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2ªEdição da Revista de Jurisprudência do Copeje

Published by Thiago Álvares da S. Campos, 2020-12-15 23:33:31

Description: Homenagem ao Ministro Dias Toffoli

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Não estamos a dizer que a AIJE e a representação do art. 41-A se interrompem; estamos a tratar do inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral, que pressupõe prova pré- constituída. O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Pelo contrário, a própria ação de impugnação de mandato eletivo... Se um senador ou um governador, no curso da campanha, comete algumas das hipóteses previstas no art. 14 da Constituição – e entendo que o § 10 deve ser interpretado junto com § 9º –, esse fato pode e deve ser trazido pelo Ministério Público ou pelos demais candidatos à Justiça Eleitoral por meio da ação de impugnação de mandato eletivo a qual, de um lado, não permitirá o exercício do mandato até que o TSE decida, porque a ela não se aplica o art. 216 do Código Eleitoral; de outro, se permitirá a produção de prova, inclusive se for o caso pericial, e todos os meios de provas possíveis, para a apuração do ilícito. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Qual seria a incompatibilidade entre o art. 262 do Código Eleitoral e a Carta da República? Não vejo nenhuma. A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Os mesmos fatos são trazidos em duas oportunidades à Justiça Eleitoral. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: São institutos diversos. Um diz respeito à impugnação do diploma e o outro, ao mandato. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): A Ministra Laurita Vaz provou exatamente a divergência. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Qual a incompatibilidade, a inconstitucionalidade? A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Vamos ouvir o final do voto da ministra. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: No Colegiado, a maioria sempre vence, por isso é órgão democrático por excelência. A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Senhora Presidente, reporto-me às bem lançadas palavras do Ministro Carlos Ayres Britto, no REspe nº 28.040, oportunidade, em que, com a precisão que lhe é peculiar, asseverou: [...]10.Explico.Portodooconjuntonormativoemqueversouotemafundamental dos “direitos políticos” (arts. 14, 15 e 16), a Constituição fez perpassar a mais clara preocupação com a tutela da soberania do eleitor, da autenticidade do 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 101

regime representativo e da lisura do processo eleitoral. Por isso que chegou a iniciar formulação regratória do instituto da inelegibilidade, sem deixar de requestar o aporte de lei complementar federal para o explícito fim de proteger “a probidade administrativa” e “a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato [...]”. Ainda mais, lei complementar de finalidade já antecipada e consistente na proteção da “normalidade” e da “legitimidade das eleições contra “a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (§ 9º do art. 14), sendo certo que essa parte final é sinônima perfeita de abuso de poder político. 11. Sucede que, ao abrir o parágrafo subsequente (o de nº 10) para nele positivar os pressupostos da ação de impugnação de mandato eletivo, a Magna Carta Federal tornou a mencionar, literalmente, o “abuso do poder econômico”, não o fazendo, porém, quanto ao abuso do poder político. Em lugar dele, usou dos substantivos “corrupção” e “fraude”, de maneira a suscitar a seguinte e natural pergunta: qual a razão dessa falta de explicitude quanto ao abuso no exercício de função, cargo ou emprego públicos (abuso de poder político, então)? 12. Bem, a explicação não me parece difícil. É que, para melhor cumprir os seus eminentes fins tutelares, a Constituição preferiu falar de corrupção naquele sentido coloquial (não tecnicamente penal) de “conspurcação”, “degeneração”, “putrefação”, “degradação”, “depravação”, enfim. No caso, conspurcação ou degeneração ou putrefação ou degradação ou depravação do processo eleitoral em si, com seus perniciosos e concretos efeitos de cunho ético-isonômico- democráticos. Atenta a nossa Lei Fundamental para o mais abrangente raio de alcance material do termo “corrupção”, se comparado com o abuso do poder político; pois se toda corrupção do detentor do mandato eletivo, agindo ele nessa qualidade, não deixa de ser um abuso do poder político, a recíproca não é verdadeira. Basta lembrar, por hipótese, o cometimento de autoritarismo ou truculência, que, sendo um nítido abuso do poder político, nem por isso implica ato de corrupção. Ao menos para fins eleitorais. 13. Daqui se infere que o propósito da Lei Republicana, ao sacar do substantivo “corrupção”, não foi excluir o abuso no exercício de função, cargo ou emprego públicos enquanto pressuposto do manejo da AIME. Bem ao contrário, o intento da Lei Maior foi detectar do modo mais eficaz possível a abusividade de tal exercício para fins eleitorais. Alargando, então, e nunca estreitando, as possibilidades de uso da única ação eleitoral de expressa nominação constitucional. 14. Em síntese, a palavra “corrupção”, tanto quanto o vocábulo “fraude”, ambos estão ali no § 10 do art. 14 da Magna Carta sob o deliberado intuito de se fazer de uma acepção prosaica um lídimo instituto de Direito Constitucional- 102 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Eleitoral. Não propriamente de Direito Constitucional-Penal, renove-se o juízo. Com o que se afasta o paradoxo de supor que a Constituição Cidadã incorreu no lapsus mentis de não considerar o abuso do poder político – logo ele – como pressuposto de ajuizamento da AIME. 15. No particular, e com estes fundamentos, perfilo-me junto àqueles que, como o Min. José Delgado, assim se pronunciam: “existe, no ordenamento jurídico eleitoral, no campo do direito formal, a possibilidade de o abuso do poder político e econômico ser apurado pela via de ação de impugnação de mandato eletivo, desde que o princípio do devido processo legal seja respeitado” (REspe nº 25.985/RR, rel. Min. José Delgado, DJU de 27.10.2006). 16. Nesse panorama, penso que tal equacionamento jurídico se ancora no processo de interpretação que toma o conhecido nome de “sistemático”. Processo “sistemático” ou “contextual”, cuja função eidética é procurar o sentido peninsular da norma jurídica; isto é, o significado desse ou daquele texto normativo, não enquanto ilha, porém enquanto península ou parte que se atrela ao corpo de dispositivos do diploma em que ele, texto normativo, se encontre engastado. Equivale a dizer: por esse método de compreensão das figuras de Direito o que importa para o intérprete é ler nas linhas e entrelinhas, não só desse ou daquele dispositivo em particular, como também de toda a lei ou de todo o código de que faça parte o dispositivo interpretado. Logo, o que verdadeiramente importa é buscar o visual de todo um conjunto de dispositivos que se identifiquem por uma matéria comum a todos eles. Daí o seguinte magistério da Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal: “eventualmente, há que se sacrificar a interpretação literal e isolada de uma regra para se assegurar a aplicação e o respeito de todo o sistema constitucional”. 17. Em resumo, o todo articulado da Constituição Federal abona a conclusão de que ela não manifesta o seu veemente repúdio tão só ao abuso do poder econômico, em tema de propositura da ação de impugnação de mandato eletivo. Inclui nessa repugnância o abuso do poder de autoridade, ainda com mais compreensíveis razões para fazê-lo. 18. Nessa mesma vertente de ideias, ainda que não sob os mesmos fundamentos, é de se ler: [...] A influência do poder econômico, a corrupção e a fraude são pressupostos da ação [de impugnação de mandato eletivo], porém não foram erigidos em numerus clausus pelos preceitos constitucionais. Também é pressuposto da ação de impugnação de mandato eletivo o ‘abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta’. Não seria razoável e mesmo inconcebível coibir o abuso do poder econômico, a corrupção e a fraude e não se anular o diploma havido em razão do ‘desvio de poder’ com a utilização da ‘máquina administrativa’, maculando a normalidade e 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 103

legitimidade das eleições. Logo, também o ‘desvio de poder’, conforme a previsão dos arts. 14, § 9º e 37, § 4º, da Constituição Federal, caracteriza pressuposto da ação de impugnação de mandato eletivo. Ainda nesse mesmo julgamento – Respe nº 28.040/BA – destaco manifestação do Ministro Cezar Peluso, que asseverou: Parece-me este o sentido que corresponde ao conteúdo semântico do vocábulo no texto do § 10 do art. 14 da Constituição da República, que – disso não há quem duvide – se não resume às figuras criminais do mesmo nome, mas alcança todos os demais comportamentos que, com exceção do abuso e da fraude, o administrador adote no uso da coisa pública (res publica), em proveito eleitoral próprio, como se fosse proprietário dela. Noutras palavras, e daí o rigor daquela definição, corrupção é todo comportamento do administrador que se aproveita, em benefício eleitoral seu, da coisa pública, na larga acepção deste conceito, como se estivesse exercendo sobre ela o papel de proprietário, com poderes de usar, abusar e dispor do objeto do seu domínio. Por estarmos, neste ponto, amparados no novo regime constitucional do tema, não me parece cabível a crítica de que se esteja no campo da intolerável interpretação extensiva de uma norma restritiva de direito. A incompatibilidade é, ao final, uma opção constituinte. Recusá-la, no caso, equivale a investir-se no papel de constituinte e decidir o que seria mais conveniente ao país. Não cabe ao Judiciário, para usar as famosas palavras de Eduardo García de Enterría, exercer o “poder de emendar” a Constituição (La constitución como norma y el tribunal constitucional. Madrid: Civitas, 1994, p. 158). Em síntese, não se trata propriamente de interpretar ampliativamente para restringir direitos, mas de interpretar para cumprir a nova norma constitucional, da maneira como se encontra, com um instituto e regime expressos. Efetivamente, muito já se discutiu nesta Justiça especializada sobre a existência de litispendência ou coisa julgada material entre as medidas processuais impugnativas, mas pouco sobre a sua compatibilidade com a Carta Magna à luz da sistemática adotada nas ações eleitorais. Conquanto, de fato, o RCED e a AIME possuam causas de pedir próximas distintas, é dizer, fundamento legal diverso – a primeira extraída do Código Eleitoral e a segunda da própria Constituição –, tal circunstância, segundo penso, não é suficiente para conferir- lhes autonomia, sobretudo quando analisadas em plano único no ordenamento jurídico vigente. A meu sentir, sustentar a ausência de litispendência entre tais ações é limitar-se à análise meramente processual da questão, sem enfrentar o real objetivo a que se destinam, as circunstâncias fáticas em que se fundam, e os efeitos jurídicos de que delas provêm, os quais são, indiscutivelmente, os mesmos: tornar insubsistente o mandato eletivo adquirido nas urnas. Nesse ponto, reafirmo merecer profunda reflexão, por parte desta Corte Superior, a 104 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

problemática de o mesmo fato originar mais de uma ação visando ao mesmo resultado, como é o caso do RCED em face da AIME. Tais possibilidades conduzem ao descrédito da Justiça Eleitoral, pois podem, não raro, gerar decisões conflitantes e, até em virtude disto, a eternização do litígio. E mais, torna o Poder Judiciário um verdadeiro terceiro turno eleitoral, impedindo o fim das demandas judiciais em ofensa aos princípios da celeridade processual, da razoável duração do processo e da segurança jurídica, especialmente quando o direito tutelado possui tempo certo – um mandato, geralmente, de quatro anos! Outro ponto que nos causa perplexidade é a circunstância de a competência para julgar tais ações ser diversa, ou seja, faculta-se à parte a escolha do juízo competente para a análise da causa. Afinal, como já afirmado, a AIME tramitará no Tribunal Regional, ao passo que o RCED no Tribunal Superior Eleitoral, como no presente caso. Em conclusão, e considerando as inúmeras identidades acima mencionadas, tenho que o RCED previsto no inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral, nas hipóteses de abuso de poder, corrupção, fraude, falsidade e coação, é incompatível com o ordenamento jurídico inaugurado pela Carta da República de 1988, sendo inconstitucional, por possuir regramento jurídico próprio, previsto em seu art. 14, §§ 10 e 11. Noutro giro, cumpre destacar, ainda, que, após a entrada em vigor da LC nº 135/2010, que alterou o inciso XIV do art. 22 da Lei de Inelegibilidades, haverá provável enfraquecimento dos RCED estribados no inciso IV do art. 262 do CE. Afinal, após as alterações promovidas pela referida lei, a cassação do diploma e do mandato passou a ser possível também em sede de AIJE, consequência esta antes só admitida, após a realização das eleições, por meio de RCED e AIME. Assim, torna-se desnecessário o posterior ajuizamento de RCED baseado nos mesmos fatos ilícitos, como ocorre normalmente. Nessa linha também leciona Joel José Cândido7: Tudo indica, deste modo, que na prática forense desaparecerá o Recurso Contra a Diplomação baseado no art. 262, IV, do Código Eleitoral. Nesses casos, o autor, é evidente, ajuizará a ação, em prejuízo do recurso, com as seguintes vantagens imediatas: 1) o prazo maior para a propositura da ação, em relação ao prazo do recurso; 2) uma maior possibilidade de produção de prova; e 3) a desnecessidade da prova judicial para a ação, ao contrário do que sucede com o recurso. Ambas as medidas, pelo mesmo fundamento, em ajuizamento concomitante, não é possível. Nem será viável, na prática. [...] Ademais, pela possibilidade, em tese, de contrariedade da coisa julgada, a Justiça Eleitoral não deverá receber as duas medidas judiciais, ao mesmo tempo, prevalecendo a que for em primeiro aforada. 7. CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral brasileiro. 15. ed., São Paulo: Edipro, 2012, p. 282. 105 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

O recurso contra a diplomação, a seu turno, ficará mais adstrito às hipóteses dos incisos I, II e III do art. 262 do Código Eleitoral, não abrangidas pelos pressupostos da ação. No inciso IV, repete-se, passa a ser mais conveniente a propositura da ação. Mais alguns fundamentos porque, a meu ver, o RCED, na forma prevista no inciso IV do art. 262 do CE, não mais deve subsistir no ordenamento jurídico atual. Nessa linha, inclusive, parece ser o entendimento da Comissão de Reforma Política, conforme o Projeto de Lei nº 5.735, de 2013, em tramitação na Câmara dos Deputados, o qual defende nova redação para o mencionado artigo de lei, mais precisa e harmônica com o nosso sistema constitucional-eleitoral, qual seja: Art. 262. O recurso contra a expedição de diploma caberá somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade. Parágrafo único. Para os fins desse artigo, considera-se superveniente a inelegibilidade surgida entre a data do pedido de registro de candidatura e a da eleição. Desse modo, oriento-me no sentido de que ao RCED deve-se reservar a impugnação tão somente do ato administrativo da diplomação, de que cuidam os demais incisos do art. 262 do Código Eleitoral, excluindo-se a hipótese do inciso IV, ora em debate, de todo coincidente com a AIME e, por isso mesmo, com ela incompatível. Acolhido esse entendimento, impõe-se uma reflexão sobre outro tema igualmente relevante: o marco inicial para a produção dos efeitos do que decidido pelo Tribunal, de modo a se evitar indesejável surpresa ao jurisdicionado. Isso porque não se pode perder de vista o grande número de recursos contra expedição hoje em trâmite na Justiça Eleitoral, sendo certo que tais ações vêm sendo propostas e regularmente processadas sem qualquer discussão quanto ao seu cabimento até a presente data. Assim, prestigiando o postulado da segurança jurídica e a confiança na jurisdição que dele decorre, penso que a novel orientação deve ser aplicada de modo prospectivo, preservando-se as ações até então ajuizadas. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Não é a primeira vez que voto aqui, nem o primeiro caso em que voto pela não recepção. Em 2010, quando era substituto, votei, vencido, antes até da eleição desses candidatos que estão impugnados. O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Eu já acompanhei o entendimento de Vossa Excelência obter dictum também em 2008. A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Essa proposta que trago é justamente para preservar a segurança jurídica, para que essas ações ajuizadas e trazidas ao conhecimento da Justiça não fiquem perdidas; não seja colocado ponto final sem prestação jurisdicional. 106 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Por essa razão digo: Assim, prestigiando o postulado da segurança jurídica e a confiança na jurisdição que dele decorre, penso que a novel orientação deve ser aplicada de modo prospectivo, preservando-se as ações até então ajuizadas. Ressalto que raciocínio semelhante foi feito por este Tribunal no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Contra Expedição de Diploma nº 703, no qual se assentou que a mudança jurisprudencial relativa à necessidade de formação de litisconsórcio entre prefeito e vice valeria apenas para as ações propostas após a publicação do novo posicionamento da Corte. Ou seja, mudou-se o entendimento jurisprudencial e decidiu-se que esse novo entendimento teria cabimento e aplicação dali para frente. Nesse mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 637.485-RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, caso dos “prefeitos itinerantes”, no qual se decidiu pela necessária observância da segurança jurídica em matéria eleitoral: Recurso extraordinário. Repercussão geral. Reeleição. Prefeito. Interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição. Mudança da jurisprudência em matéria eleitoral. Segurança jurídica. I. Reeleição. Municípios. Interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição. Prefeito. Proibição de terceira eleição em cargo da mesma natureza, ainda que em município diverso. [...] II. Mudança da jurisprudência em matéria eleitoral. Segurança jurídica. Anterioridade eleitoral. Necessidade de ajuste dos efeitos da decisão. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamentaldoprincípiodasegurançajurídicaparaoregulartranscursodosprocessos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse art. 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 107

eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE nº 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. [...] (RE nº 637485, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 1º.8.2012, acórdão eletrônico DJE-095 divulg. 20.5.2013 public. 21.5.2013) Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal, nesse caso, acerca dos prefeitos itinerantes, também decidiu que tal entendimento passaria a valer dali para frente, não se aplicando para os casos... A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Este é um caso que só tem efeitos concretos, porque temos um recurso em que são partes o Democratas (DEM) e Francisco de Assis, então não há como cogitar nada para declarar incidentalmente a inconstitucionalidade e assumir as consequências de quem votou. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Deveríamos, até em medida de precaução – vou me referir à base legal –, ouvir o Ministério Público, porque a inconstitucionalidade surgiu, pela vez primeira, no voto do relator, ou seja, quando apregoado o processo. Preconiza o art. 480 do Código de Processo Civil, aplicável, subsidiariamente, ao processo eleitoral: Art. 480. Arguida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, ouvido o Ministério Público, submeterá a questão à turma ou câmara (no caso, é o Colegiado único), a que tocar o conhecimento do processo. Sob meu ponto de vista, como estaremos revendo – praticamente a maioria está formada, o que me deixa atônito – jurisprudência sedimentada, devemos ouvir o Ministério Público. É o mínimo, e proponho, ao Colegiado, em questão de ordem. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Ministra Luciana Lóssio, Vossa Excelência termina e colocamos a questão de ordem. A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Observo, por fim, que o caso dos autos, a meu ver, não se enquadra na hipótese de não recepção da primeira parte do art. 262, IV, do CE, e de inconstitucionalidade da parte final do dispositivo – a qual prevê a 108 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

hipótese de cabimento do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 – acrescida posteriormente à promulgação da Constituição Federal. Isso porque não apenas a parte final do art. 262, IV, do CE foi alterada pela Lei nº 9.840/1999, como bem destacou o eminente relator, mas, também, a primeira parte da norma mantida pelo legislador, que, conhecedor da nova ordem constitucional vigente, houve por bem repetir o inteiro teor do dispositivo, ratificando o preceito legal anterior. Confira-se o art. 3º da referida lei, que alterou o art. 262, IV, do CE, in verbis: O inciso IV do art. 262 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 262............................................................................. .........................................................................................” “IV – concessão ou denegação do diploma em manifesta contradição com a prova dos autos, nas hipóteses do art. 222 desta lei, e do art. 41-A da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.” (NR) (Grifei) Posto isso, penso que o caso é de inconstitucionalidade. A partir dessa reflexão, em observância à segurança jurídica, e para não fulminar as ações ajuizadas com base no entendimento então prevalecente no Tribunal Superior Eleitoral, sem por outro lado, tornar inócua a presente discussão – mantendo-se em trâmite ações repetidas, que buscam reprimir os mesmos fatos e alcançar os mesmos objetivos – proponho a modulação temporal dos efeitos da presente decisão, aplicando- se a orientação ora traçada aos RCED em tramitação, para que, com supedâneo no princípio da fungibilidade, quando ajuizados na modalidade do inciso IV do art. 262 do CE, sejam recebidos e processados como AIME, analisando-se o pedido nos termos de seu regime jurídico próprio. Diante dessas premissas, no caso concreto aqui analisado, o qual se refere ao pleito de 2010, recebo o RCED como AIME, remetendo-o, por consequência, ao juízo competente para o seu julgamento. É como voto. ESCLARECIMENTO O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Senhora Presidente, em meu voto, não menciono modulação do efeito. Entendo que não houve erro grosseiro do advogado ao interpor o recurso contra expedição de diploma; ele simplesmente não existe na minha visão para esta hipótese agora contemplada. Não houve erro grosseiro porque, como bem dito por Vossa Excelência, está calcado não só no dispositivo legal – até agora reconhecido como compatível com a Constituição –, mas também em procedimento que, desde 1951, este Tribunal tem adotado. A primeira previsão foi no código de 1950. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 109

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Em 1951, o primeiro recurso foi interposto. O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Então, como não há erro grosseiro, aplico a fungibilidade de formas para dele conhecer como AIME, por se tratar de corrupção, e, verificando que a competência para julgamento de ação de impugnação de mandato eletivo no caso de deputado federal é do Tribunal Regional Eleitoral, declino da competência para a origem. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Assentando a inconstitucionalidade. VOTO (RETIFICAÇÃO) O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Senhora Presidente, sobre essa questão trazida, tanto no voto do Ministro Henrique Neves da Silva, quanto no voto da Ministra Luciana Lóssio, no sentido de receber como AIME e determinar remessa ao juízo do Tribunal Regional Eleitoral; diante do que votaram, diante do princípio da segurança jurídica, dos vários processos e da jurisprudência até então formada; mesmo reafirmando que em 2010 votaram dessa forma e que na história do Supremo há votos vencidos que, depois, se tornaram votos vencedores – como no caso da perda de mandato por infidelidade partidária, que não é novidade em jurisprudência de tribunal, inclusive, na do Supremo –, em razão da segurança jurídica, adaptarei meu voto na conclusão, acatando as deliberações, as proposições de Suas Excelências: preservar a ação proposta como AIME e remetê-la ao juízo do TRE/PI. Acato os argumentos de segurança jurídica. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Assentando a inconstitucionalidade ou a não recepção? O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Há uma parte do inciso IV que é anterior à Constituição de 1988 e, na conclusão do meu voto, assentei a não recepção; e há uma parte acrescentada posteriormente. Nessa parte acrescentada, assento a inconstitucionalidade como me manifestei no dia da votação. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Eu tinha anotado não conhecimento pela não recepção. Voto (Questão de ordem – Vencido) O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhora Presidente, insisto que Vossa Excelência coloque em votação a questão de ordem suscitada. 110 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Surgiu, pela vez primeira, nesta assentada, a problemática alusiva à inconstitucionalidade. Pela legislação de regência, impõe-se ouvir o Ministério Público, principalmente para modificar-se a jurisprudência de forma tão profunda. VOTO (QUESTÃO DE ORDEM) O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Senhora Presidente, este caso está na terceira sessão de julgamento. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Aliás, Vossa Excelência começou o voto dizendo que ficaria vencido de forma isolada. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Este é local de votar com seriedade. Estou fazendo-o com seriedade. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Estou votando com seriedade! O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Votarei com seriedade e, com seriedade, digo que estava presente nessa sessão em que proferi meu voto. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Todos, Excelência. Não deixemos que a discussão de ideias descambe para o campo pessoal! O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Não levo para o lado pessoal, mas também não admito esse tipo de questionamento. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Que tipo de questionamento? Vossa Excelência disse, no início do voto, que ficaria vencido, basta vermos a gravação: O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Não admito. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Repito a observação: Vossa Excelência chegou dizendo que tinha esse ponto de vista e que ficava isolado. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Vossa Excelência foi voto vencido várias vezes e várias vezes se tornou voto vencedor depois no Supremo Tribunal Federal. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Preconizo marcharmos com segurança, Excelência. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Com segurança marcharemos porque com segurança estava presente o fiscal da lei na sessão em que proferi meu voto. Inclusive, naquela ocasião, penso que, ou era o procurador-geral eleitoral titular, ou a vice-procuradora-geral eleitoral, porque houve pedido de vista. Depois, quando o processo foi trazido já era, salvo engano, a procuradora-geral eleitoral interina, que também não se manifestou. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 111

Temos hoje como a última data da presença do Ministro Castro Meira, que votou e trouxe voto alentado sobre o tema. Entendo que o Ministério Público teve ciência, há muito tempo, do tema e poderia ter intervido. Não interveio a tempo. Penso que seja desnecessário o encaminhamento dos autos ao Ministério Público. Rejeito a questão de ordem, com a devida vênia. É como voto. VOTO (QUESTÃO DE ORDEM – VENCIDO) A SENHORA MINISTRA LAURITA VAZ: Senhora Presidente, fiquei surpresa com a decisão, porque o Ministro, naquele mesmo dia do julgamento, disse que a matéria era pacificada neste Tribunal e meu voto demonstrou isso. Fiz um voto em que apresentei a jurisprudência antiga desta Corte até a mais atual. Pelo que verifico, estamos negando a aplicação ao art. 262, e seus incisos, do Código Eleitoral – até porque os precedentes que cito fazem referência a todos os incisos, de I a IV. Então, entendo ser de suma importância, nessa hipótese, ouvir o Ministério Público. VOTO (QUESTÃO DE ORDEM) O SENHOR MINISTRO CASTRO MEIRA: Senhora Presidente, como observa o Ministro Marco Aurélio, muitas vezes o Colegiado tem suas surpresas. Confesso que, quando trouxe meu voto-vista, eu estava preparado para ouvir um pedido de vista; pensei que a matéria fosse levar ao adiamento da discussão final até porque, por praticidade, havia outros processos e não pensei que consumiria tanto tempo. No que diz respeito à intervenção do Ministro Marco Aurélio, na verdade, quando se declara a inconstitucionalidade em processo, costumamos ouvir o Ministério Público, no caso, o Ministério Público Eleitoral, entretanto, como bem observou o relator, esse processo está apresentado pela terceira vez e nas três oportunidades havia a presença do Parquet, que não pediu para se manifestar. No STJ é comum o Ministério Público interferir e pedir para se manifestar na oportunidade. Considerando que o julgamento já está finalizado, entendo ser princípio a se observar que o processo é sempre um caminhar para frente. Está certo que a matéria é polêmica e envolve modificação no que até hoje se apreciou, embora me pareça, data venia dos que entendem em contrário, que haja fundadas razões nos votos apresentados em todos os sentidos, mais particularmente nos questionamentos trazidos pelo Ministro Dias Toffoli. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Com certeza haverá recurso ao Supremo. 112 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Não, esse caso não chegará ao Supremo, lamentavelmente, porque há alguns recursos aqui de interesse inclusive do recorrente. O SENHOR MINISTRO CASTRO MEIRA: Para concluir, entendo que, na hipótese concreta, já houve essa oportunidade, não foi oferecida porque não foi solicitada, de tal modo que rejeito, data venia, a questão de ordem sempre bem oportunamente colocada pelo Ministro Marco Aurélio. VOTO (QUESTÃO DE ORDEM) O SENHOR MINISTRO HENRIQUE NEVES DA SILVA: Senhora Presidente, o Código Eleitoral dispõe que: Art. 24. Compete ao procurador-geral, como chefe do Ministério Público Eleitoral: I – assistir às sessões do Tribunal Superior e tomar parte nas discussões; [...] IV – manifestar-se, por escrito ou oralmente, em todos os assuntos submetidos à deliberação do Tribunal, quando solicitada sua audiência por qualquer dos juízes, ou por iniciativa sua, se entender necessário; A Procuradoria-Geral Eleitoral, salvo engano, já se pronunciou nos autos. Iniciada a sessão de julgamento, não vejo nenhuma dificuldade, caso o procurador- geral eleitoral, que sempre deve ser ouvido em todos os casos, quiser se manifestar; particularmente, não tenho nada a opor. Por outro lado, o art. 19 do Código Eleitoral, parágrafo único, que regula os julgamentos no Tribunal Superior Eleitoral, dispõe: Art. 19 [...] Parágrafo único. As decisões do Tribunal Superior, assim na interpretação do Código Eleitoral em face da Constituição (é o que estamos fazendo aqui, examinando o Código da Constituição Federal) e cassação de registro de partidos políticos, como sobre quaisquer recursos que importem anulação geral de eleições ou perda de diplomas, só poderão ser tomadas com a presença de todos os seus membros (É o caso em que estamos todos presentes). Se ocorrer impedimento de algum juiz, será convocado o substituto ou o respectivo suplente. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 113

Por fim, no Regimento Interno do TSE, o que se dispõe sobre a declaração de invalidade de lei ou ato contrário à Constituição Federal é que: Art. 29. O Tribunal, ao conhecer de qualquer feito, se verificar que é imprescindível decidir-se sobre a validade, ou não, de lei ou ato em face da Constituição, suspenderá a decisão para deliberar, na sessão seguinte, preliminarmente, sobre a arguida invalidade. Foi o que efetivamente ocorreu no caso, com o pedido de vista da Ministra Laurita Vaz. O Ministro Dias Toffoli apontou a arguição de inconstitucionalidade, a Ministra Laurita Vaz pediu vista e já estamos na terceira sessão. Com a devida vênia, sem prejuízo de o Ministério Público poder se manifestar, inclusive, neste momento, oralmente, acompanho o eminente relator. VOTO (QUESTÃO DE ORDEM) A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Senhora Presidente, peço vênia ao Ministro Marco Aurélio para acompanhar o relator, por entender que foram dois pedidos de vista; da mesma forma que me preparei e fiz um voto escrito em razão da envergadura da discussão que, certamente, iria ser travada neste Colegiado. Qualquer um de nós poderia ter preparado voto ou o Ministério Público a sua manifestação, de modo que não vejo utilidade para suspendermos o julgamento a fim de abrir vista para o Ministério Público manifestar-se e depois continuarmos o julgamento. Acompanho o relator. VOTO (QUESTÃO DE ORDEM – VENCIDO) A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Senhores Ministros, peço vênia à maioria já formada. Penso ser algo nunca visto por mim, nem como advogada nem como juíza: o encaminhamento de uma declaração de inconstitucionalidade já com quatro votos sem que o Ministério Público tenha se manifestado, até porque ele é o advogado da sociedade. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: O tema surgiu pela vez primeira com o voto do relator, já que ninguém articulou a inconstitucionalidade. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Por essa razão, peço vênia ao ministro relator e aos que o seguiram para acompanhar na questão de ordem o Ministro Marco Aurélio, no sentido de que cabe a oitiva do Ministério Público exatamente sobre esse tema. 114 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Quanto à questão de ordem, do Ministro Marco Aurélio, proclamo pela sua rejeição. Vencidos o Ministro Marco Aurélio, a Ministra Laurita Vaz e a presidente. VOTO (VENCIDO) O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhora Presidente, se nós, juízes, ficamos surpresos com a articulação, o que se dirá quanto ao Ministério Público, mas acabei de dizer que, no Colegiado, vence a maioria, por isso é órgão democrático por excelência. Em Direito, institutos têm sentido próprio, balizas próprias. O Direito é orgânico e dinâmico. Em se tratando do processo eleitoral – refiro-me ao processo de impugnação gênero –, há fases sucessivas para veicular-se matéria que poderia ter sido aduzida antes. Assim o é. Basta levarmos em conta o inciso I do art. 262 do Código Eleitoral. Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente nos seguintes casos: I – inelegibilidade ou incompatibilidade de candidato; [...] A um só tempo, a inelegibilidade serve à impugnação ao pedido de registro e ao recurso contra expedição de diploma – nomenclatura consagrada pelo Código Eleitoral, em vez de ação de impugnação. A Carta de 1988 está em vigor há praticamente 25 anos e pela primeira vez surge a articulação, com maioria formada, como ressaltou Vossa Excelência, em torno do conflito do art. 262 do Código Eleitoral, inciso IV, com o Texto Maior, olvidando-se a existência de institutos diversos. Pouco importa que as causas de pedir, ou algumas delas, sejam idênticas, considerado o recurso contra a diplomação e a ação de impugnação de mandato eletivo, já que, repito, isso é próprio ao ordenamento jurídico constitucional, inclusive o eleitoral. Qual seria o conflito do art. 262 do Código Eleitoral com a Constituição Federal, mais precisamente com o contido no § 10 do art. 14? Há, no caso, recurso a ser protocolado em prazo exíguo de três dias, observada a investidura em mandato? Não. Tendo em vista a diplomação, o ato administrativo da Justiça Eleitoral, como salientou o Ministro Henrique Neves da Silva, segue-se a impugnação formalizada em processo público. No tocante à impugnação ao mandato, o prazo de quinze dias é contado a partir da diplomação, pois impugna-se o mandato eletivo propriamente dito. O conflito de normas é apenas aparente. Foi apresentada à Justiça Eleitoral não a ação de impugnação de mandato eletivo, mas protocolado o recurso contra a diplomação, baseado no disposto no art. 262 do Código Eleitoral. Se há dúvida relativamente à harmonia ou não da lei com a Carta da República, deve-se preservar a lei. Não vejo conflito entre o art. 262, inciso IV, do Código Eleitoral, a versar etapa própria, com a previsão do § 10 do art. 14 da Constituição Federal. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 115

Evidentemente, ajuizada a ação ou apresentado o recurso a tempo, o fato de ter-se posteriormente a investidura no mandato não torna o processo em curso inócuo, havendo situação concreta para a qual a própria Carta estabelece a competência da Justiça Eleitoral. Refiro-me ao disposto no inciso III do § 4º do art. 121, segundo o qual, das decisões dos tribunais, caberá recurso para o Tribunal Superior Eleitoral, inclusive no processo revelador de recurso contra a diplomação, no caso de expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais, não bastasse o contido no art. 55, inciso V. Senhora Presidente, torno a registrar perplexidade com a mudança substancial da jurisprudência, passados 25 anos da vigência da Constituição Federal de 1988. Não sei se julgamos, quanto às eleições ligadas ao processo, outras situações concretas sem que o tema tenha surgido. Não vejo como vislumbrar conflito do art. 262, inciso IV – penso que o relator circunscreve a óptica ao inciso IV... O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Sim, a óptica diz com o inciso IV; os incisos I, II ou III entendo hígidos. Não estão em jogo no caso, mas, obter dictum, digo que estão hígidos. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Então, revelando que prestei atenção ao voto de Vossa Excelência, estou interpretando bem o modo de pensar sobre a matéria. Não vejo como dizer-se do conflito do inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral com a Constituição Federal. E não me canso de afirmar que o instituto da não recepção nada mais é que a inconstitucionalidade do preceito considerado incompatível com a Carta da República. Por isso, preocupado com os desdobramentos em termos de processo eleitoral como um todo, preocupado com a mudança substancial da jurisprudência, acompanho a Ministra Laurita Vaz no voto proferido. Não vejo como tomar-se recurso contra a diplomação como ação de impugnação de mandato eletivo, disciplinada pelo § 10 do art. 14 da Constituição Federal, imprimindo, a essa altura, inclusive, porque assim requer o texto constitucional, sigilo na tramitação desse mesmo processo. Uma coisa é o termo inicial do prazo de impugnação ao mandato, algo diverso é o objeto do procedimento! Senhora Presidente, não posso dizer que o autor cometeu erro grosseiro, ante a sinalização do Tribunal durante anos e anos. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Cinco anos depois da Constituição, mas quase 40 anos antes. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Segundo o relator, a proposta do Ministro Henrique Neves da Silva é determinar a remessa... A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): A proposta é da Ministra Luciana Lóssio, e o Ministro Henrique Neves da Silva acata. 116 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Também acatei a proposta: aproveita- se como AIME e remete-se os autos ao TRE. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Quanto ao recurso contra a diplomação, seríamos competentes, não? O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Como entendo ser incompatível com a Constituição Federal... A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): O Ministro Dias Toffoli entende que o recurso não existe. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Eu não havia me preocupado com isso. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: No caso, qual é o mandato? O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Para deputado estadual no ano de 2010. Como estamos a fazer mudança de jurisprudência, e quando se somaram três votos ao meu, dando maioria, no sentido da incompatibilidade do inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral com a Constituição Federal, entendi por bem acatar a sugestão formulada, isto é, aproveitar o recurso como AIME e remetê-lo ao TRE para que lá se analise na fase em que se encontra. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Senhora Presidente, em síntese, concluo pela inexistência do conflito. VOTO (RETIFICAÇÃO) O SENHOR MINISTRO CASTRO MEIRA: Senhora Presidente, também somo meu voto aos anteriores, no que diz respeito à complementação dos votos proferidos pelos Ministros Henrique Neves da Silva e Luciana Lóssio, referentes à remessa dos processos à instância ordinária, no caso, aos TREs. A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Vossa Excelência aceita o RCED como AIME e declina da competência? O SENHOR MINISTRO CASTRO MEIRA: Exatamente. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 117

VOTO (VENCIDO) A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (presidente): Senhores Ministros, também peço vênia à maioria formada e ao ministro relator para dizer que não consigo vislumbrar nenhuma incompatibilidade entre o § 10 do art. 14 da Constituição e o inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral. Lembro que, quando o Supremo Tribunal Federal, em 2009, verificou apenas a liminar deferida pelo Ministro Eros Grau na ADPF nº 167 (arguição de descumprimento de preceito fundamental), que tratava, não de inconstitucionalidade, porque não foi arguida, mas de competência, o partido político que ajuizou a ADPF no Supremo questionava se competente para o RCED seria o Tribunal Superior Eleitoral ou o Tribunal; não se questionou existência. De 1951 até 2009, não havia discussão maior quanto à competência. E o Supremo, por maioria, negou referendo à liminar do Ministro Eros Grau, assentando que não havia plausibilidade jurídica nem fumaça do bom direito sequer sobre a competência. Para deixar claro, quero que ouçam a passagem do voto do Ministro Ayres Britto, ex- presidente desta Casa e meu bom amigo: Eu trouxe um voto longo − seguramente de vinte e duas páginas, mais ou menos. Não lerei, absolutamente. Entendo que esse modelo consagrado, a partir do art. 121 da Constituição e no próprio Código Eleitoral, é um modelo que deu certo, reconhecendo, ao Superior Tribunal Eleitoral, a competência para processar e julgar originariamente os recursos contra expedição de diploma. A fórmula, em que pese até uma estranheza quanto ao nome recurso − o Ministro Cezar Peluso bem o disse quando da discussão da matéria no TSE − é um recurso que admite prova, desde que indicada na inicial, uma produção até originária de prova, ex novo, mas, no Direito Eleitoral há heterodoxia das coisas a partir da nomenclatura dos institutos. Tudo, na Justiça Eleitoral, é heterodoxo, até o fato de ser o ramo do Judiciário que faz das atividades administrativas não um meio, mas um fim. E essas atividades administrativas − de cadastro de eleitores, recadastramento, planejamento de eleição, instrução de eleição, materialização de eleição, coleta de votos, apuração, totalização de resultados, até a expedição do diploma −, todas essas atividades que são tidas como administrativas, tudo é heterodoxo no plano da Justiça Eleitoral. A atividade administrativa na Justiça Eleitoral, mais do que meio, é fim. E, mais do que interna corporis, é externa corporis, porque alcança a massa dos administrados. Basta dizer que o cadastro eleitoral é de cento e trinta e dois milhões. Temos mais de cento e trinta e dois milhões de eleitores cadastrados. Portanto, há um processo eleitoral próprio, diferente de qualquer outro. Há um sistema recursal também absolutamente próprio, a partir da nomenclatura, que aqui e ali causa uma certa estranheza. Mas o fato é que não vejo plausibilidade jurídica no pedido. Mais uma vez digo, data venia: a fumaça do bom Direito não 118 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

me parece presente. Há uma jurisprudência convergente em torno de quatro décadas assentando essa competência originária do TSE. E, ainda que se restaure a discussão, se se trata de uma ação autônoma de cassação de diploma ou de um verdadeiro recurso, ainda assim a competência judicante é da Justiça Eleitoral. E é operacional, porque, como nós sabemos, na Justiça Eleitoral, as ações, os recursos, trabalham com mandatos que têm duração limitada no tempo; [...] A maioria dos ministros do Supremo, naquela sessão de 2009, acompanhou a divergência do Ministro Ayres Britto e nem ao menos viu plausibilidade, a ponto de não referendar a liminar do Ministro Eros Grau; e, reitero, discutia-se a competência, porque o recurso sequer foi discutido ou levado ao Supremo pelo partido. Não consigo vislumbrar, tal como disse antes, qualquer antinomia, qualquer contrariedade entre as duas normas, pela singela circunstância de que a previsão de recurso – ainda que tenha nome de recurso, é ação –, o recurso contra a expedição de diploma, ainda que haja pontos de identificação com a ação de impugnação de mandato eletivo, também há, como a Ministra Luciana Lóssio acentuou, pontos de divergência, e são institutos diferentes. Não há nenhuma novidade em ter mais um processo, mais de um instrumento, mais de um instituto com as identificações e divergências apontadas. De toda sorte, como eu disse, com a maioria já formada, peço vênia ao ministro relator. Penso ser mudança não apenas de jurisprudência, não apenas de processo, mas da competência da Justiça Eleitoral, do procedimento quanto a isso. Afirma-se que há outros recursos. Há por enquanto, até que se verifique de novo a situação. VOTO (RATIFICAÇÃO) O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (relator): Senhora Presidente, mantenho a posição no sentido da invalidade do dispositivo, mas, em razão do princípio da segurança jurídica para este caso específico, conheço como AIME e remeto o processo ao Tribunal Regional Eleitoral do Piauí. EXTRATO DA ATA RCED nº 8-84.2011.6.18.000/PI. Relator: Ministro Dias Toffoli – Recorrente: Democratas (DEM) – Estadual (Advs.: Geórgia Ferreira Martins Nunes e outros) – Recorrido: Francisco de Assis Carvalho Gonçalves (Adv.: Alexandre de Castro Nogueira). Decisão: O Tribunal, por maioria, assentou a inconstitucionalidade do inciso IV do art. 262 do Código Eleitoral e conheceu do recurso como ação de impugnação de mandato eletivo e declinou da competência para o TRE do Piauí, nos termos do voto do relator. Vencida a Ministra Laurita Vaz e os Ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 119

Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Presentes as Ministras Laurita Vaz e Luciana Lóssio, os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Castro Meira e Henrique Neves da Silva, e o vice-procurador-geral eleitoral, Eugênio José Guilherme de Aragão. –––––––– Notas de julgamento das Ministras Cármen Lúcia e Laurita Vaz e do Ministro Castro Meira sem revisão. 120 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO MARCO AURÉLIO (MINISTRO DO STF E DO TSE) STF - ADI - Nº 5947/DF TEMA Sistema Eleitoral PROCESSO LEGISLATIVO – NORMAS REGIMENTAIS – INTERPRETAÇÃO. Revela-se inviável a atuação do Supremo no sentido de fulminar, em sede abstrata e sob o ângulo formal, norma derivada de processo legislativo no âmbito do qual resolvida controvérsia alusiva à dinâmica de votação no Plenário da Casa Legislativa à luz da interpretação conferida a dispositivo do Regimento Interno. SISTEMA ELEITORAL – REGRAS – QUOCIENTE – APLICAÇÃO – SOBRAS ELEITORAIS – CADEIRAS – DISTRIBUIÇÃO – VOTAÇÃO MÍNIMA – FLEXIBILIZAÇÃO – POSSIBILIDADE. Ausente alteração substancial no sistema eleitoral brasileiro, a ponto de solapar, sob o ângulo eleitoral, as bases do regime democrático delineadas na Lei Maior, surge constitucional, ante o princípio da separação dos poderes, legítima opção político-normativa do Parlamento atinente à flexibilização da exigência de votação mínima para que os partidos concorram à distribuição de assentos no Legislativo após a aplicação dos divisores previstos na legislação de regência – “sobras eleitorais”. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 121

RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Adoto, como relatório, as informações prestadas pelo assessor Eduardo Ubaldo Barbosa: O Partido Democratas - DEM ajuizou ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, questionando a compatibilidade, com a Constituição Federal, do artigo 3º da Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017, no que conferiu nova redação ao § 2º do artigo 109 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. Eis o teor do preceito atacado: Art. 3º A Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), passa a vigorar com as seguintes alterações: Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras: [...] § 2º Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que participaram do pleito. O dispositivo alterado tinha a seguinte redação: Art. 109. [...] § 2º Somente poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral. Ressalta a própria legitimidade, aludindo ao artigo 103, inciso VIII, da Constituição Federal, considerada a representação no Congresso Nacional. Discorre sobre o sistema proporcional, tido como garantia de representatividade das diversas tendências da sociedade no Parlamento, o qual, conforme aduz, alça os partidos políticos à condição de protagonistas do cenário eleitoral. Reporta-se ao voto de legenda e ao fato de a eleição de determinado candidato condicionar- se à obtenção, pelo partido, de percentual mínimo de votos - quociente eleitoral -, afigurando­se insuficiente a expressiva votação nominal. Frisa a inconstitucionalidade material do § 2º do artigo 109 da Lei nº 4.737/1965, na redação dada pelo artigo 3º da Lei nº 13.488/2017, no que flexibilizou a exigência de votação mínima a franquear, aos partidos políticos que não alcançaram o quociente eleitoral, a obtenção de assento no Legislativo em todos os âmbitos da Federação, mediante a conquista de lugares referentes às denominadas “sobras eleitorais”, citadas na cabeça do mencionado artigo 109. Argui afronta ao plexo normativo revelado nos artigos 27, § 1º, 32, § 3º, e 45 da Constituição Federal. Aponta ter a norma impugnada violado, a um só tempo, a lógica do sistema proporcional concebido pelo Constituinte e a essência do conjunto de regras instituído pela Emenda de nº 97/2017, a versar, entre outros aspectos, a vedação à formação de coligações partidárias nas eleições proporcionais a partir das 122 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

eleições de 2020 e a instituição de cláusula de desempenho visando a fruição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão, regras direcionadas a limitar a participação de agremiações de baixa representação eleitoral - artigo 17 da Lei Maior. A partir da premissa segundo a qual a exigência de obtenção do quociente eleitoral surge como cláusula de desempenho a inibir a proliferação de partidos despidos de mínima representatividade e conteúdo ideológico, diz que o dispositivo atacado operou inadequada distorção. Conforme sustenta, ao privilegiar a pulverização partidária no âmbito parlamentar, a nova regra implementada contribui para a manutenção do estado da arte político brasileiro, marcado pela perda da densidade representativa das ditas maiores agremiações, em prejuízo, alega, da estabilidade das relações entre Executivo e Legislativo. Sob o ângulo do risco, destacou a então iminente realização das eleições gerais de 2018. Considerada a aplicabilidade imediata da norma questionada, alude à inevitabilidade de mudanças na composição da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais caso o Supremo, no exame de mérito desta ação direta, venha a assentar a incompatibilidade, com a Constituição Federal, do preceito em jogo. Requereu, liminarmente, a suspensão da eficácia do dispositivo impugnado. Postula, alfim, a confirmação da tutela de urgência, com a declaração de inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Vossa Excelência, no dia 24 de maio de 2018, acionou o disposto no artigo 12 da Lei nº 9.868/1999, determinando fossem providenciadas as informações, a manifestação da Advocacia-Geral da União e o parecer da Procuradoria-Geral da República. A Presidência da República acentua a harmonia, com a Constituição Federal, do preceito atacado, o qual, assevera, privilegia, no âmbito do sistema eleitoral proporcional, os princípios da igualdade - artigo 14, cabeça - e do pluripartidarismo artigo 17 , assegurando a representatividade de minorias no Parlamento. Afirma competir ao legislador ordinário definir as regras concernentes ao sistema representativo nacional mediante as alterações adequadas, uma vez compatíveis com a Lei Maior. Frisa que a eventual procedência do pedido implicará afronta aos princípios da anualidade e da anterioridade eleitoral - artigo 16. A Câmara dos Deputados discorre sobre o processo de tramitação legislativa do Diploma, assinalando-o hígido e regular, observadas as exigências regimentais. O Senado Federal aduz que a alteração da redação do artigo 109, § 2º, do Código Eleitoral revela expressão de opção político-normativa do Parlamento, indene ao controle judicial. A Advocacia-Geral da União manifesta-se pela improcedência do pleito, corroborando as razões veiculadas pelo Chefe do Executivo, nos seguintes termos: Direito eleitoral. Artigo 109, § 2º, da Lei nº 4.737/1965, na redação conferida pela Lei nº 13.488/2017, que permite a disputa dos lugares não preenchidos com 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 123

a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal minima por todos os partidos e coligações que participaram do pleito. Alegada violação aos artigos 17 e 27, 1º, 32, § 3º, e 45 da Constituição da República. A norma impugnada foi editada validamente no âmbito de conformação do legislador, não ofendendo o sistema proporcional delineado pela Constituição da República. Na verdade, a disposição hostilizada alinha-se aos princípios do pluralismo político, da igualdade do valor do voto e do pluripartidarismo, porquanto proporciona o acesso aos cargos remanescentes por partidos bem avaliados nas eleições, ainda que não tenham atingido o quociente eleitoral. Manifestação pela improcedência do pedido formulado pelo requerente. A Procuradoria-Geral da República opina pela improcedência do requerido na peça primeira, ante fundamentos assim resumidos: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 109-§2.º DO CÓDIGO ELEITORAL COM A REDAÇÃO DA LEI 13.488/2017 (MINIRREFORMA ELEITORAL DE 2017). DISPENSA DO QUOCIENTE ELEITORAL NA DISTRIBUIÇÃO DAS VAGAS RESULTANTES DAS SOBRAS ELEITORAIS. MEDIDA QUE CONFERE MAIOR GRAU DE REPRESENTATIVIDADE ÀS MINORIAS E ATENDE AOS POSTULADOS DO PLURIPARTIDARISMO, DO IGUAL VALOR DO VOTO E DA IGUALDADE DE CHANCES. MODIFICAÇÃO QUE NÃO DESNATURA O SISTEMA REPRESENTATIVO PROPORCIONAL. NÃO EXTRAPOLAÇÃO DO CAMPO DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR ORDINÁRIO. O art. 109 do Código Eleitoral adota o sistema de médias para a distribuição das vagas resultantes dos restos ou sobras eleitorais. O quociente eleitoral não faz parte da fórmula de cálculo das maiores médias. Partido ou coligações que não alcancem o quociente eleitoral têm a média calculada pela divisão do número de votos válidos obtidos pela legenda por uma unidade. A nova redação do art. 109, § 2º, do Código Eleitoral, ao permitir que todos os partidos e coligações que participaram do pleito possam concorrer às sobras eleitorais, abre espaço para pequenas agremiações mediante critério de distribuição de vagas remanescentes que promove acesso mais igualitário das minorias participativas no processo eletivo (princípio da igualdade de chances). A modificação do art. 109, § 2º, do Código Eleitoral, ao permitir que as pequenas agremiações ocupem vagas no Legislativo, além de emprestar igualdade ao valor do voto, atende ao postulado do pluripartidarismo. O novo modelo de distribuição das vagas remanescentes prestigia o ideário político dos partidos e a presunção de que votos dados a seus candidatos sufraguem ideologia ou estilo de atuação em particular. A alteração promovida pela Lei 13.488/2017 ajusta-se, com fidelidade, à essência do sistema representativo proporcional. Não extrapola a margem de conformação do legislador para definir o modelo de sistema de proporcional regra que deixe de exigir dos partidos ou coligações o quociente eleitoral como requisito indispensável para ocupação de vaga no Poder Legislativo. Parecer pela improcedência do pedido. 124 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Em 19 de dezembro de 2018, considerada inviabilidade de imediato enfrentamento da matéria pelo Colegiado em virtude do encerramento do segundo Semestre Judiciário de 2018, Vossa Excelência indeferiu a liminar, submetendo o ato a referendo do Plenário. Contra o pronunciamento, o Partido Republicano Brasileiro - PRB, admitido no processo na condição de terceiro, formalizou embargos de declaração mediante os quais sustenta omissão quanto à arguida inconstitucionalidade formal, decorrente de ofensa ao artigo 47 da Constituição Federal, articulando irregularidade no processo legislativo. Aludindo ao artigo 148 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, aduz a impossibilidade, ante a negativa de realização de votação nominal no âmbito do Plenário da Casa Legislativa, de aferir-se a quantidade de votos favoráveis à aprovação da emenda da qual resultou a norma impugnada. É o relatório, a ser juntado ao processo eletrônico e distribuído, com antecedência, aos integrantes do Colegiado e à Procuradoria-Geral da República. VOTO O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A controvérsia submetida ao Supremo consiste em definir a compatibilidade, com a Constituição Federal, do artigo 3º da Lei nº 13.488/2017, mediante o qual, conferida nova redação ao § 2º do artigo 109 do Código Eleitoral, flexibilizou-se a exigência de votação mínima a ser alcançada por agremiações e coligações partidárias para a obtenção de cadeiras no Legislativo a partir da conquista de assentos referentes às denominadas “sobras eleitorais”. Em quadra marcada por profunda crise de representatividade política, considerado o distanciamento entre as pretensões e os anseios sociais e as ações concretas dos mandatários políticos, tem-se em jogo matéria sensível, no que ligada ao controle de constitucionalidade de regra atinente ao aperfeiçoamento do sistema eleitoral brasileiro, isto é, do “conjunto de regras que define como, em uma determinada eleição, os eleitores podem fazer as suas escolhas e como os votos são somados para serem transformados em mandatos” (NICOLAU, Jairo. O sistema eleitoral brasileiro. In: AVELAR, L.; CINTRA, A. O. (Org.). Sistema político brasileiro: uma introdução. 2. ed. São Paulo: Fundação Unesp, 2007, p. 293). Destacam-se, nos países ocidentais politicamente orientados a partir das balizas da democracia liberal, dois sistemas voltados à escolha dos governantes, os quais podem conviver harmoniosamente no mesmo regime: o majoritário, consagrador da eleição de quem obtiver número superior de votos válidos em comparação aos concorrentes; e o representativo, direcionado a proporcionar, para cada agremiação 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 125

partidária, espaços de poder correspondentes ao percentual dos respectivos eleitores. De acordo com Erick Wilson Pereira, “a opção por um deles ou por determinada combinação cabe ao Parlamento, muitas vezes no bojo de complexas e laboriosas reformas políticas impulsionadas, em geral, pela pressão popular” (Do sistema eleitoral proporcional e majoritário. In: LEITE, George Salomão et al. (Org.). Crise dos Poderes da República. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 537). No Brasil, adota-se o sistema majoritário para a eleição dos Chefes do Executivo, em todos os níveis da Federação, e dos senadores – artigo 83 do Código Eleitoral; e o representativo, para a escolha dos integrantes da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais – artigo 84. No que diretamente interessa ao deslinde da controvérsia, a temática alusiva à distribuição dos assentos legislativos, considerada a adoção do sistema proporcional nas eleições para o Parlamento, está versada no Capítulo IV – “Da Representação Proporcional” – do Título I – “Do Sistema Eleitoral” – da Parte Quarta do Código Eleitoral, cuja análise revela a existência de determinadas etapas voltadas ao preenchimento das cadeiras na Câmara dos Deputados e nas Casas Legislativas nos âmbitos estadual, municipal e distrital. Num primeiro passo, finalizado o sufrágio, o número de votos válidos apurados – dividendo – é repartido pelo de lugares a serem ocupados em cada circunscrição eleitoral – divisor –, “desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior”. Aplicado o arredondamento, obtém-se, como resultado, o denominado quociente eleitoral – artigo 106. Num segundo, a teor do artigo 107, “determina-se para cada partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração”. O produto da nova operação aritmética corresponde ao número de candidatos eleitos de cada agremiação ou coligação partidária. Na forma do dispositivo subsequente, “estarão eleitos, entre os candidatos registrados, por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar”. Na esteira do ressaltado pelo cientista político Octaciano Nogueira, “em todas as modalidades do sistema proporcional”, aplicados os divisores, “sempre haverá cadeiras a preencher, porque é quase impossível que o número de votos obtidos pelos partidos sejam múltiplos do quociente a ser aplicado” (Sistemas políticos e o modelo brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 121/122). Daí a necessidade de regulamentar o mecanismo de partilha das denominadas “sobras eleitorais”, tarefa empreendida pelo legislador ordinário nos termos da cabeça e dos incisos do artigo 109 do Código Eleitoral: [...] 126 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Artigo 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e em razão da exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 108 serão distribuídos de acordo com as seguintes regras: I – dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário do art. 107, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima; II – repetir-se-á a operação para cada um dos lugares a preencher; III – quando não houver mais partidos ou coligações com candidatos que atendam às duas exigências do inciso I, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentem as maiores médias. Conforme anteriormente observado, com a edição do preceito impugnado, foi dada nova redação ao § 2º do dispositivo para, considerada a disputa pelas cadeiras referentes aos “restos eleitorais”, extirpar do texto original exigência alusiva à obtenção, por determinado partido político, de votação mínima correspondente ao denominado quociente eleitoral.1 Delimitado o alcance da controvérsia, cumpre ao Supremo decidir se o legislador ordinário promoveu, ou não, alteração substancial no sistema eleitoral brasileiro a ponto de solapar, sob o ângulo eleitoral, as bases do regime democrático delineadas na Constituição Federal, cujo artigo 1º revela, como fundamento da República, o pluralismo político, para, no respectivo parágrafo único, assentar que emana do povo todo o poder, a ser exercido diretamente ou por meio de representantes eleitos – circunstância a reclamar o exame da própria noção de representação proporcional. No campo da teoria política, os professores Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino explicitam, de maneira didática, os contornos gerais da questão da seguinte forma: O princípio proporcional acompanha a moderna democracia de massas e a ampliação do sufrágio universal. Partindo da consideração de que numa assembleia representativa deve-se criar espaço para todas as necessidades, todos os interesses, todas as ideias que animam um organismo social, o princípio proporcional procura estabelecer a perfeita igualdade de voto e dar a todos os eleitores o mesmo peso, prescindindo de preferência manifesta [...] Quanto aos sistemas proporcionais, o argumento principal a seu favor consiste na garantia que eles oferecem às minorias contra os abusos das 1. Na forma da regra vigente em momento anterior à edição da Lei nº 13.488/2017, os partidos ou coligações que não tivessem alcançado votação numericamente correspondente ao quociente eleitoral estavam excluídas da distribuição das vagas resultantes dos descarte das frações obtidas com a aplicação do quociente partidário. Eis o teor da redação anterior do § 2º do artigo 109 do Código Eleitoral: “Somente poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral”. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 127

maiorias. Este argumento assume toda a importância nos sistemas políticos nos quais o fair plav democrático ainda não está bem enraizado. (Dicionário de Política. Brasília Editora Universidade de Brasília 1986,p.1175/1176) Eis a razão de ser da opção constituinte pelo sistema representativo, consideradas as eleições parlamentares: viabilizar a participação das minorias na formação da “vontade geral” da Nação, tomando de empréstimo a locução consagrada por Jean- Jacques Rousseau, mediante o afastamento do puro e simples critério majoritário, levando-se em conta a proporcionalidade dos votos atribuídos às diversas facções político-ideológicas. A questão não é nova, tendo sido enfrentada pela inteligência brasileira desde os primeiros anos da República, embora o sistema proporcional apenas tenha sido adotado, em âmbito nacional, com a edição do Código Eleitoral de 1932. Em 1893, o jurista e político Assis Brasil, republicano histórico precursor da defesa do sistema proporcional, assentava a necessidade de a representação nacional “refletir, tanto quanto possível, como hábil miniatura, a situação geral, a soma das opiniões do povo que compõem a nação”, eis que “a minoria tem o direito de ser representada, e é preciso reconhecê-lo e satisfazê-lo” (Democracia representativa: do voto e do modo de votar. Lisboa: Guiilard, Aillaud & CA, 1983, p. 131). No Estado Democrático de Direito, a nenhuma maioria, organizada em torno de qualquer ideário ou finalidade – por mais louvável que se apresente –, é dado tirar ou restringir os direitos e liberdades fundamentais dos grupos minoritários, vedando-lhes a possibilidade de influírem nos destinos da sociedade como um todo, participando plenamente da vida pública, inclusive mediante a fiscalização dos atos determinados pela maioria. Ao revés, dos governos democráticos espera-se o resguardo das prerrogativas e da identidade própria dos quais, até numericamente em desvantagem, porventura requeiram mais da força do Estado como anteparo para que lhes esteja preservada a matriz cultural ou, no limite, continuem existindo. Democracia incapaz de legitimar esse convívio não merece tal nome, sinalizando, ao contrário, a face despótica da inflexibilidade e da intransigência, atributos normalmente afetos a regimes autoritários, marcados pela escravidão da minoria pela maioria. Respeitada a diretriz geral, reveladora do núcleo da opção política efetuado pelo constituinte originário, a Constituição Federal não impôs a adoção de modelo único a ser observado pelo legislador quanto à definição, nos menores detalhes, das regras eleitorais. Em relação a esse ponto, compartilho da visão adotada pela Procuradora- Geral da República, Doutora Raquel Elias Ferreira Dodge, em parecer juntado ao processo revelador desta ação direta: [...] o sistema de representação proporcional previsto no art. 45 da CR não define um modelo de distribuição das vagas resultantes dos restos ou sobras eleitorais. É que o modelo de sistema representativo proporcional, embora possua assento constitucional, pode ser reformulado pelo legislador, 128 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

desde que este não desfigure ou distorça seus vetores ou as demais cláusulas constitucionais pertinentes ao processo eleitoral. Na obra “Sistemas eleitorais: tipos, efeitos jurídico-políticos e aplicação ao caso brasileiro” (São Paulo: Malheiros Editores, 1999, p. 60), Virgílio Afonso da Silva explicita que diversos são os métodos para ter-se a distribuição das denominadas “sobras eleitorais”, entre os quais destacam-se o da “série de divisão”, das “maiores médias” e dos “maiores ou menores restos”. Segundo o professor titular da Universidade de São Paulo, a escolha tende a ser uma escolha política, pois cada método de distribuição de restos produz um padrão diferente de distribuição, muitas vezes beneficiando os partidos maiores em detrimento de uma proporcionalidade mais extrema. Ao flexibilizar a exigência de votação mínima para que os partidos possam concorrer à obtenção de assentos no Legislativo a partir das “sobras eleitorais”, cuidou o Congresso Nacional de optar por uma entre as várias fórmulas possíveis para disciplinar a distribuição das cadeiras não preenchidas após a aplicação dos divisores previstos na legislação de regência, sem discrepar do cerne do sistema de representação proporcional – especialmente porque pretendeu-se reforçar o principal traço distintivo desta fórmula eleitoral: a efetiva participação das minorias na arena político-institucional. Ao escrever sobre a alteração operada no § 2º do artigo 109 do Código Eleitoral ante a edição Lei nº 13.488/2017, o professor José Jairo Gomes asseverou justamente o caráter democrático da inovação legislativa, “pois permite que todos os partidos que participaram do pleito (inclusive os que não tenham atingido o quociente eleitoral) concorram à distribuição das sobras eleitorais” (Direito eleitoral. 14. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2018, p. 174). A leitura da Justificativa à Emenda de Plenário nº 1, de autoria da deputada federal Alice Portugal (PCdoB/BA), por meio da qual inserido, no Projeto de Lei nº 8.612/2017, o texto que veio a ser a atual redação do § 2º do artigo 109 do Código Eleitoral, demonstra o desígnio subjacente à aprovação da regra em debate: [...] O quociente como regra para definir as ocupações das vagas é uma regra legítima. No entanto, utilizar este cálculo como cláusula de exclusão, em uma eleição que pode não haver coligações, é perverso, excludente e antidemocrático. O quociente eleitoral é uma regra perversa porque retira a possibilidade de candidatos muito bem avaliados nas eleições assumirem cadeiras no parlamento. Além de impedir o acesso universal de todos os candidatos, o quociente privilegia as grandes forças políticas em detrimento dos pequenos partidos. A necessidade de transportar a barreira do quociente eleitoral força a realizar coligações. Aliás, as coligações se justificam muito em razão do 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 129

quociente eleitoral. Sem o quociente vários partidos se sentiriam mais confortáveis e mais propensos a concorrer às eleições de forma autônoma, sem os arranjos das coligações. De outro lado, partidos que não se coligarem praticamente inviabilizam suas candidaturas, porque sempre será necessário ter votações épicas para conseguir eleger sozinhos os seus candidatos. Com esse entendimento, propomos a presente emenda para permitir o acesso de todos os partidos, independentemente de terem alcançado o quociente eleitoral, para concorrerem a distribuição das vagas, mesmo que em segunda rodada. Em termos práticos, a modificação legislativa volta-se a permitir que possam usufruir de representação parlamentar agremiações de menor porte, em regra vinculadas à defesa de demandas e reivindicações de grupos socialmente minoritários, as quais tenham obtido votações expressivas em função da atuação de determinado candidato, mas não em quantitativo suficiente para alcançar o número correspondente ao quociente eleitoral. Observem a organicidade do Direito e a função desempenhada pelo Judiciário. Impõe-se ao Supremo prudência na análise de pedidos veiculados em sede objetiva e deferência às instâncias representativas, considerada a liberdade de conformação constitucionalmente franqueada ao legislador ordinário – o qual, cumpre reafirmar por dever de coerência, há que se ter em alta conta. Ao Tribunal, à semelhança das demais Cortes Constitucionais, apenas cabe exercer o papel de legislador negativo. Surge a, por si só, avassaladora função de extirpar do ordenamento jurídico normas incompatíveis com a Lei Maior, devendo atuar com cerimoniosa parcimônia, observada a reserva institucional. Não se ignora a relevância da causa de pedir lançada na petição inicial, direcionada ao reconhecimento das dificuldades impostas ao fortalecimento do modelo político brasileiro consideradas a atual fragmentação partidária e a perda da densidade representativa dos grandes partidos – não obstante a redução do número de partidos políticos seja automática, tendo em vista a vontade do povo, de quem emana o poder, de modo que, ante a ordem natural das coisas, cuja força é insuplantável, a conveniente representatividade dos partidos políticos no Parlamento fica jungida ao êxito verificado nas urnas, não havendo que se cogitar de funcionamento parlamentar de agremiação incapaz de obter os votos suficientes à eleição de representantes. A virtude, lembram os antigos, está no meio-termo, no equilíbrio. Em sede acadêmica, não são poucos os autores da Ciência Política e do Direito a destacarem a importância de assegurar-se que a necessária representação das minorias em âmbito parlamentar não seja obtida à custa da imprescindível governabilidade. Mais: nos últimos anos, sedimentou-se, no âmbito congressual, posição majoritária no sentido da conveniência da redução do quantitativo de agremiações partidárias 130 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

com assento nas Casas legislativas. Eis o cenário no qual promulgada a Emenda de nº 97/2017, a versar, mediante alterações no artigo 17 da Constituição Federal, vedação à formação de coligações partidárias nas eleições proporcionais a partir de 2020 e instituição de cláusula de desempenho visando a fruição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão – regras direcionadas a limitar a atuação parlamentar de agremiações destituídas de relevante representação eleitoral. Consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral – TSE revela a existência, ao final do ano de 2018, de 35 partidos políticos registrados junto ao Órgão de cúpula da Justiça Eleitoral. Projeções veiculadas na imprensa apontam que, mediante as alterações constitucionais aprovadas em 2017, o número de agremiações com representação congressual deverá cair, em breve intervalo, para aproximadamente 21 (“Cláusula de desempenho ameaça 14 dos 35 partidos brasileiros”, El País, edição de 9 de outubro de 2017). Se é possível, de um lado, argumentar não ser a flexibilização dos critérios alusivos à distribuição das cadeiras correspondentes às denominadas “sobras eleitorais” a opção mais coerente ante o recente esforço legislativo no sentido de reduzir o número de partidos políticos, não é menos acertado, de outro, afirmar que eventual discordância com relação à pertinência da regra voltada a prestigiar a representação congressual das minorias é insuficiente a fundamentar a glosa, pelo Tribunal, do dispositivo atacado – a versar quadro fático residual cuja regulamentação mostra- se incapaz, por si só, de subverter o modelo de representação parlamentar imposto pelo estatuto jurídico-constitucional. Discordância com relação à adequação da regra em debate, tendo em vista possíveis antinomias jurídicas considerada a aprovação da Emenda Constitucional nº 97/2017, resolve-se não no âmbito de controle de constitucionalidade, mas na arena política, parlamentar. Na Câmara dos Deputados, a Subemenda Substitutiva Global ao mencionado Projeto de nº 8.612/2017 foi aprovada, ressalvados os destaques, na 290ª Sessão Extraordinária, realizada em 4 de outubro de 2017, com o voto favorável de 15 bancadas partidárias – entre essas, a do Democratas – DEM, responsável pela formalização desta ação direta –, contra apenas 5. Tendo o destaque à votação da Emenda de Plenário nº 1 sido retirado na 292ª Sessão, ocorrida na mesma data, aprovou-se a redação final com a inclusão da ora questionada redação do § 2º do artigo 109. Surge inviável placitar tese veiculada, em embargos de declaração, por terceiro admitido no processo – o Partido Republicano Brasileiro –, e não pelo requerente na inicial, no sentido da ocorrência de vício a macular o processo legislativo do qual resultou a norma impugnada ante arguido indeferimento do pedido de verificação formulado em Sessão para ter-se a votação sob a modalidade nominal. Consulta ao Diário da Câmara dos Deputados de 5 de outubro de 2017 revela que a controvérsia alusiva ao alcance e aplicação do artigo 185, parágrafos 1º e 3º, do Regimento Interno da Casa Legislativa, a assegurar “a oportunidade de formular-se pedido de 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 131

verificação de votação”, mediante o “sistema nominal”, caso apoiado por “seis centésimos dos membros da Casa ou Líderes que representem esse número”, foi enfrentada na arena deliberativa adequada – o Plenário da Câmara –, tendo sido solucionada à luz da interpretação conferida à norma regimental levando-se em conta a dinâmica de votação.2 Não havendo excepcionalidade ou ofensa direta à Lei Maior a justificar a atuação do Supremo, alcançar conclusão diversa implicará indevida ingerência nas regulares atividades do Parlamento, conforme assentado por este Tribunal em diversas ocasiões: agravo interno no mandado de segurança nº 33.705, relator o ministro Celso de Mello, Pleno, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 29 de março de 2016; agravo interno no mandado de segurança nº 34.040, relator o ministro Teori Zavascki, com acórdão veiculado no Diário da Justiça do dia 4 de abril de 2016; agravo regimental no mandado de segurança nº 35.581, relator o ministro Luiz Fux, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 22 de junho de 2018. Mais: no Senado Federal, autuada sob o nº 110/2017, a proposição legislativa oriunda da Câmara foi aprovada em Plenário, ausente impugnação relativamente ao trecho no qual veiculado o que veio a ser, após sanção presidencial, o preceito atacado. A República funda-se no postulado da separação dos poderes, os quais devem, no relacionamento recíproco, desempenhar as próprias funções com independência e harmonia, predicados cuja adequada concretização pressupõe a atuação de cada qual na área respectivamente reservada pela Constituição Federal, a teor do artigo 2º. É eminentemente política a decisão por meio da qual aprovada, em ambas as Casas legislativas, a norma em questão. Com a edição do ato impugnado, o legislador 2. Há que transcrever, para fins de documentação, trechos atinentes ao debate havido na 290ª Sessão Extraordinária do Plenário da Câmara dos Deputados: O SR. DIEGO GARCIA (PHS-PR) – Verificação, Sr. Presidente. [...] O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) – Bem, o PHS não pode pedir. O SR. ARTHUR LIRA - Sr. Presidente, quem foi que pediu? O SR. MIRO TEIXEIRA - Tem apoiamento aqui. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) - Não. Esperem aí. O SR. JOÃO DERLY - Teve apoiamento. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) - O PHS não pode pedir. O SR. HILDO ROCHA - Matéria vencida. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) - O Deputado Júlio Delgado é Vice-Líder ou não? O SR. DIEGO GARCIA - São 31 Deputados, Presidente. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) - Espera aí. O Deputado Júlio Delgado é Vice-Líder? O SR. JOÃO DERLY - Individualmente, o Deputado João Derly apoia. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) - Mas não há número, Deputado. O SR. JÚLIO DELGADO - Eu estou pedindo apoiamento, Presidente. O SR. HILDO ROCHA - Matéria vencida, Presidente. O SR. PAUDERNEY AVELINO - O PDT está pedindo? O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) - O PDT saiu do Bloco do PHS. Então, o PHS não pode pedir verificação. O SR. PAUDERNEY AVELINO - Exatamente, o PDT saiu. O SR. HILDO ROCHA - Matéria vencida. O SR. PROFESSOR VICTÓRIO GALLI - Presidente, o PSC também pediu verificação. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) - Agora já é tarde, Deputado. O SR. HILDO ROCHA - Já passou. O SR. MIRO TEIXEIRA - Temos número. Isso é um rolo compressor. O SR. JÚLIO DELGADO - Sr. Presidente, nós estamos pedindo pelo número mínimo. O SR. HILDO ROCHA - A lei não socorre quem dorme. O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia) - Não é rolo compressor, Deputado. Esse é um texto que tem ampla maioria”. “O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Maia): Em votação. Aqueles que forem a favor permaneçam como se acham. (Pausa) APROVADO. 132 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

homenageou óptica à época compartilhada pela maioria das forças representativas no Parlamento, surgindo, como decorrência natural do jogo democrático, a irresignação por parte das frações partidárias derrotadas – a qual subsistiria qualquer que fosse o resultado do processo legislativo. Não por acaso, a redação anterior do § 2º do artigo 109 do Código Eleitoral, a excluir, da distribuição das vagas resultantes do descarte das frações obtidas com a aplicação do quociente partidário, as agremiações que não tivessem alcançado votação numericamente correspondente ao quociente eleitoral, foi objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 161, relator o ministro Celso de Mello, formalizada pelo Partido da República – PR, havendo o requerente igualmente apontado ofensa ao artigo 45 da Constituição Federal, asseverando “desnaturado o sistema proporcional”.3 Descabe ao Supremo, preservado o núcleo essencial do sistema representativo e proporcional, atuar como fonte de direito, limites impostos pela Lei das leis, a Constituição Federal. Isso não significa demitir-se do papel contramajoritário. Tampouco conduz à conclusão de que toda e qualquer modificação no sistema eleitoral está imune à jurisdição constitucional exercida por este Tribunal, ao qual a República, desde antes da Constituição de 1891, conferiu o papel de “poder soberano, apto, na elevada esfera de sua atividade, para interpor a benéfica influência do seu critério decisivo, a fim de manter o equilíbrio, a regularidade e a própria independência dos outros poderes” – para retomar as palavras do então ministro da Justiça do Governo Provisório (1889/1891), Campos Sales, na exposição de motivos ao Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, em que assentadas as bases da organização judiciária federal do novo regime político inaugurado no ano anterior. Vale relembrar que o Supremo, em mais de uma oportunidade, procedeu à análise da extensão da cláusula final do § 3º do artigo 17 da Carta de 1988, por muitos interpretada como espécie de carta em branco ao legislador para adentrar qualquer campo alusivo ao surgimento e funcionamento de partidos políticos. Destaca-se o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 1.351, da qual fui relator, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 29 de junho de 2007, cujo resultado não deve ser objeto de arrependimento por parte dos integrantes deste Tribunal. Na oportunidade, o Pleno assentou, a uma só voz, a inconstitucionalidade de preceitos da Lei nº 9.096/1995 a encerrarem cláusula de desempenho, considerada a gradação de votos obtidos, em eleição anterior, quando já conhecido o desempenho de cada qual, por agremiações partidárias, mediante redução substancial do tempo de propaganda gratuita e da participação no rateio do fundo partidário. E o fez em observância à longa tradição constitucional segundo a qual determinada restrição 3 Em decisão publicada no Diário da Justiça de 4 de junho de 2018, o Relator, ministro Celso de Mello, assentou a perda de objeto da arguição, considerada a expressa revogação do preceito pelo artigo 3º da Lei nº 13.488/2017 – objeto desta ação direta. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 133

à atuação parlamentar, sob o ângulo do desempenho, há de encontrar abrigo na Constituição Federal, descabendo ao legislador impor restrições adicionais ao previsto na Lei Maior.4 Diverso é o alcance do debate alusivo ao método de distribuição das cadeiras referentes às “sobras eleitorais”, a revelar circunstância residual e incapaz, por si só, de subverter o sistema eleitoral representativo e proporcional – cuja conclusão, de toda sorte, não discrepou do anteriormente decidido pelo Tribunal. Ausente ofensa direta ao complexo normativo previsto nos artigos 17, 27, § 1º, 32, § 3º, e 45 da Constituição Federal e mantida hígida a natureza do sistema proporcional, o julgamento de procedência do pleito lançado na peça primeira no sentido de fulminar, em sede abstrata, o preceito questionado, implica indevida ingerência em legítima opção político-normativa do Parlamento – a menos que atue o Supremo como legislador positivo, contrariando, e não protegendo, a Constituição Federal. Julgo improcedente o pedido formulado nesta ação direta para declarar a constitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017, ficando prejudicado o exame dos declaratórios interpostos contra decisão mediante a qual indeferida a liminar. 4 A ressaltar essa óptica, o Supremo tem novo encontro marcado com a controvérsia ante o ajuizamento, pelo Partido Ecológico Nacional – PEN, da ação direta de inconstitucionalidade nº 5.920, relator o ministro Luiz Fux, por meio da qual impugnado o artigo 4º da Lei nº 13.165/2015, no que alterou a redação do artigo 108 do Código Eleitoral, condicionando, a título de cláusula de desempenho, a obtenção de assento no parlamento à obtenção de votos em número igual ou superior a 10% do quociente eleitoral. 134 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO ALEXANDRE DE MORAIS (MINISTRO DO STF) STF - ADI Nº 4.451/DF TEMA Sistema Eleitoral LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PLURALISMO DE IDEIAS. VALORES ESTRUTURANTES DO SISTEMA DEMOCRÁTICO. INCONSTITUCIONALIDADE DE DISPOSITIVOS NORMATIVOS QUE ESTABELECEM PREVIA INGERÊNCIA ESTATAL NO DIREITO DE CRITICAR DURANTE O PROCESSO ELEITORAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AS MANIFESTAÇÕES DE OPINIÕES DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E A LIBERDADE DE CRIAÇÃO HUMORISTICA. 1. A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. 2. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 135

crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. 3. São inconstitucionais os dispositivos legais que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático. Impossibilidade de restrição, subordinação ou forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral. 4. Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das mais variadas opiniões sobre os governantes. 5. O direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte- se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional. 6. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos II e III (na parte impugnada) do artigo 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo. VOTO O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade em que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, ABERT, questiona a validade de dispositivos da Lei das Eleições que vedam que emissoras de rádio e televisão, durante o período eleitoral, veiculem em sua programação normal: (a) “trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo” que tenha por objeto a pessoa de candidatos, partidos e coligações (art. 45, inciso II); e, de forma mais ampla, veda (b) a difusão de “opinião favorável ou contrária” a candidatos, partidos e coligações. Inicialmente, conheço da presente Ação Direta, conforme juízo de admissibilidade já exercido por este Tribunal Pleno no julgamento da medida cautelar, oportunidade em que reconhecido se tratar de medida proposta por entidade com legitimidade para a propositura de ações do controle de constitucionalidade (art. 103, IX, da CF), em que se questiona a validade de ato normativo federal confrontado com o texto da Constituição Federal. A tese de inconstitucionalidade proposta pela Requerente invoca a violação ao art. 5º, incisos IV, V, VI, IX, XIV, XXXIII e LVIII, ao art. 206, II, e ao art. 220 e §§ 1º e 2º, todos da Constituição Federal, na linha de que a restrição estabelecida na legislação impugnada 136 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

importaria em medida irrazoável e desproporcional à liberdade de manifestação do pensamento, ao direito ao amplo acesso à informação, à plena liberdade de exercício da atividade jornalística, caracterizando “controle prévio e apriorístico” sobre o debate público durante o processo eleitoral. Coloca-se, assim, a sensível questão da liberdade de expressão nos meios de comunicação social, especificamente no contexto do processo eleitoral. O escopo das restrições estabelecidas pela legislação impugnada, segundo o Congresso Nacional, seria o de garantir a lisura e igualdade dos pleitos eleitorais, protegendo-os da influência abusiva do poder econômico. No caso em julgamento, a legislação impugnada teria pretendido (art. 45, II, da Lei das Eleições) proteger a honra e dignidade dos agentes políticos em disputa eleitoral, proibindo a trucagem de mídia relacionada à pessoa de candidatos, partidos e coligações – o que alcança o uso do humor e sátira sobre a figura pública dessas pessoas –, bem como expressou cláusula ampla proibitiva da difusão, na programação de emissoras, de opiniões sobre o pleito eleitoral. Ao tratar da comunicação social, optou o constituinte por atribuí-la a agentes econômicos privados, que exercem essa atividade de visível interesse social sob um regime jurídico especial, preconizando a observância de determinados princípios na produção e difusão de conteúdo informativo pelas emissoras de rádio e televisão (art. 221), vedando a formação de monopólios e oligopólios (art. 220, § 5º) e limitando certos aspectos dessa atividade a brasileiros natos e a empresas com determinado perfil societário (art. 222). Está presente no texto constitucional, portanto, a preocupação com os riscos decorrentes da captura da comunicação social por interesses organizados, em prejuízo do pleno funcionamento da Democracia. No entanto, essas limitações são de direito estrito e excepcional, prevalecendo, no contexto da comunicação social, acentuada marca de liberdade na organização, produção e difusão de conteúdo informativo, o que é expresso de forma inequívoca no caput do art. 220, ao delimitar que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Na mesma linha, o § 1º do art. 220 refere-se expressamente ao conteúdo do art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV, da CF, afastando qualquer margem para restrição da garantia fundamental da liberdade de expressão no cenário da comunicação social, pelo que se conclui que o direito à informação, conferido ao cidadão individualmente, implica o reconhecimento de correspondente liberdade aos agentes envolvidos na atividade de comunicação social – emissoras de rádio e televisão, como a quaisquer veículos de imprensa – de não se submeterem a “qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (art. 220, § 2º, da CF). Historicamente, a liberdade de discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão (GEORGE WILLIAMS. Engineers is Dead, Long Live the Engineers in Constitutional Law. Second Series. Ian 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 137

D. Loveland: 2000, capítulo 15; RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14), que tem por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva (Tribunal Constitucional Espanhol: S. 47/02, de 25 de febrero, FJ 3; A Constituição protege a liberdade de expressão no seu duplo aspecto: o positivo, que é exatamente \"o cidadão pode se manifestar como bem entender\", e o negativo, que proíbe a ilegítima intervenção do Estado, por meio de censura prévia. A liberdade de expressão, em seu aspecto positivo, permite posterior responsabilidade cível e criminal pelo conteúdo difundido, além da previsão do direito de resposta. No entanto, não há permissivo constitucional para restringir a liberdade de expressão no seu sentido negativo, ou seja, para limitar preventivamente o conteúdo do debate público em razão de uma conjectura sobre o efeito que certos conteúdos possam vir a ter junto ao público. No julgamento da ADI 4.815, de relatoria de nossa Ministra Presidente, CARMEN LÚCIA, o Plenário conferiu interpretação conforme aos artigos. 20 e 21 do Código Civil para afastar a possibilidade de “censura prévia particular”, consistente na exigência de prévia autorização para divulgação ou publicação de obras biográficas por parte da pessoa biografada, tendo sido ressaltado: “2. O objeto da presente ação restringe-se à interpretação dos arts. 20 e 21 do Código Civil relativas à divulgação de escritos, à transmissão da palavra, à produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de pessoa biografada. 3. A Constituição do Brasil proíbe qualquer censura. O exercício do direito à liberdade de expressão não pode ser cerceada pelo Estado ou por particular. 4. O direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado. O primeiro refere-se à formação da opinião pública, considerado cada qual dos cidadãos que pode receber livremente dados sobre assuntos de interesse da coletividade e sobre as pessoas cujas ações, público-estatais ou público-sociais, interferem em sua esfera do acervo do direito de saber, de aprender sobre temas relacionados a suas legítimas cogitações. 5. Biografia é história. A vida não se desenvolve apenas a partir da soleira da porta de casa. 6. Autorização prévia para biografia constitui censura prévia particular. O recolhimento de obras é censura judicial, a substituir a administrativa. O risco é próprio do viver. Erros corrigem-se segundo o direito, não se coartando liberdades conquistadas. A reparação de danos e o direito de resposta devem ser exercidos nos termos da lei. 138 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

7. A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem”. Nos dispositivos impugnados, está presente o traço marcante da censura prévia, com seu caráter preventivo e abstrato. A lei pretende interditar o conteúdo que se pretende futuramente expressar, atribuindo- lhe supostas repercussões adversas que justificariam a restrição. A previsão dos dispositivos impugnados é inconstitucional, pois consiste na restrição, subordinação e forçosa adequação programática da liberdade de expressão a mandamentos normativos cerceadores durante o período eleitoral, pretendendo diminuir a liberdade de opinião e de criação artística e a livre multiplicidade de ideias, com a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; tratando-se, pois, de ilegítima interferência estatal no direito individual de criticar. No célebre caso New York Times vs. Sullivan, a Suprema Corte Norte- Americana reconheceu ser “dever do cidadão criticar tanto quanto é dever do agente público administrar” (376 US, at. 282, 1964); pois, como salientado pelo professor da Universidade de Chicago, HARRY KALVEN JR., “em uma Democracia o cidadão, como governante, é o agente público mais importante” (The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429). Embora não se ignorem certos riscos que a comunicação de massa impõe ao processo eleitoral – como o fenômeno das fake news –, revela-se constitucionalmente inidôneo e realisticamente falso assumir que o debate eleitoral, ao perder em liberdade e pluralidade de opiniões, ganharia em lisura ou legitimidade. A censura prévia desrespeita diretamente o princípio democrático, pois a liberdade política termina e o poder público tende a se tornar mais corrupto e arbitrário quando pode usar seus poderes para silenciar e punir seus críticos (RONALD DWORKIN, O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 319; HARRY KALVEN JR The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 429). O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL confere especial relevo aos preceitos constitucionais invocados na presente ação, como no julgamento da ADPF 130 (Rel. Min. AYRES BRITTO, Pleno, DJe de 6/11/2009), no qual foi firmado que “a crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada”. Os legisladores não têm, na advertência feita por DWORKIN, a capacidade prévia de “fazer distinções entre comentários políticos úteis e nocivos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte- americana. Martins Fontes: 2006, p. 326). 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 139

Tanto a liberdade de expressão quanto a participação política em uma Democracia representativa somente se fortalecem em um ambiente de total visibilidade e possibilidade de exposição crítica das diversas opiniões sobre os governantes, que nem sempre serão “estadistas iluminados”, como lembrava o JUSTICE HOLMES ao afirmar, com seu conhecido pragmatismo, a necessidade do exercício da política de desconfiança (politics of distrust) na formação do pensamento individual e na autodeterminação democrática, para o livre exercício dos direitos de sufrágio e oposição; além da necessária fiscalização dos órgãos governamentais. No célebre caso Abrams v. United States, 250 U.S. 616, 630-1 (1919), OLIVER HOLMES defendeu a liberdade de expressão por meio do mercado livre das ideias (free marketplace of ideas), em que se torna imprescindível o embate livre entre diferentes opiniões, afastando-se a existência de verdades absolutas e permitindo-se a discussão aberta das diferentes ideias, que poderão ser aceitas, rejeitadas, desacreditadas ou ignoradas; porém, jamais censuradas, selecionadas ou restringidas pelo Poder Público que deveria, segundo afirmou em divergência acompanhada pelo JUSTICE BRANDEIS, no caso Whitney v. California, 274 U.S. 357, 375 (1927), “renunciar a arrogância do acesso privilegiado à verdade”. RONALD DWORKIN, mesmo não aderindo totalmente ao mercado livre das ideias, destaca que: “a proteção das expressões de crítica a ocupantes de cargos públicos é particularmente importante. O objetivo de ajudar o mercado de ideias a gerar a melhor escolha de governantes e cursos de ação política fica ainda mais longínquo quando é quase impossível criticar os ocupantes de cargos públicos” (O direito da liberdade. A leitura moral da Constituição norte-americana. Martins Fontes: 2006, p. 324). No âmbito da Democracia, a garantia constitucional da liberdade de expressão não se direciona somente à permissão de expressar as ideias e informações oficiais produzidas pelos órgãos estatais ou a suposta verdade das maiorias, mas sim garante as diferentes manifestações e defende todas as opiniões ou interpretações políticas conflitantes ou oposicionistas, que podem ser expressadas e devem ser respeitadas, não porque necessariamente são válidas, mas porque são extremamente relevantes para a garantia do pluralismo democrático (cf. HARRY KALVEN JR. The New York Times Case: A note on the central meaning of the first amendment in Constitutional Law. Second Series. Ian D. Loveland: 2000, capítulo 14, p. 435). Todas as opiniões existentes são possíveis em discussões livres, uma vez que faz parte do princípio democrático “debater assuntos públicos de forma irrestrita, robusta e aberta” (Cantwell v. Connecticut, 310 U.S. 296, 310 (1940), quoted 376 U.S at 271-72). O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, 140 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688-89, 1959). Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional. A Corte Europeia de Direitos Humanos afirma, em diversos julgados, que a liberdade de expressão: “constitui um dos pilares essenciais de qualquer sociedade democrática, uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 10.º, ela vale não só para as «informações» ou «ideias» acolhidas com favor ou consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que ferem, chocam ou inquietam. Assim o exige o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe «sociedade democrática». Esta liberdade, tal como se encontra consagrada no artigo 10.º da Convenção, está submetida a excepções, as quais importa interpretar restritivamente, devendo a necessidade de qualquer restrição estar estabelecida de modo convincente. A condição de «necessário numa sociedade democrática» impõe ao Tribunal determinar se a ingerência litigiosa corresponde a «uma necessidade social imperiosa” (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009) A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. Lembremo-nos que, nos Estados totalitários no século passado – comunismo, fascismo e nazismo –, as liberdades de expressão, comunicação e imprensa foram suprimidas e substituídas pela estatização e monopólio da difusão de ideias, informações, notícias e educação política, seja pela existência do serviço de divulgação da verdade do partido comunista (pravda), seja pela criação do Comitê superior de vigilância italiano ou pelo programa de educação popular e propaganda dos nazistas, criado por Goebbels; com a extinção do multiplicidade de ideias e opiniões, e, consequentemente, da Democracia. Essa estreita interdependência entre a liberdade de expressão e o livre exercício dos direitos políticos, também, é salientada por JONATAS E. M. MACHADO, ao afirmar que: “o exercício periódico do direito de sufrágio supõe a existência de uma opinião pública autônoma, ao mesmo tempo que constitui um forte incentivo no sentido de que o poder político atenda às preocupações, pretensões e reclamações formuladas pelos cidadãos. Nesse sentido, o exercício do direito de oposição democrática, que inescapavelmente pressupõe a liberdade de expressão, constitui um instrumento eficaz de crítica e de responsabilização política das instituições governativas junto da opinião pública e de reformulação das 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 141

políticas públicas... O princípio democrático tem como corolário a formação da vontade política de baixo para cima, e não ao contrário” (Liberdade de expressão. Dimensões constitucionais da esfera pública no sistema social. Editora Coimbra: 2002, p. 80/81). No Estado Democrático de Direito, não cabe ao Poder Público previamente escolher ou ter ingerência nas fontes de informação, nas ideias ou nos métodos de divulgação de notícias ou, – como pretendido nos dispositivos impugnados – no controle do juízo de valor das opiniões dos meios de comunicação e na formatação de programas humorísticos a que tenham acesso seus cidadãos, por tratar-se de insuportável e ofensiva interferência no âmbito das liberdades individuais e políticas. O funcionamento eficaz da democracia representativa exige absoluto respeito à ampla liberdade de expressão, possibilitando a liberdade de opinião, de criação artística, a proliferação de informações, a circulação de ideias; garantindo-se, portanto, os diversos e antagônicos discursos – moralistas e obscenos, conservadores e progressistas, científicos, literários, jornalísticos ou humorísticos, pois, no dizer de HEGEL, é no espaço público de discussão que a verdade e a falsidade coabitam. A liberdade de expressão permite que os meios de comunicação optem por determinados posicionamentos e exteriorizem seu juízo de valor; bem coimo autoriza programas humorísticos e sátiras realizados a partir de trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo, como costumeiramente se realiza, não havendo nenhuma justificativa constitucional razoável para a interrupção durante o período eleitoral. Note-se que, em relação à liberdade de expressão exercida por meio de sátiras – mesmo analisando em hipótese menos grave que a tratada na presente ação, pois não houve censura prévia, mas sim pedido de responsabilização posterior –, a Corte Europeia de Direitos Humanos referendou sua importância no livre debate de ideias, afirmando que “a sátira é uma forma de expressão artística e de comentário social que, além da exacerbação e a deformação da realidade que a caracterizam, visa, como é próprio, provocar e agitar”. Considerando a expressão artística representada pela sátira, a Corte entendeu que: “sancionar penalmente comportamentos como o que o requerente sofreu no caso pode ter um efeito dissuasor relativamente a intervenções satíricas sobre temas de interesse geral, as quais podem também desempenhar um papel muito importante no livre debate das questões desse tipo, sem o que não existe sociedade democrática”. (ECHR, Caso Alves da Silva v. Portugal, Queixa 41.665/2007, J. 20 de outubro de 2009) A plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem 142 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, mas não permite a censura prévia pelo Poder Público. São inconstitucionais, portanto, quaisquer leis ou atos normativos tendentes a constranger ou inibir a liberdade de expressão a partir de mecanismos de censura prévia (Smith vs. California, 361 U.S. 147, 1949; Speiser vs. Randall, 357 U.S. 513, 1958), como na presente hipótese, em que os dispositivos legais impugnados interferem prévia e diretamente na LIBERDADE ARTÍSTICA – ao pretender definir o formato e conteúdo da programação e restringir a própria criatividade, elemento componente da liberdade de expressão, estabelecendo a vedação, durante o período eleitoral, de “trucagem, montagem ou outro recurso de áudio e vídeo” que tenha por objeto a pessoa de candidatos, partidos ou coligações – e na LIBERDADE JORNALÍSTICA E DE OPINIÃO – ao pretender impedir a difusão de “opinião favorável ou contrária” a candidatos, partidos e coligações. Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação para DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE do art. 45, incisos II e III (na parte impugnada), da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos parágrafos 4º e 5º do referido artigo, em face da impossibilidade de realização de qualquer tipo de censura prévia sobre o conteúdo difundido por emissoras de rádio e televisão durante o período eleitoral. É o voto. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 143

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COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO ADMAR GONZAGA (MINISTRO DO TSE) ACÓRDÃO - Nº 787-35 TEMA Abuso de Poder ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, Vl, b, DA LEI N° 9.504/97. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE PASSIVA. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. REJEIÇÃO. VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA INSTITUCIONAL. PERÍODO VEDADO. RESPONSABILIDADE. PRESIDENTE DA PETROBRAS. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. DEMAIS REPRESENTADOS. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO E PRÉVIO CONHECIMENTO. INCOMPETÊNCIA PARA INTERVIR OU EXERCER CONTROLE NA PUBLICIDADE. 1. Rejeitadas as preliminares de ilegitimidade passiva e de inépcia da petição inicial, em razão, respectivamente, da existência de pertinência subjetiva entre os representados e o direito material controvertido, e de presença dos elementos necessários ao estabelecimento da relação jurídico-processual. Decisão unânime. 2. Publicidade não dirigida ao consumidor final, porquanto sequer há nominação do produto. Trata-se de autopromoção da empresa e não de publicidade visando concorrência de produto no mercado. Decisão unânime. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 145

3. Caracterizada a veiculação de propaganda institucional nos três meses que antecedem o pleito. Conduta vedada prevista no art. 73, Vl, b, da Lei nO 9.504/97. Decisão unânime. 4. Responsabilidade da terceira Representada, na condição de Presidente da Petrobras, e, por conseguinte, autorizadora da divulgação da peça publicitária irregular. Decisão unânime. 5. É indispensável a comprovação de autorização ou prévio conhecimento dos beneficiários quanto â veiculação de propaganda institucional em período vedado, não podendo ser presumida a responsabilidade do agente público. O uso abusivo de propaganda travestida de institucional não afasta a ressalva. Decisão unânime. 6. Absoluta incompetência do Ministro da Secretaria de Comunicação Social para intervir ou exercer controle na publicidade da Petrobras. Decisão unânime. 7. Aplicação de multa à terceira representada, nos termos do art. 73, § 4º, da Lei das Eleições, no patamar máximo (R$106.410,00), em cada uma das representações (RP n° 778-73 e RP n° 787-35 — apensada), considerada a gravidade da conduta e a repetição da veiculação após ciência de decisão liminar proferida nos autos da RP nO 743-16. Decisão por maioria. Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em julgar procedente a representação quanto a Maria das Graças Silva Foster e improcedente quanto aos demais representados; e, por maioria, aplicar a multa no valor máximo previsto no § 4º do artigo 73 da Lei n° 9.504/97, nos termos das notas de julgamento. Brasília, 3 de setembro de 2014. MINISTRO ADMAR GONZAGA — RELATOR RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA: Senhor Presidente, a COLIGAÇÃO MUDA BRASIL, formada pelos partidos PSDB, DEM, SD, PTB, PMN, PTC, PEN, PT do B e PTN, ajuizou representação, com pedido de liminar, em desfavor de DILMA VANA ROUSSEFF, candidata â Presidência da República pela Coligação Com a Força do Povo, integrada pelos partidos PT, PMDB, PSD, PP, PR, PROS, PDT, PC do B e PRB; de MICHEL TEMER, candidato a vice pela mesma coligação; de MARIA DAS GRAÇAS SILVA FOSTER, Presidente da Petrobras S/A, e de THOMAS TIMOTHY TRAUMANN, Ministro da 146 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Secretaria de Comunicação Social, por suposta prática da conduta vedada de que trata o art. 73, VI, b, da Lei n° 9.504/97. Sustentou a Representante que, não obstante a liminar concedida nos autos da Representação n° 743-16, pelo em. Relator, o Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, para fazer cessar a divulgação de propaganda institucional realizada por órgãos da Administração PÚblica Direta e Indireta (ANS, MEC e Petrobras), a PETROBRAS — terceira Representada nestes autos — continua promovendo a divulgação de propaganda institucional, sob o falso argumento de se tratarem de “produtos e serviços qoe tenham concorrência no mercado” (fl. 3). Alegou que os vídeos de propaganda foram levados ao ar nos dias 7 e 8 de julho de 2014, na Rede Bandeirantes de Televisão, no bloco das 19h, intervalo do Jornal da Bandeirantes, e que a Representada retirou “a imagem com o sfmbo/o do Governo Federal [GOVERNO FEDERAL — BRASIL — País rico é pais sem pobreza]” (fl. 4), revelando que tinha conhecimento da decisão. Ressaltou que o dispositivo legal vulnerado objetiva “minimizar o desequiIíhr’io causado pela reeleição e pelo apolo daqueles que, no curso do processo eleitoral, são titulares de mandato ou agentes públicos, em geral’ (fl. 4). Salientou, ainda, que a reiteraçäo da conduta illcita deve ser considerada como agravante da postura da Representada, no sentldo de afastar seu enquadramento na ressalva legal. Às fts. 5-6, discorreu sobre a individualização da responsabilídade de cada um dos Representados, e pleiteou a concessão de liminar para suspender a veiculação da propaganda institucional impugnada, notificando-se os Representados “por meio do lac-simile informado no registro de candidatura dos primeiros representados ou por outro meio mais expedito para cumprimento da decisão liminar postulada”. Requereu, ao final, a procedência da representação para impor aos Representados a multa de que trata o art. 73, § 4º, da Lei n° 9.504/97 e a proibição, em definitivo, da divulgação da propaganda (fl. 7). Em decisão de 10 de julho de 2014 (fts. 13-17), concedi a liminar. Transcrevo em parte (verbis): No caso em exame, muito embora a nova publicidade faça referência ao refino de gasolina com menor teor de enxofre, sua exposişão não é dirigida ao consumidor final. Ou seja, trata-se de autopromoção da empresa e não de publicidade visando concorrência de produto no mercado, porquanto sequer é nominado. Da mesma forma, portanto, verifico que não se trata de propaganda acobertada por uma das ressalvas legais, fato que dá à sua reiteração considerável risco de desequilíbrio na disputa. Isso posto, concedo a liminar para determinar que os representados cessem imediatamente a veiculaşäo da publicidade impugnada por meio desta representaçăo, até decisão mais aprofundada sobre a questăo. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 147

No tocante ao pedido de notificação por fac-simile ou outro meio mais expedito, a solicitação esbarra na disciplina do § 5º do art. 8 e do § 3º do art. 15 da Res.- TSE n° 23.398/2013. Assim a decisão deve ser publicada no Diário de Justişa Eletrônico, observando-se o rito ao qual se subn ete, sob pena de rlulidade. Notifiquem-se os Representados da decisão, como também para nfere‹;irnento de defesa, no prazo de 5 (clnco) dlas, ex vl do disposto no art. 22, inciso I, da LC n° 64/90, aplicável por força do disposto no art. 73, § 12, da Lei n° 9.504/1997. Publique-se. Por meio da petiçâo de fts. 24-27, a Coligação Muda Brasil requereu reconsideração da decisão a respeito da negativa de notificação via fac-símile, ou o recebimento do pedido em sede de agravo regimental. Alegou, em síntese, que o invocado não poderia servir para as notificações de decisões que acolham pedido de liminar. Reconsiderei a decisão, por entender que a questão deve ser resolvida com base no poder geral de cautela, de forma a promover o efetivo cumprimento da medida acobertada pelo bin6mio urgência e plausibilidade. Ressaltei que o princípio da celeridade indica a necessidade de aplicação ajustada do art. 10 da Res.-TSE n° 23.398/2013, objetivando garantir eficácia e segurança para as partes (fls. 29-30). Devidamente notificada, a terceira Representada, Maria das Graças Foster, apresentou defesa (fls. 37-48). Aduz em preliminar: a) falta de legitimidade passiva, ante o fato de ser presidente de empresa de grande porte, circunstância que afasta a sua responsabilidade pessoal; b) que o parágrafo único do art. 6º da Resolução-TSE n° 23.398 exige a individualização da autoria, o que não foi enfrentado pelo Representante. No mérito, a Representada sustenta que: a) não houve descumprimento da legislação eleitoral, uma vez que a peça publicitária se destinava à divulgação da gasolina S-50, com menor teor de enxofre, “cuja publicidade é permitida por ser um produto com concorrência no mercado, enquadrando-se ele, portanto, em uma das exceções previstas no ad. 73, inciso Vl, alínea “b”, da LE”(II. 40); b) ao alegar o descumprimento da liminar, o Representante apresentou peça publicitária de caráter distinto “induzindo a uma falsa afirmação de que haveria em algum n›onientc u ti reiterado descumprimento das normas eleitorais”, c) a Petrobras se acautelou de veicular a propaganda relacionada ao pré-sal somente até o dia 4.7.2014, e que somente promoveu sua gasolina com baixo teor de enxofre após aquela data, considerado o seu conteúdo mercadológico. Aponta como prova o documento n° 2 (fl. 52); 148 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

d) a Petrobras notificou as empresas com as quais mantêm contrato de publicidade, a fim de suspender a veiculação de qualquer tipo de publicidade institucional durante o período eleitoral, mantendo-se somente a propaganda mercadológica, conforme certificam os documentos juntados às fls. 54-65; e) em virtude da repercussão que a decisão liminar ganhou na imprensa, determinou a suspensão da divulgação publicitária da gasolina S-50, até decisão final que vier a ser proferida. Apontou o documento de fls. 67-69 como prova. Discorre, ainda, sobre a diferença entre publicidade institucional e propaganda de produto, enfatizando que a propaganda atacada nesta Representação constitui “peça de divulgação da gasolina de baixo teor de enxofre“, e que “é nítido que o comercial veiculado é propaganda de produto” (fl. 42/43). Anexou aos autos (fls. 73-120) estudo sobre “Avaliação do Compodamento dos Usuários de Veículos FLEX FUEL no Consumo de Combustíveis no Brasil’, da Empresa de Pesquisa Energética — EPE, vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Consta ainda, às fls. 121-126, Relatório da Frota Circulante do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores — SINDPEÇAS e da Associação Brasileira da Indústria de Autopeças — ABIPEÇAS, que aponta crescimento da frota em relação ao ano anterior. Assevera que, “ao contrário do que afirmado pelo Representante, a propaganda objeto da Representação aqui impugnada se insere num cenário de concorrência entre tipos de produtos destinados à mesma finalidade, não sendo publicidade institucional e sim mercadológica, razão pela qual não leva nem nunca levou a marca do Governo Federal” (fl. 44). Ao final, pede que a representação “nâo seja iecehida em face da alegada ausência de legitimidade passiva da Representada\" e, caso conhecida, seja julgada improcedente. Na hipótese de procedência seja aplicada à Representada a multa em seu valor mínimo. O Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da Republica, Thomas Timothy Traumann, alega, preliminarmente, em sua defesa (fls.130-143): a) ilegitimidade passiva, ao argumento de que “nâo há notícia, sequer apontamento, de uma ação concreta ou ato administrativo, revestido da necessária formalidade, relacionado à právia aprovação e divulgação da publicidade objeto da representação“ (fl.132); b) que, na condição de representante máximo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, “tomou todas as providências necess4rias para evitar que qualquer publicidade institucional fosse divulgada a padir do dia 05.07.2014” (fl.132); c) que a ausência de imputação de condutas concretas relacionadas à prévia aprovação e divulgação da publicidade “impossibilita até mesmo o pleno exercício do direito ao contraditdrio e da ampla defesa\" (fl.133); 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 149

d) inépcia da petição inicial, uma vez que a representação não indicou qualquer ato praticado pelo Representado, postulando a extinção do processo sem apreciação do mérito, com base no art. 295, I, c/c parágrafo único, ll, e art. 267, I, todos do CPC. No mérito, alega o Representado: e) que o ônus da prova cabe ao Representante e, ainda, que a propaganda contestada não traz “referência à data ou ao horário de sua veiculação, bem como ao canal/rede onde veiculado”, e que “o vídeo aparenta ter sido editado esquematicamente daquela maneira, e não demonstra o fato (vídeo) na forma como ocorreu\" (fl. 134); f) ausência de responsabilidade pela publicidade em debate, visto que “não há qualquer nexo de causalidade entre a prática da conduta vedada e o Ministro Traumann” (fl. 135); g) que nâo autorizou a propaganda impugnada, porquanto inexiste relação hierárquica entre a SECOM (Administração Direta Federal) e Petrobras (Sociedade de Economia Mista); h) que tomou todas as providências necessárias para evitar qualquer prática vedada pela lei eleitoral, a exemplo da edição da Instrução Normativa nO 6 — SECOM, de 14.3.2014 (fls. 144-148) e do encaminhamento de ofícios e comunicações a todos os órgãos da administração direta e indireta, inclusive com a realização de seminários sobre condutas vedadas aos agentes públicos (fls.149-163); i) que, “caso tenha ocorrido a publicidade na forma a no tempo descrito na exordial, e se existe a a/epada conduta vedada, esta forçosamente será atribulvel à emissora de 7V Bandeirante, exclusivamente responsável pela veiculação de tal vídeo (...) (fl. 138); j) que propaganda que tenha caráter mercadológico está excetuada do rol das condutas vedadas e, no caso em análise, o que veiculado se refere a produto com concorrência no mercado, não se revelando propaganda institucional; k) impossibilidade de condenação baseada em suposições (fl. 140); e, I) no caso de reconhecimento da prática de conduta vedada, protesta pela aplicação de multa no grau mínimo, considerado o critério da proporcionalidade (fl. 141). Os Representados Dilma Vana Rousseff e Michel Temer manejaram defesa conjunta (fls. 164-169), com a qual alegam: a) que a Representante procura induzir o Tribunal a erro, “ao tentar vincular a propaganda de produto com concorrência de mercado de que cuidam os presentes autos com a publicidade institucional objeto da Representação n° 743-1d' (Fl. 165); b) que os Representados, por meio da defesa ofertada na Representação n° 743-16, já esclareceram que não há prova de que a publicidade institucional impugnada tenha sido veiculada em período vedado; 150 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE


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