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EIXO 2 - Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:22:43

Description: Trabalho, Questão Social e Políticas Públicas

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Keywords: Work; Philanthropic Institutions; Social Worker. INTRODUÇÃO As mudanças do capitalismo contemporâneo atravessam fortemente a classe trabalhadora no que se refere à redução de direitos sociais, aumento dos níveis de desemprego, nos baixos salários e na fragmentação da classe, dificultando a possibilidade de organização. Atualmente, no Brasil, vivemos um contexto de oficialização da desregulamentação do trabalho e de empobrecimento da classe trabalhadora, uma ação política, econômica e cultural de cunho conservador. Nas formas de mercantilização do trabalho, no caso brasileiro, encontram-se condições de desigualdades marcadas por uma vulnerabilidade estrutural, caracterizada por uma ofensiva do capital contra os/as trabalhadores/as que se configuram com formas de inserção precárias, sem proteção social, salários baixos (ANTUNES; DRUCK, 2015). O atual cenário, que tem se potencializado no contexto da pandemia, é de construção de um desmonte das políticas sociais, com o discurso baseado na crise econômica que abre espaço para exigências de “flexibilização” das relações de trabalho, com a legitimação do Estado em favor do capital (SANTOS; STAMPA, 2017). Desta forma, a precarização do trabalho no Brasil tem a terceirização como fenômeno central, onde os trabalhadores ficam mais expostos a acidentes de trabalho e são excluídos de auxílios comuns aos outros trabalhadores, ou seja, trabalham mais e ganham menos (ANTUNES; DRUCK, 2015). Além de a terceirização ser, por si só, um problema enorme para a classe trabalhadora, no que consiste aos demais elementos da reforma trabalhista em curso, em novembro de 2017, tivemos alterações de mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a “flexibilização” do contrato de trabalho e a legalização de novas formas de trabalho. A “reforma” possibilita a negociação de direitos, antes garantido por lei, entre patrões e empregados, como, por exemplo: hora de almoço, jornada de trabalho e trabalho em ambientes insalubres. Um claro retrocesso e ataque à proteção social do trabalho que, somado às condições já precárias de trabalho, nos leva ao caminho de miserabilidade para a classe trabalhadora. 998

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A “Reforma” da Previdência, não leva em conta que vivemos em tempos de trabalho precário e informal, ainda mais junto à regulamentação da lei da terceirização. No caso das mulheres, o panorama parece mais desanimador, por possuírem jornada dupla de trabalho, ocuparem, em sua maioria, postos de trabalho precarizados e de remuneração inferior à dos homens. Com esse cenário desolador no “mundo do trabalho” no Brasil, várias questões podem ser levantadas e colocadas para reflexão, mas o objetivo deste ensaio está em pensar o assistente social como trabalhador assalariado, exposto ao processo dessas mudanças, onde seus direitos são atravessados pela “flexibilização” e precarização do trabalho, o que resulta no aprofundamento das expressões da questão social e, na sua prática profissional, limitada muitas vezes pelas instituições ao trabalho burocrático e administrativo. 2 REINVENÇÃO PROFISSIONAL EM INSTITUIÇÕES FILANTRÓPICAS É histórica a condição em que a profissão de Serviço Social é submetida para intervir sobre as ofensivas neoliberais. Condições que levam os profissionais a permanecerem em um constante desafio em seu cotidiano de trabalho, pois, ao mesmo tempo em que precisam exercer, ética e politicamente, seu compromisso com a classe trabalhadora, o assistente social também se encontra no lugar de trabalhador assalariado para dar conta de suas condições de subsistência. Nesse sentido, seus espaços ocupacionais têm apresentado demandas inerentes à sustentação de interesses institucionais que se tornam maior que a prioridade no atendimento aos próprios usuários dos serviços. Sim, o mundo da oferta dos serviços tem aumentado e fragmentado cada vez mais a intervenção profissional. Contudo, esse cenário é resultado de algo maior como, a radicalização do capital, adensamento da pobreza e o desmonte das políticas públicas. Esse contexto traz à tona, também, o debate da autonomia relativa do assistente social, condicionada a determinações econômicas, políticas e culturais. Para isso, Raichelis (2018), reafirma o status de autonomia profissional do assistente social enquanto classe balizada em um Código de Ética, profissão que se autorrepresenta e possui um direito próprio de se portar sem qualquer interferência externa. Contudo, 999

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI essa autonomia construída se torna relativa ao fazer parte da reprodução capitalista, como trabalho assalariado e também precário, em situações de contratos que extinguem os direitos trabalhistas e demais concessões referentes à venda da força de trabalho. Dessa forma, compreender como as mudanças capitalistas, dentro do mundo do trabalho têm afetado o Serviço Social, particularmente em suas requisições profissionais, é o ponto inicial para avançar na compreensão da profissão enquanto categoria inserida na divisão social e técnica do trabalho, como bem explicitam Iamamoto e Carvalho (2009). Os desdobramentos do trabalho profissional do assistente social na atualidade, em especial, nas Entidades Filantrópicas, enquanto espaço de tensionamentos e contradições da Sociedade Civil na implementação de políticas públicas, são espaços apropriados por estratégias capitalistas para materialização, por exemplo, da refilantropização das políticas sociais. Dentro de todas as contradições das Instituições Filantrópicas, permanece o fato de que estas têm sido pouco debatidas pelo Serviço Social, e os profissionais inseridos nesses espaços tentam dar conta da demanda buscando capacitações de “como fazer”, para atender às demandas institucionais. Apesar de as normatizações do Serviço Social oferecerem um caráter diferenciado para o assistente social, definindo um lugar distinto que o leva a gerenciar, muitas vezes, a aplicabilidade das legislações, pouco há o debate crítico sobre esses tensionamentos. Desde a década de 1990, o Estado brasileiro vem reforçando a parceria público- privada na implementação das políticas sociais, o que Yazbek (1995) chamou de refilantropização. O exemplo disso são as Instituições Beneficentes da Assistência Social que ofertam serviços na área da Educação, Assistência Social, Saúde e demais ações complementares às políticas públicas, com a contrapartida da subsidiariedade. Tais Entidades se potencializam nesse contexto de “retirada” das conquistas dos trabalhadores, do Estado, sem causar um caos social, passa também por estratégias que visam “deslegitimar e esvaziar os direitos sociais e particularmente o recorte das políticas sociais, fomentando-se a partir de parcerias o crescimento da atividade do chamado Terceiro Setor, dessa miscelânea de indivíduos, empresa e ONGs” (MONTAÑO, 2007, p. 225). Portanto: 1000

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI [...] nos anos [19]90, a enorme expansão das ONGs [...] deveu-se ao campo vazio que deixa paulatinamente o Estado e ao estímulo e financiamento estatal dessas organizações, mediante as chamadas “parcerias”. O Estado fornece a essas organizações crédito fácil, isenção fiscal, facilidades legais, destina recursos financeiros, materiais e humanos. (MONTAÑO, 2007, p. 225). Nosso debate avança para a compreensão do trabalho do Serviço Social, nesse campo de atuação, junto, ainda, à compreensão das mudanças capitalistas e seus desdobramentos. Portanto, a compreensão sobre o trabalho do Serviço Social inserido no atual “mundo do trabalho” se constitui como elemento central das nossas reflexões. E, como elemento principal da sociedade capitalista, a venda da força de trabalho, também é inerente ao assistente social. Por isso, problematizar seus espaços ocupacionais como trabalhador assalariado e como produtor e reprodutor das relações sociais, torna-se indispensável. Iamamoto e Carvalho (2009) apontam a necessidade de investigação do trabalho do assistente social na esfera capitalista demarcando que a demanda, em torno de seu exercício, não está diretamente ligada à produção de conhecimento, mesmo sendo reconhecida como uma prática científica, nas ciências sociais aplicadas, não deixa de ser fundamentalmente um trabalho. E, sendo fundamentalmente uma profissão assalariada, atravessada por questões da própria lógica da sociedade capitalista, como trabalhador assalariado, fragmentado e demandado às diferentes funções laborativas, permanece em uma linha tênue entre sua necessidade de reprodução social e profissional especializado com atribuições específicas de atuação. Sua prática, se não refletida constantemente, acaba por se perder dentro dessa dominação, enquanto trabalhador alienado. Por sua condição de trabalhador assalariado o assistente social também se submete à instituição, entra em conflito com a questão de sua autonomia (relativa) e do hiato entre a intencionalidade progressista dos profissionais e a atuação conservadora. “Sendo o assistente social um trabalhador assalariado, vende sua força de trabalho especializada aos empregadores, em troca de um equivalente expresso na forma monetária, expresso no preço da sua força de trabalho, o salário ou proventos” (IAMAMOTO, 2009, p. 351). Nesse contexto, o assistente social vem ocupando espaços privados no exercício de seu trabalho. Um espaço tradicional “imbuído dos princípios da 1001

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ajuda e solidariedade e que pode levar à desprofissionalização do atendimento social” (ALENCAR, 2009, p. 12). Tendo o Serviço Social nas últimas décadas passado pelo processo de reavaliação do seu trabalho, no qual ganhou sua maturidade teórica e construiu um projeto político profissional de caráter progressista, hoje, opera na perspectiva do direito, baseado no movimento histórico da sociedade em que concebe as políticas sociais não mais como benesse ou favor. Porém, ao trabalhar nos espaços filantrópicos e confessionais, o profissional se depara em um campo de tensão com as antigas práticas assistencialistas nos moldes iniciais à gênese da profissão, quando era ofertada pela Igreja Católica, pois, ainda hoje, a assistência está fortemente vinculada ao conservadorismo dentro desses espaços. O trabalho do assistente social atravessa formas distintas de enfrentamento em relação às situações apresentadas no cotidiano, especificamente nas Organizações da Sociedade Civil. A particularidade dessa intervenção está em trabalhar com as políticas sociais, enquanto complementares de acesso aos direitos, em instituições confessionais que têm sua construção histórica baseada na “ajuda ao próximo” e na pobreza enquanto atraso e responsabilidade individual. Situar a relação do direito social nesses espaços requer uma leitura crítica da realidade política, social e econômica e da própria profissão de Serviço Social. Portanto: O Serviço Social insere-se na sociedade capitalista entre a produção, a reprodução da força de trabalho e do capitalismo e a distribuição desigual da riqueza produzida nesse processo; entre a necessidade de ações públicas e/ou privadas que respondam às expressões da questão social e o planejamento e/ou implantação dessas ações em seus locais de trabalho. Netto (1996, p. 122) afirma que os segmentos profissionais têm sido levados a valorizar, quando não a priorizar, as chamadas ONGs como espaço profissional. (ANDRADE, 2012, p. 73). Isto porque, nos anos de 1990, esse setor se amplia de forma a concentrar boa parte dos serviços públicos destinados à população. É nessa década também que há a intensificação das expressões da questão social como produto da crise capitalista, que traz em seu bojo, ações geradoras do aumento da pobreza. Com isso, o Serviço Social, enquanto profissão emergida e mantida em função dos conflitos de classe, para mediar seus tensionamentos, é demandado a ocupar esses espaços da sociedade civil, para onde a política pública direciona a população para atender suas necessidades. Logo, as 1002

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI organizações não governamentais começam a ser valorizadas por esses profissionais como mais um espaço sócio-ocupacional. A profissão, desde sua institucionalização até os dias atuais, passou por mudanças profundas, iniciando pelo conhecido “Movimento de Reconceituação” na América Latina nos anos de 1960 e avançando até a década de 1980. Lopes (2016) aponta que o movimento “foi de grande relevância no despertar para questões cruciais no exercício da profissão nas sociedades de capitalismo dependente e profundamente desiguais”, como a América Latina. Seu principal objetivo foi se apropriar de uma consciência crítica de realidade social e econômica, por meio de uma formação desvinculada do caráter pragmático3 europeu e norte-americano. Esse marco de transformações foi essencial para a categoria compreender o significado social da profissão. A partir daí, foram desencadeados processos de maturação do Serviço Social, quando já firmando seu compromisso com a classe trabalhadora. Esse compromisso se consolida de fato no final da década de 1970 e início dos anos de 1980, quando se dá o processo de luta por redemocratização e por melhores condições de vida da população brasileira (LOPES, 2016). Os principais avanços, ainda nessa nova era do Serviço Social crítico, consistiram na revisão do seu Código de Ética de 1986, que não atendia mais às exigências sociais atuais e, como resultante, deflagrou no Código de Ética de 1993. Barroco e Terra (2012) apontam o processo de revisão a partir de dois níveis, reafirmando os valores fundamentais: como o primeiro, a liberdade e o segundo, a justiça social. Contudo, os articulou à democracia como valor ético central, pois compreenderam ser esse o caminho adequado para assegurar seus valores essenciais como liberdade e equidade. É no cenário de ressignificação das políticas sociais, a partir dos anos de 1990, que observamos o trabalho do Assistente Social com um recorte para as Organizações da Sociedade Civil, quando, a partir das novas estratégias capitalistas para atender às demandas sociais da população, ocorre a ampliação de atuação das organizações não governamentais. Configura-se também a intensificação do Serviço Social na ocupação 3“É importante demarcar que o pragmatismo é inerente à ideologia burguesa e sua superação está vinculada à da formação social, o capitalismo, que sustenta essa ideologia e é por ela sustentada. Com essa premissa, entendo que continua necessário o aprofundamento dos estudos e da crítica ao pragmatismo e, particularmente o pragmatismo no Serviço Social, em cuja definição da natureza e identidade a intervenção é central” (ABREU, CARDOSO e LOPES, 2014 apud LOPES, 2016, p. 321). 1003

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desses espaços, a fim de operacionalizar os serviços sociais. Contudo, apresentam-se desafios atuais que nada mais são do que os “velhos” problemas gerados pela acumulação capitalista, porém, em seu estágio mais avançado. E, como reafirma Andrade (2012), o Serviço Social não surge de práticas caritativas e filantrópicas, tampouco evolui a partir destas, porém permanece presente nesses espaços sócio- ocupacionais que se ampliam nos anos de 1990. Sobre a questão Alencar (2009) aponta que: O conjunto de mudanças no padrão de resposta à questão social nas últimas décadas tem implicado o reordenamento do espaço socioprofissional, à medida que reconfigura de forma significativa o campo das políticas, mediante as tendências de privatização, mercantilização e refilantropização das formas de enfrentamento da “questão social”. (ALENCAR, 2009, p. 11). A autora demarca ainda que nos espaços das Organizações da Sociedade Civil, ao assistente social, têm sido demandadas novas configurações de trabalho como elaboração de projetos sociais, gestão de programas sociais, o que vai implicar na competência no campo do planejamento e avaliação de políticas públicas. A partir dessas ações se ampliam os espaços para gerência dos programas e projetos e o profissional passa a ter a necessidade de se dedicar quase que exclusivamente ao conhecimento de legislações e acompanhamento de suas atualizações, bem como se dedicar a análises de diagnóstico social, relações institucionais, orçamento público e captação de recursos. Há também a tendência do profissional ser solicitado ao gerenciamento de Recursos Humanos, na contratação e avaliação de outros profissionais, bem como prestar assessoria e consultoria aos gestores que administram os setores públicos e privados. Tão próxima dessas ações está a nossa experiência profissional, como assistente social de Entidades Filantrópicas da Assistência Social. O cotidiano de trabalho nessas instituições possui tendência ao tecnicismo em oposição à reflexão crítica, há uma percepção limitada da política social como política de direitos e uma permanência das ações compreendidas como condicionantes para o funcionamento e permanência dessas instituições. A política social não é identificada como elemento para transformação do real e, sim, para subjugar a pobreza. 1004

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Outro fator que condiciona nosso trabalho nesses espaços é a “obrigatoriedade” de se contratar o assistente social, devido suas atribuições privativas em analisar os fatores socioeconômicos e a dinâmica da realidade social. Contudo, há a cooptação da autonomia profissional como, por exemplo, a seletividade em atender aos usuários. As requisições, ainda, circulam entre a elaboração de projetos para captação de recursos e manutenção da regularidade institucional, por meio dos certificados em dia. Diante disso, o profissional do Serviço Social precisa estar atento a sua real função social, que busca a implementação da política e dos serviços como direitos conquistados, mesmo com suas contradições, e, assim, trazer o tensionamento para esses espaços. Concordamos com Iamamoto (2015) que: Pensar o Serviço Social na contemporaneidade requer os olhos abertos para o mundo contemporâneo para decifrá-lo e participar da sua recriação. Um grande pensador alemão do século XIX dizia o seguinte: “a crítica não arranca flores imaginárias dos grilhões para que os homens suportem os grilhões sem fantasia e consolo, mas que se livrem deles e possam brotar as flores vivas” (MARX, 1977). É esse o sentido da crítica: tirar as fantasias que encobrem os grilhões para que se possa livrar deles, libertando os elos que aprisionam o pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais. (IAMAMOTO, 2015, p. 19). Não obstante as inúmeras disputas apresentadas, o assistente social permanece sendo contratado nesses espaços. Para dar consistência ao diálogo com os autores partimos de alguns pressupostos que rementem ao trabalho do assistente social nesses lugares, tais como: às ações burocráticas, conservadoras e legalistas4, nas quais se concentraram nossas inquietações sobre o trabalho profissional em Instituições Filantrópicas. Há limites para os profissionais se posicionarem como sujeitos de suas ações dentro dessas Instituições, acabam construindo intervenções pontuais por sofrerem os ataques neoliberais. Os avanços são delicados, no que diz respeito a sua articulação com o projeto ético político profissional. Nesse sentido, Moraes (2015) traz reflexões acerca da dimensão investigativa no trabalho profissional, por meio de suas pesquisas, que apontam a relevância da compreensão institucional e suas correlações de forças. Isso compreende as condições de trabalho do assistente social. Portanto, mesmo com tais 4Onde o espaço sócio-ocupacional das Organizações da Sociedade Civil direciona o profissional a buscar somente o “como fazer”, portanto, o profissional permanece se preocupando em “aprender leis” para manter a regularização das Entidades. 1005

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI limites, o autor alerta que a dimensão investigativa é imprescindível ao profissional para pensar e repensar sua atuação visto que: A esse respeito, é fundamental compreender que a realidade de trabalho profissional é determinada por múltiplas forças e expressões, frutos do ideário, das ações e ataques neoliberais que, muitas vezes, aprisionam os profissionais em suas amarras. Enfrentar o caos expresso na microrrealidade em que se encontra o assistente social vai exigir não apenas um arsenal teórico – metodológico, mas também resistência aos ataques a sua própria intelectualidade e criticidade, bem como, as limitações (re) construídas diariamente pela realidade capitalista, que o desafia a não ser crítico, propositivo e comprometido. (MORAES, 2015, p. 308). Assumir e incorporar a dimensão investigativa no trabalho profissional, além de ser parte das atribuições privativas, contribui no pensar as ações favorecendo tanto à categoria quanto aos usuários dos serviços. Contribui também para a produção de conhecimentos em várias realidades, rompe com o conservadorismo e fortalece o fazer profissional. A análise não objetiva individualizar o fenômeno, mas reconhecer esse sujeito profissional rechaçado no contexto da reprodução da força de trabalho, no qual os serviços têm se tornado cada vez mais mercadorias como, por exemplo, a educação. Ora, como estão, hoje, os espaços de formação desses profissionais? Como está a inserção profissional nos espaços públicos? Há oferta de concursos? Essas questões são inquietações que precisamos também problematizar como exercício para a não individualização da questão social, pois o assistente social também faz parte da classe trabalhadora e sofre com a precarização do trabalho. Alguns elementos resultantes de nossas pesquisas apontam que, nesses espaços, as tensões passam, também, tanto pelos limites do “por que fazer”, concentrando-se em “como fazer”, quanto pela questão de o profissional ser “aceito” na instituição, pois a necessidade dessa aceitação implica em ter um trabalho, mesmo que precário, porém o importante é estar inserido no mercado buscando garantir sua subsistência. Não desqualificando o profissional, mas problematizando as configurações atuais do trabalho que também impactam no Serviço Social, por ser classe trabalhadora e um dos elementos da reprodução da força de trabalho. O profissional fica rechaçado às burocracias, não problematizando a matéria-prima de seu trabalho, pois a demanda é: estudar e implementar Leis. 1006

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 CONCLUSÃO O Serviço Social, mesmo sendo uma categoria que tem seu projeto de sociedade pautado na justiça e equidade social, passa por situações adversas nos espaços ocupacionais como sua própria intervenção, por exemplo, de forma a corroborar com uma leitura pragmática da demanda social. Nesse direcionamento, suas requisições respondem ao cenário contemporâneo no bojo das (contra)reformas do Estado. O adensamento da mão de obra técnica e burocrática demonstra um indicador importante da reprodução do capital se utilizando tanto da fragilidade na formação profissional, com o aumento do contingente da Educação a Distância (EaD), como no fortalecimento dos espaços da Sociedade Civil na oferta das políticas sociais, com seus projetos e demais ações caracterizadas como “responsabilidade social”. Os Assistentes Sociais estão nestas Instituições, em um espaço privilegiado, pois sua contratação independe da vontade da Entidade empregadora. E, a partir do momento em que são contratados, já o faz com reconhecimento de um saber, uma capacidade técnica que a Instituição não possui. Contudo, os profissionais nelas inseridos seguem por um caminho frágil em suas intervenções, mesmo considerando todas as mudanças no mundo do trabalho e constante reprodução do capital. Supõe-se que essa fragilidade passa pela formação, como também a necessidade de manterem seus respectivos trabalhos, considerando essas entidades como grandes empregadoras dos Assistentes Sociais. O Serviço Social, hoje, mais do que nunca, enfrenta os rebatimentos das estratégias neoliberais como produto da radicalização do capital. Isso repercute tanto na formação crítica dos profissionais, quanto em seus espaços sócio-ocupacionais. As bases conservadoras da profissão têm sido impulsionadas com mais intensidade nos espaços das Organizações da Sociedade Civil, como as Entidades Confessionais, por exemplo. Essas instituições avançaram no sentido de se fortalecerem legalmente enquanto lócus de ofertas de serviços complementares às políticas sociais. Dessa forma, acreditamos na hipótese de que requisições profissionais nas Entidades Filantrópicas estão claras e gritantes de atenção para um debate crítico de qualidade do Serviço Social. 1007

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI REFERÊNCIAS ABREU, Marina Maciel. A formação profissional em Serviço Social e a mediação da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS): as diretrizes curriculares/1996 em relação à perspectiva emancipatória no âmbito do avanço do conservadorismo. In: SILVA, Maria Liduína de Oliveira e (Org.). Serviço Social no Brasil: história de resistências e de ruptura com o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016. ALENCAR, Monica Maria Torres de. O trabalho do assistente social nas organizações privadas não lucrativas. In: CFESS, ABEPSS (Org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, ABEPSS, 2009. ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira de. Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero. In: CRESS (Org.). Projeto ético político e exercício profissional em Serviço Social: os princípios do código de ética articulados à atuação crítica de assistentes sociais. Rio de Janeiro: CRESS, 2013. ANDRADE, Renato Almeida de. Serviço Social e Terceiro Setor: o trabalho nas ONGs. In: SERRA, Rose (Org.). Espaços Ocupacionais e Serviço Social – ensaios críticos. Jundiaí: Paco Editorial, 2012. ANTUNES, Ricardo; DRUCK, Graça. A terceirização sem limites: a precarização do trabalho como regra. O Social em Questão, Rio de Janeiro, ano XVIII, n. 34, p. 19-40, 2015. BARBOSA, Rosangela N. de C; CARDOSO, F. G; ALMEIDA, Ney L. T. de. A Categoria “processo de trabalho” e o trabalho do assistente social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 58, p. 109-130, 1998. BARROCO, Maria Lúcia; TERRA, Sylvia Helena. Código de Ética do Assistente Social comentado. São Paulo: Cortez, 2012. GONÇALVES, Priscila Ambrozio. Novas demandas para velhas questões: requisições profissionais aos assistentes sociais em instituições filantrópicas pós SUAS. 2018. Dissertação (Mestrado em Serviço Social). Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Departamento de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2018. IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 26 ed. São Paulo: Cortez, 2015. IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação teórico metodológica. 26 ed. São Paulo: Cortez; [Lima, Peru]: CELATS, 2009. 1008

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI LOPES, Josefa Batista. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina como marco na construção da alternativa crítica na profissão: a mediação da organização acadêmico-política e o protagonismo do Serviço Social brasileiro. In: SILVA, Maria Liduína de Oliveira e (Org.). Serviço Social no Brasil: história de resistências e de ruptura com o conservadorismo. São Paulo: Cortez, 2016. MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2007. MORAES, C. A de Souza. A particularidade da dimensão investigativa na formação e na prática profissional do assistente social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 122, p. 294-316, abr./jun. 2015. RAICHELIS, R. Serviço Social: trabalho e profissão na trama do capitalismo contemporâneo. In: RAICHELIS, R.; VICENTE, D.; ALBUQUERQUE, V. (Org.). A nova morfologia do trabalho no Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2018. SANTOS, Flávia Barbosa Pardini dos; STAMPA, Inez. Medidas recessivas sobre os direitos dos trabalhadores no Brasil: breve esboço histórico sobre ofensivas e resistências. Revista Libertas, Juiz de Fora, v.17, n.1, p. 45-64, jan./jul. 2017. YAZBEK, Maria Carmelita. A política social brasileira nos anos 90: a refilantropização da “questão social”. Cadernos ABONG, São Paulo, n.11, out. 1995. 1009

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS AVANÇOS E DESAFIOS PARA A INSERÇÃO DA PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL NO MERCADO DE TRABALHO NUMA CAPITAL NORDESTINA ADVANCES AND CHALLENGES FOR INSERTING PEOPLE WITH MENTAL DISORDERS IN THE LABOR MARKET IN A NORTHEAST CAPITAL Laisla Shirley Rodrigues Maranhão1 Lucia Cristina dos Santos Rosa² RESUMO Com a consolidação dos princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira, foram criados dispositivos substitutivos às internações psiquiátricas. Institui-se um novo cuidado às pessoas com transtorno mental pautado na construção da sua cidadania, fundamentado no cuidado comunitário, de tal forma que se efetive sua inserção na sociedade em geral, ampliando seu poder nas trocas sociais, com produção de valores que a sociedade capitalista viabilizou pelo trabalho. Com essa pesquisa foi possível analisar as ações de inserção da pessoa com transtorno mental no mercado de trabalho em Teresina, a partir de 2005, e identificar seus avanços e barreiras. Um estudo qualitativo com entrevistas com gestores das políticas sociais, representantes dos movimentos sociais e usuários da saúde mental. Assim, conclui-se que: as ações municipais estão coladas às políticas estaduais e nacionais e se configuram por serem tardias. Parte significativa das ações se limita à qualificação para o trabalho, sem compromissos articulados com a inserção. Palavras-Chaves: Reforma psiquiátrica; Pessoa com transtorno mental; trabalho. ¹ Graduada em Serviço Social e Mestra em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. E-mail: [email protected]. ² Professora da Pós-Graduação em Políticas Públicas e do curso de Serviço Social da UFPI. Doutora em Serviço Social pala UFRJ. Doutora em Sociologia pela UFPE. Pós Doutora em saúde coletiva pela UNICAMP. E-mail: [email protected]. 1010

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT With the consolidation of the principles of the Brazilian Psychiatric Reform, substitute devices were created for psychiatric hospitalizations. A new care is instituted for people with mental disorders based on the construction of their citizenship, based on community care, in such a way that their insertion in society in general takes place, expanding their power in social exchanges, with the production of values that society capitalist made work possible. With this research it was possible to analyze the actions of insertion of the person with mental disorder in the job market in Teresina, from 2005, and to identify their advances and barriers. A qualitative study with interviews with social policy managers, representatives of social movements and users of mental health. Thus, it is concluded that: municipal actions are glued to state and national policies and are configured because they are late. A significant part of the actions is limited to the qualification for the job, with no articulated commitments with the insertion. KEYWORDS: Psychiatric reform; Person with mental disorder; job. INTRODUÇÃO Com a consolidação, desde os anos 1990, dos princípios do Movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira na política de saúde mental, álcool e outras drogas, foram criados vários dispositivos substitutivos às internações psiquiátricas. Institui-se um novo cuidado às pessoas com transtorno mental – pctm pautado na construção da sua cidadania, fundamentado no cuidado comunitário; nos direitos civis - cuidar em liberdade e na atenção integral, de tal forma que se efetive sua inserção na família e na sociedade. Postula-se a promoção da autonomia da pctm, ampliando seu poder nas trocas sociais, inclusive pela produção de valores que a sociedade capitalista viabilizou pelo trabalho, na perspectiva de positivar a identidade desse segmento, historicamente estigmatizado. O processo de reforma psiquiátrica desenvolveu-se de maneira desigual entre os estados do Brasil. O Piauí teve uma inserção tardia nesse processo. Apenas em meados dos anos 2000 o Estado passa a atuar no sentido de promover ações e serviços de saúde de base comunitária e visando a construção da cidadania da pctm. Em 2005 é criado o 1011

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI primeiro plano estadual de saúde mental orientado pelos princípios da reforma psiquiátrica. Os serviços abertos e comunitários de atenção cidadã às pctm foram criados em Teresina, a partir de 2007, por força de Termos de Ajustamento de Conduta – TAC articulado pelo Ministério Público do Piauí, haja vista resistências dos gestores locais. Nesse contexto, o Ministério Público, as Coordenações de Saúde Mental do Ministério da Saúde, com suas ações indutoras, assim como a gestão estadual de saúde mental, como coordenação do processo de alteração do modelo assistencial no plano local, configuraram-se como os principais protagonistas no processo. Uma rede diversificada de serviços foi implantada, baseada em Centros de Atenção Psicossocial - CAPS e serviços residenciais terapêuticos, contudo, ações orientadas na perspectiva de inclusão desse segmento em atividades de emprego e geração de renda ainda é um desafio que necessita de uma análise mais atenciosa. Esse artigo é resultado de uma pesquisa de mestrado, que buscou contribuir com as discussões sobre a ampliação das possibilidades de inserção social da pctm na sociedade, com ênfase nas ações de geração de emprego e renda, a partir das indagações: de que forma as ações do município de Teresina se organizam, a partir de 2005, para a inserção da pctm pela via do trabalho? Nesse sentido, que ações foram e estão sendo realizadas? Que atores e ações se destacam na produção de outros lugares sócio ocupacionais para a pctm? Que avanços e barreiras existem para a inserção desse segmento nesses espaços? Teve por objetivo geral analisar as ações, de abrangência municipal, direcionadas para a inserção da pctm pela via do trabalho, a partir de 2005 e como objetivos específicos: mapear as ações teresinenses, vinculadas às políticas sociais nessa perspectiva da inserção; analisar os atores implicados e as ações implementadas relacionadas às necessidades de inserção da pctm, inclusive ações de geração de emprego e renda, e identificar os avanços e as barreiras para tal inserção. Fundamentou-se numa pesquisa qualitativa, baseada em pesquisa exploratória descritiva e analítica. Foram entrevistados 8 (oito) gestores e representantes das instituições que são destinadas a capacitar, qualificar e inserir profissionalmente os munícipes de Teresina: Associação de usuários, familiares e interessados na saúde mental - ÂNCORA; Ministério do Trabalho; Fundação Wall Ferraz; Ação Social 1012

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Arquidiocesana de Teresina; Secretaria Estadual para Inclusão da Pessoa com Deficiência; Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial; Secretaria Municipal de Economia Solidária e Sistema Nacional de Emprego. Também foi entrevistado 01 usuário da saúde mental, representante da ÂNCORA e do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS. Com este artigo espera-se ampliar as discussões sobre a inserção dos usuários de saúde mental pela via do trabalho. Parte-se do pressuposto que essas iniciativas de geração de emprego e renda constituem importante estratégia de inserção social e veículo legítimo de construção da cidadania, pois articula uma rede de reconhecimento e participação social, em uma sociedade cuja base identitária se forjou pela condição de trabalhador/assalariado, da qual a pctm pode obter respeito na sua diversidade, apoiado pelo princípio da equidade, por meio de políticas públicas e mecanismos formais que fortaleçam essa luta. 2 O TRABALHO E A PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL: aspectos históricos da sua inserção pelo trabalho O primeiro ato histórico da humanidade funda-se no trabalho, tendo adquirido centralidade na organização da sociedade capitalista e, sobretudo na distribuição/concentração da riqueza socialmente produzida. Constitui-se como criador de valores de uso. Como destaca Rodrigues e Pinho (2012, p. 196) trabalho é uma “mediação necessária entre o homem e a natureza, independentemente das formas de organização social e econômica, pois, através dele, saciamos as necessidades mais básicas da vida humana: beber, criar, comer e vestir”. Para Marx (1988), o trabalho é uma condição fundamental para que o homem seja um ser livre e realizado no atendimento às suas necessidades humanas. Porém, com o avanço da sociedade capitalista, esse estudioso verifica que o trabalho assume características bem distintas da anterior, pois são os homens os responsáveis por produzirem os bens materiais, mas isso não faz, necessariamente, com que eles se realizem como seres humanos, pois é por essa via inclusive que os homens não apenas transformam a natureza, mas a si mesmos. Na sociedade capitalista, o que preponderou foi o trabalho alienado e alienante, realizado no geral, como forma de assegurar a 1013

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sobrevivência física, mas, é da natureza criadora do trabalho também ser fonte de realização humana. Essa atual forma de organização social gera um importante dilema quanto à inserção da pessoa com transtorno mental pela via do trabalho, sobretudo formal, assalariado. A partir dessa configuração societária, erigida na Idade Moderna, que instala a ordem burguesa ao poder político e econômico, o ser humano é metamorfoseado em trabalhador assalariado, e a identidade do “louco” e da própria loucura, é associada à periculosidade e à incapacidade. Nesse contexto, o enclausuramento em manicômios foi o destino para esse segmento. Segundo Amarante (1995) em nome do tratamento psiquiátrico, a loucura é apropriada e metamorfoseada em doença e o louco é excluído socialmente dessa ordem, pelo silenciamento e mortificação. Essas diferentes experiências vividas por esses sujeitos entram em choque com as imposições sociais, pois de acordo com os estudos de Rodrigues e Pinho (2012, p. 198) “a diferença só é aceita em lugares ‘próprios’ rodeado de especialistas, prontos para oferecer diagnósticos, e assim controlar e adaptar esses indivíduos às formas de vida cotidiana aceita socialmente”. Sobre o não-lugar vivido por esses indivíduos no trabalho, para Rodrigues e Pinho (2012, p. 198) “o mundo do trabalho sob o sociometabolismo do capital está no vértice contraditório aos transbordamentos vividos na loucura”, ou seja, com a forma em que o trabalho se organiza na sociedade capitalista e suas exigências sociais acabam por produzir, crescentemente, desigualdades sociais e manter cada vez mais excluídos. Nesse sentido, apesar dos efeitos deletérios em que o trabalho assume no sistema capitalista e, em função da associação cultural e simbólica vigente no senso comum entre trabalho e normalidade, para Gomes (2017, p. 201) “a inserção da pessoa com transtorno mental no trabalho figura no imaginário como atividade produtiva ideal, com capacidade de forjar pertencimento e reconhecimento social”. Santos et al. (2012) destacam que além de promover satisfação e realização pessoal, o trabalho favorece a participação social dos seres humanos, atendimento das necessidades básicas e uma visão de si como agente de transformação social, o que permite meios para inclusão. Nesse sentido nota-se a importância do trabalho para além da sua dimensão estritamente econômica, pois de acordo com Castel (1988) sua relevância reverbera no universo psicológico, simbólico e cultural dos sujeitos. O 1014

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI trabalho para a pessoa com deficiência e para aqueles que possuem algum tipo de limitação, produz um sentimento de ser eficaz pelo trabalho e de ser participativo, pois segundo Santos et al. (2012) contribui para a construção da identidade social e de reconhecimento de sua capacidade, pois ela se sente parte da sociedade como um sujeito produtivo. O termo deficiência, no Brasil, a partir de 2008, segundo Sassaki (2002) é associado à pctm circunscrevendo-a como “deficiência psicossocial (ou sequela de um transtorno mental)” podendo beneficiá-las com medidas asseguradas e protegidas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto 6.949/2009), que em diversos dispositivos preocupou-se em proteger os quadros de impedimentos de natureza mental, ou seja, aqueles relativos à saúde mental, apesar de ser um conceito rechaçado por algumas pessoas com transtornos mentais e por alguns de seus familiares, havendo necessidade de sua (re)invenção, e nova politização. Ao longo da história da psiquiatria o trabalho sempre foi utilizado como forma de intervenção. Nesse sentido, Cayres (2012, p. 183) observa que “não somente a instituição manicomial foi reconhecida como meio terapêutico como também passou a atribuir ao trabalho um caráter terapêutico”. No livro Holocausto Brasileiro é possível apreender a partir dos destaques de Arbex (2013) que, na forma em que a sociedade capitalista se organiza, existe um lugar para a pessoa com transtorno mental e esse lugar é o manicômio, que a potencializa como mercadoria, inclusive o seu cadáver. É importante destacar que não é possível desconsiderar que todos os sujeitos estão submetidos a mecanismos repressores e ideológicos de manipulação, e que segundo Gomes (2017, p. 215) “a lógica alienante do trabalho assalariado ultrapassa a condição de estar ou não diretamente inserido nessa atividade”, de estar ou não dentro do contingente de pessoas que escapa de sua racionalidade. Contraditoriamente, a inserção pelo trabalho ou ações de geração de emprego e renda, podem também produzir vida ou fomentar sua reinvenção, fomentando as trocas sociais e a condição humana de criador de valores e outros sentidos. 2.1 Da hospitalização da loucura à reforma psiquiátrica: a inserção da pessoa com transtorno mental na sociedade 1015

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Como destaca Castel (1978) o asilo é o lugar existencial do exercício da psiquiatria porque é o mais apto a opor, ao meio natural (isto é, de origem, familiar e social). No asilo, uma pedagogia da ordem pode se desenrolar em todo o seu rigor. Para Castel (1978, p. 116) “o exercício da autoridade pode ser mais enérgico, a vigilância mais constante, a rede de coerções mais estreita”. A história da loucura no Brasil não foi diferente dessa trajetória de segregação do “louco” nos asilos europeus. Apesar da diferença histórica e social, o modelo de assistência psiquiátrica brasileiro – hospitalocêntrico – foi implantado no século XIX e importado da experiência europeia, sobretudo francesa (modelo de Pinel do século XVIII). Com esse modelo, a pctm é segregada pois é considerada um risco para a sociedade, consequentemente incapaz para o convívio social. Nesse sentido, alguns estudos apontam que o indivíduo perde sua “identidade” anterior, que é, deteriorada, reduzida a uma única dimensão e referência social, a da loucura, pois para Melo (2013, p. 03) “a sociedade limita e delimita a capacidade de ação de um sujeito estigmatizado, marca-o como desacreditado e determina os efeitos maléficos que pode representar”. Percebe-se que no Brasil a exclusão foi legitimada por diversos mecanismos, inclusive ações, que reforçaram situações de preconceitos, estigmas sobre a pctm, homogeneizando um segmento plural, causando danos aos seus direitos civis e sociais, ocasionando com isto um retrocesso para a compreensão das potencialidades desses indivíduos. Assim, esse enredo criou ranços significativos para população considerada “doente mental”, pois os limites impostos pela configuração da loucura na sociedade provocaram, além de perdas materiais e prejuízo à saúde, um sofrimento social relacionado à condição marcada por esta identidade. Ações pelo trabalho no contexto manicomial priorizaram a ocupação do tempo livre, a execução de ações que não aumentavam o poder ativo da condição humana, servindo como antidoto da ociosidade ou trabalho no sentido da exploração humana, para suprir necessidades relacionadas ao pequeno quadro de funcionários dos serviços. O Movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira, metamorfoseada como política social a partir dos anos 1990, vai produzir alterações nesse panorama, ao forjar as condições da construção da cidadania da pctm, produzindo outros lugares para sua circulação, na perspectiva do direito à cidade, investindo em suas capacidades, inclusive como produtor de bens e serviços. 1016

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A inserção da pctm em diversos espaços da sociedade, inclusive pela via do trabalho, como destaca Frazão (2007, p. 49) “circula entre o desejável e o imprescindível na busca da cidadania universal”, principalmente devido um longo processo de não ocupação dos espaços sociais e de enclausuramento desses indivíduos nos asilos. Segundo Rosa (2009) é somente em abril de 2001, que as condições legislativas reforçam na direção da inserção pelo trabalho, com a Lei nº 10.216, que “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental” (BRASIL, 2001). O cenário para esse reconhecimento é favorável, pois segundo Rosa (2009, p. 61) “o governo brasileiro é cobrado pelos órgãos internacionais a implementar ações afirmativas para grupos minoritários, que não têm sua cidadania assegurada” e os grupos sociais reconhecidos como minoria passam a lutar cada vez mais por igualdade de direitos e oportunidades. Como destaca Frazão (2007) a reforma psiquiátrica brasileira fundamenta seus pressupostos numa reforma inclusiva e na autonomia da pctm, mas tal proposta não pode ser considerada concluída com a desinstitucionalização em si, muitas vezes limitada à desospitalização, o que se almeja é uma desconstrução de todo aparato que forjou o status estigmatizado da pctm e a construção de uma outra relação entre a sociedade e a loucura, como parte da condição humana e que circule pela cidade. A política de saúde, ao definir e ampliar o conceito de saúde abarcando os determinantes sociais do processo saúde/doença, convoca a integralidade da atenção, para além da enfermidade, dos medicamentos e de uma única política, convocando outras políticas para a reinvenção da vida. Nesse contexto, recompõe-se a complexidade da existência com o transtorno mental, requerendo da política de saúde a articulação com outras políticas sociais, que ampliem o escopo das ações para outras esferas da vida, assegurando outros direitos e consequentemente, a ampliação da identidade da pctm, para além da vivência com o transtorno mental. A inserção pelo trabalho e geração de emprego e renda ganham realce. Segundo Rosa (2009, p. 71), “torna-se evidente que o desenvolvimento individual e social, adquiridos pelo trabalho, podem proporcionar possíveis formas de esta pessoa se expressar, identificar-se e realizar seus projetos”. 1017

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 SAÚDE MENTAL E TRABALHO: avanços e barreiras para a inclusão da pessoa com transtorno mental pela via do trabalho Segundo Rosa (2009), na perspectiva da reforma psiquiátrica, é preciso intervir no sentido de separar o diagnóstico da pessoa, destacando a “existência sofrimento” e observar “as potencialidades e talentos a serem ampliados para a vida laboral e ocupacional” da pctm. Tal entendimento remete à clínica ampliada, que “propõe que o profissional de saúde desenvolva a capacidade de ajudar as pessoas, não só a combater doenças, mas a transformar-se, de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não a impeça de viver outras coisas na vida” (BRASIL, 2008). Nesse sentido, a capacidade de construir novas normas para si e para sua vida constituem eixo das ações em saúde, ao permitir recriação da vida e outras possibilidades de viver, inventar e reinventar-se a sua vida. O trabalho para a pctm, sobretudo, com quadro severo e persistente, deve ser pensado num contexto protegido, ou seja, deve-se analisar e estabelecer as condições para que se possa acolher o desejo de trabalhar e desenvolver suas potencialidades de maneira responsável e coordenada, admitindo o transtorno apenas como diferença, e não como estado permanente de incapacitação. Nesse horizonte, houve articulação entre a política de saúde mental e a economia solidária, pela portaria ministerial nº 353, de 07 de março de 2005, na perspectiva de desenvolver ações para a inclusão social pelo trabalho (BRASIL, 2005). Potencializou-se a Lei nº 9.867, de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre a criação e o funcionamento de cooperativas sociais, com foco no apoio às pessoas em desvantagens sociais no mercado de trabalho, consideradas como sendo: os deficientes físicos e sensoriais; os deficientes psíquicos e mentais, as pessoas dependentes de acompanhamento psiquiátrico permanente, os egressos de hospitais psiquiátricos e os dependentes químicos. Vários editais foram lançados pelo governo federal para fomentar ações de geração de emprego e renda, através do trabalho protegido, incluindo bolsas trabalho em estados como o Rio de Janeiro. Telles (1996) destaca que a questão social posta contemporaneamente, reabre o problema da justiça social, redefine o papel do estado e o sentido de responsabilidade pública para com um segmento vulnerável, destituído de muitos direitos, tais como a 1018

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI alfabetização, a profissionalização, o que o coloca em desvantagem em um mercado de trabalho competitivo, seletivo e excludente. Contraditoriamente, na política social brasileira, para um número significativo de pctm que desejam trabalhar e, por exemplo, recebem um benefício social, como o Benefício de Prestação Continuada - BPC, se confrontarão com “escolhas” que implicam em colisão de direitos: em optando por trabalhar, terão que requisitar a suspensão do benefício. Opção difícil, dada a instabilidade e incerteza que cerca e historicamente permeou a construção do mercado de trabalho no país, agravado no contexto atual. Entre um mercado de trabalho instável e uma certa estabilidade representada pelo BPC, a própria família tende a desestimular o engajamento da pctm no mercado de trabalho. Ações afirmativas teriam que ser pensadas, para alterar esse quadro posto no âmbito previdenciário. Mesmo de forma tímida, é crescente em Teresina-PI embates dos movimentos sociais com as políticas sociais, no plano local, em torno da inserção da pctm no mercado de trabalho e das lacunas em prol do reconhecimento desses sujeitos como trabalhador. A Associação de usuários, familiares e pessoas interessadas na causa da saúde mental do Piauí - ÂNCORA, desde 2001, vem lutando para promover ações de defesa dos direitos dos usuários e familiares dos serviços de saúde mental, no sentido de ampliar a sua (re)inserção social, a formação política desses indivíduos, e a reconstrução do viver. Dentre outros objetivos, a ÂNCORA está engajada na luta para oportunizar possibilidades para as pctm serem inseridas pela via do trabalho, o que enseja outra visibilidade social de suas potencialidades, bem como a ampliação de sua contratualidade familiar e social. Na Associação, encontros de formação política, têm apontado a relevância do trabalho para a pctm e reivindicado ações nesse sentido, o que tem se fortalecido com audiências públicas na Defensoria e Ministério Público estadual e na Assembleia da entidade. Em 07 de outubro de 2016 a entidade promoveu o I Fórum Estadual da Deficiência Psicossocial, ocasião que contou com a presença de Romeu Sassaki que discutiu o trabalho apoiado e as vantagens postas pela convenção que trata da deficiência psicossocial. Em 09 de outubro de 2017 organizaram o I Simpósio Inclusivo de Saúde Mental do Piauí, que trouxe a experiência do Rio de Janeiro, para fomentar o debate local. Essas ações redundaram na Lei Estadual, aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado, nº 7.095, de 04 de janeiro de 2018, que “institui as pessoas com 1019

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI transtorno mentais como deficientes psicossociais e determina a inclusão destas nas políticas públicas dos deficientes do Estado do Piauí”. Estabelecidas as bases legais para a incorporação das pctm, agora consideradas pessoas com deficiência psicossocial, é preciso investimento em sua inserção pelo trabalho. Ainda no plano estadual, constatou-se a implementação de algumas experiências institucionais de geração de emprego e renda, muitas das quais fomentadas pelos editais lançados pelo governo federal, ganhando destaque o Projeto Helicônia, no município de União, em 2006; projetos de produção de bijuterias, em Uruçuí. Tais experiências foram descontinuas no tempo, figurando vulneráveis a cada mudança de gestão. Em suma, evidencia-se que algumas ações com maior persistência temporal, decorreram de investimentos individuais de alguns profissionais. Em análise sobre o papel e a atuação do CAPS II Leste de Teresina - Piauí na perspectiva da inserir a pctm no mercado de trabalho e em ações de geração de emprego e renda, Maranhão (2014) constatou que apenas uma pctm foi inserida no mercado formal de trabalho. As experiências com oficinas de geração de renda, realizadas no CAPS, a exemplo do PETlook, coordenado pela psicóloga e assistente social do serviço, que teve por foco a geração de renda, através da produção de acessório estético para animal, que teve maior duração e ganhou visibilidade pela aprovação comercial do produto, se constituíram em experiências descontínuas e não sistematizadas, pois acabam circunscrevendo a ação de seus proponentes e coordenadores, sendo parcamente institucionalizadas. No contexto local, os CAPS figuram como equipamentos endógenos, em que as ações ficam no interior do serviço, sem parcerias com outras políticas públicas, apesar da institucionalização da Rede de Atenção Psicossocial - RAPS, lançada através da portaria ministerial 3.088 de 23 de dezembro de 2011, uma das redes prioritárias que impulsionaram modificações estruturais na rede de atenção psicossocial de atendimento aos usuários de saúde mental e seus familiares. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Parte dos usuários dos serviços substitutivos, tem demandado a inserção pela via do trabalho. Um forte fomentador dessas ações no Estado do Piauí é a ÂNCORA, que 1020

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI visa proporcionar condições para favorecer o convívio social e qualidade de vida dos associados, permitindo a reinvenção do seu viver. Em Teresina um dos pontos mais vulneráveis da RAPS é exatamente o Eixo 3 – ações intersetoriais para reinserção social e reabilitação. Há muitas vulnerabilidades apontadas nos seus componentes gerais. Observa-se poucos indicadores sobre as ações efetivas de reabilitação profissional, evidenciando pouca prioridade para um eixo tão importante na estratégia do processo de Reforma Psiquiátrica. Os representantes das instituições implementadoras de políticas sociais, no contexto estadual e, sobretudo municipal, apontaram que a principal dificuldade para se avançar nesse eixo é a escassez de recursos destinados para essas questões. Tal fato dificulta acompanhar os resultados “pós-curso”, o que obsta a avaliação dos resultados sob a vida das pctm, em relação a efetiva inserção pela via do trabalho. Outro desafio apontado foi a sensibilização do setor de contratação das empresas privadas, pois são elas que solicitam e determinam o perfil profissional das pessoas que desejam empregar. Dessa maneira, ao ter que preencher as “cotas” estabelecidas legalmente, buscam um “deficiente” nos padrões socialmente aceitos. Nessa perspectiva, a pessoa com deficiência psicossocial é evitada. Outra dificuldade mencionada foi a baixa escolaridade associada à falta de capacitação e qualificação desses usuários para o mercado de trabalho e quando capacitados para a vida laboral encontram outros desafios: o preconceito encontrado no setor de contratação das empresas. Os entrevistados sinalizam a dificuldade de acesso e manutenção da medicação como barreira para a aceitação da pctm como público-alvo da inserção no mercado de trabalho, pois muitos não têm condições de comprá-la, dependem dela e ao ter dificuldade de acesso às mesmas, tem seu quadro clínico agravado, o que torna socialmente perceptível os sinais comportamentais da enfermidade. Com outra nuance, foi destacado o excesso de medicação, que comprometem a atenção, concentração e desempenho da pctm no decorrer dos cursos disponibilizados. Diante desse fato, foi comum os representantes institucionais afirmarem que não trabalham com esse público por não estarem capacitados para atuarem com as potencialidades desses indivíduos e ir além das suas limitações. 1021

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Como avanços, sinaliza-se a ação da Âncora que lançou em 2017 o selo “mente aberta”, com o objetivo de homenagear as poucas empresas inclusivas locais, que permitem a potencialização da condição humana da pctm De outra maneira o investimento no mercado informal, via atividades artesanais ou na esfera de serviços, ou ações de trabalho protegido, parecem ser a via possível para pctm, em um contexto de mercado de trabalho excludente, frente ao público majoritário da saúde mental, composto por pessoas oriundas dos segmentos de baixa renda e destituída do acesso, inclusive, da escolaridade básica, portanto, com baixo capital cultural. Para alterar o quadro desenhado, é fundamental articular ações de Economia Solidária; de geração de emprego e renda e emprego apoiado, fora dos CAPS, no território de vida da pctm. Não basta apenas certificar (formar/capacitar) é fundamental garantir suporte à pessoa com deficiência psicossocial, após sua inclusão no mercado de trabalho, através do seu monitoramento, flexibilidade de horário, de tal maneira que permita consulta psiquiátrica e atuação dos técnicos de referência. REFERÊNCIAS AMARANTE, P. Novos sujeitos, Novos direitos: O debate em torno da Reforma Psiquiátrica. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 11 (3): 491-494, Julho/ Setembro, 1995. ARBEX, D. Holocausto Brasileiro. Vida, Genocídio e 60 mil morte no maior Hospício do Brasil. São Paulo: Geração Editorial, 2013. BRASIL. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. - 4. ed., rev. e atual. – Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. Lei n. 10.216, de 6 de abril de 2001. Diário Oficial da União, seção 1. Brasília: Poder Executivo, 2001. BRASIL. Ministério da Saúde. Saúde mental e economia solidária: inclusão social pelo trabalho. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2005.134 p. CASTEL, R. A Ordem Psiquiátrica - A idade de Ouro do Alienismo. Rio de janeiro: Graal, 1978. CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. 1022

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI CAYRES, C. O. A dimensão do trabalho na inclusão social. In: ROMOLI, J; CAYRES, C. O. (Orgs.). Saúde Mental e Economia Solidária armazém das oficinas: um olhar para além da produção. Campinas, SP: Medita, 2012. FRAZÃO, I. da S. “Eu acho que a pessoa doente mental pode trabalhar. Eu trabalho e não sou doente mental” O processo de reinserção da pessoa com transtorno mental no mercado de trabalho. Tese de Doutorado. Departamento de Serviço Social – Universidade Federal de Pernambuco, 2007. GOMES, T. M. da S. Apontamentos sobre a inserção das pessoas com transtorno mental no trabalho formal. Revista da Faculdade de Serviço Social da UERJ. EM PAUTA, Rio de Janeiro, 2017 - n. 39, v. 15, p. 201 – 223. Disponível em: <http://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/view/30383/21549>.Acesso em: 10 out. 17. MARANHÃO, L. S. R. A atuação do CAPS II Leste Teresina-PI na perspectiva de inserção da pessoa com transtorno mental no mercado de trabalho e ações de geração de renda. Monografia - Serviço Social. UFPI, 2014. MARX, K. O Capital – crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988. MELO. Z. M. de. Os estigmas: a deterioração da identidade social. Disponível em: <http://proex.pucminas.br/sociedadeinclusiva/anaispdf/estigmas.pdf>. Acesso em: 06 dez.13. RODRIGUES, K. L. PINHO, L. Oficinas de trabalho: limites e desafios para a inclusão social pelo trabalho na saúde mental. In: ROMOLI, J; CAYRES, C. O. (Orgs.) Saúde Mental e Economia Solidária armazém das oficinas: um olhar para além da produção. Campinas, SP: Medita, 2012. 260 p. ROSA, L. C. dos S. Os desafios e os limites da inclusão da pessoa com transtorno mental no mercado de trabalho: uma proposta de estudo. In: LIMA, S. O.; BARROS, F. de O. Jr. e ARAÚLO, V. P. de S. Trabalho e desigualdades. Rio de Janeiro: Booklink, 2009. SANTOS, A. C. et al. Profissionalização da pessoa com deficiência: aspectos históricos. IN: A pessoa com deficiência no mercado de trabalho. São Carlos: Pedro e João Editores, 2012. SASSAKI, R. K. Pessoas com deficiência psicossocial. São Paulo-SP, janeiro 2002. TELLES, V. da S. Questão social: afinal do que se trata? In: Perspectiva, 4. São Paulo: SEADE, 1996, p.85-95. 1023

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL E QUESTÃO SOCIAL: trabalho como resgate da cidadania MENTAL HEALTH POLICY AND SOCIAL ISSUE: work as a rescue of citizenship Maria da Conceição Silva Rodrigues1 RESUMO Este artigo pretende discutir aspectos da relação do trabalho com as pessoas com transtorno mental e dos serviços da Política de Saúde Mental, bem como as expressões da questão social. Para tanto se analisou a interface trabalho e transtorno mental e as alternativas de inclusão desses no mercado de trabalho e na sociedade. Além de apontar questões mais gerais como o Movimento da Reforma Psiquiátrica, concepções preconceituosas sobre a pessoa com transtorno mental, o impacto dessas na cidadania e trabalhos realizados para a promoção da cidadania e autonomia. Para discutir tal tema, revisaram-se trabalho de estudiosos que estudam a temática. Os resultados sinalizam que existem desafios na inserção da pessoa com transtorno mental no mercado de trabalho, nos serviços substitutivos e que o aumento das expressões da questão social faz com que as pessoas com transtorno mental e/ou familiares busquem por benefícios socioassistenciais na Política de Assistência e Previdência Social. Palavras-Chaves: Trabalho; Inserção; Cidadania; Transtorno mental. ABSTRACT This article intends to argue aspects of the relation of the work with the people with mental disorders and of the Mental Health Politics services, as well as the expressions of the social matter. To this target, was analyzed the work interface and mental disorder and the alternatives for including them in the labor market and society. Adding 1Discente do curso de Bacharelado em Serviço Social da Universidade Federal do Piauí. E-mail: conceicao- [email protected] 1024

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI more general issues such as the Psychiatric Reform Movement, prejudiced conceptions about people with mental disorders, their impact on citizenship and work carried out to promote citizenship and autonomy. To discuss this topic, work by scholars researching the topic was reviewed. The results indicate that there are challenges in the insertion of people with mental disorders in the market, in substitute services and that the increase in expressions of the social issue causes people with mental disorders and/or family members to seek social assistance benefits in the Assistance Policy and Social Security. KEYWORDS: Work; Insertion; Citizenship; Mental disorders. INTRODUÇÃO Desde o início da sociedade moderna há um trato diferenciado com a pessoa dita “louca”, implicando sobre essa uma diversidade de estigmas, preconceito, discriminações, desencadeando a exclusão desses em nome da ordem e do controle e ao mesmo tempo prejuízos perversos sobre a identidade, sobre a saúde, as potencialidades de cada sujeito e principalmente na capacidade de trabalhar. Tal situação perdura-se até os dias atuais, interferindo tanto na própria cidadania como na dos familiares, além mesmo, na autonomia. A partir da Segunda Guerra Mundial, ações foram realizadas em vista de melhores condições de assistência à saúde mental em vários países. No Brasil, o movimento caracterizado como Reforma Psiquiátrica, fez com que houvesse novas formas de cuidar, pensar, de produção de novas culturas e de reflexão sobre a segregação corrente na sociedade. Nesse movimento aconteceram mobilizações e acordos em comuns nas políticas de saúde e dentre eles houve o consenso de direito ao trabalho para os sujeitos, majoritariamente, para as pessoas com transtorno mental. Mas com todos os direitos garantidos, a inclusão social ainda é um desafio principalmente no mercado de trabalho, representando uma complexa exclusão social desses sujeitos, tanto pela sociedade como pelo sistema capitalista, considerados apenas como sujeitos que possui um diagnóstico e sujeitos estigmatizados e não sujeitos com direitos e com potencialidades. Assim, com o processo de desinstitucionalização, os desafios tem sido vários, como a necessidade de meios de subsistência das pessoas com transtorno mental e dos 1025

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI familiares, ocorrendo situações de dependência desses para com os familiares ou até mesmo de benefícios sociais e previdenciários. Logo, estratégias são realizadas para a viabilização da inclusão social e econômica, mas a reinserção não se dá sem barreiras, pois a maior delas é a sociedade e o mercado capitalista, ambos excludentes, esse último (re) produtor das expressões da questão social. Tendo assim, como alternativa a exclusão do mercado, o movimento da Economia Solidária, que funciona como uma estratégia que possibilita a criação de oportunidades de trabalho com geração de emprego e renda às pessoas com transtorno mental e oficinas que capacitam os usuários nos serviços substitutivos. Logo, tendo em vista a segregação social, os efeitos advindos da institucionalização sobre as pessoas com transtorno mental, como estigma, preconceito, discriminação e o fomento das expressões da questão social como pobreza e a exclusão social e econômica, dentre outras expressões da questão social, esse trabalho foi realizado com a finalidade de discutir aspectos da relação do trabalho com as pessoas com transtorno mental e dos serviços da Política de Saúde Mental, bem como as expressões da questão social discutidas nas seções intituladas de “Interface trabalho e transtorno mental” e “Alternativas à inclusão da pessoa com transtorno mental” nesse trabalho. 2 INTERFACE TRABALHO E TRANSTORNO MENTAL Historicamente em diferentes sociedades foram construídas diferentes concepções sobre o fenômeno da loucura, assim como a utilização do trabalho frente a essa. Nessa perspectiva, nos diferentes movimentos o trabalho foi utilizado como um fator determinante para lidar com a loucura, assumindo em alguns momentos função terapêutica disciplinadora, em outras, com as reformas psiquiátricas, apresentou-se como estratégia de ressocialização, de emancipação pela inserção no mercado de trabalho e também como elemento de reabilitação psicossocial e de inclusão social no mercado formal e também como trabalho protegido. Assim, os diferentes movimentos existentes durante o século XVIII, XIX e principalmente XX (re) pensaram o lugar do louco na sociedade e das formas de cuidado, como o movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira, na década de 1970, que ocorreu 1026

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI em um quadro de lutas pela redemocratização do país e de produção de novas formas de cuidar e criação de novos espaços sociais para os “loucos”, denominado de desinstitucionalização. Denota-se, conforme Castel (1978) “um reconhecimento na sua diferença a partir das características do aparelho que vai tratá-lo daí por diante” (CASTEL, 1978, p. 10). Com base nisso, nas diferentes sociedades, o trabalho se torna instrumento de reabilitação ou de reinserção social e de resgate da cidadania, passando a ter um cunho mais político do que clínico e a tocar o território econômico e vivo no qual realmente se dão as trocas sociais (GUERRA, 2008). Nessa perspectiva, a reabilitação psicossocial segundo Pinho (2014 apud SILVEIRA, 2015, p.8) é escolhida pelo Brasil, como estratégia política-ideológica de modelo para condução das políticas públicas de cuidado em saúde mental e eixo norteador na implantação da rede de serviços substitutivos. Processo esse que não se dá sem desafios para se concretizar e reconstruir a cidadania das pessoas um dia institucionalizadas. Assim, esse processo de reabilitação psicossocial permite a reconstrução do exercício de cidadania e de contratualidade social, mais para que esse último se desenvolva são importantes, de acordo com Saraceno (1999, apud MARANHÃO, 2014, p. 42) três eixos: morar, trocar identidades e produzir e trocar mercadorias e valores. Eixos que não faziam sentido durante a existência dos manicômios, pois eram negadas às pessoas institucionalizadas, ou seja, o habitar, no contexto de viver e “explorar” os diferentes espaços na sociedade, onde permite participar de troca de identidade em rede social e afetiva, onde seja capaz de produzir e trocar produtos e valores por meio da sua implantação pelo trabalho, descolocado do sentido de laborterapia, mas a sua força de trabalho e o produto realizado por essa, constituído de valor. Porém, em meio às mudanças e concepções em torno da loucura, ficou impregnada na sociedade a figura dos ditos “loucos” de periculosidade e incapacidade, fomentando a segregação social e diluindo sua cidadania. Assim, ao ser impossibilitados de conviverem em sociedade, a identidade do indivíduo foi transformada e limitada à figura de “louco” e doente mental, destruindo todos os atributos e qualidades um dia pertencentes ao indivíduo. Contudo, “o social anula a individualidade e determina o modelo que interessa para manter o padrão de poder, anulando todos os que rompem ou tentam romper com esse modelo” (MELO, 2005, p.2). 1027

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Nesse sentido, a descaracterização do indivíduo - antigamente enquadrado como doente mental e hoje visto como pessoa com transtorno mental – provocou, por um lado, o enaltecimento da identidade criada socialmente diante das normas e, por outro lado, dissimulou o caráter ideológico dos estigmas. Desencadeando malefícios em torno da vida do sujeito e dos familiares, sendo difíceis de serem desconstruídos uma vez presentes no imaginário social, como demonstra Maranhão e Rosa (2017), (...) os limites impostos pela configuração da loucura na sociedade provocaram, além de perdas materiais e prejuízo à saúde, um sofrimento social relacionado à condição marcada pela identidade associada à periculosidade e à incapacidade (MARANHÃO, ROSA, 2017, p. 264-265). Desse modo, a institucionalização desses indivíduos reforçou a ideia de improdutividade, incapacidade, irracionalidade de participarem das relações sociais e de trocas mercantis. Implicando no desenvolvimento e exercício da cidadania, a participação de espaços sociais e principalmente de inserção e permanência no mercado de trabalho. Tendo em vista esse cenário, na sociedade capitalista as pessoas com transtorno mental encontram dificuldades de sobrevivência em meio aos interesses capitalistas, significando, assim, um desafio à Reforma Psiquiátrica, uma vez que, “a exclusão foi legitimada por mecanismos que reforçavam situações de preconceitos, ignorância acerca das propriedades da loucura e seus estigmas, ocasionando com isto um retrocesso para a compreensão das potencialidades dos indivíduos” (MARANHÃO, 2014, p.34). Compreendendo isso, as pessoas com transtornos mentais e familiares tendem a continuarem recorrendo às políticas públicas, especificadamente, à Política de Assistência Social, visando o acesso de benefícios socioassistenciais para atender suas necessidades, já que a reinserção no mercado de trabalho é permeada por barreiras e as pessoas encontram-se em situações de pobreza e miséria. Nessa direção, Pereira (2018) salienta que, Isso ocorre por que essas pessoas estão inseridas em uma sociedade capitalista e, portanto, sofrem com as dificuldades de sobrevivência em um Estado a serviço, em última instância, dos interesses desse tipo de sociedade, que exclui e marginaliza aqueles que considera “inúteis” para o processo de produção e reprodução do capital através do trabalho, nos quais se incluem os sujeitos com transtornos mentais (PEREIRA, 2018, p.177). 1028

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a dificuldade de acessar bens e serviços deteriora ainda mais as condições de vida dos setores mais empobrecidos da sociedade brasileira, o que implica que não deve ser apenas a Política de Assistência Social a responsável pelo atendimento a essas questões, requerendo respostas também das políticas de trabalho, previdência social, educação, geração de renda, habitação, cultura, lazer, dentre outras (PEREIRA, 2018, p. 179). Em vista disso, esses sujeitos recorrem à Política de Assistência Social e a concessão de benefícios, especificadamente, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e ao Programa Bolsa Família, assegura o sustento da pessoa com transtorno mental e seu familiar que no geral encontra-se em situação de desemprego ou possui emprego precário. Isso representa que, as expressões da questão social até aqui citados como a pobreza, desemprego, miséria, falta de oportunidade de emprego e exclusão social possuem impactos na vida e também na saúde mental, tanto na dos familiares quanto das pessoas com transtorno mental. Tendo em vista o exposto, trabalhos são realizados nos Centros de Atenção Psicossocial – CAPS. Dispositivo criado em 1986, de caráter substitutivo, localizado no território, destinado ao acolhimento de pessoas com transtorno mental, a estimular a integração social e familiar no ambiente social e cultural, bem como apoiar iniciativas de atividades em prol da autonomia dos usuários, além mesmo, de ofertar atendimento médico e psicossocial. Tendo, como objetivo segundo Maranhão e Rosa (2017), a capacitação da pessoa para exercer em plenitude o seu direito à cidadania, sendo um processo longo, gradativo e dinâmico, já que implica desconstrução de estigmas sociais estabelecidos e na construção da cidadania da pessoa com transtorno mental (MARANHÃO; ROSA, 2017, p.270). Assim como, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída na Portaria 3.088, em que oferece uma rede de serviços presentes no território e reforça a perspectiva de desinstitucionalização, além mesmo, de inclusão social, com o propósito de dinamizar a cidadania dos usuários, através de acolhimento, assistência e principalmente de convivência em meio aberto, junto com a comunidade e familiares. Com base nisso, Pereira (2018) considera que a: RAPS é uma conquista que visa contribuir para o fortalecimento e a materialização dos princípios reformistas, visando à reinserção social desses indivíduos na sociedade, vislumbrando-os enquanto sujeitos de direitos e cidadãos (PEREIRA, 2018, p. 102). 1029

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Compreendido esses serviços, neles são desenvolvidos, apoiados, articulados e ofertados oficinas de capacitação e qualificação profissional, possibilitando aos usuários participarem de relações sociais, de troca enquanto ser social e político. Porém, havendo de acordo com estudiosos, nessas oficinas, a necessidade de articulações e intersetorialidade para que essas ações se sustentem e não sobrecarregue uma única política, além mesmo, da necessidade da comunidade participar desses eventos. Logo, a intersetorialidade faz-se essencial nesses serviços da Política de Saúde Mental, uma vez que essa “supera a lógica histórica da fragmentação das políticas públicas no enfrentamento da questão social” (SCHEFFER; SILVA, 2014, p.372). Portanto, considerando o modelo de cuidado psicossocial ordenado no reconhecimento da cidadania e da subjetividade, os estigmas em torno da pessoa com transtorno mental e as dificuldades de inserção social e no mercado de trabalho, percebe-se que por mais que a política de saúde mental e a Reforma Psiquiátrica tenha se desenvolvido, exige-se modos de produzir processos de subjetividade, fortalecimento dos serviços substitutivos, articulação entre as diversas políticas, desconstrução das concepções estigmatizantes da sociedade sobre a pessoa com transtorno mental. Nessa visão, entende-se que o trabalho como elemento responsável pela sociabilidade humana, e pelo qual o homem se constitui e desenvolve suas potencialidades, pode proporcionar às pessoas com transtorno mental a inserção desses no mercado de trabalho, o sentimento de pertencimento social, criação e desenvolvimento de laços coletivos e promoção de cidadania. 3 ALTERNATIVAS À INCLUSÃO DA PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL Tendo em vista a estratégia de reabilitação psicossocial das pessoas com transtorno mental no país, o trabalho ganha espaço e se legitima como estratégia importante para o resgate da cidadania e de inserção na sociedade. Assim, são ofertadas oficinas nos Centro de Referência Psicossocial, associações, cooperativas e movimentos. Nesse contexto, de acordo com Silveira (2015, p.8) “as oficinas convidam a participação e à produção na cultura, abrindo para o sujeito em sofrimento psíquico e/ou desvantagem social a possibilidade de inscrever-se nas relações de troca e no cotidiano e participar de um conjunto de signos que o inscrevam enquanto ser social e político à 1030

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI medida que lhe for possível”. Além disso, estudiosos apontam ações de geração de trabalho e renda no campo da saúde mental, ecoando caminhos prováveis para a desagregação no imaginário da população de que “lugar de louco é no hospício” e de Ser desprovido de capacidades. Nessa perspectiva, em meio às transformações de modelos de regulação do capitalismo por volta da década de 1990, houve a abertura de debates para a reflexão de estratégias que fomentasse a capacidade de criação de postos de trabalho. E foi nesse contexto que a população se mobilizou em prol da formação de grupos produtivos e associativos, com uma nova “roupagem” política, sendo ela chamada de economia solidária. Podendo ser entendida como “o conjunto das atividades, sob diversos formatos organizacionais, que contribuem para a democratização econômica a partir do engajamento de grupos de indivíduos” (IPEA, 2016, p. 13). Nesse ínterim, a Economia Solidária com seus princípios e valores tem sido um movimento que expandiu o labor, como estratégia inclusiva para a recuperação de direitos de pessoas em situação de desvantagem e de pessoas com transtorno mental. Com base nisso, a economia solidária e cooperativas de trabalho são uma opção para o ingresso no mercado de trabalho, diante da exclusão do sistema capitalista. No entanto, Singer (2005) compreende a economia solidária como resposta organizada à exclusão pelo mercado, por parte dos que não querem uma sociedade movida pela competição, da qual surgem incessantemente vitoriosos e derrotados. É antes de qualquer coisa uma opção ética, política e ideológica, que se torna prática quando os optantes encontram os de fato excluídos e juntos constroem empreendimentos produtivos, redes de trocas, instituições financeiras, escolas, entidades representativas, etc., que apontam para uma sociedade marcada pela solidariedade, da qual ninguém é excluído contra a vontade (SINGER, 2005, p. 11). Desse modo, percebe-se que a economia solidária difere do capitalismo competitivo, que se centra no capital, incentiva o individualismo e possui uma lógica de excluir aqueles inaptos do sistema, provocando a pobreza, o desemprego, o trabalho precarizado e outras expressões da questão social. Ao contrário das cooperativas que partilham objetivos, interesses e responsabilidades em comum e das estratégias da economia solidária que reforça a solidariedade, incentiva a autonomia, a igualdade e a emancipação daqueles que são excluídos do mercado de trabalho, organizando-se esse na década de 1990 como uma política pública e como uma resposta à exclusão do 1031

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mercado, mais também, apresentando-se com ideais semelhantes do movimento antimanicomial, no sentido de opor-se a exclusão tanto social quanto econômica. Diante do exposto, vale chamar atenção que a inserção das pessoas com transtorno mental no mercado de trabalho para aqueles que manifestam o interesse de trabalhar, seria um meio de acesso, participação no espaço onde reside e acontece a vida do ser humano e também como possibilitador de tomada de decisões, gestão de projetos de vida e autonomia. Variando de significados, “dependendo do interesse das necessidades e do desejo da pessoa com transtorno mental, e de seu grupo comunitário” como salienta Rosa (2009, apud MARANHÃO, 2015, p. 50). Assim, os serviços da Política Pública de Saúde Mental e a economia solidária seriam imprescindíveis para a preparação e atuação das pessoas com transtorno mental no mercado de trabalho, além mesmo, de contribuir na construção da cidadania, de subjetividades e autonomia. Logo, de acordo com Silveira (2015) “construir o acesso real aos direitos para essas pessoas é construir condições para que estes atores tenham acesso ao cuidado em saúde, mas também possam produzir, ter uma casa, uma atividade, relacionar-se, ter acesso aos meios econômicos, valores, etc” (SILVEIRA, 2015, p. 11). Entretanto, são muitas as dificuldades de promover a inclusão pelo trabalho das pessoas com transtorno mental, que variam desde o preconceito, discriminação, estigma tanto da sociedade quanto dos empregadores até mesmo de articulação de serviços e investimentos na política, além mesmo, de limitações institucionais, viabilizações de ações inovadoras e do próprio neoliberalismo. Logo, a inserção da pessoa nos diversos âmbitos, “circula entre o desejável e o imprescindível na busca da cidadania universal” (FRAZÃO, 2007, p. 49). 4 CONCLUSÃO Para finalizar, percebe-se que os significados em relação ao trabalho e a sua prática diante das pessoas com transtorno mental modificaram, devido a Reforma Psiquiátrica e o processo de desinstitucionalização, desencadeando a necessidade de reabilitação psicossocial e principalmente de cidadania. Porém, os desafios são vários para a reconstrução da cidadania e identidade dos sujeitos e sua inserção e ou 1032

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI permanência no mercado de trabalho e na sociedade. Embora, existam estratégias inclusivas e articulações realizadas pelos profissionais da Política de Saúde Mental com outras políticas que consolidam e contribuem na rede de cuidados. Contudo, percebeu-se que na sociedade capitalista o indivíduo excluído do mercado formal tende a ser excluído de outros espaços, fomentando as expressões da questão social como a pobreza, a miséria, o desemprego, a violação de direitos e consequentemente a própria cidadania, tanto do sujeito quanto de familiares. E, desse modo, se inclui as pessoas com transtorno mental e em desvantagem social que vivenciam, sofrem dificuldades de sobreviver no Estado capitalista permeado por interesses e com a lógica concorrencial e excludente. Disso ocorre uma crescente demanda das pessoas com transtorno mental e/ou seus familiares que possuem dificuldades de se inserir no mercado de trabalho, aos serviços e políticas sociais, como a Política de Assistência Social e Previdência Social, para a concessão de benefícios socioassistenciais para o próprio sustento e de algum modo à autoestima e melhoria na qualidade de vida e saúde. No entanto, conclui-se que o trabalho contribui para as pessoas com transtorno mental ocupar espaços, construir laços, ampliar contratos, desenvolver potencialidades, autonomia e principalmente gerar renda para realização pessoal e transações econômicas e comerciais, além mesmo, que é importante os serviços substitutivos, associações e cooperativas nesse processo de (re)inserção social e trabalhista e há necessidade da intersetorialidade entre as políticas para trabalhar com esse segmento excluído do sistema capitalista. REFERÊNCIAS CASTEL, Robert. A ordem psiquiátrica – a idade de ouro do alienismo. Rio de janeiro: Graal, 1978. FRAZÃO, Iracema Da Silva. “Eu acho que a pessoa doente mental pode trabalhar. eu trabalho e não sou doente mental”. O processo de reinserção da pessoa com transtorno mental no mercado de trabalho. Tese de doutorado. Departamento de Serviço Social – Universidade Federal de Pernambuco, 2007. p. 18-59. Disponível em: < https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/9590>. Acesso em: 24 maio 2020. GUERRA, A.M.C. Oficinas em saúde mental: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. In. C. M. Costa, & A. C. Figueiredo (Orgas.), Oficinas terapêuticas em 1033

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Saúde Mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Copa. 2008. p. 23- 57. IPEA - Instituto De Pesquisa Econômica Aplicada. Os novos dados do mapeamento de economia solidária no Brasil: nota metodológica e análise das dimensões socioestruturais dos empreendimentos. Brasília, DF: IPEA, 2016. Disponível em: < http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7410/1/RP_Os%20Novos%20dados%2 0do%20mapeamento%20de%20economia%20solid%C3%A1ria%20no%20Brasil_2016. pdf>. Acesso em: 12 maio 2020. MARANHÃO, L. S. R.; ROSA, Lucia Cristina dos Santos. Do processo de segregação da loucura à cidadania e trabalho para a pessoa com transtorno mental: o desejo de trabalhar e o CAPS II leste como dispositivo potencializador de inserção do usuário. In: a política de saúde mental no Piauí sob a égide da RAPS/Organizadoras, Sofia Laurentino Barbosa Pereira.[Et Al.].-Teresina: EDUFPI, 2017. p. 250-281. MARANHÃO. L.S.R. A atuação do CAPS II Leste de Teresina-PI na perspectiva de inserção da pessoa com transtorno mental no mercado de trabalho e ações de geração de renda. Teresina. 2014. p. 8-93. MELO, Zélia Maria De. Os Estigmas: A deterioração da identidade social. 2005. Disponível em: <http://proex.pucminas.br/sociedadeinclusiva/anaispdf/estigmas.pdf>. Acesso em: 04 maio 2020. PEREIRA, Sofia Laurentino Barbosa. Intersetorialidade na política de saúde mental: uma análise a partir das articulaçoes tecidas pelos/as assistentes sociais nas redes intersetoriais / Sofia Laurentino Barbosa Pereira. 2018. SCHEFFER, Graziela; SILVA, Lahana Gomes. Saúde mental, intersetorialidade e questão social: um estudo na ótica dos sujeitos. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 118, p. 366-393, abr./jun. 2014. Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101- 66282014000200008&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso em: 18 jun. 2020. SILVEIRA. L. C. O trabalho como produção de subjetividade e estratégias de reabilitação psicossocial. 2015. Disponível em: < https://www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/paganex/tcc2014lucimaracristina dasilveira.pdf>. Acesso em: 13 maio 2020. SINGER, Paul. Saúde Mental e Economia Solidária. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental e economia solidária: inclusão social pelo trabalho/ Ministério da Saúde, Secretária de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégias. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2005. p. 7-15. Disponível em: < http://www.ee.usp.br/departamento/nucleo/CComs/doc/Sm%20e%20economia%20s olid%E1ria.pdf>. Acesso em: 08 maio 2020. 1034

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS SERVIÇO SOCIAL DE EMPRESA: UM PARALELO ENTRE O TRABALHO PROFISSIONAL DE ASSISTENTES SOCIAIS EM UMA COMPANHIA ESTATAL DE ENERGIA ELÉTRICA E AS EMPRESAS TERCEIRIZADAS DO RAMO ELÉTRICO COMPANY SOCIAL SERVICE: A PARALLEL BETWEEN THE PROFESSIONAL WORK OF SOCIAL ASSISTANTS IN A STATE ELECTRIC ENERGY COMPANY AND THE ELECTRIC BRANCH THIRD PARTY COMPANIES Maria Jose de Oliveira Lima1 Viviane Arcanjo de Oliveira2 RESUMO O presente artigo intitulado Serviço Social de empresa: um paralelo entre o trabalho profissional de Assistentes Sociais em uma Companhia Estatal e as empresas terceirizadas do ramo elétrico3 é resultado de uma pesquisa bibliográfica acerca de produções teóricas sobre trabalho profissional de assistentes sociais em empresas. A referida pesquisa foi realizada utilizando artigos de várias Revistas científica e teve como proposta inicial verificar se haviam produções teóricas que abarcassem o tema. O estudo também tinha o objetivo de conhecer o Setor de Serviço Social de empresa Estatal de Energia Elétrica de Minas Gerais, apontar os impactos sofridos pelos profissionais a partir da Reestruturação Produtiva com a flexibilização e terceirização da força de trabalho, fazendo um paralelo entre o cotidiano de assistentes sociais na Estatal e a realidade em suas empresas chamadas empresas “terceiras”. 1 Assistente Social Professora Doutora na UNESP Franca. 2 Assistente Social, Mestranda em Serviço Social da UNESP- Franca. 3 O artigo apresentado intitulado Serviço Social de empresa: um paralelo entre o trabalho profissional de Assistentes Sociais em uma Companhia Estatal e as empresas terceirizadas do ramo elétrico, faz parte do Projeto de Pesquisa a ser desenvolvido no Mestrado em Serviço Social na UNESP de Franca 2020. 1035

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Palavras-Chaves: Serviço Social de empresa; Terceirização; Reestruturação Produtiva. ABSTRACT The present article entitled Corporate Social Service: a parallel between the professional work of Social Workers in a State Company and the outsourced companies in the electric sector is the result of a bibliographical research about theoretical productions on professional work of social workers in companies. This research was carried out using articles from several scientific journals and had as its initial proposal to verify if there were theoretical productions that covered the theme. The study also aimed to get to know the Social Service Sector of a State Electricity Company in Minas Gerais, to point out the impacts suffered by professionals from the Productive Restructuring with the flexibilization and outsourcing of the workforce, making a parallel between daily life of social workers at the State-owned company and the reality in its companies called “third party” companies. Keywords: Company Social Service; Outsourcing; Productive Restructuring INTRODUÇÃO O artigo ora apresentado tem como intenção expor o resultado de uma pesquisa feita nas publicações da Revista Serviço Social e Sociedade sobre o tema Serviço Social de Empresas cuja natureza de atuação seja a eletricidade. A proposta deste estudo foi verificar se existem publicações acerca do tema e que venham a contribuir com a construção de estratégias profissionais para as (os) assistentes sociais inseridos neste espaço sociocupacional. O foco deste estudo foi o Serviço Social de uma empresa Estatal de Energia Elétrica de Minas Gerais que, como todas as demais empresas, vivenciam significativas mudanças e grandes impactos em seu cotidiano profissional após a Reestruturação Produtiva com a intensificação da precarização do trabalho e terceirização. O interesse pelo estudo sobre o tema iniciou-se quando uma das pesquisadoras foi contratada para atuar como assistente social de uma empresa chamada “terceira” desta Estatal no município de Contagem em Minas Gerais em 2015 e, diante dos limites, dificuldades e diversidade de demandas apresentadas pelo trabalho profissional, houve a necessidade de buscar na literatura conhecimentos que contribuíssem com a construção de possibilidades e novas estratégias na intervenção profissional. 1036

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Algumas indagações serviram de ponto de partida para o início deste estudo, a saber: Existem produções teóricas sobre a atuação de assistentes sociais em empresas cujo ramo de atividade é a eletricidade? Como se deu a transferência do Serviço Social da Concessionária de Energia Elétrica de Minas Gerais para suas empresas terceirizadas? Pretendemos conhecer especialmente os aspectos de maiores contradições e os pontos convergentes destas instituições considerando suas naturezas Público-Privado. A partir do tema Serviço Social de empresa: um paralelo entre o trabalho profissional de Assistentes Sociais em uma Companhia Estatal e as empresas terceirizadas do ramo elétrico buscar-se á uma apreensão dos aspectos mais relevantes para os (as) profissionais do Serviço Social; desvendar quais os pontos sócio-histórico divergentes e convergentes na criação do Setor de Serviço Social na Companhia Energética de Minas Gerais e como se dá a transferência desta experiência para suas empresas contratradas. Partimos da premissa de que a criação e a caminhada histórica do Serviço Social da Cemig, não sem contradições inerentes ao contexto econômico e político do país, possibilitou um acompanhamento mais próximo, qualificado e mais abrangente aos empregados por parte das assistentes sociais ao longo dos seus anos de existência sendo esta possível devido ao número expressivo de profissionais, o vínculo profissional estabelecido e os Programas de Saúde e Projetos bem desenhados. Todavia, a realidade das (os) profissionais inseridas (os) neste campo de atuação, a partir da lógica da “empresa enxuta” (Antunes, 2014) 4 sofre com rebatimentos e precarização do trabalho de maneira significativa considerando as novas exigências do mercado. Por outro lado, através do cenário crescente de terceirização das empresas, abrem-se novos espaços de contratação para assistentes sociais, contudo a intervenção qualificada pautada na legislação inerente à profissão e no Projeto Ético Político da categoria nem sempre é possível aos (as) profissionais devido às frágeis e precárias relações de trabalho; falta de incentivo ou tempo para qualificações; e o aumento das demandas e suas diversificações. 4 Empresa enxuta ou uma 'liofilização organizacional' significa uma descentralização e dispersão no território, 'empresas-rede', funções expulsas da (grande) empresa, subcontratos; constituição de empresas por funções de negócio que \"vendem\" para as funções remanescentes da empresa, etc. (CASTILHO.J.J. 2000.p). 1037

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Esta afirmativa se confirma quando Ricardo Antunes (2014) reflete sobre o processo de terceirização das empresas. “Nesse campo” da organização do trabalho- evidencia-se, através da terceirização, condições de trabalho e salário que definem trabalhadores de primeira e segunda categorias, como porta para o trabalho análogo ao escravo, e a discriminação se dá não apenas por parte da empresa contratante, mas também entre os próprios trabalhadores contratados diretamente e os chamados “terceiros”, cuja denominação já revela a distinção ou a condição à parte, de fora, externa. (Antunes, 2014). Ainda segundo o autor: As diferenças entre uns e outros se explicitam no tipo de treinamento, que em geral é menor para os terceirizados, no acesso limitado às instalações da empresa (refeitórios, vestiários), nas revistas na entrada e saída da empresa, nas jornadas mais extensas, na intensificação do trabalho, na maior rotatividade, nos salários menores, mas mais arriscadas condições de (in) segurança, entre outras coisas. (Antunes, 2014 p.17) Indo ao encontro das condições postas aos “trabalhadores terceirizados”, Lourenço (2015) acrescenta que: “quando as empresas substituem os” seus trabalhadores diretos por terceirizados, o que elas procuram não é tornar mais segura as condições de trabalho, mas trata-se da busca por maior lucratividade, isentando-se de maiores responsabilidades com a força de trabalho, que passa a ser contratada por terceiros. Ao resolver os problemas legais pela força da lei, garante os baixos salários, frequentes rotatividade no trabalho e as piores condições em que ocorrem (Lourenço, 2015 p. 452). Diante da realidade complexa exposta, acreditamos ser importante a realização de um estudo mais aprofundado da literatura acerca do tema e bem como de uma pesquisa mais ampliada que venha para contribuir com a construção de novos saberes sobre este espaço ocupacional. 2 DESENVOLVIMENTO Os campos de atuação do profissional de Serviço Social estão em constante mudança. A realidade é dinâmica e para acompanhar toda a construção e reconstrução de novos conhecimentos e demandas faz-se necessária uma formação contínua que possibilite ao profissional um olhar mais crítico sobre o contexto em cena. 1038

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Iamamoto, 2010 nos adverte que pensar o Serviço Social na Contemporaneidade requer os olhos abertos para o mundo contemporâneo para decifrá-lo e participar da sua recriação. Ainda segundo a autora é necessário alargar os horizontes, olhar para mais longe, para o movimento das classes sociais e do Estado em suas relações; não para perder ou diluir as particularidades profissionais, mas, ao contrário, para iluminá-la com mais nitidez. Assim como os demais campos sócios ocupacionais do Serviço Social, as empresas são espaços de grandes desafios para estes profissionais, uma vez que agregam em um mesmo espaço infinitas possibilidades de imprimir em seu trabalho as lutas por direitos sociais dos trabalhadores ali presentes conforme os princípios do Código de Ética Profissional, ao mesmo tempo são submetidos às inflexões e rebatimentos das contradições que são inerentes à sociedade capitalista (ARAÚJO, 2015). Segundo pesquisa intitulada Assistentes Sociais no Brasil: elementos para o estudo do perfil profissional realizada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS no ano de 2005, dos 1.049 profissionais entrevistados 13,19% atuavam em empresas privadas constituindo-se naquele momento um dos maiores empregadores de assistentes sociais. Todavia, em busca de referenciais bibliográficos acerca da atuação destes profissionais em empresas, verifica-se uma escassez de produções teóricas. Tais informações se confirmam através dos dados apresentado na Revista Serviço Social & Sociedade número 100. Revista esta de grande referência em produções literárias sobre o Serviço Social no Brasil e fora dele. O volume 100, lançado em 2009 em comemoração aos 30 anos da profissão no Brasil, trouxe o estudo feito pela pesquisadora Maria Ozanira da Silva trazendo as seguintes informações conforme o quadro: Década Artigos publicados Quantidades de artigo sobre Serviço Social de Empresa 1979-1989 285 artigos publicados 03 - Referentes à Trabalho 1990-1999 321 artigos publicados 26 - Referentes à Trabalho / Transformações no Mundo do Trabalho. 1039

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2000- 2009 523 artigos publicados 33 – Referentes à Trabalho / Políticas Públicas de Trabalho / Desemprego Fonte: autora Segundo a autora, no período de 2000-2009 as produções literárias foram agrupadas na categoria Serviço Social e empresa com os artigos referentes aos temas Reconceituação, Processo de Trabalho, Serviço Social e Globalização, Competências Profissionais e Marcos Legais do Trabalho Social na América Latina (SILVA, 2009). Entre os anos de 2010 até o presente momento as produções literárias foram direcionadas a vários aspectos da atuação profissional como Políticas Públicas de Assistência Social, Saúde, INSS, Formação Profissional, Serviço Social no contexto Sociojurídico, Movimentos Sociais, Trabalho Social com Famílias entre outros. Destas produções pesquisadas, 44 chamaram a atenção por tratar-se do Serviço Social de empresa (16%), os demais temas encontrados foram Assessoria e Consultoria (18%); Ambiência Organizacional (2%); Assédio Moral (5%); Responsabilidade Social (7%); Desgaste Mental de Assistentes Sociais (2%); Reestruturação no Mundo Trabalho (7%); Recursos Humanos (7%); Segurança e Meio Ambiente (2%) e Condições de Trabalho do (a) Assistente Social (2%); Saúde do Trabalhador (7%); Pesquisas sobre empresas (2%); A partir desta incursão teórica acerca do tema Serviço Social de Empresa percebe-se que há uma ausência de literaturas relacionadas à intervenção de assistentes sociais em empresas do ramo de energia elétrica, mesmo sendo este um setor de grande impacto na economia brasileira e com tendência a crescimentos devido às mudanças advindas do processo de reestruturação produtiva nos anos 1990. Para entendermos o sentido deste espaço ocupacional, buscamos em outras áreas de formação o que seria então uma empresa. Infestas Gil (1993 apud LIMA, 2005, p. 235) define empresa enquanto sistema social aberto com estruturas interdependentes e múltiplos fatores externos que se relacionam ao sistema social global do qual faz parte. Tal afirmativa é confirmada por Lima (2005), pois explica que “esse sistema social é complexo porque envolve pessoas e suas heterogeneidades culturais, comportamentais, educacionais, étnicas que também se fazem representar por um conjunto de habilidades próprias, capazes de transformações no espaço empresarial, com o objetivo de satisfação de necessidades coletivas e individuais’’. 1040

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A empresa objeto desta proposta de estudo é a Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, fundada em 1952 como empresa estatal que, naquele momento, desempenhava papel fundamental no novo ciclo de expansão do setor elétrico no Brasil sob o governo desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitscheck. A crescente intervenção estatal no setor elétrico, consolidada em 1962 com a constituição da empresa Holding Federal Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), modificou profundamente a base produtiva e a estrutura de propriedade da indústria de energia elétrica nacional. A escala técnica dos empreendimentos foi elevada com a construção de grandes centrais hidrelétricas em locais afastados dos principais centros consumidores e a implantação de extensas linhas de transmissão (CEMIG, 1992). Foi neste cenário de crescimento econômico, que segundo Iamamoto: “Iniciam as primeiras experiências do Serviço Social nas empresas, os Assistentes Sociais atuarão em geral, na racionalização dos serviços assistenciais ou na implantação, assim como em atividades de cooperativismo, ajuda mútua e organização de lazeres educativos... paralelamente, interferirão crescentemente nos encaminhamentos necessários à obtenção dos benefícios da legislação social junto aos órgãos de Previdência”. (Iamamoto, 2007.p.196). Portanto, explorar este espaço de intervenção, a prática profissional e o conhecimento dos (as) assistentes sociais se faz necessário uma vez que este (a) não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte de um trabalho combinado ou de um trabalhador coletivo que forma uma grande equipe de trabalho. Iamamoto, (2010, p. 64) É necessário lembrar que o Serviço Social é uma profissão que tem a pesquisa em sua essência, somos profissionais embora também pesquisadores e formadores. Esta é uma questão muito importante para pensarmos a pesquisa no Serviço Social, pois é fundamental para seu desenvolvimento que haja uma reflexão contínua sobre sua prática. Como uma forma de produzir conhecimento (MARSIGLIA, 2009). Ainda segundo a autora: A pesquisa exploratória permite uma aproximação de tendências que estão ocorrendo na realidade, para as quais ainda não temos conhecimento sistematizado nem bibliografia consolidada. Nestas condições é preciso consultar pessoas que tenham alguma experiência na prática em relação ao tema ou que elaboraram alguma observação, ainda que inicial, sobre os fenômenos que estão ocorrendo. Este tipo de pesquisa pode ser instrumento muito importante para o trabalho profissional do Assistente Social e também 1041

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI para a formação dos futuros profissionais. (MARSIGLIA, 2009. In MOTA et. al.2009 p.385). Portanto, acredita-se que os elementos trazidos por esta pesquisa trarão importantes contribuições para a categoria de Assistentes Sociais, principalmente àquelas inseridas em empresas do ramo elétrico e para demais estudiosos, pois se trata de um espaço sociocupacional pouco explorado teoricamente apesar de apresentar uma infinidade de possibilidades para outros estudos. 3 CONCLUSÕES Como exposto acima, as publicações sobre a atuação do Serviço Social em empresas ainda são poucas se comparadas às demais temáticas de pesquisas realizadas por assistentes sociais. Acredita-se que a falta de estudos ou de registros sobre as experiências do cotidiano profissional de maneira crítica e reflexiva leva a categoria e aos demais trabalhadores ao desconhecimento ou descrença na importância da importância da (o) assistente social naquele espaço ocupacional, sugerindo ou ordenando que sejam realizadas ações não correlatas a formação proposta pelo currículo do Serviço Social. Segundo Massiglia (2009), a teoria é um conhecimento organizado, sedimentado e que muito embora tenha partido da realidade concreta, passou por um complexo processo de sucessivas abstrações, que ao mesmo tempo o faz distanciar-se do concreto imediato e poder explicar uma realidade mais ampla, concentrando se em apontar os elementos essenciais de um objeto construído nesse processo de generalização e abstração. Portanto, conhecer totalmente o Serviço Social de empresa é tarefa longe de ser alcançada, até mesmo por sua dinamicidade e capacidade de sua criação e recriação constante. Muito se tem a caminhar nesta investigação que seguirá, mas já é possível vislumbrar um universo rico em apontamentos e possibilidades de temas a serem descobertos. REFERÊNCIAS 1042

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI AMARAL. Angela Santana de; CESAR, Mônica. O trabalho do assistente social nas em- presas capitalistas. In: CFESS/ABEPSS (Orgs.). Serviço social: direitos e competências profissionais. Brasília: CFESS/Abepss, 2009. ANTUNES, Ricardo (Org.). Riqueza e Miséria do trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006. ________, Desenhando a nova morfologia do trabalho no Brasil. São Paulo, Estudos Avançados, Nº 28, 2014. ARAÚJO, F.C. O serviço social em empresas: formulações acerca de um espaço de atuação profissional. In:O serviço social em empresas para alem de críticas: espaços de enfrentamento e atuação profissional. Rio de Janeiro: E-Papers, 2015. CASTILHO. J.J. La Sociología del Traba j o hoy: la genealogía de un paradigma. Universidad Complutense de Madrid.2000. COMPANHIA ENERGÉTICA DE MINAS GERAIS. Revista Comemorativa de 40 anos.1992.Disponível em: http://www.cemig.com.br/ptbr/a_cemig/Nossa_Historia/Documents/revista%2040%2 0anos%20cemig%20agrupada. Acessado em 26.08.2019 ______,Revista Comemorativa dos 50 anos. 2002. Disponível em http://www.cemig.com.br/ptbr/a_cemig/Nossa_Historia/Documents/revista%2040%2 0anos%20cemig%20agrupada. Acessado em 26.08.19 GUERRA, Y. O projeto profissional: estratégias de enfrentamentos das condições contemporâneas da prática profissional. Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 91, p. 5-33, 2007. IMAMOTO, M.V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2001. ______. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2007. INFESTAS GIL, A. Sociologia de la empresa. 2. ed. Salamanca: Amarú, 1993. LIMA, M.J.; COSAC,M.D. Serviço Social na Empresa.Revista Katalysis v.8 n2. Florianópolis SC, p.235-246. 2005. LOURENÇO.E.Â.S. Terceirização: a derruição de direitos e a destruição da saúde dos trabalhadores. Revista Serviço Social e Sociedade 123. São Paulo:Cortez, 2015 p. 452- 453. MARSIGLIA.R.M.Giffoni. In. Serviço Social e saúde. Ana Elizabeth Mota (Et.Al.Orgs.) 4ed. São Paulo.Cortez; Brasília: OPAS, OMS, Ministério da Saúde, 2009. 1043

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI MINAYO.M.C;SANCHES. O. Quantitativo-Qualitativo: Oposição ou Complementaridade? Cad. Saúde Públ.,Rio de Janeiro, 9 (3): 239-262,1993. MOTA, Ana Elisabete. O feitiço da ajuda: as determinações do serviço social na empresa. São Paulo: Cortez, 1985. OLIVEIRA, MM. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis: Editora Vozes, 2007. OLIVEIRA, S. L. Sociologia das organizações: uma análise do homem e das empresas no ambiente competitivo. SILVA, Maria Ozanira da Silva in. Serviço Social & Sociedade n 100. O Congresso da Virada e os 30 anos. São Paulo:Cortez, 2009. SOUZA FILHO, R. de. Apontamentos sobre o Materialismo Dialético. Revista Libertas, Juiz de Fora, v.3, n1 e n 2 Jan/dez /2003 – p. 115-130 1044

EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: A PARCERIA ENTRE A COMISSÃO DO DIREITO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DA OABRJ E O CENTRO DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DA UERJ SOCIAL ISSUE AND PUBLIC POLICIES: THE PARTNERSHIP BETWEEN THE OABRJ COMMISSION ON THE LAW OF PERSONS WITH DISABILITIES AND THE UERJ PSYCHOSOCIAL ATTENTION CENTER Anália da S. Barbosa1 Caio Silva de Sousa2 RESUMO Trata-se de um relato do processo de trabalho e da produção de cuidados em saúde mental no Centro de Atenção Psicossocial II da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em parceria com Comissão do Direito da Pessoa com Deficiência Da OABRJ durante os 03 primeiros meses de pandemia de COVID-19, como forma de estabelecer a garantia do cuidado intersetorial por meio dos dispositivos existentes e políticas públicas, priorizando o cuidado em liberdade. Potencializando assim, nesse momento, a dispensação de cestas alimentícias, em um contexto político e socioeconômico que prioriza formas manicomiais de cuidado. Logo, a pandemia e seus desdobramentos no cenário socioeconômico e cultural e mais diretamente nas trajetórias dos nossos usuários e seus familiares ressaltou a necessidade do trabalho no território, estreitando a comunicação com outros serviços de saúde e de outras políticas públicas. Palavras-Chaves: Política Pública; Pandemia de COVID-19 Atenção Psicossocial; Cesta básica 1 Doutoranda do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana da UERJ, Diretora do CAPS UERJ, e-mail: [email protected], Lattes: http://lattes.cnpq.br/1283526561048971. 2 Doutorando em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá. Advogado, Docente do Curso de Direito da UNISUAM, Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ. E-mail: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4401534471793657. 1045

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT This is an account of the work process and the production of mental health care at the Psychosocial Care Center II of the State University of Rio de Janeiro in partnership with the OABRJ Commission on the Rights of Persons with Disabilities during the first 03 months of pandemic of COVID-19, as a way of establishing the guarantee of intersectoral care through existing devices and public policies, prioritizing care in freedom. Thus, potentiating, at this moment, the dispensing of food baskets, in a political and socioeconomic context that prioritizes asylum forms of care. Therefore, the pandemic and its consequences in the socioeconomic and cultural scenario and more directly in the trajectories of our users and their families highlighted the need for work in the territory, strengthening communication with other health services and other public policies. Keywords: Public policy; COVID-19 Pandemic Psychosocial Care; Basic Basket INTRODUÇÃO Este artigo é fruto da parceria estabelecida entre a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro por meio do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS/UERJ para a oferta de cestas básicas para as famílias em situação de vulnerabilidade social. Diante do cenário atual referido a pandemia do COVID-19 a realidade social de muitas pessoas tem se agravado principalmente no que tange o direito adequado a alimentação. A pandemia do novo coronavírus chega ao Brasil em um momento de estagnação econômica, desmonte dos sistemas de saúde e proteção social, paralisação de praticamente todos os programas de Segurança Alimentar e Nutricional, aumento acelerado da pobreza e, especialmente, da extrema pobreza. Logo, joga luz sobre as desigualdades sociais, étnico-raciais e de gênero e as condições precárias de vida a que estão submetidas parcelas imensas da população brasileira - em especial a população negra, mulheres, crianças e idosos, trabalhadores/as informais, pessoas com deficiência, pessoas com transtornos mentais severos e persistentes - e escancara seu potencial catastrófico junto a estes grupos. Sendo assim, o direito humano à alimentação adequada está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Sua definição foi 1046

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ampliada em outros dispositivos do Direito Internacional, como o artigo 11 do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Comentário Geral nº 12 da ONU. No Brasil, resultante de amplo processo de mobilização social, em 2010 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 64, que inclui a alimentação no artigo 6º da Constituição Federal. No entanto, isso não necessariamente significa a garantia da realização desse direito na prática, o que permanece como um desafio a ser enfrentado. Nesse caminho, a CDPD/OABRJ e o CAPS/UERJ apresentam uma proposta de combate à fome a uma parcela reduzida da população, com um recorte de quem é acompanhado pelos serviços supracitados, a ser implementada em caráter de urgência em parceria com a ONG Biacolhe, a fim de atender a 130 famílias de forma direta por esses serviços, uma vez que no momento não conseguem ter acesso ao direito à alimentação. Tem-se como pergunta norteadora deste trabalho se a parceria entre instituições e organizações da sociedade civil cumprem o papel fundamental para o acesso à alimentação, em atenção aos que se encontram em situações de extrema vulnerabilidade no momento de Pandemia de COVID-19? Ressalta-se que se trata de um estudo de abordagem qualitativa e faz parte do trabalho desenvolvido que deriva da experiência de utilização da observação e registro no diário de campo dos pesquisadores como método de coleta de dados em pesquisas realizadas no período de março a maio de 2020. 2 OBJETIVOS Apresentar a parceria estabelecida entre o CDPD/OABRJ, o CAPS/UERJ e a ONG Biacolhe como uma das estratégias no período da Pandemia do COVID19 para o acesso à alimentação a pessoa com deficiência e a pessoas com transtornos mentais graves e persistentes que são acompanhadas por esses dispositivos. 3 REFERENCIAL TEÓRICO 3. 1 SOLIDARIEDADE Dizer que o ser humano tem direito a solidariedade, pode ser traduzido em que o Estado deve zelar pelos direitos dos cidadãos, deve garantir que este viva de forma 1047


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