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EIXO 2 - Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:22:43

Description: Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dificuldade de equacionamento do desenvolvimento local com a igualdade social e econômica, apontando para a persistência das situações de pobreza e vulnerabilidade de crianças, adolescente e suas famílias. Palavras-Chaves: Acolhimento, Crianças e Adolescentes, Proteção Especial, Garantia de Direitos. ABSTRACT The growing and persistent phenomenon of the criminalization of poverty, pointed out by studies of the relationship between inequalities and forms of access to capital, has guided from legal instruments through the state, alternatives to managers regarding the integral reception and the new institutional reorganization, as well as the role of the family in this process. The study aims to analyze the effectiveness of the rights of children and adolescents as a measure of full protection, through institutional care after the Institutional Reorganization process provided for in Law 12.010 / 09, in the city of Campina Grande / PB. Its purpose is to produce a study on a local scale, with institutional agents of protection and guarantee of rights. Initially, the city presents a difficulty in equating local development with social and economic equality, pointing to the persistence of situations of poverty and vulnerability of children, adolescents and their families. KEYWORDS: Reception, Children and Adolescents, Special Protection, Guarantee of Rights. INTRODUÇÃO O presente artigo deriva de uma proposta de dissertação em curso, no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba. Tem como objetivo a realização de um estudo referente à historicidade do atendimento de crianças e adolescentes que necessitam vivenciar situações de acolhimento institucional por medida de proteção judicial, prevista inicialmente na nossa Carta Magna, quando elege no art. 227, que abarca os direitos fundamentais concernentes às crianças e adolescentes numa lógica partilhada entre a família, a sociedade e o Estado. Se observarmos o marco regulatório de políticas efetivas para crianças e adolescentes, se percebe que após a Constituição de 1988, foi regulamentado a lei 8069/90 do Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA, que trouxe consigo uma proposta de engrenagem que se fundamenta por meio de um Sistema de Garantia de Direitos, balizado por três eixos de atuação basicamente conhecidos pela Promoção, Defesa e Responsabilização que nortearão como se deve dar o enfrentamento das 898

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI violações praticadas contra crianças e adolescentes pela natureza e gravidade das situações, bem como quais serviços efetivamente precisam existir para o enfrentamento dessas violações. No entanto, se considerarmos o contexto sociopolítico vigente, perceberemos uma relevante discrepância entre aquilo que está proposto e o que o sistema socioeconômico tem imposto por meio do Estado enquanto interventor e executor de políticas públicas num cenário extremamente delicado no qual podemos afirmar segundo discute Boschetti (2017) um momento em que está manifesto um fenômeno de agudização da questão social, gerado pela lógica alienante do capital que culmina num nível tal de desigualdade social, capaz de estabelecer como coloca Neto (2013), como um estado crítico de barbárie. Esse modelo de culpabilização dos sujeitos aplicado pelo sistema dominador capitalista, cerceia, desde aquele que ainda consegue vender sua força de trabalho e em especial, até os mais miseráveis o direito de acessar o mínimo de bens e serviços, muitas vezes impossibilitando-os de garantir as mínimas condições de subsistência e condições de vida que os permita assumir os cuidados de seus filhos, sendo muitas vezes essa a razão principal do acolhimento institucional. A análise política da atualidade nos indica que a forma como as políticas públicas vêm sendo operacionalizadas, não têm conseguido atender as necessidades, mesmo que parciais, embora essenciais à sobrevivência de seus cidadãos, em geral os mais necessitados. Pois conforme afirma Mészaros (2011, p.802), o capital só pode funcionar por meio de contradições; assim os seres humanos são, ao mesmo tempo, absolutamente necessários e totalmente supérfluos para o capital. A proposta do estudo em curso, busca elucidar o modelo protetor/em alguns momentos violante de um formato de atendimento proposto as crianças e adolescentes que na maioria das vezes em toda sua existência estiveram sujeitos a violações extremas, fatores esses que os expõe as situações de risco pessoal e social, os quais pode demandar a necessidade de uma ação extrema: o acolhimento institucional integral, sistema esse que apesar de ter sido em muitos aspectos modificados na nova lei de nº.12.010/09, com elementos importantes para melhoria do acolhimento, bem como para os prazos e trâmites no âmbito judicial, o fenômeno da institucionalização ainda possui em seu âmago o ranço culpabilizador, revitimizante e extremamente 899

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI maléfico para as crianças e adolescentes que se tivesse na maioria das vezes assistência necessária como está previsto no previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art. 3º que diz : A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se- lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Mediante uma análise fundamentada e interligada na lógica de que as condições da relação do homem com a sociedade estão determinadas pelas condições sociais, a proposta do estudo tem sido o de trazer para pauta uma discussão com um caráter analítico daquilo que Mészaros afirma: “o capital deve afirmar seu domínio absoluto sobre todos os seres humanos, mesmo na forma mais desumana, fala essa que traz consigo até mesmo a dominação sobre as condições em que as famílias e pessoas terão para assumir os cuidados com seus filhos, e que muitas vezes não pela própria vontade, mas pelo que está imposto, elas precisam responder ou serem punidas, muitas vezes até na esfera criminal. Por essa razão, citamos que um dos fenômenos do estado de barbárie é a criminalização da pobreza e outros problemas sociais, e essa criminalização do sujeito se dá pela impossibilidade quando os pais/responsáveis tem de forma indireta negado a eles, os direitos básicos inerentes a “pessoas em estado de desenvolvimento”5 e com prioridade absoluta inclusive no que se refere à destinação de recursos orçamentários para implementação de Planos, Projetos, Serviços e Programas, que ofereçam as plenas condições de desenvolvimento, como propõe a própria legislação. A proposta de investigação se dará analisando as mudanças após o importante processo de reordenamento6 desse serviço a partir do ano de 2009, com a nova lei de adoção 12.010/09. O referido reordenamento dos serviços de acolhimento se dá pela normatização e o estabelecimento de um modelo que discrimina algumas especificações do atendimento, para crianças e adolescentes vítimas de violação dos 5 Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. 6.Reordenamento: O processo gradativo que envolve a gestão ,as unidades de oferta do serviço e os usuários, visando a qualificação da rede de serviços de acolhimento existentes a adequação desses as normas vigentes. 900

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI seus direitos no âmbito social. Essa normatização traz consigo a efetivação de uma conversa sistemática entre os programas e serviços que compõe o Sistema de Garantias de Direitos, buscando contribuir para o cumprimento do Plano de Conivência Familiar e Comunitário (BRASIL, 2006). O referido plano traz a premissa de que a criança seja integrada e/ou reintegrada no tempo mais breve possível, sem esquecer que haja uma repercussão efetiva e direta na vida dessas crianças e adolescentes, bem como na de suas famílias a partir de um “reordenamento” nesse espaço familiar. As dificuldades em garantir a efetivação de políticas públicas e o fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos de crianças e adolescentes têm se constituído um dos maiores impasses para efetivação dos direitos conquistados nas mais diversas normativas. Considerando o acolhimento como uma medida provisória de excepcionalidade e transitoriedade, conforme art.101 em seu parágrafo único do ECA o estudo mostra como o atendimento tem sido prestado, quais os direitos têm sido garantidos às famílias biológicas e a essas crianças. Avança ainda sob os aspectos de judicialização, investigando até que ponto esse processo favorece o acesso das famílias e não possibilita/possibilita a reintegração. No tocante à rede de atendimento, investiga-se as condições simbólicas e materiais de garantir a mudança do cenário do qual a criança foi retirada. Apresenta o perfil de atendimento dessas famílias, bem como o destino final dessas crianças e apresenta um recorte do que de fato tem sido esse espaço de acolhimento. As questões norteadoras, ora transpostas ao desafio de serem pautadas no estudo, buscam responder se de fato o processo de criminalização das condutas, dos comportamento e dos efeitos gerados pela própria estrutura desigual que o capital impõe não tem de fato trazido para essas famílias e crianças mais um ônus, bem como a aceleração da colocação dessas crianças no ambiente familiar, seja biológico ou em lares substitutos, não tem se constituído em uma escapatória do Estado na redução de gastos, visto que se trata de um atendimento hoje intitulado como uma demanda de alta complexidade, de caráter integral e de valor de custo altíssimo. Essa categorização do serviço se dá pelo que reza a Política Nacional de Assistência Social em uma de suas publicações, nesse caso, a Tipificação dos Serviços Socioassistenciais, por meio da resolução 109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social. 901

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Desse modo, o estudo tem como objetivos analisar a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes em medida de proteção integral, por meio do acolhimento institucional após o processo de Reordenamento Institucional previsto na Lei 12.010/09, na cidade de Campina Grande/PB. Com isso, o estudo busca identificar em que nível se encontra o processo de reordenamento previsto na Lei 12.010/10 para o Acolhimento Institucional nas instituições de Acolhimento permanente do município de Campina Grande; caracterizar como acontece o atendimento integral das crianças e adolescentes que vivem hoje em situação de acolhimento permanente nas unidades de acolhimento; revelar como acontece o processo de mediação entre a criança e a família no período de acolhimento, e como se estabelece a questão do fortalecimento de vínculos quando o destino da criança será o retorno para a família biológica; discutir a efetivação do Direito de Crianças e Adolescentes de conviverem em ambiente familiar, seja na família biológica ou substituta através da rede de serviços. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Percurso Teórico A concepção da infância na história da humanidade é um fator de grande relevância a ser considerada, pois trata de um conceito que vem sendo construído ao longo do tempo, variando a partir das condições sociais, culturais e políticas de cada sociedade. Dos séculos XII a XIV esse conceito não existia, as crianças não eram consideradas como seres em desenvolvimento com características e necessidades próprias; se observarmos as produções artísticas perceberemos um retrato da criança como se fosse um adulto em miniatura (ARIÈS, 1981). A infância para antiguidade era vista como um desencadear de fases que poderia ser interrompida em qualquer momento, por fatores externos, nessa época a mortalidade infantil tinha índices alarmantes, além de ser permitida a prática do infanticídio, mas não era algo que trazia uma preocupação social, ou que despertasse um sentimento de sensibilidade. Para Ariés (1981), “a passagem da criança pela família e sociedade era muito breve e muito insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a memória e tocar a sensibilidade”. 902

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Conforme Phillipe Ariés, ocorre uma mudança em relação ao traje e a forma de se distinguir a criança do adulto. Essa especialização do traje das crianças, e, sobretudo dos meninos pequenos, numa sociedade em que as formas exteriores e o traje tinham uma importância muito grande é uma prova da mudança ocorrida, na atitude com relação as crianças. Ariés (1958, p 157) Só se registra ações voltadas às crianças e adolescentes no século XVII, momento esse que a Igreja Católica se posiciona de encontro a prática do infanticídio, é só neste momento que há registros de interferências do poder público, que contribuíram para que fosse dado um olhar diferente para as crianças. Somente no século XVIII, os aspectos da vida em família, e em sociedade vão tomando novos formatos, pois na família muitas vezes se desenvolvia um sentimento de grupo, no qual a afetividade não era presente, apesar do sentimento de amor existir. A noção do sentido de família socialmente constituída só veio aparecer com a definição do espaço privado. No Brasil, desde a “descoberta” a história das crianças é uma história muito triste, pois é marcada de muitos sofrimentos, dor e violações físicas, sexuais e psicológicas. Elas eram utilizadas para satisfazer os desejos dos reis e ainda utilizadas como força de trabalho. O primeiro olhar para as crianças enquanto seres merecedores de auxílio e orientação foi registrado a partir de 1849, pela companhia de Jesus que tinha a visão missionária de converter e ensinar as crianças a lê e escrever, mais tarde se percebe que esse era um interesse da igreja católica, com vistas a manter “a ordem social”. As condições oferecidas às famílias pobres acabaram por desencadear grandes manifestações sociais, exigindo do Estado desdobramentos capazes de esconder as “mazelas sociais” que surgem a partir da omissão do Estado a essa grande parcela de crianças e adolescentes que se encontravam as margens sociais. Só a partir de então que vemos registros em relação ás ações do governo junto a igreja católica para minimizar os efeitos dessa tão grande manifestação da questão social. O histórico de abandono de crianças é bem recorrente ao longo da história em nosso país e instituições como a roda dos expostos, as casas de misericórdia, instituições de orfandade eram os únicos lugares que realizavam um atendimento em regime de 903

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI clausura e de religiosidade e mais uma vez se reforçava as desigualdades, pois os ensinamentos nesses espaços eram realizados de acordo com a cor da pele. Segundo Del Priori (2013, p.10): No século XIX, a alternativa para os filhos dos pobres não seria a educação, mas a sua transformação em cidadãos uteis e produtivos na lavoura enquanto os filhos de uma pequena elite eram ensinados por professores particulares. Com o agravamento das expressões da “questão social”, a classe trabalhadora travou uma luta na busca da efetivação por meio do Estado no tocante ao desenvolvimento de Políticas, Planos, Projetos, Serviços e Programas voltados para a garantia de direitos sociais que atendessem de forma sistêmica, ainda que parciais as necessidades sociais dos indivíduos. No Brasil, as maiores conquistas vieram com a promulgação da Constituição Federal de 1988. No que se refere a infância e juventude, a previsão legal de artigos que viabilizaram a elaboração e homologação de uma lei específica, a saber a Lei nº. 8069/90 que dispões sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e conforme afirma Silva (2004), eleva as crianças e adolescentes a passarem de uma condição de “Objetos de Tutela” a “Sujeitos de Direitos”, instrumento legal esse que trará a descrição de direitos e previsões que serão executados por um Sistema de Garantia de Direitos que trabalhará numa lógica de eixos distribuídos por meio da Defesa, Proteção e Promoção desses direitos, viabilizados a partir de uma Política de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes. Destarte, o Estatuto da Criança e do Adolescente, veio revogar o código de menores e trouxe para a política da infância brasileira o caráter de proteção integral com prioridade absoluta, sendo agora vistas como seres com características peculiares e em estado de desenvolvimento. Conforme o Estatuto da Criança em seu art.03: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. 904

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Com uma política tão ampla, a vinculação com as demais políticas é de fundamental importância para o desenvolvimento das ações, que pode ser observado e constatado com a aprovação de outras leis e criações de serviços, a exemplo da aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social em 1993, que auxiliará diretamente nos serviços que deverão ser prestados as famílias de crianças e adolescentes que se encontrem em situação de vulnerabilidade social. No que tange, aos programas de proteção e atendimento socioeducativos previstos no art. 90 do ECA veremos que mesmo em meio a tantas mudanças na legislação, e com a promulgação de uma lei tão específica na definição dos direitos, os serviços de proteção levam muito tempo para assumir as exigências e orientações previstas pelo Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (CONANDA). Algo muito relevante a se destacar é a inapropriação do conhecimento dos próprios operadores que compõe o Sistema de Garantia de Direitos, a saber órgãos do sistema judiciário, delegacias, programas sociais, ONGs, Conselhos Tutelares, ainda existe uma dificuldade e em algumas situações, e até mesmo decorrentes da indefinição das atribuições de cada ente, fator este que influencia diretamente no cumprimento e principalmente na resolução e nos encaminhamentos que precisam ser dados, ações que muitas vezes decidem o destino de uma criança. Somente a partir de 2006 com o Plano de Convivência Familiar e Comunitário, propondo promoção, proteção e defesa, com vistas a reintegração social, é que se vê sinais de uma análise das práticas institucionais. Com a criação da lei 12.010/09 que dispõe sobre a adoção, e o auxílio dos magistrados do Brasil é que percebemos um período de real quebra de paradigmas e uma instauração de novos modelos que vão de encontro a institucionalização de crianças, essas reformulações foram aplicadas, a princípio na região do sul e sudeste do Brasil, locais que reúne o maior número de casos de acolhimento de crianças e adolescentes. O Nordeste é tido como a 3ª Região que mais acolhe crianças, diante das dificuldades e das fragilidades em relação ao suporte técnico e muitas vezes até falta de acesso as informações, esse processo do reordenamento tem sido bem lento. Na Paraíba, o reordenamento de acolhimento institucional, vem sendo desenvolvido de maneira lenta, pois se trata de um processo histórico social que prevê 905

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desde a quebra do paradigma da institucionalização como uma prática benéfica para as crianças e adolescentes, até mesmo de uma mudança de ordem logística, profissional e que traga consonância com todos os direitos sociais, civis e políticos desses sujeitos envolvidos nesse processo. Por fim, reiteramos a relevância de pesquisar sobre como tem se dado a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, hoje em situação excepcional de acolhimento integral e quais possibilidades as mesmas tem tido de conviver em família de origem ou adotiva, tendo em vista possuirmos uma rede de atendimento hoje prevista pelo Sistema de Garantia de Direitos de Crianças, bem como, qual a repercussão e a importância do que isso produz na vida das crianças e adolescentes que se utilizam desses serviços e como está o reconhecimento/identificação das instituições que prestam os serviços de acolhimento no Município de Campina Grande. Reafirmamos a importância desse estudo por ser uma temática muito pouco discutida no âmbito acadêmico, reiterando, entretanto, as complexas repercussões sociais que envolve o objeto de estudo, e que exige dos profissionais que operacionalizam as políticas públicas que enquadram esse atendimento uma grande habilidade de leitura, articulação e perspicácia da realidade social para de fato gerar indicadores positivos na vida dessas crianças, adolescentes e familiares, capazes de garantir efetivamente a lógica da prioridade absoluta tão difundida pela grande bandeira de luta dos direitos de crianças e adolescentes no âmbito nacional e ainda como se dará daqui para frente esse atendimento, haja vista, estarmos vivendo um momento extremamente tenso de recessão de direitos, num cenário político globalizante, Neoliberal, onde o capitalismo reforça a maximização do lucro, graças a expansão das desigualdades sociais e do baixo envolvimento do Estado no tripé social que deveria garantir saúde, educação e seguridade a partir de políticas públicas eficientes. 2.2 Percurso metodológico O estudo se ampara de modo inicial na pesquisa bibliográfica, que conforme Barros (2005) se trata de um importante e valioso mecanismo de operacionalidade, pois permite ao pesquisador obter conhecimentos já catalogados em bibliotecas, editoras, 906

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI internet, videotecas etc. Posteriormente a pesquisa documental dá suporte à verificação dos documentos necessários para o funcionamento no que se refere ao atendimento e andamentos dos serviços prestados pelas instituições em questão, a saber da existência e cumprimento do estatuto institucional, regimento interno, projeto político pedagógico, elementos que trarão subsídios para analisarmos até que ponto estas instituições se identificam com a proposta a ser trabalhada, pois conforme Gil (1996), a pesquisa documental é um instrumento que vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, mas sim de dados que podem ser elaborados de acordo com os objetivos de pesquisa. A coleta de dados empíricos, realizada junto à Rede de Atendimento de Crianças e Adolescentes busca identificar o modo de condução do processo de reordenamento do sistema de acolhimento institucional e integral de Crianças e Adolescentes no Município de Campina Grande-PB. Pretendemos constatar a relação desses serviços com as leis em vigência e como o protagonismo da família e em especial das crianças, no sentido de viabilizar uma efetivação de direitos, para que essas crianças e adolescentes convivam no ambiente familiar e comunitário. A pesquisa encontra-se em fase de articulação com os agentes institucionais, a em diferentes espaços que compõem os mais variados ambientes de construção do Sistema de Garantias de Direitos, tais como representantes da Vara da Infância, do Ministério Público, dos Conselhos Tutelares, e das equipes técnicas que compõe os quadros das 03 unidades de serviço de acolhimento do município de Campina Grande. 3 CONCLUSÃO A realização do estudo encontra-se na fase de consolidação do corpo teórico, juntamente com a articulação de atores e setores que estão vinculados à proteção de crianças e adolescentes. O atual cenário de desmonte das políticas sociais, agudizado pela crise nacional e internacional da pandemia do Corona vírus, tem sido outro fator de preocupação, não apenas para os objetivos estritos da pesquisa, que passa pela estrutura acadêmica e do funcionamento e disponibilidade dos agentes institucionais, mas principalmente junto ao público demandado. 907

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI As ações específicas da rede de proteção à criança e ao adolescente, precisaram ser reposicionadas no contexto acima mencionado, visando a continuidade das ações de proteção mínima às crianças e adolescentes em situação de violações de direitos, certamente agravadas as suas situações familiares, sociais e institucionais, ainda não dimensionadas, visto que se trata de um processo em curso e sem previsão de desfechos. O panorama futuro da pesquisa aponta para um recorte e para o presenciar de todos os desfechos já antecipados da crise do capital, presente na interpretação da questão social das últimas décadas, evidenciando que o desenvolvimento local aponta para abismos históricos entre as populações mais pobres e aquelas tidas como representativas da vanguarda tecnológica da cidade de Campina Grande, que não conseguiu equacionar o desenvolvimento econômico com desenvolvimento social. REFERÊNCIAS ARIÈS, Phillippe, História da Criança e da Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC-Livros Técnicos e Científicos. ARIÈS, Phillippe, História da Criança e da Família. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,1978 Científicos. BARROCO, Maria Lucia Silva; TERRA, Sylvia Helena; CFESS (Org.) - Código de Ética do/a assistência social comentado - São Paulo: Editora Cortez, 2012. BARROS, Adil de Jesus PAES de. Projeto de Pesquisa: propostas metodológicas. 16ª Ed. Petrópolis, RJ: Vozes,1990. BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária-Secretaria Especial dos direitos Humanos. Brasília- DF: Conanda, 2006. ______. Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos Lei nº 8.069/90, de 13 de Julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA. Brasília, 1990. ______. Política Nacional de Assistência Social- PNAS/2004 -Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome-MDS. ______. Presidência da República. Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos Lei nº 12.010 que dispõe sobre a Adoção, de 3 agosto de 2009. Brasília, 2009. 908

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ______TIPIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS NACIONAL DE SERVIÇOS SOCIASSISTENCIAIS. Resolução nº109, Publicação 2009, reimpressão 2014. BOSCHETTI, Ivanete. Agudização da Barbárie e desafios ao Serviço Social. Serviço Social e Sociedade. São Paulo nº128 pag. 54-71.Abril.2017. MÉSZÁROS, István, 1930- Para além do capital: rumo a uma teoria da transição / István Mészarós; tradução Paulo Cezar Castanheira, Sérgio Lessa. - 1.ed. revista. - São Paulo: Boitempo, 2011. RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco. A Arte de Governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 2ª. Ed. São Paulo: Cortez, 2009. PRIORI, Mary Del. (ORG). História da Criança no Brasil. 6ª Ed. reimpressão- São Paulo: Contexto,2009. PRIORI, Mary Del. (ORG). História da Criança no Brasil. 7ª Ed. reimpressão- São Paulo: Contexto,2013. SILVA, ENID ROCHA ANDRADE (Coord.). O direito à convivência familiar e comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília, IPEA / CONANDA, 2004. NETTO, José Paulo. Uma face Contemporânea da Barbárie. Seção Temática IN O social perspectiva: política, trabalho, serviço social/Organizadoras: Gilmasia Maria Costa, Reivan Souza-Maceió: Edufal, 2013 909

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E OS BASTIDORES DO TRABALHO FEMININO PREACARIZATION OF WORK AND THE BACKGROUND OF FEMALE WORK Aline Lourenço 1 Ana Lole 2 Inez Stampa 3 RESUMO O artigo traz um debate sobre as transformações no mundo trabalho no contexto do capitalismo contemporâneo. Apresentaremos um pouco dos bastidores do trabalho feminino, fruto de pesquisa realizada nos bastidores da moda no município do Rio de Janeiro (Brasil), como umas das expressões da precarização do trabalho. Esta precarização se dá pela via do prolongamento da jornada de trabalho, pela regulamentação de relações precárias, pelo aumento do desemprego que força ainda mais o pagamento de salário abaixo do valor da força de trabalho, principalmente a força de trabalho feminina. Palavras-Chaves: Trabalho feminino; Precarização; Capitalismo. ABSTRACT The article brings a debate about the transformations in the work world in the context of contemporary capitalism. We will present a little behind the scenes of women's work, the result of research carried out behind the scenes in fashion in the city of Rio de Janeiro (Brazil), as one of the expressions of precarious work. This precariousness is due to the extension of the working day, the regulation of precarious 1 Assistente Social, mestre e doutoranda em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Serviço Social e professora do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. E-mail: [email protected]. 3 Doutora em Serviço Social. Diretora do Departamento de Serviço Social da PUC-Rio. Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq. E-mail: [email protected]. 910

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI relationships, the increase in unemployment that further forces the payment of wages below the value of the labor force, especially the female labor force. KeywordS: Women's work; Precariousness; Capitalism. INTRODUÇÃO As crises capitalistas trazem consigo um padrão de ações que intensificam as perdas da classe trabalhadora, no que se refere aos direitos e ao acesso ao “mundo do trabalho” 4 e que atravessam, de forma cruel, as condições de vida dos/as trabalhadores/as. De acordo com Gorender (1996, p. 57), as crises cumprem a “[...] função precípua de recuperação passageira do equilíbrio do sistema capitalista, justamente por haver sua tendência ao desequilíbrio [...]”, trazendo transformações importantes na organização do trabalho, em especial, na crise encadeada na década de 1970. Essa crise deu início a um processo de reorganização produtiva aliada à implementação de políticas de cunho neoliberal, levando às privatizações, à redução do investimento na área social, bem como alterou a práxis do processo produtivo e do mercado de trabalho e, no caso brasileiro, destacamos a desregulamentação dos direitos trabalhistas, as relações sindicais e políticas e, até mesmo, o questionamento da centralidade do trabalho. Tal processo de reestruturação do capital traz em seu bojo novas formas de organização do trabalho, com o intuito de obtenção de mais lucros, acirrando a exploração da classe trabalhadora, já que a lógica da acumulação passa pelas formas precarizadas de trabalho, tais como: trabalho temporário, terceirizado, informal. No Brasil vive-se a oficialização da desregulamentação do trabalho e do empobrecimento da classe trabalhadora, através de ações política, econômica e cultural de cunho conservador, aprofundadas no atual governo, que naturalizam e legitimam as mais precárias relações de trabalho e estão direcionadas ao favorecimento das grandes empresas e ao capital financeiro. 4 A expressão “mundo do trabalho” se refere aos processos sociais que vêm levando às mais diversas formas sociais e técnicas de organização do trabalho, desde o fim do século XX até este início do século XXI. Pauta-se na submissão cada vez maior do processo de trabalho e da produção aos movimentos do capital em todo o mundo, compreendendo a questão social e o movimento da classe trabalhadora (STAMPA, 2012.p, 2). 911

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A reforma trabalhista legaliza a flexibilização do contrato de trabalho e a validação de novas formas de trabalho, possibilitando a negociação de direitos, antes garantidos por lei, somada à regulamentação da terceirização das atividades fim, que acrescenta novos elementos à exploração do/a trabalhador/a. Esse conjunto de medidas implica em retrocesso das conquistas referentes à proteção social do trabalho, bem como um ataque direto aos trabalhadores, abrindo precedentes para variadas formas de subcontratação e precarização do trabalho. Esse contexto se explica a partir da relação subordinada entre as economias periféricas e centrais, que trazem com ela a demanda de mecanismos de intensificação da exploração da força de trabalho, constroem condições de superexploração do trabalhador para o aumento do lucro excedente com a finalidade de compensarem a transferência de valores produzidos aqui para os países capitalistas centrais. Esta intensificação é colocada em prática pela via do prolongamento da jornada de trabalho, com a regulamentação de relações precárias e aumento do desemprego, que força ainda mais o pagamento de salário abaixo do valor da força de trabalho. Desta forma, a nova morfologia do trabalho evidencia as diversas dimensões do trabalho precário, a ampliação da terceirização e da desregulamentação do trabalho. No contexto de flexibilização produtiva e de regressão dos direitos trabalhistas a terceirização passa ter a capacidade de criar novas possibilidades de relações e condições de trabalho sub-humanas, tal como a escravidão contemporânea, marginalizando certos setores da população do sistema produtivo, como é o caso do trabalho feminino, uma vez que a divisão sexual do trabalho é condição para a sua inferiorização nessas relações, onde sua situação periférica conta com duas dimensões que contribuem para a sua desvantagem social, como a subvalorização das capacidades femininas e a marginalização de suas funções produtivas. 2 EXPRESSÕES DA PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO A luta da classe trabalhadora garantiu alguns avanços nas sociedades capitalistas, porém é evidente o atual retrocesso. Estamos em uma nova fase da crise estrutural do capitalismo que amplia a precarização do trabalho em escala global. Somente via deterioração das condições de trabalho é que as empresas globais 912

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI conseguem, com ajuda do Estado neoliberal, aumentar seus lucros e sua competitividade. Quão intensamente a crise avança, tendo o capital financeiro como regra, mais aumenta a pragmática que compromete as relações e condições de trabalho (ANTUNES, 2013). Principalmente frente ao desemprego, que é um quadro crítico em todo o mundo, e ao crescimento do desgaste do emprego contratado e regular, bem como a multiplicação de várias formas de trabalho terceirizado e informal, que vêm se constituindo como mecanismos centrais para aumentar a exploração do trabalho. Desta forma, “a expressão maior da ‘questão social’, portanto, centra-se na precarização das relações de trabalho e no desemprego [...]” (STAMPA, 2012, p.37). A nova organização do trabalho é marcada por uma explosão da precariedade. Para Antunes (2007) essas novas formas de exploração do trabalho, configuram um “novo proletariado”5 e um “subproletariado”6 junto ao aumento do setor de serviços. São formas que desenham um enorme grupo de trabalhadores/as que são explorados/as intensamente pelo capital, em países centrais capitalistas, mas, sobretudo, de forma mais intensa e particular nos países periféricos, onde se encontra a maior parte da força de trabalho, e onde os/as trabalhadores/as oscilam entre a busca por emprego ou a aceitação de qualquer labor. Nesta conjuntura, marcada pelo o que Antunes (2007) chama de processo de precarização estrutural do trabalho, é exigido o desmonte da legislação protetora do trabalho por parte dos capitais globais, acentuando os trabalhos denominados temporários, terceirizados, informais, “sem estabilidade, sem registro em carteira, dentro ou fora do espaço produtivo das empresas, quer em atividades mais instáveis ou temporárias” (JORDÃO; STAMPA, 2015, p.10). Assim, se expandiram as formas de precarização e aniquilação de direitos sociais, que foram conquistados pela classe trabalhadora. A terceirização no país tem o importante papel de atender as demandas das empresas na diminuição de custos, servindo de instrumento de recomposição das taxas de lucro e de transferência para outras empresas no que se refere às questões 5 O “novo proletariado” é uma tendência marcada pelo enorme aumento do assalariamento e do proletariado precarizado em escala mundial, onde homens e mulheres trabalham em regime de tempo parcial, em trabalhos assalariados e temporários (ANTUNES, 1999a). 6 Definido como “proletariado precarizado no que diz respeito às suas condições de trabalho e desprovido dos direitos mínimos do trabalho” (ANTUNES, 1999b, p. 200). 913

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalhistas. Para Alves (2015, p.23) a aprovação da lei da terceirização “afirma o modelo social de superexploração da força de trabalho”. A afirmação de Antunes e Druck (2015) de que a terceirização é indissociável da precarização do trabalho, toma maior dimensão após a legalização da terceirização de atividades fim no Brasil, possibilitando o agravamento das condições já precárias de trabalho. Conforme Gimenez e Krein (2016), o avanço da terceirização acentua o caráter desorganizado do mercado brasileiro, ao comportar várias modalidades de contratação que beneficiam as empresas ao dar liberdade na gestão da força de trabalho de acordo com sua demanda, o que, na verdade, submete os/as trabalhadores/as a condições de insegurança e instabilidade no trabalho. De acordo com os autores: Diferentemente dos países centrais, no Brasil não chegou a se constituir uma sociedade organizada a partir do trabalho assalariado, que inclui a construção de direitos e proteção social para o conjunto dos trabalhadores. Portanto, a desorganização é uma característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro, que se manifesta no baixo índice de assalariamento, na informalidade, na elevada rotatividade, na abertura do leque salarial e na forte desigualdade social, inclusive entre os rendimentos do trabalho. (GIMENEZ; KREIN, 2016, p.18). A terceirização faz parte do pacote de modernização das novas formas de reorganização do trabalho, partindo da ideia de que a modernização sempre é associada a uma ação positiva. Segundo Druck (2016, p.37) “no discurso empresarial, a terceirização tem sido defendida como símbolo maior da modernidade organizacional, expressão de um processo considerado ‘natural' no capitalismo”. Em as “101 Propostas para Modernização Trabalhista”, publicada em 2012, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) deixa claros os seus anseios: Para promover a modernização trabalhista no Brasil, é preciso observar que modelo de relações do trabalho o país deseja para o futuro. Não é difícil encontrar convergências em torno da ideia de substituir o modelo atualmente em vigor por outro que privilegie a negociação, calcado na representatividade dos atores e capaz de se adequar às diferentes realidades e maximizar os ganhos para as empresas, os trabalhadores e o país. Um sistema trabalhista moderno é formado por uma base legal que trata dos direitos fundamentais e estabelece as regras do processo de diálogo entre as partes envolvidas, sendo o restante definido por negociações que levem em consideração especificidades setoriais, regionais e mesmo de cada empresa e de cada trabalhador. Nesse sentido, seria preciso substituir um modelo que quase tudo é definido em lei e muito pouco é negociado, por um outro que 914

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI privilegie a negociação e reduza a tutela estatal homogênea. (CNI, 2012, p.18). A atual legalização de todas as etapas de terceirização traz consigo a responsabilidade subsidiária no que se refere aos direitos trabalhistas, onde a tomadora de serviço só é acionada caso a empresa terceirizada não arque com os direitos trabalhistas. Isso dificulta a reivindicação dos direitos pelos trabalhadores, pois não há contrato de trabalho entre os mesmos e a empresa contratante do serviço. É que a presença de empresas interpostas entre o trabalhador e o tomador de serviço, no caso das relações de trabalho via terceirização, proporcionam o aprofundamento da subsunção do trabalhador ao capital, pelo fato de obscurecer sua percepção na participação do processo produtivo (FILGUEIRAS, 2016). À vista disso, podemos afirmar que na base da produção capitalista se encontram as várias formas pretéritas do trabalho, desde o trabalho escravo, semiescravo, precarizado, flexibilizado, terceirizado entre outros, expondo os/as trabalhadores/as a piores condições. 3 ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA A escravidão contemporânea é um dos inúmeros fenômenos pertencentes ao mundo do trabalho e, o flagrante de tais condições, tem-se tornado frequente nos últimos anos. São encontradas na literatura várias nomenclaturas para caracterizar o fenômeno onde o trabalhador é submetido a condições degradantes de trabalho, imposições de jornadas de trabalho exaustivas e coerção restringindo sua liberdade. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) utiliza o termo trabalho forçado (OIT, 2009). Figueira (2000) emprega o conceito de trabalho escravo, usando o critério adotado pela Comissão Pastoral da Terra. Já para Filgueiras (2016), tais condições de trabalho são representadas no termo trabalho análogo ao de escravo, compartilhando a definição do Código Penal brasileiro. Neste artigo utilizamos o termo escravidão contemporânea ou trabalho escravo contemporâneo, pois estamos vivenciando práticas de servidão não mais nos moldes da acumulação primitiva, mas que trazem similaridades ao período histórico de escravidão sob a exploração do capital. 915

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O Brasil está inserido em uma conjuntura que naturaliza as mais precárias relações e condições de trabalho, direcionada ao favorecimento das grandes empresas e ao capital financeiro. O empresariado e suas entidades representativas se movem na tentativa de alteração do conceito de trabalho análogo ao de escravo7 e influenciam diretamente nas mudanças das regulamentações trabalhistas, vide o que preconiza a lei de regulamentação da terceirização8. Em Filgueiras (2016, p.94) observa-se que as ações do empresariado, na tentativa de modificar o conceito de trabalho escravo, estão voltadas para “restringir a limitação da exploração do trabalho apenas à coerção individual direta do capitalista sobre o trabalhador, descriminalizando as demais formas extremas de exploração do trabalho”. Os casos de escravidão contemporânea são maiores na região Norte em suas áreas rurais, porém, existem casos em outras áreas do país, como, por exemplo, nos centros urbanos do Sudeste, entretanto, possuindo diferentes características como outras atividades, outras formas de repressão, mas com um ponto comum, que é a questão da servidão por dívida (FIGUEIRA, 2000). A OIT define servidão por dívida como: [...] estado ou condição resultante de uma obrigação de um devedor de seus serviços pessoais, ou daqueles pertencentes a um indivíduo sob o seu controle, como garantia de uma dívida, se o valor desses serviços, conforme razoavelmente analisados, não é aplicado para a liquidação da dívida, ou que a extensão e a natureza desses serviços não sejam respectivamente limitadas e definidas. (OIT, 2009, p.8). De acordo com Figueira (2000, p. 33) são levantados alguns questionamentos sobre quais as razões poderiam explicar a utilização de mão de obra escrava em pleno século XXI, já que tais “ações não só violam as leis existentes, mas atropelam os direitos individuais e coletivos de um povo”. Há várias razões que podem explicar o porquê da utilização de mão de obra em condições que se caracterizam como escravidão contemporânea. Na realidade brasileira, ela está muito vinculada à dívida contraída pelo/a trabalhador/a com o/a preposto/a, seja ele/a dono/a da confecção (trazendo a reflexão para nosso estudo) ou empreiteiro/a da fazenda, no caso do Norte do país (FIGUEIRA, 2000). 7 Definido pelo Código Penal Brasileiro e entendida como a conceituação mais completa de acordo com a OIT. 8 Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. 916

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A omissão das autoridades, no que se refere tanto à falta de aplicação concreta da lei, a exemplo da Emenda Constitucional 81/2014 que autoriza a expropriação do imóvel urbano ou rural, onde é feito o flagrante, ou com o processo de sucateamento de ações fiscalizadores e, atualmente com o fim do Ministério do Trabalho pelo governo de Jair Bolsonaro, em especial, abre espaço para a facilitação de práticas de trabalho escravo contemporâneo. Outro ponto importante, segundo Filgueiras (2016), é que o processo de transferência da produção, configurado na terceirização, além de transferir os custos, os diversos riscos e a responsabilidade trabalhista, também afasta a regulação do Estado ou do sindicato e a repassa para a empresa interposta. Consequentemente, é potencializada a exploração do trabalho, uma vez que se reduz a possibilidade de ações que poderiam impor limites à exploração. Reforça-se a superioridade da empresa sobre o/a trabalhador/a e retira o máximo de limitações à sua exploração, dando à terceirização a capacidade de ultrapassar esses limites, abrindo possibilidades de uma escravidão contemporânea. Em nosso estudo, não foi possível confirmar a existência de trabalho escravo contemporâneo devido ao difícil acesso aos/as trabalhadores/as que prestavam serviço às facções e confecções. Porém, existem indícios de tais práticas nos bastidores da moda conforme lista divulgada pelo governo, por decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), em 23 de março de 2017. Nesta lista consta a relação dos/as empregadores/as que foram autuados/as e que tiveram decisão administrativa transitada em julgado, entre abril de 2014 e abril de 2016. Encontram-se na lista as seguintes oficinas de costura que foram autuadas em decorrência de caracterização de trabalho análogo ao de escravo e o respectivo ano de autuação: As Marias Comércio de Roupa Ltda., 2014 - SP; Confecções de Roupa Seiki Ltda., 2014 - SP; Lojas Renner S/A, 2014 - SP; Juan Edwin Mendoza Machicado Confecções ME, 2013 - SP; José Rodriguez Carrasco, 2014 - SP; Il Mare Confecções de Roupas, 2013-SP; Distribuidora Sulamericana Importação e Exportação Ltda., 2013, - SP; Guillermo Rivas Quispe, 2014-SP; Handbook Store Confecções, 2015-SP; M5 Indústria e Comércio, 2013/2014- SP (oficina autuada duas vezes); Unique Chic Confecções Ltda., 2014 - SP. Entretanto, Filgueiras (2016) afirma que na sociedade capitalista o/a trabalhador/a não precisa ser coagido/a fisicamente para trabalhar, pois é obrigado a 917

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI vender sua força de trabalho para se reproduzir, tanto fisicamente quanto socialmente, e que o capital não obedece a nenhum limite para exploração da força de trabalho. Desta forma, os/as trabalhadores/as, mesmo livres, podem ter que se submeter a trabalhos que se assemelham as condições de escravidão, já vividas pelo país no século XIX. Na mesma linha de raciocínio Saffioti (2013, p.54), afirma que a “liberdade de que cada homem goza na situação de mercado leva à ilusão de que as realizações de cada um variam em razão direta de suas capacidades individuais”. A OIT (2006) utiliza o conceito de trabalho forçado e afirma que duas tendências contribuem para a sua consumação, sendo o aumento de trabalhadores/as imigrantes e a desregulamentação dos mercados de trabalho associados com o crescimento de agências de trabalho não registradas, saindo do controle do Estado. Ressalta, também, que a maior parte do trabalho forçado está em economias privadas informais dos países em desenvolvimento, destacando que as formas mais complexas de subcontratação e a crescente desregulamentação apresentam sinais da entrada do trabalho forçado também em economias formais. Como afirma Figueira (2000, p.44) o problema do trabalho escravo persiste em diversos lugares do país e, na atualidade, não é a cor da pele ou a religião que “justifica” o trabalho nessas condições, mas a “pobreza, a exclusão às riquezas e ao bem-estar, reservadas a outro”. Em sua pesquisa, a mão de obra escassa na região Norte do país contribuiu para a busca de trabalhadores/as pauperizados/as em outros estados, levados/as a acreditar em falsas promessas de trabalho. Porém, a configuração que se desenha, em especial nas áreas urbanas e na indústria da moda, é que a abertura para a escravidão contemporânea está no processo de terceirização em cascata, que além de precarizar as relações de trabalho, afastam os/as trabalhadores/as das possibilidades de luta por direitos básicos de trabalho. 4 TRABALHO NA PERSPECTIVA DE GÊNERO Segundo Saffioti (2013), o trabalho é o resultado histórico da luta de homens e mulheres com a natureza dentro do processo social produtivo de suas vidas. Assim, quando se refere ao trabalho na sociedade capitalista, destaca que este trabalho não é inerente nem ao homem e nem a mulher, e afirma que é um momento de “evolução 918

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI histórica da humanidade”, configurado em uma forma de humanizar a natureza e de reificar as relações sociais. A incorporação do trabalho feminino à produção social se realiza na passagem da manufatura para a grande indústria, exigindo um maior número de trabalhadores/as, apelando “para o exército industrial de reserva representado pelas mulheres” (TOLEDO, 2017, p. 54). Desta forma, junto à inclusão do trabalho infantil, aumenta o grau de exploração do capital, indo para além do operário/a individual, tornando toda a família operária (TOLEDO, 2017). Para Saffioti (2013, p.68) é preciso analisar o “grau de exploração de que é alvo o trabalho feminino enquanto atividade exercida por um contingente humano subvalorizado sob vários aspectos”, pensando que no processo de geração de valor, na realização do trabalho, que não é apropriado completamente pelo/a trabalhador/a, a mulher tem menor acesso à parcela de valor produzida pelo seu trabalho (SAFFIOTI, 2013). De acordo com Abramo e Valenzuela (2016, p.118) a incorporação da mulher no mercado de trabalho vem ocorrendo sem que se altere a “responsabilidade pelo trabalho de reprodução social, que continua sendo assumida exclusivamente ou principalmente por elas”. Permanecendo em trabalhos menos produtivos e precários, sem remuneração justa e adequada, sem proteção social e acesso a direitos básicos trabalhistas. Desta forma, o modo de produção capitalista marginaliza certos setores da população do sistema produtivo. No caso da mulher, o fator sexo é condição para a sua inferiorização nessas relações, onde sua situação periférica, neste modo de produção, conta com duas dimensões que contribuem para sua desvantagem social: a subvalorização das capacidades femininas e a marginalização de suas funções produtivas. Essas desvantagens permitiram ao capital a extração do máximo de mais- valia absoluta, com a intensificação do trabalho, extensão da jornada e dos baixos salários comparados aos homens (SAFFIOTI, 2013). Segundo Toledo (2017, p. 56) “a dupla condição da mulher – de reprodutora do capital e de força de trabalho – foi agravada com o neoliberalismo, a globalização da economia e a reestruturação produtiva”, onde a superexploração da classe trabalhadora 919

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI é acentuada nos setores mais oprimidos, no caso das mulheres, em especial nos países periféricos. Assim: [...] nos países dependentes, a entrada da mulher no mercado de trabalho não significa maior igualdade, nem maiores direitos. O capital vem conseguindo transformar esse passo fundamental da mulher em direção à emancipação numa forma de aprofundar a sua exploração. A maior parte das trabalhadoras que se incorporam ao mercado de trabalho o faz em setores informais e precários, e são alvos fáceis da superexploração capitalista. (TOLEDO, 2017, p.73). O ataque neoliberal traz consigo o rebaixamento dos salários, redução dos direitos e o ataque ao Estado de Bem-Estar Social com a redução de políticas sociais. As novas formas de organização do trabalho, como a flexibilização, terceirização, trabalho informal e precário proporcionam o aumento da incorporação das mulheres no trabalho. Junto a estas condições precárias temos, ainda, o aumento da exploração da sua força de trabalho (TOLEDO, 2017). O trabalho feminino, segundo Antunes (1999b), tem crescido principalmente no trabalho precário, informal, de baixo salário e com jornadas prolongadas, além da jornada doméstica vinculada à mulher. O autor coloca que o capital se apropria da polivalência do trabalho feminino e dos conhecimentos que as trabalhadoras trazem de suas atividades tanto domésticas quanto produtivas: Há uma outra tendência de enorme significado no mundo do trabalho contemporâneo: trata-se do aumento significativo do trabalho feminino que atinge mais de 40% da força de trabalho em diversos países avançados e também na América Latina, onde também foi expressivo o processo de feminização do trabalho. Esta expansão do trabalho feminino tem, entretanto, um movimento inverso quando se trata da temática salarial, onde os níveis de remuneração das mulheres são em média inferiores àqueles recebidos pelos trabalhadores, o mesmo ocorrendo em relação aos direitos sociais e do trabalho, que também são desiguais. No Brasil, o salário médio das mulheres está em torno de 60% do salário dos trabalhadores. (ANTUNES, 2005, p.145). O aumento do emprego feminino a partir dos anos 1990, conforme indica Hirata (2011, p.16), “[...] é acompanhado do crescimento simultâneo do emprego vulnerável e precário, uma das características principais da globalização numa perspectiva de gênero”. Nota-se, de acordo com a autora, uma bipolarização de empregos femininos, onde, de um lado, estão mulheres executivas exercendo profissões intelectuais e, de 920

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI outro, mulheres em ocupações consideradas como femininas. Observa-se o agravamento das desigualdades sociais entre as próprias mulheres9. Ponto reforçado pelos estudos de Bruschini e Lombardi (2000), que apontam que a inserção da mulher no mercado de trabalho é marcada por uma continuidade e mudança, uma vez que a continuidade se caracteriza pelo grande número de mulheres que se inserem num polo de trabalho com posições menos favoráveis e precárias e, do outro, um polo com expansão de ocupações em profissões de nível superior de prestígio. A persistência de antigas formas de exploração de mão de obra feminina, ou seja, a retomada de “sistemas produtivos, já superados, em certas economias de natureza capitalista é um fator da marginalização muito mais da mulher do que do homem” (SAFFIOTI, 2013, p.92). Tais sistemas produtivos são caracterizados no trabalho terceirizado e no trabalho em domicílio. Visto como consequências da precarização do trabalho são diferentes entre homens e mulheres, sendo a mulher a mais atingida por essa precariedade (HIRATA, 2011). 5 CONCLUSÃO A nova morfologia do trabalho evidencia as diversas dimensões do trabalho precário, a ampliação da terceirização e da desregulamentação do trabalho. O modo de produção capitalista marginaliza certos setores da população do sistema produtivo e a qualidade do trabalho feminino está inserida nesta totalidade, uma vez que a divisão sexual do trabalho é condição para a sua inferiorização nessas relações, onde sua situação periférica conta com duas dimensões que contribuem para a sua desvantagem social, como a subvalorização das capacidades femininas e a marginalização de suas funções produtivas. O trabalho feminino encontra-se nas ocupações informais, sem proteção social do trabalho. Para citar alguns exemplos: o trabalho em domicílio, a dupla jornada e, até mesmo, a tripla jornada de trabalho, ao somar as tarefas de casa atribuídas às mulheres. Salientamos que este estudo é parte da pesquisa realizada sobre as expressões da precarização do trabalho nos bastidores da indústria da moda (LOURENÇO, 2018), 9 Podemos tomar como exemplo a diferença de posição entre uma estilista e uma costureira dentro da indústria da moda. 921

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI onde o trabalho feminino é preponderante. E o uso de trabalho precário pela indústria da moda só é possível através da manutenção de uma dinâmica que assegura o lucro, abertura de novos mercados e acesso a mão de obra barata. Essas são condições que trazem as grandes corporações da moda a países periféricos como o Brasil e das quais se prevalecem, também, as empresas locais. Não há como pensar o mundo da moda desprendido do capitalismo. Basta uma aproximação mais cuidadosa para visualizar que a moda faz parte do sistema de reprodução do capital, seja na forma fetichizada da mercadoria, na criação de falsas necessidades, na obscuridade a qual a força de trabalho é submetida por trás da indústria da moda, na sua responsabilidade na degradação do meio ambiente e na reafirmação da divisão de classes, mesmo com o argumento da possibilidade de uma moda democrática, que é assim definida devido ao acesso a determinados produtos ou capaz de ser justa nas suas relações de troca. Desta forma, observações levantadas trazem um panorama de transformação do mundo do trabalho onde a classe trabalhadora perde parte do protagonismo no que tange as suas conquistas. Lembrando que o atual governo implementa uma verdadeira caça às bruxas aos direitos básicos da classe trabalhadora, reafirmado por contexto internacional de ofensiva capitalista. Essa totalidade reforça a desigualdade de gênero, aprofunda a divisão sexual do trabalho, levando as mulheres a ocuparem espaços de trabalho mais fragilizados, precários, informais ou ao desemprego. REFERÊNCIAS ABRAMO, L.; VALENZUELA, M. E. Tempo de trabalho remunerado e não remunerado na América Latina: uma repartição desigual. In: ABREU, A. R. P.; HIRATA, H.; LOMBARDI, M. R. (Org.). Gênero e trabalho no Brasil e na França: perspectivas interseccionais. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2016. ALVES, G. PL 4330: o tiro de misericórdia na regulação do trabalho brasileiro. Revista IHU On-line, São Leopoldo/RS, n. 464, Ano XV, 2015. ANTUNES, R. Corrosão do trabalho e a precarização estrutural. In: NAVARRO, Vera Lucia; LOURENÇO, E. Â. S. (Org.). O avesso do trabalho III: saúde do trabalhador e questões contemporâneas. 1 ed. São Paulo: Outras Expressões, 2013. 922

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ANTUNES, R. Dimensões da precarização estrutural do trabalho. In: DRUCK, G.; FRANCO, T. (Org.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007. ANTUNES, R. O caracol e sua concha: ensaio sobre a nova morfologia do trabalho. Asian Journal of Latin American Studies [online], Correia do Sul, v. 18, n. 4, p. 137-155, 2005. ANTUNES, R. Os novos proletários do mundo na virada do século. Lutas Sociais, São Paulo, n. 6, p. 113-124, 1999a. ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 3 ed. São Paulo: Boitempo, 1999b. ANTUNES, R; DRUCK, G. A terceirização sem limites: a precarização do trabalho como regra. O Social em Questão, Rio de Janeiro, ano XVIII, n. 34, p. 19-40, 2015. BRUSCHINI, C.; LOMBARDI, M. R. A bipolaridade do trabalho feminino no Brasil contemporâneo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 110, p. 67-104, jul. 2000. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA (CNI). 101 propostas para modernização trabalhista. Emerson Casali (Coord.). Brasília: CNI, 2012. DRUCK, G. A indissociabilidade entre precarização social do trabalho e terceirização. In: TEIXEIRA, M. O.; RODRIGUES, H.; COELHO, E. d’Á. (Org.). Precarização e terceirização: faces da mesma realidade. São Paulo: Sindicato dos Químicos-SP, 2016. FIGUEIRA, R. R. Por que o trabalho escravo? Estudos avançados. São Paulo, v. 14, n. 38, p. 31-50, jan./abr. 2000. FILGUEIRAS, V. A. Terceirização e trabalho análogo ao escravo: estreita relação na ofensiva do capital. In: TEIXEIRA, M. O.; RODRIGUES, H.; COELHO, E. d’Á. (Org.). Precarização e terceirização: faces da mesma realidade. São Paulo: Sindicato dos Químicos-SP, 2016. GIMENEZ, D. M.; KREIN, J. D. Terceirização e o desorganizado mercado de trabalho brasileiro. In: TEIXEIRA, M. O.; RODRIGUES, H.; COELHO, E. d’Á. (Org.). Precarização e terceirização: faces da mesma realidade. São Paulo: Sindicato dos Químicos-SP, 2016. GORENDER, J. Apresentação. In: MARX, K. O capital: crítica da economia política. Volume I - Livro I: o processo de produção do capital. Tomo I. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1996. (Coleção Os Economistas). HIRATA, H. Tendências recentes da precarização social e do trabalho: Brasil, França, Japão. Caderno CRH, Salvador, v. 24, n. esp. 01, p. 15-22, 2011. 923

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI JORDÃO, A. P. F.; STAMPA, I. Precarização e informalidade no “mundo do trabalho” no Brasil: notas para reflexão. Anais da VII Jornada Internacional de Políticas Públicas. São Luiz/MA: UFMA, 2015. LOURENÇO, A. Fashionismo às avessas: expressão da precarização do trabalho nos bastidores da moda. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Programa de Pós- Graduação em Serviço Social. Departamento de Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2018. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). O custo da coerção: relatório global no seguimento da Declaração da ILO sobre os direitos e princípios fundamentais do trabalho. Genebra: 2009. SAFFIOTI, H. A mulher na sociedade de classes: mitos e verdades. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013. STAMPA, I. Transformações recentes no “mundo do trabalho” e suas consequências para os trabalhadores brasileiros e suas organizações. Em Pauta, Rio de Janeiro, n. 30, v. 10, p. 35-60, jul./dez. 2012. TOLEDO, C. A mulher no mundo do trabalho. In: TOLEDO, C. Gênero & Classe. São Paulo. Sundermann, 2017. p. 51-85. 924

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO NO CONTEXTO CAPITALISTA CONTEMPORÂNEO WORK CONFIGURATIONS IN THE CONTEMPORARY CAPITALIST CONTEXT Ana Caroline Gimenes Machado1 Inez Stampa2 RESUMO Reflexão acerca das configurações capitalistas no contexto hodierno de crise brasileira, a qual está articulada a uma crise estrutural que afeta a economia mundial desde o final dos anos de 1970, agravada pela crise originada em 2008, com graves efeitos para a classe trabalhadora. O trabalho discute a precarização no mundo do trabalho, proveniente do acirramento da crise capitalista contemporânea que, no contexto de reestruturação produtiva, conduz a classe trabalhadora a uma inserção em postos de trabalho cada vez mais precários, informais e terceirizados, ao desmonte gradual dos direitos trabalhistas e, ainda ao desemprego em larga escala. Palavras-Chaves: Precarização; Trabalho; Classe trabalhadora. ABSTRACT Reflection on capitalist configurations in the current context of the Brazilian crisis, which is linked to a structural crisis that has affected the world economy since the late 1970s, aggravated by the crisis that originated in 2008, with serious effects for the working class. The work discusses the precariousness of the world of work, arising from the 1 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social pela PUC-Rio. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Políticas Públicas e Serviço Social (Trappus/PUC-Rio). E-mail: [email protected]. 2 Assistente social e socióloga. Doutora em Serviço Social. Coordenadora adjunta da área de Serviço Social da Capes (2018-2021). Bolsista produtividade em pesquisa CNPq. Professora associada do Departamento de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Políticas Públicas e Serviço Social (Trappus/PUC-Rio). E-mail: [email protected]. 925

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI intensification of the contemporary capitalist crisis that, in the context of productive restructuring, leads the working class to an insertion in increasingly precarious, informal and outsourced jobs, to the gradual dismantling of labor rights and, still to large-scale unemployment. KEYWORDS: Precariousness; Work; Working class. INTRODUÇÃO O cenário atual de crise brasileira está articulado a uma crise que afeta a economia mundial desde os anos de 1970, uma crise estrutural, que vem suscitando transformações no universo da classe trabalhadora. Em sua análise sobre a crise estrutural do capital, Mészáros (2011) explica que o desenvolvimento capitalista conjuntural é perpassado por crises cíclicas periódicas. Contudo, no contexto hodierno, sob a hegemonia do capital financeiro, ela se apresenta de maneira estrutural, ainda que, associada às crises cíclicas capitalistas. O advento do neoliberalismo, com o intuito de desbaratar a crise iniciada no período supracitado, acentuou a lógica destrutiva do capitalismo monopolista, pois, a partir das medidas adotadas, podem-se perceber mudanças substantivas na gestão e organização do trabalho. Aqui, destacam-se as contrarreformas adotadas pelo Estado brasileiro a partir da década e 1990 e as ainda em curso. Algumas especificidades da conjuntura neoliberal no Brasil produziram novas expressões de uma questão social mais expandida e diversificada nesse contexto de crise. As “soluções” para costurar as roturas que o capitalismo tende a deixar no tecido social brasileiro têm sido cosidas através do rompimento de pactos sociais estabelecidos desde a década de 1940. A natureza contraditória do modelo capitalista, para acrescer sua acumulação, recria as condições responsáveis por potencializar suas contradições e fomentar suas crises. Os efeitos dos ajustes neoliberais sobre a classe trabalhadora têm sido desastrosos. Os programas de austeridade, supressão ou redimensionamento dos gastos públicos, principalmente os gastos sociais, juntamente com os processos de mercantilização e privatização, agudizaram as expressões da questão social. Concomitantemente, o aumento do desemprego e a extensão do tempo médio para retornar ao mercado de trabalho formal corroboram para uma maior pauperização 926

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI da população. Somam-se a isso vultosas discrepâncias de renda no país, o que provoca a desigualdade social imbricada na concentração de riqueza para uma parcela ínfima da população. Santos (2012) alerta que “as formas de trabalho mais instáveis e menos protegidas tendem a se ampliar, fazendo com que o medo de perder o emprego apareça novamente como a principal força disciplinadora do trabalho” (p. 197). A necessidade de se manterem nos espaços ocupacionais impele os trabalhadores a se submeterem a condições aviltantes de trabalho. Neste sentido, crescem postos de trabalhos precarizados, terceirizados, temporários, sem garantias e sem direitos trabalhistas. A conjuntura brasileira atual é perpassada por um período de radicalização do neoliberalismo, caracterizado por sucessivas privatizações de estatais, defesa intransigente dos interesses das classes dominantes e destruição dos direitos do trabalho, conforme demonstra Antunes (2018), denominando essa nova fase de contrarrevolução preventiva, na qual analisaremos alguns de seus aspectos a seguir. Desta forma, este trabalho irá apresentar algumas considerações sobre a precarização do trabalho no Brasil, elencando efeitos da reestruturação produtiva que afetam a classe-que-vive-do-trabalho, como a fragilização das relações trabalhistas, aumento da informalidade, expansão da terceirização, desregulação das legislações protetoras do trabalho e desemprego estrutural. A presente análise, a qual traz elementos sobre o cenário atual de crise brasileira, articulada à uma crise estrutural, com repercussões para a classe trabalhadora, encontra-se abalizada em pesquisa bibliográfica, documental e em dados secundários sobre a temática abordada. 2 CONFIGURAÇÕES DO TRABALHO NA CONJUNTURA CAPITALISTA ATUAL Expressivas transformações sofridas dentro da esfera da produção vêm afetando fortemente a classe trabalhadora e seu movimento sindical. Isso se intensifica em países com histórica e profunda desigualdade social como o Brasil. Antunes e Druck (2014) analisam que o trabalho contratado e regulamentado, predominante no século XX, vem sendo substituído por diferentes formas de terceirização, precarização e informalidade, e que esta tem deixado de ser exceção para se tornar regra. 927

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Importante lembrar que no Modo de Produção Capitalista (MPC), o aumento da riqueza determina o aumento da pobreza. Segundo Montaño (2012), “no MPC não é o precário desenvolvimento, mas o próprio desenvolvimento que gera desigualdade e pobreza” (p. 279). Com os avanços tecnológicos e a troca cada vez mais crescente do trabalho vivo pelo trabalho morto, ou seja, das pessoas pelas máquinas, muitas atividades laborativas se tornaram dispensáveis, obsoletas e, até mesmo, inexistentes. Harvey (2016) analisa que a inovação tecnológica, apesar de ter sido um caminho para a retração de crises capitalistas, possibilitou outros entraves, como a automação na década de 1980 que resultou na desindustrialização. Ao ponderar à luz da ótica estadunidense, exemplifica que empresas como a General Motors, a qual, em 1960, costumava empregar trabalhadores sindicalizados que percebiam bons salários, foram substituídas por outras como o Walmart, que possui grande parte de sua mão de obra não sindicalizada, mal paga, e que tem sido uma das maiores empregadoras dos Estados Unidos. Assim, “a mudança tecnológica nunca é indolor, e o custo e a dor que produzem não são uniformemente repartidos” (Harvey, 2016, p.99). Um contingente expressivo de trabalhadores é conduzido ao desemprego, por não conseguirem mais se inserir no mercado de trabalho formal, visto que o trabalho que antes executavam, agora é realizado por maquinários que os substituem, em menor tempo, com maior produtividade, não sendo, assim, mais assimiláveis por este processo. Antunes (2018) sinaliza que há uma redução drástica dos empregos, e os que se mantêm empregados colecionam perdas em decorrência das configurações capitalistas atuais, dentre as quais podem se destacar o desmonte de muitos dos direitos conquistados ao longo das lutas travadas pela classe trabalhadora, precarização das relações trabalhistas, rebaixamento salarial, terceirização, aumento da informalidade e do trabalho intermitente, entre outras particularidades próprias da reestruturação produtiva. Destarte, em sua busca pela reprodução de capital, as empresas tendem a investir mais em capital constante e menos em capital variável, o que leva ao aumento da composição orgânica do capital e à diminuição da taxa de lucro. O desemprego, derivado deste maior investimento em capital constante em detrimento do capital variável, torna mais dificultoso aos capitalistas obter a mais-valia. 928

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A maioria da população mundial está se tornando descartável e irrelevante do ponto de vista do capital, o que ampliará progressivamente a dependência da circulação de formas fictícias de capital e construções fetichistas de valor centradas na forma-dinheiro e no sistema de crédito. Como é de se esperar, alguns segmentos da população são considerados mais descartáveis do que outros, assim mulheres e negros arcam com maior parte do fardo e provavelmente arcarão ainda mais num futuro próximo (HARVEY, 2016, p.109). Antunes (2018) afirma que nesse período em que estamos vivenciando de financeirização e mundialização em escala global, é estabelecida uma nova divisão internacional do trabalho, marcada pela intensificação dos níveis de precarização e informalidade. O autor indica que em vez de ocorrer uma supressão total do trabalho pelo maquinário informacional-digital, o que se observa é o crescimento de um novo proletariado da era digital, o que corrobora com a sua análise de que não estamos vivenciando o fim do trabalho, e sim, o “crescimento exponencial do novo proletariado de serviços” (p. 30), o que pode ser compreendido como um novo arquétipo de escravidão, todavia, em nosso tempo, as correntes são digitais. Para além disso, como o capital é uma relação social eivada de contradições, cabe lembrar Maranhão (2010), que reflete que o amplo quantitativo de trabalhadores excedentes é essencial para a reprodução atual do capital. Segundo o autor, o processo denominado e analisado por Karl Marx de “acumulação primitiva ou originária” (p. 98) produziu uma enorme oferta de força de trabalho. Com a desapropriação de terras, ferramentas de trabalho e meios de produção, o desenvolvimento das indústrias atraiu um expressivo contingente de trabalhadores do campo para os centros urbanos em busca de obter seus meios de subsistência, gerando uma superpopulação relativa de trabalhadores como “um inesgotável reservatório de força de trabalho” (Maranhão, 2010, p.99). O autor afirma que o processo de expansão mundial da superpopulação relativa, que se deu concomitantemente ao processo de mundialização financeira, resultou na obtenção de superlucros, por meio dos baixos salários praticados pelo grande número de trabalhadores desocupados no mercado. Essa população empobrecida, que não está inserida no mercado formal de trabalho e que já se tornou supérflua com os avanços tecnológicos, possibilita a ampliação da exploração dos trabalhadores ocupados, reduz seus salários e exerce uma pressão sobre a organização política desses trabalhadores formais, visto que se veem 929

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI compelidos a renunciar à luta política em detrimento de seus empregos. Assim, aqueles que não se encontram inseridos no mercado de trabalho por vias formais também são extremamente importantes para a economia. Nessa conjuntura, muitas empresas reduzem o quantitativo de funcionários para economizar gastos. No modo de acumulação flexível, predomina o tipo de “empresa enxuta” que consegue aumentar sua produtividade mantendo um número menor de funcionários (Antunes; Druck, 2014). Esses cortes no capital variável têm se tornado cada vez mais recorrentes e o tempo para se realocar no mercado de trabalho vem se expandindo devido à ampla concorrência. Segundo Maranhão (2010), houve um aumento no tempo médio da procura por trabalho, ou seja, “o mundo industrializado se caracteriza cada vez mais pelo desemprego de longa duração” (p.94). Esse crescimento abrupto do desemprego acirrou ainda mais a desigualdade de renda no país. Ressalte-se que a atual conjuntura brasileira é marcada pela “informalidade” e o desemprego oculto pelo trabalho precário, os quais vêm se ampliando cada vez mais. “Os ‘sem-emprego’, grupo constituído pelos desempregados e pelos trabalhadores informais, são hoje a maioria dos trabalhadores brasileiros” (Druck, 2013, p.65). A autora, em sua crítica sobre a precarização social do trabalho no Brasil, afirma que a situação que melhor demonstra a fragilização que afeta o mundo do trabalho é o desemprego, que “deixa de ser uma condição provisória e transforma-se numa situação de longo prazo ou mesmo permanente” (p 62). A precarização, de acordo com Antunes e Druck (2014), “passa a ser o centro da dinâmica do capitalismo flexível” (p. 13). Os efeitos dos ajustes neoliberais sobre a classe trabalhadora têm sido desastrosos. Os programas de austeridade, supressão ou redimensionamento dos gastos públicos, principalmente os gastos sociais, juntamente com os processos de mercantilização e privatização, ampliaram as expressões da questão social (Behring, 2013). O que é corroborado por Lole e Stampa (2018): [...] a redução/congelamento dos gastos com políticas sociais e o maior redirecionamento do fundo público aos interesses do capital; o retorno ao primeiro damismo e a intenção de deslocamento da política de assistência social para o campo do não direito; a indicação das contrarreformas da previdência social, da educação e do trabalho; a destruição da universalidade 930

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI e gratuidade do Sistema Único de Saúde (SUS); entre outras atrocidades (Lole; Stampa, 2018, p.10). As autoras ressaltam que a conjuntura atual brasileira tem sido permeada por esses retrocessos, os quais se têm somado ao aumento do desemprego e exacerbação da exploração da força de trabalho. Nesse contexto de reestruturação produtiva, onde a acumulação flexível exerce dominação, as relações trabalhistas se tornaram mais fragilizadas, muitos dos direitos conquistados foram desregulamentados, houve crescimento do desemprego e, com isso, do agravamento da pobreza. Conforme Mota (2010), “as transformações ocorridas nos processos e nas relações de trabalho afetaram profundamente a composição e a prática político- organizativa dos trabalhadores” (p.41). Deste modo, a classe trabalhadora fragmentou- se, heterogeneizou-se e complexificou-se ainda mais (Antunes, 2011). Mészáros (2011), em suas análises sobre o aprofundamento da crise estrutural do capital, alerta que o desemprego reverbera também para um quantitativo significante de trabalhadores altamente qualificados, assegurando que a crise estrutural incide sobre a “totalidade da força de trabalho da sociedade” (p.69). Observando os trabalhadores franceses, Linhart (2014) chama a atenção para uma forma de precarização que afeta até mesmo os trabalhadores estáveis, uma precariedade subjetiva que se traduz na ausência de segurança no trabalho e que influi drasticamente na vida do trabalhador. Apesar de ter um emprego formal, teoricamente estável, o trabalhador sente a necessidade de justificar constantemente a vaga que ocupa, provocando medo, ansiedade e insegurança, o que pode adoecer o trabalhador. Essa problemática, contudo, é muitas vezes individualizada, ao culpabilizar o trabalhador, perdendo a dimensão coletiva necessária para a formulação de respostas. Santos (2012) alerta que “as formas de trabalho mais instáveis e menos protegidas tendem a se ampliar, fazendo com que o medo de perder o emprego apareça novamente como a principal força disciplinadora do trabalho” (p.197). A necessidade de se manterem nos espaços ocupacionais, impele os trabalhadores a se submeterem a condições cada vez mais aviltantes de trabalho. Neste sentido, crescem postos de trabalhos precarizados, terceirizados, temporários, sem garantias, sem direitos trabalhistas, sem sociabilidade, e sem 931

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI representação sindical. Antunes (2018) ressalta a ação deletéria da trípode destrutiva que o capital vem conferindo ao trabalho: “a terceirização, a informalidade e a flexibilidade” (p. 37). Conforme já mencionado anteriormente, um conjunto de medidas vem sendo adotadas para garantir a “submissão” dos trabalhadores aos ditames da acumulação capitalista ao redor do mundo. No Brasil, além da contrarreforma trabalhista, destaca- se a abusiva contrarreforma previdenciária. Além dessas duras alterações, as já implantadas e as que estão por vir, para aqueles que pertencem à classe-que-vive-do-trabalho (Antunes, 2011), cabe ressaltar que entrou em vigor, em novembro de 2017, a Lei nº 13.4673, de 13 de julho de 2017. Com mais de cem pontos de mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dentre as quais se podem elencar: a jornada de trabalho intermitente, remuneração de acordo com horas trabalhadas, negociação do tempo de descanso do trabalhador, pagamento das custas de processos de ações trabalhistas e permissão de mulheres grávidas e lactantes em ambientes de trabalho considerados insalubres. Soma-se a isso a chamada Lei da Terceirização (Lei nº 13.429/17), que permite a terceirização de qualquer atividade nas empresas, com prejuízo dos benefícios trabalhistas e aumento de tempo do trabalho temporário. Lole e Stampa (2018) afirmam que a lei supracitada revela a imagem de um trabalhador “invisível, abstrato, sem identidade própria em seu ambiente laboral, sem plano de carreira, que não incorpora conhecimento técnico, que no quadro atual não tem condições de evoluir profissionalmente e materialmente” (p.11). Deveras, a Lei da Terceirização trata de limitação de custos empresariais com direitos trabalhistas (por meio da diminuição de encargos sociais, transferindo responsabilidades trabalhistas para as empresas contratadas para prestar serviços, e, desta forma, auferem a ampliação de lucros) e a desregulamentação da legislação protetora do trabalho. O trabalho regulamentado e suas garantias – fruto de lutas dos trabalhadores por direitos sociais – vem sendo substituído por formas cada vez mais precarizadas que 3 Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nos 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. 932

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI buscam lograr uma superexploração do trabalhador. Deste modo, a desregulamentação das legislações protetoras do trabalho demonstra uma forma ainda mais perversa da precarização do trabalho. As modalidades informais, as quais não possuem garantias de direitos, vêm ganhando espaço na conjuntura atual, o que amplia o cenário de precarização. O desemprego crescente tende a provocar conformação e naturalização dos processos de precarização do trabalho na sociedade, corroborando para a ampliação da exploração da força de trabalho. Ao discorrerem sobre os impactos da terceirização, a qual está intrinsecamente ligada à precarização, Antunes e Druck (2014) ponderam que “a terceirização é o fio condutor da precarização do trabalho no Brasil” (p.20). Os autores sintetizam a prática da terceirização descrevendo que: [...] as empresas do setor industrial buscam garantir seus altos lucros, exigindo e transferindo aos trabalhadores a pressão pela maximização do tempo, pelas altas taxas de produtividade, pela redução dos custos com trabalho e pela “volatilidade” nas formas de inserção e contratos (Antunes; Druck, 2014, p.17). Antunes (2018) aponta que “se até a década de 1980 o traço distintivo da economia brasileira se encontrava na forte expansão industrial, nas últimas décadas o setor terciário vem registrando aumento na sua posição relativa em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)” (p.119). O autor afirma que a representação da nova morfologia da classe trabalhadora atual deve abarcar a totalidade dos trabalhadores e trabalhadoras assalariados que, por meio da venda de sua força de trabalho, se inserem, ou melhor, buscam se inserir na indústria, na agricultura e nos serviços, ou na estabelecida interconexão existente entre esses setores. Mattos (2019) revela que, com base nos estudos de Marx, não se deve apenas associar a classe trabalhadora ao operariado fabril, mas sim, aos sujeitos que são uma força em potencial para uma transformação revolucionária da sociedade. Nas palavras do autor: O proletariado é muito mais amplo e evolve os trabalhadores produtivos e improdutivos, empregados e desempregados, formais e informais, mais ou menos precários (embora a proletarização envolva sempre em algum grau), assalariados regulares ou não (Mattos, 2019, p. 90). 933

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Tais elementos permitem inferir que as mudanças no mundo do trabalho afetam diretamente a classe trabalhadora, levando-a a se submeter a espaços ocupacionais cada vez mais instáveis, a fim de obter seus meios de sobrevivência. Neste sentido, Braga (2016) sinaliza que o maior desafio para a classe trabalhadora brasileira é resistir a este novo ciclo de ataques aos direitos e às suas condições de trabalho, buscando formas de interromper a ampliação da espoliação dos trabalhadores. Para tanto, o autor ressalta a importância da organização política como forma de resistência. Antunes (2018) nos encoraja afirmando que já que existem mudanças na morfologia do trabalho, existe também uma nova morfologia das lutas, com inovações das maneiras de organização política e de representação do trabalho. 3 CONCLUSÃO A desregulamentação dos direitos trabalhistas conquistados, a precarização do trabalho e a flexibilização das relações trabalhistas corroboram para a fragmentação da classe trabalhadora e o enfraquecimento do seu movimento sindical. A epidemia da terceirização repercute na sindicalização dos trabalhadores, uma vez que cresce a dificuldade de sindicalizar os terceirizados por estarem mais afastados uns dos outros (sendo contratados por empresas diferentes). Além disso, grande parte do sindicalismo de terceirizados possui um cariz patronal, tendo discursos e ações que beneficiam mais as empresas do que os trabalhadores. A corrosão dos direitos trabalhistas, somada à diminuição de empregos formais, amplia a precariedade das condições de trabalho, dando espaço para trabalhos terceirizados, intermitentes, temporários se expandirem, além dos trabalhos informais. Afora isso, o desemprego se torna cada vez mais presente nesse cenário, que deixa de ser uma condição efêmera e torna-se duradouro, à medida que os trabalhadores não encontram novas vagas de empregos formais e vão improvisando meios de sobrevivência cada vez mais precários. Assim, a conjuntura hodierna é tracejada de perdas diárias para a classe trabalhadora. O Estado ignora o aumento abrupto do desemprego e o empobrecimento de grande parcela da população. O descomprometimento com aqueles que possuem 934

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI apenas a sua força de trabalho como forma de sobrevivência é revelado em cada medida desastrosa deste governo. A história da classe trabalhadora é permeada de impeditivos para a conquista ou manutenção dos seus direitos, por isso a classe trabalhadora necessita se manter na resistência para não ter os seus direitos ainda mais espoliados. A luta contra as expressões da questão social não será vencida enquanto mantivermos o atual modelo capitalista. Enquanto formos classe trabalhadora, estaremos fadados a permanecer lutando para não perdermos o que já foi conquistado. REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho? Ensaio dobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho – 15ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. ANTUNES, Ricardo. (org.). A dialética do trabalho: escritos de Marx e Engels. São Paulo: Expressão Popular, 2013. ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2018. ANTUNES, Ricardo; DRUCK, Graça. A epidemia da terceirização. In: ANTUNES, Ricardo. (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III. São Paulo: Boitempo, 2014. BRAGA, Ruy. Para muito além da exploração. In: A volta da barbárie? Desemprego, terceirização, precariedade e flexibilidade dos contratos e da jornada de trabalho. IHU On Line - Revista do Instituto Humanitas Unisinos, Nº 484, Ano XVI; 02/05/2016. HARVEY, David. 17 contradições e o fim do capitalismo. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2016. LINHART, Daniele. Modernização e precarização da vida no trabalho. In: ANTUNES, Ricardo. (org.) Riqueza e miséria do trabalho no Brasil III. São Paulo: Boitempo, 2014. LOLE, Ana: STAMPA, Inez. Hegemonia, democracia e conservadorismo no Brasil contemporâneo. IV Conferência Internacional Greves e Conflitos Sociais. Crises do Capitalismo, novas e velhas formas de protesto. São Paulo: FFLCH-USP, 2018. MACHADO, Ana Caroline Gimenes. “Tijolo com tijolo num desenho trágico”: condições de trabalho na construção civil após as demissões em massa no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2019. 935

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI MARANHÃO, César Henrique. Acumulação, trabalho e superpopulação: crítica ao conceito de exclusão social. In MOTA, Ana Elizabeth. (org.) O mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2010. MATTOS, Marcelo Badaró. A classe trabalhadora: de Marx ao nosso tempo. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2019. MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo, 2011. MONTAÑO, Carlos. Pobreza, “questão social” e seu enfrentamento. Serviço Social e Sociedade, 110, São Paulo, 2012. MOTA, Ana Elizabeth. O mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2010. SANTOS, Josiane Soares. “Questão Social”: particularidades no Brasil. São Paulo: Cortez, 2012. 936

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS SERVIÇO SOCIAL, ÉTICA E O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO: reflexões iniciais1 SERVICIO SOCIAL, ÉTICA Y EL PROYECTO ÉTICO-POLITICO: reflexiones iniciales Karina Maria Bezerra Rodrigues Gadelha1 Rafael Victor Medeiros de Sousa2 Leonardo Diego Silveira3 RESUMO A reflexão exposta neste trabalho está pautada na ontologia da ética e, por conseguinte, como a ética pode ser vista como fundamento de superação da visão societária dominante e da perspectiva do aprofundamento do projeto ético-político do serviço social. Diante do crescimento da narrativa do conservadorismo, este trabalho tem como objetivo estimular uma reflexão, embora tímida, sobre o estudo da ética e a sua contribuição crítica diante do avanço do conservadorismo. Nesse sentido, realizamos uma revisão bibliográfica para construção da pesquisa, em que utilizamos autores como carvalho Neto,2013; Barroco, 2010; Netto,1999. O estudo nos possibilitou entender que é no bojo do projeto ético-político profissional que se encontram espaços para a defesa da retórica conservadora, porém a ética estudada e refletida em sua perspectiva ontológica pode resguardar e empoderar (no seu sentido complexo) profissionais para defesa de uma sociedade plural. Palavras-Chaves: Ética, conservadorismo, projeto ético-político. 1 Resumo expandido apresentado a disciplina ética do serviço social da especialização em Instrumentalidade no serviço social no âmbito das políticas púbicas ministrada pelo professor Leonardo Diego Silveira. 1 Assistente Social Me. Meio ambiente e Desenvolvimento sustentável; aluna da pós-graduação de instrumentalidade do serviço social no âmbito das políticas públicas-FVJ. 2 Graduado em Serviço Social pela Universidade Potiguar (UnP), discente do curso de Especialização em Instrumentalidade do Serviço Social no Âmbito das Políticas Públicas da Faculdade Vale do Jaguaribe – Mossoró. E- mail: [email protected]. 3 Professor orientador. Esp. Atenção primária em Saúde(UFRN). 937

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT La reflección exposta en este trabajo se basa em lá ontologia de la ética y, posteriormente, como lá ética puede ser mirada como fundamiento de una superación de la visión societária dominante de perspectiva de aprofundamiento del proyecto ético-político dela servicio social. Mediante el crescimiento de la narrativa del conservadorismo, este trabajo tiene como objetivo estimular una reflexión, a pesar de que tímida, sobre el estudio de ética y su contribuición crítica mediante el avanzo dela conservadorismo. Neste sentido, realizamos una revisión bibliográfica para construción de la pesquisa, en que usamos autores como Carvalho Neto, 2013; Barroco, 2010; Netto, 1999. El estudio lo hizo posible compreender que en medio del proyecto ético-politico profesional que se encontran espacios para la defesa retórica conservadora, todavia la ética estudada y reflejada en su perspectiva ontológica puede resguardar y emponderar (en su sentido complejo) profesionais para defesa de una sociedade plural. KEYWORDS: Ética, conservadorismo, proyecto etico-politico. INTRODUÇÃO Discutir ética no serviço social é uma questão de extrema relevância para a obtenção da existência da profissão e da sua criticidade. Percebe-se que, na trajetória da profissão é inevitável a constância entre os pesos e medidas, ou seja, entre a realidade vivida e a realidade idealizada, seja na perspectiva crítica seja na perspectiva conservadora. Esse espaço de discussão traz, a ética como fundamento de superação da visão societária dominante e da perspectiva do aprofundamento do projeto ético- político do serviço social. Desta feita o objetivo deste trabalho é estimular uma reflexão, embora tímida, sobre o estudo da ética e a sua contribuição crítica diante do avanço do conservadorismo para tanto resgatamos uma discussão do filosofo Kant e seu imperativo categórico. Para melhor compreensão da tese, iniciamos as nossas discussões falando no tópico 2 sobre a Ontologia da ética e sua repercussão nas relações profissionais. Nesse recorte, priorizamos trazer uma discussão que o autor Carvalho Neto (2013) traz sobre o imperativo categórico de Kant e sua influência na realidade social. No tópico 3 trouxemos uma discussão sobre o reflexo da ontologia da ética no projeto ético-político 938

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI do serviço Social, nesse momento procuramos trazer um diálogo sobre a interferência do contexto neoliberal e a interferência no projeto ético- político da profissão. Para fundamentar toda a nossa discussão utilizamos como livro base Ética e serviço social: fundamentos ontológicos de Barroco (2007), e para aprofundar a pesquisa, utilizamos autores como Carvalho Neto,2013; Netto,1999. 2 A ONTOLOGIA DA ÉTICA E SUA REPERCUSÃO NAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS Na sociedade contemporânea, existem distintos filósofos e uma vasta literatura que discute, rediscute e promove discussões sobre o tema da ética. Sendo assim, falar sobre ética é entender que, sumariamente, essas discussões fortalecem teses sobre todos, ou alguns, dos aspectos da vida em sociedade e enaltece o viés de uma sociedade humanista. Porém, não vamos enveredar pelos aspectos das virtudes, do desejo, da felicidade, do amor, entre outros tantos que a ética, pela sua própria ontologia, discute. De forma pertinente, essa discussão enveredará a reflexão para compreendermos como o mais forte das teses, o imperativo categórico onde a razão é o trato fundamental para o agir humano. De acordo com Carvalho Neto (2013, p. 29): Para Kant, a essência inteligível do homem é formada pelo conhecimento cognoscitivo que conhece a natureza (sua relação de causa e efeito) e o desenvolvimento da ciência. Mas, ao mesmo tempo, é formada pela consciência moral e sua relação com o outro homem. Para o filósofo, o homem desenvolve seu conhecimento, seus atos morais, tendo a realidade ao seu redor, o que caracteriza sua afirmação no antropocentrismo, ou seja, o homem é o fim em si mesmo. Essa afirmação reforça a retórica de que o homem deve ser o sujeito dele e para ele dentro da sua coletividade. Isto posto, outro aspecto interessante ressaltado por Carvalho Neto (2013, p. 138) é: A ética como parte de uma práxis social move-se nas dimensões da vida humana, consubstanciada por categorias tais como a liberdade, a necessidade, o trabalho, engendra-se num contexto complexo e contraditório, pois como capacidade humana, é tomada por diferentes vieses. Reproduzindo a ideologia dominante do ter sob o ser; provocando o reconhecimento do ser social enquanto sujeito histórico e de direito; traçando as rupturas ou reprodução da visão de homem e mundo, a ética está 939

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI presente na realidade dos homens e para os homens, na relação entre esses, na individualidade/necessidade do eu e do coletivo. Em sua discussão, o autor ainda reforça que: A ética profissional apresenta-se nesse contexto como fundamental para legitimar os direitos e deveres das categorias profissionais. Como elucidado nesse trabalho, a ética profissional está para determinadas categorias em que seus trabalhadores lidam diretamente com vidas humanas. Isso faz com que o compromisso dessas profissões tenha um grau de responsabilidade para com a sociedade, pois o produto de seu trabalho está diretamente relacionado a um ser social, histórico e de direitos. Direitos esses muitas vezes violados pelo próprio sistema capitalista. (CARVALHO NETO,2013, p. 138) Na verdade, o que Kant traz para a vida em sociedade é a universalidade da moralidade que, por meio desta, responsabiliza ainda mais o homem a não pensar na sua individualidade e sim, na sua coletividade. Nesse sentido, antes de discutirmos sobre a relação indispensável da ética e do projeto ético-político do serviço social, necessitaremos recorrer ao discurso de Maria Lúcia Silva Barroco, em seu livro ética e serviço social: fundamentos ontológicos. Nele, a autora traz a convicção de que a sociedade é uma totalidade organizada por esferas (totalidades); porém, conforme a sociedade se complexifica, as esferas sociais podem ganhar uma certa autonomia, podendo levar a uma falsa compreensão da realidade social, ou seja: 1. de que a ideia e as suas esferas podem ser isoladas para serem analisadas; 2. de que uma categoria social tem o mesmo desenvolvimento em qualquer esfera da vida social. Tais categorias objetivam o processo de reprodução do ser social na perspectiva histórica, considerando também que a perspectiva econômica é prioritária nesse processo que pois estas categorias tem suas intensidades no contexto da reprodução (BARROCO, 2007). Essa reflexão é sumariamente necessária para, posteriormente, recorrermos a realidade ética da vida em sociedade. O caminho a seguir, aponta para a compreensão da ontologia do trabalho como pressuposto da existência humana e uma ação coletiva. A autora, citando Marx, destaca que o trabalho traz conquistas para o ser social no processo histórico de sua autoconstrução pelo trabalho, entre elas: a sociabilidade, a consciência, a universalidade e a liberdade. Diante desse entendimento (condição ontológico-social), o trabalho se objetiva socialmente, de modo determinado; responde a necessidades 940

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sócio-históricas, assim produz formas de interação humana como a linguagem, as representações e os costumes que compõe a cultura (BARROCO, 2007). Nesse lapso, o desenvolvimento da sociabilidade transforma a satisfação daquilo que, inicialmente, era uma necessidade primária para algo social na medida em que recria formas diferenciadas de satisfação, pois mudam-se os sentidos, habilidades e potencialidades dos sujeitos, ou seja, a satisfação de saciar a fome pode se transformar em algo para lá de uma condição meramente biológica. Entende-se, através da escrita da autora que, para além da sociabilidade e a universalidade, o trabalho implica um certo conhecimento da natureza e da valoração dos objetos. Deste modo, se é dada a gênese da consciência humana como capacidade racional e valorativa. Nessa perspectiva, o ser social, por ser capaz de agir teologicamente, transforma suas necessidades e formas de satisfação em novas perguntas. Nesse sentido, é importante, nesse momento, considerar a ideia de Kant, a busca pela universalidade da moralidade talvez coloque em lugar mais adequado a convivência e o respeito à humanidade. É através da capacidade de autoconsciência humana que se evidencia pelo movimento do trabalho, que o homem personifica suas intenções e seus projetos. A partir daí, somado a autonomia como fruto da capacidade de autodeterminação do ser social, se tem o núcleo gerador da liberdade e da ética. Desta forma, Barroco (2007) afirma que, a universalidade, a sociabilidade, a consciência e a liberdade são capacidades humano- genéricas que se manifestam através da práxis e que variam na sua intensidade mais ou menos nas diversas esferas sociais. Conforme a sociedade e o conhecimento se tornam complexos, o próprio conhecimento deixa de ser apenas uma capacidade humana para se institucionalizar na esfera moderna. Desta forma, aprofundando a discussão, a autora remete que a gênese da moral “(...) é dada pela capacidade ética de criar valores que servem de referência à conduta dos indivíduos, em sua convivência social” (BARROCO, 2007, p. 28). Assim sendo, “Na medida em que ela se institucionaliza em normas e deveres sociais, adquire a aparência de uma esfera social particular, como a do direito” (BARROCO, 2007, p. 28). O fundamento dessa relação se justifica quando a autora expõe que a valoração de um objeto supõe sua existência material concreta e seu valor corresponde a uma práxis que o transformou em algo novo que responde as suas necessidades e como tal é bom, útil, belo etc. Por isso, o valor não é uma decorrência somente da subjetividade 941

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI humana, é produto da práxis. A práxis corresponde a matéria, formas de interação cultural entre os homens. Nesse contexto de interação, influenciar e ser influenciado emerge a necessidade de desenvolvimento da sociabilidade, ou seja, a práxis existe pela condição de objetivar uma transformação da realidade na sua dimensão consciente, valorativa, cognitiva, teleológica. Ela ocorre pelas suas várias formas, tendo como base ontológica primária: a objetivação do trabalho. É importante considerar que a autora reforça a ideia da gênese das escolhas e alternativas de valor como indissociáveis da práxis, daí são categorias objetivas e históricas; assim sendo, o produto da práxis é a expressão concreta da transformação operada subjetiva e objetiva das relações entre sujeito e objeto, entre os indivíduos e o gênero humano. Diante desta reflexão, entende-se que, o valor é uma categoria ontológico-social, na qual pode-se considerar as várias expressões de valor como mediações no desenvolvimento histórico do ser social (BARROCO, 2010). 3 REFLEXOS DA ONTOLOGIA DA ÉTICA NO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL É indissociável a trajetória de constituição da profissão e seus rebatimentos no seu contexto ético. Na medida em que a profissão vai se institucionalizando, profissionalizando, ela vai se compreendendo, dentro do seu espaço, o seu fazer e a sua ética. Nesse interim, não é difícil compreender que a marca ontológica do serviço social é o seu processo de transformação histórica. Assim, se torna necessário enfatizar que esse processo não findou, ele está em constante transformação. A questão emblemática é que depois que a profissão ultrapassa alguns percalços de caráter político e identitário os códigos de ética vão se manifestando e demonstrando esse processo; mesmo assim, ainda nos deparamos com um significativo conflito dentro da profissão. Hoje, com o avanço do conservadorismo estrutural, a identidade da profissão, fortalecida pelo código de ética, passa a estremecer e servir ao próprio discurso conservador de instrumento para o seu fortalecimento. É importante compreender que a essência das discussões do código de ética atual da profissão foi construída e rebatida dentro do contexto da ontologia da ética. Isso significa que todo arcabouço teórico-metodológico, técnico-operativo e ético-político, embutido nessa construção, deixam clara a 942

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI identidade profissional. Embora existam literaturas de entendimento contraditório sobre os princípios da liberdade e da democracia, estes, são relevantes no processo de reconhecimento da ética no Serviço Social. As literaturas adversas não devem trazer como consequência o desacato ao “outro”. O que deve ser levado em consideração, nesse momento de discussões opostas, é o resultado que esses posicionamentos podem trazer como consequências para a sociedade e, principalmente para o nosso usuário. Ao discutirmos sobre a ontologia da ética, percebe-se que esse posicionamento vem à tona e enriquece a “nova” realidade, ou seja, a nova onda conservadora. Reconhece-se que essa outra realidade, na verdade, ela nunca desapareceu. Essa, portanto, se utiliza de algumas ferramentas para sua defesa como já citadas anteriormente, porém, o que vai diferenciar é o resultado dela; de como e contra quem ela vai recair. Realizado esta discussão, o Projeto Ético-Político (PEP) do Serviço Social é reflexo do processo histórico e a sua materialidade decorre da lei que regulamenta a profissão (Lei 8.662/93), do código de ética profissional e das Diretrizes Curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Nessa realidade, o projeto ético-político é resultado do esforço e organização da categoria profissional, com posicionamentos críticos ao modo de produção capitalista, se posicionando em favor da construção de um projeto societário diferente ao do capital. Podemos entender que os projetos societários: são projetos coletivos; mas seu traço peculiar reside no fato de se constituírem como projetos macroscópicos, como propostas para o conjunto da sociedade. Somente eles apresentam esta característica – os outros projetos coletivos (por exemplo, os projetos profissionais, de que trataremos adiante) não possuem este nível de amplitude e inclusividade (NETTO,1999). Desde o código de 1986 a categoria deixou clara a sua defesa por um projeto societário diferente ao do capital. A atuação dos profissionais do serviço social deveria está focada na atenção e na viabilização dos direitos da classe trabalhadora. Esse alicerce, constituído na luta profissional, se torna de observância prioritária, uma vez que ao oposto disso teríamos um processo de contraposição ao que a ética nos traz. 943

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O PEP, se constituiu entre as décadas de 1970 e 1980; se estruturou durante a década de 1980 e 1990; e se consolidou durante a década de 1990, logo, o projeto profissional significa, a autoimagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas (inclusive o estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais) (NETTO,1999). Nesse contexto, Netto (1999) afirma que, em virtude da sua abertura democrática no corpo do projeto ético-político, os profissionais que constroem um projeto de profissão são diferentes, pensam diferente, possuem origens e posições diversas. Assim sendo, o corpo profissional não é uma unidade homogênea e, portanto, existem projetos individuais e societários distintos. Devido essa pluralidade, podem surgir projetos profissionais diferentes. É no cenário de contradições que emerge e se fortalece as ordens conservadoras. Desse modo, é importante trazer uma reflexão que Barroco (2007) faz no seu livro que podemos nos apropriar para essa realidade. Considerando a dinamicidade da totalidade da vida em sociedade, a autora se questiona: qual o lugar da ética? Existe uma esfera específica para a ética? quais são as categorias fundantes que tencionam as particularidades da totalidade social? Na discussão ontológica da ética, Barroco (2007) reforça mais questionamentos, a saber: quais são esses valores? Ético, estéticos, religiosos, científicos. Suas categorias orientadoras são: bom e mau, belo e feio, verdadeiro e falso, sagrado e profano. Porém, esses valores variam de forma diferenciada na esfera da vida social, ou seja, as objetivações humano-genéricas não são apropriadas por todos os indivíduos e é nesse sentido que a autora cita Karl Marx afirmando, que gostos e aptidões a realização da liberdade, da sociabilidade, da universalidade, da consciência correspondem a riqueza humana. 4 CONCLUSÃO 944

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A retórica que se trouxemos nesse trabalho nos possibilitou uma reflexão sobre o poder que o pensamento conservador tem de buscar argumentos legítimos em defesa da sua utilidade. A utilização dos princípios do código de ética e do projeto ético político são interpretados e vistos como meios para se defender a bandeira neoliberal. Também, esses mesmos elementos, quando bem estudados, discutidos, dialogados na sua plenitude fortalecem os argumentos mais democráticos em defesa aos usuários e das políticas públicas. Assim, quando trazemos à tona discussões sobre a ontologia da ética, o imperativo categórico de Kant através de Carvalho (2013) e José Paulo Netto (2013) trazemos um fundamento, mais do que suficiente para apostarmos que esses fundamentos que foram dialogados nesse texto, nos servem como arcabouço para acima de tudo compreender que enquanto para dialogarmos e refletirmos sobre tal temática mais nos distanciaremos dos argumentos conservadores. REFERÊNCIAS CARVALHO NETO, Cacildo Teixeira de. Ética, ética profissional e o trabalho profissional do assistente social. Dissertação (Mestre em Serviço Social). UNESP.FRANCA. 2013 BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética e serviço social: fundamentos ontológicos. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2007. NETTO, J. P. A construção do projeto ético-político contemporâneo. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social. Módulo 1. Brasília: CEAD/ABEPSS/CFESS, 1999. 945

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS POBREZA E O ATO INFRACIONAL PRATICADO POR ADOLESCENTES SE CONFIGURA COMO UMA EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL? DOES POVERTY AND THE INFRACTIONAL ACT PERFORMED BY ADOLESCENTS CONFIGURE AS AN EXPRESSION OF THE SOCIAL ISSUE? Carmem Letícia dos Santos1 Francislane Viana da Cruz2 Maria de Jesus da Silva Lopes3 Thais Tássia Pereira da Silva4 RESUMO O presente artigo traz uma discussão crítica acerca da relação da pobreza, sendo a mesma uma expressão da questão social, com o ato infracional praticado por adolescentes. É um estudo de abordagem qualitativa. O método dialético foi utilizado para analisar os dados coletados e explanar resultados compatíveis aos objetivos propostos. Abordaram-se as características da adolescência, assim como os direitos dos adolescentes que não são efetivados, o que resulta em mazelas sociais. As conclusões obtidas demonstraram que a condição de pobreza, vulnerabiliza os adolescentes, os deixando desprotegidos diante de situações precárias e que sua relação com o ato infracional, exige do Estado efetivação de políticas de prevenção e proteção, capaz de atender suas necessidades e seus direitos, visto que essa relação também é uma realidade recorrente que se configura como uma expressão da questão social. 1 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: [email protected]. 2 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: [email protected]. 3 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: [email protected]. 4 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: [email protected]. 946

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Palavras-Chaves: Pobreza. Adolescente. Questão Social. ABSTRACT This article brings a critical discussion about the relationship of poverty, which is an expression of the social issue, with the infraction practiced by adolescents. It is a study of qualitative approach. The dialectical method was used to analyze the data collected and explain results compatible with the proposed objectives. The characteristics of adolescence were addressed, as well as the rights of adolescents who are not enforced, which results in social problems. The conclusions obtained showed that the condition of poverty makes adolescents vulnerable, leaving them unprotected in the face of precarious situations and that their relationship with the infraction requires the State to implement prevention and protection policies, capable of meeting their needs and rights, since this relationship is also a recurring reality that is configured as an expression of the social issue. KEYWORDS: Poverty. Teenager. Social issues. INTRODUÇÃO A construção dessa pesquisa se dá pela necessidade de conhecer a realidade dos adolescentes que cometem ato infracional, por meio de uma análise crítica que nos permita perceber a condição de pobreza que estão submetidos estes adolescentes. A pobreza como expressão da questão social, faz com que os adolescentes pobres vivenciem uma realidade na qual sofrem preconceito e discriminação, isso intensifica ainda mais sua condição de pobreza, levando assim os adolescentes a praticar ato infracional. A condição de pobreza é marcada pela omissão do Estado, ausência de políticas públicas universais x focalização delas, culpabilização dos adolescentes pela sua condição socioeconômica, extrema desigualdade, violação de direitos, desproteção dos sujeitos, dentre outros. Este é o cenário atual de um sistema capitalista desigual. O fenômeno ato infracional praticado por adolescentes tem se configurado como um fator atual, visto que a precarização das políticas públicas decorrentes de um Estado neoliberal permite um maior risco de vulnerabilidade vivenciada pelos adolescentes, violando assim seus direitos. É importante salientar que o Estatuto da criança e do adolescente (ECA) trouxe avanços no reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, sendo que as condições dignas devem ser asseguradas e efetivadas desde a infância, 947


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