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EIXO 2 - Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:22:43

Description: Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Quanto aos objetos de análises dessas dissertações, comprovou-se que estão alinhados com os determinantes históricos da década contemplada nesta pesquisa, demonstrando que os assistentes sociais estão intensificando as pesquisas nessa área para compreender, analisar e dar respostas concretas as demandas sociais postas, que são impetradas nos seus espaços ocupacionais. REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. O Novo (e precário) Mundo do Trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. 1° ed. São Paulo: Boitempo, 2005. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2008. BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em Contra-Reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. São Paulo: Cortez, 2003. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. 35.ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012. CARVALHO, Denise Bomtempo Birche; SILVA e SILVA, Maria Ozanira. A atualidade da pós-graduação na área de serviço social no Brasil. In: Anais do XVIII Seminário Latinoamericano de escuelas de Trabajo Social. La Questión social y La formación profesional em Trabajo Social en El contexto de lãs nuevas relaciones de poder y La diversidad latinoamericana. San Jose, Costa Rica, 2004. HADDAD, Sérgio (Coord). O Estado da Arte das Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos: a produção discente da pós-graduação em educação no período 1986 – 1998. São Paulo: Ação Educativa, 2000. Disponível em:< http:// www.bibliotecadigital.abong.org.br /bitstream/handle/11465/1779/40.pdf?sequence=1&isAllowed=y > (Acessado em 11/07/2018). IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na contemporaneidade: dimensões históricas, teóricas e ético-políticas. In: Debate n. 6. Fortaleza: CRESS–CE, 1997. KAMEYAMA, Nobuco. A Trajetória da Produção de Conhecimento em Serviço Social: avanços tendências (1995 a 1997). In: Cadernos ABESS. Associação Brasileira de Ensino 748

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de Serviço Social. Diretrizes Curriculares e Pesquisa em Serviço Social, São Paulo, n°.8, p. 33-76, 1998. MOTA, Ana Elizabete. Serviço Social brasileiro: profissão e área do conhecimento. In: Revista Katálysis. Florianópolis, v. 16, n. esp. 2013. p. 17 – 27. SPOSATI, Aldaíza de Oliveira, et al. Assistência na trajetória das Políticas Sociais Brasileiras: uma questão em análise. – 7. Ed. – São Paulo: Cortez, 1998. 749

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS A terceirização NA Universidade Federal do Piauí (UFPI): um estudo de caso sobre os operadores de micro OUTSOURCING AT THE FEDERAL UNIVERSITY OF PIAUÍ (UFPI): a case study on the operators of micro Fabiana Rodrigues de Almeida Castro1 Francisca Scarlet O’hara Alves Sobrinho2 RESUMO A terceirização é uma opção que a administração pública dispõe para a diminuição dos custos com mão de obra. A Universidade Federal do Piauí tem contratado muitos trabalhadores terceirizados na função de operadores de micro para, em substituição aos assistentes em administração, realizar as mesmas atividades destes. Assim, o objetivo da pesquisa foi analisar as condições que envolvem a contratação dos operadores de micro na UFPI. Para tanto, utilizou-se pesquisa bibliográfica e documental e o aporte teórico ancorado em Antunes (2003) e Alves (2000). O período da pesquisa compreendeu os anos de 2012 a 2016. Concluiu-se que o percentual de operadores de micro contratados foi superior a 700% em relação aos assistentes em administração. Constituem uma mão de obra mais barata, que desenvolvem as mesmas atividades realizadas pelos assistentes em administração, embora sob condições diferenciadas em relação à jornada de trabalho, piso salarial, direitos e obrigações trabalhistas. Palavras-Chaves: Terceirização. Operador de Micro. Universidade Federal do Piauí. ABSTRACT 1 Docente do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e do Curso de Bacharelado em Administração da Universidade Federal do Piauí. Doutora em Políticas Públicas. E-mail: [email protected] 2 Discente do Curso de Bacharelado em Administração da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected] 750

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Outsourcing is an option that the public administration provides for the reduction of costs with manpower. The Federal University of Piauí has hired many outsourced workers in the occupation of operators of micro for, in substitution to the assistants in administration, perform the same activities as these. Thus, the objective of this research was to analyze the conditions that involve the hiring of operators of micro in UFPI. For that, used bibliographic and documentary research and the theoretical contribution anchored in Antunes (2003) and Alves (2000). The research period understood the years 2012 to 2016. It was concluded that the percentage of micro hired operators was over 700% in relation to administrative assistants. They constitute a cheaper manpower, who develop the same activities performed by the effective employees, although under different conditions in relation to the workday, minimum wage, rights and labor obligations. Keywords: Outsourcing. Operators of micro. Federal University of Piauí. INTRODUÇÃO O mundo do trabalho tem passado por muitas transformações no atual contexto de crise e de reestruturação capitalista e embora tenha reduzido a participação do trabalhador no mercado de trabalho, o capital não conseguiu eliminá-lo por completo do processo de produção determinando mudanças no seu fazer e saber, consolidadas por expedientes como estatutos, salários e condições laborais. (CASTRO, 2016; ANTUNES, 2003). Na Universidade Federal do Piauí, em Teresina, no campus Ministro Petrônio Portella, a contratação de servidores técnico-administrativos, exercendo a função de assistente em administração, tem diminuído nos últimos anos, em razão da sua substituição por prestadores de serviços terceirizados sob a denominação de operadores de micro. Em 2012, foram contratados 70 operadores de micro, enquanto, assistente em administração, somente 01. (BRASIL, 2017c; BRASIL, 2012). O estudo teve como objetivo analisar as condições que envolvem a contratação dos terceirizados na função de operador de micro, na UFPI. Classifica-se como estudo de caso, exploratório-descritivo e utilizou como procedimentos a pesquisa bibliográfica e a documental, tendo como fonte relatórios, atas, portarias, resoluções e outros. A pesquisa documental foi realizada nas dependências da Pró-Reitoria de Administração, 751

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mais especificamente, na Superintendência de Recursos Humanos e na Gerência de Contratos, na Universidade Federal do Piauí. Os dados coletados sobre os operadores de micro e assistentes em administração referem-se apenas ao campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina, no período de 2012 a 2016. O artigo está dividido em quatro partes: a primeira, esta introdução; a segunda faz algumas considerações gerais sobre o contexto da terceirização; a terceira trata sobre a terceirização na UFPI e a última, a conclusão. 2 O CONTEXTO DA TERCEIRIZAÇÃO: considerações gerais No Brasil, a terceirização teve seus primeiros registros em 1950, quando as multinacionais instaladas aqui terceirizaram as atividades de limpeza e conservação dos polos industriais. Até o final da década de 1980, foi uma prática restrita ao atendimento da necessidade das empresas de substituir trabalhadores em situações excepcionais, como férias e demandas sazonais, e atividade de segurança patrimonial. (COSTA, 2016). Nesse sentido, Alves (2000, pp. 205-206) conceitua terceirização ou subcontratação, como também é conhecida, como “[...] um tipo de descentralização produtiva, centrado na lógica da focalização da produção, isto é, a empresa tende a concentrar seus esforços e se especializar na produção daquelas mercadorias sobre os quais ela detém evidentes vantagens competitivas”, delegando, a terceiros, as atividades complementares. Nos anos 90, as medidas neoliberais de flexibilização do mercado de trabalho contribuíram para a expansão da terceirização por meio de outras formas que não as regulamentadas, como o contrato temporário, trabalho autônomo, entre outras. No cenário nacional, a terceirização assumiu um protagonismo na política empresarial, baseada na redução do custo de mão de obra, com o intuito de garantir a adequação a um novo modelo produtivo capaz de assegurar níveis superiores de competitividade e lucratividade. (DRUCK, 1999). A terceirização se expandiu, sobretudo, pela via do trabalho sem registro em carteira e clandestino, que se dá pela intermediação direta de 752

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mão de obra, assim como por uma nova modalidade legalizada, as cooperativas de trabalho (THÉBAUD-MONY e DRUCK, 2007). Além das modalidades de terceirização, outros aspectos surgiram neste novo momento: a amplitude que a atividade passou a abranger na economia, desde “[...] atividades- meio ou extremamente periféricas como conservação, limpeza, segurança patrimonial, alimentação, a atividades centrais do processo produtivo, subcontratadas por uma gama cada vez maior de empresas.” (COSTA, 2016, p. 125). Também, a terceirização [...] passa a ser sinônimo de rebaixamento generalizado das condições de trabalho e salário de inúmeras categorias de trabalhadores que antes gozavam do status de serem efetivas das contratantes, normalmente grandes empresas onde as relações de trabalho são mais protegidas pela negociação coletiva e pela legislação. (COSTA, 2016, p. 125). No Brasil, mais que uma estratégia de especialização, a terceirização constituiu- se no principal mecanismo de diminuição dos custos do trabalho ao aceitar que as empresas transferissem para terceiros a responsabilidade legal pela contratação. A partir da década de 90, a terceirização na administração pública ganhou impulso no Brasil com a aprovação da Lei n° 8.666/93, conhecida como Lei de Licitações e Contratos, que juntamente com a Lei Complementar n° 101/2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, permitiram a transferência da prestação de serviços públicos a terceiros. Em 2017, a Lei nº 13.429, conhecida como Lei da Terceirização, veio reforçar a prática da terceirização, agora não somente das atividades-meio, mas também, permitindo a contratação de trabalhadores para atuar nas atividades-fim das organizações e definiu, em seu art. 2º, o trabalho temporário como [...] aquele prestado por pessoa física contratada por uma empresa de trabalho temporário que a coloca à disposição de uma empresa tomadora de serviços, para atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. (BRASIL, 2017). A Lei da Terceirização também define, em seu art. 4, como empresa de trabalho temporário “[...] a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas 753

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI temporariamente” (BRASIL, 2017d) e em seu art. 5, a empresa tomadora de serviço como “[...]a pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada que celebra contrato de prestação de trabalho temporário [...]” (BRASIL, 2017d) com a empresa de trabalho temporário. A opção pela terceirização na administração pública não é uma escolha. Enquanto no setor privado há plena liberdade, contratando a empresa que melhor se posicione no mercado, exigindo parâmetros de comprovação de qualidade – por exemplo, o padrão ISO, na administração pública a liberdade do gestor é limitado em razão da obrigatoriedade de contratar mediante licitação pública, cujos critérios de escolha estão definidos na Lei n. 8.666/93 e em suas alterações. (COSTA e SANTO, 2014). Teixeira, Martelanc e Prado Filho (2009), enfatizam que, no setor público, a análise do contexto implica na realização de um planejamento consistente com controle da ação. Planejar envolve elaborar processos de forma que se possam atingir os objetivos do órgão na satisfação dos administrados de forma eficiente, eficaz e efetiva; ou seja, aquisição do menor preço para realização de determinada quantidade de serviço com qualidade, de forma a produzir resultado favorável. Na administração pública, as vantagens da terceirização giram em torno da busca da eficiência administrativa e do equilíbrio fiscal, em contribuição para a geração de emprego e renda e para o desenvolvimento da economia; foco na atividade-fim; aumento da qualidade, com maior agilidade nas decisões; e redução orçamentária em custeio para aplicação em investimentos. (COSTA e SANTO, 2014). Entre as desvantagens, estão problemas em relação à imagem da instituição no caso de ineficiência da contratada; riscos para a coordenação eficiente de muitos contratos; aumento da dependência de terceiros; dificuldade de encontrar o parceiro ideal; perda do controle dos custos dos serviços terceirizados; perda da identidade cultural da instituição, no longo prazo, por parte dos funcionários; e o impacto sobre a responsabilidade subsidiária dos direitos trabalhistas dos terceirizados. 3 A TERCEIRIZAÇÃO NA UFPI A UFPI tem como objetivo instruir o saber em todos os campos do conhecimento puro e aplicado, estimulando a criação cultural e o desenvolvimento do pensamento 754

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI científico e do pensamento reflexivo, promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos, promover extensão, incentivar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e formar diplomados nas diversas áreas de conhecimento (BRASIL, 2010). Para auxiliar no cumprimento do seu objetivo, a instituição realiza concurso público para a ocupação de cargos técnico-administrativos. Esses cargos são de nível superior, nível intermediário e nível de apoio, sendo, no segundo tipo, que se encontram os assistentes em administração. No período pesquisado, o total de servidores técnico-administrativos, em todos os campi, sofreu uma pequena variação positiva, passando de 943 para 969, respectivamente. Essa variação é atribuída ao aumento de servidores no nível superior, que passou de 233 para 278, enquanto nos outros dois níveis verificou-se um decréscimo, passando, o nível intermediário, de 640 para 639 e, o nível de apoio, de 70 para 52. (BRASIL, 2017a). Para fins de análise neste trabalho, será considerado o cargo técnico de assistente em administração, classificado no nível intermediário. Sobre os critérios de organização e os requisitos a serem observados para a ocupação dos cargos de técnico- administrativos, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) (BRASIL, 2010, p. 178) diz que “a estruturação dos cargos integrantes do Plano de Carreira do pessoal técnico- administrativo é organizada em cinco níveis de classificação [...]” e “o agrupamento dos cargos em um mesmo nível observa o requisito de escolaridade, responsabilidade, conhecimentos, habilidades específicas, formação especializada, experiência, risco e esforço físico”. Segundo o Plano de Carreira da UFPI, para ingressar no cargo de assistente em administração o candidato precisa possuir o ensino médio profissionalizante ou ensino médio completo. São atividades incumbidas ao cargo: tratar documentos, preencher documentos, preparar relatórios, formulários e planilhas, acompanhar processos administrativos, atender usuários no local ou à distância, executar rotinas de apoio na área de recursos humanos, participar da elaboração de projetos referentes à melhoria dos serviços da instituição, executar rotinas de apoio na área de materiais, patrimônio e logística, utilizar recursos de informática, secretariar reuniões e outros eventos. (BRASIL, [?]). 755

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI No período de 2012 a 2016, foi realizada uma única seleção para o cargo de assistente em administração no ano de 2014, cujo vencimento básico custou para os cofres públicos R$ 2.039,893, para o cumprimento de uma jornada de trabalho de 40 horas semanais (BRASIL, 2014b). Além dessa remuneração, o assistente em administração está cercado de benefícios e vantagens asseguradas pela Lei Federal n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (BRASIL, 1990), que normatizou os direitos e deveres jurídicos do funcionário público e instituiu o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias, inclusive, as em regime especial e das fundações públicas federais. No mesmo período, foram disponibilizadas 2.388 vagas nos pregões realizados pela Universidade Federal do Piauí, para a contratação de empresas de trabalho temporário que disponibilizam trabalhadores para atuar nas funções de: auxiliar de biblioteca, atendente e recepcionista, motociclista, costureira, técnico em economia doméstica, servente de limpeza externo, servente de limpeza interno, servente de limpeza hospitalar, encarregado de turma de limpeza interna, auxiliar de campo, operador de micro, almoxarife, contínuo, jardineiro, operador de roçadeira, recepcionista, tratador de animais, marceneiro, bombeiro, técnico em refrigeração, eletricista, tratorista, agente de portaria, copeira, auxiliar de cozinha, garçom e operador gráfico. Do total acima, em 2012, foram disponibilizadas 437 vagas; em 2013, 456 vagas; em 2014, 322 vagas; em 2015, foram 651 vagas e em 2016, 522 vagas, distribuídas em todas as funções. (BRASIL, 2012; BRASIL, 2013; BRASIL, 2014a; BRASIL, 2015; BRASIL, 2016a). De acordo com a Planilha de Terceirizados, nos anos de 2015 e 2016, havia 1200 e 674 terceirizados contratados, respectivamente, prestando serviço na UFPI, totalizando 1874 empregados, sendo 675 mulheres e 1199 homens oriundos de 09 diferentes empresas de trabalho temporário (no caso de 2016, não estão contabilizados os funcionários de duas empresas, pois as mesmas não apresentaram alguns documentos e acabaram rescindindo o contrato). (BRASIL, 2017b). Dentre as ocupações citadas acima, a de operador de micro é a mais utilizada para realizar as atividades do assistente em administração na UFPI – pois o perfil exigido 3 Valor referente ao mês de abril/2014. 756

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI e o rol das atividades a serem executadas, são mais direcionadas para a realização de rotinas administrativas, de forma que, no período de 2012 a 2016, a instituição disponibilizou 502 vagas, somente para o campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina, conforme a Tabela 1. Tabela 1 - Assistente em administração e operador de micro contratados no campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina (2012 a 2016) 2012 2013 2014 2015 2016 TOTAL ASSISTENTE EM 01 02 18 31 09 61 ADMINISTRAÇÃO OPERADOR DE MICRO 70 65 86 171 110 502 Fonte: Relação Técnicos Assistentes em Administração. Sistema de Pagamento. Listagem Geral de Servidores – UFPI, (BRASIL, 2017c). Pregões - nº 00160 - 2012 / nº 00027 – 2013 / nº 00155 – 2013 / nº 00068 – 2014 / nº 00082 – 2015 / nº 00107 – 20154 / nº 00025 – 2016 (BRASIL, 2012; BRASIL, 2013a; BRASIL, 2014a; BRASIL, 2015; BRASIL 2016a). Segundo a Tabela 1, constatou-se que, enquanto o número admissões para o cargo de assistente em administração, no campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina, nos anos de 2012 e 2013, foi de apenas 03 servidores, o de operador de micro chegou a 135. Em 2014 e 2015, registrou-se a maior quantidade contratada em ambas as ocupações, representando uma variação de 72,2%, para o cargo de assistente em administração e 98,8%, para a de operador de micro, sendo, estes últimos, quantitativamente cinco vezes, em média, superior aos primeiros. O ano de 2016, ao contrário dos anos anteriores, registrou uma queda na admissão de assistente em administração e na contratação de operador de micro, embora o último tenha permanecido em quantidade superior ao primeiro, mais de onze vezes. De maneira geral, no campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina, respeitadas as variações ocorridas no período, o total de operadores de micro representaram pouco mais de 700% em relação aos assistentes em administração. Em relação à ocupação de operador de micro compete realizar tarefas básicas de informática, fornece comandos ao computador sobre as operações a serem executadas, 4 No Pregão nº 00107/2015 (BRASIL, 2015) constam 103 vagas para o cargo de operador de micro a serem distribuídas entre o campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina e o campus Amilcar Ferreira Sobral, Colégio Técnico de Floriano – Piauí. 757

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI zelar pela confiabilidade das informações tratadas pelos programas, acompanhar ou executar a instalação de equipamentos e executar pesquisas solicitadas através da internet. (BRASIL,2012). Além de ocupações esvaziadas de conteúdo, o processo de reestruturação produtiva tratou de reduzir o preço da força de trabalho das pessoas que compõem a classe que vive do trabalho. O salário-base para a ocupação de operador de micro, no ano de 2012, por trabalhador, custou aos cofres da UFPI o valor de R$ 2.220,72, porém, o piso salarial foi de R$ 772,20; em 2013, manteve-se o valor de gasto e do piso salarial; em 2014, o valor para a UFPI aumentou, passando a custar R$ 2.665,93, e o piso salarial aumentou para R$ 880,00; em 2015, o gasto para os cofres públicos aumentou para R$ 2.667,09, porém, o piso salarial continuou o mesmo do ano anterior; em 2016, o custo por trabalhador passou para R$ 3.020,15, e, o salário mensal, para R$ 1.052,82, para 176 (cento e setenta e seis) horas mensais, ou seja, 44 horas semanais, conforme as condições pré-estabelecidas no edital de contratação, enquadradas nos pressupostos do Decreto nº 2.271/97, e do parágrafo único do art. 1º, da Lei 10.520/02. Quanto aos direitos assegurados aos operadores de micro nos contratos de terceirização estão os benefícios mensais e diários, entre outros, auxílio transporte, auxílio alimentação, assistência médica e familiar, seguro de vida, invalidez e funeral, décimo terceiro salário, afastamento maternidade, licença paternidade, aviso prévio indenizado, aviso prévio trabalhado, férias. (BRASIL, 2016a). Embora a mão de obra terceirizada esteja cercada de direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho-CLT, a limitação em relação ao tempo contratado, na maioria dos casos, não garante a sua permanência no mercado de trabalho. Esta mão de obra possui um vínculo formal de trabalho muito tênue, “[...] fazendo com que o trabalhador tenha sempre presente a possibilidade de perda do emprego e de sua incorporação ao contingente de trabalhadores desempregados, que vão alimentar o trabalho temporário ou, em situação ainda mais precária, […]”. (KREMER; FARIA, 2005, p. 273). A duração do contrato é de 12 meses, “[…] a contar da data de sua assinatura, podendo, no interesse da administração, ser prorrogado mediante Termo Aditivo, observado o limite de 60 (sessenta) meses”. (BRASIL, 2016a). Nesse sentido, instaura- se, segundo Alves (2000, p. 252), “[…] um novo tipo de regulação do trabalho, baseada 758

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI na flexibilização do contrato de trabalho, que expõe, cada vez mais, o trabalho assalariado à disposição contingencial do capital em processo”. Além disso, observa-se que a implementação de um plano de cargo de carreira e regime de trabalho para os assistentes em administração visa garantir o crescimento destes na carreira, por meio do aperfeiçoamento, da capacitação e do mérito profissional, acarretando consequências diretas no grau de escolaridade, por exemplo. Isso é possível com a Resolução nº 236/13-CEPEX, da UFPI, que aprovou o Programa de Capacitação Interna, tendo por objetivo destinar vagas nos Programas de Pós- Graduação na IES, para a qualificação dos servidores da instituição. (BRASIL, 2013b). Como mostra a Tabela 2, a maioria (78,69%) dos assistentes em administração são graduados, enquanto, somente 21,31% têm o segundo grau completo. Tabela 2 – Assistente em administração, por grau de escolaridade, no campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina (2012 a 2016) 2ª GRAU COMPLETO GRADUADO TOTAL 13 48 61 Fonte: Relação Técnicos Assistentes em Administração. Sistema de Pagamento. Listagem Geral de Servidores – UFPI, (BRASIL, 2017c). À mão de obra contratada como operador de micro cabe, como exigência de escolaridade, o 2º grau completo, de forma que a estes não é prevista nenhuma capacitação pela empresa de trabalho temporário ou pela empresa tomadora de serviços, que culmine em melhoria da sua educação formal ou da qualificação para as atividades desenvolvidas ou mesmo em melhoria salarial ou alguma forma de encarreiramento na empresa contratante. 4 CONCLUSÃO A terceirização é uma prática utilizada tanto por empresas privadas ou públicas visando o alcance de objetivos voltados, principalmente, para a redução dos custos de mão de obra; foco no negócio; melhoria dos níveis de qualidade e produtividade dos produtos e serviços. No entanto, para os trabalhadores, a terceirização representa a degradação das condições de trabalho, baixos salários e a perda de direitos. Na administração pública, a terceirização não é uma escolha do gestor, se faz obrigatório em atendimento à Lei de Licitações e Contratos, Lei nº 8.666/93 e à Lei de 759

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar n° 101/2000 e, mais recentemente, a Lei nº 13.429/2017, seja para a realização de atividades-meio, seja para a realização de atividades-fim, conforme definido por esta última norma. A Universidade Federal do Piauí, instituição de ensino superior do Estado do Piauí, para atender à demanda da comunidade, no que diz respeito a algumas atividades-meio, se utiliza de mão de obra terceirizada em todos os setores e campi da instituição. No campus Ministro Petrônio Portella, em Teresina, a ocupação de operador de micro é o tipo de ocupação mais contratada em empresas de trabalho temporário para realizar as atividades do assistente em administração, pois o perfil exigido e a especificidade das atividades a serem executadas por aqueles, são mais direcionados para a realização de rotinas administrativas. No período da pesquisa foram contratados 502 operadores de micro e realizado concurso com posterior admissão de apenas 61 assistentes em administração. As condições de trabalho impostas aos operadores de micro incluem jornada de trabalho de 44 horas semanais, piso salarial pouco maior que o salário-mínimo, direitos garantidos pela CLT, além da exigência do uso de fardamento. A estes, como exigência de escolaridade, somente o 2º grau completo, de forma que não é prevista nenhuma capacitação por parte da empresa de trabalho temporário ou pela empresa tomadora de serviços que culmine em melhoria da sua educação formal ou da qualificação para as atividades desenvolvidas ou, ainda, que resulte em melhoria salarial. Diante do exposto, a busca pela multifuncionalidade dos funcionários a baixo custo vem abrindo inúmeras vagas anualmente para empregados terceirizados que passam a desenvolver atividades de forma similar aos servidores efetivos, embora sob condições muito diferenciadas em relação a estes. O que se constata é que a administração pública tem preferido investir em operadores de micro, que não se vincula de forma direta com a instituição, em busca da redução de gastos com pessoal, contribuindo, por outro lado, para o aumento da precarização do trabalho dessa classe que vive do trabalho. 760

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. O novo e precário mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo, Editora Boitempo, 2000. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2003. BRASIL. Universidade Federal do Piauí. Quantitativo de servidores técnico- administrativos da UFPI. 2012 a 2016. 2017a. BRASIL. Universidade Federal do Piauí. Planilha de terceirizados UFPI. 2015 e 2016. 2017b. ______. Universidade Federal do Piauí. Relação Técnico Assistente em Administração. Sistema de Pagamento - Listagem Geral de Servidores. Ref: 03/2017. 2017c. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei n o 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. 2017d. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13429.htm Acesso em: 18 mar. 2018. ______. Universidade Federal do Piauí. Pró-Reitoria de Administração. Coordenadoria Permanente de Licitação. Pregão Eletrônico: nº 00025/2016. 2016a. Disponível em http://comprasnet.gov.br/acesso.asp?url=/ConsultaLicitacoes/ConsLicitacao_Filtro.asp . Acesso em: 26 Fev. 2020. ______. Universidade Federal do Piauí. Pró-Reitoria de Administração. Coordenadoria Permanente de Licitação. Pregão Eletrônico: nº 00082/2015 – nº 00107/2015. 2015. Disponível em: http://comprasnet.gov.br/acesso.asp?url=/ConsultaLicitacoes/ConsLicitacao_Filtro.asp . Acesso em: 26 Fev. 2020. ______. Universidade Federal do Piauí. Pró-Reitoria de Administração. Coordenadoria Permanente de Licitação. Pregão Eletrônico: nº 00068/2014. 2014a. Disponível em http://comprasnet.gov.br/acesso.asp?url=/ConsultaLicitacoes/ConsLicitacao_Filtro.asp . Acesso em: 26 Fev. 2020. ______. Universidade Federal do Piauí. Concurso Público Federal. Ministério da Educação. Edital nº 07/2014 – UFPI. 2014b. Disponível em: http://copese.ufpi.br/subsiteFiles/copesenovo/arquivos/files/Edital_UFPI_2014_.pdf. Acesso em: 02 Fev. 2020. ______. Universidade Federal do Piauí. Pró-Reitoria de Administração. Coordenadoria Permanente de Licitação. Pregão Eletrônico: nº 00027/2013 – nº 0155/2013. 2013a. 761

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Disponível em: http://comprasnet.gov.br/acesso.asp?url=/ConsultaLicitacoes/ConsLicitacao_Filtro.asp . Acesso em: 26 Fev. 2020. ______. Universidade Federal do Piauí. Resolução nº 236/13. Aprova Programa de Capacitação Interna da UFPI (PCI-UFPI). 2013.b Disponível em: https://ufpi.br/images/PRPG_links/Resolu%C3%A7%C3%B5es/236.13-CEPEX_- _Aprova_Programa_de_Capacita%C3%A7%C3%A3o_Interna_PCI-UFPI.pdf Acesso em: 26 fev. 2017. ______. Universidade Federal do Piauí. Pró-Reitoria de Administração. Coordenadoria Permanente de Licitação. Pregão Eletrônico: nº 00160/2012. 2012. Disponível em http://comprasnet.gov.br/acesso.asp?url=/ConsultaLicitacoes/ConsLicitacao_Filtro.asp . Acesso em: 26 Fev. 2020. ______. Universidade Federal do Piauí. Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). 2010 – 2014 / Universidade Federal do Piauí. – Teresina: EDUFPI, 2010. Disponível em: http://www.leg.ufpi.br/arquivos/File/PDI.pdf. Acesso em: 04 Fev. 2020. BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8112cons.htm. Acesso em: 26 Fev. 2020. ______. Universidade Federal do Piauí. Plano de Carreira. [?]. CASTRO, Fabiana R. de Almeida. Piauí: (des)emprego e mercado de trabalho (1990 - 2010). Teresina: EDUFPI, 2016. COSTA, Márcia da Silva. Terceirização no Brasil: velhos dilemas e a necessidade de uma ordem mais includente. Cad EBAPE.BR, v. 14, nº 2, Artigo 10, Rio de Janeiro, Abr./Jun. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cebape/v15n1/1679-3951-cebape-15- 01-00115.pdf Acesso em: 18 mar. 2017 COSTA, Frederico José Lustosa da.; SANTO, Ivanise Hosana do Espírito. Terceirização de Serviços Públicos e Reforma Gerencial – o Caso da Secretaria da Fazenda de Pernambuco. Revista ADM.MADE, Rio de Janeiro, ano 14, v.18, n.2, p.28-48, maio/agosto, 2014. Disiponível em: file:///C:/Users/Microsoft140320/Downloads/Costa_Santo_2014_Terceirizacao-de- servicos-publ_33174.pdf Acesso em: 26 mar. 2017. DRUCK, Maria G. Terceirização: (des) fordizando a fábrica: um estudo do complexo petroquímico. São Paulo: Boitempo, 1999. KREMER, Antonio. FARIA, José Henrique de. Reestruturação produtiva e precarização do trabalho: o mundo do trabalho em transformação. R.Adm., São Paulo, v.40, n.3, 762

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI p.266-279, jul./ago./set. 2005. Disponível em: http://200.232.30.99/download.asp?file=V4003266.pdf. Acesso em: 01 Fev. 2020. TEIXEIRA, H. J.; MARTELANC, R.; PRADO FILHO, L. P. C. Dilemas e perspectivas da terceirização no setor público. 2009. Disponível em: <www.docstoc.com/docs/5938427/DILEMAS-E-PERSPECTIVASDA- TERCEIRIZAÇÃO-NO-SETOR-PUBLICO>. Acesso em: 05 jun. 2017. THÉBAUD-MONY, A.; DRUCK, G. Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, G.; FRANCO, T. (Org.). A perda da razão social do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2007. 23-58 p. 763

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS POLÍTICA DE EMPREGO PARA JUVENTUDE: os impactos da qualificação profissional sobre a empregabilidade de jovens EMPLOYMENT POLICY FOR YOUTH: the impacts of professional qualification on youth employability Karine Késsia de Sousa Félix Mendes1 Jairo de Carvalho Guimarães2 RESUMO O presente trabalho visa discutir a política de emprego para juventude dentro da perspectiva dos impactos da qualificação profissional para a empregabilidade de jovens, levando em consideração o fato desta população possuir maiores dificuldades de se inserir no mercado de trabalho, por fatores como falta de experiência e qualificação. Apresenta, primeiramente, uma breve contextualização sobre a política de emprego, em seguida, algumas considerações da qualificação profissional, e ainda reflexões sobre os impactos da qualificação sobre a empregabilidade de jovens. Ao final, pode-se perceber que mesmo com sua incontestável relevância, a qualificação profissional enquanto Política Pública, ainda precisa evoluir de muitas maneiras, para que haja uma política eficiente que vise ampliar as possibilidades de emprego do trabalhador jovem, de forma a não contribuir com a precarização do trabalho. Palavras-Chaves: Qualificação Profissional. Juventude. Empregabilidade. ABSTRACT This paper aims to discuss the youth employment policy from the perspective of the impacts of professional qualification on youth employability, taking into account the fact that this population has 1 Assistente Social, especialista em Gestão e Elaboração de Projetos Sociais e mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí - UFPI. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Educação. Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected] 764

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI greater difficulties in entering the labor market, due to factors such as lack of experience and qualification. First, it presents a brief contextualization about the employment policy, then some considerations of professional qualification, and also reflections on the impacts of qualification on the employability of young people. In the end, it can be seen that even with its indisputable relevance, professional qualification as a Public Policy, still needs to evolve in many ways, so that there is an efficient policy that aims to expand the employment possibilities of young workers, in order not to contribute precarious work. Keywords: Professional qualification. Youth. Employability. INTRODUÇÃO O desemprego e a dificuldade dos jovens de se inserir no mercado de trabalho são temáticas que vêm ganhando bastante relevância nos últimos anos, sendo frequentemente foco de planos, programas e projetos dentro da seara das Políticas Públicas visando à geração de emprego para juventude. Esta situação ocorre porque os jovens encontram-se mais expostos às situações de informalidade e a remunerações inferiores, haja vista a falta de experiência e pouca qualificação profissional dessa população. Em razão da oferta atual de mão de obra, as empresas normalmente exigem experiência anterior e neste particular os jovens encontram obstáculos para a sua inserção no mercado. Dessa forma, investir em qualificação profissional com objetivo de gerar empregabilidade e consequentemente inserir o jovem no mercado de trabalho é de grande importância, pois o desenvolvimento social e econômico do país depende em sua maior parte do capital humano jovem, que para tornar-se apto ao trabalho necessita de acesso à educação formal de qualidade, além de qualificação profissional eficaz que amplie as possibilidades de emprego e forneça um conjunto de habilidades que possibilite ao mesmo exercer uma profissão, sem cair nas armadilhas do emprego informal e precarizado. Nessa perspectiva, este artigo tem como temática a Política de Emprego para a Juventude, sob a ótica dos impactos da qualificação profissional sobre a empregabilidade de jovens. Com efeito, pretende responder a indagação: De que maneira a qualificação profissional contribui para a empregabilidade dos jovens? 765

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Como objetivo geral, buscou descrever os impactos da qualificação profissional sobre a empregabilidade de jovens. A metodologia utilizada desenvolve-se a partir de pesquisa bibliográfica e documental, através de livros, artigos de revistas científicas, artigos da internet e periódicos, bem como a partir da análise de dados de institutos de pesquisas, por meio de busca em sites oficiais, além de leis e decretos. O artigo se dividiu em três seções para melhor aprofundamento do debate, iniciando com algumas reflexões e uma breve contextualização da política de emprego. Em seguida, ressaltou a qualificação profissional enquanto Política Pública ativa de emprego, direcionando o debate para a qualificação profissional destinada à população jovem, além de analisar, na última seção, os impactos da qualificação profissional sobre a empregabilidade juvenil. 2 REFLEXÕES INICIAIS SOBRE A POLÍTICA DE EMPREGO O desemprego é um dos maiores problemas que a sociedade humana enfrenta atualmente, sendo considerado como uma questão grave e histórica das economias capitalistas (REINERT, 2001). Para governos de todo o mundo, tem sido um desafio ocupar e absorver toda a força de trabalho de suas nações. No Brasil, em especial, mesmo com muitos avanços nos últimos anos no que tange às estratégias de mitigação da pobreza, ainda assim, a desigualdade social é presente em proporções elevadas, havendo significativa parcela da população vivendo na pobreza, tendo como principais motivos o desemprego, a falta de condições dignas de trabalho e a baixa qualificação das pessoas, muitas das quais reféns de reduzidas oportunidades para o aperfeiçoamento por meio da educação formal. Nesse sentido, sendo o trabalho um direito e uma questão de responsabilidade social do Estado, dada à sua abrangência social, as Políticas Públicas de emprego são instrumentos do poder público de grande importância para solucionar a questão do desemprego e outras questões sociais que são resultado dessa problemática (RAMOS, 2003). São ações desenvolvidas pelo Estado no combate ao desemprego, visando, sobretudo à proteção social dos trabalhadores, com o objetivo de criar condições 766

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI favoráveis de acesso ao mercado de trabalho e de empregabilidade3, promovendo estímulo às atividades de formação profissional, bem como sobre a oferta ou demanda de trabalho, ampliando o número de postos e criando novos empregos. Conforme Giovani (2008, p. 3), as Políticas Públicas “são intervenções planejadas do poder público com a finalidade de resolver situações problemáticas, que sejam socialmente relevantes.” Nesse sentido, as políticas de emprego correspondem em Políticas Públicas que visam resolver as situações problemas que envolvem o universo do trabalho e a população trabalhadora. São políticas que se propõem a responder às demandas do mercado de trabalho, bem como do contingente de pobres e desempregados, levando em consideração que é dever do Estado favorecer a inclusão social por meio da geração de trabalho, emprego e renda, promovendo a redução da taxa de desemprego, subutilização e trabalho informal. Segundo Ramos (2003, p. 8), as políticas de emprego são compreendidas como o conjunto de ações que atuam sobre a oferta de trabalho, “reduzindo-a ou alterando seu bem-estar, ou sobre o nível de emprego, alterando a demanda de forma direta (criação de emprego público, por exemplo) ou indireta (formação profissional)”. Essas políticas, representam um importante instrumento de intervenção estatal, as quais permitem disciplinar as relações de trabalho, além de proteger os trabalhadores desempregados e gerar novas ocupações (MATIAS; COSTA, 2010). Em outros termos, Política Pública de emprego pode ser definida como o conjunto de medidas que atuam sobre a oferta de trabalho, podendo reduzir ou alterar o bem-estar, o nível de emprego e a demanda de forma direta ou indireta, atuando diretamente sobre o mercado de trabalho e sobre a população. Conforme Ramos (2003), não se destina exclusivamente à criação de novas vagas de emprego, mas de modo geral a aumentar o nível de empregabilidade contemplando todas as suas formas. Nesse sentido, a intervenção governamental através dessas políticas é realizada prioritariamente através de políticas passivas e ativas. 3 Empregabilidade, refere-se ao fato de as possibilidades de inserção do trabalhador no mercado de trabalho, depender fortemente da bagagem do trabalhador (qualificações, experiências, competências e habilidades) e a capacidade de se adequar às novas exigências do mercado. A noção de empregabilidade é nitidamente marcada pelos princípios neoliberais. 767

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI As denominadas passivas englobam ações que minimizem danos para a população que se encontra em condição de desempregado e garantem um determinado nível de bem-estar para aqueles trabalhadores que não conseguiram se inserir no mercado de trabalho como, por exemplo, o seguro-desemprego. As políticas ativas englobam ações para elevar o nível de emprego, atuando sobre o contingente de trabalhadores e aumentando o nível de emprego e dos salários das pessoas que possuem dificuldade em se inserir na atividade econômica como, por exemplo, a formação profissional, a intermediação de mão de obra, o apoio aos micro e pequenos empreendimentos, subsídios à contratação de uma determinada população alvo, e criação direta de empregos pelo setor público (RAMOS, 2003; MACHADO; NETO, 2011). No caso brasileiro, as políticas de emprego possuem o desafio de fazer um paralelo entre mercado de trabalho e emprego, buscando novos postos de trabalho que superem a precariedade do mercado nacional. Assim, mais do que a integração da seara do trabalho, emprego e renda, são necessárias medidas de articulação com outras Políticas Públicas que estão também no âmbito do trabalho, por exemplo, normas reguladoras na área da saúde e segurança no trabalho, políticas educacionais e de saúde (MORETTO, 2010). Vale ressaltar que as políticas de emprego também compreendem em estratégias governamentais de combate à pobreza, redução das desigualdades e promoção de inclusão, além da emancipação da população envolvida, uma vez que o crescimento econômico não implica necessariamente na exclusão da pobreza e desigualdades que são consequências das circunstâncias socioeconômicas da configuração capitalista (SOUZA, 2004). Dessa forma, em virtude das desigualdades estruturantes que marcam o Brasil, as políticas de emprego também focalizam grupos que “encontram-se em situação de desvantagem no mercado de trabalho, por exemplo, pobres, mulheres, jovens ou grupos étnicos, podendo obter resultados socialmente desejáveis” (CACCIAMALLI; LIGIÉRO; MATOS, 2008, p. 13). No caso específico da população jovem brasileira, veem-se grandes desafios no que se refere à inserção dessa população no mercado de trabalho, isto porque se trata de uma população mais vulnerável que costuma encontrar dificuldades por não ter experiência profissional. Além disso, a situação é agravada pela baixa escolaridade média e pela precária qualidade da educação, deficiências que contribuem para o desemprego, o emprego informal e precário. Assim, em face dessa situação, a política 768

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de emprego para jovens assume grande importância, pois possibilita a democratização de chances de ascensão social dos jovens e reduz as desigualdades. Segundo Barbosa e Deluiz (2008, p. 1): No contexto atual de estreitamento e volatilidade do mercado de trabalho, de extremas exigências de qualificações profissionais e do excedente de mão- de-obra pouco escolarizada e qualificada, um dos maiores desafios a serem enfrentados é a inserção dos jovens no mundo do trabalho, já que estes são os mais penalizados com o desemprego e com a precarização do trabalho, que se revela nos baixos rendimentos, altas jornadas de trabalho, instabilidade ocupacional, alta rotatividade e ausência de mecanismos de proteção social e trabalhista. A juventude, por ser um público que permanecerá por muitas décadas como a principal fonte de força de trabalho do país, começa a ganhar projeção na agenda pública nacional, no âmbito da Política Pública de trabalho, que para essa população foca-se principalmente na qualificação profissional, possibilitando o acesso dos jovens no mercado de trabalho, pois tende a minimizar alguns aspectos que os desfavorecem frente aos demais trabalhadores, podendo promover a igualdade de oportunidades, a empregabilidade. Nesse sentido, cabe ressaltar com mais detalhes a qualificação profissional, discutida na próxima seção. 2.1 A qualificação profissional como política ativa de emprego Conforme o significado coloquial atribuído ao termo qualificar em dicionário da Língua Portuguesa, qualificar refere-se a “indicar a qualidade de classificar; emitir opinião a respeito de; avaliar; apreciar; considerar qualificado; apto” (FERREIRA, 1999, p. 35). Ou seja, é o ato ou efeito de qualificar, de atribuir uma qualidade ou um título a algo, portanto no caso da qualificação profissional, é qualificar o indivíduo com atributos, características e habilidades que o capacite para se posicionar bem no mercado de trabalho. Para Chiavenato (2014), a qualificação profissional tem como objetivo aprimorar as habilidades do trabalhador para funções específicas demandadas pelo mercado de trabalho que cada vez mais é competitivo. Já para Tartuce (2004), a qualificação profissional é um conjunto de práticas, que buscam relacionar o funcionamento do sistema educativo alinhado ao sistema produtivo. Deluiz (2011) corroborando com o conceito de Tartuce (2004) explica qualificação profissional como: 769

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Um conjunto de conhecimentos, saberes e habilidades que provêm de várias esferas, tais como: da formação geral (conhecimento científico), da formação profissional (conhecimento técnico), e da experiência de trabalho e social (qualificações tácitas) posto em ação para resolver problemas e enfrentar situações imprevistas em uma situação concreta de trabalho (DELUIZ, 2011, p. 14) Nesse sentido, a qualificação profissional tem o objetivo de elevar as habilidades produtivas dos trabalhadores e, no caso dos jovens, possibilitar a oportunidade de aprender as técnicas necessárias aos tipos de emprego, além de proporcionar a esses indivíduos as primeiras noções de direitos e deveres em relação ao trabalho. Não gera empregos diretamente, mas colabora para reduzir o desemprego, tendo em vista que amplia o preparo dos trabalhadores, proporcionando o acesso a postos de trabalhos vagos, que não estariam acessíveis sem a capacitação necessária. Dessa forma, a qualificação profissional é materializada através de cursos que se referem aos chamados cursos de formação inicial e continuada ou curso básico, e são definidos como qualquer curso de formação que tenha como objetivo qualificar o indivíduo para o exercício de uma atividade profissional. Podem ser ofertados em escolas e instituições como igrejas, ONG's, sindicatos, associações, etc. e possuem duração variável, podendo ser oferecidos em todos os níveis de escolaridade, contemplando ao final do curso certificado para o participante. São exemplos de cursos de qualificação profissional: informática; idiomas; corte e costura; culinária; massagem terapêutica; secretariado; manicure; pedicure; cabeleireiro; garçom; cozinheiro; guia turístico; pedreiro; decoração de bolos; maquiagem; instrumentador cirúrgico, etc. (NERI, 2014). Adicionalmente, a qualificação profissional é uma das principais políticas ativas de emprego, pois por meio de suas ações busca dinamizar a demanda e a oferta de trabalho com foco na elevação do nível de emprego do contingente de trabalhadores. No caso brasileiro, a qualificação profissional é a política ativa de emprego mais popular, pois parte da ideia que ao elevar a qualificação ou formação de um indivíduo consequentemente aumentam as chances de o mesmo encontrar emprego ou manter- se no que já possui (SANTOS, 2013). Nesse contexto, nas últimas décadas a qualificação profissional no Brasil passou a ganhar maior ênfase, principalmente no que diz respeito 770

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI à inserção dos jovens no mundo do trabalho, com o objetivo de estimular e fortalecer a empregabilidade desses indivíduos. Dessa forma, muitas foram as ações em direção da qualificação profissional criadas para jovens, em especial destacam-se algumas, como por exemplo o Plano Nacional de Formação Profissional – PLANFOR, criado em 1995, pela Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional do Ministério do Trabalho – MT, com a finalidade de desenvolver ações de educação profissional, tendo em vista contribuir para a redução do desemprego e subemprego, com o foco maior na população jovem que na perspectiva deste plano era o público mais vulnerável (SILVA; COSTA, 2019). Também foi criado o Programa Nacional de Primeiro Emprego – PNPE, em 2003 pela Lei nº 10.748/2003, posteriormente alterada pela Lei nº 10.940/2004, regulamentada pelo Decreto nº 5.199 de 2004. Este programa era voltado exclusivamente aos jovens de 16 a 24 anos, provenientes de famílias pobres e tinha o objetivo de promover a inserção de jovens no mercado de trabalho e sua escolarização. Possuiu como eixo, o Consórcios Sociais da Juventude – CSJs criado em 2003 que buscava fortalecer a qualificação, sociabilidade e autoestima dos jovens, provenientes de famílias pobres, que estivessem estudando, em especial os jovens quilombolas, afrodescendentes e indígenas (GUIMARÃES; ALMEIDA, 2013). Além desses programas, foram lançados como eixo do PNPE a Ação Juventude Cristã em 2005, com ações descentralizadas, voltadas para regiões com baixo índice de desenvolvimento humano, e o Programa Empreendedorismo e Responsabilidade Social, destinado à criação de crédito para jovens, com requisito a qualificação através de uma capacitação. Também buscava a inserção do jovem no mercado de trabalho o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – PROJOVEM, ação lançada também em 2005, com finalidade de elevar a escolaridade e a conclusão do ensino fundamental, estimulando os jovens a terem uma qualificação profissional e a cidadania, além do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego - PRONATEC, criado em 2011 com objetivo de ampliar a oferta dos cursos profissionais e tecnológicos de nível médio e de formação inicial. Por fim, o Programa Jovem Aprendiz, que incentiva as empresas a contratarem os jovens contribuindo assim com a aprendizagem dos mesmos e com o desenvolvimento do país (GUIMARÃES; ALMEIDA, 2013). 771

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Atualmente, está em vigor a Estratégia Nacional de Qualificação para a Produtividade e o Emprego, instituída pelo Decreto nº 10.110, de 11 de novembro de 2019, pelo Presidente da República Jair Bolsonaro. Essa estratégia tem a finalidade de promover a qualificação profissional para o aumento da produtividade e da empregabilidade, e tem como um dos públicos prioritários das ações os jovens que buscam a inserção no mercado de trabalho ou primeiro emprego (BRASIL, 2019). Nesse contexto, observa-se que nos últimos anos a qualificação profissional ganhou relevância no cenário de Políticas Públicas voltadas para o trabalho, principalmente em direção do segmento jovem. Assim, é de grande importância analisar os impactos e efeitos que a qualificação profissional incide sobre a empregabilidade de jovens, tais questões que serão levantadas na próxima seção. 2.2 Os impactos da qualificação profissional sobre a empregabilidade de jovens Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, no último trimestre encerrado em 2019 (de outubro a dezembro), a taxa de desocupação da população de 18 a 24 anos de idade foi de 31,3%, apresentando patamar superior ao estimado nos outros grupos etários (IBGE, 2019). Embora os números tenham caído em relação ao mesmo período do ano anterior, no qual a taxa de desocupação entre os jovens era de 32,4%, ainda assim há muito o que ser feito para que o desemprego entre a população jovem seja o mínimo possível, haja vista a importância que esse público tem para a economia do país (IBGE, 2018). O nível de desemprego se dá principalmente entre os jovens de baixa renda, que são os que mais sofrem na busca do primeiro emprego, isso porque, muitos não têm acesso a um ensino de qualidade, e em alguns casos, não possuem renda suficiente para investir em cursos profissionalizantes (SILVA; COSTA, 2019). Assim, investir na qualificação profissional de jovens é uma estratégia necessária para reverter o quadro de desemprego desta população, além de ser um dever do poder público garantido na Constituição Federal de 1988 que, no seu artigo 205, afirma que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu 772

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1990, p. 32). Dessa forma, uma boa qualificação técnica, acadêmica e comportamental são instrumentos necessária para conseguir uma colocação razoável no mercado de trabalho, o que com os cursos de qualificação profissional, tais ingredientes tornam-se mais acessíveis a população jovem que não possui condições de custear cursos privados (NERI, 2014). Ademais, na era digital o mercado de trabalho cada vez mais exige que as pessoas saibam lidar com ferramentas da Internet, bem como ter conhecimentos do idioma inglês e em geral que estejam sempre atualizados. Logo, é fundamental que cursos voltados para qualificação profissional estejam alinhados com a era digital, além de outras áreas que costumam ter expressiva demanda como a de beleza e estética, alimentação, vigilância, administração, saúde, etc. (GUIMARÃES; ALMEIDA, 2013). Acrescenta-se ainda, conforme estudo realizado por Souza (2009), um indivíduo que concluiu um curso de qualificação profissional obtinha em seu rendimento médio mensal aproximadamente R$ 254,00 a mais do que um indivíduo que não possuía curso de qualificação profissional, constatando Souza (2009) em sua pesquisa que a qualificação profissional diminuiu o risco ao desemprego. Nesse sentido, observa-se que os cursos de qualificação profissional aumentam o acesso ao emprego e impactam diretamente no aumento dos salários. Quanto à empregabilidade, a qualificação profissional possibilita o aperfeiçoamento das habilidades do trabalhador, em especial o jovem que tem pouca ou nenhuma experiência, sendo essencial para o aumento do nível de empregabilidade e consequentemente, o aumento de chances de se inserir no mercado de trabalho e conquistar o primeiro emprego (CHAVES; NETO, 2006) No entanto, é oportuno salientar que o mercado de trabalho ocasiona desigualdades devido à concentração de renda nas mãos de uma pequena parcela da população, que por possuir melhores condições de educação, ocupam os melhores postos de trabalho, enquanto parcela considerável fica desempregada sem nenhuma perspectiva de ascensão social e de permanência no mercado de trabalho. Além disso, os fatores estruturais geradores do desemprego, como a reestruturação produtiva, flexibilização do trabalho e desenvolvimento tecnológico que substitui o trabalho humano, contribuem para a redução do número de vagas disponíveis no mercado de trabalho (OLIVEIRA, 1999). É inegável os benefícios trazidos pela qualificação 773

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI profissional, mas não se pode ignorar o fato da mesma ser uma política compensatória, haja vista as grandes contradições que existem na sociedade brasileira. Assim, é preciso ir para além do discurso da qualificação profissional de possibilitar que uma pessoa empregada consiga manter-se no trabalho e caso desempregada tenha condições de conseguir um novo emprego, aumentando as chances do trabalhador, tornando-o mais competente e ampliando as oportunidades de geração de renda. Para além disso, como destacam Vieira e Alves (1995), a qualificação profissional tem o papel de produzir conteúdo que amplie o conhecimento do trabalhador para o acesso à moderna tecnologia produtiva e a modelos de gestão que possibilitem conhecimentos e habilidade que possam atender às demandas do mercado para trabalhos que exigem maiores qualificações, além de garantir a permanência num mercado cada vez mais competitivo. O grande desafio é qualificar os trabalhadores com uma metodologia que rompa com a concepção tradicional de capacitação profissional e incorpore habilidades e conhecimentos alinhados com os empregos que requerem melhores qualificações e consequentemente, maiores salários. Mas, para superar este desafio, é necessário que além da inovação na qualificação profissional haja antes uma educação básica de qualidade, pois a falta desses dois elementos, juntamente com a flexibilização do trabalho ocasionada pela modernização produtiva, colabora para sustentação de trabalhos precários (OLIVEIRA, 1999). Posto assim, observa-se que a educação e a qualificação profissional na política de emprego são de grande relevância, e permanecerão ainda por muito tempo predominantes nos debates sobre a empregabilidade, principalmente no que tange à juventude, que é a principal força de trabalho do país. Nesse sentido, caso não haja ações eficientes de educação e qualificação profissional alinhados à política de emprego, fatores como flexibilização, precarização e emprego informal serão agravados. Portanto, é inegável que a qualificação profissional gere frutos positivos, mas precisa ser aperfeiçoada, de forma a ampliar o nível de empregabilidade dos jovens. 774

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 CONCLUSÃO Observou-se que a qualificação profissional tem sido a ação mais utilizada durante os últimos anos dentro da seara da política de emprego para juventude. Isso porque os jovens constituem-se em uma população mais vulnerável que costuma encontrar dificuldades por não ter experiência profissional e baixa qualificação profissional. Dessa forma, com base nesses fatores e nos altos índices de desemprego presente entre o público jovem, o poder público brasileiro tem direcionado especial esforços na busca de melhorar a empregabilidade dos jovens com finalidade de inseri- los no mercado de trabalho. Nesse sentido, a qualificação profissional tem tido especial relevância enquanto Política Pública ativa de emprego, principalmente na direção de promover a empregabilidade para garantia de emprego para jovens, pois possibilita a democratização de chances de ascensão social desses indivíduos e reduz as desigualdades. Assim, pode-se constatar que a qualificação profissional tende a minimizar alguns aspectos que os desfavorecem comparados aos demais trabalhadores, além de impactar diretamente na igualdade de oportunidades e no aumento da empregabilidade. No entanto, mesmo com sua inegável relevância, a qualificação profissional ainda precisa evoluir de muitas maneiras. É preciso haver uma inovação, e não apenas focar em cursos básicos, mas para além disso, possibilitar acesso à moderna tecnologia produtiva e a conhecimentos de gestão, desenvolvimento tecnológico e habilidades que possam acompanhar as novas exigências do mercado e consequentemente aos melhores postos de trabalho com melhores remunerações. REFERÊNCIAS BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990 _______. Decreto nº 10.110, de 11 de novembro de 2019. Institui a Estratégia Nacional de Qualificação para a Produtividade e o Emprego e o Conselho de Desenvolvimento do Capital Humano para a Produtividade e o Emprego. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: <http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n- 10.110-de-11-de-novembro-de-2019-22738526>Acesso em: 26 fev. 2020. 775

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BARBOSA, Carlos S. DELUIZ, Neise. Qualificação Profissional de Jovens e Adultos Trabalhadores: O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego em Discussão. Boletim técnico do Senac: Revista da Educação Profissional., Rio de Janeiro, v. 34, n.1, p. 51-63, jan./abr. 2008. DELUIZ, Neise. Qualificação profissional, trabalho e formação: qualificação, trajetória ocupacional e subjetividade. Seminário qualificação, trajetória ocupacional e subjetividade (EPSJV/Fiocruz), 2011, Rio de Janeiro. 16 slides. Disponível em: <http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/d/neise.pdf> Acesso em 26 fev. 2020. CACCIAMALI, Maria C.; LIGIÉRO, Adriana P.; MATOS, Franco de. Desenho e gestão de uma política pública de intermediação de mão-de-obra. Ideias e tendências em foco. São Paulo, v.1, n.1, p. 9-48, 2008. CHAVES, Dener A.; NETO, Antonio C. Programas públicos de geração de emprego para jovens e segregação espacial. Revista: Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 42, n. 2, p. 111-122, maio/ago. 2006. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 4 Ed. São Paulo: Manole, 2014. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio do século XXI. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. 1999. GUIMARÃES, Alexandre Q.; ALMEIDA, Mariana E. Os jovens e o mercado de trabalho: evolução e desafios da política de emprego no Brasil. Temas de administração pública, Araraquara, v. 8, n. 2, p. 1-26, 2013. GIOVANNI, Geraldo Di. Políticas Públicas e política social. Campinas: Instituto de Economia da Universidade de Campinas – Unicamp, 2008. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD: Quarto Trimestre de 2019. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2019_4tri.pdf> Acesso em 25 fev. 2020. _____. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD: Terceiro Trimestre de 2018. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2018_4tri.pdf> Acesso em 25 fev. 2020. MACHADO, Danielle Carusi; NETO, João Hallak. Políticas ativas e passivas de mercado de trabalho: panorama atual. (Texto para Discussão, n. 39), Rio de Janeiro: UFF, 2011. 776

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EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS SERVIÇO SOCIAL E POLÍTICAS SOCIAIS: conquistas e contradições SOCIAL SERVICE AND SOCIAL POLICIES: achievements and contradictions Lizandra Inês Both1 RESUMO O trabalho que segue tem como objetivo a sistematização do processo histórico da constituição das políticas sociais no Brasil, bem como sua atual tendência. Busca-se realizar uma relação entre as Políticas Sociais e a atuação profissional do/a Assistente Social, a partir do se Projeto Ético-Político. Pra tanto, realizou-se a pesquisa em diferentes bibliografias que possibilitaram chegar ao resultado apresentado. O artigo consta de uma pesquisa de relevância, pois busca apresentar a luta e a conquista das políticas sociais no sistema capitalista, bem como o cenário de disputa que tem se colocado no cenário atual. No que tange a políticas socais é necessário manter a luta por elas, pois somente assim podem vir a ser efetivadas. Palavras-Chaves: Política Social. Serviço Social. Direitos Sociais. ABSTRACT The following work aims to systematize the historical process of the constitution of social policies in Brazil, as well as its current trend. The aim is to establish a relationship between the Social Policies and the professional performance of the Social Worker, based on the Ethical- Political Project. Therefore, the research was carried out in different bibliographies that made it possible to reach the presented result. The article is part of a relevant research, as it seeks to present the struggle and the conquest of social policies in the capitalist system, as well as the scenario of dispute that has been placed in the current scenario. 1 Graduada em Serviço Social pela UFRGS, Pós Graduação em Gestão de Projetos Sociais pela Fundação Brasileira de Tecnologia e Educação – FUNBRATEC. Docente da UNICENTRO, Barra do Corda, MA. [email protected] 778

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI With regard to social policies, it is necessary to maintain the struggle for them, because only then can they be implemented. Keywords: Social Policy. Social service. Social rights. INTRODUÇÃO A sistematização desse artigo surge a partir de diversas indagações, na busca de compreender como se constituem as políticas sociais e a sua relação com a atuação profissional do/a Assistente Social. Sabe-se que historicamente o/a assistente social tem atuado junto a essas políticas que apresentam importantes mudanças na sua configuração ao longo da história. Porém é necessário conhecer como se apresentam e se constroem as mesmas na história, a fim de reconhecer os avanços, retrocessos e perceber por onde é necessário travar lutas pela conquista e efetivação deles. Primeiramente apresenta-se uma leitura histórica da construção das políticas sociais, a partir de um recorte social e jurídico, por onde é possível reconhecer como a realidade social influência ou é influenciada pelas legislações que aos poucos passam a garantir os direitos socais, que se desdobram em posteriores políticas sociais. Nesse cenário é importante reconhecer o quanto as lutas sociais influenciaram na conquista de algumas políticas sociais, como é visível no processo de democratização do Brasil que resultou nas conquistas da Constituição Federal de 1988. As políticas sociais se encontram num sistema capitalista em contínua disputa, onde as tendências atuais apontam do quanto é necessário assumir a luta para que as políticas sociais se efetivem e não se percam nenhum dos direitos conquistados. Reconhecer essas tendências é urgente e necessário para não permanecer inercie num campo onde as políticas sociais estão em continua disputa. O/a assistente social está inserido em espaços de trabalho das políticas sociais, onde tem assumido um papel importante na luta pela efetivação das mesmas e na busca de serviços de qualidade. A relação que se estabelece entre Serviço Social e Políticas Sociais é importante no que tange ao compromisso ético-político no enfrentamento das diferentes expressões da questão social que estão diretamente relacionados com as políticas sociais. Nesse artigo, a partir de uma pesquisa bibliográfica, tem-se um destaque para Couto (2004) que apresenta o percurso histórico da política social e Behring (2009) que 779

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI estudo a relação das mesmas com o Serviço Social. Outros autores vão dialogando com as mesmas, na busca de construir um estudo mais aprofundado do tema e com diferentes visões e perspectivas. 2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA CONSTITUIÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS Para compreender a como as Políticas Sociais atualmente estão concebidas e pensadas, faz-se necessário lançar um olhar sobre a trajetória histórica da organização das mesmas, a fim de compreender e reconhecer as conquistas e as contradições presentes. Para tanto, é necessário compreender o que é Política Social. Segundo Behring (2009) elas são um processo e resultado de relações complexas e contraditórias, que se estabelecem entre Estado e Sociedade Civil, no âmbito dos conflitos e da luta de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo, nos seus grandes ciclos de expansão e estagnação. Ou seja, faz-se necessário problematizar o seu surgimento a partir da acumulação capitalista e da luta de classes. As Políticas Sociais também podem ser compreendidas como ação e controle sobre as necessidades sociais básicas das pessoas não satisfeitas pelo modo capitalista de produção. É uma política de mediação entre as necessidades de valorização e acumulação do capital e as necessidades de manutenção da força de trabalho disponível para o mesmo (MACHADO; KYOSEN, 2000). Nesse sentido as políticas sociais precisam ser compreendidas num cenário de lutas de classes, de organização da população na luta pelos direitos. Para tanto, nesse tópico se fará uma linha história das mesmas, a partir das legislações e dos contextos históricos. No que se refere a história brasileira, é importante reconhecer a sua herança colonial, marcada pelo trabalho escravo e por grandes propriedades de terra, onde a relação de cidadania e liberdade inexistia e o sistema de justiça era interno. Já nas Constituições de 1824 e de 1891 eram previstos alguns direitos, porém que não foram efetivos, pois apresentavam uma natureza autoritária e conservadora. Nesse período os direitos políticos eram pensados como forma de manter a sociedade brasileira dentro dos padrões tradicionais, já os sociais eram de responsabilidade dos operários e o trabalho com os que ficavam a margem era realizado pelos religiosos. Os direitos sociais avançam a partir da vinda dos imigrantes europeus (COUTO, 2004). 780

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI No período de 1930 e 1964, o Brasil vive o processo de industrialização, êxodo rural, o que faz com que o Estado comece a encontrar formas de controlar a classe trabalhadora, criando o Ministério do Trabalho, juntamente com outras medidas de cunho regulatório e assistencial. A Constituição de 1934 traz grandes avanços no campo dos Direitos Sociais, porém eles não se efetivam, pois grande parte da população não tem acesso aos Direitos políticos e civis. Os direitos sociais continuam vinculados a classe trabalhadora, porém somente a urbana, pois os trabalhadores rurais acessam aos mesmos direitos a partir de 1955, quando se organizam e pressionam o Estado (COUTO, 2004). O período que vai de meados do século XIX até os anos de 1930, é marcado predominantemente pelo liberalismo e sustentado pela concepção do trabalho como mercadoria e sua regulação pelo livre mercado (PIANA, 2009). As Constituições que seguem nesse período são marcadas pelo autoritarismo e centralização técnico-burocrática, fortemente tencionadas pelo protagonismo dos Movimentos Sociais. Destaca-se a criação da LBA (Legião Brasileira de Assistência) em 1942, que primeiramente se destina a atender os pracinhas da Primeira Guerra Mundial e depois passa a ser um braço assistencialista do governo. O período de 1964 a 1985, marcado pela Ditadura Militar, consta de certa restrição dos Direitos. Os Atos Institucionais indicaram os rumos, onde os Direitos foram submetidos as regras instituídas pelo Governo. Na Constituição de 1967 os Direitos Sociais permanecem, quando se passa a ferir o trabalhador de maneira individual, ou seja, vive-se o Milagre Econômico, fruto da exploração da classe trabalhadora, exposta a duras condições e a repressão política. Criam-se espaços de recolhimentos institucional para menores infratores, com modelo repressivo, a saúde apenas acontece de maneira focal e pontual. Nesse período os direitos sociais eram pensados como forma de sustentar a política do regime. Junto a esse regime, surgem movimentos socais que desencadeiam na reabertura democrática e num novo cenário de Direitos (COUTO, 2004). As políticas sociais no período de 1964 a 1988, eram políticas de controle, seletivas, fragmentadas, excludentes e setorizadas nos anos 80, o País viveu o protagonismo dos movimentos sociais que contribuiu com uma série de avanços na legislação brasileira no que diz respeito aos direitos sociais. (PIANA, 2009, p 42). 781

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Um dos mais importantes avanços nos direitos sociais no Brasil, fruto da luta popular, é a Constituição Federal de 1988, onde são apresentados os deveres do Estado no que se refere a prover de maneira universal os serviços sociais básicos, saúde, educação de qualidade, previdência social, dentre outros. Uma grande e importante conquista foi determinação da responsabilidade estatal em função da necessidade de proteção social dos cidadãos, a partir da instituição da Seguridade Social: Assistência Social, Previdência Social e Saúde. Esse passa a constar como sistema básico de proteção social, onde a Assistência passa a ser reconhecida como direito de todo “cidadão que dela necessitar”, Saúde de acesso universal e a Previdência mantém seu viés contributivo (SENNE, 2017). Na década de 1990 visualizamos um movimento de fortalecimento do paradigma neoliberal, em que o Estado se distancia ainda mais de seus deveres com a área social. O Estado se minimiza no sentido de desresponsabilizar-se pelas contradições sociais exacerbadas pelo processo da globalização. Ao lado da crise fiscal, o poder público passa a reduzir os seus gastos com a área social e passa a convidar a sociedade a dar respostas às situações de pobreza enfrentadas pela população. Assiste-se assim uma retomada de práticas de filantropia sob o discurso da solidariedade fortemente sustentada pelo próprio governo brasileiro (MEDEIROS, 2013). Assim, ao longo da história, com o avanço de governos neoliberais, ressurgem projetos de contrarreformas do Estado, sindical, trabalhista, da previdência social e educacional, implicando cortes na saúde, na educação, na habitação, no sistema previdenciário, na reforma agrária e na precária demarcação das terras indígenas e quilombolas, uma dívida histórica com as populações originárias. Os projetos de contrarreformas são visíveis em momentos de crise cíclica do capitalismo, onde encontram forma e respaldo dos entes políticos (ABRAMIDES, 2017). Reconhecendo o processo histórico de construção da política social pode-se perceber que é um amplo campo de disputas de forças e de intensas contradições presentes nesse processo. Conforme já mencionado, as políticas sociais, muitas vezes, são utilizadas pelo Estado para apaziguar a classe trabalhadora e manter o sistema, a acumulação capitalista. 782

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 CONTRADIÇÕES E PERSPECTIVAS Behring (2009) ao terminar sua discussão sobre políticas sociais no contexto de capitalismo, apresentam tendência da Política Social na atualidade. Essas tendências serão discutidas nesse tópico, a fim de que se possa reconhecer as contradições e as possíveis perspectivas das políticas na atualidade. Importante destacar que uma marca apresentada pela autora sobre as políticas é que elas no Brasil, sempre foram pobres para os pobres, ou seja, nunca foram efetivamente assumidas pelo Estado e não tiveram investimentos devidos. Dentre as tendências atuais se destaca a questão da “desresponsabilização do Estado e do setor público com uma política social de redução da pobreza articulada coerentemente com outras políticas sociais (de trabalho, emprego, saúde, educação e previdência)” (BEHRING, 2009, p. 318). O combate as diferentes expressões da questão social, dentre elas a pobreza, não pode ser tratada de forma isolada, pois ela está dentro de um modo de produção capitalista, onde faz-se necessário articular outras políticas e não tratar o combate à pobreza como uma política específica. Por outro lado, é possível constatar a desresponsabilização do Estado e do setor público, visível nos fundos públicos reduzidos, correspondente à responsabilização abstrata da “sociedade civil” e da “família” pela ação assistencial (BEHRING, 2009). Atualmente tem-se fortalecidos os discursos de que as políticas sociais estão em colapso, como por exemplo a Previdência Social e outras. Diante disso, muitos projetos de contrarreforma têm sido apresentados, votados e até aprovados, nas surdinas nas madrugadas, desresponsabilizando sempre mais o poder público pela provisão dos direitos sociais. Nesse cenário enorme relevo é concedido às organizações não- governamentais e ao chamado terceiro setor, que passam a assumir demandas que deveriam ser supridas pelo poder público. Criam-se parcerias, destina-se recursos e responsabilidades a essas organizações, desresponsabilizando o Estado. Diante disso a/o Assistente Social, muitas vezes acaba sendo empregado a essas diferentes organizações, onde acaba por ser um profissional que planeja e executa projetos sociais, uma vez que o “projeto social se tornou uma ferramenta bastante difundida e uma forma alternativa de implantação de novas políticas sociais” (DAMASIO, s/a, p. 09). Ou 783

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI seja, em muitos lugares aos projetos sociais acabam sendo uma alternativa de acesso aos direitos socais da população. Outra tendência ainda a ser constata é que a política social desdobra-se o sistema de proteção social: para aqueles segmentos populacionais que dispõem de alguma renda, há a privatização/mercantilização dos serviços a que podem recorrer; para os segmentos mais pauperizados, há serviços públicos de baixa qualidade (BEHRING, 2009, p. 318). No atual contexto, vê-se cada vez mais a privatização e a mercantilização de serviços e programas que deveriam ser de acesso público, reduzindo a uma população que tem condições financeiras de pagar pelos serviços. Por outro lado, a população empobrecida, fica à mercê, ou com serviços de baixa qualidade, como pode-se constatar no acesso aos serviços de saúde, educação e tantos outros. Já “a política voltada para a pobreza é prioritariamente emergencial, focalizada e, no geral, reduzida à dimensão assistencial” (BEHRING, 2009, p. 318, grifos do autor). Ou seja, a forma como atualmente as políticas sociais vêm sendo planejadas e executadas não visam a transformação social, porém apenas apaziguar a classe trabalhadora através de serviços de cunho puramente assistencial e atualmente vê a volta aos serviços de cunho caritativo. Esse cenário atual apresenta o quando as políticas sociais estão em plena disputa e do quanto a classe trabalhadora precisa ser ciente de seus direitos socais e lutar por eles. Não podemos voltar ao tempo em que as políticas sociais apenas eram garantidas nas legislações e na prática vivia-se relações autoritárias e conservadoras. 3 COMPROMISSO PROFISSIONAL COM A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS ATRAVÉS DAS POLÍTICAS SOCIAIS Diversos autores da área do Serviço Social são unanimes, bem como pesquisas comprovam esses resultados, a política social é a que mais emprega assistentes sociais no Brasil. Porém inicialmente, o Serviço Social era identificado como profissão de ajuda, como um processo de ajuste moral de comportamentos dos indivíduos, desenvolvendo suas potencialidades a fim de ajustá-los à sociedade em que viviam. Ou seja, a profissão nasceu muito imbricada com o sistema político posto, fortemente marcada por um 784

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI conservadorismo, onde somente a ruptura com essa concepção de profissão possibilita a luta pelas políticas sociais e pela efetivação dos direitos sociais. Sendo assim, a partir da Reconceituação tem-se um novo direcionamento no fazer profissional, que está diretamente relacionado com a forma de trabalhar e executar as políticas sociais. O Serviço Social, a partir de seu PEP (Projeto Ético Político), assume um compromisso com um projeto societário, com uma dimensão política no fazer profissional. Ele se constrói nas relações sociais, no movimento das classes sociais, na perspectiva de construir estratégias democrático-popular, ou seja, um projeto de transformação da sociedade. Esse Projeto assumido pela categoria se opõe ao projeto societário neoliberal e se soma às demandas, necessidades e projetos societários advindos das lutas das classes subalternas, da classe trabalhadora. Nesse sentido, o PEP tem desempenhado um papel importante na defesa das Políticas Sociais, dos direitos sociais, da democracia, de combate às desigualdades e de todas as formas de opressão e dominação (TEIXEIRA; BRAZ, 2009). Cabe também o destaque para a presença da profissão na luta pela construção das Políticas Sociais, por exemplo, no caso da Política de Assistência Social. A construção da LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) é fruto de muito tensionamento, estudo e reflexão dos diferentes entes e organizações, onde o CFESS (Conselho Federal do Serviço Social), CRESS (Conselho Regional do Serviço Social), e ABEPSS (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social) se fizeram presente, somando forças e contribuindo na constituição de equipes e comissões. A LOAS somente é aprovada a custo de debates exaustivos, com a participação de diferentes grupos, movimentos sociais (SPOSATI, 2004). Segundo o Código de Ética de 1993 do assistente social, um dos deveres do Assistente Social é: “Empenhar-se na viabilização dos direitos sociais dos/as usuários/as, através dos programas e políticas sociais” (BRASIL, 1993). Nesse sentido, pode-se afirmar que o assistente social enquanto um profissional que trabalha nas diferentes políticas sociais, a partir dos mais diversos vínculos trabalhistas, tem o compromisso ético e profissional de viabilizar e efetivar as políticas sociais. 785

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A breve análise histórica da constituição das políticas socais possibilita reconhecer o cenário de disputa que tem se construído, por vezes com conquistas, outras vezes com percas. A herança colonial tem repercussões na forma como as políticas vão se instituindo e se constituindo, diga-se ainda, na maneira como as mesmas vão se efetivando. Por vezes, ainda se percebe na sociedade uma certa inercia na luta por alguns direitos que estão sendo negados ou até roubados, como os direitos trabalhistas, a Previdência Social dentre outros. Ainda é necessário um maior despertar na luta de classes, na luta pelos direitos sociais. No que se refere as políticas sociais, ainda é importante considerar que o desenvolvimento humano está diretamente relacionado com o crescimento econômico e com a distribuição das rendas de forma que todos tenham acesso aos bens e serviços. Porém o desenvolvimento humano não depende apenas do desenvolvimento econômico, mas do acesso aos direitos de participação, lazer, cultura, autonomia, apropriação cultural, justiça social, educação, saúde, previdência social, dentre outros. Porém esses direitos devem ser assegurados junto com o desenvolvimento das capacidades como condições de liberdade e dignidade humanas. O/a assistente social enquanto trabalhador das políticas públicas, tem um papel importante, sustentado do seu PEP, que tem um direcionamento político que contribui para questionar políticas públicas focalizadas, assistencialistas e tradicionais. Ao mesmo tempo, contribuir na reflexão e na construção de políticas sociais que levem em conta os direitos sociais, reconhecendo as pessoas enquanto sujeitos de direitos. Pode-se dizer que a atuação do/a assistente social, tanto nas políticas socais no âmbito do poder público como do organizações não governamentais, através de projetos sociais, é de grande relevância, uma vez que carrega consigo um conjunto teórico, metodológico e técnico-operativo capaz de compreender a realidade com uma visão crítica e desvelar as demandas, buscando medidas que beneficiem o desenvolvimento social. As tendências atuais das políticas sociais demonstram que ainda não se tem vitória garantida. A Constituição Federal de 1988 foi um grande marco na conquista de direitos sociais, porém é preciso dar-se conta que o cenário político e social muda e com ele se colocam em disputa os rumos das políticas sociais. O avanço de projetos 786

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI neoliberais tem se demonstrado uma verdadeira ameaça a todos os direitos sociais postos. Diante disso é necessário estar vigilante para continuar na luta efetiva pelas políticas sociais já garantidas por lei e pelas que ainda precisam ser conquistadas. Diga- se ainda, é necessário manter firme na luta para que os direitos sociais não permaneçam apenas nas legislações, mas se efetivem na vida da classe trabalhadora. REFERÊNCIAS ABRAMIDES, Maria Beatriz. Lutas sociais e desafios da classe trabalhadora: reafirmar o projeto profissional do serviço social brasileiro. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 129, p.366-386, 2017. BEHRING, Elaine Rossetti. Política Social no contexto de crise capitalista. In: ABPESS, Cfess (Org.). Serviço Social: Direitos e competências profissionais. Brasília: Cfess e Abpess, 2009. p. 301-321. BRASIL. Conselho Federal do Serviço Social. Código de Ética do/a Assistente Social. nº 60. Código de Ética do/a Assistente Social. Brasília, 13 mar. 1993. COUTO, Berenice Rojas. O Direito Social e a Assistência Social na Sociedade Brasileira: uma equação possível? São Paulo: Cortez, 2004. Capítulo II (p. 75-137). DAMASIO, Aline Medeiro. O Projeto Social como resposta à questão social. In: SIMPÓSIO MINEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS, 4., 2016, Belo Horizonte. Anais... . Belo Horizonte: Cress Mg, 2016. p. 1 - 14. Disponível em: <https://cress- mg.org.br/hotsites/Upload/Pics/ff/ff4abc60-cd6e-430b-abe1-cc5c5e7120dc.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2019. MACHADO, Ednéia Maria; KYOSEN, Renato Obikawa. POLÍTICA E POLÍTICA SOCIAL. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 3, n. 1, dez. 2000. Semestral. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c_v3n1_politica.htm>. Acesso em: 23 nov. 2019. MEDEIROS, Najara Sousa. UMA ANÁLISE SOBRE AS POLÍTICAS SOCIAIS DO BRASIL E A “QUESTÃO SOCIAL” NA CONTEMPORANIEDADE. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 6, 2013, São Luís. Anais... . São Luís: Ufma, 2013. p. 1 - 9. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2013/JornadaEixo2013/anais-eixo10- desafiosedimensoescontemporaneasdodesenvolvimentoepoliticaspublicas/pdf/umaan alisesobreaspoliticassociaisdobrasilea_questaosocial_nacontemporaineidade.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2019. PIANA, Maria Cristina. As políticas sociais no contexto brasileiro: natureza e desenvolvimento. In: PIANA, Maria Cristina. A construção do perfil do assistente social 787

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI no cenário educacional. São Paulo: Unesp - Cultura Acadêmica, 2009. Cap. 1. p. 21-56. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/vwc8g/pdf/piana-9788579830389-02.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2019. SENNE, Andressa de. Políticas sociais no Brasil: uma reflexão preliminar. 2017. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Sociais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/2634/senne_andressa_de.pdf?seque nce=3&isAllowed=y>. Acesso em: 23 nov. 2019. SPOSATI, Aldaíza. A meninas LOAS: um processo de construção da Assistência Social. São Paulo: Cortez, 2004. 84 p. TEIXEIRA, Joaquina Barata, BRAZ, Marcelo. O projeto ético-político do Serviço Social. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (Brasil). Serviço Social (Org.). Serviço Social: Direitos Sociais e Competências profissionais. Brasília: Cfess e Abepss, 2009. p. 185-199. 788

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS EMENDA CONSTITUCIONAL 95/2016 E O RETROCESSO DO ACESSO AOS DIREITOS SOCIAIS CONSTITUTIONAL AMENDMENT 95/2016 AND THE RETREAT OF ACCESS TO SOCIAL RIGHTS Suzana Przybyszewski Barros1 RESUMO Tematizando os efeitos da Emenda Constitucional 95/2016 (EC 95/2016) e o congelamento neoliberal dos gastos sociais no contexto de ajuste fiscal ultraliberal sobre o orçamento da Seguridade Social, este artigo aborda as implicações da redefinição do papel do Estado, diante de um ambiente de contrarreforma, de reestruturação produtiva e de rebatimentos sobre o fundo público e políticas sociais. De cunho bibliográfico e documental, este artigo busca analisar alguns efeitos da medida de congelamento proposta pela EC 95/2016 sobre a consolidação e o acesso aos direitos sociais. Como resultado, as aproximações teóricas apresentadas – submetidas à análise qualitativa – permitiram considerar que a referida Emenda Constitucional aprofunda ainda mais a desigualdade no país, pois incide diretamente nas condições de sobrevivência da classe trabalhadora, por meio da redução de gastos com investimentos públicos, precarização das políticas públicas e desmantelamento da rede de proteção social. Palavras-Chaves: Emenda Constitucional 95/2016. Fundo Público. Contrarreforma do Estado. Políticas Sociais. ABSTRACT Thematizing the effects of Constitutional Amendment 95/2016 (EC 95/2016) and the neoliberal freeze on social spending in the context of ultraliberal fiscal adjustment on the Social Security budget, this 1 Assistente Social. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. E-mail: [email protected]. 789

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI article addresses the implications of redefining the role of the State in the face of a counter-reform environment, of productive restructuring and rebates on the public fund and social policies. Bibliographic and documentary, this article seeks to analyze some effects of the freezing measure proposed by EC 95/2016 on the consolidation and access to social rights. As a result, the theoretical approaches presented - submitted to qualitative analysis - allowed us to consider that the referred Constitutional Amendment further deepens the inequality in the country, as it directly affects the working class survival conditions, through the reduction of public investment expenses, precariousness. public policies and dismantling of the social safety net. Keywords: Constitutional Amendment 95/2016. Public fund. Counter- reform of the State. Social policies. INTRODUÇÃO Sob o respaldo do texto constitucional de 1988, o final da década de 1980 foi marcado pela possibilidade de instituição de um Sistema de Seguridade Social, responsável por instaurar um padrão de proteção social potencialmente ampliado, democraticamente estruturado e financeiramente assegurado por características progressivas (BEHRING; TEIXEIRA, 2018). Nesse momento, a Assistência Social, é alçada a condição de direito social e que, devidamente articulada e realizada integralmente com a saúde e a previdência, passa a compor o tripé de um Sistema de Seguridade assentado na universalização do acesso aos direitos sociais. Esse Sistema consagra um modelo de proteção social que vai se aproximar da concepção de Estado Social, nos termos de Boschetti (2016)2, estabelecido nos países de capitalismo central europeu no pós Segunda Guerra Mundial. No entanto, ainda que esse modelo seja reconhecido como um dos avanços do processo de redemocratização da sociedade brasileira, tal reconhecimento não significou que a sua constituição, por si só, pudesse garantir a efetivação dos direitos sociais. Tendo em vista que embora a 2 Referimos aos estudos de Boschetti (2016) que se apropria do termo Estado social como aquele que melhor expressa a natureza do Estado capitalista que surgiu após a crise de 1929 e se expandiu nos países do capitalismo central e periférico após a Segunda Guerra Mundial, assumindo importante papel na regulação das relações econômicas e sociais, tendo por base a constituição de um sistema de proteção social de natureza capitalista, formado por políticas sociais destinadas a assegurar trabalho, educação, saúde, previdência, habitação, transporte e assistência social. 790

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI inscrição de alguns direitos no marco legal tenha apontado para a possibilidade de mudanças, a inserção do Estado brasileiro no ideário neoliberal impôs processos que culminaram na desarticulação e retração dos direitos e gastos sociais. Assim, a perspectiva de universalização e ampliação dos direitos sociais que nortearam a Constituição Federal de 1988, cede lugar às investidas da contrarreforma. Apesar do modelo de seguridade social proposto na Constituição ser democraticamente estruturado e financeiramente assegurado, desde cedo ocorreu o seu desfinanciamento em virtude das políticas contrarreformistas dos governos neoliberais que sucederam ao longo dos anos de 1990. Esse quadro de ataque ao financiamento público incide diretamente sobre a expansão e consolidação dos direitos sociais, pois criou obstáculos para a construção de um sistema de proteção social universal. Obstáculos esses que direcionam uma maior parcela do orçamento da seguridade social para o capital portador de juros, por meio do pagamento de juros e amortização da dívida pública e desoneração das grandes riquezas. Nessa lógica de apropriação do fundo público e expropriação dos direitos da classe trabalhadora, a aprovação da Emenda Constitucional n° 95 de 15 de dezembro de 2016, constitui-se num instrumento perverso de aprofundamento das desigualdades sociais e jogou sobre a classe trabalhadora o ônus das sucessivas crises do capitalismo contemporâneo, resultando em processos de retração e expropriação de direitos. Por certo, essas discussões não passam imunes a um embate desafiador – de ordem teórica, filosófica e política – que, na perspectiva deste artigo, somente podem ser superadas mediante uma análise crítica a partir do método dialético marxiano. É por tal constatação que este estudo busca, a partir das particularidades anteriormente descritas, identificar os efeitos da EC n° 95/2016 sobre a consolidação e acesso aos direitos sociais, perpassando pela trajetória de implementação do neoliberalismo no Brasil a partir dos anos de 1990. Em termos metodológicos, este estudo se apropriou de elementos das pesquisas bibliográfica e documental, buscando agregar um maior número de informações, reunidas a partir de um acervo teórico, conceitual e histórico que permitiu contribuir para o avanço do conhecimento teórico acerca do tema proposto, nos termos de Marsiglia (2011). O recurso às fontes bibliográficas priorizou a produção teórica publicada em livros, artigos científicos, teses e dissertações que permitiram estabelecer 791

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI uma reflexão crítica acerca do tema, mediante a fidedignidade ao conteúdo das obras utilizadas (DESLANDES; GOMES; MINAYO, 2013). 2 ESTADO SOCIAL NO BRASIL: entre a universalidade e a seletividade Com o processo de redemocratização no Brasil, tem-se um avanço na direção da universalização dos direitos com a promulgação da Constituição Federal de 1988. E dadas às particularidades de nossa formação política, social e econômica, pode-se dizer que se ensaiou uma aproximação ao Estado social, estabelecidas nos países do capitalismo central europeu, após a Segunda Guerra Mundial. Sobre esse momento – que é de redefinição e retomada do Estado democrático de direito –, Behring (2008) afirma que a elaboração e a definição da Constituição foram tensionadas por conflitos de projetos e interesses antagônicos. Sendo assim, o texto constitucional é reflexo dessa disputa, contemplando avanços em aspectos importantes e manutenção de aspectos conservadores em outros (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Apesar das disputas entre projetos políticos diferenciados na Constituição promulgada em 1988, são colocadas orientações em busca da universalidade de acesso aos direitos e a ampliação da cidadania. Desse modo, constituiu-se como uma “[...] possibilidade de instituição, no Brasil, de um amplo sistema de seguridade social, democraticamente estruturado e financeiramente assegurado por características progressivas [...]” (BEHRING; TEIXEIRA, 2018, p. 01). Nesse contexto, o sistema de Seguridade Social brasileiro emerge como um sistema de coberturas sociais que podem alcançar a população em seu ciclo de vida, sua trajetória laboral e em situações de parco acesso aos meios de subsistência (BEHRING, 2018). Destaca-se que o sistema protetivo que se estabelece prevê a proteção de toda a sociedade dos riscos impostos pela economia de mercado. Além de impor a centralidade da responsabilidade do Estado na regulação; normatização; proposição e implementação das políticas públicas no âmbito da proteção social (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Entretanto, a Constituição é promulgada num momento de readequação do papel do Estado, de mundialização do capital e de reestruturação produtiva. E, a partir dos anos de 1990, a perspectiva de universalização e ampliação dos direitos sociais passa 792

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a sofrer duros ataques nos marcos da contrarreforma do Estado 3, quando o Brasil, mais uma vez, adapta-se às imposições do capitalismo mundial que exige uma maior integração – cada vez mais subordinada – do país à ordem mundial (BEHRING, 2008). A experiência de construção da seguridade social na direção constitucional do direito universal de cidadania é atacada através da implementação de uma pauta regressiva no país que reverte às tendências democratizantes e expectativas redistributivas dos anos 1980 (BEHRING, 2008). E em razão da inserção do Estado brasileiro na impactante e contraditória política econômica neoliberal ocorrem processos de desarticulação, desmontagem e retração dos direitos e investimentos sociais, desse modo, os objetivos previstos na seguridade social vão encontrar entraves à sua consolidação (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Essa conjuntura se insere num momento de abandono do pacto keynesiano nos países centrais, de reestruturação produtiva e reordenamento das relações capitalistas entre as economias centrais e periféricas. Somam a esses elementos a pressão do Consenso de Washington4 pela limitação da intervenção do Estado e realização de reformas neoliberais, como também as imposições estabelecidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial aos países periféricos (BEHRING, 2018). Temos então uma reformatação do Estado brasileiro para a adaptação passiva à lógica dos organismos internacionais aos desígnios do capital financeiro e do ideário neoliberal. Essa reformatação do Estado se dá no sentido de diminuir o papel deste na regulação social e incide diretamente sobre a materialização do acesso aos direitos sociais. Assim, as imposições neoliberais aos países da periferia do capital culminaram em um novo padrão da relação do Estado com a sociedade civil, com fortes implicações para as políticas públicas e sociais que desestruturam as conquistas do período de redemocratização e recaem, principalmente, sobre os direitos sociais (BEHRING, 2018). 3Behringh e Boschetti (2011) afirmam que o termo ‘reforma’ utilizado para designar o projeto neoliberal impostos aos países da periferia do capital se tratou de reformas orientadas para o mercado, portanto, refere-se a uma apropriação indébita e fortemente ideológica da ideia reformista, destituída de seu cunho redistributivo social- democrata submetida ao uso pragmático, como se qualquer mudança, seja qual for seu sentido e direcionamento, significasse uma reforma. 4 Esse consenso se estabelece a partir de um seminário realizado na cidade de Washington – EUA em janeiro de 1993 em que se reuniram executivos do governo, dos bancos multilaterais, empresários e acadêmicos de 11 países para discutir o texto de John Williamson sobre os passos políticos necessários para a implementação de programas de ajuste fiscal e econômicos dos países de economias dependentes, sobretudo na América Latina Behring (2008). 793

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Nessa mesma direção, Druck e Filgueiras (2007, p. 28) afirmam que a implementação e consolidação do neoliberalismo no Brasil a partir dos anos 1990, colocaram em questão, em primeiro lugar, a ampliação dos direitos garantidos na nova Constituição e, posteriormente, todo e qualquer direito em nome de ajustes fiscais (déficit público) e combate à inflação. Esse quadro impôs aos trabalhadores perdas no campo do trabalho e dos direitos sociais, através das imposições dos compromissos firmados pelos governos nacionais com o pagamento da dívida pública. Induzindo, dessa forma, a processos de retração e expropriação de direitos, que alteraram profundamente o sentido e significado do Estado Social (BOSCHETTI, 2016). Sob tais condições, essas medidas de contrarreforma remodelam as políticas sociais, mediante “reformas” constitucionais que reduzem ou suprimem direitos constituídos ao longo de décadas. Nesse sentido, as políticas sociais se transformam em ações pontuais e compensatórias, assentadas no trinômio: privatização, focalização/seletividade e descentralização (desconcentração e desresponsabilização). Os direitos mantidos pela seguridade social passam a se orientar pela seletividade e privatização, em detrimento da universalidade e estatização (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). 2 CONTRARREFORMA E APROPRIAÇÃO DO FUNDO PÚBLICO Como vimos, o processo de construção da seguridade social brasileira se deu mediante uma conjuntura bastante adversa, constituída por transformações econômicas no capitalismo central e, tensionada pela consolidação do modelo neoliberal, pelas estratégias de mundialização e financeirização do capital. Enfrentando também a rearticulação do bloco conservador com a eleição de Fernando Collor de Mello como presidente do Brasil (YAZBEK, 2012). O governo Collor foi baseado na adequação destrutiva à nova ordem mundial, por meio da adoção da política econômica neoliberal de cortes, da implementação da reforma administrativa, cujo mote se assenta na diminuição dos gastos com o setor público e nas privatizações. Ademais, preconizou reformas orientadas para o mercado, racionalização da máquina pública e mostrou desinteresse total em avançar no reconhecimento dos direitos constitucionais (BEHRING, 2008). 794

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Foi no governo do sucessor de Collor, após o seu pedido de impeachment, que o país entrou no Plano Real em 1994, o marco do neoliberalismo no Brasil, que alçou seu idealizador Fernando Henrique à presidência em 1995 (BEHRINGH, 2018). Será no governo de Fernando Henrique, tendo Bresser-Pereira no comando do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), que foi formulado o documento orientador das reformas impostas ao Estado no período, o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Nesse documento, foram dadas as diretrizes para a contrarreforma do Estado, no sentido de retirá-lo da esfera produtiva, criando uma conjuntura adequada, por exemplo, para as privatizações através de campanha na mídia que as justificavam. Para além das privatizações a política econômica foi fundada nas desvinculações orçamentárias, no superávit primário, na Lei de Responsabilidade Fiscal, na prática de juros altíssimos, e no pagamento de encargos e amortizações da dívida pública que corroeu aceleradamente os meios de financiamento do Estado e lançou o país nas mãos dos especuladores financeiros (BEHRING, 2018). Esse quadro em conjunto com o discurso da reforma, que procuraram justificar o seu caráter irreversível e urgente e ocultavam a centralidade no ajuste fiscal, se configura como uma forma engenhosa de privatização e desresponsabilização do Estado em relação às políticas sociais que se soma ao desprezo pelo padrão constitucional de seguridade social (BEHRING; BOSCHETTI, 2011). Behring (2018) esclarece que ao contrário do discurso propagado, a reforma neoliberal teve baixo impacto em termos de aumentar a capacidade de implementação eficiente de políticas públicas e que isso ocorreu ao mesmo tempo em que houve o crescimento do desemprego e da pobreza, aprofundados pela macroeconomia do Plano Real, sobretudo a partir de 1999. Em consonância, Yazbek (2012) afirma que a adequação brasileira ao contexto da reestruturação produtiva e mundialização, a partir do Plano Real, impactaram de forma negativa a articulação trabalho, direito e proteção social pública e atingiram duramente o trabalho assalariado e as relações de trabalho, levando à redefinição do sistema de proteção social vigente. Em relação aos governos petistas, este estudo coaduna com a hipótese sustentada por Behring (2018), de que, apesar dos deslocamentos em relação às orientações mais duras do Consenso de Washington, esses governos indicam 795

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI continuidade do mesmo modelo econômico, da mesma política macroeconômica e social e a permanência, ao longo de todo o período, do mesmo bloco de poder dominante, que mantém como direção política, o capital financeiro. Tanto que o governo Lula manteve o modelo de desenvolvimento dominado pela lógica financeira e deu continuidade as reformas neoliberais, como a da previdência dos servidores públicos e sinalizou positivamente para a reforma da legislação trabalhista. Ademais, manteve ainda intocado o mecanismo de desvinculação entre receitas e despesas que, desde 1994, permite o uso de 20% do total de impostos e contribuições federais, de acordo com o interesse político, reduzindo os recursos para a política social. Esse mecanismo, inicialmente, sob a nomenclatura de Fundo Social de Emergência, foi rebatizado como Fundo de Estabilização Fiscal e mais tarde como Desvinculação da Receita da União (DRU), consolidando-se ao longo dos anos como um eficiente mecanismo de apropriação do fundo público (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007). Dessa maneira, em diversos contextos de ajuste fiscal e de permanente contrarreforma do Estado são apresentados instrumentos, formas e manobras para se desvincular recursos das fontes tributárias de interesses exclusivos da seguridade social (SALVADOR, 2017). Ainda que a economia política dos governos Lula, continuada em linhas gerais no governo Dilma, tenha impactado materialmente na vida daqueles que viviam em condições extremadas de pobreza, estes não foram impactados por meio da expansão dos direitos universais, pois a política social é presidida pela focalização com forte seletividade e baixo custo na contramão da universalização (BEHRING, 2018). Como se vê, o ajuste fiscal sempre esteve na pauta e justificativas dos governos como forma de se alcançar a estabilidade econômica e delinearam a trajetória da seguridade social no Brasil. Já que, somente a partir da Constituição de 1988, essa passa a ter uma perspectiva universalista e redistributiva de proteção social, mas desde então seu orçamento é tensionado por meio do estrangulamento de seu financiamento. O que não poderia ser diferente, porque a seguridade social, núcleo central do Estado Social no capitalismo, sempre foi alvo dos ataques do capital, devido ao enorme montante que mobiliza (BEHRING; TEIXEIRA, 2018). São os recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das contribuições sociais que formam o fundo público da 796

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Seguridade Social com o intuito de superar a tradição fiscal brasileira de insuficiência de recursos para as políticas sociais. Nos moldes constitucionais, este fundo exclusivo seria responsável por canalizar os recursos próprios direcionados para cada área que a compõe. Assim, ocuparia um papel importante na articulação das políticas sociais, envolvendo toda a capacidade de mobilização de recursos que o Estado tem para intervir na economia e nas políticas públicas (SALVADOR, 2017). Entretanto, na contramão dessa materialização, o ajuste fiscal em curso desde 1993, tem na DRU um instrumento importante para transformar recursos das fontes tributárias exclusivas da seguridade social em recursos fiscais para a composição do superávit primário e priorizar o pagamento dos juros da dívida pública. Nesse sentido, o volume de recursos retidos para a formação do superávit primário tem impactado na redução dos gastos sociais, priorizando-se a política econômica em detrimento da política social, ainda mais com a prorrogação da vigência DRU para 2023, como também o aumento de seu percentual de desvinculação de 20% para 30% do total de receitas (BEHRING; TEIXEIRA, 2018). Ademais, Salvador (2017) afirma que outro instrumento que agrava a retirada de recursos de financiamento da seguridade social são as renúncias tributárias sobre as contribuições sociais concedidas pelo governo. Com o acirramento da crise do capitalismo, a exemplo da crise de 2008 e seus efeitos no Brasil, o governo federal vem adotando como estratégia de socorro ao capital a concessão de incentivos fiscais a empresas sem a exigência de contrapartidas sociais. Em suma, a expansão e a consolidação dos direitos sociais têm sido reféns da transferência de fundo público, cuja maior expressão é a apropriação de parte dos recursos do orçamento público pelo capital portador de juros, por meio do pagamento de juros e amortização da dívida pública. Do mesmo modo que o orçamento público no capitalismo brasileiro, como refém dos rentistas do capital financeiro, tem obstaculizado a construção de um sistema de proteção social mais universal (SALVADOR, 2017). 3 CONGELAMENTO DOS GASTOS SOCIAIS: emenda constitucional 95/2016 Desde a crise de 2008 nos países centrais, os acordos e coalizões dos governos petistas ficaram fragilizados e tiveram como desfecho um golpe que levou ao 797


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