consequentemente, contribui para seu adoecimento. Aliado a isso, geralmente as instituições não possuem política de prevenção e tão pouco de atendimento a vítimas de assédio, fato que colabora com a reprodução de tais práticas, inibindo as vítimas e fortalecendo o agressor. A ausência ou insuficiência desses espaços de acolhimento propiciam danos muitas vezes irreversíveis para trabalhadoras e trabalhadores, a exemplo das implicações a nível pessoal, institucional e social detalhadas anteriormente. No que tange ao assédio no trabalho enquanto política pública, nota-se que essa demanda social, por mais perversa que seja, ainda não possui espaço prioritário na agenda governamental. Entretanto, observa-se uma diversidade de ações, no âmbito do estado ou não, que reconhecem tal violência contra trabalhadores/as e exercitam seu enfrentamento e prevenção, ainda que de forma pontual. Considerando a reestruturação das formas de trabalho, que provoca crescente precarização das condições e relações de trabalho, observa-se ainda a fragilização dos espaços de luta e representação dos/as trabalhadores/as. Como já vimos acima, os sujeitos beneficiários das políticas públicas têm bastante influência na construção da agenda governamental. Entendo ser necessária maior visibilidade de tal problemática tanto na mídia, sujeito ímpar no processo decisório, como também nos espaços de decisão. Para tanto, o fortalecimento dos/as trabalhadores/as em suas instituições e demais espaços de organização, mobilização e luta torna-se um grande desafio, pois há muitas dificuldades em obter as condições objetivas necessárias para se constituir como grupo de pressão no processo de escolha acerca de demanda tão indispensável para a classe trabalhadora. Depreende-se que ainda há um caminho longo a ser percorrido no trato do assédio nas relações de trabalho como demanda social a ser priorizada enquanto política pública, não obstante o reconhecimento dos avanços aqui mencionados, especialmente a nível internacional. No entanto, entende-se que o processo de construção das políticas públicas é permeado por contradições e disputas de interesse. No caso do assédio, as contradições que permeiam a relação capital X trabalho tornam- 871

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI se muito mais visíveis, constituindo como agravante para a classe trabalhadora, pois os decisores possuem vínculo direto com os interesses capitalistas. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego: Cartilha: Assédio moral e sexual no trabalho. Brasília: MTE, ASOM, 2010. BRASIL. Ministério Público Do Trabalho. Cartilha: Assédio Sexual no Trabalho – perguntas e respostas. Brasília: 2017. CAPELLA, Ana Cláudia Niedhardt. Formação da Agenda Governamental: Perspectivas Teóricas. XXIX Encontro Anual da ANPOCS. Universidade Estadual Paulista (UNESP), 2005. Disponível em: https://www.anpocs.com/index.php/papers-29-encontro/gt- 25/gt19-21/3789-acapella-formacao/file. FIGUEREDO, Patrícia Maria. Assédio moral contra mulheres nas organizações. São Paulo: Cortez, 2012. FREITAS, M. E. de; HELOANI, J. R.; BARRETO, M.. Assédio Moral no Trabalho. São Paulo: Cengage Learning, 2008. HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. HOSSOÉ, Hayleno Santos. Políticas públicas na sociedade em rede: novos espaços de intermediação na arena midiática. Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 18, n. 1, p. 269-279, jan./jun. 2014. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/view/2761. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). C190 - Convenio sobre la violencia y el acoso. Genebra: 2019. Disponível em: https://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_C ODE:C190 RAICHELIS, Raquel. SILVA, Ociana Donato da. O assédio moral nas relações de trabalho do(a) assistente social: uma questão emergente. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 123, p. 582-603, jul./set. 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n123/0101-6628-sssoc-123-0582.pdf. SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Avaliação de políticas e programas sociais: uma reflexão sobre o conteúdo teórico e metodológico da pesquisa avaliativa. In: SILVA, Maria Ozanira da Silva e. Pesquisa avaliativa: aspectos teórico-metodológicos. 2ª ed. São Paulo: Veras, 2014. 872

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS REFORMA DO ESTADO E OS IMPACTOS NO TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE STATE REFORM AND THE IMPACTS AT WORK ON CONTEMPORANEITY Douglas Alves dos Santos 1 RESUMO O presente texto apresenta a reflexão sobre as transformações das relações de trabalho no cenário brasileiro após a década de 1990. Nos governos Itamar Franco e principalmente Fernando Henrique Cardoso, são inseridas práticas neoliberais, onde estão envolvidas as ideias de privatização, publicização (que altera o padrão estatal-público para o padrão público-privado) e terceirização. O objetivo do trabalho é problematizar essa alteração e as transformações nas relações de trabalho. Esses contextos geram processos continuados de informalização e flexibilização expressos por trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários e que trazem problemas para a saúde do trabalhador. Palavras-Chaves: Reforma do Estado; Trabalho; Relações de Trabalho. ABSTRACT This text presents a reflection on the transformations of labor relations in the brazilian scenario after the decade of 1990. In the governments Itamar Franco and Fernando Henrique Cardoso, neoliberal practices are insertd, which are involved in the ideas of privatization, publicization (amending the state-public standard for the default public-private) and outsourcing. The purpose of this paper is to problematize this change and changes in labor relations. These contexts generate sustained processes of informalisation and flexibilisation expressed by works contractors, subcontractors, temporary and that bring problems to the health of the worker. Keywords: Reform of the State; labor; labor relations. 1 Doutorando no Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Mestre em Serviço Social pela PUC-SP. Assistente Social formado pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. E-mail: [email protected]. 873

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão sobre as transformações das relações de trabalho no cenário brasileiro após a década de 1990. Nos períodos dos governos Itamar Franco e principalmente Fernando Henrique Cardoso, é colocado em prática práticas neoliberais, onde estão envolvidas as ideias de privatização, publicização e terceirização. Esse breve texto utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental como procedimentos metodológicos. A primeira constou de livros e artigos sobre a reforma do Estado Brasileiro na década de 1990 e as transformações no mundo do trabalho pós implantação das políticas neoliberais no país. A segunda abrangeu, a legislação que instituiu Programa de Publicização (que faz parte do Plano Diretor da Reforma Administrativa do Estado – PDRAE). O texto se fundamenta na produção acadêmica e de discussões existentes acerca das temáticas: privatização, publicização, terceirização e das transformações no mundo do trabalho. Busca-se articular diretamente com o conhecimento de estudiosos e pesquisadores sobre o trabalho. Nessa direção, recorremos à análise bibliográfica de autores como Ricardo Antunes e Giovanni Alves que concentram suas pesquisas na temática do trabalho e suas transformações na contemporaneidade. No caso do Serviço Social, temos importantes contribuições de Raichelis, Boschetti e Oliveira. A discussão sobre a reforma do Estado brasileiro e as transformações nas relações de trabalho na contemporaneidade, aponta para um cenário desfavorável para as “pessoas que vivem do trabalho”, pois, na atualidade as mudanças que estão ocorrendo com as “reformas” trabalhista, da previdência e com a legitimidade da terceirização, colocam em risco direitos conquistados historicamente pela classe trabalhadora. O texto está organizado em cinco partes: a primeira introduz o tema e o contextualiza apresentando as questões sobre o Estado Neoliberal Brasileiro na década de 1990. Na segunda, expõe-se uma breve análise sobre o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e transformações nas relações de trabalho. Em um terceiro momento, é realizada problematização sobre as relações de trabalho no contexto 874

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI neoliberal. Na sequência, abordam-se as temáticas do trabalho e a saúde do trabalhador e as transformações nas relações de trabalho nas últimas décadas. Por fim, explana-se sobre o complexo processo de regressões no âmbito do Estado e da universalização dos direitos, que se contrapõem ao processo de democratização política, econômica e social em nosso país. 2 O PROJETO MODERNIZADOR BRASILEIRO NOS ANOS 90 O Brasil a partir dos anos 90 adentrou num período marcado por uma nova ofensiva burguesa, adaptando-se às requisições do capitalismo mundial. As mudanças produzidas nos anos 90 no Brasil com o Plano Real e a recomposição burguesa serão responsáveis por um deslocamento patrimonial dos capitais e uma inserção mais forte do capital estrangeiro, bem como uma rearticulação política com forças conservadoras e que reverteu à pauta progressista dos anos 80. Com a “Reforma do Estado”, o Brasil “esteve diante de uma contrarreforma do Estado, que implicou um profundo retrocesso social, em benefício de poucos” (Behring, 2008, p.22, grifo no original). As principais características deste processo são marcadamente a instauração de uma ampla campanha pela “reforma”, através da mídia nos meios: político, técnico e científico, cujo principal argumento recaía sobre a crise econômica, o “tamanho do Estado” e a dívida pública (BRAZ et al. 2014). Esta campanha indicava a reforma como saída para crise econômica e social a Reforma do Estado. Nesta direção, os governos Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso, ambos foram marcados pelas “reformas” orientadas ao mercado com ênfase nas privatizações e na previdência social. O Governo FHC indicava entre os seus princípios, o de que as funções do Estado deveriam ser de coordenador e financiador das políticas públicas e não de executor. 3 PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO – PDRAE Os impactos da “contrarreforma” podem ser detectados desde a concepção do Plano Diretor da Reforma Administrativa do Estado – PDRAE, na medida em que o 875

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI documento aponta tendências privatistas, desresponsabilizando o Estado das políticas sociais. Dessa forma, [...] o Estado tende a se desresponsabilizar de serviços que são constitucionalmente garantidos, ou seja, ocorre uma retração de direitos sociais previstos, determinados e legitimados através da luta dos movimentos sociais para que fossem consignados na Constituição Federal e regulamentados em leis orgânicas como primazia do Estado brasileiro na responsabilidade pelas Políticas Sociais e na oferta de serviços sociais públicos de qualidade com controle da sociedade (BRAZ et al., 2014, p.07). De acordo com o PDRAE “a administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins). O que significa que a partir da criação do Programa Nacional de Publicização através da Lei Federal nº 9.637/98 fica determinada: [...] a transformação dos serviços não-exclusivos estatais em organizações sociais [que] se dará de forma voluntária, a partir da iniciativa dos respectivos ministros, através de um Programa Nacional de Publicização. Terão prioridade os hospitais, as universidades e escolas técnicas, os centros de pesquisa, as bibliotecas e os museus (PDRAE, 1998: p.60). Transferir à gestão social “publicizando-a” para entidades privadas de caráter público não estatal com uma visão atrelada ao modelo gerencial flexível com autonomia administrativa e financeira, própria da lógica existente na iniciativa privada tendo como argumento a “desburocratização do Estado” é promover a privatização dos serviços públicos. Nas últimas décadas a maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil dentro das atividades dos Estados, trouxe mudanças nas formas de organização e gerenciamento de equipamentos públicos. A transferência de responsabilidade dos serviços, somada à falta de investimento necessário e fiscalização das parcerias, demonstram, na atualidade, crescente o número de denúncias envolvendo o gerenciamento das parcerias público – privado no Estado brasileiro nas áreas de saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia entre outras. 876

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A partir dos anos 90, percebe-se que “o mundo do capital, desde sua gênese, estampou um claro sentido destrutivo em relação ao trabalho, sob a forma ainda mais perversa, dentre tantos outros elementos que conformam seus traços atuais” (ANTUNES, 2011, p. 406). Em debate estão as formas de precarização do trabalho e de expansão da informalidade e auto exploração do trabalho. Com a instituição do Programa de Publicização, instituído no governo Fernando Henrique Cardoso, percebe-se a ampliação das formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora. Trata‑se, portanto, de uma destrutividade que se expressa intensamente quando descarta, tornando ainda mais supérflua, parcela significativa da força de trabalho, onde milhões encontram‑se realizando trabalhos parciais, precarizados, na informalidade ou desempregados. Essa destrutividade nas relações de trabalho com o projeto neoliberal desde a década de 90 intensifica a precarização do trabalho inclusive no setor público, com diversos modelos de contrato de trabalho. 4 O TRABALHO NO CONTEXTO NEOLIBERAL BRASILEIRO A partir dessa contextualização, procuramos problematizar algumas das dimensões do processo de precarização do trabalho do no contexto das transformações e redefinições do trabalho na contemporaneidade. As novas configurações e manifestações, pela sua estreita relação com as transformações operadas no “mundo do trabalho”, em suas formas de organização, regulação e gestão, e com as redefinições no âmbito do Estado e das políticas públicas (Raichelis, 2011, p. 421). As condições atuais do capitalismo contemporâneo — globalização financeira dos capitais e sistemas de produção apoiados intensivamente nas tecnologias de informação — promovem expressivas mudanças nas formas de organização e gestão do trabalho, decorrendo daí a existência de amplos contingentes de trabalhadores flexibilizados, informalizados, precarizados, pauperizados, desprotegidos de direitos e desprovidos de organização coletiva (Antunes apud Raichelis, 2010 grifos no original). Com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) do governo FHC estão envolvidas as ideias de privatização, publicização e terceirização. 877

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Os efeitos da terceirização para o trabalho são profundos, como aponta Raichelis (2011), pois ela: [...] a) Desconfigura o significado e a amplitude do trabalho técnico realizado pelos assistentes sociais e demais trabalhadores sociais; b) Desloca as relações entre a população, suas formas de representação e a gestão governamental, pela intermediação de empresas e organizações contratadas; c) Subordina as ações desenvolvidas a prazos contratuais e aos recursos financeiros definidos, implicando descontinuidades, rompimento de vínculos com usuários, descrédito da população para com as ações públicas; d) Realiza uma cisão entre prestação de serviço e direito, pois o que preside o trabalho não é a lógica pública, obscurecendo‑se a responsabilidade do Estado perante seus cidadãos, comprimindo ainda mais as possibilidades de inscrever as ações públicas no campo do direito (RAICHELIS, 2011, p. 432). No caso do Brasil, a precarização do trabalho, a rigor, não pode ser tratada como um fenômeno novo – sua existência data desde os primórdios da sociedade capitalista urbano‑industrial – na atualidade, as diferentes formas de precarização do trabalho e do emprego assumem novas configurações e manifestações. As transformações nas relações de trabalho criam divisão entre os trabalhadores — os de primeira e segunda categorias — além da fragmentação entre os trabalhadores com diferentes formas de contrato e níveis salariais, muitas vezes na mesma equipe. Essas transformações também afetam a saúde da classe trabalhadora, cada vez mais fragilizada nos dias atuais. 5 O TRABALHO E SAÚDE DO/A TRABALHADOR/A NA ATUALIDADE Na atualidade, em debate estão às novas formas de precarização, de expansão da informalidade e auto exploração do trabalho. Trata‑se, portanto, de uma destrutividade que se expressa intensamente quando descarta, parcela significativa da força mundial de trabalho, onde milhões encontram‑se realizando trabalhos parciais, precarizados, na informalidade ou desempregados. Essa destrutividade nas relações de trabalho com o projeto neoliberal desde a década de 90 intensifica a precarização do trabalho em todos os setores (público ou privado). As transformações no trabalho são marcadas pela retração e pela erosão do trabalho contratado e regulamentado, ampliam‑se também as relações entre trabalho e adoecimento, repercutindo na saúde física e mental dos/as trabalhadores/as. 878

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ALVES (2014), aponta que para além da precarização salarial surgiram novas formas sociais de precarização do trabalho no Brasil: a precarização existencial do trabalho vivo e a precarização do homem-que-trabalha. Segundo o autor, a precarização existencial do trabalho vivo é a precarização da existência humana das pessoas que trabalham por conta da disseminação do modo de vida Just in Time, acoplada as novas tecnologias informacionais produzindo o fenômeno da “vida reduzida” e, a precarização do homem-que-trabalha, se expressaria nas doenças do trabalho que levam à degradação, aviltamento, deformação e desfiguração da pessoa humana (ALVES, 2014, pág. 109-110, grifos meus). Os trabalhadores em seus ambientes de trabalho (na esfera pública ou privada) sofrem predominantemente dos impactos da nova precariedade salarial, principalmente acoplada às novas tecnologias informacionais, na subjetividade (corpo e mente) do trabalhador assalariado. A invasão da vida pessoal pelo trabalho expressa objetivamente a disseminação na totalidade social, dos valores-fetiches, expectativas e utopias de mercado. Essa invasão pessoal, indicaria, portanto o grau de manipulação social (ALVES, 2014, pág. 113). O que está em questão na nova forma de precarização do trabalho, não é diretamente a degradação dos parâmetros salariais, mas sim a qualidade de vida dos sujeitos. Com a ampliação das mudanças ocorridas na legislação trabalhista nos últimos anos, cada vez mais a classe trabalhadora está sendo pressionada à terceirização, à precarização, à superexploração da força de trabalho, à inserção dos (as) profissionais em dois ou três campos de atuação com contratos precários, temporários, o que tem causado adoecimento físico e mental. 6 RELAÇÕES DE TRABALHO NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XXI NO BRASIL No Brasil, as mudanças nas relações de trabalho assumiram, na década de 2000, novas formas sociais, caracterizando-se, por um lado, pela precarização salarial, que se manifesta, por exemplo, na persistência das altas taxas de rotatividade da força de trabalho, ou ainda pela disseminação de novas modalidades de contratos de trabalho precário. 879

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI De acordo com Boschetti (2011), Tendências como aumento do desemprego, da terceirização, da informalidade e da prestação de serviços sem nenhum tipo de regulação somam‑se à destruição de postos de trabalhos tradicionais, com menos empregos na indústria e na agricultura e manutenção ou leve ampliação apenas no setor de serviços. Outra tendência é a de reestruturação capitalista com reorganização dos postos de trabalho na direção do desaparecimento de cargos e salários estáveis, sobretudo na indústria (BOSCHETTI, 2011, p. 561). Na atualidade, frente às inúmeras mudanças ocorridas em relação ao trabalho no Brasil, os diversos tipos de contratos de trabalho, são eloquentes na demonstração da precarização, o que revela a extrema fragilidade nas relações de trabalho. Atualmente, essa diversificação dos contratos trabalhistas aumenta com o crescimento das privatizações, terceirizações e parcerias público privadas. Para Oliveira (2012, p.507) Esta lógica do empreendedorismo e do cooperativismo visa, sobretudo, estimular o trabalhador a ser independente e patrão de si mesmo, desonerando o Estado da responsabilidade de investimento em programas e políticas sociais, repassando tal responsabilidade para o indivíduo ou para a sociedade civil, revelando‑se como uma flexinsegurança, pois retira ou flexibiliza direitos conquistados, além de não garantir a (re) inserção do trabalhador no mercado formal de trabalho (OLIVEIRA, 2012). Outra mudança no mundo do trabalho diz respeito à superexploração do trabalho, que na atualidade, assume uma nova forma histórica, atingindo não apenas a indústria, mas também os serviços inclusive administração pública. A nova superexploração da força de trabalho se caracteriza pelo aumento da intensidade do trabalho por meio da maior exploração do trabalhador assalariado utilizando-se das novas tecnologias informacionais. As novas tecnologias informacionais levaram a flexibilização e intensificação do tempo de trabalho (jornada de trabalho prolongada falta de tempo para realização de tarefas laborais ausência de pausas para descanso) e a pressão por metas e produtividade utilizando-se para isso o medo do desemprego como elemento da “administração bye stress” (ALVES, 2014, p. 120). São dois elementos importantes nesta mudança do trabalho flexível na atualidade: A ideologia da colaboração e a polivalência da força de trabalho. Estes 880

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI contribuem para a precarização do homem-que-trabalha aumentando deste modo o grau de desequilíbrio sociometabólico das pessoas que trabalham. A ideologia da colaboração opera a captura da subjetividade do trabalho pelos valores do Capital. Enquanto valor moral a colaboração implica que as pessoas que trabalham devem se doar completamente a atividade profissional. É a ideia de que os trabalhadores assalariados devem tornar-se sujeitos que colaboram. O poder da ideologia opera no plano léxico-discursivo, a ocultação da palavra e o conceito de “trabalhador” e “trabalho” ocorre não apenas dentro das empresas capitalistas, mas ocorre também na vida cotidiana e inclusive nas universidades (idem p. 121, grifo meu). A polivalência da força de trabalho flexível contribui efetivamente para o desequilíbrio sociometabólico e a precarização do homem-que-trabalha, na medida em que, em nome da maior produtividade, exige-se que os trabalhadores assalariados tem atribuições flexíveis e conseguiu operar em várias frentes de trabalhos concomitantes, devendo ter individualmente o empenho considerado satisfatório (idem p. 122, grifo meu). A precarização das relações de trabalho mudou, sem dúvida, a forma de compreender a questão fundante do trabalho, o que exigiu transformações radicais na maneira de se conceber e de se enfrentar os problemas daí decorrentes. Na atualidade, o processo tendencial de precarização estrutural do trabalho, em amplitude ainda maior, os capitais globais estão exigindo também o desmonte da legislação social protetora do trabalho. A superexploração da força de trabalho no Brasil assumiu novas formas social explicitando a precarização das condições laborais da classe trabalhadora. 7 CONCLUSÃO Os anos 1990 foram palco de um complexo processo de regressões no âmbito do Estado e da universalização dos direitos, que se contrapõem ao processo de democratização política, econômica e social em nosso país, onde, esse quadro desencadeia profundas transformações societárias, determinadas pelas mudanças na esfera do trabalho, pela reforma gerencial do Estado ou contrarreformas em curso, pelos processos de redefinição dos sistemas de proteção social e da política social que emergem nessa conjuntura, com grandes mudanças e rebatimentos nas relações 881

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI público‑privado. Esses contextos que geram processos continuados de informalização e flexibilização expressos por trabalhos terceirizados, subcontratados, temporários. Analisando a atual conjuntura, percebe-se que a “modernização conservadora”, não destruiu os elementos tradicionais e históricos do conservadorismo político e da insaciabilidade do capitalismo por lucros a qualquer custo. Surgem novas fontes e formas de legitimidade que a ofensiva ideológica burguesa no Brasil assume a partir da década de 90. No Brasil, a precarização do trabalho, assumiu após a primeira década de 2000, novas formas sociais. O crescimento da flexibilização e a desregulamentação da legislação trabalhista, assim como o enfraquecimento das organizações representativas dos trabalhadores, foram estratégias importantes na aprovação da lei de terceirização e na consolidação das contrarreformas trabalhista e previdenciária. Outro fator a ser considerado é como as mudanças nas relações de trabalho estão afetando a própria saúde da pessoa-que-vive-do-trabalho tendo em vista, as intensas cargas de trabalho, condições materiais insuficientes para realização do trabalho, muitos com salários aquém de suas necessidades submetendo-se a mais de um vínculo empregatício. Muitos trabalhadores desenvolvem suas atividades profissionais em ambientes geradores de instabilidade emocional, em que se destacam processos de adoecimento físico e mental. Cresce a ideologia da colaboração e a polivalência da força de trabalho. As transformações contemporâneas que afetam o mundo do trabalho, seus processos e sujeitos provocam redefinições profundas no Estado e nas relações de trabalho, desencadeando novas requisições, demandas e possibilidades. É preciso discutir as estratégias de organização coletiva frente aos processos de precarização do trabalho. Embora a perspectiva neoliberal se utilize de inúmeros mecanismos para dividir o conjunto dos trabalhadores e suas entidades coletivas, é por meio da ação coletiva que são criadas condições concretas para a melhoria das condições de trabalho. Na atual conjuntura grandes são os desafios a serem enfrentados no mundo do trabalho profissional, mantém‑se a perspectiva de avançar na luta coletiva a partir de uma multiplicidade de espaços que possam forjar sujeitos coletivos capazes de fortalecer os espaços de enfrentamento e resistência diante das contrarreformas trabalhistas que modificaram as relações de trabalho nos últimos anos. 882

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. Trabalho e neodesenvolvimentismo: Choque de capitalismo e nova degradação do trabalho no Brasil, Bauru: Canal 6, 2014. ANTUNES, Ricardo. Os modos de ser da informalidade: rumo a uma nova era da precarização estrutural do trabalho? In: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 107, 2011. BEHRING. E. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2008. BOSCHETTI, Ivanete. Condições de trabalho e a luta dos (as) assistentes sociais pela jornada semanal de 30 horas. In: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 107, 2011. BRASIL. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 15 de maio de 1998. BRAZ, N. ; BARROS, I. A. ; SANTOS, D. A. ; ZUTTER, A. . Programas de publicização: em análise tendências da política social brasileira. Pré - Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social – ENPESS. São Paulo, 2014. OLIVEIRA, Ednéia Alves. A política de emprego no Brasil: O caminho da flexinsegurança. In: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 111, 2012. RAICHELIS, Raquel. Intervenção profissional do assistente social e condições de trabalho no SUAS. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 104, Especial, out./dez. 2010. ______. O assistente social como trabalhador assalariado: desafios frente às violações de seus direitos. In: Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 107, 2011. 883

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS O TRABALHO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM EMPRESAS PRIVADAS DE TERESINA: entraves para inclusão social THE WORK OF PEOPLE WITH DISABILITIES IN TERESINA PRIVATE COMPANIES: barriers to social inclusion Sabrina Pereira Oliveira1 Mauricelia Vieira Santos2 RESUMO As pessoas com deficiência enfrentam o preconceito e estigma os mantém, em certo nível, invisíveis socialmente. Os movimentos sociais em defesa do direito à participação social possibilitaram a incorporação de leis e políticas na gestão pública, no entanto, esses direitos enfrentam obstáculos para sua efetivação, e, ao que se refere ao processo de inserção no mercado de trabalho, essa realidade não é diferente. A pesquisa objetiva analisar as ações direcionadas à inserção de pessoas com deficiência em empresas privadas de Teresina, que visam o cumprimento do art.93 da Lei nº 8.213/91 conhecida como lei de cotas. Como base teórica do estudo, discutimos os conceitos de integração e inclusão social discutido por Sassaki em seus estudos sobre a temática, e outros aspectos relevantes como direitos e acessibilidade. Constatou-se que obrigatoriedade da contratação não implica a garantia dos direitos à inclusão, acessibilidade e igualdade de oportunidades. Palavras-Chaves: Pessoa Com Deficiência; Trabalho; Inclusão Social. ABSTRACT Disabled people face prejudice and stigma has kept them, to a certain degree, socially invisible. Social movements in defense of the right to social participation made it possible to incorporate laws and policies in 1 Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Políticas Públicas, Gestão e Serviços Sociais pela Faculdade Evangélica do Piauí. E-mail: [email protected]. 2 Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: [email protected]. 884

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI public management, however, these rights face obstacles to their effectiveness, and, as regards the process of insertion in the labor market, this reality does not is different. The research aims to analyze the actions directed to the insertion of people with disabilities in private companies in Teresina, which aim at the fulfillment of art.93 of Law nº 8.213 / 91 known as quota law. As a theoretical basis of the study, we discussed the concepts of integration and social inclusion discussed by Sassaki in his studies on the theme, and other relevant aspects such as rights and accessibility. It was found that mandatory hiring does not imply guaranteeing the rights to inclusion, accessibility and equal opportunities. KEYWORDS: Disabled Person; Job; Social inclusion. INTRODUÇÃO A inclusão social é direito de todos os cidadãos garantido na Constituição Federal de 1988, vários caminhos levam a participação nos espaços sociais como maneira de exercício à cidadania. O direito ao trabalho é um dos direitos elementares na sociedade, caminho principal para a inserção de qualquer indivíduo na comunidade, um processo de constituição pessoal, integração da vida material e psíquica, além de propiciar o reconhecimento como sujeito social. O acesso ao mercado de trabalho é permeado de obstáculos, seja por exigências por parte das empresas com relação ao aperfeiçoamento profissional ou por substituição dele por sistemas e equipamentos informatizados. Ao direcionar o acesso para pessoas com deficiências, a realidade envolve outros aspectos geradores de entraves para a eficiência da inserção desses sujeitos em empresas privadas como via para inclusão social. Diante da dificuldade para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho contamos com o Art. 93 da Lei nº 8.213/91, conhecida como lei de cotas, que determina a obrigatoriedade de reservas de vagas para contratação de pessoas com deficiência. No entanto, a obrigatoriedade da contratação não significa a efetividade dos direitos garantidos na legislação no cotidiano do labor. Assim, surgem questionamentos sobre as ações direcionadas ao cumprimento à lei de cotas dentro de instituições privadas. 885

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Objetivo do trabalho é analisar as práticas voltadas à inserção de pessoas com deficiência em empresas privadas de Teresina. Nesse intuito pesquisamos as ações elaboradas voltadas a inclusão nesse espaço laboral, o nível de conhecimento dos gestores das instituições e dos funcionários com deficiência sobre direitos, acessibilidade e inclusão social. Apresentamos os princípios fundantes dos conceitos de integração e inclusão social, e suas práticas na sociedade. Discutimos o direito ao trabalho como um importante caminho na inclusão e os dispositivos legais que visam garantir o direito ao exercício da cidadania e os resultados das informações coletas no desenvolvimento da pesquisa. Consideramos o tema relevante devido à necessidade do debate sobre as práticas vivenciadas nesses espaços, sob uma perspectiva crítica, comprometida com a emancipação dos sujeitos e a garantia de direitos. 2 CONCEITOS INCLUSIVISTAS 2.1 Integração Social Os conceitos inclusivistas são fundamentais para a compreensão das práticas sociais e análise de programas, serviços e políticas sociais voltadas à questão da pessoa com deficiência, já que representam a evolução do debate e mudanças dessas práticas. Eles abrangem a autonomia, independência e equiparação de oportunidades, valores estes que contemplam a inclusão e servem como base para a construção de uma sociedade acessível a todas as pessoas, independente de raça, idade, gênero ou qualquer outro atributo pessoal. Consideramos importante apresentar dois conceitos centrais citados por Sassaki (1997) como ideias que possibilitaram a construção da cidadania das pessoas com deficiência no país: integração social e inclusão social. O primeiro conceito refere-se à integração social. Esta surge como debate precursor das ideias inclusivistas, como estratégia para desconstruir a exclusão praticada contra pessoas com deficiência ao longo da história, por serem consideradas inúteis, incapazes de trabalhar e sem valor para a sociedade. O conceito de integração visa prover todos os serviços possíveis, dentro de instituições especializadas, já que não era aceito receber essas pessoas nos serviços ofertados na comunidade. Sobre essa 886

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ideia, o autor ressalta que “dentre as pessoas reabilitadas, algumas conseguiram ser matriculadas em escolas comuns ou admitidas no mercado aberto de trabalho, desde que demonstrassem capacidade para estudar ou exercer alguma atividade laboral” (SASSAKI, 2012, p.14). A integração social propõe a inserção de todas as pessoas com deficiência nos sistemas sociais básicos, como a educação, a família, o lazer e o trabalho fundamentando-se no princípio da normalização3. Na realidade isso provocou mudanças significativas, pois a criação desses espaços na realidade se resume a prática de isolamento, embora em espaço similar em que vivem as pessoas comuns. Não existia uma visão crítica do problema e tão pouco da importância da incorporação de todos os sujeitos com deficiência na sociedade como forma de exercício de direitos. Por volta do final dos anos 1980 e início dos anos 1990, esse conceito enquanto prática social é questionada por não ser eficaz enquanto ação combativa a discriminação e não possibilitar a participação social com igualdade de oportunidades. Segundo Sassaki (1997, p. 34), a integração social “tinha e tem o mérito de inserir o portador de deficiência na sociedade, sim, mas desde que ele esteja de alguma forma capacitada a superar as barreiras físicas, programáticas e atitudinais nela existentes”. Sendo assim, as ações de integração social não foram efetivas no sentido de descontruir práticas preconceituosas e romper a segregação social, por não estender a responsabilidade à sociedade sobre as modificações atitudinais necessárias para uma vivência comum em sociedade. Pelo contrário, a responsabilidade é transferida para o próprio indivíduo com deficiência uma vez que serão aceitos apenas aqueles capazes de se adaptar à comunidade. A partir de 1979 no Brasil, os movimentos em defesa dos direitos das pessoas com deficiência reivindicam o comprometimento de todos os sujeitos sociais para transformação da sociedade rumo à aceitação de todas as pessoas, com ou sem deficiência. São apresentados novos princípios como fundamentação de um novo olhar para o problema, esse é o segundo conceito discutido por Sassaki (1997), como parte integrante na construção da cidadania das pessoas com deficiência. Conceito esse que, por sua relevância, será discutido a seguir. 3 A normalização defende que toda pessoa com deficiência tem direito de vivenciar o estilo de vida comum à sua comunidade e cultura (MENDES, 1994 apud SASSAKI, 1997). 887

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2.2 Inclusão Social A inclusão social supera a ideia de adaptação e adequação das pessoas com deficiência, praticada pelo movimento de integração social. Sua inovação está nos princípios defendidos, por pontuar alterações significativas no olhar para a deficiência: agora o foco não é a limitação do indivíduo ou sua capacidade de adaptação, mas a sua emancipação em consonância com novas práticas sociais. Os princípios de autonomia, independência e equiparação de oportunidade foram norteadores na construção dessa cidadania e mola impulsora de novas organizações sociais, de criação de leis e ações governamentais. O primeiro de autonomia se refere a condição de domínio no ambiente físico e social, preservando a privacidade e a dignidade da pessoa que a exerce (SASSAKI, 1997). A efetividade desse princípio ocorre quando o espaço físico-social possibilita acessibilidade ao sujeito e suas habilidades individuais são desenvolvidas e estimuladas de modo a proporcionar liberdade em suas atividades. Por conseguinte, o segundo princípio destacado pelo autor é o da independência, compreendida como a capacidade de decisão sem depender de pessoas, sejam familiares ou profissionais especializados. A independência de uma pessoa depende da quantidade e qualidade de informações que possui e de suas condições pessoais, sociais e econômicas; essas informações e condições precisam ser desenvolvidas o mais cedo possível. Esses dois princípios anteriormente apresentados articulam-se com outra ideia de igual valor: a equiparação de oportunidades. Esta significa “a necessidade de adaptação e adequação dos sistemas sociais comuns, mediante eliminação de barreiras do ambiente, a fim de que as pessoas com deficiência possam participar em todos os aspectos da sociedade” (SASSAKI, 2012, p.14). Independente de deficiência ou não, todos devem ter acesso aos bens, serviços, espaços sociais, urbanos, e assim possam buscar a realização de seus objetivos e idealizações. Os princípios apresentados representam um grande avanço no debate sobre as práticas de inclusão social, possibilitando que a participação social se torne uma realidade na vida das pessoas com deficiência, pois não limitam o processo de inserção 888

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI social só ao indivíduo e sua família, como no conceito de integração social, mas estende essa responsabilidade à sociedade. Dessa forma, temos agora um processo pelo qual a sociedade adapta seus sistemas e espaços sociais para incluir as pessoas com deficiência e, simultaneamente, estas devem se preparar, desenvolvendo suas habilidades físicas e cognitivas para assumir esses espaços. A prática da inclusão social apresenta princípios inovadores e que renovam as ideias do movimento de integração social: a aceitação das diferenças individuais, o respeito à diversidade humana e a valorização de cada pessoa. Nessa perspectiva, o Estado e a sociedade devem assegurar a pessoa com deficiência o pleno exercício dos direitos fundamentais e humanos, em caráter de igualdade. Uma sociedade inclusiva busca o rompimento com os estigmas sociais e antigas práticas de exclusão e segregação fortalecer os sujeitos de direitos, autônomos e empoderados. 3 CAMINHOS PARA INCLUSÃO SOCIAL A inclusão social traz no seu bojo a igualdade de oportunidades, a interação das pessoas com e sem deficiência e a efetivação dos acessos aos recursos da sociedade, como livre exercício dos direitos. Vale ressaltar que, a inclusão social torna as pessoas com deficiência cidadãs participantes, produtivas e conscientes de seus direitos e deveres. As reivindicações dos movimentos sociais em defesa dos direitos da pessoa com deficiência no Brasil foram incorporadas na agenda nacional após a Constituição Federal de 1988. De lá até os dias atuais, outros problemas foram debatidos e novos dispositivos legais foram instituídos para elaboração de políticas públicas em resposta demandas reivindicadas. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada em Assembleia das Nações Unidas, no final de 2006, merece destaque por instituir um novo conceito sobre as pessoas com deficiência por meio da compreensão da deficiência como junção de limitações pessoais com empecilhos culturais, econômicos e sociais. O reconhecimento dessas demandas na agenda pública brasileira em forma de leis resulta do engajamento dos movimentos, das associações e dos grupos em defesa 889

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI da causa das pessoas com deficiência. A consolidação desses direitos visa diminuir a desigualdade de oportunidades, impulsionar ações e práticas de inclusão nos diversos espaços sociais, entre outras maneiras de participação social, a oportunidade de inserir- se no mercado de trabalho. O direito ao trabalho é um dos direitos, numa sociedade capitalista, é um de seus pilares, a base que a sustenta. É com o trabalho que o homem modifica, cria ou transforma materiais naturais em produtos que suprem suas demandas de necessidades vitais e sociais. Outra particularidade do trabalho é o fato de tornar o indivíduo um ser social, é uma atividade que integra um indivíduo a uma coletividade, agregando-o a laços sociais, o direciona a um modo de vida, de comportamento perante a sociedade na qual ele está inserido (NETTO; BRAZ, 2011). O Ministério do Trabalho e Emprego evidencia “o estímulo a políticas públicas compensatórias de acesso à educação e ao mercado de trabalho”, no qual busque a superação da discriminação quanto à inserção dos portadores de deficiência nos espaços sociais. Nesse sentido, um marco legal importante na inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, e ponto chave da pesquisa exposta nesse trabalho, é Lei 8.213 de 24 de julho de 1991 (dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências). O seu art. 93 determina uma reserva de cotas para empresas com 100 (cem) ou mais empregados em que é fixado o percentual de 2% a 5% das vagas para contratação de pessoas com deficiências habilitadas, ou reabilitadas. Além da lei de cotas, temos outra conquista: o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão) sancionada pela lei 13.146, de 6 julho de 2015, em vigor desde 2016. O Estatuto consolida as leis existentes e avança nos princípios da cidadania, constituindo-se em um dos mais importantes instrumentos de emancipação civil e social dessa parcela da sociedade. O artigo 1° garante o direito de igualdade, onde é assegurada às pessoas com deficiência a participação nos diferentes espaços da sociedade, visando a sua inclusão social, de fato, na sociedade. Em seu escopo traz também aspectos importantes para a inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Vale pontuar também o artigo 34 que diz que: “A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (BRASIL, 2015, p. 08). 890

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Segundo dados do Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, no Brasil 45.623.910 pessoas apresentam pelo menos uma das deficiências pesquisadas (física, sensorial, auditiva, visual ou mental/intelectual), o que representa 23,92% do total da população. Na nossa capital Teresina do total de 814.230 habitantes, no mesmo período, 26% da população tem algum tipo de deficiência. Na contemporaneidade as relações de trabalho sofreram transformações provocadas pela globalização da economia e os avanços da tecnologia propiciaram a abertura de novos mercados para além das fronteiras nacionais, aumentando a competitividade no mercado de trabalho colocando novos obstáculos para os trabalhadores como a flexibilização, a terceirização, os altos índices de desemprego e baixos salários, fatores que agravam as o processo de inclusão social e precarização das relações de trabalhos. 3.1 Resultados da pesquisa A Lei de Cotas tem uma missão de reparação da injustiça social coletiva cometida contra essas pessoas. No entanto, será que a existência dessas leis e os princípios defendidos nelas atingem seu propósito? A inserção no mercado de trabalho é uma via efetiva para as práticas de inclusão? Coletamos de dados em três empresas privadas em Teresina por meio de entrevista semiestruturada pautada em questões sobre inclusão social, acessibilidade, legislação e barreiras atitudinais. As entrevistas foram realizadas com um funcionário com deficiência e o gestor de cada empresa empregadora com o para averiguar o nível de conhecimento de ambos entrevistados sobre processo de contratação, inclusão social, acessibilidade e legislação voltada a garantia dos direitos das pessoas com deficiência. O intuito é perceber as práticas de inclusão vivenciadas no ambiente de trabalho. 891

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3.1.1. Inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho Utilizando a lei de cotas (8.213/ 91) como base, realizamos perguntas sobre o processo de inserção de pessoas com deficiência nessas empresas. Foram questionados os fatores motivadores para contratação de funcionários com deficiência, os gestores apontaram como causas principais a obrigatoriedade imposta pela lei e a fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho. Um ponto interesse citado nas entrevistas é sobre a quantidade de pessoas contratadas, sempre dentro do limite mínimo exigido pela lei. Nas entrevistas com os funcionários sobre o processo de contratação, apontaram a exigência habilidades como, por exemplo, agilidade física e motora durante a seleção para a vaga de emprego. Caso sua deficiência impusesse limitações para realização das atividades não seria considerado apto ao trabalho, não responderia as exigências da empresa e consequentemente estaria fora do mercado de trabalho. 3.1.2 Inclusão Social A partir do conceito apresentado nesse trabalho, realizamos perguntas sobre inclusão social aos empregados com deficiência, com o objetivo de apreender o conhecimento e a percepção sobre o assunto. Quando perguntamos sobre o significado de inclusão social aos funcionários com deficiência, eles demonstraram não conhecer as ideias centrais do conceito ou as ações que devem ser realizadas para sua efetivação. Citaram significados referentes à questão de possuir direitos iguais às outras pessoas e o fato de trabalhar em uma empresa como exemplos de inclusão. Um fator interessante dito sobre esse item é o preconceito no ambiente de trabalho como principal obstáculo das relações nas empresas, mas ambos afirmam a importância da inclusão para viabilidade de sua inserção no mercado de trabalho. Um deles afirma que “a acessibilidade está na moda”. 3.1.3 Acessibilidade A empresa que contrata pessoas com deficiência deve se preocupar com a estrutura física buscando propiciar acessibilidade, capacitar seus profissionais para 892

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalhar junto com esse segmento, todas as ações da empresa, desde o processo seletivo até o desenvolvimento das atividades seja em grupo ou no espaço individual ocupado pelos indivíduos, devem visar à inclusão desses sujeitos, respeitando suas diferenças individuais e necessidades especiais. Os gestores apontaram como ações realizadas com o objetivo de propiciar acessibilidade adaptações pontuais na estrutura física, como rampas, portas mais largas para acesso de cadeirantes e corrimãos nos corredores. As modificações realizadas foram citadas como ações para melhoria da prestação dos serviços aos clientes, não uma preocupação real em oferecer uma adequação do ambiente aos funcionários com deficiência. Já os funcionários quando questionados sobre o tema, foram unânimes em dizer não necessitar de adaptações. Em alguns momentos demonstram certo orgulho por “não depender”, apesar de observarmos que possuem dificuldades em relação à mobilidade no espaço ocupacional decorrentes das limitações imposta pela deficiência. Para o Ministério do Trabalho e Emprego a acessibilidade é um dos obstáculos na inserção de deficientes no mercado de trabalho em decorrência do pouco investimento em adaptações nos seus equipamentos e sua estrutura física. 3.1.4 Legislação Os direitos são resultados de lutas em busca de reconhecimento de reivindicações de um grupo ou uma classe social, são instituídos para possibilitar o atendimento de necessidades básicas para uma vida digna. Os direitos estão relacionados à cidadania porque é preciso que sejam colocados em prática dentro dos espaços sociais de modo que os cidadãos possam desfrutar de bem-estar social. A instituição das leis possibilita que esses indivíduos façam parte da sociedade com todos os seus direitos garantidos. Dessa forma, o caminho ideal é através de leis com caráter inclusivista, para que todas as pessoas tenham igualdade de oportunidades e a participação social como cidadãos (SASSAKI, 1997). Quando indagados sobre as leis em defesa dos direitos da pessoa com deficiência, os gestores relatam não possuir conhecimento amplo sobre as leis, citam a lei de acessibilidade e a lei de cotas tendo em vista a realização de adaptações pontuais 893

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI feitas para atender a obrigatoriedade imposta por elas. Devido a fiscalização do Ministério do Trabalho, o risco de autuação e aplicação de multa, ambos gestores acompanham as exigências para seu cumprimento legal. Em relação aos funcionários, os mesmos detêm pouco conhecimento sobre a existência dessas leis, citam apenas a lei de cotas e a as ações de fiscalização do Ministério como ações. 4 CONCLUSÃO O acesso ao trabalho é um fator importante à cidadania de qualquer pessoa. É por meio da inserção no mercado de trabalho que a inclusão social encontra uma das vias para a sua realização. Porém, existem obstáculos que dificultam a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é a falta de conhecimento das leis, das discussões sobre a acessibilidade e a inclusão social no atual contexto. Verificamos que os dispositivos legais instituídos para garantir o direito ao trabalho, emprego e inclusão social ainda encontram barreiras na sua efetivação. Embora exista a obrigatoriedade das leis e autuação dos órgãos responsáveis para que as empresas cumpram com as exigências, não há uma fiscalização interna, no sentido de acompanhar com minúcia as condições de trabalho e o espaço ocupacional em que é inserido o trabalhador com deficiência. Esse motivo permite que o empregador faça a inserção desse profissional da maneira que atende seus interesses, esquivando-se de outras obrigatoriedades legais como, por exemplo, a lei de acessibilidade que impõe modificações estruturais, que não deve limitar-se a rampas e portas mais largas, que garantam maior autonomia as pessoas com deficiência no espaço físico. Percebemos que não há ações voltadas a conscientização e fortalecimento das práticas de inclusão social nas relações pessoais e profissionais. Essas irregularidades ocorrem também pela falta de conhecimento das pessoas com deficiência que buscam emprego sobre as leis que permeiam a inserção destes no mercado de trabalho. Assim a contratação ainda é vista pelos funcionários como uma benesse. Outro ponto importante que dificulta a inclusão no mercado de trabalho é a preferência por parte das empresas em contratar pessoas com deficiência ditas “leves”, pois não exigem grandes alterações no local de trabalho e mudanças comportamentais, no trato com elas, por parte dos demais funcionários. 894

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Os dados que obtemos e a discussão realizada ao longo da pesquisa possibilitaram uma visão da realidade vivenciada dentro dessas empresas por empregados com deficiência e seus gestores, mostrando ambiguidades e contradições durante o processo de inserção no mercado de trabalho. Portanto, é necessário desenvolver práticas eficazes de inclusão social em todos os espaços ocupacionais dentro da sociedade, e, em relação ao trabalho, que o mercado possa incluir com igualdade de oportunidades, em uma perspectiva de justiça e equidade. Esse debate abre possibilidades para o aprimoramento das ações e práticas no processo de inclusão, seja por associações, empresas e programas de Governo, expor a realidade enfrentada no cotidiano de trabalho por esses sujeitos. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 2012. _______. Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Brasileira de Inclusão). Lei 13.146, de 6 Outubro de 2015. Brasília, DF: Senado Federal. _______. Decreto nº 6.949, de 25 de Agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, 30 de março de 2007. _______. Lei nº 8.213, de 24 de Julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em: 18 Abril de 2015. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010: Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Rio de Janeiro, 2010. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 7ª edição; São Paulo: Cortez, 2011. Portal do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego). Razões da Criação da Lei de Cotas. Disponível em: < http://portal.mte.gov.br/fisca_trab/razoes-da-criacao-da-lei-de- cotas.htm>. Acesso em: 24 Abril de 2015. SASSAKI, Romeu Kazumi. Causa impedimento, deficiência e incapacidade, segundo a inclusão. In: Revista Reação. São Paulo, ano XIV, n. 87, jul./ago. 2012, p. 14-16. 895

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Disponível em: < http://issuu.com/rodrigopmartins/docs/reacao_87?e=1218368/2737039>. Acesso em: 31 Maio de 2015. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8. Ed. Rio de Janeiro: WVA, 1997. 896

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS A CONJUNTURA SOCIOPOLÍTICA ATUAL E OS SEUS IMPACTOS NA POLÍTICA DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: o acolhimento integral e o novo reordenamento institucional de crianças e adolescentes face à criminalização da pobreza THE CURRENT SOCIOPOLITICAL CONJUNCTURE AND ITS IMPACTS ON CHILDHOOD AND ADOLESCENCE POLICY: comprehensive care and the new institutional reorganization of children and adolescents in the face of the criminalization of poverty Jussara Melo Ferreira1 Uélma Alexandre do Nascimento2 Flávio Antônio Santos3 Gilmara de Melo Ferreira4 RESUMO O crescente e persistente fenômeno da criminalização da pobreza, apontado por estudos da relação entre desigualdades e formas de acesso ao capital, tem orientado a partir de instrumentos legais pela via do estado, alternativas aos gestores quanto ao o acolhimento integral e o novo reordenamento institucional, bem como ao papel da família nesse processo. O estudo tem como objetivo analisar a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes em medida de proteção integral, por meio do acolhimento institucional após o processo de Reordenamento Institucional previsto na Lei 12.010/09, na cidade de Campina Grande/PB. Tem como finalidade a produção de um estudo em escala local, com agentes institucionais de proteção e garantia de direitos. Preliminarmente a cidade apresenta uma 1 Graduada em Serviço Social pela UEPB, Especialista em Saúde Pública pela UNIPE e mestranda no Programa de Pós Graduação em Serviço Social - [email protected]. 2 Graduada pela UEPB e Especialista em Violência Doméstica- [email protected]. 3 Graduado em psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba e Mestre em Desenvolvimento Regional- [email protected]. 4 Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande, Mestre em Ciências Sociais PPGCS/UFCG e Doutora em Ciências Sociais PPGCS/UFCG [email protected]. 897


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