ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI NASCIMENTO, A. M. Normas da OIT sobre condições e relações de trabalho. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 78, 78-86. 1983. Acessado em: http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66980. Acesso em: 17 fev 2020. OIT. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. O que é trabalho forçado? 2018. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho- escravo/WCMS_393058/lang--pt/index.htm Acesso em: 16 fev. 2020. ______. Normas Internacionais sobre Trabalho Forçado. [?]. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-escravo/WCMS_393063/lang-- pt/index.htm. Acesso em: 17 fev. 2020. ORSI, R. Reflexões sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade: o que o IDH e o IDHM podem nos mostrar? Tese de Doutorado. Universidade Estadual Paulista. Rio Claro, 2009. TUDE, João Martins. Organizações intergovernamentais: uma reflexão a partir da perspectiva intelectual de Karl Polanyi. Tese (Doutorado - Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração); orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Sanchez Milani – Universidade Federal da Bahia - Salvador, 2014, 296p. Disponível em: http://www.adm.ufba.br/sites/default/files/publicacao/arquivo/tese_nova_revista_fin al_fevereiro_2014.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020. VISENTINI, Paulo Fagundes; PEREIRA, Analúcia Danivelicz. História mundial contemporânea (1776-1991): Da independência dos Estados Unidos ao colapso da União Soviética – 3ed. rev. e atualizada. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2012. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/1005-Manual_do_Candidato_- _Historia_Mundial_Contemporanea_1776-1991.pdf. Acesso em: 12 fev. 2020. 698
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS MAPEAMENTO SOBRE MIGRAÇÃO E TRABALHO ESCRAVO NO CONTEXTO DA BAIXADA MARANHENSE MAPPING ABOUT MIGRATION AND SLAVE LABOR IN THE CONTEXT OF BAIXADA MARANHENSE Joyce Erica Amaral Sousa1 Flávia de Almeida Moura2 RESUMO O presente trabalha refere-se a pesquisa em andamento e tem por objetivo fazer um levantamento de dados que possibilitem identificar a correlação existente entre migração e trabalho escravo na baixada maranhense assim como investigar junto aos movimentos socias os principais mecanismos que possibilitam a saída desses trabalhadores dos de seus territórios em busca de trabalho podendo ou não ingressar em modalidades degradantes de trabalho nos municípios: Pinheiro, Santa Helena, Penalva e Viana. Pretende-se aproximação com a realidade social da baixada maranhense com fins a dar subsídios para uma investigação posterior, que pretende traçar trajetórias de trabalhadores da dessa região. Palavras-Chaves: Migração. Trabalho Escravo Contemporâneo. Baixada Maranhense. ABSTRACT The present work refers to ongoing research and aims to survey data that make it possible to identify the correlation between migration and slave labor in the Baixada Maranhão region, as well as to identify with the social movements the main mechanisms that enable these workers to leave of their territories in search of work, which may or 1 Graduanda em Serviço Social da UFMA e bolsista PIBIC-FAPEMA (2020-21). E-mail: [email protected]. 2 Professora do Departamento de Comunicação Social da UFMA e coordenadora do projeto em curso. Doutora em Comunicação pela PUC-RS e Mestre em Ciências Sociais pela UFMA. Orientadora deste trabalho fruto de iniciação científica. E-mail: [email protected]. 699
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI may not enter degrading forms of work in the municipalities: Pinheiro, Santa Helena, Penalva and Viana. It is intended to approach the social reality of the Baixada Maranhão in order to provide subsidies for further investigation, which aims to trace the trajectories of workers from that region. Keywords: Migration. Contemporary Slave Labor. Baixada Maranhense. INTRODUÇÃO Este estudo é parte integrada da pesquisa em andamento3 que busca traçar trajetórias de vida de trabalhadores (as) rurais na Baixada Maranhense. Dessa forma, o objetivo preponderante desse trabalho é fazer um levantamento de dados que possibilitem identificar a correlação existente entre migração e trabalho escravo na baixada maranhense assim como investigar junto aos movimentos socias os principais mecanismos que possibilitam a saída desses trabalhadores dos de seus territórios em busca de trabalho podendo ou não ingressar em modalidades degradantes de trabalho nos municípios: Pinheiro, Santa Helena, Penalva e Viana, uma vez que do montante de trabalhadores resgatados que são naturais do Maranhão, um total de 296 trabalhadores (a) tinham como referência de local de origem as quatro regiões supracitadas, segundo o Observatório Digital do Trabalho Escravo (SMARTLAB MPT/OIT, 2018). Essa pesquisa é de caráter exploratório e seu corpus documental é composto por dados selecionados e sistematizados do Observatório Digital do Trabalho Escravo (SMARTLAB MPT/OIT, 2018). Faz-se uso de entrevistas com agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e representantes do Movimento Interestadual de Quebradeiras De Coco Babaçu (MIQCB) que atuam diretamente na região da Baixada Maranhense. Dessa forma, este trabalho será divido em duas partes principais: Num primeiro momento um estudo teórico sobre o trabalho escravo no Brasil e no Maranhão, e num segundo momento, um estudo exploratório que traz a sistematização dos dados coletados e elementos necessários para pensarmos o trabalho escravo na Baixada Maranhense por intermédio da parceria com os movimentos sociais. 3 Projeto: Comunicação, Migração e Trabalho Escravo Contemporâneo: trajetórias de trabalhadores (as) rurais da Baixada Maranhense (2019-2021), coordenado pela Prª Drª Flávia de Almeida Moura. 700
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 CARATERIZAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORANEO O trabalho escravo contemporâneo se caracteriza através da supressão de direitos essenciais ao indivíduo especialmente o direito fundamental da dignidade através do cerceamento da liberdade e da ausência de condições mínimas de saúde, segurança e trabalho. Fatores como a pobreza, a marginalização social, não acesso à terra aliados as desigualdades sociais e regionais constituem a perpetuação dessa problemática. Apesar das semelhanças entre o trabalho escravo moderno e aquele vivenciado no período colonial, é importante frisar que, essa forma moderna de superexploração do trabalhador (a) ultrapassa as barreiras da ilegalidade e até mesmo os fundamentos econômicos do sistema capitalista já que esse absorve e reintegra formas arcaicas para a obtenção do lucro e gerar mais valia. Sakamoto (2006) salienta que o trabalho escravo não é resquício do processo de expansão do capital, mas sim um instrumento que se manifesta nas franjas do sistema, que se desmembram através da flexibilização das leis trabalhistas e das políticas neoliberais. Atualmente os termos mais usados no Brasil são “condição análoga a de escravo” para o discurso jurídico, ou “trabalho escravo contemporâneo” como uma categoria analítica da Sociologia brasileira. O Código Penal Brasileiro, em seu art. 149, o conceitua e o caracteriza pela submissão a “trabalhos forçados ou jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção.” (BRASIL, Código Penal, art. 149). Segundo a OIT (2005), o trabalho escravo contemporâneo possui a mesma violência aos direitos humanos daquele vivenciado no passado “e é tão vantajoso para os empresários quanto na época do Brasil colônia e do império, pelo menos do ponto de vista financeiro e operacional”, sendo adotada por muitas empresas para diminuir os custos de produção (OIT, 2005, p.3). Essa forma massacrante de exploração do trabalhador é muito mais que o descumprimento de leis trabalhistas pois ele se configura como o trabalho degradante aliado ao cerceamento da liberdade e mascarado pela relação de compra e venda da força de trabalho. 701
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Após reconhecer internacionalmente a presença dessa forma de exploração do trabalho, o estado brasileiro vem tomando algumas importantes ações desde a década de 1990, criando estruturas governamentais e mecanismos para repressão e prevenção ao trabalho escravo no país. Contudo, diariamente são registrados casos de condições análogas a de escravo provenientes de diversas cadeias produtivas, não se restringindo mais a fazendas no meio rural, sendo presente pincipalmente em atividades dependentes de trabalho manual, na agropecuária, no extrativismo e em empreendimentos de modernização incompleta, tais como a construção civil e a produção têxtil (SAKAMOTO, 2014). Desde 1995, mais de 53 mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas a de escravo no território brasileiro. As regiões com maior prevalência de naturalidade dos trabalhadores resgatados são das regiões do Piauí, Pará, Bahia, Ceará, Maranhão e Alagoas. Enquanto uma questão complexa o trabalho escravo contemporâneo se intensifica quando falamos de homens e mulheres do campo pois a falta de políticas de inserção social, a não solução da questão agraria e o desemprego estrutural deixa homens e mulheres do campo a mercê da dinâmica social tendo que concorrer desigualmente no mercado de trabalho contra a produção em massa do agronegócio. Dessa forma, inseridos em condições de vulnerabilidade através da extorsão dos meios de produção, a exclusão da riqueza socialmente produzida e a privação de direitos sociais, como a terra, para manutenção de sua subsistência acabam utilizando da migração, seja ela sazonal ou permanente, como a única opção viável para manutenção da renda. Martins (2010) ressalta que as medidas exponenciais que levaram a gradativa e segura abolição da escravidão são matrizes que influenciam a coerção da força de trabalho na contemporaneidade. “O país inventou a fórmula simples da coerção laboral do homem livre: se a terra fosse livre, o trabalho tinha que ser escravo; se o trabalho fosse livre a terra tinha que ser escrava” (MARTINS, p. 3, 2010). Mantendo assim através de uma nova ordem econômica a permanência da exploração de trabalhadores (as). Uma característica própria do trabalho escravo contemporâneo é o deslocamento compulsório, sejam eles permanentes ou temporários, do trabalhador rural para exercer atividades, em outras localidades, sejam elas próximas ou não da sua região de residência. As lógicas migratórias seguem o curso para aqueles locais de 702
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI atração, tanto de mão de obra, quanto a acesso a bens e serviços necessários para necessidades sociais básicas, isso também é fator preponderante das grandes desigualdades regionais que criam áreas tanto de atração como de expulsão dos migrantes (SOUSA, 2020). Não se entende a migração como um problema em si, mas como resultado de inúmeros problemas gerados por contextos históricos e sociais. A problemática aqui abordada são os fatores que influenciam na migração e as condições nas quais essa migração ocorre, que geralmente constituem-se como migrações forçadas, sejam elas por fatores econômicos, sociais ou políticos, podendo levar ou não o trabalhador a serem submetidos a condições análogas a de escravo (MARTINS, 2002). O principal aspecto da migração (...) está no fato de que migram quase sempre dispostos a aceitar condições degradantes de trabalho, humilhações e más condições de vida; de que migram temporariamente dispostos a renunciar a concepções mínimas e básicas de decoro, dignidade e direitos. São migrantes, portanto, os que colocam temporariamente entre parênteses o sentido de pertencimento e voluntariamente se sujeitam a situações de anomia, de supressão de normas e valores sociais de referência. (MARTINS, 2002, p. 144) Os fluxos migratórios no Brasil geralmente ocorrem em razão dos fatores econômicos, uma vez que o sistema social vigente transforma as pessoas em proprietárias de uma única coisa, a força de trabalho obrigando-os a se deslocarem em busca de melhores condições de vida. Dessa forma, migração também deve ser entendida uma estratégia de sobrevivência e resistência de trabalhadores brasileiros, especialmente dos trabalhadores rurais. Os escravos modernos tem suas vidas cerceadas não mais pela coação de liberdade subsidiado pela legalização da propriedade do outro, mas suas amarras são sociais e firmadas por uma ideia de liberdade abstrata dentro de um sistema que os deixa desprovidos de terra, educação e quaisquer direitos sociais. Como aponta Neide Esterci (1994), de todas as formas de imobilização da mão de obra para o trabalho escravo a mais presente hoje na sociedade brasileira é a imobilização por dívida, que ocorre sobretudo no campo brasileiro, no qual os trabalhadores contraem dívidas com seus empregadores ou como aliciadores, os gatos, antes mesmo de saírem dos seus respectivos municípios, tendo por sua vez pagar pelas ferramentas de trabalho sendo submetidos a trabalho árduos em horas exaustivas de trabalho, sem receber nada ou o 703
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mínimo por esse trabalho e sem ter a liberdade de deixar esse trabalho sem antes pagar a dívida contraída com seu empregador. Assim “os escravos de hoje não são amarrados por correntes de ferro, mas por dívidas e exploração” (ESTERCI, 1994, p. 28). 3 TRABALHO ESCRAVO NA REGIÃO DA BAIXADA MARANHENSE: PONDERAÇÕES JUNTOS AOS MOVIMENTOS SOCIAIS Em meio às estatísticas nacionais, o Maranhão ainda se encontra entre as federações que mais exportam mão de obra escravizada. De 2003 a 2018, cerca de 8.119 trabalhadores maranhenses foram resgatados em situação análoga à escravidão em outros estados do país enquanto 2.699 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão dentro do território maranhense (SMARTLAB MPT/OIT, 2018)4. Em uma perspectiva regional, os municípios de Codó5, Bom Pastos, Imperatriz, Açailândia e Santa Luzia são os que mais apresentam a prevalência do trabalho escravo contemporâneo. A região da Baixada Maranhense chama a atenção em relação ao número expressivo de trabalhadores que, naturais ou residentes dessa região, foram submetidos a condições análogas a de escravo. Há uma escassez de estudos qualitativos sobre existência do trabalho escravo contemporâneo nessa região embora 935 dos trabalhadores que foram resgatados de condições análogas a de escravo tenham apresentado que são naturais de um dos 21 municípios dessa microrregião. Existe também nessa região municípios que fazem a utilização de trabalho análogo à escravidão: Em Monção, foram encontradas 31 vítimas de trabalho escravo em 2007; E Bela Vista do Maranhão com 17 vítimas também no ano de 2007 (SMARTLAB MPT/OIT, 2018). Buscando uma aproximação com a realidade social da Baixada Maranhense que este trabalho se firma em buscar entender as lógicas migratórias e como essas podem influenciar na incidência de trabalho escravo entre os trabalhadores dessa região. 4 O Observatório digital do Trabalho Escravo (SMARTLAB MPT/OIT) organiza informações sobre o trabalho escrava em uma perspectiva nacional, estadual e municipal, tendo como principais fonte os dados do Seguro-desemprego do Trabalhador Resgatado, do Sistema de Acompanhamento do Trabalho Escravo (SISACTE) e do Sistema COETE (Controle de Erradicação do Trabalho Escravo), e os dados Brutos que foram tratados e analisados pela SMARTLAB do Ministério da Economia do Brasil. 5 Codó (MA) é o terceiro maior fornecedor de mão de obra escrava do país, ficando atrás de Amambai/ MS e de São Paulo/SP. 704
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Apesar dessa região se constituir de 21 municípios, nos atentaremos apenas à análise dos municípios de Pinheiro, Santa Helena, Penalva e Viana, que compõem o universo da pesquisa em andamento na qual este estudo está vinculado, conforme mostra a Tabela 1. Para tanto, as informações coletadas serão cruzadas com as informações recolhidas em encontros com os movimentos sociais, CPT e MIQCB, que aconteceram nos dias 22 e 29 de outubro de 2019. Dessa forma, compreendemos os movimentos sociais como uma mediação legítima para a concretização desse estudo e fundamentais para a apreensão de elementos que são estruturantes para o objeto estudado. Assim, a nossa primeira aproximação com o campo por intermédio dos movimentos sociais que atuam diretamente na região se deu com o objetivo de compreender a questão socioeconômica, as lógicas migratórias, bem como os canais de denúncia e aliciamento para o trabalho escravo na Baixada Maranhense. Tabela 1: Trabalho escravo em municípios da Baixada Maranhense (2003- 2018) Federação/ Município População (IBGE, 2018) Resgatados Resgatados Domiciliados Naturais MARANHÃO 7, milhões 6.486 8.119 MUNICÍPIOS DA BAIXADA MARANHENSE 56 107 70 Pinheiro 82,990 105 30 54 10 Santa Helena 41,770 30 Penalva 38,203 Viana 52,229 Fonte: Tabela elaborada pela autora a partir da sistematização dos dados disponíveis na plataforma digital do Observatório do Trabalho Escravo (SMARTLAB MPT/OIT, 2018) Os quatros municípios situados na região da Baixada Maranhense somam, conforme aponta a Tabela 1, um total de 296 trabalhadores naturalizados dessas regiões que foram encontrados em condições análogas à escravidão. A expressão territorial do trabalho escravo contemporâneo no município de Pinheiro (107 trabalhadores), entre os quatro municípios analisados, é a mais latente em números, seguidos do município de Santa Helena (105 trabalhadores), Penalva (54) e Viana (30). O Observatório Digital do Trabalho Escravo ainda nos fornece um perfil mínimo desses trabalhadores. Sousa (2020) ao fazer o levantamento do grau de escolaridade, nos mostra que existe um hiato educacional para esses trabalhadores. A maioria dos 705
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI resgatados domiciliados e naturais estudaram até o 5° ano do ensino fundamental e a segunda maior quantidade paira sobre o analfabetismo, demonstrando grau de vulnerabilidade, sobretudo de políticas públicas, a que estão impelidos. As cadeias produtivas nas quais esses trabalhadores são encontrados são aquelas que requerem maior esforço manual e que exigem pouca ou nenhuma qualificação, ofertando inclusive os menores salários por determinadas ocupações, como por exemplo a criação de bovinos para corte e o cultivo de arroz. (SOUSA, 2020). Os dados do Observatório Digital ainda proporcionam a visualização dos fluxos migratórios traçados por esses trabalhadores. Esses dados são sistematizados a partir do local do resgate e o local que eles apontam como local de residência (Ver gráfico 1). Gráfico 1: Locais de resgates dos trabalhadores rurais que são naturais /domiciliados nos municípios de Pinheiro, Santa Helena, Penalva e Viana. INTRAESTADUAL MARANHÃO MATO GROSSO TOCANTINS PARÁ 47% 45% 1% 7% Fonte: Gráfico elaborado pela autora a partir da sistematização dos dados disponíveis na plataforma digital do Observatório do Trabalho Escravo (SMARTLAB MPT/OIT, 2018) Os fluxos migratórios desses trabalhadores são concentrados em migrações intrarregional para diversos municípios do estado do Maranhão, sendo os de maior prevalência os municípios de Santa Luzia e Pindaré Mirim; e interestadual para cidades do estado de Mato Grosso, Tocantins e Pará, sendo este último o local com o maior número de trabalhadores resgatados provenientes das quatro regiões estudadas, sendo concentrados nos municípios de Ulianópolis e Paragominas. Essas migrações devem ser percebidas enquanto um processo que ocorre dentro de um contexto histórico, cultural e econômico no qual os indivíduos se encontram privados de possibilidades de desenvolvimento em seus locais de origem o que obrigam a saírem de seus municípios em busca de sobrevivência. 706
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Então os caras botam a cerca e fica pedindo renda para poder desenvolver sempre prisões em relações de trabalho. E aí chega na parte da mineração que tem outros espaços na Baixada já chegando perto do Pará, que tem atraído nossa juventude para a mineração, tem uma Comunidade chamada \"Chega Tudo\", ali perto de Governador Nunes Freire que já em Pinheiro a gente soube que tem gente indo pra lá. Tem muita gente da Baixada lá, Santa Helena, Peri mirim, trabalhando lá no garimpo. (Trecho de entrevista com Saulo Costa, agente da CPT, concedida no dia 22/10/2019) Questões como vulnerabilidade, disputa territorial e de identidade são elementos fundamentais para entender a questão migratória na região e podem ser muito mais diferenciadas do que os estudos que apontam para outras regiões do Maranhão. Dessa forma, a migração tem relação com “uma condição de precarização que passa pela terra e que os trabalhadores ficam totalmente vulneráveis e acabam migrando” (AGENTE DA CPT, entrevista concedida no dia: 22/10/2019). A migração nessa região está ligada também a esperança de melhores condições de trabalho e renda. A outra pontuação assim é sobre acompanhar lá na Baixada, porque eu estive em vários momentos com as agentes, então a gente vê muito essa discussão do sair na esperança ainda de buscar um trabalho fora, mas eles estão dentro de um território quilombola que tem muitas potencialidades, muitas formas, só que fica com aquela que se for pra fora vai conseguir algo melhor. E aí alguns saem, né? (Trecho de entrevista com Brígida Rocha, agente da CPT, concedida no dia 22/10/2019) Assim como também pontuam elementos de expulsão e de disputas locais que colocam em xeque o próprio desenvolvimento da comunidade, como o caso apontado na entrevista por eles sobre a tentativa de rompimento de atividades de trabalho escravo dentro de um território do Quilombo de Nazaré6, no município de Serrano (MA), onde adolescentes estavam sendo submetidos a condições de trabalho escravo e infantil na retirada de areia. Ainda nos é relatado que nas visitas à Baixada Maranhense e em conversas com os outros movimentos que acompanham essa aérea, como o Movimento dos Quilombolas do Maranhão (MOQUIBOM), eles enfatizam que sempre existem relatos de migração e submissão de pessoas a condições análogas a de escravos. 6 Matéria sobre trabalho infantil e trabalho análogo ao escravo no Quilombo de Nazaré em Serrano/MA, reportagem da ONG Repórter Brasil, 2017 << https://reporterbrasil.org.br/retomada-quilombola/novas- geracoes/>> 707
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O não direito à permanência no território em razão da violência e expropriação das terras faz com que essas saídas sejam protagonizadas, inclusive, por pessoas que são envolvidos politicamente na luta do território e que são lideranças dentro da comunidade. Isso aparece muito.... entendeu? Isso é um desafio que aparece demais. Inclusive toda vez que alguma jovem, que é liderança, que tá se destacando politicamente resolve sair é uma tristeza né. Até recentemente teve todo um convencimento da Pretinha, Gamela, que é super bacana uma jovem que tá sempre na luta política, foi lá pro Mato Grosso e Rosa e Bárbara sofrendo com isso, porque tentaram convencer de ela não ir mas ela foi porque tinha... sempre tem essas coisas. E aí é uma coisa que... que as quebradeiras tem sofrido lá, assim, nesse processo de tentar envolver a juventude. Eu acho que tem, assim, não é só essa questão do trabalho escravo (...), mas tem muito a ver com esse fetiche do trabalho assalariado, do capital, de poder ter, né, um dinheiro, assim, trabalhar e receber diretamente, né? (Trecho de entrevista com Juliana Funnari, representante do MIQCB, concedida no dia 29/10/2019) As representantes do MIQCB também mencionam que para além do cerceamento do território e socioeconômico, também existe um cerceamento dos sonhos dos jovens que pertencem a essa região, já que eles convivem desde pequenos com a violência e expropriação protagonizados pelos conflitos agrários. Percebemos também em suas falas as estratégias realizadas pela família daqueles que migram, onde geralmente os homens migram sazonalmente e as mulheres ficam com a responsabilidade de cuidar da roça. A questão da produção. A gente pode não ter esses dados diretos no trabalho, porque não é assim, o foco do trabalho, mas como isso também, né? Das mulheres... que são as mulheres assumem as famílias né, mais ainda, na ausência, quando eles saem pro trabalho temporário(...) Elas assumem a roça, o coco e todo o cuidado com a casa, com os filhos né.... E também tem muitas mulheres que vão pra colheita. Muitas vezes vão a mulher e (os maridos) e os avós que assumem mais essa responsabilidade de criar outra geração por conta dessa movimentação. (Trecho de entrevista com Carol Magalhães, representante do MIQCB, concedida no dia 29/10/2019) A migração, nessa perspectiva, deve ser percebida como uma estratégia de sobrevivência que ocorre a partir da expectativa de contar com apoio de uma rede de relações pessoais, construídas no local de origem. Dessa forma, a pessoa que migra para garantir a própria sobrevivência e de sua família, produz estratégias, tanto no “lugar de origem”, como no “lugar de destino” (SILVA; MENEZES, 2006). 708
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quadro 1: Migração e Trabalho Escravo na Baixada Maranhense. MIGRAÇÃO E TRABALHO ESCRAVO NA BAIXADA MARANHENSE • Economia familiar - Roça de subsistência ECONOMIA • Politicas Publicas de distribuição de Renda • Extrativismo; Pesca (Acesso aos campos naturais); Criação de Pequenos Animais • Não acesso à terra FATORES DE • Conflitos agrários EXPULSÃO • Falta de políticas sociais (trabalho e educação) • Migrações Sazonais MIGRAÇÃO • Busca de trabalho e renda (Agronegócio e construção civil) • Calendário de migração para trabalho relacionado a festejos religiosos) • Identidade cultural • Quem mais sai são os jovens (homens e mulheres) • Redes familiares; redes de amizade TRABALHO • Relatos: trabalhadores entram e saem de condições análogas a escravas sem ESCRAVO ser resgatados pelo estado • Trabalho escravo e trabalho infantil no quilombo de Nazaré, no município de Serrano (MA). Fonte: Quadro elaborado pela autora a partir da conversa com os movimentos sociais, CPT e MIQCB. O mapeamento de base exploratória sobre migração e trabalho escravo na Baixada Maranhense permitiu traçar sistematizações preliminares do que seja a distribuição do fenômeno por esse território assim como os fatores que favorecem a reprodução dessas formas de superexploração da força de trabalho inclusive no próprio território. De antemão, o quadro permite observarmos que os padrões do fluxo migratório constituem em bases históricas que reverberam o não acesso a políticas sociais como o emprego, educação e em especial o acesso à terra para a reprodução familiar haja visto que nessa localidade existe a predominância da economia familiar através da roça de subsistência, do extrativismo e outras atividades complementares para a manutenção da renda familiar. Com essa reprodução ameaçada, quer pelas cercas quer pelos conflitos agrários, trabalhadores rurais migram sazonalmente em busca de trabalho a esperança de melhores condições de vida. Apesar da escassez de dados qualitativos, os dados oficiais fornecidos pelo Observatório Digital do Trabalho Escravo nos possibilitam dimensionar, mesmo que minimamente, a ocorrência dessa problemática na região estudada. No entanto, fatores 709
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI econômicos e sociais atenuam a vulnerabilidade desses trabalhadores que, tendo o direito de produção e reprodução de suas famílias cerceados, acabam se submetendo a trabalhos precarizados e degradantes e até mesmo em condições análogas à escravidão. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em virtude do exposto, a Baixada Maranhense pode ser percebida enquanto uma região que não só é exportadora de mão de obra escrava como também tem incidência no seu território. Os quatros municípios estudados: Pinheiro, Santa Helena, Penalva e Viana são marcados pela expropriação e violência no campo. A pobreza que tais trabalhadores se encontram também favorecem o aliciamento para o trabalho escravo, a falta de direitos sociais básicos, como o não acesso à terra e a geração de empregos são prerrogativas fundamentais para que trabalhadores (as) se envolvam em uma caçada por melhores condições de vida, vendo na migração uma das possibilidades para a inserção no mercado de trabalho para que estabeleçam mesmo que precariamente o mínimo de renda. A partir da sistematização dos dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo e as informações colhidas com os movimentos sociais, pudemos criar subsídios teóricos e qualitativos sobre a migração e trabalho escravo na região da Baixada Maranhense. Observamos, dessa forma, que o perfil é formado por trabalhadores rurais que tem economia de subsistência e que quando são cerceados das possibilidades de reprodução familiar, migram sazonalmente para outras territorialidades, quer em outros municípios da região maranhense quer para outros estados, em busca, mesmo que precariamente, de uma inserção no mercado de trabalho, e que pode resultar em condições análogas a de escravos, conforme previsto no artigo 149 do Código Penal Brasileiro. REFERÊNCIAS BRASIL. Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei No 2.848, De 7 De Dezembro De 1940.Art. 149, da Redução a condição análoga à de escravo. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 10 de maio de 2020. 710
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ESTERCI. Neide. Escravos da desigualdade: Um estudo dobre o uso repressivo da força de trabalho hoje.- Rio de Janeiro: CEDI: Koinonia, 1994. MARTINS, José de Souza. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. – 2ª ed- Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. 9° edição. São Paulo: Editora Contexto, 2010. OIT- ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI. Primeira edição, 2005. Disponível em: <<https://www.oitbrasil.org.br/index.php>>. Acesso em: 21 de SAKAMOTO, Leonardo. A reinvenção do trabalho escravo no Brasil contemporâneo. In: Tráfico de Pessoas: reflexões para a compreensão do trabalho escravo contemporâneo. NOGUEIRA, Christiane V.; NOVAES, Marina; BIGNAMI, Renato (Orgs.). São Paulo: Paulinas, 2014. SILVA, Maria Aparecida de Moraes e MENEZES, Marilda Aparecida. Migrações Rurais no Brasil: velhas e novas questões. Brasília: NEAD, 2006. Disponível em: <<http://www.faed.udesc.br/arquivos/id_submenu/1416/migracoes_rurais_no_brasil _velhas_e_novas_questoes.pdf>>, Acesso em: 10 de abril. de 2020. SMARTLAB do MPT/OIT. Observatório Digital de Trabalho Escravo. 2018. Disponível em: << https://smartlabbr.org/>>. Acesso em: 21 de abril de 2020. SOUSA, J. E. A. S.; MOURA, F. A. Migração e Pobreza: Reflexões Sobre e Trabalho Escravo Contemporâneo na Baixada Maranhense. Anais do III encontro do Observatório do Mercado do trabalho do Maranhão, 2020. 711
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS POVOS RURAIS E POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: reflexões sobre uma comunidade rural amazônica1 RURAL PEOPLE AND SOCIAL ASSISTANCE POLICY: reflections on an Amazonian rural community Kedma Carvalho Almeida2 Patrício Azevedo Ribeiro3 RESUMO Este trabalho tem como objetivo conhecer a realidade de uma comunidade rural amazônica, situada em área de terra firme, no Estado do Amazonas, e o acesso das famílias à Política de Assistência Social. É fruto de uma pesquisa qualitativa, exploratória e de campo; participaram da coleta de dados 11 famílias, sendo representadas pelas mulheres-mães, além do Presidente da comunidade. Os resultados corroboram a análise da ausência do Estado no meio rural da Amazônia brasileira, no que tange à proteção social dos usuários das políticas sociais; apesar de haver uma intervenção da Assistência Social, as ações são descontínuas e fragmentadas, cuja explicação para tal está na forma de como se apresenta e se reproduz o modo de produção capitalista, uma vez que é desigual e privilegia o grande capital em detrimento dos direitos da classe trabalhadora. Palavras-Chaves: Povos Rurais. Assistência Social. Amazônia. ABSTRACT 1 Esta comunicação é um recorte do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “A Política de Assistência Social no meio rural amazônico: estudo de caso da comunidade Paraíso no município de Urucará/AM”, apresentado ao Colegiado de Serviço Social da Universidade Federal do Amazonas, Campus do município de Parintins. 2 Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas, Campus Parintins. E-mail: [email protected] 3 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Pará (PPGSS/UFPA). Bolsista do Programa PROPG/CAPES/FAPEAM - Edital 006/2018. Professor do Curso de Serviço Social do Instituto de Ciências Sociais Educação e Zootecnia (ICSEZ), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Campus Parintins. E- mail: [email protected] 712
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI This work aims to get to know the reality of an Amazonian rural community, located in an area of terra firma, in the State of Amazonas, and the access of families to the Social Assistance Policy. It is the result of qualitative, exploratory and field research; 11 families participated in the data collection, being represented by the women-mothers, in addition to the President of the community. The results corroborate the analysis of the absence of the State in the rural areas of the Brazilian Amazon, with regard to the social protection of users of social policies; despite there being an intervention by Social Assistance, the actions are discontinuous and fragmented, whose explanation for this is in the way the capitalist mode of production is presented and reproduced, since it is unequal and privileges big capital to the detriment of rights of the working class. Keywords: Rural People. Social Assistance. Amazon. INTRODUÇÃO O acirramento da globalização e da mundialização do capital, sobretudo nesses tempos de crise estrutural, incidem diretamente na região amazônica. Com isso, tornam-se mais visíveis as expressões da questão social tais como a pobreza, o desemprego, a violência, entre outras, sobretudo em áreas rurais, onde o Estado capitalista tem se apropriado da terra e do território, desconsiderando as relações de vida, trabalho e simbiose homem-natureza. Nesse contexto, os programas, benefícios e serviços da política de assistência social constituem-se de extrema relevância para as famílias que vivenciam essa realidade. A título de exemplo, na visão de Couto et al. (2012), o Programa Bolsa Família e a aposentadoria rural, os quais estão alinhados à referida Política, têm tido impactos nas economias locais, principalmente nos pequenos municípios brasileiros, caso da Região Norte, pois muitos destes municípios são dependentes da agricultura familiar. A Amazônia Legal abrange nove estados, quais sejam: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. O Amazonas é o maior em extensão territorial do Brasil com 1.570.745.680 km², abrangendo 62 municípios e subdividindo-se em nove sub-regiões. Dentre essas, a Sub-Região do baixo Amazonas comporta sete municípios, a saber: Barreirinha, Boa Vista do Ramos, Maués, Nhamundá, Parintins, São Sebastião do Uatumã e Urucará. 713
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Os municípios do baixo Amazonas têm sido lócus de estudos para alguns pesquisadores4 que problematizam a política de assistência social e a realidade das famílias usuárias das políticas sociais. No entanto, centralizam-se mais nas áreas urbanas, parcialmente atingindo as áreas rurais. Sendo esse um dos elementos que motivou a elaboração da pesquisa. Diante disso, o objetivo desta comunicação é conhecer a realidade de uma comunidade rural amazônica, situada em área de terra firme, no Estado do Amazonas, e o acesso das famílias à política de assistência social. Em particular, trata-se da comunidade Paraíso, pertencente ao município de Urucará, cujos moradores e suas devidas famílias identificam-se como ribeirinhos de terra firme. A pesquisa pautou-se na abordagem qualitativa, subsidiada pela revisão bibliográfica e pesquisa exploratória, seguida do estudo de campo. Utilizou-se instrumentos e técnicas específicas para coleta de dados como formulários, entrevistas semiestruturadas, observação, diário de campo; além de registros fotográficos. Participaram da coleta de dados de campo 11 famílias, sendo os informantes as mulheres-mães e o Presidente da comunidade Paraíso. Esta comunicação está dividida em três partes, além dessa introdução. A primeira descreve a analisa a comunidade Paraíso e as famílias ribeirinhas moradoras daquela localidade. A segunda discute o acesso dessas famílias à política de assistência social e o retorno que essa Política tem dado a seus usuários no meio rural amazônico. Por fim, tecem-se algumas considerações sobre o trabalho à luz da análise crítica. 2 UMA COMUNIDADE AMAZÔNICA: A REALIDADE SÓCIO-HISTÓRICA E CONTEMPORÂNEA DA COMUNIDADE PARAÍSO A comunidade Paraíso faz parte da área rural do município de Urucará. Está geograficamente localizada à margem esquerda do rio Amazonas. A distância em relação à sede do município é de aproximadamente 38 km em linha reta (SERRÃO, 2018). Trata-se de uma comunidade situada em área de terra firme com extensão bastante alta, por isso necessita-se do uso de escada de 30 degraus para chegar à parte central (figura 1). 4 Citam-se: Ribeiro (2014); Valente (2015); Carneiro (2016); Santos (2016); Rolim (2017). 714
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Figura 1 – Parte frontal da Comunidade Paraíso. Fonte: Arquivo pessoal dos moradores da comunidade. A formação e organização social da comunidade Paraíso, constante na Ata Comunitária de 1989, têm sua gênese após a comunidade “Chave de Ouro”, situada em área de várzea, ter sido destruída pelo fenômeno das terras caídas (processo típico da várzea). Esse fato ocasionou a migração dos moradores para a terra firme, local onde se constituiu Paraíso, em 1989. O acesso à comunidade ocorre por meio de transporte fluvial, sendo as pequenas embarcações como barcos, lanchas e rabetas, os meios de transporte mais fáceis para se chegar ao local (SERRÃO, 2015). A área territorial é cercada por dois lagos, Laguinho e Realeza, e em outra margem possui uma faixa de várzea alta. A figura 2 deslinda o mapa de formação e organização de Paraíso. 715
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Figura 2 – Mapa da Comunidade Paraíso Fonte: Organizador – SERRÃO, A. M. (2018). A figura retrata a organização estrutural de Paraíso composta por: 17 casas, 01 igreja católica, 01 escola, 01 centro comunitário onde se realizam as reuniões e também serve como salão de dança durante as festas populares. É possível observar na imagem dois campos de futebol; o primeiro, em tamanho reduzido, é o local de lazer dos jovens e adultos ao final do dia; o segundo é utilizado majoritariamente quando há maiores eventos. Conforme Fraxe et al. (2007), o campo de futebol configura-se como lócus de lazer, e a casa de farinha como lócus de produção. Esses dois elementos são encontrados na maioria das comunidades rurais amazônicas e fazem parte do modo de vida dos povos ribeirinhos. Vale dizer que, diversos autores e de áreas distintas já elaboraram conceitos sobre o termo “comunidade”, logo, possui complexas combinações e orientações metodológicas. Do ponto de vista histórico, Souza (1999, p. 59-60) destaca que o referido termo guarda relação com a concepção grega de cidade. Os gregos dos séculos VI e VII a. c. conceberam a polis (cidade) como uma comunidade, “isto é, uma organização cujos assuntos eram de interesse coletivo”. Esse entendimento, à época, 716
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI não cabia ao rural, pois “[...] as características da economia rural não encontravam os possíveis elementos de aproximação, encontros de relações e interesses comuns existentes nas cidades antigas e medievais”. Com o desenvolvimento das cidades e o surgimento de metrópoles, o conceito outrora de cidade se dilui. Consequentemente, o desenvolvimento do rural quanto à “[...] identificação possível de concentrações populacionais em determinado espaço físico fizeram com que o realce da identidade comunitária fosse trazida para o meio rural” (SOUZA, 1999, p. 61). Por outro lado, do ponto de vista conceitual, Florestan Fernandes, em 1973, publicou a obra “comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação” na qual reuniu diferentes teóricos. Tonnies (1973), um dos autores participantes da obra, afirma que essa se difere de sociedade, pois, em uma comunidade se vivencia a vida real e orgânica, onde as relações são estabelecidas por meio dos laços de vizinhança, amizade e parentesco, sendo esse processo nem sempre presente em uma sociedade. Wirth (1973), também partícipe da obra, defende que uma comunidade é constituída por uma base territorial, com distribuição de homens e mulheres, instituições e atividades, onde a vida em comum é fundada na relação de parentesco e interdependência econômica, baseada em mútua correspondência de interesses. Em se tratando da Amazônia, Wagley (1988), apesar das limitações em sua produção e da universalização que faz a partir de um local específico do contexto amazônico, seu estudo tem contribuições importantes. Na obra “uma comunidade amazônica”, afirma que, por todos os lugares as pessoas vivem em comunidade, a saber, nos bandos, nas aldeias, nos núcleos agrícolas, nas pequenas e grandes cidades. Assim, para o a autor, uma comunidade rural constitui-se por pessoas que, num determinado local, ganham a vida, educam os filhos, vivem em família e associações movidas por valores, crenças e culturas. Wagley (1988) pondera ainda que cada comunidade possui uma singularidade, isto é, tradição e história própria, variações especiais no modo de vida regional ou nacional. Ademais, nas comunidades as pessoas estão sujeitas aos preceitos de sua cultura. No caso da região amazônica, sobretudo no estado do Amazonas, as comunidades rurais têm influências indígenas que podem ser facilmente vistas na 717
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI maneira de viver, na alimentação, nas crenças populares, na religião, enfim, no modo de vida em geral. Os sujeitos que habitam as comunidades rurais da Amazônia são chamados de “povos” ou “populações” tradicionais indígenas e não indígenas. Assim, adota-se nesse trabalho o uso da expressão “povos” para identificar os sujeitos e famílias que historicamente vivem nas comunidades rurais amazônicas tanto de terra firme quanto de várzea5. Pode-se dizer que a comunidade Paraíso vivencia muitas das relações, da cultura e modos de vida destacados nos debates dos referidos autores. Paraíso, hoje, embora esteja situada em área de terra firme, seus habitantes possuem um modo de vida enraizado a uma cultura vivenciada na várzea, visto que, a pesca e a agricultura despontam como principais atividades econômicas e de subsistência (SERRÃO, 2018). Paraíso faz parte das comunidades tradicionais que mantêm uma relação de reciprocidade com a natureza, defendem formas de manejo dos recursos da fauna e flora pela via da sustentabilidade. Parafraseando Mendonça et al. (2007), os povos de áreas rurais, em grande parte, possuem consideração e respeito aos ciclos naturais, não explorando os recursos para além do limite da capacidade de sua recuperação natural. Esse modo de vida específico e de simbiose com a natureza repercute na estrutura de produção que é baseada no trabalho não só para renda, mas principalmente para o consumo e subsistência das famílias. Embora, conforme Fraxe et al. (2007), é necessário considerar o contexto contraditório no qual estão inseridas suas manifestações e práticas culturais. Na comunidade Paraíso as relações de manifestações e práticas socioculturais são fundamentais para dar sentido à história e à sua permanência atual. Para entender o modo de vida de seus moradores, seus costumes, valores e cultura, não significa apenas conhecer e descrever a riqueza dos seus recursos naturais, mas também a vastidão de seus territórios e a cobiça do capitalismo sobre suas terras. No dizer de Fraxe et al. (2007), é preciso perceber que para além da paisagem natural, harmônica e romântica, há paisagens socialmente construídas repletas de contrastes e contradições. 5 As áreas de terra firme são extensões de terras altas que não alagam totalmente durante as enchentes/cheias dos rios. Já as áreas de várzea são as partes baixas, sujeitas às inundações; geralmente os moradores varzeanos precisam criar estratégias de adaptação no período das enchentes/cheias ou deslocaram-se para a terra firme. 718
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O processo econômico e político na Amazônia brasileira ocasionou mudanças no modo de vida de seus habitantes. Esse processo demarca-se desde o período da colonização, com a chegada dos europeus, posteriormente com o período da borracha, e o mais recente, na década de 1970, com os projetos desenvolvimentistas instalados na região, cujos objetivos são centrados na acumulação do capital em detrimento da vida e direitos de povos e comunidades tradicionais, secularmente presentes na formação do Brasil e da Amazônia. Para os moradores da comunidade Paraíso, os rios, as terras e as florestas são considerados elementos base de sobrevivência das famílias. Isso fica notório na figura 2. Em geral, as águas possuem importância material e simbólica para os povos rurais uma vez que, [...] dão sentindo e sustentação à vida material, seja por se configurarem como as grandes estradas da região, por onde trafegam diariamente canoas, rabetas, barcos e navios de grande porte, seja por fornecer o peixe, o principal alimento dos homens e mulheres das comunidades rurais da Amazônia (ANDRADE, 2015, p. 38). Os dados da pesquisa de campo apontam que, a agricultura familiar e a pesca são as principais atividades de trabalho das famílias de Paraíso. Esses dados corroboram com o estudo realizado por Mendonça et al. (2007), pois, para esse autor, essas duas atividades são as mais presentes no cotidiano dos ribeirinhos, ocupando a maior parte do tempo. A maioria das famílias participantes da pesquisa possui renda mensal equivalente a menos de um salário-mínimo. Ao serem questionadas se esta renda conseguia satisfazer as necessidades básicas da família, 07 entre as 11 entrevistadas responderam “às vezes”, 02 afirmaram “precariamente” e outras 02 ponderaram que eram atendidas “sempre”. No que concerne à intervenção das políticas sociais, a pesquisa revelou fragilidades, dentre outras, nas áreas da educação, saúde, habitação e, sobretudo, assistência social. A escola local não abarca todos os anos escolares, por isso alguns alunos precisam enfrentar longas distâncias para acessarem a escola. Majoritariamente, em cada domicílio residia apenas uma família composta de 4 a 7 pessoas. 719
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quanto às questões de Saúde, em Paraíso há 01 Agente Comunitário de Saúde o qual possui um importante papel para as famílias, sobretudo por ser considerado o principal responsável em informá-las acerca das notícias referente às políticas públicas. Os moradores também acessam alguns serviços ofertados no Posto de Saúde localizado na Comunidade Sol Nascente, ou quando há caso de saúde mais grave se deslocam em busca de atendimento na sede do município. Os moradores ainda fazem uso das plantas medicinais e remédios naturais para o tratamento de algumas doenças. Com o intuito de melhor discutir as políticas sociais no meio rural, aborda-se a política de assistência social a qual tem ganhado relevância na agenda governamental e no trabalho social com famílias, embora com poucas condições materiais, financeiras e humanas para isso (COUTO et al., 2012). O intuito é refletir sobre essa política na Amazônia rural, dado as particularidades geográficas, territoriais e culturais dos povos. 3 RELAÇÕES ENTRE AS FAMÍLIAS RURAIS DA COMUNIDADE PARAÍSO E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Na comunidade Paraíso, a assistência social, no âmbito da Proteção Social Básica, está atrelada majoritariamente aos programas de transferência de renda. Conforme a pesquisa realizada com as 11 famílias, constatou-se que 10 (dez) são beneficiárias do Programa Bolsa Família – PBF e 01 (uma) recebe o Benefício de Prestação Continuada – BPC. Quanto ao acesso aos Benefícios Eventuais – BE6, afirmaram nunca terem recebido. De acordo com Bovolenta (2016, p.19) o BE “é voltado a apoiar o indivíduo ante a vivência de um momento esporádico, ocasional, o qual poderia abalar sua vida e suas relações sociais e familiares”. Para as entrevistadas as ações intersetoriais, incluso a assistência social, são realizadas geralmente nas comunidades próximas onde há mais pessoas, funcionando como núcleo, contudo, nem sempre os moradores conseguem ir, pois “fica ruim para se deslocar para lá. Eu gostaria que acontecesse mais vezes, porque tem gente que não tem condições de estar indo até a cidade e deveria acontecer aqui na própria 6 - Os BEs são benefícios da política de assistência social assegurado no artigo 22 da LOAS, alterado pela Lei 12.435 de 2011. De caráter suplementar e provisório visa atender os cidadãos e às famílias em virtude de nascimento, morte, situações de vulnerabilidade temporária e de calamidade pública. Estão previstas quatro modalidades de BEs: Natalidade, Funeral, Vulnerabilidade Temporária e Calamidade Pública. 720
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI comunidade, porque quando acontece é só em uma. Aí fica muita gente sem ser atendida” (S. M./ Moradora, Pesquisa de Campo, 2019). É nesse contexto que reside o desafio de operacionalizar a política de assistência social no meio rural amazônico. Para alguns autores (TEIXEIRA, 2008; 2013; RIBEIRO, 2014), se reconhece a importância dessa Política para as famílias amazônicas, mas é necessário rever sua estrutura organizacional e suas condições quanto aos recursos financeiros, materiais e humanos, pois, as singularidades e particularidades, no caso em questão, a dimensão territorial, se colocam como desafio às políticas sociais. Entende-se que o trabalho desenvolvido pela assistência social na área rural requer custos financeiros elevados, sendo tal fato uma situação complexa, uma vez que vem ocorrendo cortes financeiros na Seguridade Social. Dessa forma, não há uma continuidade no atendimento às famílias, como é possível notar na narrativa desta entrevistada: “acontece uma vez no ano, ou tem ano que não tem nada” (D. L./ Moradora, Pesquisa de Campo, 2019), ou seja, o trabalho que devia primar pela proteção, acaba se tornando uma (des)proteção social em função dos serviços fragmentados que não atendem a todos os usuários. Colin e Pereira (2013) observam que o conjunto da proteção social da política de assistência social, delineia-se por meio da oferta de uma rede de serviços e programas socioassistenciais, os quais articulados à segurança de renda podem possibilitar o acesso aos direitos sociais interferindo na realidade cotidiana dos usuários e suas famílias. Vale enfatizar que o acesso aos programas, benefícios e serviços socioassistenciais por parte das famílias da comunidade Paraíso, é marcado por distintas dificuldades. O deslocamento à sede municipal, às vezes, é permeado por chuva, sol e filas longas nas instituições assistenciais; ou, conforme sinalizado, quando a Política chega ao meio rural, também não alcança os usuários na totalidade. Esse contexto remonta a análise de Mota (2010) quanto à omissão do Estado em responder à classe trabalhadora usuária das políticas sociais. Não por acaso, a autora pondera a assistência social como “fetiche” do capital, pois, não consegue dar conta das diversas realidades, tornando-se focalista e residual. Aos povos rurais, a resposta do Estado via política social é ainda mais precária, perfazendo-se aos períodos eleitorais onde todos os povos passam a ser “gente de direito”. 721
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Em se tratando especificamente do acesso ao PBF, as entrevistadas relataram que o destino do valor recebido contribui para algumas necessidades básicas: Ajuda na alimentação, no gás e no material escolar (A. X./ Moradora, Pesquisa de Campo, 2019). Ajuda na alimentação. A gente vive da venda da pesca, mas sabe que nem isso tá dando mais. Ficou difícil a pesca, então a gente não pegou mais dinheiro e o Bolsa Família ainda diminuiu (A. S./ Moradora, Pesquisa de Campo, 2019). Ajuda na alimentação. A gente compra nossas despesas na taberna e quando a gente recebe o Bolsa Família pagamos o dono, aí o dinheiro dá certinho (A. R./ Moradora, Pesquisa de Campo, 2019). Ajuda mais na alimentação. Como não tenho trabalho fixo eu tento fazer o máximo para não deixar meus filhos com fome, porque os 210 reais que recebemos do Bolsa Família não dá para comprar a alimentação durante o mês, mas numa parte ajuda bastante (D. L./ Moradora, Pesquisa de Campo, 2019). Observa-se nas falas em análise uma unanimidade referente à utilização do valor do PBF para a compra de alimentos que, numa perspectiva crítica, trata-se de uma necessidade basilar de todo e qualquer ser humano. As famílias que possuem crianças e/ou adolescentes dentro da escola, o valor do PBF colabora na compra do material escolar. Ao fazer uma relação desses dados com o conteúdo da LOAS (2011), esses se aproximam e se distanciam. Segundo a LOAS (2011), a assistência social tem como objetivo prover os “mínimos sociais” visando o alcance das “necessidades básicas” do cidadão. Pereira (2006), ao problematizar esses destaques na LOAS, considera tais conceitos distintos, como: [...], enquanto o mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimentos, tal como propõe a ideologia liberal, o básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e otimizados. Em outros termos, enquanto o mínimo nega o ‘ótimo’ de atendimento, o básico é a mola mestra que impulsiona a satisfação básica de necessidades em direção ao ótimo (Ibidem, p. 26-27). Com base nesta assertiva, pode-se dizer que a assistência social, no atual contexto político e econômico, vem sendo efetivada dentro da garantia dos mínimos sociais, isso porque, a Política não tem alcançado seus objetivos almejados, qual seja: o 722
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI atendimento às necessidades básicas e consequentemente a contribuição às condições dignas de vida. Com efeito, essa realidade é resultado do sistema capitalista que é desigual e excludente, logo, as políticas sociais reduzem-se ao atendimento mínimo não alcançando o básico. Nesse sentido, faz-se importante rever o significado de mínimos de provisão social constante na LOAS diante da noção de necessidades básicas. Ou seja, a provisão social proferida, “tem que deixar de ser mínima ou menor, para ser básica, essencial”, visando à satisfação das necessidades que lhe dão origem (PEREIRA, 2006, p. 27). Do contrário, ratifica a autora: “aqueles que não usufruem bens e serviços sociais básicos ou essenciais, sob a forma de direitos, não são capazes de se desenvolverem como cidadãos ativos, conforme preconiza a própria LOAS” (Ibidem, p. 27). Em que pese as limitações e contradições do PBF, para os moradores da comunidade Paraíso o dinheiro recebido por meio deste programa possui extrema importância, especificamente por não terem uma renda fixa mensal, uma vez que trabalham com a pesca e a agricultura, atividades essas que dependem das águas, das florestas e das terras. Assim, há pontos positivos e negativos sobre a assistência social junto às famílias da comunidade Paraíso. Se problematizado a conjuntura contemporânea onde o neoliberalismo tem se acirrado por meio de atuações governamentais que favorecem a burguesia e não a classe trabalhadora, reaviva-se a assertiva de Sposati (1997, p. 111) quando reflete que os benefícios da referida política são tão mínimos que “não cobre uma precária cesta de alimento, quanto mais um conjunto de necessidades do trabalhador e de sua família”. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS De início, é importante registrar que os cortes orçamentários no âmbito das políticas da seguridade social influenciam no alcance real dos usuários, especificamente em relação à assistência social que historicamente fica com a menor parcela dos recursos financeiros se comparado às outras Políticas. Os ataques e desmontes sofridos pela Seguridade Social caracterizam-se pela transferência de seus recursos para o capital financeiro. No que diz respeito à assistência social, estes desmontes não vem ocorrendo 723
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI apenas no financiamento do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS, mas, sobretudo, na redução de recursos destinados para o PBF. No limite, a assistência social vem sofrendo com as implicações dos desmontes dos direitos sociais e dos cortes orçamentários, ocasionando limites e desafios na implementação dos serviços. Desafios estes que se intensificam na Amazônia rural em função das particularidades territoriais, geográficas, étnicas e culturais. Assim, os trabalhadores do SUAS são diretamente atingidos, bem como as famílias usuárias, especialmente os povos ribeirinhos que vivem nas áreas rurais distantes das sedes municipais. Conhecer a realidade da comunidade rural amazônica Paraíso foi, ao mesmo tempo, viajar por uma pequena parte da dimensão continental que é a Amazônia. Paraíso, assim como outras comunidades rurais, vivencia a omissão do Estado capitalista no que tange à proteção social. As políticas sociais quando chegam ao cotidiano das famílias, se apresentam de maneira fragmentada, focalista e com parcas contribuições, pois, as bases que a sustentam em termos de recursos financeiros, materiais e humanos não conseguem dar conta das singularidades e particularidades do mundo rural amazônico. Daí a necessidade da resistência e luta dos trabalhadores usuários das Políticas em prol da efetivação de direitos sociais arduamente conquistados e registrados na Constituição Federal de 1988. REFERÊNCIAS ANDRADE, R. F. C. de. A composição da vida no beiradão do rio Amazonas: memória e identidade ribeirinha. Manaus: Edua, 2015. BRASIL. Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Texto reformulado em 2011. COLIM, D. R. A; PEREIRA, J. M. F. Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de Renda: Alguns apontamentos sobre a experiência brasileira. In: CRUS, J. F. et al. (Org.). Coletânea de Artigos Comemorativos dos 20 anos da Lei Orgânica de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Brasília: MDS, 2013. COUTO, B. R, et al. O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2012. 724
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI FRAXE, T. de J. P., et al. Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais. Manaus: EDUA, 2007. MENDONÇA, et al. Etnobotânica e o saber tradicional. In: FRAXES et al. (Org.). Comunidades Ribeirinhas Amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais. Manaus: EDUA, 2007. p. 91-103. MOTA, Ana Elizabete. A centralidade da Assistência Social na Seguridade Social brasileira nos anos 2000. In: _____. (Org.). O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010. PEREIRA, P. A. Necessidades Humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2006. RIBEIRO, P. A. Política Pública de Assistência Social e Sustentabilidade na Amazônia: um estudo nos municípios de Maués e Parintins no Baixo Amazonas. 2014. 190f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia), Universidade Federal do Amazonas. Manaus, 2014. SERRÃO, A. M. Colônias agrícolas e Campesinato: raízes de uma nova territorialidade no médio rio Amazonas, município de Urucará/AM. 2018. Dissertação (Mestrado em Geografia), Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2018. SOUZA, M. L. de. Desenvolvimento de comunidade e participação. São Paulo: Cortez, 1999. SPOSATI, A. Os Programas Brasileiros de Garantia de renda. In: SPOSATI, A. (Org.). Renda Mínima ou Agravamento? São Paulo: Cortez, 1997. p. 109-154. TEIXEIRA, J. B. Meio Ambiente, Amazônia e Serviço Social. Revista em Pauta – Faculdade de Serviço Social/RJ. n. 21, p. 141-152, jun. 2008. _____. A Amazônia e a interface com o SUAS. In: CRUS, J. F. et al. (Org.). Coletânea de Artigos Comemorativos dos 20 Anos da Lei Orgânica de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Brasília: MDS, 2013. TONNIES, F. Comunidade e sociedade como entidades típico-ideais. In: FERNANDES, F. (Org.). Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: USP, 1973. p. 96-116. WAGLEY, C. Uma comunidade amazônica: estudo do homem nos trópicos. 3. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1988. WIRTH, L. Delineamento e problemas de comunidade. In: FERNANDES, F. (Org.) Comunidade e sociedade: leituras sobre problemas conceituais, metodológicos e de aplicação. São Paulo: USP, 1973. p. 83-95. 725
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS CRISE DO CAPITAL E IMPACTOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO CAPITAL CRISIS AND IMPACTS ON WORK RELATIONS Ingred Lydiane de Lima Silva1 RESUMO Sob a perspectiva do referencial teórico-metodológico marxista, este artigo tem como objetivo analisar a crise do capital nos anos 1970 e sua relação com a tendência decrescente da taxa de lucro apontada por Marx, bem como, discutir as respostas articuladas pelo capitalismo e seus impactos nas relações de trabalho. A reestruturação produtiva pelo regime de acumulação flexível, a contrarreforma do Estado pautada em valores neoliberais e a valorização do capital por meio da esfera financeira, são respostas articuladas pelo capitalismo em crise que caracterizam um novo contexto geopolítico. Palavras-Chaves: Crise do capital; reestruturação produtiva; relações de trabalho. ABSTRACT From the perspective of the Marxist theoretical and methodological framework, this article aims to analyze the crisis of the 1970s and its relationship with the downward trend in the rate of profit pointed out by Marx, as well as to discuss the responses articulated by capitalism and its impacts for labor relations. The productive restructuring by the flexible accumulation regime, the counter-reform of the State based on neoliberal values and the valorization of capital through the financial sphere, are responses articulated by capitalism in crisis that characterize a new geopolitical context. Keywords: Capital crisis; productive restructuring; work relationships. 1 Graduada em Serviço Social. Mestranda em Serviço Social e Direitos Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected] 726
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO A passagem entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970 foi permeada por um novo contexto, marcado por intensas mudanças geopolíticas. Observa-se um período de recessão econômica em todos os países centrais e acirramento da concorrência mundial. É nesta conjuntura que a financeirização do capital se desenvolve como um mecanismo de retornada das taxas de lucratividade por meio dos juros. A consolidação do mercado financeiro nos anos 1980 só foi materializada por conta de dois processos concomitantes, o suporte dos Estados pelas medidas regressivas neoliberais e a restruturação produtiva através do regime de acumulação flexível. O conjunto dessas respostas trazem à tona um novo contexto social, econômico, político e cultural que rebate diretamente nas relações de trabalho. Este artigo tem como objetivo analisar a crise do capital nos anos 1970 e sua relação com tendência decrescente da taxa de lucro apontada por Marx, bem como, discutir as respostas articuladas pelo capitalismo e seus impactos para as relações de trabalho. Para tanto, optamos pela escolha do referencial teórico metodológico do materialismo histórico dialético, pois compreendemos que ele é o mais crítico para desvelar a essência das relações sociais no capitalismo, dessa forma, entendemos que ele nos possibilita refletir e analisar sobre inflexões entre as respostas do capital em crise e os impactos nas relações de trabalho. Para além da introdução e considerações finais, dividimos o artigo em dois tópicos: o primeiro fazemos uma discussão sobre a crise do capitalismo nos anos 1960- 1970 e sua relação com tendência decrescente da taxa de lucro apontada por Marx; o segundo discutimos sobre as principais respostas articuladas pelo capital e seus impactos nas relações de trabalho. 2 CRISE DO CAPITAL A passagem entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1970 foi permeada por um novo contexto, marcado por intensas mudanças geopolíticas. Observa-se um período de recessão econômica em todos os países centrais e acirramento da concorrência mundial. A Europa e o Japão encontravam-se reconstruídos 727
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI financeiramente e disputando os mercados. Outrossim, concomitante ao período de recessão econômica nas bases produtivas dos países centrais, com destaque a economia norte-americana, se desenvolvia um processo de acumulação mais intensa em novos centros do capitalismo mundial, como a China, a Índia e outros países do sudeste asiático (MENDES, 2015; BRETTAS, 2012). Netto e Braz (2007) destacam que a pressão organizada dos trabalhadores foi outro vetor sociopolítico decisivo de tal contexto, com destaque, para o peso do movimento sindical na época dos anos 60-70 e a revolução de costumes de categorias sociais específicas: os movimentos feministas, o levante dos LGBTTQIA, as mobilizações de negros por direitos civis e os movimentos estudantis. Portanto, o final dos anos 1960 foi marcado por uma queda na taxa de lucro nos países centrais e pelo acirramento da concorrência intercapitalista. “A onda longa expansiva é substituída por uma onda longa recessiva: a partir daí e até os dias atuais, inverte-se o diagrama da dinâmica capitalista” (BRAZ; NETTO, 2007, p.214). Inaugura-se um contexto de recessão generalizada nos anos 1970. É importante destacar que a crise faz parte da própria dinâmica do ciclo econômico2 do capitalismo, sendo ao mesmo tempo e contraditoriamente, uma expressão de suas contradições e funcional para reprodução do capital. Nos modos de produção pré-capitalistas também existiam crises, porém essas aconteciam em virtude de desastres naturais ou sociais (guerras) que acarretavam a carência generalizada de bens necessários para sobrevivência humana, em outras palavras: eram crises de subprodução. No capitalismo é bem diferente, a crise não é causada pela falta de bens necessários ou pouco desenvolvimento das forças produtivas, mas porque a demanda do consumo não alcança o ritmo da produção. Por tanto, a crise por superprodução é uma característica peculiar das contradições do capitalismo (NETTO; BRAZ, 2007). No capitalismo a produção não tem como objetivo central cessar necessidades, mas fazer com que a mercadoria produzida seja convertida em mais dinheiro, ou seja, lucro (D-M-D´). A crise é a interrupção do movimento de reprodução ampliada do capital, é quando o valor criado na produção não é realizado no comércio (troca e venda). Dessa forma, as crises são causadas pelas próprias contradições fundantes do sistema capitalista, sendo inerente ao seu ciclo econômico. 2 Distingue-se em quatro fases: crise, depressão, retomada e auge (NETTO; BRAZ, 2007). 728
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI De forma contraditória, ao passo em que a crise expressa os limites de reprodução do capital ela também é um mecanismo para a sua ampliação. A desvalorização de capital causada pela queda no lucro, faz com os capitalistas “sobreviventes” acumulem capital para reinvestimento, com capital em mãos e valor do trabalho desvalorizado pelo aumento do desemprego, os sobreviventes conseguem baixar o preço da produção e vender a mercadoria pelo mesmo valor da mercadoria produzida com custos mais altos, gerando superlucros. Entretanto, vale ressaltar que a reanimação é apenas uma das fases do ciclo da economia capitalista, que está sujeita a uma nova depressão a qualquer momento. O crescimento da produção é impetuoso e a euforia toma conta da vida econômica: a prosperidade está ao alcance da mão. Até que...um detonador qualquer evidencia de repente que o mercado está abarrotado de mercadorias que não se vendem, os preções caem sobrevém nova crise - e todo ciclo recomeça” (NETTO; BRAZ, 2007, p. 160). Autores como Netto (2012) e Mészaros (2011) defendem que a crise dos anos 1970 apresenta um caráter sistêmico e estrutural, com traços inéditos. Uma crise para ser considerada sistêmica se manifesta em todos os setores da economia, ou seja, envolve toda a estrutura da ordem do capital. O capitalismo já apresentou duas crises de caráter estrutural, uma emergiu em 1873 na Europa marcando uma depressão de mais de duas décadas e a outra eclodiu em 1929 nos EUA, teve consequências em todo globo e durou em média de 16 anos, sendo superada apenas no pós 2° guerra mundial (NETTO, 2012; MÉSZAROS, 2012). Para os autores mencionados, apesar das crises dos anos 70-80-90 serem estudadas de forma isolada, elas apresentam fortes traços sistêmicos. (...) todas as indicações mais solidas apontam que estamos experimentando, neste momento, uma crise que é de natureza sistêmica. Seus primeiros sinais sobrevieram na crise de Nova York, 1987 – com sequência, a partir dela, de efeitos em cascata expressos nos vários episódios de crises localizadas. Tais crises, a que os “comentaristas” ou “jornalistas econômicos” da grande impressa conveniente e ignorantemente consideram de forma isolada (a crise dos “Tigres Asiáticos, a “crise da Bolsa Nasdaq”, a “crise da bolha imobiliária e, agora, a “crise do euro”) são indicadores mais visíveis de uma só crise: são indicadores da emergência de uma nova crise sistêmica do sistema capitalista e que apresenta traços inéditos em relação às duas anteriores (NETTO, 2012, p. 416). 729
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A literatura marxista3 ao analisar o contexto dos anos 1960, relacionou a queda na taxa de lucro das economias centrais com a contradição da tendência decrescente da taxa de lucro apontada por Marx (1988), que ao discutir sobre o funcionamento do sistema capitalista, analisou que sua forma de produção é permeada por contradições que periodicamente acarretam crises. Em outras palavras, o sistema de produção capitalista é marcado, inerentemente, por crises cíclicas. Como já mencionamos, uma das contradições fundantes observadas pelo autor foi a tendência decrescente da taxa de lucro. Em linhas gerais, Marx (1988) analisou que um período marcado por acumulação prolongada tende a ocasionar uma queda no investimento em força de trabalho (Capital Variável) e um aumento no capital investido em meios de produção, tecnologias (Capital Constante). Essa tendência acarreta uma queda na taxa de lucro e posteriormente uma crise de superacumulação. Esse processo reafirma a teoria do valor de Marx, pois se o valor da mercadoria produzida é extraído da mais-valia, exploração do trabalho não pago, a queda no investimento de capital variável tende a gerar uma queda na taxa de lucro. “No momento que essa queda ocorre, constata-se uma crise de superacumulação que é explicada, não pela insuficiência de demanda efetiva, mas pela ausência de lucros” (MENDES, 2015, p.3). “Quando isso acontece, inicia-se um processo de subinvestimento no qual considera-se que as margens de retorno não são suficientemente atrativas para manter a acumulação no mesmo patamar” (BRETTAS, 2012, p.30). Portanto, a contradição fundante reside no limite de valorização a qual o capital esbarra-se em processos de superlucros. Iamamoto (2008) analisa que a valorização do capital esbarra nos próprios limites de produção, pela contradição fundante do capitalismo: um sistema que produz inversamente riqueza e pobreza, por meio da concentração de riqueza e polarização da pobreza. A contradição residiria então no conflito entre produção e distribuição. Em suma, a crise é uma expressão intrínseca do modo de produção capitalista. A reprodução do capital depende de sua valorização constante através do crescimento das taxas de lucro, dessa forma, quando o consumo não acompanha o ritmo da 3 A literatura marxista, principalmente anglo-saxã. “Dentre alguns autores: Andrew Kliman (2012), Michael Roberts (2013) e Callinicos (2012)” (MENDES, 2015). 730
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI produção o sistema passa por uma reestruturação, seja na base produtiva e/ou regulatória. 3 REESTRUTURAÇÃO DO CAPITAL E IMPACTOS NAS RELAÇOES DE TRABALHO Não temos a pretensão neste item em dar conta da complexa discussão que é o processo de financeirização, mas de fazer apontamentos, introdutórios, sobre as principais respostas articuladas pelo capitalismo em crise: a reestruturação produtiva pelo regime de acumulação flexível, a contrarreforma do Estado pautada em valores neoliberais e a valorização do capital por meio da esfera financeira. O conjunto dessas respostas trazem à tona um novo contexto social, econômico, político e cultural para o mundo. Essa conjuntura, de queda na taxa de lucro nos países centrais, cria as bases para o desenvolvimento do mercado financeiro nos anos 1970 e sua consolidação nos anos 80. É importante destacar que esse mercado já existia antes, ele não surge nos anos setenta, desde o século XIX já se discutia sobre ele. Entretanto, o poder que ele ganha no contexto dos anos 70-80 é totalmente novo, ele vai se desenvolver acelerada e mundialmente, como uma resposta para recuperação das taxas de lucro, ou seja, como uma alternativa para a valorização de capital. Para além da análise de que a esfera financeira surge de uma demanda do capitalismo em crise, é imprescindível compreender que o desenvolvimento do capital financeiro só foi possível pelo acúmulo de capitais nas mãos do capital industrial. Como bem explica Brettas (2012), o mercado de eurodólares passou a concentrar capitais de multinacionais. A desregulamentação presente no euromercado fez com que os capitais americanos se dirigissem a ele, consolidando o mercado de dólares fora dos Estados Unidos. É nesse contexto que ocorre uma ampliação do mercado bancário, processo basilar para consolidação do poderoso mercado financeiro. A concentração de capital industrial nas mãos dos bancos internacionais, fez com que os mesmos abrissem linhas de crédito para os países de terceiro mundo, na busca pela valorização. Como destaca Brettas: 731
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI As taxas de juros baixas e a abundância de capitais promoveram um quadro atrativo para o endividamento, público e privado, não só nos países centrais, mas também principalmente na periferia do sistema (2012, p.33). Portanto, a consolidação do poder financeiro tem em sua base o endividamento dos Estados, ou seja, a valorização do capital pela esfera financeira tem relação direta com a canalização dos recursos públicos por meio da dívida pública (BRETTAS, 2012; IAMAMOTO, 2008; LUPATINI, 2012; CHESNAIS, 2000). “O poder das finanças foi construído com o endividamento dos governos, com investimentos financeiros nos Títulos emitidos pelo Tesouro, criando-se a indústria da dívida” (IAMAMOTO, 2008, p.117). Não é à toa que Iamamoto (2008) destaca que um dos traços do processo de financeirização é o crescimento da dívida pública, por meio de taxas de juros mais elevadas do que o próprio crescimento econômico dos países. Nos anos 1980 presencia-se a complexificação do processo de financeirização, “os bancos perdem o monopólio da criação de crédito, e os grandes fundos de investimentos passam a realizar operações de empréstimos às empresas” (IAMAMOTO, 2008, p.112). Se desenvolve, neste período, a valorização financeira por instituições não bancárias, como fundos de pensão e seguradoras, através da emissão de títulos de crédito. Um fator central para esse desenvolvimento foi o crescimento da dívida pública, que culminou em um redimensionamento dos recursos do fundo público favorável a valorização do capital financeiro, o Estado passa a atuar como um remunerador. Ora, em um período de declínio do lucro, o mecanismo dos juros se desenvolve como uma resposta, na busca pela valorização do capital. Chesnais (2000) destaca que essa nova circulação, significou, em linhas gerais, um modo específico de dominação social/política do sistema capitalista. Netto e Braz (2007) classificam como 3° fase do Imperialismo, em que o capital financeiro é quem passa a dominar o movimento de acumulação. As instituições em questão compreendem os bancos, mas sobretudo as organizações designadas com o nome de investidores institucionais: as companhias de seguro, os fundos de aposentadoria por capitalização e as sociedades financeiras de investimento financeiro coletivo (CHESNAIS, 2000, p.2). 732
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A consolidação da financeirização só foi materializada por conta de dois processos concomitantes, o suporte dos Estados pelas medidas regressivas neoliberais e pela restruturação produtiva através do regime de acumulação flexível. Em 1971 é quebrado o acordo Bretton Woods, que significou a desvalorização do dólar e a quebra do padrão dólar-ouro, marcando um novo rearranjo nas relações internacionais. Esse momento significou o esgotamento do padrão produtivo e regulatório dos anos de ouro do capital. Uma grande vitória das finanças, uma via para liberalização e circulação de capitais em nível mundial em um mercado desregulado. A liberdade e mobilidade internacional dos capitais só foi possível por meio de medidas legislativas. Chesnais (2000), destaca alguns tratados marcantes para refletir tais mudanças, que retomaram valores liberais: Tratado de Maastricht, o Consenso de Washington e o Tratado de Marrakech. Esses tratados são importantes para pensar a figura do Estado Neoliberal, estruturado para responder os anseios de um capitalismo em crise, visando a recuperação das taxas de lucro, a regra agora era o desmantelamento dos mecanismos de controle do Estado e “flexibilização” das relações trabalhistas. A esfera das finanças ganha poder e assume a hegemonia sobre o processo de acumulação, um exemplo é a imposição de mudanças nas relações de transações entre os Estados nações. O acirramento da concorrência intercapitalista e a situação norte-americana do déficit na balança de pagamentos, culminou, em 1979, na decisão do Banco Central norte-americano de aumentar bruscamente a taxa de juros e implementar um novo padrão monetário. Iamamoto (2008) conceituou essa medida como “política do endividamento”. O aumento da taxa de juros ocasionou a quebra do euromercado, políticas regressivas nos países centrais e estagnação econômica nos países periféricos (BRETTAS, 2012). Com acumulação predominantemente financeira, a dívida pública exerce um papel central na valorização do capital, através da apropriação dos impostos por meio de títulos de dívidas. O capital financeiro passa a assumir um papel regulador, pois através do financiamento para empréstimos, é gerado déficits nos orçamentos públicos por meio do aumento das taxas de juros para além da própria inflação e crescimento do PIB, o que se torna uma via para imposições: pressões fiscais, austeridade orçamentária, paralisia das despesas públicas e privatizações (CHENAIS, 2000). 733
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A dívida pública foi o caminho para liberalização de capitais e para desregulamentação, através da política do endividamento. Os Estados nacionais passam a se submeter aos interesses econômicos da atual conjuntura, porém, sem deixar de exercer suas funções de regulação. O “Estado continua forte, o que muda é a direção socioeconômica da atividade e da intervenção estatal, estabelecendo novas regras para governar a favor do grande capital financeiro” (IAMAMOTO, 2008, p.123). Passa a ser demandado reajustes estruturais, como exemplos: desmonte e mercantilização das políticas sociais, desproteção das economias nacionais através da liberalização e desregulamentação, privatização de empresas estatais, medidas repressivas para reforçar o controle da propriedade privada, políticas fiscais regressivas e a flexibilização da legislação trabalhista (LUPATINI, 2012; IAMAMOTO, 2008). Tais demandas são de necessidade do capital para superação da crise, pois são medidas que contribuem com o aumento da taxa de exploração da mais-valia, com a apropriação dos recursos públicos e com a privatização das políticas sociais, novos nichos de acumulação. Apesar do discurso sedutor do neoliberalismo, que coloca o crédito público como um mediador do bem-estar social, se fazendo necessário cortes nos gastos sociais e aumento dos impostos para assegurá-lo, isso não condiz com a realidade, o que existe na verdade é uma relação direta entre demandas do mercado e medidas regressivas dos Estados (LUPATINI, 2012; IAMAMOTO, 2008). “Os dois braços em que se apoiam as finanças – as dívidas públicas e o mercado acionário das empresas- só sobrevivem com a decisão política dos Estados e o suporte das políticas fiscais e monetárias” (IAMAMOTO, 2008, p. 148, grifos nossos). As medidas regressivas não são causadas por uma crise administrativa do Estado, mas sim por uma crise do capital assumida pelos Estados, a dívida pública assume o papel de reprodução ampliada do capital financeiro. A crise financeira foi assumida pelos Estados por meio da dívida pública e está sendo paga pela classe trabalhadora, via imposição de ajuste fiscal que restringe direitos, contribui para o aumento do desemprego e precariza condições de vida de grandes parcelas da população (BRETTAS, 2012, p.115) Por isso é importante compreender que o orçamento público não é neutro ou meramente uma questão técnica em relação a garantia do equilíbrio entre as receitas, 734
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ele perpassa uma questão política, de disputa entre interesses antagônicos de classes, tanto na arrecadação como na distribuição (BRETTAS, 2012; SALVADOR, 2012). Como Salvador (2012) destaca a destinação dos recursos públicos para valorização do capital é um processo injusto, visto que os recursos advêm do trabalho. Seja por meio dos impostos sobre os lucros (que advém da exploração da mais-valia), seja sobre o consumo, apropriação de uma parcela do salário dos trabalhadores. A redução da massa salarial e das despesas públicas, afetam diretamente os programas sociais e a aglutinação das expressões da questão social em relação ao aumento das desigualdades, da pobreza e do desemprego. A relação de interdependência que se desenvolve entre os capitalistas industriais e capitalistas financeiros, acarreta mudanças no regime de acumulação. Esse processo se complexifica quando para além do financiamento da produção via capital portador de juros, os capitalistas financeiros começam a se tornar acionários das empresas transnacionais. Passando a definir o nível e o ritmo do investimento das empresas, ou seja, os capitalistas financeiros começam a controlar a extração da mais-valia e impor exigências agressivas no plano do emprego e salário (IAMAMOTO, 2008; CHESNAIS, 2000; LUPATINI, 2012). Chesnais (2000) destaca que o contexto dos anos 1990, com a queda do muro de Berlim e o fim do regime soviético, acentua mudanças na relação entre o capital e o trabalho, contribuindo com o avanço da perspectiva neoliberal e a ideologia do “Fim da História”, que exploraram os erros do “socialismo real” para legitimar a naturalização das relações de exploração e da necessidade de medidas regressivas. Por meio da acumulação flexível, surgem novas características na produção, ela continua sendo em grande escala, porém passa a romper com a padronização e se destinar a mercados específicos, buscando responder novos nichos de consumo e atender a variedades culturais. Outra característica é a desconcentração industrial por meio da desterritorização da produção, que passa a buscar territórios periféricos e força de trabalho mais barata através do processo de terceirização dos serviços. Também se observa a incorporação de novas tecnologias e a redução do trabalho vivo, a base produtiva se desloca do suporte eletromecânico para eletroeletrônicos, através da automatização industrial. Tais medidas, buscaram extenalizar os custos e manter o 735
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI controle sobre a produção, o que acarreta a necessidade de aumentar a exploração da força de trabalho (NETTO; BRAZ, 2007). As mudanças na base produtiva impactam diretamente as relações do mundo do trabalho, são criadas estratégias, como o rebaixamento salarial e estímulo a competitividade para prejudicar a atuação sindical e organização dos trabalhadores. Para desarticular o movimento sindical, são utilizadas medidas legais para restringir seu poder de intervenção. Além disso, a ideologia neoliberal passa a relacionar a queda na taxa de lucro com as conquistas dos direitos sociais, a proteção das relações trabalhistas seria, segundo o ideário, quem estaria prejudicando os lucros das empresas e contribuindo com o aumento desemprego. Essa articulação feita pelo neoliberalismo não condiz com a realidade, pois todos os países que adotaram políticas de desregulamentação das relações de trabalho continuam tendo um crescimento na taxa de desemprego. O controle da força de trabalho pelo capital recorre a formas diversas daquelas do despotismo fabril, apelando à “participação” e ao “envolvimento” dos trabalhadores, valorizando a “comunicação” e a redução das hierarquias mediante a utilização de “equipamentos de trabalho”; é nesse quadro que o toytotismo ganha relevo nas relações de trabalho, inclusive com o forte estimulo ao “sindicalismo de empresa” (ou “de resultados”). O capital empenha-se em quebrar a consciência de classe dos trabalhadores: utiliza-se o discurso de que a empresa é a sua “casa” e que eles devem vincular o seu êxito pessoal ao êxito da empresa; não por acaso, os capitalistas já não se referem a eles como “operários” ou “empregados” – agora, são “colaboradores”, cooperadores, “associados” (NETTO; BRAZ, 2007, p.217). Os capitalistas passam a impor mecanismos para aumentar a expropriação da mais-valia dos trabalhadores, são expressões contemporâneas da reestruturação produtiva: aumento do desemprego para pressionar o rebaixamento dos salários, criação de políticas de gestão e controle, intensificação do ritmo de produção através de novas tecnologias, aumento da jornada de trabalho, estimulo a competição e individualidade, regressão de direitos trabalhistas/previdenciários e a flexibilização dos contratos (IAMAMOTO, 2008; CHESNAIS, 2000). A interdependência entre o capital industrial e o capital financeiro conduziu a um processo cada vez maior de concentração de poder econômico. A acumulação, ao passo que concentrou capitais no poder de um grupo cada vez mais restrito, produziu, paralelamente, um dilema: a fragilidade da dependência das relações econômicas 736
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI causadas pela mundialização de capitais. O investimento financeiro é seletivo e apresenta tendências de polarização e desigualdade, as consequências da desregulamentação das trocas é a marginalização de continentes e problemas geopolíticos, como a desigualdade no acesso ao consumo. As crises passam a atingir vários setores e interligar diversos países, sendo mais duradouras (CHESNAIS, 2000). “A mundialização financeira sob suas distintas vias de efetivação unifica, dentro de um mesmo movimento, processos” (IAMAMOTO, 2008, p.114). A valorização pela via financeira, o avanço do neoliberalismo e as transformações do mundo do trabalho não são fenômenos isolados, mas sim processos que fazem parte de uma mesma totalidade, que estão interligados. Porém, como alerta Chesnais (2000), é uma totalidade diferenciada e hierarquizada, um fenômeno que apresenta diferenciações no interior de uma unidade, é preciso compreender as expressões desse sistema dentro das relações de cada país. 4 CONCLUSÃO A valorização pela via financeira, o avanço do neoliberalismo e as transformações do mundo do trabalho não são fenômenos isolados, mas sim processos que fazem parte de uma mesma totalidade, são respostas articuladas do capitalismo em crise na busca pela reprodução ampliada do capital. O conjunto dessas respostas trazem a torna um novo contexto social, econômico, político e cultural para o mundo; o processo de financeirização trata-se de um modo específico de organização e dominação do capitalismo contemporâneo. A reestruturação produtiva pelo regime de acumulação flexível é uma demanda do capital em crise que se apresenta como uma grande ofensiva para os trabalhadores, são expressões: o aumento do desemprego para pressionar o rebaixamento dos salários, criação de políticas de gestão e controle, intensificação do ritmo de produção através de novas tecnologias, aumento da jornada de trabalho, estimulo a competição e individualidade, regressão de direitos trabalhistas/previdenciários e a flexibilização dos contratos. REFERÊNCIAS 737
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BRETTAS, Tatiana. Financiamento e gasto com as políticas sociais em tempos de financeirização. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN, 2012. CHESNAIS, François. Mundialização: o capital financeiro no comando. 2000. Disponível em: http://outubrorevista.com.br/wp-content/uploads/2015/02/Revista- Outubro-Edic%CC%A7a%CC%83o-5-Artigo-02.pdf. Acesso em: 29 ago. 2019. IAMAMOTO, Marilda Villela. Serviço Social em tempo de Capital Fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2008. LUPATINI, Márcio. Crise do capital e dívida pública. In: SALVADOR, Evilásio; BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete; GRANEMANN, Sara. (Org). Financeirização, fundo público e política social. São Paulo: Cortez, 2012. p. 59-93. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro 3, volume IV. Tradução Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, [1894] 1988b. MENDES, Áquilas. O subfinanciamento e a mercantilização do SUS no contexto do capitalismo contemporâneo em crise. BRAVO, Maria Inês et al (orgs). A mercantilização da saúde em debate: as Organizaçoes Sociais no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, Rede Sirius, 2015. MÉSZAROS, István. A crise estrutural do capital. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2011. NETTO, José Paulo. Crise do capital e consequências societárias. In: Revista Serviço Social e Sociedade. n. 111. São Paulo: Cortez Editora, 2012. NETTO, José Paulo. Crise do Socialismo e ofensiva neoliberal. São Paulo: Cortez, 2012. NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 2. Ed. São Paulo: Cortez, 2007. PAULANI, Leda. Brasil Delivery: A Política Econômica do Governo Lula. Revista de Economia Política, 2003, vol.23, dez. Disponível em: http://www.rep.org.br/pdf/92- 4.pdf. Acesso em: 01 de maio. 2019. SALVADOR, Evilasio. Fundo Público e o financiamento das Políticas Sociais no Brasil. SERV. SOC. REV., 2012, vol.14, jan/jun. 738
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS TENDÊNCIAS DA PESQUISA SOBRE POLÍTICA SOCIAL: O Estado da Arte das Dissertações de Mestrado sobre Política Social nos anos de 1980 na área do Serviço Social RESEARCH TRENDS ON SOCIAL POLICY: The State of the Art of Master's Dissertations on Social Policy in the 1980s in the area of Social Work Angela Kaline da Silva Santos1 Lucicleide Cândido dos Santos2 Bernadete de Lourdes Figueiredo de Almeida3 RESUMO O presente artigo caracteriza-se como uma investigação bibliográfica e documental através do uso da metodologia do estado da arte em torno do universo de 29 Dissertações de Mestrado defendidas nas duas áreas de concentração do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/ UFPB, no período de 1980. Esse universo encontra-se distribuído em 11(38%) dissertações na área da Fundamentação Teórico-prática do Serviço Social; e 18 (62%) na área de Política Social. Por se tratar das tendências da pesquisa sobre Política Social na área do Serviço Social, entende-se que este se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na divisão social do trabalho, tendo como contexto histórico o desenvolvimento capitalista industrial, a expansão urbana e a exploração do trabalho, gerador de múltiplas contradições. Conforme aludido, este artigo circunscreve-se à análise da totalidade da produção das 18 Dissertações de Mestrado do PPGSS/UFPB, vinculadas a área de Política Social. Palavras-Chaves: Política Social, Tendências da Pesquisa, Serviço Social, PPGSS/UFPB. 1 Mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. 2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]. 3 Professora de Serviço Social no departamento de Social na UFPB, Doutora em Serviço Social pela PUC-SP. E-mail: [email protected]. 739
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT The current article describe about itself as a bibliographic and documental investigation through methodology's use of the state of the art around the scope of 29 masters degree thesis argues in two focused areas of postgraduates program in social service/UFPB, in the period of the 1980's decade. This universe lie distributed in 11(38%) thesis in the fundamental area of the rationale theoretical-practical of Social service; and 18(62%) in the area of Social Policy. Because it is focused in social policy's research in social service area, could be understood that it is conceived and develops as a recognized profession in the social division of labor, for the instance of historical context the development of the industrial capitalism, the urban expansion and labor exploration, triggering multiple contradictions. As alluded, this article restrain itself to analysis of the whole production of the 18 masters degree thesis of PPGSS/UFPB, associated with social policy area. Keywords: Social Policy, Researchs Tendency, Social Service, PPGSS/UFPB. INTRODUÇÃO A pesquisa cientifica na área do Serviço Social é impulsionada quantitativa e qualitativamente com a criação dos primeiros cursos de Pós-graduação em nível de mestrado na área nos anos de 1970. Afirma Kameyama (1998, p.03) ao se referir a importância dos cursos de pós-graduação para pesquisa e a produção do conhecimento no Serviço Social “[...] os cursos de pós-graduação constituem-se em espaços privilegiados para a produção de conhecimento e suas atividades estão intrinsecamente ligadas à produção e reprodução da comunidade cientifica e técnica”. Outro fator importante para o desenvolvimento da pesquisa no Serviço Social é o adensamento teórico no final dos anos de 1970, principalmente com uma resistência ao pensamento conservador funcionalista e de reatualização conservadora fenomenológica, pela intermediação da aproximação e aprofundamento teórico do legado marxista. Outro aspecto para o desenvolvimento da pesquisa e produção do conhecimento do Serviço Social é a criação dos primeiros cursos de Doutorados na área, 1981, e a 740
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI fundação do Centro de Documentação e Pesquisa em Política Social e Serviço Social (Cedepss) em 1987, órgão da Associação Brasileira de Serviço Social (Abess), revisada em 1998 em Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss). Destaca-se também em 1984 o reconhecimento pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Serviço Social como área de conhecimento das Ciências Sociais Aplicadas. Carvalho e Silva (2004, p. 04) afirmam que houve, Significado avanço da participação dos assistentes sociais brasileiros em atividades de pesquisa e na produção de conhecimento, passando estas a serem consideradas, no âmbito da profissão, como atribuição profissional fundamental tendo como resultado uma rica produção cientifica sobre as políticas sociais, sobre a profissão e sobre questões sociais relevantes, o que faz com que o Serviço Social seja considerado área específica de conhecimento do campo das ciências Sociais Aplicadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq [...] Em relação ao lócus da pesquisa, o Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS) da Universidade Federal da Paraíba foi criado em 1978, em nível de mestrado, pela Resolução Nº 202/77 do CONSUNI. E 5º programa mais antigo do país e o 1º da Região Nordeste. A discussão dos resultados em torno das Dissertações de Mestrado, defendidas no PPGSS/UFPB, nos anos de 1980, embasa-se na aplicação do estado da arte mediante a leitura estatística descritiva com uso de tabela simples e da análise textual de caráter qualitativo. Essa análise quanti-qualitativa dos resultados articula-se à explicação crítica em torno das análises teóricas da literatura do Serviço Social sobre pesquisa e demais temáticas que perpassam este estudo. Os estudos de tipo estado da arte permitem “[...] um recorte temporal definido, sistematizar um determinado campo de conhecimento, reconhecer os principais resultados da investigação, identificar temáticas e abordagens dominantes e emergentes, bem como lacunas e campos inexplorados abertos à pesquisa futura”. (HADDAD, 2000, p. 4) 741
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2. CONJUNTURA BRASILEIRA NOS ANOS DE 1980: PASSAGEM DO REGIME AUTORITÁRIO PARA O REGIME DEMOCRÁTICO Os anos de 1980, embora intitulado como a “década perdida” em razão dos péssimos indicadores sociais e econômicos, são acompanhados pela ebulição política, materializado no processo de Redemocratização do país, mediante: Movimento de “Diretas Já”, Assembleia Constituinte, promulgação da Constituição “Cidadã”, dentre outros que assinalam conquistas políticas, a exemplo da consolidação das políticas sociais na perspectiva da garantia de direitos. Behring (2003) em sua obra “Brasil em Contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direitos” ao analisar a crise econômica e o processo de democratização no Brasil dos anos de 1980, elabora a seguinte pergunta: “Como o país adentra nos anos de 1980?” (p. 131). A resposta está na compreensão do problema do recrudescimento do endividamento externo e suas consequências a partir de 1979. Para Kucinski e Branford (apub BEHRING, 2003), a chamada “crise da dívida” nos anos de 1980 - não só no Brasil, mas no quadro da América Latina – marca um contexto de onda longa de estagnação, em decorrência da política norte-americana na busca da hegemonia do dólar e o início das pressões que anularam a possibilidade de ruptura com a heteronomia do desenvolvimentismo fundada na substituição de importações. Nesse período, há um salto percentual de taxas de juros por parte dos credores, acarretando uma inversão da transferência de dívida em curtos prazos, acompanhada de uma queda das exportações de matérias-primas, o que provoca um verdadeiro estrangulamento da economia latino-americana. Por pressão do FMI ocorre uma crescente socialização da dívida. No caso brasileiro, 70% da dívida externa tornou-se estatal, o que resulta para o governo três alternativas: cortar gastos públicos, imprimir dinheiro ou vender títulos do Tesouro a juros atraentes. Ao longo da década, a opção foi à emissão de títulos que elevaram os juros e alimentaram o processo inflacionário, que causou, [...] o empobrecimento generalizado da América Latina, especialmente no seu país mais rico, o Brasil; a crise dos serviços sociais públicos; o desemprego; a informalização da economia; o favorecimento da produção para exportação em detrimento das necessidades internas. Ou seja, características regionais preexistentes à crise da dívida foram exacerbadas no contexto dos anos de 1980. (BEHRING, 2003, p. 134) 742
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Esse processo relaciona-se às transformações societárias advindas da crise do capitalismo que se instala entre o fim dos anos 1960 e início dos 1970, atingindo as economias industrializadas baseadas no pacto fordista/keynesiano. Conforma-se no processo de fragilização do padrão de crescimento que, por quase três décadas, sustenta o pacto de classes expresso no Welfare State. A sua derrocada deslancha uma profunda crise do capitalismo. Ademais, com as quedas das taxas de lucro os investidores empurram o capital monopolista para os países periféricos. O contexto brasileiro, durante a ditatura militar, é conhecido como o “Milagre Econômico”, dado às condições políticas favoráveis para a instalação de unidades produtivas transnacionais. Entretanto, a estagnação chega à periferia, causando a queda dos índices de crescimento. Em resumo, a dívida externa brasileira cresce aceleradamente com a articulação entre a burguesia nacional, o Estado e o capital estrangeiro – fundadores do “Milagre Econômico” (OLIVEIRA, apub BEHRING, 2003). Através dos juros flutuantes, advindos da política norte-americana, contrariando os acordos de Bretton Woods (1944), a dívida não pôde ser mais redimida. Tornando-se uma estratégia de extração de renda e de dominação política dos Estados Unidos sobre as economias periféricas. Ao longo dos anos de 1980, as renegociações sucederam-se desastrosas, por serem incapazes de reverter os juros flutuantes e as políticas de estabilização que tiveram fraco fôlego. Em relação à passagem do regime autoritário para o regime democrático que se engendra muito antes da década 1980, materializa-se na eleição indireta para Presidente da República, sob o formato do Colégio Eleitoral, o que contraria frontalmente o Movimento das “Diretas Já” defendido pelas forças políticas dos trabalhadores e dos movimentos populares. Tancredo Neves é eleito, mas morre antes da posse, e o vice José Sarney assume a Presidência. Durante a Nova República ou Sexta República, iniciada em 1985, no que diz respeito ao parque industrial do país ocorre uma elevação dos investimentos em novas tecnologias microeletrônicas produtivas, impulsionada pelo Plano Cruzado, instaurado em 1986, cujo cenário mundial torna-se propício às exportações. A introdução da tecnologia microeletrônica traduz-se: na incorporação tecnológica, ainda parcial e seletiva, em pontos estratégicos da produção, concentrando-se no setor metalmecânico, automobilístico, petroquímico e siderúrgico; mantém e reproduz a 743
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI heterogeneidade tecnológica, com padrões produtivos vinculados à Segunda e à Terceira Revolução Industrial; as tecnologias microeletrônicas predominam nas empresas que são vinculadas à exportação, principalmente em corporações transnacionais e empresas que produzem insumos, maquinarias para as indústrias exportadoras. (ALVES, 2005) Entretanto em 1987, assiste-se ao fracasso do Plano Cruzado e o retorno do ambiente inflacionário, diminuindo os investimentos em novas tecnologias, que só serão retomadas nos anos de 1990. Em relação às políticas sociais, nesse período, mantêm a característica compensatória, seletiva, fragmentada, marcada por iniciativas baixas no enfrentamento da “questão social”. É nos marcos dos anos 1980 que é Promulgada a Constituição Federal, em 1988, configurando uma retomada do Estado Democrático de Direito. Para a elaboração da Constituição, foi designado um Congresso Constituinte. Esse processo torna-se uma arena de disputas políticas de mobilizações e contramobilizações de projetos e interesses distintos. De um lado, os eixos advindos das demandas das mobilizações dos trabalhadores, e de outro lado, as perspectivas de uma nova agenda liberal. Ao fim desse processo, o texto constitucional reflete a disputa de hegemonia, [...] contemplando avanços em alguns aspectos, a exemplo dos direitos humanos, com destaque para a seguridade social, os direitos humanos e políticos, pelo que mereceu a caracterização de “Constituição Cidadã”, de Ulisses Guimarães. Mas manteve fortes traços conservadores como a ausência de enfrentamento da militarização do poder no Brasil (as propostas de construção de um Ministério de Defesa e do fim do serviço militar obrigatório foram derrotadas, entre outras), a manutenção de prerrogativas do Executivo, como as medidas provisórias, e na ordem econômica (BEHRING, BOSCHETTI, 2008, p. 141 – 142). Pochmann (2004) elucida que o complexo da Seguridade Social (Previdência, Assistência, Saúde) representa maiores avanços legal, formando o tripé da Seguridade brasileira. Os artigos 194 a 204 da Constituição Federal de 1988 tratam da Seguridade Social – que é um conjunto se ações integradas do poder pública e da sociedade para assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência (BRASIL, 2012). Assim, compete ao poder público organizar a Seguridade Social com os seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; 744
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (BRASIL, 2012, p. 111). Os anos de 1980 terminam com a Primeira Eleição Presidencial Direta após a Ditadura Militar, em 1989, quando se apresentam projetos radicalmente distintos com a candidatura de Fernando Collor de Mello e de Luís Inácio Lula da Silva. A vitória de Collor marca a virada política e econômica em direção ao ajuste neoliberal do Brasil, que se intensifica nos anos de 1990, principalmente com os governos (1995-1998 e 1999- 2002) de Fernando Henrique Cardoso, consolidando o Brasil na dinâmica internacional. 2 AS TENDÊNCIAS DA PESQUISA NO SERVIÇO SOCIAL NA TEMPORALIDADE DOS ANOS 1980: ANÁLISE DAS DISSERTAÇÕES NA ÁREA DE POLÍTICA SOCIAL DO PPGSS/UFPB No universo de 29 Dissertações defendidas, constatou-se que 18 (62%) vinculam- se à área de concentração Política Social e 11 (38%) pertencem à área de Fundamentação Teórico-prática do Serviço Social. Este artigo analisará as 18 Dissertações de Política Social, para identificar as tendências da pesquisa nessa área de concentração e no Serviço Social. Como indicado por Sposati et al (1998, p.23), “[...] a efetivação das políticas sociais é o espaço primordial da prática profissional do assistente social [...] Ele está diretamente vinculado à efetivação dessas políticas, entendidas enquanto mecanismos de enfrentamento da questão social[...]”. Por isso, constata-se a maior incidência de pesquisas nessa área. Em termos operacionais, esta pesquisa desenvolveu-se à luz de dois indicadores: política social e temática. Tabela 1 - Frequência de ocorrência das Dissertações de Mestrado defendidas nos anos de 1980 e vinculadas à área Política Social do PPGSS/UFPB segundo os campos de atuação das Políticas Sociais. Campos de Atuação das Políticas Sociais N% Política da Habitação 04 22,2 Política de Educação 03 16,6 Política Social 03 16,6 Políticas Agrárias 02 11,1 Política da Saúde 01 5,5 Política da Saúde do Trabalhador 01 5,5 745
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Política de Segurança Alimentar 01 5,5 Não Identificado 03 16,6 TOTAL 18 100 Fonte: Elaboração Própria, PPGSS/UFPB, 2018. A Política Social com maior incidência nas pesquisas da década de 1980 em Serviço Social no PPGSS é a Política da Habitação (22,2%). Esta se apresenta nos estudos que a relacionam com as reivindicações populares em torno do direito à moradia, estudando principalmente a Política Habitacional dos anos de 1965 a 1985. Em seguida, indica-se a Política de Educação (16,6%), e os estudos sobre os fundamentos da Política Social (16,6%) que fazem uma discussão geral, por esse motivo não foram setorizadas como as demais. A quarta Política incidente diz respeito às Políticas Agrárias (11,1%); e com a mesma incidência de 5,5% sobressaem as Políticas da Saúde, da Saúde do Trabalhador e de Segurança Alimentar. As Políticas Sociais setoriais são frutos da totalidade do real que se manifesta ao assistente social em seu espaço de atuação profissional, reconfigurando a imprescindibilidade de novas intervenções sobre as demandas sociais. Por essa razão, a pesquisa científica contribui para compreensão dessas realidades no intuito de subsidiar a perspectiva do profissional na intervenção. Tabela 2 - Frequência de ocorrência das categorias temáticas que perpassam a pesquisa nas dissertações Categorias Temáticas N % Movimentos Sociais 07 38,8 Estado e sociedade 02 11,1 11,1 Desenvolvimento Rural 02 5,5 Sindicalismo 01 5,5 Questão Social 01 5,5 5,5 Gênero 01 5,5 5,5 Gestão 01 5,5 Trabalho 01 100 Violência 01 Não Identificado 01 Total 18 defendidas nos anos de 1980 e vinculadas à área de Política Social do PPGSS/UFPB. Fonte: Elaboração Própria, PPGSS/UFPB, 2018. Vislumbram-se nove categorias temáticas que medeiam os objetos de estudos das Dissertações. Com maior incidência verifica-se a categoria Movimentos Sociais 746
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (38,8%); a seguir Desenvolvimento Rural e Estado e Sociedade, ambas com 11,1%, vez que nesses anos de 1980 o contexto que “[...] reaparecem no cenário político forças sociais que recuperam os espaços vedados a partir de 64 e se expressam através dos movimentos urbanos e rurais [...]”. (SPOSATI et al, 1998, p.21) Com menor expressividade mais com um grau de significância tem-se a categoria Sindicalismo (5,5%), pois na década de 1980 dá-se o que os sociólogos chamam de “explosão do sindicalismo” no Brasil. Assim, enquanto nos países de capitalismo central e até países da América Latina os sindicatos passavam por uma crise do sindicalismo, no nosso país ganhava espaço político. (ALVES, 2005) Com a mesma incidência tem-se a categoria Questão Social “[...] cujas múltiplas expressões são o objeto do trabalho cotidiano do assistente social” (IAMAMOTO, 1997, p. 14); seguindo-se a categoria gênero, gestão, trabalho e violência. Elucida-se que as temáticas estudadas e investigadas sofrem alterações conforme as determinações conjunturais, vez que cada época produz categorias temáticas de acordo com a dinâmica da sociedade. (KOWARICK, 1995) 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em termos conclusivos, atesta-se que a pesquisa científica na área do Serviço Social amplia-se a partir do surgimento dos Programas de Pós-graduações, do reconhecimento dos órgãos de fomento à pesquisa e o desenvolvimento a ampliação da pesquisa. Esse processo ganha impulso em 1987 com a fundação do Centro de Documentação e Pesquisa em Política Social e Serviço Social (Cedepss), órgão da Associação Brasileira de Serviço Social (Abess), que em 1998 passa a ser chamada de Associação Brasileira em Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss). O crescimento dessa produção contribui com a própria profissão, desenvolvendo cada vez mais a criticidade, a maturidade intelectual e o aumento da massa crítica. Em relação ao PPGSS/UFFP, pode-se concluir que o programa tem cumprido o seu papel em analisar a realidade concreta que se apresentou nas determinações sócio- históricas na década de 1980. Sendo assim, o Serviço Social tem contribuído com a formação política, cultural, social etc. 747
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