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EIXO 2 - Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:22:43

Description: Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Esse viés alienante presente nos discursos capitalistas no tocante à tecnologia busca obscurecer que “[...] a evolução dos maquinismos é, na verdade, a evolução do homem enquanto ser que os constrói [...]” (VIEIRA PINTO, 2005, p. 74), ou seja, o homem evolui e como produto dessa evolução, através do aperfeiçoamento de suas técnicas, diante de novas necessidades, a tecnologia tende a evoluir. Portanto, quando discutimos tecnologia considerando o desenvolvimento histórico e sob uma perspectiva dialética, é possível concluir que a humanidade não muda em função do avanço da tecnologia, mas, na verdade, são os próprios homens que transformam sua existência a partir das suas construções tecnológicas. Ainda nesta perspectiva, como denotou Vieira Pinto (2005) em relação a essa visão deslocada historicamente vendida pelo capital acerca da tecnologia, cabe refletir sobre a centralidade atribuída aos avanços tecnológicos quando se prega a tecnologia como autônoma e independente da ação humana para desenvolver-se, chegando inclusive a ser priorizada nos discursos capitalistas diante do alcance da capacidade humana. Ora, entendendo a técnica e a teleologia como capacidades eminentemente humanas, há que se reconhecer que a relação de dependência será sempre inversa, do homem para a tecnologia, não ao contrário. Haja visto que, a criação humana se limita às suas necessidades em épocas históricas e de acordo com a necessidade por novas respostas, é aperfeiçoada. Isso ressalta que a tecnologia se limita a criação do ser humano, já a capacidade criativa do homem transcende a tecnologia do “hoje”. Com isso, se considerarmos que para Marx (1988) o processo de trabalho é uma atividade projetada pelo homem com o objetivo de criar valor de uso, transformando a natureza para que sejam atendidas às suas necessidades, sendo comum a todas as suas formas sociais e que mantém essa lógica de transformação, mesmo estando sob uma condição de alienação própria do modo de produção capitalista, já que o trabalho é caracterizado como algo essencialmente humano, pois dessa forma podemos enxergar, então, a tecnologia como parte desse processo de transformação e própria de toda e qualquer época histórica desde que o homem constituiu-se capaz de projetar ações teleologicamente, isto é com intenção. Há que se pensar que criações humanas, desde o machado até os equipamentos tecnológicos mais sofisticados que temos hoje, sempre representaram algo novo, de 1098

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI acordo com suas épocas históricas, assim como dentro de alguns anos, aquilo que conhecemos hoje como algo novo será ultrapassado por novas gerações através de novas criações e isso está diretamente ligado ao desenvolvimento da sociedade capitalista, haja visto que o homem não reconheceu sua capacidade de planejar e criar algo transformador nesta época, se distanciando, ainda mais, da prerrogativa que aponta a “Era Tecnológica” como própria da sociedade capitalista que vivenciamos atualmente. 3 AS POSSIBILIDADES E OS RISCOS DA TECNOLOGIA NO AGIR PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL EM TEMPOS DE PANDEMIA DO COVID-19 Ao iniciarmos uma análise da inserção da tecnologia e seus rebatimentos na sociedade como um todo, mas, de forma mais específica, no exercício profissional do Assistente Social, exige reconhecer que as máquinas se incluem no processo histórico das sociedades que as produzem, e as consequências do seu uso, sejam elas boas ou más, não lhes devem ser imputadas, mas sim aos seus proprietários (VELOSO, 2006), pois a intencionalidade de seu uso está no sujeito profissional que a utiliza. O Serviço Social é uma profissão eminentemente interventiva, que tem como direção social crítica um projeto profissional3 que vislumbra a liberdade, a justiça, a efetivação de direitos sociais, na defesa pela democracia e eliminação de todas as formas de preconceito e discriminação, na defesa intransigente por uma nova ordem societária contrária a essa direção posta pela sociedade capitalista com igualdade e dignidade aos cidadãos brasileiros. [...] à necessidade de conhecer o Serviço Social na contemporaneidade: enfrentar o conhecimento sobre o significado social do Serviço Social na atualidade, o que faz o (a) assistente social, como enfrenta a relação causalidade versus teleologia no seu cotidiano, se possui o domínio do conhecimento sobre as instituições empregadoras, suas requisições socioprofissionais e políticas, os fundamentos da política social e as condições que medeiam a inserção de assistentes sociais no mercado de trabalho, não apenas no que se refere às condições de trabalho, mas como assistentes sociais vêm respondendo na direção do projeto profissional crítico, trazendo 3Segundo ABRAMIDES (2019, p.165), diante do projeto ético político, “Dar continuidade ao PEP é prosseguir na luta de resistência que se abate contra a grande maioria da população, na defesa intransigente dos direitos sociais em que nossa formação e exercício profissional se articulam com as necessidades humanas e sociais. Essa direção social se contrapões a todas as formas de exploração e opressão social de classe, gênero, raça, etnia, orientação sexual, geracional, e todas as formas de discriminação e preconceito, articulando o projeto profissional ao projeto societário pautado na igualdade e liberdade na perspectiva da emancipação humana”. 1099

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI à tona as particularidades do Serviço Social como especialização do trabalho no complexo contexto da crise atual. (GUERRA, 2018, p. 41-42). Vale ressaltar que é através das políticas sociais que o Assistente Social busca em seu cotidiano a efetivação das necessidades básicas do cidadão brasileiro de acordo com o artigo 6ª da Constituição Federal de 1988. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Considerando ainda, o Código de Ética do Assistente Social de 1993, referente ao artigo 3º dos deveres do/a assistente social, alínea d- “participar de programas de socorro à população em situação de calamidade pública, no atendimento e defesa de seus interesses e necessidades”, e assim, no cumprimento dos princípios fundamentais dele, é que se propõe pensar o Serviço Social com mais utilização de tecnologias da informação. Portanto, há o viés capitalista em relação à forma como a tecnologia é aplicada socialmente. Conforme Marx (1988), em seu Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política, “[...] o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral”. Desta forma, considerando o modo de produção capitalista em seu momento atual, a tecnologia passa a ser utilizada com a finalidade de fortalecer a reprodução e a acumulação por parte do capital, bem como fortalecer o ideal escatológico, como coloca Veloso (2006), de que não há outra possibilidade de sociedade que ultrapasse ou traga mais avanços que o capital da forma como o vivenciamos hoje. Ademais, a relação homem-tecnologia se constrói a partir de uma interdependência. Haja visto que não é possível distanciar o criador de sua criatura, entendendo que o homem produz e a tecnologia é a produção alcançada a partir do seu trabalho. (VELOSO, 2006). No entanto, quando diante da automação dos processos de trabalho, que traz a transposição do trabalho vivo pelo trabalho morto em função da incorporação da tecnologia no processo produtivo, da precarização do trabalho em virtude do homeoffice, do controle vertical das ações e atuação profissional ou até da 1100

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI “robotização da prática”, somos levados a transferir para a tecnologia a responsabilidade pelas expressões da questão social que essa transição alimenta. Pois, “[...] quando observamos no computador atributos do adversário, esquecemos que o adversário é a base social que domina o computador”. (TAVARES E SELIGMAN, 1984, p. 48). Sustentados nessa máxima, o capital coloca a seu favor a produção de conhecimento objetivada pelo homem quando diante de novas necessidades que demandam novas tecnologias e, com isso, transmuta a ciência, produto do trabalhador, em favor da acumulação capitalista. E de olhos fechados, por conta do discurso e das práticas alienantes, o trabalhador fortalece a utilização da tecnologia sob o viés capitalista da automação. Entretanto, mesmo diante dos “riscos” da tecnologia em virtude do seu uso hegemônico em favor do capital que delineia práticas ofensivas ao trabalhador, há que se considerarem suas possibilidades no resguardo à condição e à emancipação humana. Para Veloso (2006, p. 54) é necessário “[...] construir e reforçar uma postura claramente socializante a respeito da repartição dos frutos do trabalho e do progresso da humanidade [...]”, para que desta forma possamos ascender a uma ótica crítica da realidade que envolve a dinâmica da sociedade. Além disso, o autor ainda ressalta a necessidade de se compreender o uso da tecnologia enquanto “questão política” alavancando esforços para colocá-la a serviço dos interesses do trabalhador, atendendo às suas necessidades e sendo reconhecida como produto de seu trabalho, conscientemente. (VELOSO, 2006). Dessa forma, precisamos refletir acerca de novos usos da tecnologia, suas possibilidades pensadas pela e para a classe trabalhadora. A tecnologia no exercício profissional “[...] coloca a profissão em uma conjuntura estratégica de reconfiguração da identidade profissional [...]” (SILVA, 2003, p. 7), pois traz uma possibilidade de ampliação da atuação profissional do Assistente Social. No entanto, para que de fato as possibilidades do exercício profissional, mediado por ferramentas tecnológicas, atendam ao Projeto Ético Político da profissão “[...]é preciso enfrentar a burocracia como forma de enfrentar o poder dominante, colocar os meios a serviço dos fins, os resultados para o público em vez de resultados para o olhar do gestor”. (FALEIROS, 2014, p. 719). 1101

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Entretanto, mesmo que diante da informatização das políticas públicas que contemplam a atuação do Assistente Social, o Serviço Social tem se inserido lentamente nesse universo tecnológico. O Serviço Social precisa se capacitar para este debate e para inovar na sua prática profissional, procurando incorporar os novos produtos e processualidades da Revolução Informacional, traduzindo-os em práxis ídeo- política, enquanto cultura profissional, para não correr o risco de ver-se desqualificado frente às novas exigências histórico-estruturais da chamada “Sociedade da Informação”. (SILVA, 2003 apud SOUZA, 2004). Portanto, cabe à categoria e às Instituições representativas e de formação se apropriar de demandas referentes ao planejamento, construção, fundamentação e implantação de ferramentas tecnológicas no exercício profissional, para que não sejamos despejados nesse novo cenário e nos tornemos meros operadores de sistemas que foram pensados e construídos em razão do Estado, sem nenhuma aplicação a serviço da classe trabalhadora no cotidiano profissional. É necessário que no exercício profissional do Assistente Social, bem como na formação profissional, reconheça a necessidade de pensar criticamente a inserção da tecnologia, sem que haja esforços para negá-la. O não enfrentamento desse debate, ao nosso ver, impedirá que o Serviço Social dê um passo à frente, em continuidade à necessária crítica ao conservantismo e ao tecnicismo na profissão, propondo nesse novo patamar uma grade operativa vinculada à produção teórico-metodológica consequente com o movimento hegemônico na profissão. (SILVA, 2003 apud SOUZA, 2004). Negar ou tentar desviar-se da inserção da tecnologia coloca o Serviço Social em uma posição vulnerável diante das ofensas que o capital internaliza na tecnologia. Devemos considerar que as ferramentas tecnológicas não podem ser pensadas como instrumentos neutros, mas sim dotadas de intencionalidade em sua aplicação, principalmente quando se trata de políticas sociais, sendo esta intenção na direção do projeto da profissão, articulado no Código de Ética de 1993, conquista histórica da categoria. O isolamento social vivenciado no atual cenário de pandemia em função do Covid-19 tem exigido, escancaradamente, o mergulho forçado de profissões tímidas 1102

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI tecnologicamente, como o Serviço Social, neste universo e confrontado suas práticas. Parte dos Assistentes Sociais têm sido impactados diretamente pela inserção massiva das ferramentas tecnológicas no seu cotidiano por conta da exigência do home work e das web reuniões, por exemplo. Outros profissionais têm sido atingidos indiretamente com a chegada de um “novo tipo de demanda” diretamente influenciada por sistemas e aplicativos tecnológicos que mediam o acesso do trabalhador/usuário a direitos sociais e serviços públicos como em relação aos profissionais da Assistência Social que tem se deparado com os insucessos de acesso ao Auxílio Emergencial, disponibilizado pelo Governo Federal durante o período de pandemia, como uma demanda ainda desconhecida, porém que interfere diretamente na subsistência familiar desse usuário, responsabilidade enquanto atribuição especifica do assistente social de atendimento em situações emergenciais, conforme citado anteriormente em artigo específico do Código de Ética de 1993. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com isso, é necessário refletir acerca do domínio da categoria em relação a novas formas de atuar profissionalmente para que, quando diante de sistemas e ferramentas tecnológicas no cotidiano profissional, o Assistente Social tenha condições de reconhecer as intempéries que compõem a inserção da tecnologia, bem como as possibilidades que ela desvenda para a profissão como, por exemplo, a ampliação e atualização constante de bancos de dados de usuários, a implantação de sistemas de cruzamento de dados, a agilidade na intervenção profissional e o acesso à informação rápida e trocas necessárias com a rede de atenção ao usuário. Deve-se reconhecer que há nuances que precisam ser refletidas no mundo do trabalho em relação à inserção da tecnologia nos processos de trabalho em geral, inclusive no Serviço Social, materializados na desumanização do trabalho, em virtude da automação, nas cargas extensivas de trabalho produzidas por conta do trabalho realizado em casa por meio da conexão com a internet, o home office, e no enfraquecimento da classe trabalhadora, dentre muitos aspectos que exigem um estudo específico. Porém, não podemos deixar de reconhecer que há um complexo evento por trás do avanço da tecnologia que determina seu uso hegemônico em favor da 1103

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI acumulação capitalista, não há a máquina pela máquina, há a utilização da máquina em favor do capital, deslocada de um ideal de democratização, seja de utilização, de acesso ou mesmo de consumo daquilo que se pode produzir por meio dela. Este avanço tecnológico sobre o exercício e a formação profissional do assistente social não pode ser minimizado, visto que é necessário que se produza meios de formar profissionais que estejam conscientes dos vieses que as ferramentas tecnológicas podem possuir, para que se possa intervir por meio delas como estratégia de garantir e assegurar direitos. Portanto, devemos nos colocar neste cenário enquanto classe que se constrói consciente dessa hegemonia e capaz de enfrentar a burocracia enrustida nas ferramentas tecnológicas que participam do fazer profissional do Serviço Social, reconhecendo as possibilidades da tecnologia em favor do usuário e do resguardo da dignidade humana e da efetivação constante e permanente de direitos sociais. REFERÊNCIAS ABRAMIDES, Maria Beatriz Costa. Projeto Ético Político. In: Dicionário Crítico: Estágio Supervisionado em Serviço Social. MESQUITA, P. de M.; GUERRA, Y.; GONÇAVES, A. de M. (Org.). Fortaleza: Socialis, 2019. p. 159-165. FALEIROS, V. de P. O Serviço Social no cotidiano: fios e desafios. In: Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo, Núm. 20, p. 706-722, Out/Dez, 2014. GUERRA. Yolanda. Consolidar avanços, superar limites e enfrentar desafios: os fundamentos de uma formação profissional crítica. In: Serviço Social e seus fundamentos: Conhecimento e Crítica. GUERRA, Yolanda et. al.(Orgs.). Campinas: Papel Social, 2018. p. 25-46. LOJKINE, J. A Revolução Informacional. São Paulo: Cortez Editora, 1995. MARX, K. O Capital: Crítica da Economia Política. Vol. 1. São Paulo: Nova Cultural, 1988. SILVA, M. A. O Assistente Social e Tecnologia de Informação.Serviço Social em Revista. Vol. 6, Núm. 1, Jul/Dez, 2003. SOUZA, P. C. Sociedade da Informação e Serviço Social: uma nova estratégia de intervenção? Disponível em: <http://www.uel.br/cesa/sersocial/principalgeral.html> Acesso em: 10/06/2020. TAVARES, Cristina; SELIGMAN, Milton. Informática: a batalha do século XXI. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. 1104

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI VELOSO, Renato dos Santos. Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profissional. (Tese de Doutorado) Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. VIEIRA PINTO, A. O conceito de tecnologia. Vol. 1. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. 1105

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS FLEXIBILIZAÇÃO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO DOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS AVULSOS – TPA’S: uma análise nos Portos Itaqui e Ponta da Madeira em São Luís – MA SE FLEXIBILIZATION IN WORK RELATIONSHIPS OF AVULSOS PORT WORKERS - TPA’s: an analysis at the Itaqui and Ponta da Madeira Ports in São Luís – MA Ingrid Laiane Veras Cruz1 Maysa Barbosa Moreira2 RESUMO A sociedade está em constante modificação, o que implica também em mudanças nas relações de trabalho a partir da reestruturação do capitalismo global. Nesse sentido, esta pesquisa em processo de maturação pretende dialogar acerca das dinâmicas ocorridas nas relações de trabalho que envolvem o Trabalhador Portuário Avulso – TPA inseridos nos terminais portuários Itaqui e Ponta da Madeira localizados em São Luís – MA. Para tanto, foi realizada pesquisa exploratória e bibliográfica que enfatiza as mudanças ocorridas no mundo do trabalho, bem como modifica as formas de organização social, implicando em uma diversidade de perfis de trabalhadores nos mais variados setores do cotidiano, reflexo das várias transformações oriundas do modo de produção capitalista. Os resultados apontam as diversas transformações no mundo do trabalho, ressignificando as relações de trabalho que colocam os TPA’S como uma modalidade de trabalhador precarizado. Palavras-Chaves: Trabalho. Capitalismo. Flexibilização. TPA’s. Precarização. ABSTRACT 1 Pós-graduanda em Direito Tributário e Aduaneiro – PUC/MG. E-mail: [email protected]. 2 Mestranda em Ciências Sociais – PPGCSOC/UFMA. E-mail: [email protected]. 1106

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Society is constantly changing, which also implies changes in labor relations from the restructuring of global capitalism. In this sense, this research in the maturation process intends to dialogue about the dynamics that occurred in the work relationships that involve the Single Port Worker - TPA inserted in the Itaqui and Ponta da Madeira port terminals located in São Luís - MA. To this end, exploratory and bibliographic research was carried out that emphasizes the changes that have occurred in the world of work, as well as modifying the forms of social organization, implying a diversity of worker profiles in the most varied sectors of daily life, reflecting the various transformations arising from the way capitalist production. The results show the various transformations in the world of work, giving new meaning to the work relationships that place TPA’s as a precarious worker. KEYWORDS: Job. Capitalism. Flexibilization. TPA’s. Precariousness. INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é apresentar uma discussão teórica em fase de maturação que envolve a situação de trabalhadores portuários avulsos – TPA’s inseridos nos Portos Itaqui e Ponta da Madeira na cidade de São Luís – MA. As flexibilizações ocorridas no mundo do trabalho propõem novas formas de organização social, onde nem sempre os trabalhadores possuem direitos assegurados. Nesse sentido, o trabalhador portuário avulso se difere dos trabalhadores vinculados, por não possuir vínculo empregatício e desenvolver funções temporárias, geralmente por órgãos terceirizados, onde a cada contratação, aperfeiçoa-se uma nova relação com o respectivo tomador de serviços, independente da anterior. A reestruturação organizacional dos portos, a dinâmica tecnológica e um quadro de privatização crescente, desde os anos 1990, criaram um novo referencial para o trabalho, mudando relações técnicas e sociais de categorias históricas. Logo, tais tendências já vêm se desenvolvendo há vários anos, sem que a política de conciliação de classes promovida pelas lideranças sindicais e pelos governos de recorte social-liberal mostre-se capaz de reverter a degradação das condições de vida e de trabalho dos “novos proletários” (ANTUNES, 2018). Deste sistema discriminatório de sociedade, surge um aumento da população sem emprego formal, desencadeando assim, difícil acesso ao mercado de trabalho, obrigando os trabalhadores a buscar novas formas de sustento, diversas no mercado, 1107

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ocorrendo assim, a formalização como prestadores de serviços autônomos. As transformações do trabalho inscritas no marco da globalização neoliberal e da reestruturação produtiva nas últimas décadas podem ser sintetizadas nos processos de flexibilização, desregulamentação e precarização social, como afirmavam Marx e Engels (2007), em “A ideologia alemã”. Isto posto, o trabalho possui como prerrogativa enfatizar o debate que envolve a flexibilização nas relações de trabalho dos trabalhadores portuários avulsos inseridos no Portos Itaqui e Ponta da Madeira em São Luís – MA, ressaltando que a natureza dos dois portos são distintas, ao passo em que um é de natureza pública e o outro, privada. É apresentado um percurso metodológico que envolve pesquisa exploratória e bibliográfica. Nesse sentido, a pesquisa se debruça sobre a compreensão do cenário de transformações capitalistas, onde a precarização do trabalho e o processo de gestão da mão de obra portuária sofre modificações e propõe novos perfis de trabalhadores no setor portuário. 2 TRANSFORMAÇÕES CAPITALISTAS E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO O primordial intuito que decorre do modo de produção capitalista é a posse dos meios de produção, ou seja, a terra, a matéria-prima, a tecnologia, o conhecimento, o capital, as forças produtivas, dentre outros, necessários para a produção de mercadorias, são apropriados por uma classe que detém o monopólio sobre os mesmos. Dessa essência que move a sociedade do capital surge um efeito oposto, que, logicamente, são os indivíduos não detentores desses meios, restando para os mesmos vender ou alugar a sua força de trabalho como meio de sobrevivência. Em relação aos que vendem ou alugam a sua força de trabalho, Catani (2011) cita o exemplo do artesão que era dono tanto de seu trabalho como de seus meios de produção, se tratando até então de um produtor independente, que vendia seu produto e não sua força de trabalho, porém com expansão capitalista foi liquidado pelas fabricas sempre crescentes e, ao final, com suas dívidas perderam os seus meios de produção e nada lhes restou para vender senão a sua força de trabalho. No mesmo norte Catani (2011) estabelece sobre o capitalismo: 1108

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Para que exista capitalismo faz-se necessário a concentração da propriedade dos meios de produção em mãos de uma classe social e a presença de uma outra única fonte de subsistência. Estes requisitos Marx demonstrou terem sido estabelecidos através de um processo histórico que transformou as antigas relações econômicas dominantes no feudalismo, destruindo-as ao mesmo tempo que se construía o capitalismo. (CATANI, 2011) Outra característica do modo de produção capitalista é uma feroz luta concorrencial entre os proprietários dos meios de produção, podendo nomeá-los como capitalistas, pois esses que obtém a concentração de lucro, procurando produzir a maior quantidade possível de mercadorias e vende-las ao menor preço. Assim, forma-se uma luta desigual, de certa feita que as pequenas e medias empresas são derrubadas pelas grandes. Marx denomina esse fenômeno de centralização do capital (MARX, 1979). De acordo com Antunes (2018), as transformações ocorridas no capitalismo recente no Brasil, marcadamente na década de 1990, impulsionadas pela nova divisão internacional do trabalho, foram de grande intensidade sobretudo no mundo do trabalho. O Brasil se estruturava, então, com base em um desenho produtivo bifronte: de um lado, voltado para a produção de bens de consumo duráveis, como automóveis, eletrodomésticos etc., visando um mercado interno restrito e seletivo. Por outro, dada sua condição de dependência em relação ao capitalismo avançado, desenvolvia a produção direcionada à exportação, tanto de produtos primários quanto de produtos industrializados. Internamente, a dinâmica do padrão de acumulação capitalista se baseava na vigência de um processo de superexploração da força de trabalho, caracterizado por baixos salários, ritmos de produção intensificados, jornadas prolongadas, combinando uma extração tanto do mais-valor absoluto quanto do mais-valor relativo (ANTUNES, 2018). Oriundos desse processo de expansão do capitalismo, passa a coexistir a flexibilização nas relações de trabalho, onde ainda que a globalização não seja absoluta na realidade das nações, a mundialização do capital marca de forma diferenciada a atividade do trabalho. Nesse contexto, a globalização tem sido um processo de expansão e hegemonia do sistema capitalista, da transformação do Estado de bem-estar social nos países desenvolvidos, da reestruturação produtiva marcada pela flexibilidade e inovações organizacionais, a partir de setores econômicos chave, da disseminação da tecnologia da informação, levando ao encolhimento da participação do trabalho na produção de riqueza (ARAÚJO, 2013). 1109

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Isto posto, uma vez desestruturada, a relação de emprego padrão, onde prevalece o trabalhador assalariado formal, o trabalho remunerado que garante reconhecimento social entrou em convulsão com as renovadas crises da acumulação. À existência múltipla e coetânea do trabalho parcial, por tempo determinado, sem contrato, em domicílio, autônomo, precário, associado, solidário, os pesquisadores procuram compreender essa diversidade decorrente dos mecanismos de rebaixamento dos custos do trabalho, de sua desregulamentação e perda de valor do trabalho na sociedade contemporânea (ARAÚJO, 2013). Desse modo, observa-se uma drástica mudança do modo de produção capitalista e as diversas expressões de trabalho nos dias atuais tais como: aparecimento de novas modalidades de trabalho temporário, intermitente, do desemprego estrutural, entre outros, tornam-se menores as ofertas de postos de trabalhos formais, pautadas na relação clássica de emprego. Segundo a Organização Internacional do Trabalho - OIT (2015), a economia global vem perdendo a capacidade de criar novos postos de trabalho. O desemprego, em razão da crise econômica internacional, tende a crescer. Demonstra-se, ainda, que o crescente desemprego em escala global, faz com que a tendência aos trabalhos informais e exercidos de forma autônoma aumente, abrandando-se a predominância dos modelos clássicos das relações de emprego, assim, os trabalhos nos quais o empregado possui subordinação jurídica direta ao empregador, com remuneração fixa e com jornada de trabalho regular perdem espaço no atual cenário (OIT, 2015). De acordo com a OIT (2018) a tendência ao desemprego mundial continua alta, diante deste cenário, surge como alternativa para os governos locais a flexibilização das leis trabalhistas, pois, defende-se que o alto custo para a manutenção do empregado inviabiliza novas contratações, sendo necessário flexibilizar e reduzir direitos, barateando os custos, a fim de oportunizar o acesso de mais pessoas aos postos de trabalho. No Brasil, a Lei nº 13.467 de julho de 2017, conhecida como “reforma trabalhista” alterou diversos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), trazendo uma nova configuração para as relações de trabalho. Serão abordadas aqui as principais mudanças trazidas pela nova legislação, que abrandam a proteção e os direitos trabalhistas. Tem-se que, dentre as principais mudanças trazidas pela reforma, 1110

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI estão a implementação do trabalho intermitente, a prevalência das negociações individuais de trabalho sobre o legislado, e a possibilidade de terceirização irrestrita que é exatamente o que ocorre no ramo do trabalho portuário avulso. Essas novas normas de flexibilização trabalhista tratam-se, na verdade, de formas de precarização do trabalho, que atingem a dimensão subjetiva interpessoal e social dos trabalhadores expostos ao trabalho vulnerável, com a redução de proteção e de garantias. Como consequência, tem-se com a desvalorização dos salários e a perda da qualidade de vida em detrimento do trabalho. Ainda, o trabalhador passa a perder a sua capacidade de consumo e de fomentar, consequentemente o mercado. Por outro lado, os mecanismos de proteção social, como a previdência social, também acabam prejudicados, segundo a Agenda do Trabalho Decente das Américas, da OIT: No plano social e do mercado de trabalho, os resultados das reformas da década de 1990 foram bastante decepcionantes na América Latina e no Caribe. O produto por trabalhador cresceu a uma taxa muito baixa (0,21% ao ano entre 1990 e 2005), e, ao mesmo tempo, se observou um incremento do desemprego e do emprego informal. Em alguns países (os casos mais notáveis são Argentina, Colômbia e Peru), efetuaram-se reformas que flexibilizaram a contratação e a demissão, e, em muitos casos, foram abandonados mecanismos solidários de proteção social, tanto relativos às aposentadorias e pensões como à saúde e à proteção a acidentes e enfermidades profissionais, sem que houvesse um aumento da cobertura do sistema (OIT, 2006) Com a flexibilização da regulamentação do trabalho e a redução de direitos trabalhistas, a OIT (2015) ainda alerta para o crescimento da desigualdade de renda a nível global, pois, com o crescimento do trabalho informal, e consequentemente precário, os desníveis de remuneração crescem. É necessária, portanto, a promoção de políticas estatais que tenham a finalidade de proteger não apenas as relações formais de emprego, mas que proteja todas as formas de trabalho das incertezas e inseguranças promovidas pelas novas tendências de trabalho global. Nota-se, todavia, que ocorre que embora haja uma dependência mútua entre trabalhador e empregador, o problema consiste no fato de não haver equilíbrio, pois surge uma relação de exploração já que os empregadores se apropriam do lucro produzido através do trabalho dos operários. Marx (1979) chama esse fenômeno de ‘mais-valia’ o trabalho que gera lucro, pois entende que o dinheiro não gera dinheiro, mas sim o trabalho gera dinheiro. Coloca que a mais-valia é o valor que é gerado através 1111

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI do trabalho, mas que não é repassado ao trabalhador, mas sim a classe dominante que poderá obter bens e acumular riquezas. À medida que a divisão do trabalho se desenvolve e a acumulação aumenta, mais se torna aguda a fragmentação. O próprio trabalho só pode subsistir sob o pressuposto dessa fragmentação. Aqui, pois, surgem dois fatos. O primeiro é que as forças produtivas aparecem como totalmente independentes e separadas dos indivíduos, como um mundo apartado ao lado deles. O que se fundamenta no fato de que os indivíduos, dos quais as forças produtivas se compõem, existem como indivíduos separados e em oposição mútua, ao passo que, por outro lado, essas forças só são forças reais no intercâmbio desses mesmos indivíduos. Por um lado, então, temos uma totalidade de forças produtivas que adquiriram como que uma forma objetiva e que, para os próprios indivíduos, não são mais suas próprias forças, mas as da propriedade privada e, por isso mesmo, são apenas as forças dos indivíduos enquanto proprietários privados. Em nenhum período anterior as forças produtivas haviam tomado essa forma indiferente para as trocas dos indivíduos enquanto indivíduos, porque suas próprias trocas eram ainda limitadas (...) O trabalho, única conexão que os indivíduos ainda mantêm com as forças produtivas e com a sua própria existência, perdeu para eles toda a aparência de atividade de si mesmos e só conserva sua vida atrofiando-a. (MARX; ENGELS,1979). Busca-se pelo empregador um crescente lucro decorrente de mão de obra cada vez mais barata, existe uma lógica no mundo capitalista que determina que quanto mais barata for a mão de obra, mais lucro as grandes empresas terão, o trabalhador não é tratado como fonte principal do mercado econômico, mas sim como um fonte secundária de onde se extrai apenas a força e a mão de obra, sem ser necessário muitos privilégios em troca do labor, o capitalismo não tem intenção de valorizar a força laboral como matéria essencial e insubstituível na engrenagem social ao qual estamos inseridos. 3 TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO: impasses e desafios nos Portos Itaqui e Ponta da Madeira em São Luís – MA Uma análise do cenário econômico brasileiro, mesmo que resumida, é a premissa básica para contextualizar e compreender o desempenho do setor portuário nacional em um determinado período. As variações de mercado, como flutuações de preço e do câmbio, têm impacto direto nas decisões dos atores envolvidos no comércio e na corrente logística de transportes de bens e insumos, no país e em suas vias navegáveis. Nesse sentido, compreender as relações de trabalho no interior dos Terminais portuários, tanto públicos como privados, se constitui como objeto de estudo que 1112

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI facilita o entendimento sobre as dinâmicas de trabalho que envolvem o trabalhador portuário avulso. Cabe ressaltar que a pesquisa propõe uma análise em dois portos de naturezas distintas, tendo em vista que o Porto do Itaqui é um porto marítimo, ou seja, uma área protegida localizada na beira do mar/oceano/lago destinada ao atracamento de embarcações (MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES, 2014). É integrante do Complexo Portuário do Itaqui, de natureza pública que fica localizado na Baía de São Marcos no município de São Luis, Maranhão. É atualmente administrado pela EMAP – Empresa Maranhense de Administração Portuária, empresa de caráter estatal, de responsabilidade jurídica de direito privado e constituída pela Lei Estadual nº 7.225, de 31 de agosto de 1998, e alterada pelo Art. 66. Da Lei Estadual nº 7.356, de 29 de dezembro de 1998. Sediada no Porto do Itaqui e vinculada à Secretaria de Estado da Indústria e Comércio (EMAP, 2011). Já o Terminal Marítimo de Ponta da Madeira é um porto privado pertencente à Vale S/A, adjacente ao porto de Itaqui, próximo à cidade de São Luís e defronte à Baía de São Marcos, no Maranhão, norte do Brasil. O Porto Ponta da madeira, destina-se principalmente à exportação de minério de ferro trazido do projeto Serra dos Carajás, no Pará. O local foi escolhido no lugar do porto de Belém, mais próximo, devido à profundidade natural da baía de São Marcos, de mais de 26m durante a maré baixa, que permitiria minimizar os custos com dragagem para a atracação de navios graneleiros de grande porte (PORTOGENTE, 2016). Atualmente, com o advento do desenvolvimento tecnológico houve uma progressiva exclusão da mão de obra humana, ocasionando um processo de desemprego estrutural. Segundo Ricardo Antunes (2011), “quando o trabalho vivo (trabalhadores de fato) é eliminado, o trabalhador se precariza, vira camelô, faz bico etc. Isto posto, nasce a figura do trabalhador portuário avulso (TPA) que é aquele que, segundo o artigo 12, inciso VI da Lei 8.212 “presta serviço a inúmeras empresas sem vínculo empregatício”. Para tanto, é necessário que eles sejam intermediados por um órgão gestor específico, denominado OGMO (Órgão Gestor de Mão-de-obra) que é composto por um representante do governo para que este distribua os trabalhos disponíveis de forma organizada entre os TPA’s (FUENTE, 2012). 1113

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ressalta-se que um dos marcos na história portuária brasileira é a Lei de Modernização dos Portos de 1993 (Lei n.º 8.630/93). Desde sua aprovação, é adotado o modelo de exploração portuária, conhecido como landlordport: o Estado é responsável pela administração e investimentos na infraestrutura portuária e a operação dos terminais é cedida à iniciativa privada, que compra equipamentos, contrata mão de obra e impulsiona a produtividade. Nessa ótica, é relevante analisar que a economia mundial tem fomentado o crescimento dos portos, mas não ativado a demanda por trabalhadores. Há movimento de expansão, retração e organização da força de trabalho portuária, em diferentes conjunturas (ARAÚJO,2013). Mesmo diante de toda a expansão portuária e modernização dos portos, os trabalhadores portuários estão incluídos em um processo de precarização que atinge quase todos os setores econômicos, conformando degradação das condições de trabalho, perda de direitos, redução de garantias e benefícios, instabilidade no emprego com indefinição do empregador, ação de mediadores, tornando vulnerável a situação dos trabalhadores. Nesse tocante, o trabalho portuário avulso nasceu na precariedade e como trabalho manual nato atinge hoje uma situação de multifuncionalidade sem ser um trabalho vinculado. Por conseguinte, destaca-se que o fato de a legislação de modernização dos portos datar de 1993 com o controle pelo OGMO e anteceder as medidas de reforma do sistema de relações de trabalho adotadas pelo governo, na década de 1990, não justifica a instabilidade permanente do trabalho portuário. A sua precarização precede a história recente da desregulamentação do trabalho no país, haja vista que mudanças mais acentuadas configuram uma onda de dilapidação dos direitos sociais e trabalhistas e, muitos são os processos trabalhistas de portuários que reclamam aviso prévio, 13º salário, férias proporcionais, depósito FGTS. Cabe ressaltar que em meio ao modelo econômico neoliberal, as políticas do trabalho foram favoráveis à flexibilização dos contratos de trabalho, à desregulação do mercado de trabalho e à transferência de responsabilidade exclusiva para o indivíduo pela trajetória ocupacional, mediante a adoção das políticas de formação e qualificação profissional (ARAÚJO,2013). Destarte, é valido salientar que os dois portos em análise possuem natureza distintas, sendo o porto da Ponta da Madeira um porto privado pertencente à empresa 1114

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Vale S.A., adjacente ao porto do Itaqui, e próximo à cidade de São Luís e defronte à Baía de São Marcos, no Maranhão. Destina-se principalmente à exportação de minério de ferro trazido do projeto Serra dos Carajás, no Pará. Já no que diz respeito ao porto do Itaqui, ele é um porto marítimo público localizado na Baía de São Marcos, no município de São Luís, Maranhão, administrado pela Empresa Maranhense de Administração Portuária (EMAP). As atividades do porto tiveram início em julho de 1974, sendo uma das principais características se refere à sua proximidade relativa com grandes centros do mercado mundial, como a Europa, América do Norte e o Canal do Panamá (PEREIRA, 2018). O trabalho portuário avulso possui características específicas que o diferenciam, dentre as quais destaca-se que a principal delas é a intermediação obrigatória pelo Órgão de Gestão de Mão de obra – OGMO, e não pelo sindicato laboral. Exposto isso, ressalta-se que o trabalhador portuário é aquele habilitado a executar atividades realizadas nas instalações de uso público ou privativo, dentro ou fora dos limites do porto organizado, nos casos previstos. A lei estabelece duas formas de trabalho: o trabalho portuário avulso e o trabalho portuário com vínculo empregatício. Essa é uma inovação, pois antes não era possível o trabalho com vínculo empregatício, salvo na capatazia onde eram empregados das Cias. Docas. Muitas vezes o termo trabalhador portuário designa tanto um gênero de trabalhador (aquele que labora nos portos), quanto aquele registrado no OGMO e cedido, em caráter permanente, com vínculo empregatício, a prazo indeterminado ao operador portuário (ARAÚJO,2013). Logo, denomina-se trabalhador portuário avulso (TPA), aquele que, inscrito no OGMO, presta serviços na área do porto organizado, sem vínculo empregatício, a vários tomadores de mão de obra. Não obstante a distinção contida no art. 18 da Lei n.º 8.630/93, os trabalhadores integrantes do registro e do cadastro são todos avulsos, situação que só se altera se o trabalhador for cedido pelo OGMO a operador portuário com vínculo empregatício a prazo indeterminado. A requisição de trabalhadores avulsos era feita pelas chamadas entidades estivadoras (armadores e seus agentes) aos sindicatos das respectivas categorias profissionais; na atualidade, são os sindicatos dos operadores portuários que negociam com os sindicatos de trabalhadores portuários as condições de trabalho. Medidas como essa acompanham a tendência mundial quanto à 1115

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI administração portuária, que recomenda a constituição de Conselhos de Autoridade Portuária (CAP) e a organização coletiva do trabalho, para desviar o corporativismo das categorias envolvidas (ARAÚJO, 2013). A precarização política, em outra perspectiva, é exposta por Castel (2009) ao analisar a fragilização da cidadania no processo de desmonte de estruturas governamentais e legislações que até os anos 1970 garantiam direitos sociais e políticas de proteção social. Esta precarização concorre para a desproteção que pode tornar-se desamparo, vivenciado na intermitência entre trabalho desregulamentado e desemprego, pelos mais pobres e desprovidos de capital social, especialmente em países nos quais esta falta corresponde, em grande parte, a carências de ordem educacional. Por conseguinte, é salutar a discussão que envolve as variadas formas de organização trabalhistas, onde a precarização é um processo multidimensional que altera a vida dentro e fora do trabalho. Nas empresas se expressa em formas de organização pautadas no just in time, na gestão pelo medo, nas práticas participativas forçadas, na imposição sútil de auto aceleração, na multifuncionalidade, dentre outros métodos voltados ao controle maximizado. São processos de dominação que mesclam insegurança, incerteza, sujeição, competição, proliferação da desconfiança e do individualismo, sequestro do tempo e da subjetividade. São afetadas as demais dimensões da vida social, laços familiares e intergeracionais. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A situação de crise estrutural capitalista vem se prolongando e modificando intensamente a organização do trabalho e sua participação no processo de acumulação capitalista. Assim, compreender o processo de precarização do trabalho, a partir da experiência dos trabalhadores portuários avulsos, tomando por referência os portos do Itaqui e Porto Ponta da Madeira localizados na cidade de São Luís – MA, é de fundamental importância para refletir sobre as mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Desse modo, nota-se que o processo de precarização atinge os setores econômicos, causando degradação das condições de trabalho, perda de direitos, 1116

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI redução de garantias e benefícios, instabilidade no emprego com indefinição do empregador, tornando, assim, vulnerável a situação dos trabalhadores. Ainda mais no que se refere ao trabalho portuário avulso, uma vez que o mesmo, nasceu na precariedade sendo um trabalho manual que atinge situação de multifuncionalidade, ou seja, desenvolvendo diversos serviços sem ter um vínculo empregatício que possibilite ao trabalhador comungar dos seus direitos sociais tais como estão assegurados aos trabalhadores vinculados aos portos. REFERÊNCIAS ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital / Ricardo Antunes. - 1. ed. - São Paulo: Boitempo, 2018. (Mundo do trabalho) recurso digital. ARAÚJO, Silvia. Da precarização do trabalhador portuário avulso a uma teoria da precariedade do trabalho. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 69922013000300006> acesso em 05 de maio. de 2020 BRASIL. Lei de Modernização dos Portos, de 1993 (Lei n.º 8.630/93). Disponível em< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12815.htm> acesso em 05 de jun. de 2020. CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. CATANI, A.M. O que é Capitalismo - Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Abril Cultural / Brasiliense: 2011. ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007 FUENTE, Michele. Trabalhador portuário avulso, cadastrado e registrado, distinção que fere o princípio da igualdade. Disponível em< http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,trabalhador-portuario-avulso-cadastrado- e-registrado-distincao-que-fere-o-principio-da-igualdade,37954.html> acesso em 04 de jun. de 2020 MARX, K. O Capital - crítica de economia política. Livro 1, vol.2. 8 ed. São Paulo: DIFEL, 1982. OIT. Trabalho decente nas Américas: uma agenda hemisférica 2006-2015. in: XIV Reunião Regional Americana. Brasília, 2006. Disponível em: 1117

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_615927/lang--pt/index.htm. Acesso em 05 de abril de 2020 OIT. Perspectivas sociais e de emprego no mundo- mudança na modalidade de emprego-sumário executivo. Geneva, 2015. 8 p. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_615927/lang--pt/index.htm . Acesso em 05 de abril de 2020 PEREIRA, Danielle. SOCIEDADE E NATUREZA: uma análise sobre o espaço socioambiental do Porto do Itaqui - São Luís - Ma, no período de 1970-2017. Disponível em< http://www.ppdsr.uema.br/wpcontent/uploads/2018/08/DISSERTA%C3%87%C3%83O -FINAL-Danielle1.pdf> Acesso em 19 de dez. de 2019. 1118

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS PARTICULARIDADES DA “QUESTÃO SOCIAL” BRASILEIRA: contribuições para o debate a partir da formação do estado- latino-americano PARTICULARITIES OF THE BRAZILIAN “SOCIAL ISSUE”: contributions to the debate based on the formation of the Latin American state Eduarda Salla 1 Júlia Isotton 2 RESUMO A “questão social” tem sua origem demarcada pela constituição e desenvolvimento do capitalismo e assume particularidades de acordo com as regiões analisadas em relação ao movimento de acumulação capitalista. No Brasil, tais particularidades estão estreitamente ligadas ao processo de formação do Estado latino-americano, o qual se insere como um país dependente na lógica de acumulação capitalista, devido aos processos peculiares da formação sócio-histórica da América latina. O presente artigo tem como finalidade abordar a constituição da \"questão social\", destacar elementos centrais da formação sócio- histórica da América Latina e refletir sobre as especificidades que conformam a \"questão social\" brasileira. Palavras-Chaves: Questão Social; Acumulação capitalista; Estado Latino-Americano; Brasil. ABSTRACT The “social question” has its origin delimitaded by the constitution and development of capitalism and takes on particularities according to the analyzed regions in relation to the capitalist accumulation movement. In Brazil, these particularities are closely related to the 1 Graduanda de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista de iniciação científica/PIBIC vinculada ao grupo de estudos e pesquisa Trabalho e Política Social na América Latina - Veias Abertas. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. 1119

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI formation process of the Latin-American State, which insert itself as a dependent country on the capitalist accumulation logic, due to its peculiar processes in the social-historical formation of Latin America. The present paper aims to approach the “social question” constitution, highlight the central elements of the social-historical formation of Latin America and reflect on the specificities that conform the Brazilian “social question”. KEYWORDS: Social Question, Capitalist accumulation; Latin-American State; Brazil. INTRODUÇÃO Considerando-se a necessidade de avançar cada vez mais nas reflexões acerca da “questão social” brasileira, compreendendo-a em relação ao processo geral de desenvolvimento e acumulação capitalista, da formação sócio-histórico do estado latino-americano e em especial o caso do Brasil, o presente trabalho foi elaborado a partir de revisão bibliográfica de autores (principalmente da área do Serviço Social) alinhados ao método materialista dialético, os quais a partir da teoria social crítica, podem auxiliar na análise das raízes da “questão social” inserida no desenvolvimento do capitalismo dependente. As reflexões apresentadas no trabalho são frutos do interesse estudantil pela investigação da realidade, bem como produtos parciais desenvolvidos no âmbito do grupo de estudos da pesquisa intitulada A questão do Estado no capitalismo dependente: cartografia categorial desde a Teoria Marxista da Dependência que tem por objetivo analisar a questão do Estado no Capitalismo dependente, decifrando a contradição entre a ideologia da modernização do Estado latino-americano e sua expressão fenomênica concreta - como coadjuvante no processo de aprofundamento da desigualdade social, produto da sobreposição entre subdesenvolvimento e dependência. 2 ELEMENTOS ACERCA DA CONSTITUIÇÃO DA “QUESTÃO SOCIAL” Segundo Netto (2001), a expressão “questão social” surge por volta da terceira década do século XIX, sendo utilizada por autores de diferentes concepções políticas 1120

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI para explicar o fenômeno oriundo da primeira onda industrializante na Inglaterra: o pauperismo, isto é, a pobreza acentuada e generalizada, que será abordada mais adiante. O autor atenta para o fato de que a definição da “questão social” está diretamente ligada aos desenrolar sócio-político daquele momento histórico: Lamentavelmente para a ordem burguesa que se consolidava, os pauperizados não se conformaram com a sua situação: da primeira década até a metade do século XIX, seu protesto tomou as mais diversas formas, da violência luddista à constituição das trade unions, configurando uma ameaça real às instituições sociais existentes. Foi a partir da perspectiva efetiva de uma eversão da ordem burguesa que o pauperismo se designou como “questão social”. (NETTO, 2001, p. 43) A partir do surgimento do termo, e posteriormente do seu uso majoritário pelo ideário conservador que buscava apagar sua historicidade, naturalizando as expressões da “questão social”3 (desemprego, doenças, fome etc.) colocando-as como desdobramentos de qualquer ordem social e passíveis de amenização através de reformas morais e da sociedade, fica evidente o solo de disputa sobre o qual se move a “questão social”. Esta é, conforme Iamamoto, “indissociável das configurações assumidas pelo trabalho e encontra-se necessariamente situada em uma arena de disputas entre projetos societários, informados por distintos interesses de classe, acerca de concepções e propostas para a condução das políticas econômicas e sociais.” (2001, p.10) A compreensão teórica da origem e dos processos de reprodução da “questão social” vieram mais adiante, com a publicação d’O Capital e o desvelamento de sua dinâmica complexa que não pode imediatamente reduzir-se ao pauperismo (NETTO, 2001, p. 45). A partir daí avança-se no entendimento da ordem de produção capitalista, que indissociavelmente produz e reproduz suas condições materiais de existência, as relações contraditórias e formas sociais historicamente determinadas pelas quais se realiza. (IAMAMOTO, 2001, p. 11) 3 O uso das aspas em todo o texto decorre da concordância com Netto, quando este apresenta o desenvolvimento do uso da expressão “questão social” e da tomada de consciência política, durante a Revolução Francesa, acerca do antagonismo de interesses entre as classes fundamentais, resultando na apreensão por parte do proletariado de que o que se chamava de “questão social” só seria efetivamente resolvido com a derrubada da ordem burguesa. Ou seja, foi adquirida a clareza de que o reformismo, conservador da propriedade privada dos meios de produção, não era o bastante: “A partir daí, o pensamento revolucionário passou a identificar, na própria expressão “questão social”, uma tergiversação conservadora, e a só empregá-la indicando este traço mistificador”. (2001, p. 44-45) 1121

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quando Marx diz que “a riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma ‘imensa coleção de mercadorias’” (1988, p. 45), ele está falando inclusive do trabalhador, que para sobreviver aparece como vendedor da sua própria força de trabalho, da sua capacidade de trabalho que é vendida, por um tempo e salário determinados, a outro que detém o capital: Assim os agentes principais dessa sociedade - o capitalista e o trabalhador assalariado - aparecem como personificações do capital e do trabalho, isto é, portadores de determinados caracteres sociais que o processo social de produção imprime aos indivíduos sociais, produtos dessas relações, no âmbito das quais afirmam seu protagonismo. (IAMAMOTO, 2001, p. 13) Nesse sentido, é importante que ressaltar que a própria produção de mercadorias tem como finalidade a extração de mais valia, e não a satisfação das necessidades sociais da humanidade. Dessa forma, aproxima-se cada vez mais a reflexão sobre a gênese da “questão social”: Com o progresso da acumulação, o aumento da produtividade torna-se um de seus produtos e sua alavanca mais poderosa, operando-se uma mudança na composição técnica e de valor do capital. Reduz-se proporcionalmente o emprego da força viva de trabalho ante o emprego de meios de produção mais eficientes, impulsionando o aumento da produtividade do trabalho social. Reduz-se o tempo de trabalho socialmente necessário à produção de mercadorias, ou seja, o seu valor, ampliando simultaneamente o tempo de trabalho excedente ou mais-valia. (IAMAMOTO, 2001, p. 14) Decorre do avanço da ciência as tecnologias capazes de produzir mais em menos tempo, conformando um processo de investimento massivo em capital constante (máquinas) em detrimento do capital variável (trabalhadores). Como Iamamoto aponta, a população trabalhadora cresce mais rápido que os meios de sua ocupação, e soma-se à isso o interesse dos capitalistas, que intensificam cada vez mais a jornada de trabalho do menor número de trabalhadores, garantindo a extração da mais valia absoluta e relativa. (2001, p. 14) Assim cresce a superpopulação relativa, a concorrência entre trabalhadores e a submissão generalizada aos baixos salários. De forma contraditória, a pobreza cresce na mesma medida em que cresce a capacidade social de produzir riquezas, tem-se assim o crescimento do pauperismo enquanto condição da produção capitalista e do desenvolvimento da riqueza, amplo 1122

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI segmento4 formado por desempregados aptos ao trabalho e incapacitados para o trabalho, cuja sobrevivência depende da renda dos demais: Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências de riqueza. Mas quanto maior esse exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto mais maciça a superexploração consolidada, cuja miséria está em razão inversa do suplício de seu trabalho. Quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei absoluta geral, da acumulação capitalista. (MARX, 1985, p.209) Desta forma, compreende-se que a acumulação da miséria em relação à acumulação do capital é a raiz5 da chamada “questão social”, que envolve um conjunto de expressões que só podem ser analisadas no contexto da sociedade capitalista e das intermediações do Estado, considerando sua gênese comum na coletivização do trabalho que produz a riqueza social e na apropriação privada desta. A pobreza, exclusão e subalternidade são face da forma com que uma determinada classe (levando em consideração condições como gênero, etnia e outros) se insere na vida social, isto é, na produção e reprodução das relações de desigualdade em todos os planos. (YAZBEK, 2001 p.34). Tendo em vista aspectos gerais de constituição da “questão social” enquanto fenômeno e categoria, é momento de introduzir elementos iluminem as particularidades do processo de acumulação capitalista na formação sócio-histórica do Brasil: Se a “lei geral” opera independentemente de fronteiras políticas e culturais, seus resultantes societários trazem a marca da história que a concretiza. Isto 4 “A superpopulação relativa e como ela adquire expressões variadas: a) flutuante – constituída pelos trabalhadores que perambulam entre o emprego e o desemprego, suas ocupações são determinadas pelas necessidades da indústria ou dos ramos da produção de acordo com as condições estruturais do mercado capitalista; b) latente – resultado da mecanização e desenvolvimento das relações de produção capitalista no campo que elimina muitos trabalhadores e os forçam a migrarem para as cidades ou outros locais que ofereçam emprego; c) estagnada – trabalhadores que tem sua vida no trabalho marcada pela instabilidade e sempre compõem o quadro daqueles que executam atividades temporárias ou sem vínculos fixos.” (LARA, 2019, p. 4) 5 “A análise marxista da “lei geral da acumulação capitalista”, contida no vigésimo terceiro capítulo do livro publicado em 1867, revela a anatomia da “questão social”, sua complexidade, seu caráter de corolário (necessário) do desenvolvimento capitalista em todos os seus estágios. O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social” - diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da “questão social”; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social dominante. (NETTO, 2001, p. 45) 1123

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI significa que o desafio teórico acima salientado envolve, ainda, a pesquisa das diferencialidades histórico-culturais (que entrelaçam elementos de relação de classe, geracionais, de gêneros e de etnia constituídos em formações sociais específicas) que se cruza, e tensionam na efetividade social. (NETTO, 2001, p. 49) 3 PARTICULARIDADES DA FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA BRASILEIRA Considerando a questão social como o conjunto das contradições entre capital e trabalho sendo, portanto, inerente ao processo de acumulação e reprodução do capitalismo, se faz necessário analisar as particularidades - históricas, políticas, econômicas e sociais - que a acumulação capitalista assumiu historicamente no Brasil em relação desenvolvimento do capitalismo a nível mundial. Dessa forma, para que haja a compreensão dessas determinações particularidades, é fundamental a compreensão do processo de formação sócio-histórica do continente latino-americano. Nessa lógica, para analisarmos como o processo de acumulação se deu de maneira particular na América Latina, recorremos a Eric Williams o qual nos mostra a partir do livro Capitalismo e Escravidão, como o colonialismo e a escravidão nas Américas foram fundamentais para o processo de acumulação primitiva e consequentemente para o desenvolvimento do capitalismo. Williams apresenta como foi possível, pelo comércio triangular, gerar um dos principais fluxos de acumulação de capital, os quais financiaram as revoluções na Inglaterra (WILLIAMS, 2012): No comércio marítimo triangular, a Inglaterra – bem como a França e a América colonial – fornecia os navios e os produtos de exportação; a África, mercadoria humana; as fazendas, as matérias-primas coloniais. O navio negreiro saía da metrópole com uma carga de artigos manufaturados. Estes eram trocados com lucros por negros na costa da África, os quais eram vendidos nas fazendas com mais lucro, em troca de uma carga de produtos coloniais que seriam levados de volta ao país de partida. Aumentando o volume do tráfico, o comércio triangular foi suplementado, mas nunca suplantado, por um comércio direto entre a Inglaterra e as Índias Ocidentais, no qual as manufaturas de produção interna eram trocadas diretamente por produtos coloniais. (WILLIANS, 2012, p. 90) Sendo assim, o comércio triangular criou um estímulo triplo para a indústria britânica, pois ele aumentava a demanda de produtos manufaturados - para África e para exportação das colônias - gerando então um novo mercado inesgotável de escoamento dos produtos europeus (WILLIAMS, 2012). Dessa forma, a triangulação dos 1124

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mercados possibilitou que algumas indústrias se destacassem com a triangulação dos mercados, como a indústria naval, as cidades portuárias, a indústria de ferro e determinados produtos manufaturados. Contudo, para atender tamanha demanda era necessário que o tráfico de escravos se desenvolvesse como um dos maiores comércios da Europa. Os escravos negros eram fundamentais para o desenvolvimento comercial da Inglaterra, pois o tráfico se manteve até o século XVIII como objeto principal da política externa britânica (WILLIAMS, 2012) Nesse sentido, é no capítulo 24 do livro O Capital - A assim chamada acumulação primitiva - que Karl Marx ao analisar o processo de desenvolvimento do capitalismo, vai girar seu olhar para as colônias nas Américas e África ao mostrar a relação dialética de como a colonização gerou a acumulação primitiva necessária para consolidação do modo de produção capitalista: A descoberta de terras de ouro e prata na América, o extermínio, escravização e enterramento da população nativa nas minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais, a transformação da África numa coutada para a caça comercial de peles-negras, assinalam a aurora da era da produção capitalista. Estes processos idílicos são momentos principais da acumulação original. Segue-se-lhes de perto a guerra comercial das nações europeias, com o globo terrestre por palco. (MARX, 2006, p. 864) Dessa forma, a fase do desenvolvimento capitalista chamada de acumulação primitiva imprimiu não somente uma posição para as sociedades latino-americanas no contexto de consolidação do capitalismo, mas também determinou toda a sua formação social e econômica, causando impactos, determinações e contradições internas que vão configurar elementos da questão social na América Latina e Brasil. Com a escravidão e o aumento do tráfico negreiro, se estabelece uma relação dialética e antagônica acerca das relações de trabalho que se constituíram, no mesmo período histórico, entre as colônias na América e as metrópoles na Europa. Clóvis Moura em seu livro Dialética Radical do Brasil Negro, mostra como o trabalho escravo nas colônias possibilitou o desenvolvimento do trabalho livre na Europa. O modo escravista de produção que se instalou no Brasil era uma unidade econômica que somente poderia sobreviver com e para o mercado mundial, mas por outro lado, esse mercado somente podia dinamizar seu papel de comprador e acumulador de capitais se aqui existisse, como condição 1125

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI indispensável, o modo de produção escravista. Um era dependente do outro, e se completavam. (MOURA, 2014, p. 66) É nessa lógica que Moura vai apresentar em sua obra sobre os aspectos principais que ligam a escravidão com o caráter dependente do estado brasileiro. Ele mostra essa relação por meio do processo concomitante entre a modernização e o endividamento que o Brasil começa a apresentar mais particularmente durante o século XIX. Contudo, essa modernização, a qual irá ocorrer em diversas dimensões da sociedade brasileira - cultural, tecnológica, econômica - sem mudança social, não altera o escravismo e a estrutura das relações sociais advindas da escravidão. (MOURA, 2014) O estado utilizou-se de mecanismos estratégicos para sustentar esse processo de modernização conservadora. Dentre esses: A Tarifa Alves Branco (1844), a Lei de Terra e a Lei Euzébio de Queiróz. Além disso, o estado atuou como aparelho de dominação ideológica na rejeição social e étnica das populações que faziam parte da sociedade brasileira (MOURA,2014). Mostrando, portanto, rasgos fundamentais que se apresentariam como elementos da questão social posteriormente. Assim, de forma particular se desenvolve o estado brasileiro, a partir da permanência de estruturas arcaicas e da preservação dos interesses de velhos poderes da sociedade colonial. A transição do colonialismo para o capitalismo no Brasil, se deu de forma a atender aos interesses internacionais. Portanto, é nesse contexto particular que está inserida a questão social brasileira. A herança colonial marcada por mais de três séculos de escravismo e colonialismo, que estrutura as relações econômicas, sociais e ideológicas do Brasil, nos oferece elementos para compreensão das particularidades da “questão social” brasileira: A relação intrínseca entre racismo atual e capitalismo é uma tese que traz importantes esclarecimentos. Os capitalistas agrários e industriais, em nosso país, criaram o exército de reserva às custas da imigração europeia e asiática nas regiões de forte dinamismo econômico e fizeram dos negros o que, a meu ver, constitui uma reserva da reserva. Classificar as pessoas segundo cor tem sido vantajoso ao funcionamento do capitalismo, pois mantém a reserva de segunda linha dos discriminados, sempre disponível para o trabalho em troca de salários rebaixados. (GORENDER, 2016, p. 223) 1126

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4 CONCLUSÃO A “questão social” é constituída por particularidades históricas, sociais e econômicas que expressam os processos singulares de constituição do capitalismo em diferentes sociedades, mas tem em sua gênese a contradição entre capital e trabalho, a produção coletiva e apropriação privada da riqueza social, o que deixa claro que a exploração e miséria são pilares desta sociedade, e não anomalias ou consequências naturais do desenvolvimento humano. Ao analisar o processo de desenvolvimento capitalista no Brasil, é necessário colocar em evidência aspectos da formação sócio-histórica do país em relação às formas particulares em que se desenvolveu. Aqui, a “questão social” é nutrida pela herança colonial e escravista, e a classificação racial normatiza a produção e reprodução da vida social em todos os âmbitos, materiais e espirituais. Estes mecanismos evidenciam a constituição da superpopulação relativa brasileira hoje, que é majoritariamente negra e pobre e nos remonta à origem da classe trabalhadora no país. Longe de finalizar as reflexões sobre a temática e concordando com Lara, conclui-se que a acumulação primitiva é uma importante chave de entendimento para os estudos sobre a “questão social” brasileira (2019, p. 5), e que as expressões devem sempre ser analisadas a partir do movimento da luta de classes, da disputa entre seus inconciliáveis interesses e projetos societários. REFERÊNCIAS GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Expressão Popular, 2016. IAMAMOTO, M. V. A questão social no capitalismo. Revista Temporalis – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2. Nº 3 (jan/jul.2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001. LARA, R. Acumulação capitalista e “questão social” nos limites de suas especificidades. In: IX Jornada Internacional de Políticas Públicas, 2019, São Luis. Anais da IX Jornada Internacional de Políticas Públicas. São Luis: UFMA, 2019. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I. 21 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 1127

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Vol. I. Livro I. São Paulo: Abril, 1988. MARX, Karl. Capítulos XXIII A Lei Geral da Acumulação Capitalista; XXIV A Assim Chamada Acumulação Primitiva. In: ___. MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Nova Cultural Ltda., 1985. Vol. II. (Série Os Economistas) MOURA, Clóvis. Dialética radical do Brasil negro. 2ed. São Paulo: Fundação Maurício Grabois co-edição com Anita Garibaldi, 2014. NETTO, J. P. Cinco notas a propósito da “questão social”. In: Temporalis. Ano 2, n. 3 (jan./jul. 2001), Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001. YAZBEK, M. C. Pobreza e Exclusão Social: expressões da questão social no Brasil. Revista Temporalis – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Ano 2. Nº 3 (jan/jul.2001). Brasília: ABEPSS, Grafline, 2001. WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 1128

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS A RELAÇÃO SERVIÇO SOCIAL/ POLÍTICAS SOCIAIS E O EXERCÍCIO PROFISSIONAL: ALGUNS APONTAMENTOS THE SOCIAL SERVICE / SOCIAL POLICY RELATIONSHIP AND PROFESSIONAL EXERCISE: SOME POINTS Renata Martins de Freitas1 RESUMO É histórica a relação entre o serviço social e as políticas sociais no âmbito do modo de produção capitalista e suas transformações. Apresentamos neste ensaio apontamentos sobre esta relação e o exercício profissional de assistentes sociais na contemporaneidade. Destacamos a importância da mencionada relação desde a constituição da profissão, tendo as políticas sociais como principal campo de atuação de assistentes sociais, trazendo-lhes requisições e expectativas de respostas profissionais. Sendo profissão interventiva, refletimos sobre o projeto ético-político profissional, que não pode estar subsumido às políticas sociais, sendo fundamental que reconheçamos suas contradições no seio da sociedade capitalista contemporânea, a condição de assalariamento de assistentes sociais, os limites e possibilidades do exercício profissional neste âmbito, os riscos de desprofissionalização e a importância de fortalecimento das entidades que atuam em defesa do serviço social. Palavras-Chaves: Serviço Social; Políticas Sociais; Exercício Profissional. ABSTRACT The relationship between social work and social policies in the context of capitalist social relations and their transformations is historic. In this essay we present notes on this relationship and the professional 1 Assistente Social na Secretaria Municipal de Assistência Social de Itaguaí. Conselheira no Conselho Regional de Serviço Social 7ª Região (Gestão 2020-2023) e Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UFRJ (PPGSS-UFRJ). 1129

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI practice of social workers in contemporary times. We highlight the importance of the relationship since the constitution of the profession, with social policies as the main field of action for social workers, bringing them requests and expectations for professional responses. As an interventional profession, we reflect on the professional ethical- political project, which cannot be subsumed to social policies, and it is essential that we recognize its contradictions within contemporary capitalist society, the condition of salaried social workers, as well as the limits and possibilities of professional practice in this area, the risks of deprofessionalization and the importance of strengthening the entities that act in defense of social work. Keywords: Social Work; Social Policy; Professional Practice. INTRODUÇÃO O Serviço Social é uma profissão de cunho interventivo cujo histórico tem forte vinculação com as respostas do Estado às expressões da “questão social”2 via políticas sociais, que até hoje são o maior campo de trabalho desta categoria profissional. A profissão é regulamentada por meio da Lei 8662 de 19933, onde constam suas atribuições e competências como especialização do trabalho coletivo na divisão social e técnica do trabalho. Guarda, portanto, particularidades e especificidades importantes. Ademais, possui um projeto profissional4 ancorado em princípios éticos que trazem à tona a defesa de valores baseados na liberdade, na justiça social, tendo como horizonte um projeto de sociedade sem dominação de nenhuma natureza. 2 A “questão social” é um processo gerado a partir da produção social da riqueza e sua apropriação privada, havendo, portanto, socialização de custos e apropriação privada de lucros dada a subsunção do trabalho e de diversos aspectos da vida e das necessidades humanas ao Capital, gerando desigualdades, pauperismo, barbárie, mas também rebeldia, contestação. As consequências destas desigualdades ganham a cena pública e trazem à tona as demandas por respostas. Segundo Mandel, é neste momento que surge o Estado Capitalista, com função de mediar as relações entre as classes sociais fundamentais, quais sejam: a classe trabalhadora, que vende sua força de trabalho, e a burguesia, detentora dos meios de produção. O referido autor, inclusive, analisa que o Estado possui três funções primordiais: criação de condições para realização da produção; a repressão e a manutenção da coesão a fim de reproduzir a ideologia dominante. Para conhecer melhor este debate, indicamos a leitura de Mandel (1982). Para importante e densa leitura acerca da “questão social”, indicamos Netto (2007). 3 Para conhecer a Lei de Regulamentação da Profissão e o Código de Ética Profissional de Assistentes Sociais 4 Para adensar reflexões sobre “a construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social”, indicamos consulta a Netto (2009). O autor, entre outras ponderações, indica-nos que um projeto profissional possui dimensões como “(…) imagem ideal da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e seus objetivos, conhecimentos teóricos, saberes interventivos, normas, práticas, etc.” (p.147). No Serviço Social, o Projeto Ético-Político construído pela categoria mediante “intenção de ruptura” com o conservadorismo não é o único existente, não é exclusivo, uma vez que não estamos tratando de um campo profissional homogêneo. 1130

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Embora seja uma profissão dita “liberal”, assistentes sociais são profissionais cujo exercício é mediado pela sua condição de assalariamento e contratação com expectativa de que atendam requisições institucionais, geralmente relacionadas à oferta de serviços sociais. Tais requisições não estão desassociadas da imagem social da profissão, da legitimidade construída historicamente para empregadores(as) e usuários(as), assim como pelas históricas respostas profissionais fornecidas pelos sujeitos em seu cotidiano. Contudo, as requisições trazidas dada a contratação para atuar em uma política social não necessariamente são as requisições profissionais construídas no projeto ético-político do serviço social brasileiro. Portanto, embora o serviço social e as políticas sociais tenham estreita relação, defendemos que é necessário que contextualizemos o caráter da profissão e das políticas sociais em sua relação com o modo de produção capitalista, com as atuais relações de trabalho sob este modo de produção, o lugar das políticas e direitos sociais sob o neoliberalismo e os impactos para o exercício profissional de assistentes sociais. Compreendendo o aspecto visceral, mas prenhe de contradições da relação entre Serviço Social e políticas sociais, propomo-nos nos limites deste ensaio, a tratar deste tema, sua importância para a profissão e sua “profissionalização” e rebatimentos no cotidiano do exercício profissional, bem como compreender suas tensões no seio do capitalismo contemporâneo. 2 APONTAMENTOS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICAS SOCIAIS O Serviço Social brasileiro possui com as políticas sociais uma relação, que, nos termos de Guerra (et.al., 2016) não pode ser considerada circunstancial. A profissão se conforma como uma especialização do trabalho coletivo para responder às necessidades sociais da população por meio da execução de serviços sociais. Afinal, recebe um mandato para executar políticas sociais e uma legitimidade na medida em que consegue fornecer respostas às demandas advindas da sociedade e do Estado. As políticas sociais, por sua vez, podem ser tratadas como respostas do Estado capitalista burguês às expressões da “questão social”. Muito embora possam ser consideradas “vitórias da economia política do trabalho sobre a economia política do capital”, não estão desvinculadas do Estado capitalista e sua natureza de mediador na 1131

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI luta de classes com demarcação de um lugar favorável ao capital. Portanto, tais políticas sociais respondem às necessidades do capital de manter o controle sobre a Classe Trabalhadora e suas “insurgências”, mas não deixam de ser respostas às expressões da “questão social”, não só tidas como desigualdades, mas também como lutas que levam estas desigualdades à cena pública, exigindo repostas às suas demandas. Os direitos e as políticas sociais estão neste campo contraditório, assim como o próprio Serviço Social como profissão o está. No caso brasileiro, sabe-se que as repostas do Estado às expressões da “questão social”, tendo-as como “casos de política”, sem prescindir de estratégias repressoras para alguns grupos e momentos, ocorre a partir da década de 1930 com o governo Vargas e guarda grande influência da tradição católica e suas “soluções” face às desigualdades que surgem na cena pública “impondo a necessidade de antecipar as possibilidades de insurgência e cooptar parcelas dos trabalhadores” (BEHRING e BOSCHETTI, 2016, p.123). Neste contexto “nasce” o Serviço Social brasileiro. Ortiz (2013) reflete que as “marcas de origem” da profissão são vinculadas à ajuda e à caridade, o que contribui para formar uma imagem social desta profissão. As respostas fornecidas no campo profissional contribuem para que o Serviço Social adquira uma legitimidade social enquanto profissão. Cabe aqui mencionar, por exemplo, que a primeira Lei de Regulamentação do Serviço Social fora promulgada em 1957, demonstrando aí o reconhecimento de seu fazer profissional e sua consolidação. Assistentes Sociais são chamadas(os) ao controle da classe trabalhadora e atendimento às demandas relativas à sua reprodução social. As intervenções profissionais dadas as requisições do Estado brasileiro trazem à tona a necessidade de profissionalização de nossas intervenções mediante viés tecnicista e conservador. Na década de 1980, contudo, consolida-se um processo advindo de décadas anteriores, de “intenção de ruptura” com o conservadorismo e almejando a constituição de um projeto profissional direcionado aos interesses da classe trabalhadora, à defesa de seus direitos, defendendo um projeto de sociedade sem dominação de classe, etnia, gênero, a “liberdade como valor ético central”, a “defesa dos direitos humanos” e a “recusa do arbítrio e do autoritarismo”. Este projeto profissional consolidado normativamente na Lei de Regulamentação da Profissão (8662/1993) e no Código de Ética Profissional de 1993 traz novos desafios ao Serviço Social. A(o) profissional de 1132

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Serviço Social deve ser crítico, criativo e propositivo, articulando as dimensões teórico- metodológica, ético-política e técnico-operativa em seu exercício profissional.5 Os valores que orientam a profissão são centrais para a compreensão das direções das respostas fornecidas no cotidiano profissional. Não se trata apenas de normas a serem seguidas, mas valores que devem ser incorporados. Tudo isto corrobora para a constituição de uma imagem social renovada, que, contudo, não “apaga” as heranças históricas de um conservadorismo que não foi embora e permanece vivo na disputa pelo projeto profissional hegemônico. Ortiz (2013) traz tais ponderações para o debate, deixando nítido que as requisições institucionais, as expectativas a partir das quais as(s) assistentes sociais são convocadas(os) são impregnadas por esta imagem social construída historicamente, que alia as “marcas de origem” da profissão aos traços renovados, ambos convivendo de maneira dialética e isto “constitui a particular imagem que o Serviço Social possui no Brasil, cujo sujeito profissional é simultaneamente representado pela ‘moça boazinha que ajuda’ e ‘aquela que defende direitos’” (p.123). Importante demarcarmos, nesta “perspectiva renovada”, o que são os direitos e o que é a “defesa dos direitos humanos” que figura entre os princípios éticos da profissão na atualidade. Estes direitos são considerados tendo como fundamentos a realidade e as necessidades humanas, não necessariamente as letras frias de leis, conforme publicadas. Até mesmo porque, o direito formal traz uma concepção de “igualdade perante a lei” que não se confirma na realidade ou na materialidade da vida dos sujeitos. Tendo o Serviço Social as “expressões da questão social” como matéria- prima de sua intervenção, entendemos os direitos a partir destas expressões, das desigualdades e a luta dos sujeitos pela cidadania. Nossa matéria-prima são, portanto, as relações sociais que sob esta sociabilidade são desiguais, agravadas a cada crise do modo de produção capitalista em sua sanha destrutiva da natureza incluindo aí a humanidade e subsumindo todos os aspectos da vida humana ao mercado. Os direitos, sob esta concepção, são fruto de lutas da classe trabalhadora, não somente da “concessão” das frações da classe burguesa no poder em cada momento histórico. Neste contexto atual, temos um bárbaro cenário de destituição de direitos 5 Para acesso a um debate acerca das três dimensões, vide Guerra (2017). 1133

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI formais e ataques às políticas sociais. O capitalismo contemporâneo tem adensado os processos de barbarização da vida, aprofundamento do conservadorismo, aprofundando, nos termos de Barroco (2013), o “abismo entre a desigualdade e a liberdade, entre a riqueza e a pobreza que atingem níveis nunca vistos” (p.59). Conquistas antes realizadas pelas lutas da classe trabalhadora têm sido minadas. Neste cenário, Barroco (2013) destaca o espraiamento da pobreza, o “enxugamento do Estado”, a miséria material, mas também espiritual “reproduzindo formas de alienação na totalidade da vida social”, a generalização da desproteção social, os retrocessos no que tange à organização política da classe trabalhadora na luta por seus direitos e o recrudescimento de estratégias de criminalização da pobreza. Neste contexto de avanço do ultraneoliberalismo, temos sucessivos ataques às políticas sociais. Vemos em Behring (2018) que Em verdade, as políticas sociais vêm sendo pensadas para compensar a intensificação da exploração, que implica em processos de pauperização absoluta e relativa na maioria das vezes combinados, a depender da luta de classes nos espaços nacionais, e considerando o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo e a busca do diferencial de produtividade do trabalho. […] Mas nunca podemos olvidar a natureza contraditória e de atendimento a necessidades concretas da classe trabalhadora que está presente nas políticas sociais, razão de sua presença necessária nas pautas dos trabalhadores, disputando o fundo público no contexto da luta de classes. (p.49). Compreender a concepção de direitos, a matéria do Serviço Social e a natureza contraditória das políticas sociais contribui para que possamos estabelecer uma relação de mediação e não de subsunção com estas políticas sociais e direitos formalmente estabelecidos. Não estamos aqui defendendo a recusa das normas, mas que nossa relação com as políticas sociais precisa vir com a compreensão da natureza da intervenção profissional. É preciso que tenhamos a habilidade de realizar análises sobre a realidade, as políticas sociais e as disputas em torno disto. Que consigamos perceber esta concepção de direitos que transcende a norma e compreende a dinâmica da realidade em constante transformação ou com potencial para transformação. Neste sentido, cabe-nos ressaltar mais um aspecto da “visceral” relação entre o Serviço Social e as Políticas Sociais: o fato da profissão ter importantes contribuições teóricas neste campo. Trata-se de privilegiado campo de estudos no âmbito do Serviço Social, e também de incidência política. Behring e Boschetti (2016) enfatizam a 1134

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI importância das contribuições do Serviço Social para o campo das políticas sociais, destacando a relevância das entidades representativas da profissão no “desenho da Seguridade Social Brasileira” (p.129). Ademais, as políticas sociais ainda são as maiores “empregadoras” de assistentes sociais. Portanto, a profissão é requisitada para atuar no âmbito destas políticas sociais, além de tê-las como mediações na garantia de direitos da população usuária. Compreendendo o supracitado, podemos apreender que um contexto de regressão de direitos e disputas pelo fundo público com redução de recursos para as políticas sociais, afeta sobremaneira o trabalho profissional de assistentes sociais. Esta reflexão é trazida por Iamamoto (2012): A crítica neoliberal sustenta que os serviços públicos, organizados à base de princípios de universalidade e gratuidade, superdimensionam o gasto estatal [...]. A proposta é reduzir despesas (e, em especial, os gastos sociais), diminuir atendimentos, restringir meios financeiros, materiais e humanos para implementação dos projetos. E o assistente social, que é chamado a implementar e viabilizar direitos sociais e os meios de exercê-los, vê-se tolhido em suas ações, que dependem de recursos, condições e meios de trabalho cada vez mais escassos para operar as políticas e serviços sociais públicos (p.52) A escassez e redução de gastos com políticas sociais, subsumindo tais políticas às econômicas, afetam o exercício profissional no cotidiano, e também os campos de atuação de assistentes sociais. Por isso, ao longo dos anos, entidades representativas da categoria, como é o caso do Conjunto CFESS/CRESS, têm atuado na defesa das políticas sociais públicas, mas a partir de um caráter universal. Isto também corrobora, em última instância, com a defesa da profissão e do Projeto Ético-Político profissional. No escopo das políticas sociais, empregadoras de assistentes sociais, as incidências e refluxos impostos pela perspectiva neoliberal afetam o cotidiano profissional também no que tange às relações de trabalho, as requisições institucionais e as estratégias para defesa da profissão. Importante, portanto, que realizemos apontamentos acerca da relação entre as políticas sociais e o exercício profissional de assistentes sociais, tendo ênfase no “chão” em que ele ocorre. Nos termos de Matos (2015), o cotidiano. 1135

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 (DES)CAMINHOS ENTRE EXERCÍCIO PROFISSIONAL E AS POLÍTICAS SOCIAIS NA CONTEMPORANEIDADE O Projeto Ético-Político do Serviço Social brasileiro traz em sua construção o horizonte de um novo modelo de sociedade, contrastando sobremaneira com as relações sociais sob o capitalismo e seus ataques às políticas e direitos sociais, à organização da classe trabalhadora, aos ecossistemas e à sua lógica do lucro em detrimento das vidas humanas. As políticas sociais, seguindo esta lógica capitalista, cada vez menos atendem às demandas trazidas pela classe trabalhadora a partir do movimento da luta de classes. Esta tensão e as contradições das políticas sociais afetam o chão em que ocorre o exercício profissional de assistentes sociais de diversas maneiras. Cabe-nos aqui ponderar acerca da importante mediação entre o exercício profissional de assistentes sociais e sua condição de assalariamento na atualidade, compreendendo as transformações no mundo do trabalho nos últimos anos. Esta condição traz como consequências para o trabalho profissional que os recursos para desenvolvimento do trabalho são fornecidos ou de responsabilidade de empregadores(as). Com o sucateamento e redução de recursos nas políticas sociais, as maiores empregadoras de assistentes sociais, entendemos o contexto de precarização em que se exerce a profissão no cotidiano. O assalariamento também subordina, em alguma medida, o exercício profissional às requisições institucionais, sem, contudo, deixarmos de considerar a relativa autonomia do(a) trabalhador(a) social em seu cotidiano. Outra armadilha atual do mundo do trabalho é a requisição por profissionais cada vez menos especializados, mais flexíveis, polivalentes e que contribuam realizando as mais diversas funções, a despeito de suas atribuições e competências, o que também atinge trabalhadores(as) das políticas sociais, incluindo assistentes sociais. Estas requisições podem ter como uma de suas consequências a desprofissionalização e desespecialização das profissões, conforme pesquisa realizada por Raichelis (2020). As condições de trabalho e condições para a qualidade dos serviços prestados à população por parte do Serviço Social são diretamente influenciadas pela redução de recursos destinados às políticas sociais. 1136

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Além destes rebatimentos, estudos têm apontado que assistentes sociais têm subsumido a finalidade de seu exercício profissional às finalidades das políticas sociais ou mesmo às normas institucionais de maneira acrítica, além de termos cada vez mais relatos de empregadores(as) que tentam ditar como e de que maneira assistentes sociais devem trabalhar (MATOS, 2015). O cotidiano em que ocorre o exercício profissional tem entre suas características ser o espaço/tempo do imediatismo, das urgências, da superficialidade. Este “chão” em um contexto de regressão de direitos desafia profissionais em seus campos de atuação, pois sem reflexões, a impressão que podem ter é a de que não há alternativas, uma vez que muitas das vezes não há serviços ou mesmo direitos formais a se reivindicar. Contudo, não se pode esquecer que as respostas trazidas por profissionais trazem legitimidade à profissão quanto mais qualificadas elas forem. Requisições institucionais e demandas enviesadas também possuem relação com a imagem social da profissão que se dá de maneira particular, conforme já apontado neste ensaio. Usuários(as), empregadores(as) e mesmo assistentes sociais trazem nas requisições a herança e as mediações da constituição desta imagem social. Cumpre a relevância de profissionais entenderem e buscarem a materialização do Projeto Ético-Político Profissional, assim com apreenderem o que significa a “matéria de serviço social” tão mencionada na Lei de Regulamentação da Profissão. Sem isto, a matéria de Serviço Social pode parecer a mesma matéria ou objeto de intervenção da política social na qual atua a(o) assistente social. Raichelis (2020) aponta que Não se trata de questionar as necessidades de normas e de monitoramento e avaliação do trabalho, mas sim o excesso de normatização, padronização e centralização do trabalho social e da própria política social, sem que muitas vezes trabalhadores/as se contraponham e negociem propostas alternativas. Também tem sido comum que profissionais restrinjam suas leituras a esses manuais, documentos técnicos, legislação específica, produzidos nos marcos de cada política social, certamente necessários para o desempenho institucional, mas insuficientes como fonte exclusiva de conhecimento sobre as políticas sociais, o que vem contribuindo para uma reprodução acrítica dos textos oficiais, uma diluição do Serviço Social na política social e frágil apropriação dos fundamentos teórico-metodológicos do trabalho profissional. E, ainda, tem conduzido profissionais à subordinação aos objetivos institucionais, distanciando-se da direção social estratégica que deve orientar as propostas profissionais, de acordo com as prerrogativas, atribuições e competências profissionais, à luz dos valores e princípios que orientam o projeto coletivo da profissão. Nessa ambiência institucional, vai se processando a intensificação do trabalho, incorporada de forma sutil e gradativa, nem sempre perceptível para os sujeitos, por meio de um modelo 1137

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de gestão do desempenho que adota ferramentas do setor privado, como já apontado, com indicadores de resultados e sistemas de incentivos orientados por avaliações sistemáticas e subordinados à demanda de “cidadãos- clientes”. (p.34) Estas considerações apontam para uma desprofissionalização do Serviço Social e para a tendência a uma diluição de suas especificidades e particularidades no exercício profissional nas políticas sociais. A relação entre profissão e políticas sociais é visceral, mas não se trata da defesa de uma relação simbiótica. Pelo contrário. Defesa das prerrogativas profissionais aponta para uma tendência distinta daquela que têm precarizado os serviços sociais e reduzido direitos e acessos à população usuária. Fávero (et.al.,2020) indica que é necessário que assistentes sociais associem o que ocorre no cotidiano com a totalidade social, questionando demandas institucionais e reinterpretando-as à luz do Projeto Ético-Político Profissional. Afinal, não é raro haver contradições entre a finalidade institucional e a finalidade profissional. Guerra (2017) reforça, neste contexto, a importância da dimensão investigativa da profissão, a partir da qual é possível criar estratégias para conhecimento mais aprofundado sobre a realidade da vida de sujeitos a quem são ofertados os serviços onde atuamos. Assistentes Sociais têm como fundamento de sua atuação a realidade, as relações sociais tal como se materializam na vida dos sujeitos, com competência para análises e subsídios a esta mesma população para que também tenha como norte a luta pela ampliação destes direitos. Santos (2010) destaca sobre a necessidade de assistentes sociais decifrarem e desvelarem as “determinações socio-históricas”, a fim de elaborarem “respostas profissionais qualificadas” e apontarem denúncias de violações de direitos ou insuficiência de recursos ou serviços, por exemplo. Iamamoto (2013) aponta para as contradições da profissão, que serve aos interesses do capital, participando também de respostas às necessidades do trabalho e enfatiza a importância de que tais necessidades sejam enfrentadas coletivamente, em articulação com movimentos sociais, sujeitos que compõem o campo democrático, abandonando a perspectiva fatalista, de que nada pode ser feito ou a voluntarista, de que superestima as possibilidades profissionais, sem contemplar os limites que lhe são inerentes. 1138

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Raichelis (2020) pondera acerca da proximidade que assistentes sociais possuem com a população usuária como potencial para a realização de um trabalho político- pedagógico, conhecimento sobre os modos de vida da população e elaboração conjunta e coletiva de estratégias para enfrentamento à conjuntura. A isto alia-se a consideração de Iamamoto (2013), segundo a qual a linguagem é o maior dos instrumentos do exercício profissional de assistentes sociais. Neste sentido, requisições institucionais e objetivos de cada política pública podem ser transformados, alargados ou mesmo tensionados favoravelmente tendo em vista respostas às necessidades sociais da população por intermédio da atuação de assistentes sociais, desde que compreendam sobre qual matéria devem incidir suas ações. Desta forma, tecemos mais um aspecto da relação entre políticas sociais e o exercício profissional de assistentes sociais, compreendendo a importância da defesa das particularidades da profissão e neste sentido trazendo à tona também a importância das entidades da categoria que possuem funções precípuas de orientar, fiscalizar e defender o exercício profissional, ainda mais em tempos de “ataques” às regulamentações profissionais. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente ensaio trouxe à tona a fundamental relação entre as políticas sociais e o Serviço Social como profissão, tendo sido estas respostas do Estado às expressões da “questão social” importantes para a constituição e profissionalização do trabalho realizado por assistentes sociais. Ademais, trata-se de campo importante de pesquisas em que há diversas contribuições teóricas e políticas do Serviço Social e de suas entidades representativas. Trata-se também das maiores empregadoras de assistentes sociais e mediações na realização cotidiana do exercício profissional. Os ataques contemporâneos às políticas sociais e contexto de regressão de direitos em diversas medidas agravam as condições de realização do trabalho e exercício profissional de assistentes sociais. E as mudanças no mundo do trabalho trazem uma subsunção cada vez maior das finalidades profissionais às finalidades institucionais, diluindo particularidades e provocando uma caminhada pelos (des)caminhos da 1139

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desprofissionalização e da desespecialização. Afinal, o que todos(as) podem fazer não quer especialização, regulamentação ou uma profissão específica. Entendemos aqui a gravidade desta situação, uma vez que respostas genéricas e que também aquelas que não se diferenciem daquelas fornecidas por leigas(os) põem em risco a própria existência da profissão com especialização do trabalho coletivo na divisão social e técnica do trabalho. A relação “visceral” com as políticas sociais não deve fazer com que a profissão seja diluída ou subsumida a cada política. A matéria de serviço social (“as expressões da questão social”), faz com que atuemos sobre as dinâmicas relações sociais, a partir das quais direitos são conquistados ou perdidos, políticas são construídas ou transformadas, de acordo com interesses da população, do capital e da dinâmica da luta de classes. Compreender isto faz com que possamos melhor apreender o lugar do Serviço Social em sua relação com as políticas sociais, seus limites e possibilidades e mesmo seu potencial para atuar no sentido de “alargar” objetos institucionais, democratizar espaços institucionais ou mesmo de potencializar a luta por direitos na perspectiva da emancipação política. REFERÊNCIAS BARROCO, M.L. A historicidade dos direitos humanos. In: FORTI, V.; GUERRA, Y. (orgs). Ética e Direitos: ensaios críticos. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. BEHRING,E.R. Estado no Capitalismo: notas para uma leitura crítica do Brasil recente. In: BOSCHETTI,I. [et.al. - orgs]. Marxismo, política social e direitos. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2018. BEHRING,E.R.; BOSCHETTI, I. Serviço Social e política social: 80 anos de uma relação visceral. In: SILVA, M.L.O. (org). Serviço Social no Brasil: história de resistências e de ruptura com o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016. CFESS. Código de Ética do/a assistente social. Lei de Regulamentação da profissão. 10 ed. Brasília: CFESS, 2012. FAVERO.E.T. [et.al.]. Processos de trabalho e documentos em Serviço Social: reflexões e indicativos relativos à construção, ao registro e à manifestação da opinião técnica. In: CFESS. Atribuições privativas da/o Assistente Social em questão. v. 2. Brasília: CFESS, 2020. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS202- AtribuicoesPrivativas-Vol2-Site.pdf . Último acesso em 31/05/2020. 1140

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI GUERRA, Y. [et.al.]. Atribuições, competências, demandas e requisições: o trabalho do assistente social em debate. In: XV ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES DE SERVIÇO SOCIAL. Espírito Santos: Anais do ENPESS, 2016. Disponível em: http://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/guerra-e-outros- 201804131237474299190.pdf Último acesso em 31/05/2020. GUERRA, Y. A dimensão técnico-operativa do exercício profissional. In: SANTOS,C.M.; BACKX,S.; GUERRA, Y. (orgs). A dimensão técnico-operativa no Serviço Social: desafios contemporâneos. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2017. IAMAMOTO,M.V. As dimensões Ético-Políticas e Teórico-Metodológicas no Serviço Social Contemporâneo. In: MOTA, A.E. [et.al.] (orgs). Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2009. ______. Projeto profissional, espaços ocupacionais e trabalho do(a) assistente social na atualidade. In: CFESS. Atribuições privativas do/a assistente social em questão. 1 ed. ampliada. Brasília: CFESS, 2012. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/atribuicoes2012-completo.pdf . Último acesso em 31/05/2020. ______. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. Ensaios críticos. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2013. MANDEL, E. O Estado na fase do capitalismo tardio. In: O Capitalismo Tardio. São Paulo: Abril Cultural, 1982. MATOS, M.C. Considerações sobre atribuições e competências profissionais de assistentes sociais na atualidade. In: Serviço Social e Sociedade, n. 124, p. 678-698, out./dez. 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n124/0101-6628- sssoc-124-0678.pdf . Último acesso em 31/05/2020. NETTO,J.P. Estado e Questão Social no Capitalismo dos Monopólios e Cinco Notas a propósito da Questão Social. In: Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 6 ed.São Paulo: Cortez, 2007. ______. A construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social. In: MOTA,A.E. [et.al.] (orgs). 4 ed. Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2009. ORTIZ, F.G. Serviço Social e ética: a constituição de uma imagem social renovada. In: FORTI, V.; GUERRA,Y. (orgs). Ética e Direitos: ensaios críticos. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. RAICHELIS, R. Atribuições e competências profissionais revisitadas: a nova morfologia do trabalho no Serviço Social. In: CFESS. Atribuições privativas da/o Assistente Social em questão. v. 2. Brasília: CFESS, 2020. Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/CFESS202-AtribuicoesPrivativas-Vol2-Site.pdf . Último acesso em 31/05/2020. 1141

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS PRECARIZAÇÃO NO SUAS: relações de trabalho nos CRAS de São Luís-MA PREACARIZATION IN SUAS: work relations in the CRAS of São Luís-MA Lilia Penha Viana da Silva1 Marcia Regina Pereira Barros2 RESUMO O presente artigo tem por objetivo compartilhar resultados da pesquisa realizada através do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC sobre as relações de trabalho dos trabalhadores (as) do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, que atuam na atenção básica nos Centros de Referência de Assistência Social - CRAS. O estudo pauta-se na análise sobre a Política de Assistência Social no Brasil seus marcos legais com recorte de sua atuação em São Luís e das relações de trabalho dos profissionais que atuam nos CRAS. Desta forma, foi possível identificar a precarização das relações de trabalho dos profissionais que atuam nos CRAS, quais sejam: baixos salários, vínculos precarizados, cargos ocupados não condizentes com a formação profissional, rotatividade dos profissionais nas equipes de referência. Palavras-Chaves: Mundo do Trabalho, Precarização, Políticas Sociais. ABSTRACT The purpose of this article is to share the results of the research carried out through the Course Completion Work (TCC) on the labor relations of workers in the Unified Social Assistance System - SUAS, who work in primary care in the Assistance Reference Centers Social - CRAS. The study is based on the analysis of the Social Assistance Policy in Brazil, 1 Assistente Social. Doutora em Políticas Públicas – UFMA. Professora do Departamento do Curso de Serviço Social – UFMA. E-mail: [email protected]. 2 Mestranda em Desenvolvimento Socioeconômico – UFMA. Bacharel em Serviço Social – UFMA. E-mail: [email protected]. 1142

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI its legal frameworks with an outline of its performance in São Luís and the working relationships of professionals working in CRAS. In this way, it was possible to identify the precariousness of the working relationships of professionals working in the CRAS, namely: low wages, precarious bonds, occupied positions not consistent with professional training, turnover of professionals in the reference teams. Keywords: World of Work, Precariousness, Social Policies INTRODUÇÃO Este artigo tem como objetivo compartilhar resultados da pesquisa realizada para realização de um trabalho de Conclusão de Curso. O estudo foi resultado da participação no Programa de Iniciação Científica – PIBIC/UFMA no qual foi desenvolvido pesquisas sobre o perfil e condições de trabalho dos profissionais do Sistema Único de Assistência Social em São Luís e nas microrregiões de Baixo Munim, Baixo Itapecuru e Delta do Parnaíba nas cotas de 2015/2016 e 2018/2019 respectivamente através do Projeto de Pesquisa intitulado “TRABALHADORAS, TRABALHADORES E PROCESSOS DE TRABALHO NO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS NO ESTADO DO MARANHÃO”. A referida pesquisa foi vinculada ao Projeto de Pesquisa e Extensão CapacitaSuas/MA/1º FASE, executado pela UFMA (Universidade Federal do Maranhão), através do Grupo de Estudos Pesquisa e Extensão em Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas – GDÉS em articulação com a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Social – SEDES, no intuito de ofertar capacitação aos trabalhadores (as) do SUAS do Estado do Maranhão. Durante os desdobramentos da pesquisa foi observado que um significativo número de profissionais apresentava vínculos trabalhistas frágeis, sem estabilidade, e com baixos salários, apesar dos avanços nos marcos legais. Estes profissionais atuam no âmbito da gestão pública, sobretudo municipais, e refletem a fragilidade do poder público na implementação da política de assistência social principalmente no que diz respeito aos recursos humanos. Parte dos estudiosos da Política de Assistência Social entende que as condições fragilizadas desses profissionais seguem a dinâmica imposta pelos fenômenos da reestruturação produtiva e da globalização financeira no mundo do trabalho. Nos casos 1143

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI específicos da assistência social, são trabalhadores, responsáveis pelo atendimento de demandas imediatas, com sujeitos também incorporados neste sistema excludente, e vivenciam uma contradição: devem atender usuários das políticas com demandas bastante assemelhadas às suas próprias e em condições cada vez mais precárias de trabalho. Diante disto, a pesquisa teve início com pesquisa bibliográfica e revisão da literatura acerca do objeto de estudo. Tal abordagem permitiu compreender seus rebatimentos no atual quadro de precarização das relações de trabalho na política de assistência no Brasil, e nos municípios do Maranhão. Outro aspecto importante foi a pesquisa documental ancorada na análise do conjunto de normas produzidas e em vigor para a execução do SUAS (PNAS, NOB-SUAS, NOB-RH, LEI DO SUAS), das informações produzidas e sistematizadas pelo programa de monitoramento do SUAS. Outra metodologia que contribuiu para a construção do perfil dos trabalhadores foi a pesquisa exploratória das informações fornecidas pelo CadSUAS, instrumento usado para o planejamento e monitoramento da Assistência Social e produz informações que permitem o acompanhamento das unidades gestoras e prestadoras de serviços do SUAS. Nesta fase, foi elaborado o perfil dos profissionais dos CRAS de São Luís. Para tanto, o universo da pesquisa foi formado pelos 20 Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) de São Luís e seus trabalhadores. Estas instituições são executadas os serviços no âmbito da proteção básica com sujeitos e famílias em condições de vulnerabilidade social. Este equipamento social é determinado pela Tipificação dos Serviços Socioassistenciais (2009) e identificados como espaços onde se materializam a precarização nas relações de trabalho. Neste artigo, após uma breve contextualização da política da Assistência Social pós CF -1988, apresentamos os resultados da pesquisa exploratória realizada sobre os trabalhadores que atuam nos Centros de Referência Social (CRAS), cadastrados no programa de controle do CadSUAS. Além de auxiliar na formulação de diagnósticos das particularidades do Maranhão no que diz respeito à gestão de recursos humanos dentro do SUAS, que hoje se constituem como um dos maiores desafios e, portanto, sua superação se define como a principal estratégia para implementação da política de assistência social com qualidade. 1144

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2. Assistência Social pós Constituição de 1988: marcos legais A Assistência Social no Brasil, foi tardiamente compreendida como política de Estado. Dessa forma, as atuações da Assistência Social por um longo período do século XX tiveram como foco o viés meritocrático, assistencialista e filantrópico. A partir da Constituição Federal de 1988, a Assistência Social passou a integrar o tripé da Seguridade Social, como política de proteção social, juntamente com a Previdência e a Saúde. Para garantir os direitos conquistados na Constituição Federal de 1988, em 1990 se reiniciará o que Sposati denomina de “contrações pré-parto para consolidar a democracia social” (2007, p. 44), com a aprovação pelo novo Congresso, a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS em 1993 que vem regulamentar o disposto nos arts. 203 e 204 da CF.A lei introduziu uma nova realidade institucional, propondo mudanças estruturais e conceituais. Um cenário com novos atores revestidos com novas estratégias e práticas, além de novas relações interinstitucionais e intergovernamentais, confirmando-se enquanto “possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e serviços de ampliação de seu protagonismo” (YASBEK, 2004, p.13). Este novo e amplo marco regulatório3 apresentou-se e exigiu significativas mudanças na concepção da assistência. Os ordenamentos institucionais objetivamente impulsionaram a reconfiguração do trabalho desenvolvido e nos serviços prestados à população no âmbito do direito e promoção da cidadania. Buscando romper com a construção histórica de descontinuidade, frágeis, clientelista e com a cultura política de favor. (SILVEIRA, 2011). Neste âmbito o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, implementado em 2005, vem sendo construído como forma de organização e gestão da política de Assistência no Brasil buscando estabelecer uma unidade de gestão da política nacional da assistência social. O SUAS é um sistema que se estabelece como uma forma 3Principais marcos legais: LOAS/1993, PNAS/2004, NOB-SUAS/2005, NOB-RH/SUAS/2006, reformulação da LOAS/2011 1145

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI descentralizada e participativa, tem como particularidade da política, o acesso à proteção social não contributiva e descentralizada (SILVEIRA,2011). Após o Conselho Nacional da Assistência Social - CNAS, aprovar em 2009 a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, foi estabelecido uma padronização de todas as etapas do atendimento das três dimensões de proteção social: segurança de sobrevivência rendimento e autonomia, segurança do convívio ou vivencia familiar e segurança de acolhida, organizados conforme sua complexidade: Proteção Social Básica- PSB (CRAS), e Proteção Especial de Média (CREAS) e Alta Complexidade (Unidades de acolhimento). É inegável que esse novo estágio da política demarca uma agenda política e institucional que se referencia através dos marcos normativos, o lugar da assistência social na democratização do Estado, com centralidade ao acesso dos direitos humanos. Ao considerar qual contexto deu-se a sua implementação, no enfrentamento da questão social, a abrangência do seu público alvo envolve inúmeros processos de situações complexas, que inclusive, comprometem o processo de normatização e padronização desses serviços ofertados (MOTA, 2010). Apesar de todos os avanços, no que diz respeito ao aparato legal, a implementação do SUAS, vem se desenvolvendo de forma lenta. A efetivação da assistência social como direito a quem dela necessitar defronta com um conjunto de desafios de toda ordem. Não pode ser dissociada, dos efeitos das determinações da sociedade social, sendo configurado por reformas complexas no trabalho que traz reflexo das determinações da sociedade desigual, atravessado por um Estado que submetido ao capital responde de forma insuficiente, diante de um ideário neoliberal que reproduz e intensifica desigualdades, cedendo em reformas que pouco interferem estruturalmente na sociedade. Negando direitos entre eles o trabalho ou garantindo sua precarização (SILVEIRA,2011). 3 NOB-RH/SUAS/2006: nova realidade e desafios para a gestão do trabalho A nova realidade da política de assistência requer a necessidade de investimentos significativos, por parte da esfera pública, no que concerne aos recursos humanos, físicos e financeiros, na medida em que estabelece espaços institucionais, ou 1146

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI seja, nos CRAS e CREAS, próprios para cada tipo de atendimento e as equipes mínimas que devem compor esses serviços. Esse novo ordenamento da assistência social provoca a necessidade de se refletir sobre a gestão do trabalho na área, uma vez que a política de recursos humanos constitui um dos eixos estruturantes do SUAS, ao lado da descentralização, do financiamento e do controle social. Nesse contexto, sua efetividade depende em grande parte da qualidade de sua força de trabalho e de condições de trabalho adequadas, buscando a qualificação e valorização dos trabalhadores da área. Para tanto, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS (NOB- RH/SUAS) aprovada em 2006, com a Resolução 269 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), atende as necessidade apontada na PNAS de voltar o olhar para a organização do trabalho e ampliar o debate acerca dos trabalhadores da assistência social. A NOB-RH/SUAS traz elementos para a valorização dos trabalhadores, reconhecendo a especificidade desse campo de atuação. Representa ainda importante conquista, na medida em que possibilita a reflexão acerca das requisições indispensáveis para a melhoria das condições de trabalho e garantia da qualidade dos serviços socioassistenciais. Porém, a concretização da NOB-RH/SUAS ainda é um desafio, haja vista o pouco que se avançou até o momento e que consequentemente atingem a qualidade dos serviços ofertados. A superação da precarização de vínculos e condições de trabalho, se constituem como principal estratégia para efetivação do SUAS atualmente (SILVEIRA,2011). A Assistência Social no Brasil emerge no contexto de contradições, do trabalho assalariado na sociedade capitalista contemporânea além do processo de reforma gerencial do Estado, que preconiza o enxugamento e o repasse de responsabilidades para o mercado, sob o discurso da ineficiência dos serviços públicos. Outro fator relaciona-se com as contradições postas pelo modo de produção capitalista na atual conjuntura, juntamente com as transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, que acarretam novas configurações do trabalho e atingem os trabalhadores de forma geral, e também os trabalhadores da política de assistência social, em especial, por ser uma política pública recente, ainda em processo lento de 1147


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