ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI absoluto, pode ser compatível com a sociedade capitalista, porém a pobreza relativa sempre existirá na atual configuração da sociedade de classes. No que tange o processo de mensuração da pobreza relativa, ela ocorre através da renda obtida do trabalho ou da renda per capita que é auferida pela venda da força de trabalho. Conforme Meirelles (2015), mensuração da pobreza relativa na atual configuração da sociedade é medida pelo salário, seja este formal ou informal. Em 2017, a população brasileira em situação de pobreza e extrema pobreza no país, conforme os dados do IBGE apresentados no gráfico 1, era de aproximadamente 63,5 milhões. Gráfico 1 – População em situação de pobreza e extrema pobreza Fonte: IBGE - Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), 2017. Tais dados demonstram que os enfoques da pobreza relativa evidenciam nesta sociedade aspectos diferentes da pobreza, as quais são apresentadas através da escassez das necessidades básicas e aumento das desigualdades que permeiam a base e a pirâmide social, pois, as necessidades básicas se alteram em cada período histórico. Portanto, a pobreza absoluta pode ser controlada, combatida, porém a pobreza relativa, no modelo capitalista que impera na sociedade jamais será superada. Para 598
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI autores da tradição marxista, “pobreza relativa e desigualdades são constitutivos insuperáveis da ordem do capital” (NETTO, 2007, p.157). A partir da compreensão da pobreza relativa, apresentamos a seguir a concepção de pobreza que fundamenta a criação de políticas sociais no Brasil e a ação do Estado manifestada através do Programa Bolsa Família. 3 POBREZA RELATIVA E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA O Brasil possui um grande contingente populacional em situação de pobreza. É considerado um país desigual com um elevado nível de pobreza que resulta da desigualdade na distribuição de renda e das oportunidades de inclusão econômica e social em todas as faixas etárias. Em relação à pobreza relativa, ela se mantém presente enquanto característica predominante da classe trabalhadora na contemporaneidade. A pobreza no Brasil tem como uma de suas principais determinações a extrema desigualdade e concentração de renda. Segundo Silva (2016) devemos compreender a categoria pobreza de forma totalizante como expressão da questão social.5 Nessa direção, a pobreza ganha destaque através da figura do trabalhador pobre como objeto de políticas sociais focalizadas e minimalistas. A pobreza relativa é alargada através da pauperização contemporânea sob a ótica dos organismos internacionais que recomendam a focalização de programas de transferência de renda focada na pobreza absoluta. A nossa intenção é mostrar que os segmentos mais pauperizados da sociedade estão inseridos nos Programas de Transferência de Renda: família, criança e adolescente, contradizendo o processo de universalização dos direitos sociais. Nessa direção, a focalização que impera com o ideário neoliberal, direciona as políticas sociais criadas pelo Estado para intervir apenas nas expressões da questão social que surgem da pobreza absoluta e nos segmentos mais vulneráveis. 5 Conforme Iamamoto (2007, p. 107), a questão social resulta da divisão da sociedade em classes e da disputa pela riqueza socialmente produzida e que assume novas configurações e expressões a depender do período histórico da sociedade. 599
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI No país, os Programas de Transferência de Renda se expandiram como um auxílio monetário e garantia de renda aos mais pauperizados. Nos dias atuais, as políticas de proteção à renda têm no Programa Bolsa Família o destaque nesse campo. O Programa foi criado em outubro de 2003 a partir da unificação de vários outros programas de transferência de renda. E foi instituído pela Lei federal n° 10.836, de 9 de janeiro de 2004 sob Decreto n° 5.209 de 17 de setembro de 2004 com centralidade na família. Atualmente, as famílias consideradas em condições de extrema pobreza são aquelas que possuem renda familiar mensal igual ou inferior a R$89,00 per capita. E as famílias em situação de pobreza detêm de uma renda per capita mensal entre R$89,00 a R$178,00 e que tenham em sua composição gestantes, nutriz, crianças ou adolescentes de 0 a 17. O gráfico 2 apresenta o quantitativo de famílias beneficiárias do Programa até 2018. Desde 2009 tem havido um crescimento no número de famílias beneficiárias, que pode ser atribuída ao aumento crescente da desigualdade. Segundo dados do MDS, o número de famílias beneficiárias do PBF ultrapassa os 13 milhões, taxa que vem sendo observada e analisada ano a ano. Gráfico 2 – Números de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social - Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2017. É importante destacar para composição deste artigo que, além da renda per capita familiar estabelecida, o número de integrantes da família (crianças, adolescentes) compreende um importante critério para o recebimento do benefício, podendo o valor variar de acordo com a composição da família. 600
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O PBF tem como objetivos promover o acesso à rede de serviços públicos disponíveis, compreendidos, principalmente, saúde, educação e assistência social, além de combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional das famílias beneficiárias no combate à pobreza. No entanto, no que concerne a população entre 0 a 14 anos em situação de pobreza e extrema pobreza, podemos obter segundo os dados da PNAD Contínua, que em 2017 o Brasil apresentava um contingente de 20 milhões de crianças e adolescentes em situação domiciliar de pobreza com renda per capita mensal de até meio salário-mínimo, e, que estes dados têm aumentado desde 2015. Gráfico 3 – População entre zero e 14 anos em situação de pobreza e extrema pobreza Fonte: IBGE - Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), 2017. Em complemento a discussão, o recorte deste grupo específico pode identificar que este é um dos perfis mais vulneráveis no que tange tanto a pobreza absoluta quanto a relativa. Desta forma, podemos perceber que a pobreza atinge mais as crianças e adolescentes de 0 a 14 anos mesmo diante de todas as condicionalidades estabelecidas pelo Programa. Nesse campo, o PBF apresenta-se como um dos mais valorosos programas de transferências de renda. Contudo, envolto a inúmeros desafios teóricos. Ademais, o PBF assume grande relevância no contexto de proteção social brasileira, pois se direciona para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza em áreas vulneráveis ou não. Para Silva (2016) a concepção de pobreza que fundamenta o PBF está situada em meio a contradições e ambiguidades: [...] esse movimento manifesta elementos conservadores que enfatizam a pobreza absoluta, tendo como foco a população reconhecida como carente, excluída ou de baixa renda, reafirmando a renda como principal critério de elegibilidade para os programas de combate à pobreza e 601
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI orientando-se, também, por uma visão individualista de responsabilização do pobre pela sua condição de pobreza e, consequentemente, pela sua superação, desconsiderando, como já mencionado, as determinações estruturais geradoras da pobreza e da desigualdade social. Ademais, consideramos o caráter minimalista e focalista do PBF que está centrado na pobreza absoluta e deixando à margem aqueles que vivem em situação de pobreza relativa. Neste sentido, podemos compreender que as consequências dos ajustes neoliberais rebatem diretamente na política social no que tange o processo de desuniversalização dos direitos socialmente conquistados pelos trabalhadores provocando um aumento da pobreza relativa, principalmente, nos segmentos mais vulneráveis da sociedade. Portanto, é necessário um conjunto de ações interligadas para mensurar, teoricizar e enfrentar a complexidade do fenômeno da pobreza em suas múltiplas facetas. CONCLUSÃO Ao longo desse construto, buscamos construir um debate em torno da categoria pobreza dando ênfase em sua abordagem histórica. Consideramos que as discussões são amplas e plurais e que partem da necessidade de enfrentar o fenômeno. No entanto, partimos da premissa que a pobreza é uma categoria historicamente construída fundada na relação de classes e no modo de produção capitalista que impera na sociedade. Assim, a pobreza é um fenômeno complexo, estrutural, fruto da forma como os homens se organizam em sociedade, inseridos no seio de um padrão de produção de crescimento cíclico, desigual, excludente, acumulação de riquezas, gerador e reprodutor da pobreza. Em relação à abordagem da pobreza relativa, fruto do processo de pauperização crônica, está ganhou mais visibilidade a partir da década de 1970, pois condensam na discussão da pobreza as várias dimensões da vida humana em sua multidimensionalidade. Esse cenário eleva as desigualdades sociais e aumento da 602
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI pobreza no país, seja em sua forma absoluta ou relativa, atingindo todas as camadas e segmentos mais vulneráveis da sociedade. As ações desenvolvidas para enfrentamento à pobreza estão pautadas apenas na retirada dos indivíduos da vulnerabilidade latente, proposta inserida nos Programas de Transferências de Renda no Brasil. Contudo, não permite a superação da pobreza de natureza estrutural. A pobreza no Brasil é percebida em sua forma extrema. Tal fenômeno, orientado através dos organismos internacionais, teve a sua abordagem através da focalização dos programas direcionados para a pobreza absoluta e para os segmentos: criança, adolescente, gestante e nutriz, em detrimento da pobreza em suas múltiplas facetas, desconsiderando o fortalecimento do sistema de proteção social que abarque a pobreza absoluta e relativa. Portanto, queremos adensar as discussões futuras corroborando com a perspectiva de que a pobreza absoluta pode ser enfrentada e controlada, mas a pobreza relativa nos atuais moldes capitalista dificilmente será superada. Deste modo, a literatura pertinente à temática revela que a pobreza absoluta teve redução, no entanto, nos moldes dos programas de transferência de renda, ela apenas passará para a pobreza relativa, visto que, o sistema capitalista necessita da produção e reprodução da pobreza para o seu desenvolvimento desigual. REFERÊNCIAS BRASIL. Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios Contínua. Disponível em: h<ttps://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/pesquisas/pesquisa_resultados.php?id_pe squisa=149>. Acesso em 10 de jul. de 2019. ______. Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004 - Cria o Bolsa Família. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm2014> Acesso em 10 de jul. de 2019. _______. Ministério do Desenvolvimento Social. O que é: Conheça o Programa Bolsa Família. Disponível em: <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e>. Acesso em 10 de jul. de 2019. IAMAMOTO, Marilda. Serviço Social em tempo de capital fetiche. Capital financeiro, trabalho e questão social. São Paulo, Cortez, 2007 603
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI LAVINAS, L. Pobreza e exclusão: traduções regionais de duas categorias da prática. Econômica, v. 4, n. 1, p. 25-59, junho 2003. Disponível em: <2003http://www.uff.br/revistaeconomica/v4n1/lavinas.pdf>. Acesso em 20 de jul. 2019. MARX, Karl. O Capital. Livro 1. Processo de produção do capital. 6 ed.. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 2, 1980. MEIRELLES, Gielle Ávila Leal. Pauperização Relativa, Desigualdade Social e a “questão social” contemporânea. Rev. Temporalis. Brasília, n. 29, jan./jun. 2015. Disponível em: < http://periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/9318>. Acesso em 29 de jul. 2019. NETTO, José Paulo. “Desigualdade, pobreza e Serviço Social”. Rev. Em Pauta, n. 19. FSS-UERJ, Rio de Janeiro, Editora Revan, 2007. Disponível em: <https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/view/190>. Acesso em 25 de jul. 2019. ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil: afinal, de que se trata? 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 244p. SILVA, Maria Ozanira da Silva e (coord.). O Mito da realidade no enfrentamento à pobreza na América Latina: estudo comparada de programas de transferência de renda no Brasil, Argentina e Uruguai. São Paulo: Cortez, 2016. ________. O debate sobre a pobreza: questões teórico-conceituais. Rev. Pol. Públ. São Luís, v.6, n.2(2002), 1-31, 2015. Disponível em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/view/3720/1 753>. Acesso em 20 de jul. 2019. SIQUEIRA, Luana de Sousa; ALVES, Glaucia Lelis. POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL UMA BREVE REFLEXÃO BRASIL E AMÉRICA LATINA. Rev. Direitos, trabalho e política social. Cuiabá, v. 4, n. 6, p. 11-36, jan./jun. 2018. Disponível em: <http://revista91.hospedagemdesites.ws/index.php/rdtps/article/view/120>. Acesso em 25 de jul. 2019. 604
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORANEO E POLÍTICAS PÚBLICAS: o Estado brasileiro no Caso Brasil Verde CONTEMPORARY SLAVE LABOR AND PUBLIC POLICIES: the Brazilian State in the Brazil Verde Case Luciana Resplandes da Silva1 Fabiana Rodrigues de Almeida Castro2 RESUMO O trabalho análogo à escravidão ou escravidão contemporânea é um problema mundial e que se manifesta nas relações de profunda desigualdade entre os indivíduos que detém os recursos produtivos e os trabalhadores em estado de vulnerabilidade social. O Caso Brasil Verde envolveu trabalhadores piauienses e foi julgado, em 2016, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e representou um marco, proporcionando reparação aos trabalhadores, alteração de aspectos legais e conduziu à reflexão internacional acerca das políticas públicas brasileiras. Dessa forma, o objetivo do artigo é analisar o trabalho escravo contemporâneo, destacando o posicionamento do Estado brasileiro no Caso Brasil Verde, através da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O estudo é exploratório e utilizou a pesquisa documental e bibliográfica. As análises evidenciaram a fragilidade na efetividade das políticas públicas de enfrentamento ao trabalho análogo à escravidão e proteção das vítimas, apesar dos avanços alcançados entre 2003 a 2016. Palavras-Chaves: Escravidão contemporânea. Caso Brasil Verde. Corte Interamericana de Direitos Humanos. ABSTRACT Work analogous to slavery or contemporary slavery is a worldwide problem and is manifested in the relations of profound inequality between individuals who own productive resources and workers in a 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected]. 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected]. 605
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI state of social vulnerability. The Brasil Verde Case involved workers from Piauí and was judged in 2016 by the Inter-American Court of Human Rights and represented a milestone, providing redress to workers, changing legal aspects and leading to international reflection on Brazilian public policies. Thus, the objective of the article is to analyze contemporary slave labor, highlighting the position of the Brazilian State in the Brasil Verde Case, through the sentence of the Inter-American Court of Human Rights. The study is exploratory and used documentary and bibliographic research. The analyzes showed the weakness in the effectiveness of public policies to confront work analogous to slavery and protection of victims, despite the advances achieved between 2003 and 2016. Keywords: Contemporary slavery. Green Brazil Case. Inter-American Court of Human Rights. INTRODUÇÃO O trabalho análogo à escravidão ou escravidão contemporânea é um dos grandes problemas das pessoas em situação de vulnerabilidade social, inclusive no Brasil. O Estado brasileiro tem o papel de proteger esse grupo da população, intervindo, julgando, aplicando pena e reparando o dano causado às vítimas. Este artigo tem como objetivo principal analisar o trabalho escravo contemporâneo destacando o posicionamento do Estado brasileiro no Caso Brasil Verde, através da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CORTE IDH). O estudo é exploratório e foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica e documental. Através de bibliografia específica e de relatórios do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), buscou-se caracterizar o trabalho escravo contemporâneo. As análises sobre o Caso Brasil Verde centraram-se na sentença de 20 de outubro de 2016, da Corte IDH: Caso trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil, através da qual foi possível traçar um percurso histórico sobre a situação vivenciada, as denúncias e posicionamento do poder público, apresentando os principais argumentos e atores envolvidos no caso, destacando os avanços motivados pela decisão da Corte IDH. 606
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Além disso, foi realizada uma breve associação entre a vulnerabilidade social da população piauiense e o trabalho escravo contemporâneo, isso porque a maioria dos trabalhadores, no Caso Brasil Verde, era piauiense. O artigo está dividido em cinco partes: a primeira, esta introdução; a segunda aborda a estruturação de políticas públicas na escravidão contemporânea brasileira; a terceira traz uma caracterização do trabalho escravo contemporâneo, inclusive no Piauí; a quarta apresenta o Caso Brasil Verde e, a última, a conclusão. 2 ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA: estruturação de políticas públicas no contexto brasileiro Não se pode simplificar a manutenção da escravidão aos moldes da escravidão colonial brasileira. A escravidão contemporânea caracteriza-se, principalmente, pela violação de direitos humanos e, toda situação análoga à escravidão, também, é uma violação de direitos trabalhistas, no entanto, nem todo crime contra direitos trabalhistas, se caracteriza como trabalho escravo. O fator diferenciador é a dignidade humana. Sobre isso, Castilho (2000, p. 57) afirma que a [...] conduta de escravizar não se limita à violação da liberdade física e pode existir mesmo havendo liberdade de locomoção. A vítima é livre do ponto de vista físico para deixar o trabalho, mas não o deixa porque se sente escravo. A escravidão se estabelece de forma sutil e complexa com a participação de vários agentes e até com o consentimento da vítima. Ficam próximos, às vezes se superpõem, os conceitos de trabalho escravo, de trabalho degradante e trabalho em condições indignas e subumanas, pois o estado de escravo implica negar a dignidade humana (status dignitatis). A escravidão no Brasil Colonial que persistiu, oficialmente, até o fim do Brasil Imperial foi caracterizada por uma atividade que utilizou, predominantemente, a mão de obra negra, advinda do tráfico de pessoas, em sua maioria, de origem africana, com a mercadorização e a comercialização do ser humano de forma direta e o uso de grilhões e açoites. (BRANDÃO; ROCHA, 2013). Contudo, com a extinção oficial das antigas formas de escravidão, novas formas de escravidão emergiram. Antes do reconhecimento oficial da existência de trabalho escravo contemporâneo, já havia denúncias por parte de organizações da sociedade 607
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI civil. Ainda, na década de 1970, Dom Pedro Casaldáliga (Bispo da Igreja Católica) denunciou, em forma de Carta Pastoral, os conflitos associados ao latifúndio, violência e problemas sociais no campo, em Mato Grosso. Entre os crimes mencionados, citou-se a situação de trabalho escravo ao qual diversos trabalhadores estavam sendo submetidos. (BRANDÃO; ROCHA, 2013). A partir da década de 1990, as políticas públicas de enfrentamento à escravidão contemporânea foram sendo criadas e consolidadas. Em 19953, houve o reconhecimento oficial da existência do crime em território nacional e foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), com o objetivo de fiscalizar a ocorrência de trabalho escravo, realizando resgates de trabalhadores. No mesmo ano, foi criado o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Escravo (GERTRAF), coordenado pelo Ministério do Trabalho e composto por mais cinco ministérios4. Ademais, através do Fórum Nacional contra a Violência no Campo foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, responsável por fiscalizar e averiguar denúncias de trabalho escravo, sendo composto por auditores fiscais, Polícia Federal e Ministério Público do Trabalho (MPT). (BRASIL, 2013). Em 2002, juntamente com a OIT, realizou o Projeto de Cooperação Técnica Combate ao Trabalho Escravo no Brasil; criou a Coordenação Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e lançou o I Plano Nacional para a Erradicação da Escravidão (PNETE) e, através da Lei nº 10608, criou o seguro desemprego de trabalhadores resgatados sob o regime de trabalho forçado ou condição análoga à de escravo. (BRASIL, 2011). Em 2003, com o crescente número de denúncias e o aumento da pressão externa, no dia 31 de julho foi criada a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) que substituiu o GERTRAF. (OIT, 2010). Ademais, a aprovação da Lei nº 10.803/03, alterou o art. 149, do Código Penal, ampliando a caracterização do crime e precisando condutas de escravidão por dívida, por jornada exaustiva e condições degradantes. 3 O reconhecimento oficial foi motivado pela denúncia à Corte IDH do emblemático Caso José Pereira. Comprovado o caso de escravidão contemporânea, o governo brasileiro foi julgado e condenado por omissão pela referida Corte. (OIT, 2010, p. 27). 4 Ministério da Justiça; Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal; Ministério da Agricultura e do Abastecimento; Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo; Ministério da Assistência e Previdência Social. 608
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo- o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (BRASIL, 2003). No mesmo ano, foi aprovada a Portaria nº 1.234/035; em 2004, a Portaria nº 5406 que, juntamente com a Portaria Interministerial nº 2/2011, instituiu o Registro de Empregadores Infratores, conhecida como Lista Suja; em 2008, foi instituído o II PNETE, pela CONATRAE, que representou uma ampla atualização do primeiro plano; em 2009, foi promulgada a Lei nº 12.064, que criou o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo; em 2010, o Banco Central emitiu a Portaria nº 3876, que proibiu a concessão de crédito rural para pessoas físicas e jurídicas inscritas na Lista Suja que mantivessem trabalhadores em condições análogas à de escravo e, em 2014, aprovou a Emenda Constitucional nº 81 que, em seu art. 243, estabeleceu a expropriação de propriedades urbanas e rurais de qualquer região do país onde forem constatadas exploração de trabalho escravo. (BRASIL, 2011). Além disso, o Estado brasileiro criou cursos coordenados pelo CONATRAE para sensibilizar juízes do trabalho e federais sobre o tema e algumas normativas internacionais passaram a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro contribuindo para uma ampliação do entendimento acerca da categoria trabalho análogo à escravidão. 3 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO O grande desafio da caracterização ultrapassa os novos formatos e formas análogas ao trabalho escravo. Nos dias de hoje, a violação aos direitos humanos é real, à medida que se submete os trabalhadores a situações desumanas associadas à coerção física e, principalmente, psicológica, que incidem diretamente no moral e na crença dos sujeitos. (COSTA, 2008). Acrescente-se, ainda, a violação de cunho trabalhista, que 5 Estabelece procedimentos para encaminhamento de informações sobre inspeções do trabalho a outros órgãos. (BRASIL, 2003). 6 Criou, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo. (BRASIL, 2004). 609
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI envolve desacordos relativos à remuneração, condições degradantes de trabalho, realização de atividades sem equipamentos de segurança e jornada exaustiva. Para ser considerada situação análoga à escravidão no Brasil, pelas vias legais, é preciso que seja verificada uma dessas situações: trabalho forçado com restrição da liberdade, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e escravidão por dívida. (BRASIL, 2013). Esse conceito brasileiro é abrangente se considerado outros marcos nacionais e internacionais. Essa ampliação somente foi possível com um amadurecimento de reflexões acerca das multivariadas formas de submeter “[...] alguém a situações análogas à escravidão.” (BRASIL, 2013). Contudo, é importante ressaltar que o conceito é contraditório aos interesses empresariais que sustentam as cadeias produtivas com exploração do trabalho e trabalho escravo contemporâneo. Inúmeras foram as iniciativas tramitadas no Congresso Nacional na tentativa de descaracterizar esse crime. Mudanças políticas culminaram em bastante instabilidade nas políticas de repressão e erradicação ao trabalho escravo contemporâneo desde o ano de 2017, resultando na Portaria nº 1.129, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que restringiu o conceito, limitando a caracterização ao não consentimento (eliminando o fator do aliciamento, escravidão por dívida, isolamento geográfico e outras estratégias usadas para coagir o trabalhador) e com o agravante de condicionar a publicação dos nomes de empresários na Lista Suja apenas sob aprovação do MTE, substituindo um procedimento de caráter administrativo pelo político. Sucederam-se consecutivas manifestações populares e recomendações de revogação pelo MPT, Ministério Público Federal (MPF) e Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT). Ainda, em 2017, a Portaria nº 1.129 foi revogada, junto a outros atos infralegais, pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. O próprio MTE foi extinto no ano de 2019, o que causou mais instabilidade e desestruturação das políticas de proteção e defesa do trabalhador. (BRASIL, 2019). O trabalho escravo permaneceu, principalmente, no meio rural, onde a população tem mais dificuldade de acesso a políticas públicas e manteve as desigualdades que nasceram com a excludente política de terras. Sem reforma agrária e precisando da terra para subsistência das famílias, os agricultores passaram a ter uma relação de 610
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dependência com os latifundiários. O acesso à terra desde o sistema de sesmarias perpassa a relação de prestígio/poder e dependência da população camponesa e, ao longo do tempo, passou por um processo de mercadorização. As tentativas de reforma agrária não alcançaram a redistribuição da terra para os pequenos produtores e camponeses, mas transferiu, a preços irrisórios, às multinacionais. (NETO, 2006). Essa realidade de exclusão social e desproteção da população do campo produziu o fenômeno de migração forçada, quando o trabalhador busca em outras regiões condições dignas de vida e acaba submetido às diferentes formas de escravidão. Esterci (2008) destaca que o trabalho escravo contemporâneo pode ser mascarado até por práticas paternalistas. Com a dificuldade de concorrer no mercado de trabalho competitivo, as pessoas com baixa escolaridade e uma vida de escassez, podem ver o “patrão”7 como benfeitor, como alguém que dá oportunidade quando não há outras possibilidades, o que facilita e abre precedentes para que use seu poder, enquanto empregador, como a forma “[…] mais eficiente de coerção, que é a moral, a qual imobiliza sem deixar macas muito visíveis”. (ESTERCI, 2008, p. 41). A obra ‘Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasil’, da autora Patrícia Trindade M. Costa, aponta que os determinantes para a migração em busca de trabalho são causas econômicas como a pobreza, que atinge grande parte da população brasileira, em especial da zona rural nordestina, e a concentração fundiária. Considera-se, também, a pobreza como a responsável pelo ciclo da escravidão, não se reduzindo somente à privação material, mas também, pode ser traduzida pela falta de acesso a serviços públicos que não podem ser custeados pela renda individual. (COSTA, 2010). Em pesquisa realizada, a OIT afirma que o perfil da maioria dos resgatados é nordestino, com filhos, analfabetos ou analfabetos funcionais e chefes de família. (OIT, 2011). É importante destacar que esses dados não representam o universo de todos os trabalhadores vítimas, mas somente de alguns resgatados em diferentes operações de fiscalização. No entanto, representa um quadro elucidativo a respeito da vulnerabilidade dos sujeitos e famílias explorados. 7 Grifo nosso. 611
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ainda, sobre os resgatados, 99,2% eram homens; a maioria com menos de 30 anos (52,9%) e de renda familiar baixa. Do total, 85,3% disseram ter renda de até dois salários- mínimos; desses 40,5% não recebiam mais que um salário-mínimo. Em relação à raça, 80% dos trabalhadores eram negros e de baixa escolaridade (18,3% analfabetos e 45% analfabetos funcionais, totalizando 63,3% trabalhadores que não frequentaram escola por mais de quatro anos). Além disso, a maioria era nordestino (77,6%); chefes de família (44,4%) e 62% disseram ter filhos. (OIT, 2011). 3.1 PIAUÍ: vulnerabilidade e trabalho escravo contemporâneo Em relação ao Piauí, os números apontam que entre 2003 e 2018 foram realizadas 49 operações, 932 resgates e, atualmente, o Estado ocupa a 12ª posição, no Brasil, em relação ao trabalho análogo à escravidão, representando 2,11% do total. (OIT, 2016). No entanto, a principal dimensão que o envolve na problemática é a migração forçada, que diz respeito à situação de vulnerabilidade social e dificuldade de acesso a políticas públicas de permanência no seu lugar de origem de forma digna. Isso pode ser observado pelo baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) que leva em consideração longevidade, renda e educação, nesta ordem. Em 2010, o Piauí ficou na 24ª posição, entre 27 unidades federativas, com índice de 0,646. (IPEA, 2010). Com poucos recursos e alternativas, os trabalhadores migram em busca de emprego e melhores condições de vida. Isso os deixa mais suscetíveis às ofertas de emprego em localidades distantes e por empregadores desconhecidos, com promessa de renda e condições de trabalho que, por vezes, não se concretizam. A desigualdade social atrelada à baixa renda per capita do Piauí e o acesso restrito à terra pela reforma agrária do país e, principalmente, à baixa escolaridade associada a poucas políticas efetivas de trabalho e renda dignos, faz com que o perfil dos trabalhadores, vítimas do trabalho escravo contemporâneo, retrate o desenho da exclusão social: jovens, negros, com baixa escolaridade, rural e de baixa renda. 612
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4 O CASO BRASIL VERDE: o que a sentença nos mostra A primeira denúncia sobre a prática de trabalho escravo e pelo desaparecimento de dois jovens da Fazenda Brasil Verde8 foi em 1988, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) à Polícia Federal. (OEA, 2016). Em 1996, uma nova fiscalização no Brasil Verde foi realizada pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho, na qual foram identificadas várias violações trabalhistas como falta de registro dos empregados e, em geral, condições contrárias às disposições trabalhistas. (OEA, 2016). Em 1997, dois trabalhadores fugitivos prestaram declarações à PF sobre a situação vivenciada, como dívida ilegal e ameaças de morte, caso fugissem ou denunciassem e que, durante as visitas e fiscalizações, os gatos escondiam os trabalhadores. No mesmo ano, o Grupo Móvel do Ministério do Trabalho realizou nova fiscalização na qual foram constatadas as seguintes situações: alojamento precário (barracões cobertos com plástico e palha), trabalhadores com doenças de pele sem tratamento médico, água inapropriada para o consumo, ameaças com armas de fogo e proibição de sair da fazenda. Com base no relatório elaborado pelo Ministério do Trabalho, o Ministério Público oficializou denúncia contra o gato, Raimundo Alves da Rocha, o gerente, Antonio Alves Vieira e o dono da fazenda, João Luiz Quagliato Neto. (OEA, 2016). Em audiência preliminar realizada em 1999, o dono da Brasil Verde compareceu em juízo e teve o processo suspenso por dois anos em troca da distribuição de seis cestas básicas para uma instituição beneficente de Ourinhos/SP. (OEA, 2016). Em 2001, o juiz federal substituto responsável pelo caso, declarou a “[...] incompetência absoluta da Justiça Federal para julgar o processo, pois os delitos que se investigavam constituíam violações a direitos individuais de um grupo de trabalhadores e não crimes praticados contra a organização do trabalho [...]”, sendo o processo reiniciado pela justiça estadual de Xinguara. (OEA, 2016, p. 39). Dois anos depois, nas alegações do Ministério Público do Estado do Pará solicitou que fosse considerada 8 O empreendimento está situado no município de Sapucaia, no sul do Pará, e pertence ao Grupo Irmãos Quagliato, um dos maiores criadores de gado do país. (OEA, 2016). 613
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI improcedente a denúncia contra o gato e o gerente e que fossem absolvidos, em virtude da falta de indícios suficientes de sua autoria. (OEA, 2016). Em 2007, após conflito de competência entre a justiça estadual e federal, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a jurisdição competente era a federal, sendo o processo remetido à jurisdição federal de Marabá, Pará, onde resultou, anos mais tarde, na extinção da ação penal por um juiz federal, que embora comprovado a autoria, já havia sido alcançado pela prescrição da pena. (OEA, 2016). Nesse ínterim, em 2000, um novo aliciador, conhecido por Meladinho, recrutou trabalhadores no município de Barras/PI para trabalhar na Fazenda Brasil Verde, os quais foram transportados de forma ilegal em ônibus, trem e caminhão; tiveram as carteiras de trabalho recolhidas, obrigados a assinar documentos em branco e levados para alojamentos precários, sem camas e energia. A alimentação era insuficiente, repetitiva e de má qualidade; a jornada de trabalho iniciava às 3 horas da manhã e duravam 12 horas ou mais, com meia hora de descanso. Muitos trabalhadores adoeciam por consumir água contaminada e contraíram fungos nos pés pelas péssimas condições de trabalho. (OEA, 2016). Sem atendimento médico, o trabalhador não podia se deslocar até a cidade, nem para comprar remédios, ou ir ao médico; o gato era quem comprava o que precisavam e anotava para desconto posterior. Além do mais, viviam sob constante vigilância armada. Os trabalhadores que fugiam eram espancados pelos funcionários da fazenda. Dois deles conseguiram fugir e chegaram até a delegacia, na cidade de Marabá, e foram orientados a procurar a CPT. A polícia local entrou em contato com o Ministério do Trabalho e a Polícia Federal que fiscalizaram a Fazenda Brasil Verde, devolvendo as carteiras de trabalho, documentos e dinheiro para os 82 trabalhadores encontrados. (OEA, 2016). Uma ação civil pública foi movida pelo MPT e aberta a Denúncia Penal nº 0472001 perante a Vara Federal de Marabá contra o dono da Fazenda Brasil Verde. No entanto, o Estado não conseguiu informar à Corte IDH o que aconteceu com o processo, uma vez que declarou não ter conseguido localizar as cópias dos autos nos arquivos públicos. (OEA, 2016). Em relação às fiscalizações dos anos de 1993, 1996, 1997 e 2000, a CPT e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) enviaram uma petição à CIDH, que, em 2011, 614
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI emitiu o Relatório de Admissibilidade e Mérito nº 169. Neste, concluiu, entre outras coisas, que o Estado brasileiro foi internacionalmente responsável pela violação de direitos e não adoção de “[...] medidas suficientes e efetivas para garantir, sem discriminação, os direitos dos trabalhadores encontrados nas fiscalizações de 1993, 1996, 1997 e 2000 [...]”. O Relatório notificou e recomendou o Estado que reparasse as vítimas, material e moralmente; investigasse os fatos, adotando medidas administrativas, penais e disciplinares necessárias, dentre outras providências. (OEA, 2011, p. 63). Mesmo com o prazo prorrogado por 10 vezes, não houve avanço no cumprimento das medidas. Em 2015, a CIDH apresentou o caso à Corte IDH para que o Brasil fosse responsabilizado por suas ações e omissões em razão da “[...] necessidade de obtenção de justiça”. (OEA, 2016, p. 06). No documento ‘Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil: sentença de 20 de outubro de 2016’, o Estado brasileiro posicionou-se de forma a descaracterizar a ocorrência de trabalho escravo contemporâneo. Argumentou que para que houvesse escravidão deveria existir relação de propriedade total ou parcial e que os trabalhadores não estavam impedidos de abandonar o local de trabalho. Tentou, ainda, inviabilizar os depoimentos alegando que os testemunhos eram vagos em relação ao tempo transcorrido até o julgamento. Por fim, afirmou que “[...] não pode ser responsável por toda violação direitos humanos cometida por particulares em seu território”. (OEA, 2016, p. 62). A Corte IDH analisou as provas e concluiu que os trabalhadores vivenciaram a escravidão, responsabilizando internacionalmente o Estado brasileiro pelo ocorrido e pela discriminação estrutural histórica que manteve a vulnerabilidade dos trabalhadores segundo o mesmo perfil: pardos ou pretos, nenhuma ou baixa escolaridade, pobres e provenientes dos mesmos locais de origem com baixo IDH. O julgamento desse caso pela Corte IDH proporcionou, além da reparação às vítimas, uma mudança significativa na legislação: trabalho análogo à escravidão ou trabalho escravo contemporâneo passou a ser crime imprescritível. (OEA, 2016). 615
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 5 CONCLUSÃO O trabalho escravo contemporâneo não é um problema superado no Brasil. Apesar das políticas públicas terem sido criadas e estruturadas desde o reconhecimento da escravidão contemporânea no Brasil (1995), com ênfase a partir de 2003, o Estado precisa preocupar-se em torná-las eficazes. Constantemente, a própria legislação é questionada e iniciativas de desestruturação e enfraquecimento do aparato jurídico e institucional têm feito parte do cenário brasileiro na tentativa de inviabilizar a erradicação e favorecer os interesses do empresariado que lucra com a mão de obra escrava. O Caso Brasil Verde é um marco para o Brasil, uma que expôs internacionalmente a situação de milhares de trabalhadores que vivenciam as consequências das relações de poder e desproteção social. Além de ter evidenciado as fragilidades em efetivar a justiça social quando há conflito de interesses privados e apesar do avanço verificado na implementação das políticas públicas, entre os anos de 2003 a 2016, o reconhecimento da existência da discriminação estrutural histórica representa a desigualdade social que marca o perfil desse tipo de vítima: negros, pobres e com baixa ou nenhuma escolaridade, notadamente, as oriundas de regiões com baixo IDH, como o Estado do Piauí. REFERÊNCIAS BRANDÃO, A.; ROCHA, G. Trabalho escravo contemporâneo no Brasil na perspectiva da atuação dos movimentos sociais. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 196-204, jul./dez. 2013. BRASIL. Portaria SEPRT nº 1417, de 19 de dezembro de 2019. Revoga atos infralegais do extinto Ministério do Trabalho. 2019. (Processo nº 19964.103375/2019-89). Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=387652 Acesso em: 15 jan. 2020. ______. 10 anos de CONATRAE. Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Brasília: SEDH, 2013. ______. Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003. Altera o art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo. 2003. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2003/lei-10803-11- dezembro-2003-497431-norma-pl.html Acesso em: 09 abr. 2019. 616
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ______. Portaria nº 540/2004. Cria Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em situação análoga à de escravo. 2004. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BE914E6012BF2B6EE26648F/p_20041 015_540.pdf> Acesso em: 02 fev. 2020. CASTILHO, E. Considerações sobre a interpretação jurídico-penal em matéria de escravidão. Estudos avançados, n. 14, 2000. COSTA, P. A construção da masculinidade e a banalidade do mal: outros aspectos do trabalho escravo contemporâneo. Cadernos Pagu, n.31, julho-dezembro de 2008. COSTA, Patrícia T. M. Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasil/International Labour Office. ILO Office in Brazil. - Brasília: ILO, 2010. ESTERCI, N. Escravos da desigualdade: um estudo sobre o uso repressivo da força de trabalho hoje [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. IPEA. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. PNUD, IPEA, FJP. 2010. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_uf/piaui/ Acesso em: 02 fev. 2020. NETO, P. Conceito jurídico e combate ao trabalho escravo contemporâneo. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Direito – Universidade Metodista de Piracicaba, SP: [s.n.], 2006. OEA. CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CORTE IDH). Sentença: Caso trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil. Costa Rica, 2016. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_318_por.pdf Acesso em: 10 fev. 2020. ______. COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório nº 169/11. Caso 12.066. Admissibilidade e mérito. Fazenda Brasil Verde. 2011. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2015/12066FondoPt.pdf Acesso em: 10 fev. 2020. OIT. Combatendo o Trabalho escravo Contemporâneo: o exemplo do Brasil. Escritório da OIT. Brasília, 2010. _____. Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. 2011. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/publicacoes/WCMS_227533/lang-- pt/index.htm Acesso em: 25 jan. 2020. ______. Global estimates of modern slavery: forced labour and forced marriage. Geneva, 2016. Disponível em: https://www.ilo.org/global/publications/books/WCMS_575479/lang--en/index.htm Acesso em: 02 fev. 2020. 617
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS TRABALHADORES-ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA DO CAMPUS AMÍLCAR FERREIRA SOBRAL – CAFS/UFPI: breve análise de suas condições de trabalho e estudo PEDAGOGY COURSE STUDENT WORKERS – CAFS: brief analysis of their work and study conditions Ariadenes Beatriz Vieira1 Paulo Ricardo Sousa Batista2 Weliton Campelo Rodrigues Junior3 Geraldo do Nascimento Carvalho4 RESUMO O presente texto discute de forma introdutória a problemática que envolve o trabalhador-estudante do curso de licenciatura em pedagogia do Campus Amílcar Ferreira Sobral – CAFS/UFPI. Tem por objetivo geral analisar as condições de trabalho e estudo dos graduandos de Pedagogia. Os objetivos específicos são: I) identificar os estudantes envolvidos com trabalho e estudo; II) conhecer o perfil dos trabalhadores-estudantes; III) conhecer as dificuldades enfrentadas na relação trabalho e estudo. Partimos da seguinte questão: Como se dão as condições e dificuldades dos trabalhadores- estudantes do Curso de Pedagogia do CAFS? Trata-se de uma pesquisa descritiva, em uma abordagem quantitativa, os dados coletados por meio de questionário com questões abertas e fechadas aplicado junto aos discentes no período letivo 2020.1. Por enfrentar os inúmeros problemas que permeiam a relação trabalho e estudo dos discentes, lamentavelmente, uma parcela dessa população para fugir desses problemas, foge também da escola, elevando os números da evasão escolar. Palavras-Chaves: Trabalho. Educação. Trabalhador-Estudante. ABSTRACT 1 Estudante do IV Bloco do Curso de Licenciatura em Pedagogia – CAFS/UFPI. E-mail: [email protected] 2 Estudante do IV Bloco do Curso de Licenciatura em Pedagogia – CAFS/UFPI. E-mail: [email protected] 3 Estudante do IV bloco do Curso de Licenciatura em Pedagogia – CAFS/UFPI. E-mail: [email protected] 4 Professor Adjunto da área de fundamentos sociológicos da educação no CAFS-UFPI. E-mail: [email protected] 618
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI This text discusses in an introductory way the problem involving the student worker in the pedagogy degree course at Campus Amílcar Ferreira Sobral - CAFS / UFPI. Its general objective is to analyze the working conditions and study of undergraduate students of Pedagogy. The specific objectives are: I) to identify students involved in work and study; II) know the profile of student workers; III) know the difficulties faced in the relationship between work and study. We start from the following question: How are the conditions and difficulties of the student workers of the Pedagogy Course at CAFS? It is a descriptive research, in a quantitative approach, the data collected through a questionnaire with open and closed questions applied to the students in the 2020.1 academic period. Facing the countless problems that permeate the work and study relationship of students, unfortunately, a portion of this population to escape these problems, also runs away from school, increasing the numbers of school dropouts. Keywords: Work. Education. Student worked. INTRODUÇÃO O presente texto discute de forma introdutória elementos que envolvem a problemática do trabalhador-estudante do Curso de Licenciatura em Pedagogia do Campus Amílcar Ferreira Sobral – CAFS/Floriano, da Universidade Federal do Piauí – UFPI. O trabalho é continuidade das leituras e discussões desenvolvidas por ocasião da disciplina Sociologia da Educação II, cursada no III período do Curso, ministrada no período de 2019.2. Nosso interesse reside em conhecer a realidade do trabalhador- estudante do Curso de Pedagogia do CAFS e, dessa forma, subsidiar a Coordenação do Curso e a direção do Campus e da Universidade na elaboração de políticas e ações que possam melhorar as condições de estudo para essa população estudantil. Discutir os problemas que envolvem as condições do trabalhador-estudante requer a localização do tema no contexto da relação trabalho e educação. Significa antes, portanto, compreender trabalho e educação como atividades exclusivamente humanas (SAVIANI, 2007, p. 152). Nessa perspectiva, segundo o autor, apenas o ser humano trabalha e educa. Podemos dizer de outra forma, trabalho e educação não penas são atividades exclusivamente humanas, mas são, ao mesmo tempo, atividades humanizadoras. Isto é, são atividades responsáveis pela constituição da essência humana da espécie animal, cujo atributo essencial é a racionalidade. 619
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Trabalho e educação como atividade especificamente humana, além da formação da natureza humana, constituem formas históricas de suprir necessidades, pessoais e sociais. O trabalho enquanto atividade mediadora da relação homem- natureza, com vistas à produção da existência da espécie humana, é, ontologicamente, também uma atividade constituidora da natureza humana da espécie. A educação constitui elemento imprescindível enquanto instância de aprimoramento, sendo ela no campo profissional ou acadêmico. Na contemporaneidade, o modelo econômico capitalista exige transformações técnicas e tecnológicas permanentes neste âmbito, requerendo assim, ajustes contínuos nas políticas e nas instituições educacionais, de forma a ajustar trabalho e educação às exigências impostas pela esfera da produção e circulação dos bens e serviços produzidos coletivamente. Nessa perspectiva, a educação constitui elemento de mediação na relação do homem com a natureza e entre eles próprios na produção dos objetos e serviços de que necessitam para a produção da sua existência material e espiritual. Ao analisar a problemática do trabalhador-estudante no processo de trabalho e estudo em um ambiente acadêmico, nota-se que não é um tema novo entre as instituições de ensino. As condições de trabalho e estudo desse grupo social se torna mais grave ainda para a parcela desse grupo submetido ao estudo no período noturno, enfrentando uma sobrecarga maior e mais penosa, seja ela mental ou física. Os cursos de período noturno são os mais demandados por esse grupo social, principalmente no ensino presencial, o que representa 63% das matrículas em cursos de graduação (INEP, 2015). Devemos ressaltar que é grande o número de pessoas que abandonam a educação escolar e passa a seguir apenas o que mais lhe é acessível. Porém, nesse cenário essas dificuldades de conciliação e comparando a evolução do mercado de trabalho se torna cada vez mais difícil permanecer em um determinado local sem possuir nenhum tipo de conhecimento acadêmico, segundo Oliveira (2004, p.123) “Aqueles que não estudam têm poucas chances de obter e manter, no mercado de trabalho, uma ocupação profissional que lhes dê satisfação e remuneração condigna”, ou seja, a sua permanência no ensino superior se torna cada dia mais necessário, pois o mercado exige ainda mais uma qualificação. 620
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Segundo pesquisa feita pelo Jornal O Globo: No período diurno, apenas um, de cada quatro alunos, também trabalha, além de estudar. Os que vão para a escola à noite, são quase 70%, o período matutino e vespertino, a minoria consegue trabalhar em apenas um turno. (Globo, 2014) Contudo, é notável que estes dados podem ter sofrido alterações no decorrer dos anos, porém, a situação ainda continua sendo um ponto bastante importante no âmbito acadêmico seja ela em estudos de tempo integral, matutino ou noturno. Fica evidente neste breve estudo que a educação e as atividades profissionais interagem mediante ao modo de vida do estudante, resultando assim num elo entre esses dois mundos. Diante disso, constituiu-se a questão norteadora dessa pesquisa: Quais as dificuldades enfrentadas na relação trabalho e estudo pelos estudantes do Curso de Pedagogia do CAFS? Para que fosse possível investigar essa problemática a pesquisa teve como objetivo geral analisar as condições que permeiam a relação trabalho e estudo dos alunos do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Piauí (UFPI) - CAFS. Buscamos na pesquisa responder aos seguintes objetivos específicos: i) identificar os estudantes do Curso de Pedagogia do CAFS envolvidos com trabalho e estudo; ii) conhecer o perfil do trabalho desenvolvido pelos estudantes do Curso de Pedagogia do CAFS; e iii) conhecer as dificuldades enfrentadas na relação trabalho e estudo pelos estudantes do Curso de Pedagogia do CAFS. A pesquisa se justifica pela lacuna existente no cenário dos trabalhadores- estudantes. Com ela buscamos maior aproximação com a realidade do estudante- trabalhador do Curso de Pedagogia do CAFS/UFPI. Logo, definimos a pesquisa de campo, mediante indagações com questões subjetivas e objetivas. Registra-se que o número total de estudantes matriculados no curso de Pedagogia do Campus Amílcar Ferreira Sobral – CAFS, da Universidade Federal do Piauí – UFPI, é de 316, dos quais 27 estão inseridos na categoria de trabalhador-estudante. A seguir apresentamos os dados coletados, conforme os objetivos definidos e apresentados acima. 621
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 IDENTIFICAÇÃO DOS TRABALHADORES-ESTUDANTES COM MATRÍCULAS ATIVAS NO CL EM PEDAGOGIA DO CAFS/UFPI A pesquisa realizada identificou 27 Trabalhadores-Estudantes com Matrículas Ativas no CAFS/UFPI, período 2020.1. Este número corresponde a (8,3%) do total de 325 discentes matriculados nos nove blocos que integram o Curso. Dos 27 Estudantes- Trabalhadores, 17 estão matriculados no turno noturno e 10 no turno diurno/integral. Em relação ao gênero, no período diurno/integral 5 são do sexo masculino, 3 do sexo feminino e 1 não se identificou. No período noturno a pesquisa encontrou 13 discentes do sexo feminino, 3 do sexo masculino 1 não se identificou. Quanto à idade, considerando as faixas etárias estabelecidas na pesquisa: 20 a 30 anos; 30 a 40 anos; 40 a 50 anos e acima de 50 anos, temos o seguinte resultado: 15 discentes tem idade entre 20 e 30 anos; 10 tem idade entre 30 e 40 anos; apenas um está na faixa de 40 a 50 anos. A pesquisa não encontrou nenhum discente acima de 50 anos. Percebe-se que, embora a maioria dos Trabalhadores-Estudantes esteja na faixa entre 20 e 30 anos, revelando o perfil jovem da categoria, encontramos um número significativo de trabalhadores-estudantes acima dos 30 anos, o que demonstra a elevada taxa de distorção entre a idade/série, também na educação superior, que caracteriza a educação básica brasileira. 3 PERFIL DO TRABALHO DESENVOLVIDO PELOS TRABALHADORES-ESTUDANTES DO CL EM PEDAGOGIA DO CAFS/UFPI Apresentamos a seguir o perfil do trabalho desenvolvido pelos trabalhadores- estudantes do CL em Pedagogia do CAFS/UFPI. O objetivo é conhecer o tipo de trabalho realizado por esses jovens trabalhadores-estudantes e, consequentemente, nos aproximarmos do perfil econômico e social desse público. Em uma abordagem de Pessoa (2014, p. 85) \"O estudante trabalhador tanto necessita do trabalho como do estudo, são atividades que precisam ser desenvolvidas por eles, mesmo diante das dificuldades.\" Nisso, é verificada a essencialidade do estudo vinculado ao trabalho tornando-o promissor para o crescimento profissional e individual colaborando dentro do processo coletivo. Com o levantamento de dados pudemos conhecer o variado 622
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI universo das categorias que compõe o perfil dos 27 trabalhadores-estudantes do Curso de Pedagogia do CAFS/UFPI. Tabela 1 – Categorias de trabalho desenvolvido pelos Trabalhadores-Estudantes do CL em Pedagogia do CAFS/UFPI. PROFISSÕES QUANTIDADES Educação/Auxiliar 06 Comércio/Vendas 06 Hotel/Restaurante/Lanchonete 03 Recepcionista/Portaria 02 Trabalho Doméstico 02 Serviço Público 02 Eletricista 01 Designer/Informática 01 Instituição Religiosa 01 Produtor Musical 01 Auxiliar Administrativo 01 Serviços Gerais 01 Fonte: Pesquisa junto aos discentes com matrícula ativa do CL em Pedagogia do CAFS/UFPI, elaboração própria, 2019. Em primeiro lugar, devemos registrar que dois trabalhadores-estudantes deixaram de apontar o tipo de trabalho que realizam. Dessa forma, temos no quadro acima 25 dos 27 trabalhadores-Estudantes identificados por nossa pesquisa. O quadro acima revela a diversificação dos tipos de trabalhos realizados pelos trabalhadores- estudantes do CL em Pedagogia do CAFS/UFPI. Além dessa diversidade, o quadro revela também o perfil do tipo de trabalho realizado por esses estudantes-trabalhadores, preponderando um trabalho do tipo “semiqualificado”, isto é, um trabalho que não exige uma formação especializada. O setor da educação concentra o maior número de trabalhadores-estudantes, 06, do total de 27. Ressalte-se que os seis estão distribuídos ainda em diferentes tipos de serviços educacionais, na maioria auxiliar. A segunda maior concentração está na área do comércio, um total de 06, divididos em diferentes modalidades de trabalhos com vendas/comerciários. Depois vem o setor de Hotel/Restaurante/Lanchonete, com 03 trabalhadores-estudantes. Na sequência, vem os setores de Recepcionista/Portaria, Trabalho Doméstico e Serviço Público, com 02 discentes cada. Por último, aparecem os serviços de Eletricista, Designer/Informática, Instituição Religiosa, Produtor Musical, 623
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Auxiliar Administrativo e Serviços Gerais, com 01 trabalhador em cada modalidade de serviço. Destaca-se também de forma preponderante o trabalho informal, especialmente no turno noturno, onde a quantidade de trabalhadores-estudante é um número elevado, segue abaixo a tabela e seus perspectivos números. Tabela 2 – Categorias de trabalhos Formais e Informais desenvolvido pelos Trabalhadores-Estudantes do CL em Pedagogia do CAFS/UFPI. Trabalho Formal Trabalho Informal Diurno / Integral 4 5 Noturno 7 11 Fonte: Pesquisa junto aos discentes com matrícula ativa do CL em Pedagogia do CAFS/UFPI, elaboração própria, 2019. Segundo Marques e Silva (2017), habitualmente, grande número de estudantes buscam a combinação entre trabalho e estudo por uma questão de necessidade, submetendo-se aos mais diversos tipos de trabalho precário, inclusive a informalidade, característica crescente do trabalho no contexto brasileiro e mundial atuais. Essa abordagem nos remete a pensar sobre o auto sustento tanto familiar como pessoal, uma vez que o trabalho se coloca a esses estudantes em termos de oportunidade e saída para essa problemática, conforme fica demonstrado nas questões a seguir. Essas questões somadas às três questões a seguir compõe o quadro do perfil dos trabalhadores-estudantes envolvidos na presente pesquisa. De acordo com a pergunta “Você sustenta ou é sustentado (a) por alguém?”, a resposta confirma a impossibilidade desses trabalhadores-estudantes abandonarem o trabalho em favor da dedicação exclusiva ao estudo. Dezesseis (16) participantes informaram que sustentam sua família, 7 discentes disseram que se auto sustentam e apenas 4 discentes afirmaram que são sustentados. Nessa perspectiva, trabalhar como condição para o sustento da família prepondera sobre as demais variáveis. Diversos fatores determinam essas circunstâncias tais como a o desemprego dos pais que influencia diretamente na vida acadêmica dos filhos. Outra questão indagada aos pesquisados foi: “Você já trabalhava antes de estudar?\" As respostas (24) apontam, majoritariamente, no sentido de que já trabalhavam. Apenas 3 responderam que não trabalhavam. Essa questão reafirma o 624
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI perfil socioeconômico dos discentes do curso de pedagogia do CAFS, constituído majoritariamente por jovens trabalhadores, cuja marca biográfica fundamental é a necessidade, em primeiro lugar, de trabalhar para assegurar a sobrevivência, sua e de sua família. Ainda nesse eixo foi formulada a seguinte questão: “Para você, de certa forma, é importante estudar mesmo dividindo o tempo com o trabalho? Por quê?” As respostas apontaram em quatro direções. Em primeiro lugar, aqueles que associam o estudo ao crescimento enquanto pessoa, na qual 11 responderam; em segundo lugar, aqueles que associam o estudo ao crescimento profissional, 8 pessoas; em terceiro lugar, aqueles que associam o estudo ao crescimento profissional e ao crescimento enquanto pessoa, 3 responderam e por fim, aqueles cujas respostas não estão relacionadas nem com trabalho nem com estudo, resultando a 4 pessoas. Por último, foi perguntado: \"Entre o trabalho e o estudo, qual você prioriza? Como?” O dilema é visível entre os pesquisados. Os que priorizam o trabalho são maioria, 13, e a motivação central é a necessidade do sustento familiar. Os que priorizam o estudo são nove, sob a alegação de que esta é a possibilidade de conquista de uma vida melhor. Quatro que a prioridade são os dois, trabalho e estudo, alegando ser necessário conciliar e dar peso igual a ambos. Apenas um não soube responder. Segundo Abrandes (2012) é por meio do trabalho que se terá mais oportunidades para manter o equilíbrio social de acordo com a realidade submetida, para adquirir não somente o mínimo para a sobrevivência enquanto trabalhador, mas também o necessário para uma vivência acadêmica. 4 DIFICULDADES ENFRENTADAS NA RELAÇÃO TRABALHO E ESTUDO PELOS ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA DO CAFS Neste terceiro objetivo buscamos conhecer as dificuldades na relação trabalho e estudo enfrentados pelos trabalhadores-estudantes do CL em Pedagogia do CAFS/UFPI. Este eixo tem desdobramentos em quatro questões, conforme descrito a seguir. a) Qual a principal dificuldade enfrentada por você na relação trabalho e estudo? 625
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI As respostas revelaram seis tipos de dificuldades, sendo o cansaço físico/mental e a falta de tempo as principais. Foram mencionadas ainda a falta de compreensão por parte de professores e colegas e a falta de recursos. Foram poucos os que declararam não ter sentido nenhum tipo de dificuldade. Buscar conciliar trabalho e estudo revela- se o grande desafio, cuja solução é encontrada nos horários livres, fora da jornada de trabalho e estudo, principalmente nos finais de semana e feriados, o que acaba sobrecarregando e resultando no cansaço físico e mental mencionado. Segundo Siqueira (2001): Assim como as condições de trabalho no capitalismo globalizado e neoliberal não são favoráveis aos jovens que trabalham e estudam ao mesmo tempo as condições de estudo também não lhes são totalmente favoráveis e obstruem ainda mais suas possibilidades, negando sua condição de trabalhador, exigindo dos alunos o tempo que eles não têm ou ainda tratando-os como incapazes de cumprir o que a escola exige. (Siqueira, 2001, p.228) A inserção dos jovens no trabalho é frequente associada a necessidade para se manter na universidade, logo, é preciso que o mesmo possa conciliar o seu tempo podendo, pois, cumprir as suas tarefas, sejam elas relacionadas a área profissional ou acadêmica. Portanto, o tempo vinculado a sua disponibilidade traz para o trabalhador- estudante uma perspectiva direcionada ao favorecimento relacionado à liberdade de conciliar os estudos não só em pequenas horas, mas também saber gerenciar por meio de táticas educacionais e morais de acordo com seus limites, não trazendo prejuízo aos dois lados. b) Você conhece a Lei nº 99/2003 (Estatuto do Trabalhador-estudante)? Essa questão, considerada essencial para o público trabalhador-estudante em geral, mostrou-se amplamente desconhecida pelos discentes de graduação da pedagogia do CAFS. 23 estudantes-trabalhadores afirmaram desconhecer a lei que lhes dar proteção e direitos exatamente por estarem nessa condição. Somente três afirmaram que conhecem, um respondeu que “ouvi falar” e um discente se absteve de responder. O artigo 89º do código do trabalhador (DRE, 2003) demonstra uma preocupação temporal quando atribui condicionalmente uma regulação de horários de atividades educacionais relacionada a uma conduta que viabiliza trabalho e estudo. 626
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Sua invisibilidade, na maioria das vezes, cria uma exclusão abstraída de uma percepção da não visualização das condições que, pode-se ser inserido. Nisso, acaba por surgir bloqueios que os estudantes trabalhadores passam em questão de não recorrer os seus direitos justamente por não saberem que existem. Esse fator comum, mesmo que determinado por uma única lei que traga benefícios das mais variadas formas, se vê como ineficaz uma vez que, não tem utilização. Contudo, se torna essencial o conhecimento de tais leis pois como o ensino é acessível e democrático a todos, é preciso que principalmente o trabalhador-estudante esteja ciente de seus direitos. c) Os professores ao presenciarem a sua realidade (trabalhador-estudante), tornam o ensino mais acessível? Com essa questão buscamos conhecer o comportamento docente em relação a particular situação do trabalhador-estudante no esforço de conciliação entre trabalho e estudo por parte deste segmento estudantil. A maioria se mostrou sensível à essa situação, conforme responderam 16 discentes entrevistados. Quatro disseram que não há flexibilidade; outros quatro disseram que às vezes os docentes se mostram sensíveis e três não informaram. Percebemos, portanto, que há sensibilidade por parte do corpo docente, com poucas exceções, para com a situação do trabalhador-estudante. Conforme destaca Pessoa (2015), o problema encontrado pelos discentes muitas das vezes não é sancionado dentro da própria instituição, mas que na qual deve-se observar os aspectos que permeiam tais situações que tornam na prática a concessão no ensino superior e no ambiente de trabalho melhorias que, desenvolvam a conciliação por parte de cada realidade e com esforço a reavaliação das leis do trabalhador- estudante que poucos conhecem e mal sabem sua importância. Portanto, é preciso refletir as mudanças, levando em consideração as circunstâncias submetidas por essas pessoas e, além disso, trazer a linguagem/diálogo como ponto de partida numa integridade que respeite os princípios éticos e morais. Por fim, a última pergunta relacionada ao eixo proposto: 627
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI d) Como são resolvidas questões de conflitos na relação entre trabalho e estudo, a exemplo de incompatibilidade de horários? Com posições variadas e pouco objetivas as respostas mencionaram mudanças de horários, compreensão de ambas as partes, indiferença de ambas as partes, diálogo, inflexibilidade de professores, trancamento de disciplinas e até alguns casos sem respostas. De modo geral os conflitos são resolvidos mediante acordos negociados de forma favorável aos dois lados. Notamos, por outro lado, uma falta de sistematização de respostas, o que resulta em prejuízo, via de regra, para o estudante-trabalhador no processo de aprendizagem no ambiente acadêmico e, possivelmente, até mesmo no seu trabalho. 5 CONCLUSÃO A exclusão de parte dos filhos da classe trabalhadora da educação escolar é uma marca histórica da sociedade brasileira. Uma parcela minoritária que consegue se manter no sistema escolar, ou ao custo elevado dos pais e familiares ou custo de seu próprio esforço, como ficou evidenciado na presente pesquisa, busca conciliar trabalho e estudo e, dessa forma, nem trabalho nem estudo com a qualidade desejada. Nessa perspectiva, observa-se historicamente paliativos de adequações das demandas que circulam entre o ambiente de trabalho e universidade, uma vez que, existem diversas situações que levam esses indivíduos a criarem e reivindicarem determinados procedimentos como próprio tempo e a sua disponibilidade para essa jornada que é traçada em seu dia a dia. Nesse sentido, as dificuldades são inúmeras e perpassam todas as fases que se tornam preocupantes ao considerar as adversidades que são visibilizadas para conseguir uma conciliação. O levantamento de dados realizado junto aos discentes de graduação do Curso de Licenciatura em Pedagogia, do Campus Amílcar Ferreira Sobral – CAFS/UFPI, possibilitou identificar o perfil dos trabalhadores-estudantes, mostrando em teoria e prática elementos da situação e dificuldades enfrentadas por esses discentes. Por exemplo, direitos consagrados em lei, conforme mencionado ao longo do texto, pouco conhecidos. A flexibilização configura um desses direitos que, apesar da sensibilidade do corpo docente, acaba não sendo bastante para evitar prejuízos ao processo de 628
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI aprendizagem. Da sobrecarga de tarefas do trabalho e estudo resulta o cansaço físico e mental, que também afeta na qualidade da aprendizagem. Por enfrentar esses problemas, mesmo com a motivação de professores e de colegas, alguns acabam tendo efeitos negativos, psicológicos, físicos e sociais. Lamentavelmente, uma parcela dessa população para fugir desses problemas, foge também da escola, elevando os números da evasão escolar. REFERÊNCIAS ABRANTES, Nyedja Nara Furtado de. TRABALHO E ESTUDO: uma conciliação desafiante. UMA CONCILIAÇÃO DESAFIANTE. Campina Grande: Realize, 2012. BRASIL. Lei n.º 35/2004, de 27 de agosto de 2003. Diário da República Eletrônico [da] União Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF, 27 ago. 2003. Série I-A de 2003-08-27 I, p. 14314. Disponível em: Acesso em: 29 Jan 2020. BRASIL. Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto de 2003. Diário da República Eletrônico [da] União Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, DF, 27 ago. 2003. Série I-A de 2003-08-27 I, p. 14314. Disponível em: https://dre.pt/. Acesso em: 29 Jan 2020. COSME, Patricia Cardoso; DURANTE, Daniela Giareta. ESTUDAR E TRABALHAR: IMPACTOS NA FORMAÇÃO ACADÊMICA EM SECRETARIADO EXECUTIVO. Expectativa, Paraná, v. 1, n. 1, p.1-23, 18 jan. 2017. GIORDANO, BlancheWarzée. (D)eficiência e trabalho: analisando suas representações. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2000. INEP. Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - ENADE 2012. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/enade/relatorios Acesso em 14 Jan. 2020 MEKSENAS, Paullo. Sociologia da educação: introdução ao estudo da escola no processo de transformação social. 14. ed. São Paulo: Loyola, 2010. OLIVEIRA, Marco Antonio Garcia. O novo mercado de trabalho. Guia para iniciantes e sobreviventes. Rio de Janeiro, editora Senac Rio. 2 ed. 2004. Pesquisa mostra diferenças entre alunos que estudam à noite e de dia: No período diurno, apenas um, de cada quatro alunos, também trabalha, além de estudar. Entre os que vão para a escola à noite, são quase 70%. São Paulo, 10 nov. 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/11/pesquisa-mostra- diferencas-entre-alunos-que-estudam-noite-e-de-dia.html, acesso em: 24 jan 2020. PESSOA, Maria Paula Marques Torres. A relação trabalho e estudo entre estudantes universitários do centro de formação de professores/ufcg. 2014. 39 f. Monografia 629
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (Especialização) - Curso de Pedagogia, Universidade Federal de Pernambuco, Cajazeiras, 2014. SAVIANI, Dermeval. Trabalho e Educação: Fundamentos ontológicos e históricos. 12. ed. Campinas: Revista Brasileira de Educação, 2007. SIQUEIRA, Janes Fraga. A realidade contraditória e de sobrevivência do jovem trabalhador e estudante nas escolas estaduais de porto alegre/rs/brasil. http://www.rexe.cl/dwn/vol_esp_01_b_art_05.pdf. Acesso em: 17 fev 2020. TERRIBILI FILHO, Armando. Ensino superior noturno: problemas, perspectivas e propostas. Marília: FUNDEPE, 2009. 630
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS O MUNDO DO TRABALHO NO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SOB A ÉGIDE DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO THE WORLD OF WORK IN THE UNIQUE SOCIAL ASSISTANCE SYSTEM UNDER THE AEGIS OF CONTEMPORARY CAPITALISM Leid Jane Modesto da Silva1 Jacyelle Santos de Alcântara2 Marinalva de Sousa Conserva3 RESUMO É notório que o processo de reestruturação produtiva desencadeado pela adoção da política neoliberal no Brasil impacta o mundo do trabalho no Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O estudo ora apresentado objetiva analisar as contradições que permeiam o trabalho dos profissionais do SUAS no estado da Paraíba – PB. Utilizou- se nesse estudo, como metodologia, a aplicação de um questionário on-line aos profissionais de nível superior que participaram dos cursos ofertados no âmbito do Programa de Capacitação do SUAS no período compreendido entre junho de 2019 e julho de 2019, à luz de teorias e conceitos que debatem a temática. Conclui-se que as configurações do mundo do trabalho no SUAS é consequência das transformações societárias advindas do capitalismo em sua fase madura, revelando o processo de precarização do trabalho que atinge todas as categorias profissionais no setor público ou privado. Palavras-Chaves: Capitalismo. Trabalho. SUAS. ABSTRACT It is the productive restructuring process triggered by the adoption of neoliberal policy in Brazil, which impacts the world of work in the 1 Assistente Social. Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais. E-mail: [email protected]. 2 Assistente Social. Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: [email protected]. 3 Professora da Pós-Graduação e do curso de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais – NEPPS/PPGSS/UFPB. E-mail: mconservaicloud.com. 631
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Unified Social Assistance System (SUAS). The study presented here aims to analyze as contradictions that allow the work of SUAS professionals in the state of Paraíba - PB. Use this study as a methodology, an online questionnaire application for higher education professionals who register courses offered under the SUAS Training Program in the period between June 2019 and July 2019, in the light of theories and concepts that debate the theme. Conclude that as configurations of the world of work in SUAS it is a consequence of advanced corporate transformations for capitalization in its mature and perverse phase, revealing the process of precarious work that affects all professional categories, whether in the public or private sector, thus requesting new jobs. professional challenges. Keywords: Capitalism. Labor. SUAS. INTRODUÇÃO As reflexões ao longo deste artigo foram elaboradas a partir de dados e informações adquiridas na aplicação de um questionário com os trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que participaram dos cursos ofertados no âmbito do Programa Nacional de Capacitação do SUAS – Capacita SUAS, no estado da Paraíba -PB, com o objetivo de avaliar a experiência da implementação do referido Programa, e por outro lado, identificar as mudanças provenientes da participação desses trabalhadores nos cursos ofertados, e mais precisamente, constatar o resultado das formações nos processos de trabalho desenvolvido por esses profissionais. Esta investigação nos possibilitou um considerável resultado que nos permite analisar através de um aporte teórico as contradições do mundo do trabalho, bem como as suas condições, dentre outros elementos, dos trabalhadores do SUAS, sobretudo no estado da Paraíba, inseridos na lógica perversa do capitalismo contemporâneo e suas vulnerabilidades que marcam as contradições capitalistas. Na contemporaneidade, a precarização é resultante das tessituras das transformações que vem ocorrendo no mundo do trabalho e das novas funções do Estado como resultado dos ditames dos organismos internacionais através da agenda neoliberal. Esse processo está relacionado com o avanço do capitalismo e suas determinações no atual cenário global. Assim, a análise sobre a precarização do trabalho na Assistência Social exige uma análise da categoria trabalho, das contradições capitalistas e da capacidade de 632
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI organização da classe trabalhadora nos mais diversos espaços. Nesse sentindo, debater as formas de precarização, em especial, sobre os trabalhadores do SUAS no estado da Paraíba, contribui para a construção de estratégias coletivas para o enfrentamento e avanço na qualificação destes profissionais. O trabalho ora apresentado foi resultado de uma pesquisa aplicada aos trabalhadores do SUAS (técnicos de nível superior) que participaram dos cursos ofertados no âmbito do Programa CapacitaSUAS no estado da Paraíba, que visa pautar sua execução na direção do atendimento à dimensão pedagógica da Política de Educação Permanente, que se dá mediante a oferta de capacitações continuadas com vistas na adequação de percursos formativos às qualificações demandadas pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Sendo assim, a metodologia utilizada neste estudo, incluiu a aplicação de questionários enviados eletronicamente para os 223 (duzentos e vinte e três) municípios do estado, no período compreendido entre 04 de Junho e 01 de Julho de 2019, à luz de teorias sobre a temática. Partiremos, assim, para o debate a partir da análise dos resultados em relação às condições de trabalho impostas aos trabalhadores. 2 A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL A década de 1970 é marcada pelo processo de mudanças no capitalismo e suas crises cíclicas nos países centrais e que atingem os países periféricos. Com elas, desencadearam um novo papel do Estado com a adoção do neoliberalismo e o processo de revolução tecnológica, bem como a financeirização do capital. O Estado assume uma “nova roupagem” em que passa a desenvolver políticas sociais sob as exigências do campo da produtividade impostos pelos organismos internacionais alinhadas com o processo de acumulação capitalista e como resultado do processo de reestruturação produtiva. A reestruturação produtiva é caracterizada através da adoção de novos modelos de organização e gestão da produção em diversas áreas em que o Estado passa a regular o processo de mercantilização. Ocorre um reordenamento do aparelho estatal e mudanças na exploração da força de trabalho. 633
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI No Brasil, conforme Alves (2012), esse processo intensificou a precarização do trabalho através de suas formas multifacetadas: terceirização, exploração e redução dos direitos trabalhistas que atinge os setores públicos e privados. Nesse sentindo, é possível afirmar que a partir da reestruturação produtiva o Brasil inicia um processo de heterogeneidade do mercado de trabalho através da inserção precária de trabalhadores. O trabalho flexibilizado, terceirizado e de todas as formas de exploração, padrões de produção e consumo é o “carro chefe” das transformações provocadas pela reestruturação produtiva. Cumpre ressaltar que a reestruturação produtiva provoca o espraiamento salarial por meio da contratação e jornadas de trabalho flexíveis e de ambientes gestados pela reestruturação que endossa o contingente de trabalhadores sobrantes que possuem uma maior qualificação ocupando espaços precários de trabalhos. Ademais, a reestruturação é um fenômeno heterogêneo que assume especificidades distintas em setores diferentes da sociedade, porém, com o mesmo propósito: alimentar a ordem do grande capital. Através desse intenso e avassalador processo, o campo da Assistência Social, antes mesmo de se consolidar, começa a enfrentar duradouros desafios. Tais desafios podem ser percebidos através da ampliação do mercado de trabalho, ao passo que, amplia os processos de precarização observadas por meio das contratações, salários baixos, produtividade, resolução de demandas imediatas e ausência de capacitação profissional. Para essa análise, a Constituição Federal de 1988 traz em seu texto base a inclusão da Assistência Social como política pública que é direito do cidadão e dever do Estado. Nela, foram assegurados direitos sociais no chamado tripé da seguridade social (Assistência Social, Saúde e Previdência). Através da Constituição Cidadã, o campo da assistência social alcançou visibilidade política, passando as expressões da “questão social” atendidas como caso de política e não como caridade e benemerência. O Estado, como uma instituição que responde às expressões da “questão social” via políticas sociais, é responsável por assegurar políticas sociais a todos os cidadãos brasileiros em várias áreas conforme estabelece o Art. 194 da Constituição Federal de 1988. A Carta Magna de 1988 trouxe uma nova direção para a Assistência Social, pois a incluiu no campo da seguridade Social. Assim, “A Assistência Social será prestada a quem 634
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social [...]” (BRASIL, 2016, p. 122). A Assistência Social, estabelecida com a Constituição Cidadã, regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social, de 7 de dezembro de 1993, reitera o referido campo como política pública não contributiva, ao longo de quase duas décadas de existência, norteiam a referida política no Brasil. Nesse cenário, foi aprovada em 2004 a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que concretiza à LOAS e define o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005 como modelo de gestão aprovado. O SUAS é caracterizado como um marco legal na forma de pensar e organizar a Assistência Social no país, pois é a base para a operacionalização da PNAS e, representa um avanço imensurável para o fortalecimento da Política enquanto política pública. O SUAS têm a finalidade de articular os serviços e o conjunto de programas, projetos na área socioassistencial, de forma hierarquizada e decentralizada nas três esferas de governo e de acordo com os níveis de complexidade (básica e alta complexidade) por porte populacional dos municípios. Diante desse cenário, o SUAS faz surgir uma nova modalidade de trabalhador, um exército “demandado” para serem trabalhadores do novo Sistema surgido em 2005. Essa nova configuração exige o estabelecimento de uma gestão do trabalho dentro do arcabouço do SUAS para fins de valorização dos trabalhadores. Assim, foi aprovada em 2006 e publicada em 2007, a Norma Operacional Básica NOB-RH/SUAS. Diante do exposto, esse novo contexto pós Constituição de 1988, exigiu novos modos de organização e gestão do trabalho no cenário da assistência social. O processo de mudanças no escopo do mundo do trabalho no capitalismo para se adequar às novas exigências no início do século XXI, expandiu para o campo estatal na chamada contrarreforma do Estado sob a coordenação do neoliberalismo (BEHRING, 2003). No setor público, também pode ser observados o processo de transformação avassaladora no mundo trabalho a partir das várias formas de precarização, o que torna um desafio para o seu enfrentamento, afetando a proteção social e as políticas públicas no Brasil. 635
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 OS TRABALHADORES DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SOB OS DITAMES DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO A reestruturação produtiva que veio como avalanche para a classe trabalhadora atinge o setor público em todas as suas esferas de gestão. No cenário novo da Seguridade Social, em específico, a PNAS, traz consigo mudanças e ampliações dos postos de trabalho pra diferentes profissões. Nesta, incluem-se os assistentes sociais e outros profissionais de nível superior através da Resolução nº 17/2011 do Conselho Nacional de Assistência Social que delibera sobre os profissionais de nível superior que devem estar presentes nas equipes de referências do SUAS. Conforme a resolução, compõem obrigatoriamente as equipes de referência, os seguintes profissionais: I – da Proteção Social Básica: Assistente Social; Psicólogo. II – da Proteção Social Especial de Média Complexidade: Assistente Social; Psicólogo; Advogado. III – da Proteção Social Especial de Alta Complexidade: Assistente Social; Psicólogo (BRASIL, 2011, p. 2). Destaca-se que a implantação do Sistema Único de Assistência Social alterou o mercado de trabalho para os profissionais que atuam na área. No entanto, esse avanço trouxe consigo um intenso processo de precarização e flexibilização do trabalho, impondo uma série de desafios aos profissionais. Acrescenta-se que as transformações que perpassam a questão do mundo do trabalho no SUAS, é a finalidade deste artigo. Assim, para identificarmos como a força de trabalho está sendo configurada no SUAS no estado da Paraíba, tomamos como parâmetro a pesquisa ora descrita na metodologia deste trabalho. A aplicação da pesquisa resultou no preenchimento de 221 (duzentos e vinte e um) questionários referentes a 118 (cento e dezoito) municípios que participaram do estudo, o que correspondeu a um alcance de 52,9% do número de municípios do Estado da Paraíba. Quanto aos municípios que responderam o questionário, 78% eram de Pequeno Porte I; 13% Pequeno Porte II; 3% Médio Porte e 6% Grande Porte. Foram adotados como referência os parâmetros da Política Nacional de Assistência Social que definiu os municípios brasileiros em cinco grandes portes populacionais. Através dessa definição, os municípios paraibanos estão classificados em: Pequeno Porte I – Até 20.000 habitantes (193 municípios); Pequeno Porte II – 50.000 636
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI habitantes (20 municípios); Médio Porte – 100.000 (6 municípios); Grande Porte – 900.000 habitantes (4 municípios) (BRASIL, 2016). Outrora, de acordo com a legislação do SUAS, o estado está sob o prisma da coordenação da referida Política em cada esfera. Portanto, oferecendo bases para a sua execução nos municípios (técnico e financeiro). No que diz respeito à faixa etária, o perfil dos profissionais que contribuíram com a pesquisa encontram-se majoritariamente na fase adulta entre 30 a 34 anos (23,5%); 25 a 29 anos (19,1%); 35 a 39 anos (18,5%); 40 a 44 anos (12,7%); 55 a 59 anos (8,1%); 45 a 49 anos (7,2 %); 50 a 54 anos (6,8 %); 20 a 24 anos (2,3 %); acima de 60 anos (1,8 %). Em relação aos profissionais de nível superior que atuam no SUAS, são, majoritariamente, compostos por Assistentes sociais (47%); Psicólogos (17%); e outros (36%). Os dados em relação ao tempo de atuação no âmbito da assistência social caracterizam quem em mais de uma década da PNAS, 25,5% dos profissionais que realizaram a pesquisa atuam há mais de 10 anos. Na contramão desse dado, 28,3%, estão inseridos nesse cenário sociocupacional há pelos menos 3 anos, expressando a rotatividade do trabalho no cenário do SUAS. Gráfico 1 – Tempo de atuação na Assistência Social 28,3 27,8 25,5 18,3 0,1 CapacitaSUAS Até 1 ano Mais de 1 até 3 anos Mais de 3 até 5 anos Mais de 5 até 10 anos FONTE: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba, 2019. Sposati (2006) debate que os recursos humanos no âmbito da assistência social são compreendidos como matéria prima e processo de trabalho indispensável. Visto que, ela não é operacionalizada por tecnologias que podem substituir a atividade laboral humana. Assim, o trabalho desenvolvido por esses profissionais no campo da assistência 637
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI social permite a materialização da proteção social e da política aos sujeitos que dela necessitam. Por outro lado, ao mesmo tempo em que expande o mercado de trabalho para os trabalhadores do SUAS, ocorre as mutações do mundo do trabalho com as tendências de precarização e outras formas de modificações já citadas ao longo deste construto. Este tem sido um dos desafios para a gestão do trabalho e das políticas públicas de Seguridade Social. Assim, a questão do trabalho no SUAS também se torna um desafio após a implantação dos aparatos legais que também buscam enfrentar as velhas práticas arcaicas da filantropia, caridade e desprofissionalização que marcaram o campo da assistência social. Porém, é necessário realizar o paralelo desse processo com o capitalismo contemporâneo e sua reestruturação produtiva que ameaça o trabalho tão recente no SUAS. Através dos ditames dos organismos internacionais de cunho neoliberal, ocorre uma reorganização do trabalho, principalmente, no setor público, que adota uma política de introdução de tecnologias e redução de capital humano. Conforme Raichelis (2010, p. 763): Portanto, uma questão relevante a ser destacada quando se problematiza a situação do trabalho e dos trabalhadores na assistência social é que não se trata apenas de questões relacionadas à gestão do trabalho, mas fundamentalmente dos modos de organização do trabalho na sociedade capitalista contemporânea, e das condições concretas em que se realiza, particularmente nas políticas sociais, que, como a assistência social, tiveram um grande crescimento nesses últimos anos. No que se refere ao vínculo empregatício desses profissionais, os dados revelaram a precarização do trabalho no SUAS. Sendo 31% inserção no trabalho através de contrato temporário; 26% cargos comissionados; 8% prestadores de serviços; 3% celetistas. Assim, somam-se 68% de profissionais que possuem vínculos de trabalhos frágeis determinados pela lógica neoliberal. Apenas 30% dos profissionais que responderam ao questionário possuem vínculo efetivo no serviço público. Conforme está descrito no gráfico 2. 638
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Gráfico 2 – Vínculo empregatício no município Outros Celetista Prestador 2% 3% de Serviço Comission 8% ado 26% Efetivo 30% Contrato Temporár io 31% FONTE: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba, 2019. Tal resultado já era esperado, pois se justifica pelo próprio desenho que antecedeu a PNAS e da não realização de concurso público de forma regular. Esse resultado reafirma estudos que já vem sendo desenvolvidos no cenário do SUAS revelando a adoção de formas precárias de contratação. Mais uma vez, Raichelis (2010, p. 761) pontua a importância da realização de concurso público para a materialização do SUAS. A implantação do SUAS exige novas formas de regulação, organização e gestão do trabalho e, certamente, a ampliação do número de trabalhadores com estabilidade funcional é condição essencial, ao lado de processos continuados de formação e qualificação, a partir do ingresso via concurso público, definição de cargos e carreiras e de processos de avaliação e progressão, caracterização de perfis das equipes e dos serviços, além de remuneração compatível e segurança no trabalho. Sobre essas condições, a renda dos trabalhadores do SUAS também explicitam as mudanças que vem ocorrendo no cenário brasileiro com o processo de reestruturação produtiva. Os dados presentes no gráfico 3 traz com nitidez a precarização do trabalho expressos na desvalorização salarial. Onde 64 % dos profissionais que responderam à pesquisa recebem de 1 a 2 salários-mínimos e apenas 0,1% estão na faixa etária de mais de 5 salários-mínimos. 639
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Gráfico 3 – Renda mensal (em %) 64,0 13,1 16,0 6,8 0,1 CapacitaSUAS Até 1 salário mínimo De 1 a 2 salários mínimos De 2 a 3 salários mínimos De 3 a 5 salários mínimos Mais de 5 salários mínimos FONTE: Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba, 2019. As mudanças societárias advindas do capitalismo aprofundaram a precarização das condições de trabalho e salarial pelo viés das contratações que é uma tendência contemporânea dos processos de exploração. Os baixos salários também se tornam uma expressão da não efetivação de políticas de qualificação, capacitação e piso salarial dos profissionais. Conforme Alves (2012), as novas de precarização do trabalho, e aqui, podemos citar a precariedade salarial, é uma das características do novo padrão de acumulação a partir dos anos 2000. Assim, o mundo do trabalho está no centro das discussões da cena atual. Contudo, entendemos que ainda é necessário analisar profundamente as expressões que surgem para os trabalhadores do SUAS. É necessário que torne pauta diária na agenda política, da sociedade e trabalhadores, como uma luta coletiva e necessária. Na atual conjuntura, é um desafio avançar contra as práticas patrimonialistas que configuraram as relações de trabalho no SUAS. Contudo, é uma luta constante e pertinente para avançar em relação aos direitos dos trabalhadores. Conforme os estudos de Raichelis (2010): A assistência social é um setor intensivo de força de trabalho humana, como já observamos, o que representa um desafio para a criação de condições adequadas de trabalho e de sua gestão institucional. Considerando as definições da NOB-Suas-RH, as equipes de referência para o Cras e os Creas envolvem um conjunto diversificado de profissões, atribuições e 640
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI competências, instalando-se nova divisão sociotécnica do trabalho no âmbito do SUAS (RAICHELIS, 2010, p. 764). Dessa forma, ao analisar o trabalho no SUAS, em seus vários aspectos abordados nesse estudo, principalmente, nos vínculos trabalhistas vivenciado pelos profissionais, observa-se que se trata de um processo dinâmico, complexo e envolto de contradições que abarcam as reinvindicações de diferentes classes profissionais de permanecer no trabalho protegido e desenvolver sua atuação qualificada para a efetivação da proteção social dos sujeitos que necessitam da Política de Assistência Social. 3 CONCLUSÃO Constata-se que o processo de reestruturação produtiva no mundo e no país esfacelou a classe trabalhadora colocando sobre ela uma série de características próprias da ordem do capital para a cena contemporânea. Nessa perspectiva, surgem às formas de trabalho heterogêneas, flexíveis, fragmentadas e manifestadas em todas as áreas e segmentos da classe trabalhadora, seja no setor privado ou público. Esse processo provocou mudanças na área tecnológica e na gestão do trabalho, gerando uma intensa precarização das condições de trabalho nesse atual sistema. Nessa perspectiva, o mundo do trabalho no campo da assistência social, após a nossa Carta Magna de 1988, exigiu novas formas de gestão e organização, e que ampliou o mercado de trabalho após a consolidação do SUAS. Tal rearranjo faz surgir o debate sobre o trabalho dos profissionais nesse campo e as dificuldades enfrentadas diariamente pelos trabalhadores do SUAS para a efetivação da proteção social estando inseridos na lógica da desproteção do mundo do trabalho. Ao longo desse estudo, tentamos dar ênfase a questões que envolvem o SUAS e o trabalho dos profissionais que atuam no estado da Paraíba. Assim, compreendemos que o mundo do trabalho está na centralidade da vida social. Portanto, o processo de precarização das condições de trabalhos no SUAS é intrínseca ao Modo de Produção Capitalista vigente. Nessa trilha argumentativa, constatamos que houve grandes avanços na Política de Assistência Social para a materialização da proteção social em todo o território brasileiro. Contudo, através deste estudo preliminar e de outros estudos que estão 641
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sendo desenvolvidos ao longo desses anos, ainda há muitas lacunas a serem fechadas. No que tange o trabalho destes profissionais e de tantos outros, em sua grande maioria, estão inseridos na lógica da precarização, exploração e todas as outras formas de empregabilidade seja ela por contratos temporários, comissionados, mas, sob o regime de desvalorização profissional e salarial. Destarte, sinalizamos que as transformações no mundo do trabalho adentram a cena do setor público enquanto estratégia de enxugamento da máquina estatal afetando a todos os trabalhadores. Concluímos que é necessário e fundamental a educação permanente e continuada para os trabalhadores do SUAS através de políticas de capacitação condizente com a realidade enfrentada. Bem como uma política que garanta um piso salarial e todas as outras formas para garantir um trabalho protegido. Ademais, a precarização dos profissionais envolvidos no estudo nos permitiu ampliar a nossa percepção para as atuais configurações e transformações no mundo do trabalho que atinge o serviço público. E afirmar que os estudos sobre as atuais condições de trabalho dessa categoria se fazem necessária, especialmente, num contexto adverso de retiradas de direitos sociais e de obscuridade em relação ao futuro da proteção social e do serviço público no Brasil. REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. Trabalho e nova precariedade salarial no Brasil. A morfologia social do trabalho na década de 2000. In: Oficina do CES n° 381 – Publicação do Centro de Estudos Sociais -2012. Disponível em: https://ces.uc.pt/pt/publicacoes/outras-publicacoes-e- colecoes/oficina-do-ces/numeros/oficina-381. Acesso em: 10 de julho de 2019. BERHING, Elaine Rossetti. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda de direito. São Paulo: Cortez, 2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 21 de julho de 2019. . Governo do Estado. Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba. Pesquisa com os profissionais do Sistema Único da Assistência Social. João Pessoa, 2016. 642
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma operacional básica do Suas. Brasília, 2005. Disponível em: http://www.mds.gov.br/cnas/politica-e- nobs. Acesso em: 5 de setembro de 2019. . Política Nacional de Assistência Social. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, novembro, 2004. . RESOLUÇÃO Nº 17, DE 20 DE JUNHO DE 2011. Ratificar a equipe de referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS e Reconhecer as categorias profissionais de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Brasília, DF, 2011. Disponível em: http://www.assistenciasocial.al.gov.br/gestao-do- trabalho/RESOLUCaO%20CNAS%20No%2017%2020%20de%20junho%202011%20Nivel %20Superior%20do%20Suas.doc/view. Acesso em: 16 de outubro de 2019. FERREIRA, Stela da Silva. NOB-RH Anota e Comentada – Brasília, DF: MDS; Secretária Nacional de Assistência Social, 2011. 144 p. ; 23. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/NOB - RH_SUAS_Anotada_Comentada.pdf. Acesso em: 15 de setembro de 2019. RAICHELIS, Raquel. Intervenção profissional do assistente social e as condições de trabalho no Suas. Serviço social & sociedade. Nº 104. São Paulo: Cortez, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0101- 66282010000400010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 15 de setembro de 2019. SPOSATI, Aldaíza. O primeiro ano do sistema único de assistência social. In: Serviço social & sociedade. São Paulo: Cortez, n.87, 2006. 643
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS O “SUBMÍNIMO”: o trabalho do assistente social no sistema socioeducativo The “UNDERMINIMUN”: the work of the social worker in the socio-educational system Ana Larisse Santos Barbosa1 Ingrid Lorena da Silva Leite2 RESUMO Este estudo é um recorte da pesquisa de graduação em Serviço Social sobre os Assistentes Sociais do Sistema Socioeducativo de Fortaleza (Ceará) realizada em 2019.Os interlocutores foram profissionais que atuam nos centro socioeducativo: São Miguel e São Francisco. A experiência em campo e as entrevistas evidenciam a realidade complexa e contraditória da política pública do Sistema precSocioeducativo Cearense. A partir disso, trazemos neste trabalho a importância de refletir e debater sobre o exercício profissional do assistente social, tentando buscar estratégias para a sua realização. Para tanto, com base na pesquisa bibliográfica e de campo, convido- os à leitura a fim de compreender acerca da atuação do (a) assistente Social na política pública do sistema socioeducativo em Fortaleza. Palavras-Chaves: Exercício Profissional; Serviço Social; Sistema Socioeducativo. ABSTRACT This study is an excerpt from the undergraduate research in Social Work on Social Workers of the Socio-Educational System of Fortaleza (Ceará) held in 2019.The interlocutors were professionals working in the socio-educational center: São Miguel and São Francisco. The experience in the field and the interviews show the complex and contradictory reality of the public policy of the Social-Educational System of Ceará. From this, we bring in this work the importance of reflecting and debating about the professional practice of the social worker, trying to seek strategies for its realization. Therefore, based on bibliographic and field research, I invite you to read in order to 1 Universidade Estadual do Ceará (UECE), mestranda em Sociologia, [email protected]. 2 Universidade Federal do Ceará (UFC), doutoranda em Sociologia, [email protected]. 644
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI understand about the role of the Social Worker in the public policy of the socio-educational system in Fortaleza. Keywords: Professional Exercise; Social Service; Socieducativo System. INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo trazer discussões acerca do trabalho do(a) assistente social, profissional que atua na política pública do socioeducativo. Dessa forma, emerge reflexões sobre a precarização do trabalho3, que se apresenta através das falas dos assistentes sociais em entrevistas e em conversas informais realizada durante a pesquisa de campo nos centros educacionais, onde os jovens que cometem atos infracionais cumprem medidas socioeducativas de internação, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em abril de 2019 iniciei a pesquisa de campo nas duas unidades de internação autorizadas pelo Juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude, a saber: Centro Socioeducativo São Miguel (CSSM) e Centro Socioeducativo São Francisco (CSSF). Foram realizadas 6 entrevistas no total e nos trechos citados neste trabalho serão utilizados nomes fictícios para preservar a identidade dos profissionais. As entrevistas foram gravadas e todos os profissionais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os assistentes sociais foram perguntados a respeito de sua formação e experiência profissional, mas o eixo central do roteiro de entrevista era sobre suas vivências nas unidades e sobre as suas percepções a respeito da política pública que atuavam. A pesquisa é qualitativa, com base no estudo bibliográfico e de campo. 2 DESENVOLVIMENTO 3 Precarização do trabalho pode ser definida como “Essa dinâmica de flexibilização/ precarização/ desregulamentação atinge também as relações e o trabalho dos profissionais de nível superior que atuam em instituições públicas e privadas no campo das políticas sociais. Gerando rebaixamento salarial, intensificação do trabalho, precarização dos vínculos e condições de trabalho, [...] pressões pelo aumento da produtividade, insegurança do emprego, [...] pressões pelo aumento da produtividade, insegurança do emprego, [...] adoecimento, entre tantas outras manifestações decorrentes do aumento da exploração da força de trabalho assalariada.”(RAICHELIS, 2011, p. 41) 645
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O título deste artigo foi escolhido em uma conversa informal com o Assistente Social Rodrigo e foi escolhida como título por entender que retrata as condições de trabalho destes profissionais. Nesta conversa o profissional afirma que “trabalhamos com o submínimo para garantir o mínimo”, evidenciando as dificuldades da realização deste trabalho. Durante a vivência naquele espaço sócio-ocupacional foi perceptível o espanto e ao mesmo tempo o contentamento dos profissionais de estarem participando de uma pesquisa e de ter produção e construção do conhecimento voltada para a realidade que eles vivenciam. Isto foi expresso pelo profissional Manuel: “[...] A gente tem hoje muita dificuldade de articulação entre os próprios profissionais. Temos Assistentes Sociais em outros centros, mas a gente não consegue se reunir. A estrutura é muito fechada a ponto de que a gente não tenha contato, eu não tenho contato com os profissionais do Passaré e nem do São Miguel, por mais que estejamos perto. Agora imagine a gente ter contato com a categoria para além dos profissionais que estão trabalhando nos centros... alcançar o CRESS, alcançar as Universidades, a gente não alcança. Acho bom você está aqui, inclusive, ainda bem que foi autorizado. Mas a gente tem essa dificuldade de alcançar a Universidade[...].” Conforme afirmou o profissional, a estrutura e a dinâmica institucional do próprio sistema socioeducativo traz elementos – como o acúmulo de atribuições, grande número de jovens a serem atendidos, hierarquia e infraestrutura – que fragilizam atuação profissional. Além disso, a precarização e flexibilização das relações de trabalho também rebatem diretamente no exercício profissional, sendo necessárias articulações coletivas (como o diálogo com o CRESS ou movimentos sociais) em busca de interações e construções para uma prática profissional que efetive direitos. Iamamoto afirma que: Na direção da expansão das margens de autonomia profissional no mercado de trabalho, é fundamental o respaldo coletivo da categoria para a definição de um perfil da profissão: valores que a orientam, competências teórico metodológicas e operativas e prerrogativas legais necessárias a sua implementação, entre outras dimensões, que materializam um projeto profissional associado às forças sociais comprometidas com a democratização da vida em sociedade (Iamamoto, 2008, p. 422). Diante disso, emerge de maneira mais forte a necessidade de situar o trabalho dos (as) assistentes sociais e saber quais os outros elementos da própria política do 646
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI socioeducativo ou da estrutura da unidade que influem nesse trabalho e na efetivação da garantia de direitos dos sujeitos atendidos. Entende-se que compreender a atuação profissional do Assistente Social no socioeducativo pressupõe entender sobre o Sistema Judiciário Brasileiro na contemporaneidade, visto que é uma das esferas que compõem o socioeducativo e tem grande influência na medida de internação. Estamos inseridos no modelo econômico capitalista e diante disso, as normas se mostram como um reflexo das relações econômicas e sociais, introduzidas pelo Estado e pelo poder das classes dominantes no sentido de sancionar, regular e consolidar o status quo. (TERRA; AZEVEDO, 2018) Apesar da “igualdade jurídica” afirmada nessas normas, a realidade concreta tecida nas relações sociais mostra que, na verdade, o direito cumpre a função de um instrumento de manutenção das contradições da sociedade capitalista, servindo aos interesses do capital, e sendo atravessado por tensões, contradições e conflitos sociais. A partir disso, apontamos que: [...] Direito é uma forma de dominação de classe, com mandamentos reafirmados pelo Estado, permitindo-nos pensar que uma sociedade verdadeiramente humana não apontará a necessidade do Direito como força externa coercitiva que serve para constranger o indivíduo, tendo em vista que considerará ‘de cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades’ (MARX, 2012, p. 31 apud TERRA; AZEVEDO, 2018, p. 24) Desta forma, discorrer acerca do trabalho deste profissional faz necessário, além de compreender a relações do capital, ressaltar a forma de inserção desse profissional no mundo do trabalho e as relações de produção e reprodução da vida social. O assistente social adentra ao mercado de trabalho enquanto trabalhador assalariado, onde necessita dos meios e instrumentos que são fornecidos e/ou facilitados pela instituição empregadora. A partir disso, podemos entender que: ‘a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do Assistente Social. Ela organiza o processo de trabalho do qual ele participa.’ (IAMAMOTO, 2005, p. 63 apud TERRA; AZEVEDO, 2018, p. 36) Com isso, torna-se relevante ao falar do trabalho da(o) Assistente Social, particularizar o espaço institucional no qual essa(e) se vincula. Atentando também para o fato de que essa instituição realiza uma série de interfaces institucionais por meio dos seus trabalhadores. (TERRA; AZEVEDO, 2018, p. 36) 647
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