No mesmo sentido é a jurisprudência do STJ quanto à legitimidade e limites do Ministério Público para aditar a inicial, devendo este seguir as regras processuais: “A legitimidade do MP na defesa dos interesses de menores não chega ao ponto de se lhe permitir o aditamento, à inicial, de outros pedidos além daqueles formulados pela parte autora, devidamente representada por advogado constituído nos autos, à qual coube a iniciativa da ação e a fixação do alcance da prestação jurisdicional desejada. (STJ – 4ª T., REspe n.º 197.573, Min. Aldir Passarinho Jr., j. 25.4.02, DJU 23.9.02)”. Vislumbra-se que o entendimento jurisprudencial majoritário é que após a delimitação e estabilização da demanda, sob pena de julgamento extra petita, os fatos trazidos com aditamento não podem ser apreciados pelo órgão julgador. Assim, acolho a preliminar levantada pelos recorridos mantendo integralmente este capítulo da sentença que decretou a nulidade do processo em relação aos recorridos Paulo Izaias Primo e José Edson de Aquino, e manteve os atos processuais e provas em relação ao recorrido Leandro Coutinho Neto. 2.2. Nulidade da prova colhida nos autos da ACP n.º 00033496- 63.2016.827.2713 – aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (Fruits of the poisonous tree). O recorrido Paulo Izaias Primo, preliminarmente, alegou a nulidade das provas juntadas com o aditamento efetivado pelo recorrente (Fruits of the poisonous tree). Consequentemente, em virtude do acolhimento da preliminar de ofensa ao Princípio da Estabilização da Demanda e manutenção da sentença que decretou a nulidade do processo em relação aos recorridos Paulo Izaias Primo e José Edson de Aquino, ficam prejudicados os demais pontos suscitados das contrarrazões recursais destes recorrentes. 3. Mérito A sentença recorrida manteve os atos processuais e provas em relação ao recorrido Leandro Coutinho Noleto, tendo em vista que este já se encontrava arrolado na inicial. O recorrente insurge-se contra o acolhimento nos embargos de declaração com efeitos infringentes interpostos pelo recorrido Leandro Coutinho Noleto que corrigiu as seguintes contradições suscitadas: (a) retirou o valor probante dos questionários socioeconômicos com “manuscritos de indicações” atribuídas ao recorrido, em razão da falta de perícia nos mesmos; (b) retirou o valor probante do depoimento feito por Mausarina Esmeralda da Silva (fls. 364), pois as declarações foram colhidas em procedimento administrativo no âmbito da 2ª Promotoria de Justiça de Colinas do Tocantins, sem o efetivo 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 301
contraditório, visto que a declarante não foi arrolada como testemunha para ser ouvida em juízo; (c) improcedência dos pedidos da inicial em relação a José Santana Neto e condenação do recorrido Leandro Coutinho Noleto. Passemos à análise das contradições corrigidas na sentença recorrida: 3.1. Retirada do valor probante dos questionários socioeconômicos com “manuscritos de indicações” atribuídas ao recorrido, em razão da falta de perícia. O Novo Código de Processo Civil, estabelece: Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório. Sobre o tema leciona Alexandre Freitas Câmara3 “Chama-se prova emprestada àquela que, produzida para gerar efeitos em um processo, é levada para outro processo, distinto, onde também será recebida como meio destinado a influir na formação do convencimento do juiz.” e continua “Exigência fundamental, porém, para a admissibilidade da prova emprestada – como não poderia deixar de ser – é a observância do princípio do contraditório, nota essencial do processo e elemento integrante do modelo constitucional de processo civil.” O magistrado sentenciante, ao corrigir a contradição da sentença de fls. 566-578 sobre o documento de fls. 167, que possuía manuscrito a expressão “cunhado do Leandro”, assim manifestou-se: “Note-se que o Ministério Público, na Ação Civil Pública, condicionou a produção de efeitos dos documentos apreendidos à passagem pela perícia grafotécnica, tanto naqueles autos ou como para servir de prova emprestada nesta ação eleitoral, quando anotou no requerimento de fl. 90 “ante a iminente possibilidade de uso de prova emprestada neste juízo, no eleitoral e na justiça federal”. Seria um comportamento contraditório (venire contra factum proprium) do Ministério Público na ação principal (ACP), na qual os documentos foram apreendidos, para se revestir de força probante, passar por perícia, e nesta Ação Eleitoral, como prova emprestada, desprezá-la. Assiste razão ao 3. Câmara, Novo Processo Civil Brasileiro, 3 ed., 2017, p. 212. 302 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
embargante quanto à aludida contradição, tendo em vista que não consta dos autos o laudo da perícia nos “manuscritos de indicações”, conforme se constata nos documentos acostados aos autos pelo Ministério Público Eleitoral às fls. 353/360. Tem-se, portanto, que esses questionários socioeconômicos relativos à conduta imputada ao embargante são imprestáveis para servirem como prova documental, ou seja, não tem valor probante (fls. 734-735).” Com efeito, o egrégio STJ decidiu no sentido que o juiz é o destinatário da prova, sendo esta realizada com intuito de influir e auxiliá-lo em sua decisão (STJ, 2ª Turma, AgIn no AREsp 926.157/SP, rel. Min. Humberto Martins, j. 23.08.2016, DJe 31.08.2016), assim se o recorrente na Ação Civil Pública condicionou que a prova fosse objeto de perícia grafotécnica, para ser apta e ter eficácia jurídica, esta deveria estar completa ao ser trasladada, observadas também as garantias constitucionais do contraditório. Para o Tribunal Superior Eleitoral “a prova emprestada somente é admissível quando formada sob o crivo do contraditório dos envolvidos, possibilitando à parte contrária impugnar o seu conteúdo, bem como produzir a contraprova, mediante os meios de prova admitidos em direito (TSE - Recurso Ordinário nº 191942, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 4, Data 16/09/2014, Página 300). Diante do que se consta dos autos e com amparo na jurisprudência majoritária das Cortes Superiores, vislumbro que as provas emprestadas carecem de idoneidade a ensejar a aplicação das sanções requeridas nas razões recursais. 3.2. Retirada do valor probante do depoimento feito por Mausarina Esmeralda da Silva (fls. 364). Quanto a este ponto, juiz sentenciante, assim concluiu: “Com efeito, o documento de fl. 364 trata-se de declaração prestada por Mausarina Esmeralda da Silva na 2ª Promotoria de Justiça de Colinas do Tocantins, no dia 25/10/2016. Outrossim, a declarante não é testemunha arrolada pelas e nem foi ouvida em juízo como deste, conforme se constata do rol de testemunhas da parte autora e dos requeridos, assim como no termo de audiência. (...) Ademais, as declarações foram colhidas em procedimento administrativo instaurado no âmbito da 2ª Promotoria de Justiça de Colinas do Tocantins, sem o efetivo contraditório, após o ajuizamento desta Ação de Investigação Judicial (17/09/2016, fl. 02) e da contestação ofertada pelo embargante (24/09/2016, fls. 49/85). (fls. 736-737).” 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 303
Verifica-se que, novamente, a prova emprestada juntada aos autos não é apta a ensejar o acolhimento dos pedidos narrados pelo recorrente. O entendimento desta Corte Eleitoral segue no sentido que a prova para ser apta deve estar revestida pelas garantias do devido processo legal, notadamente o contraditório e a ampla defesa. Verifica-se que a declarante Mausarina Esmeralda da Silva não reiterou em juízo as declarações firmadas perante o Ministério Público Eleitoral. Conclui-se, portanto, que tais afirmações carecem de valor probante, pois foram produzidas de forma unilateral, sem o crivo do contraditório, devendo, assim, serem afastadas (TRE-TO - RECURSO ELEITORAL n 48671, ACÓRDÃO n 48671 de 22/03/2018, Relator(a) ÂNGELA ISSA HAONAT, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 53, Data 27/03/2018, Página 21 e 22 DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 52, Data 26/03/2018, Página 14 e 15). 3.3. A improcedência dos pedidos em relação a José Santana Neto e condenação do recorrido Leandro Coutinho Noleto. Dispõe a Súmula TSE nº 62 que “Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor”. A peça inicial relata fatos imputando ao prefeito em exercício José Santana Neto a prática de abuso de poder político materializado através da manipulação e distribuição de casas populares com a finalidade de captação ilícita de sufrágio visando eleger como sucessor seu sobrinho Fabrycio Jerônimo Santana da Silva. A conduta principal de escolha dos beneficiários é atribuída ao prefeito José Santana Neto e de forma reflexa ao recorrido Leandro Coutinho Noleto por ser à época Secretário Municipal de Habitação. Em suas contrarrazões recursais o recorrido insurge-se quanto à contradição que importou na absolvição do prefeito José Santana Neto, por ausência de provas, mas o condenou pelos benefícios eleitoreiros. O conteúdo probatório demonstra que o prefeito manipulava e coordenava a distribuição das casas mesmo antes do recorrido Leandro Coutinho Noleto tornar-se Secretário de Habitação, conforme os termos de declarações colhidos na 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Colinas (fls. 36/37; 222; 224). O recorrente às fls. 179 (inicial da Ação Civil Pública) afirma que o então prefeito José Santana Neto e o recorrido Leandro Coutinho Noleto seriam mentores e os executores dos atos de improbidade. No entanto, a improcedência do pedido em relação ao prefeito José Santana Neto não foi objeto de recurso do Ministério Público Eleitoral. 304 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Foge à razoabilidade creditar a “gerência” das distribuições das casas somente ao recorrido, isentado o prefeito de qualquer conduta eleitoreira, sendo que o poder de mando e gestão da Administração Pública era do chefe do Executivo Municipal. Destaco o trecho da sentença recorrida que relata a contradição: “Note-se que a sentença julgou improcedente os pedidos em relação ao requerido José Santana Neto, à quem a investigante imputou a responsabilidade de “manipular as listas de beneficiários”, incutir na população que o município de Colinas estava distribuindo casas, de fazer “todo o trabalho de escolha das famílias que iriam receber as casas”, em síntese profetiza diante da ausência de provas capazes de formar um juízo de convencimento de que o então prefeito José Santana Neto, com intenção desequilibrar a disputa eleitoral neste município, tenha durante o período eleitoral praticado qualquer transgressão. Ou seja, as provas produzidas nos autos servem para formar um juízo sobre o que se imputa aos requeridos na petição inicial. A imputação gira em torno da conduta principal do requerido José Santana Neto. Gravita, também, em torna dela a conduta acessória, de subordinação, atribuída ao embargante Leandro Coutinho Neto. Não havendo prova contra a principal, não há que se falar na conduta acessória, sobretudo porque as provas são as mesmas.” A jurisprudência e a doutrina asseveram que há presunção jurídica em favor do resultado das urnas e somente diante de provas robustas é que se autoriza a cassação do mandato político, à mingua desta certeza impõe-se a preservação do resultado. Nesse sentido “O abuso de poder demanda a existência de prova robusta para ficar configurado, sendo vedada a imposição de penalidades com base em presunção” (REspe n° 285-88, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 21.3.2016). Assim, o contexto fático-probatório demonstra que a manutenção sentença recorrida é medida que se impõe. Ante o exposto, conheço do recurso e nego-lhe provimento, mantendo integralmente a sentença de fls. 694-748. É como voto. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 305
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL CRISTIANE FROTA (JUÍZA DO TRE - RJ) TRE/RJ - RE - Nº 1-60.2017.6.19.0063 TEMA Abuso de Poder EMENTA: RECURSOS ELEITORAIS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO, USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ELEIÇÃO 2016. 1. Sentença que julgou procedente o pedido, condenando os investigados WANDERSON ALEXANDRE, MARIA DALVA, RONI, JAZIMIEL, ADÃO e FLÁVIO à inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes à eleição 2016 e cassou os diplomas de MARIA DALVA, RONI, JAZIMIEL e ADÃO, aplicando multa a todos os investigados. 2. Preliminar. Nulidade da sentença por ausência de fundamentação. Rejeição. Sentença devidamente fundamentada, após análise pormenorizada das condutas imputadas aos investigados. Vasto conteúdo probatório produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 306 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
3. Uso indevido dos meios de comunicação social. Análise das edições carreadas aos autos que demonstra o extrapolamento no exercício da liberdade de imprensa. Caracterizado o abuso e excesso na adoção de posicionamento em relação aos candidatos. Nítida utilização do jornal local para o favorecimento de determinado grupo político. Periódico contratado para realizar a divulgação de atos oficiais do município de Silva Jardim. Distribuição gratuita, apesar de ter sido divulgado preço na capa do periódico. Uso eleitoreiro abusivo dos meios de comunicação. Conduta que detém gravidade apta a afetar a normalidade e legitimidade do pleito. 4. Abuso de poder político. Utilização do cargo público e de toda a estrutura da Administração Municipal com o fim de favorecer a candidatura à reeleição e colocar o grupo político em vantagem. Expropriação de cargos dentro do Executivo Municipal com a finalidade de angariar benefício eleitoreiro aos investigados. Contratação de servidores públicos que ficavam à disposição da administração, mas não exerciam qualquer atividade laborativa. “Funcionários fantasmas”. Esquema elaborado e sólido que funcionou por relevante período de tempo que demonstra a ciência e a participação de todos os investigados. Participação confirmada pela farta prova testemunhal produzida nos autos. Nomeações de funcionários que eram assinadas pelo então Prefeito. Caracterizada a utilização da máquina pública com o fim de angariar votos. Patente desequilíbrio no processo eleitoral. 5. Abuso do poder econômico. Uso desproporcional de recursos patrimoniais de forma a comprometer a igualdade na disputa eleitoral e legitimidade do pleito. Utilização do quadro de funcionários da Prefeitura em prol da campanha eleitoral do grupo político investigado. Alteração no horário de funcionamento dos órgãos da Administração Pública de modo a aproveitar os servidores em caminhadas, carreatas e comícios em benefício da campanha dos investigados, ora recorrentes. Distribuição gratuita de grande quantidade de camisas padronizadas na cor utilizada nas campanhas dos investigados com a subsequente divulgação maciça em suas redes sociais. Movimento conhecido como “Onda Azul”. Gastos excessivos em inaugurações de obras públicas através da realização de grandes eventos. Sorteio de prêmios de altos valores, tais como carro, motos e televisões, na festa de comemoração do final de ano oferecida aos servidores da Prefeitura. Vinculação da imagem dos pré-candidatos à farta distribuição dos referidos bens. Cooptação de servidores para se lançarem candidatos mediante o pagamento de um salário a mais pela candidatura. Distribuição gratuita de jornal que citava a chapa dos recorrentes em posição de liderança na disputa. Condutas devidamente comprovadas através das provas produzidas nos autos. Comprometimento da igualdade na disputa eleitoral e da higidez do pleito. 6. Captação ilícita de sufrágio. Violação da liberdade de voto do eleitor. Distribuição de cargos na Administração Pública pelos investigados, devidamente comprovada, com a clara intenção de angariar votos. Incremento das contratações ocorrido dentro do período eleitoral. Investigados que atuaram e/ou foram beneficiados com o ilícito eleitoral. Razoabilidade e proporcionalidade da sanção de multa imposta na sentença. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 307
7. Participação da então candidata ao cargo de vice-prefeito. Ausência de indícios de contribuição causal nos ilícitos eleitorais que ensejaram a cassação da chapa e imposição da sanção de inelegibilidade. Natureza personalíssima da sanção de inelegibilidade. Responsabilidade subjetiva. Jurisprudência do TSE. Precedentes desta Corte. Inexistência de provas que confirmem a participação direta da segunda recorrente, Maria Dalva do Nascimento. 8. Provimento parcial do recurso de Maria Dalva Silva do Nascimento para afastar a sanção de inelegibilidade a ela aplicada, mantendo-se as demais sanções. Desprovimento dos demais recursos, mantendo-se a sentença proferida em primeiro grau de jurisdição. 9. Considerando a manutenção da sanção de cassação dos mandatos, tanto de Vereadores eleitos quanto da atual Prefeita do Município de Silva Jardim, esgotada a competência desta Corte Eleitoral, deve o acórdão produzir seus efeitos imediatamente, com o afastamento dos investigados de seus cargos e convocação de novas eleições, nos termos do § 3º do art. 224, vez que eventual Recurso Especial ao Colendo Superior não possui efeito suspensivo ope legis. VOTO Recebo o Recurso Eleitoral interposto, já que presentes os requisitos de admissibilidade a tanto necessários. Inicialmente cumpre apreciar a preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação suscitada. Afirmam os recorrentes que a sentença vergastada não apreciou os argumentos da defesa e limitou-se a repisar os fundamentos trazidos pelo investigante em sua peça inaugural. Em sede de embargos de declaração foram trazidos à apreciação da douta magistrada essa mesma linha de argumentação que foi de plano rechaçada pela magistrada sentenciante. A sentença está devidamente fundamentada e traz uma análise pormenorizada das condutas imputadas aos investigados. Demais disso, lastreia-se em vasto conteúdo probatório produzido ao longo da instrução processual, sob o crivo do contraditório, fazendo a adequada análise dos ilícitos. Não se pode confundir insatisfação com contradição. Como cediço, o magistrado deve fundamentar suas decisões, mas não é necessário que aprecie todas as linhas defensivas quando não há relevância para o encadeamento dos fatos tampouco para a tese jurídica sustentada. Rejeito, pois, a preliminar. Passo então à análise meritória. Para melhor elucidação do vasto conteúdo dos presentes autos, analiso separadamente cada uma das condutas: 308 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
1. Uso indevido dos meios de comunicação social A legislação eleitoral — diferentemente do que ocorre com as emissoras de rádio e televisão -, não proíbe a imprensa escrita de adotar posicionamento com relação aos candidatos ao pleito, punindo apenas os abusos e excessos que possam interferir na isonomia que deve permear todo o processo eleitoral. Portanto, a liberdade de imprensa consagrada na Constituição da República não se reveste de natureza absoluta e deverá ser interpretada em consonância com as demais garantias constitucionais. Da leitura das edições do Jornal Boa Semente colacionadas aos autos verifica-se um extrapolamento da liberdade de imprensa, com a nítida utilização do jornal local para o favorecimento do grupo político capitaneado pelo Sr. Wanderson Gimenez, conhecido como Anderson. Tal conclusão torna-se indene de dúvidas quando conjugamos uma série de fatores, a saber: em todas as edições há uma matéria enaltecendo a Administração de Silva Jardim ou dando destaque aos candidatos deste grupo político. Some-se a isso o enfoque dado aos adversários políticos dos gestores municipais, que recebem um tratamento longe de ser igualitário, pelo contrário, são enfatizados apenas seus aspectos negativos, o que demonstra de forma clara a intenção de denegrir os opositores. Como se não bastasse, verifica-se a ausência de espaço para a divulgação de quaisquer idéias ou programas de outros políticos da região. As edições trazidas como lastro probatório foram veiculadas ao longo do ano de 2016. Importa assentar que o Jornal foi editado semanalmente e distribuído nos Municípios de Silva Jardim, Macaé, Casemiro de Abreu e Rio das Ostras com uma tiragem, segundo extraído da própria publicação, de 3 mil exemplares. Para que não pairem dúvidas quanto ao viés tendencioso do periódico, ressalto algumas manchetes e matérias de destaque, que ilustram com cristalina clareza o transbordamento da atividade jornalística. Então vejamos: Edição nº 343 “Festa dos Servidores premia funcionários e dá exemplo de boa administração” *** “Câmara Municipal: boa administração, reestruturação e compromisso com os interesses do povo” Edição nº 345 “Silva Jardim é o único município do RJ com 50% de desconto no IPTU” 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 309
Edição nº 347 “Servidor municipal de Silva Jardim terá a maior revisão salarial dos últimos 10 anos” *** “Escola de Vargem Grande [bairro de Silva Jardim] será entregue toda reformada à população” Edição nº 349 “Prefeito anuncia que Educação continua sendo prioridade neste ano letivo” *** Edição nº 357 “Próteses dentárias serão entregues no mês de abril” Edição nº 358 “Prefeitura entrega novo posto de saúde aos moradores da cidade nova” Edição nº 377 “Uma provocação nada Rosa Choque” Na noite do último dia 06, em Silva Jardim, a cidade estava em festa. O evento que dominou a badalação da cidade foi o tradicional baile do Guri Som. Grande público presente e claro, muitos políticos locais, que não podiam perder a oportunidade de estarem perto da população nas vésperas de se iniciar mais uma corrida eleitoral. Estavam lá o prefeito Anderson Alexandre, o ex-prefeito Zelão e alguns vereadores. Até aí, nada de mais, a não ser pelo fato da inusitada chegada da vereadora e pré-candidata a prefeita Zilmara Xavier.... Enquanto as personalidades políticas se divertiam e se portavam como cidadãos comuns, o que realmente são, Zilmara chegou ao local com “pompa” de Chefe de Estado... Rodeada de seguranças mal encarados e truculentos, Zilmara passou pelo evento com cara de poucos amigos e fazendo questão de se mostrar superior aos presentes, os quais mal cumprimentava. Outro fato que chamou muito a atenção dos presentes foi o 310 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
comportamento da pré-candidata: Zilmara “quebrou-tudo” ao som do funk, bebeu cerveja o tempo todo em que esteve presente, um comportamento muito diferente do que se espera de uma pessoa realmente evangélica. Imagina se um dia vier a ser prefeita da cidade?! Mas esse dia, ao que tudo indica e sobretudo depois de sua malfadada aparição no baile do Guri Som, é capaz de nunca chegar, pois o comentário geral era de que Zilmara mostrara toda a prepotência e arrogância que os eleitores rejeitam nos políticos. Os eleitores presentes olhavam para a pré-candidata com “Um certo sorriso, De quem nada quer!”. Verifica-se do texto acima nenhum conteúdo informativo, mas tão somente o intuito de atingir a imagem da candidata adversária, numa narrativa bem pouco ortodoxa dos fatos ocorridos durante o evento em Silva Jardim. Edição nº 379 “Anderson Alexandre lidera corrida à prefeitura de Silva Jardim Anderson Alexandre (PMDB) lidera corrida eleitoral com 32%, em segundo lugar vem a candidata Zilmara Xavier (PR) com 19%” *** “Imbaú [bairro do Município de Silva Jardim] recebe Posto de Saúde reformado e ampliado A unidade terá médicos duas vezes por semana e já dispõe de serviço de internet a ser conectado com a Central de Regulação de Exames para a marcação dos mesmos.” Edição nº 389 Prefeito Anderson Alexandre realiza a 4ª adequação administrativa em quatro anos” “Prefeitura inaugura obras em Silva Jardim 311 Alunos de Bananeiras recebem escola ampliada e reformada” “Vereadora Zilmara pode ser cassada em Silva Jardim” Edição nº 390 “Silva Jardim sobe no ranking estadual do IDEB Educação básica do município passou a ocupar a 55ª posição” 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Edição nº 391 “Caso Zilmara tem mais um capítulo Justiça nega mandado de segurança e cassação da vereadora Zilmara Xavier segue em Silva Jardim” Para além da visível tendência editorial comprovada pelos trechos acima colacionados, merece relevo o fato de ser este o periódico contratado para a divulgação oficial do município de Silva Jardim e ser distribuído sem qualquer custo, nada obstante ter um preço de capa no valor de R$ 2,50. Nas proximidades do período eleitoral, o Jornal Boa Semente foi o grande divulgador das pesquisas de opinião que tinham resultados favoráveis ao candidato Anderson. E foi além. Como visto, funcionou como grande propagador das realizações positivas do Executivo Municipal sem tecer qualquer crítica ou repercutir qualquer fato desabonador ao governo, atuando como veículo de propaganda do grupo político formado pelos recorrentes. Acrescente-se a isso o contundente depoimento de Alexandre Fernandes, responsável pelo Jornal Boa Semente ao Ministério Público, constante da mídia à fl. 62, que descreve a diretriz editorial do periódico: “que o depoente até hoje não publicou nenhuma reportagem contra o poder executivo; que o depoente nunca publicou atos contra a administração do município para não ter desgastes.” O aproveitamento eleitoreiro dos meios de comunicação foi utilizado pelos recorrentes em outra oportunidade. Em 27 de agosto de 2016, já iniciada a corrida eleitoral, o Jornal O Dia publicou uma pesquisa com tendência favorável ao grupo político investigado. Houve, então, a distribuição do referido jornal aos munícipes de Silva Jardim, com o óbvio intento de propagar os resultados do candidato na disputa. Eis o título da matéria: “Anderson Alexandre lidera disputa em Silva Jardim. Candidato à reeleição, prefeito tem 32%” Sobre o episódio ora narrado destaco adicionalmente as seguintes provas: vídeo que foi gravado no momento em que eleitores pegavam exemplares do periódico na banca e termo dos agentes da Fiscalização Eleitoral que atestam que duas eleitoras devidamente identificadas apontam a senhora Elza como responsável pela distribuição dos jornais na banca da Praça Amaral Peixoto no centro de Silva Jardim. O dado relevante aqui é que, como sabido, o Jornal O Dia não é gratuito. Cada exemplar custava à época R$ 2,50 (dois reais e cinquenta centavos). Ou seja, houve a compra dos jornais para posterior distribuição dentro do Município. 312 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Sobre os desdobramentos dos valores utilizados para a compra dos jornais serão abordados no tópico pertinente ao abuso do poder econômico. Por ora, conclui-se que restou amplamente comprovado o uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de todos os recorrentes. 2. Abuso do poder político Para que o abuso do poder político se configure, é necessário observar três aspectos fundamentais, quais sejam: (i) agente público valendo-se da condição funcional para beneficiar candidatura (desvio de finalidade); (ii) o especial fim de agir, consistente na obtenção do voto do eleitor; e (iii) ocorrência do fato direcionado à campanha eleitoral. O conjunto probatório dos autos evidencia o abuso de poder político, pois a atuação do agente público causou desequilíbrio no processo eleitoral, pela utilização do seu cargo e de toda a estrutura da Administração Municipal com o fim de favorecer a sua candidatura à reeleição e de seu grupo político. Não se desconhece que é legítimo ao governante o exercício das funções do Poder Executivo, dentre as quais se encontra a de nomear servidores que estejam alinhados com suas diretrizes políticas, bem como afastar aqueles ocupantes que não tem um entendimento convergente com sua gestão. Todavia, ao contrário que do aduz a defesa dos investigados, in casu, não houve uma simples adequação dos cargos dentro do modelo do “presidencialismo de coalizão”. Houve sim uma expropriação dos cargos dentro da estrutura do Executivo Municipal com a finalidade exclusiva de angariar benefício eleitoreiro aos envolvidos, sem qualquer preocupação com a gestão efetiva do Município de Silva Jardim. Antes de adentrar ao funcionamento do esquema criminoso, farei um breve intróito sobre Silva Jardim para a melhor contextualização dos dados que serão apresentados adiante. Segundo dados do IBGE, em 2016, o salário médio mensal dos trabalhadores formais no município de Silva Jardim era de 2 salários mínimos, com apenas 15% da população total ocupada. Além disso, 39,6% da população vivia com até meio salário mínimo de renda per capita mensal. Segundo o último censo a população total era de 21.349 pessoas. A partir dos dados estatísticos podemos concluir que o município de Silva Jardim tem uma grande parte de sua população ociosa. Dentro desse contexto sócio-econômico, a Prefeitura como órgão da Administração municipal, e suas diversas ramificações, como secretarias e escolas, apresenta-se como o grande empregador da população silva- jardinense. O esquema ilícito perpetrado pelos investigados inflou a estrutura governamental com o intuito de cooptar uma maior quantidade de eleitores. Em linhas gerais, o eleitor procurava um agente público para pedir um emprego e, após a entrega de uma documentação básica, começava a receber mensalmente, pelo menos, um salário-mínimo da Prefeitura, sem trabalhar efetivamente. Ou seja, havia a contratação pela Prefeitura sem qualquer contrapartida de trabalho. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 313
A senhora Thais é o nome citado nos diversos depoimentos como a responsável por essas contratações. A indicação para procurar a citada assessora do Prefeito partia de diversos membros desse grupo político. Após a entrega do currículo e dos documentos, os contratados ficavam à disposição, aguardando uma convocação para atuar em atividades pontuais que, na maioria das vezes, não acontecia. O arcabouço probatório trazido pelo Ministério Público Eleitoral não deixa pairar nenhum resquício de dúvida sobre as ilicitudes perpetradas pelos recorrentes. Confira-se um apanhando dos números de contratados pela Prefeitura desde 2014 até 2017: Mês Total geral de funcionários Aumento Aumento percentual bruto jul/14 1781 dez/14 1806 25 1,01% jan/15 1799 18 0,62% jul/15 2200 419 23,04% dez/15 2304 523 28,86% jan/16 2362 581 32,10% jul/16 2462 681 37,70% set/16 2439 658 36,41% jan/17 1698 -83 -5,03% Note-se como que, no ano que antecede a reeleição e nos meses que antecedem o pleito de 2016, há um significativo aumento do número de contratados, tanto em números absolutos, quanto percentualmente. Como sabido, cada eleitor que é favorecido pelo uso espúrio da máquina pública, além de seu voto, contamina a liberdade de escolha de seus familiares também. Assim, a cada funcionário agregado à estrutura da Prefeitura, outros 4, 5 votos são amealhados pelos corruptores, resultando na multiplicação de votos para o político. Note-se que o incremento nas contratações de funcionários ocorre de modo crescente no ano anterior à reeleição dos investigados e, após a realização do pleito, cai vertiginosamente, chegando a um número inferior ao de julho/2014. 314 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Conclui-se que nos presentes autos foi fartamente demonstrado o abuso do poder político, com o inchaço da Administração Municipal, com a utilização das verbas públicas para fazer contratações de fachada com a finalidade exclusiva de cooptar eleitores, já que a grande maioria deles não exercia qualquer atividade, funcionando como “funcionários fantasmas” como confirmam os diversos depoimentos colacionados acima. A igualdade na escolha dos representantes deve encontrar ressonância na igualdade de oportunidades para aqueles que pretendem ascender ao poder e, nesse particular, a igualdade somente restará assegurada com a completa expurgação do pleito dos candidatos que fomentem sua campanha com atos abusivos e ilícitos. Demais disso, testemunhas indicam que os próprios políticos envolvidos indicavam como os interessados deveriam proceder para conseguir uma colocação na Prefeitura: bastava procurar a senhora Thais e entregar documentos que a relação contratual se estabelecia. De um lado, o eleitor recebia o salário através de depósito bancário e em contrapartida ficava à disposição. O que devemos delinear dos depoimentos não é uma ajuda aos eleitores desempregados ou mesmo a formação de suas respectivas equipes de trabalho na Administração Municipal. De fato, o que havia era a intermediação dos réus para absorver qualquer eleitor, com a finalidade de arregimentação de votos. Isso porque não havia qualquer requisito pré-estabelecido para a contratação, nem qualquer critério acadêmico/profissional. Não era necessária uma qualificação ou ao menos uma aptidão para o exercício das funções. Além disso, na maioria dos casos não havia sequer contrapartida, já que o contratado recebia o salário integral para ficar à disposição da Prefeitura. A série de depoimentos prestados em juízo à fl. 364 demonstra indene de dúvidas a atuação dos investigados. Em primeiro lugar, o então Prefeito, como chefe do Executivo Municipal, assinava todas as nomeações. Demais disso, foi citado, por exemplo, como intermediário na cooptação de Vanusa Nascimento da Silva que afirmou que pediu emprego ao Prefeito. Essa mesma depoente afirmou que não se lembra com quem trabalhou no Gabinete já que esteve lá poucas vezes. Esteve contratada recebendo salário durante três meses e foi ao gabinete servir cafezinhos algumas vezes. Esse é o retrato do esquema criminoso: pessoas contratadas, à disposição da Administração, que não lembram dos nomes de seus colegas de trabalho e se confundem quando indagadas sobre o horário de suas jornadas de trabalhos. Indicativos claros que as supostas atividades, quando exercidas, não tinham continuidade. Assim, a meu ver, está cabalmente comprovada a utilização da máquina pública para angariar votos, com a ampla participação dos investigados. 3. Abuso do poder econômico O abuso de poder econômico caracteriza-se pelo uso desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 315
In casu, em diversas condutas narradas na peça exordial do Ministério Público Eleitoral, verificamos a ocorrência do abuso de poder econômico, sobretudo no que se refere à utilização do quadro de funcionários da Prefeitura em prol da campanha eleitoral do grupo político ora investigado. Para que os funcionários pudessem trabalhar de forma mais efetiva na campanha dos candidatos, foi alterado o horário de funcionamento dos órgãos da Administração Pública Municipal para o período das 8 às 14 horas. Após o expediente a atividade continuava durante as caminhadas, carreatas, comícios e demais atividades de campanha. Ou seja, a força de trabalho para a campanha dos investigados era custeada com verbas públicas. Com efeito, nesses autos encontra-se a situação narrada pelo doutrinador, ou seja, a utilização da máquina pública caracterizadora do abuso do poder político possuía também viés econômico, que aqui é consubstanciado pela mão de obra de campanha custeada pelos cofres públicos, já que os servidores da Prefeitura eram cooptados a trabalhar em prol dos recorrentes. Destaca-se que a lesividade ao pleito, in casu, é caracterizada pela desigualdade na disputa, vez que o candidato que se utiliza da força de trabalho de servidores públicos está em larga vantagem frente aos seus oponentes que necessitariam de vastos recursos financeiros para igualar o poderio político- eleitoral. Outra demonstração do poder financeiro do grupo é a chamada onda azul - que foi a distribuição de grande quantidade de camisas padronizadas e adesivos na cor Azul que formava a identidade visual da campanha, seguida de ampla divulgação nas redes sociais dos investigados. Mais manifestações de gastos excessivos, com aptidão de gerar desequilíbrio no pleito, ocorreram na inauguração de obras públicas com grandes eventos, que depois eram repercutidos nas mídias sociais, assim como no evento festivo relativo à inauguração do Diretório do PMDB no Município, comprovado nos autos. Outro fato que chama a atenção foi o sorteio de prêmios muito caros na festa de final de ano dos servidores da Prefeitura. Na ocasião foram sorteados 1 automóvel do Modelo Up zero quilômetro, 6 motos Honda Bis, 3 Televisões de LED e 1 bicicleta. Ainda que tenha tido algum auxílio financeiro de patrocinador, o que importa é a vinculação da imagem dos pré-candidatos à farta distribuição de bens. Mais uma narrativa trazida nos autos que envolve grandes quantias de dinheiro, além da ilicitude da conduta por óbvio, foi a cooptação de servidores para se candidatarem, ainda que não tivessem qualquer interesse. A proposta era ganhar um salário a mais pela candidatura. Para tanto, ocorria uma filiação compulsória dos servidores para que no período do registro estivessem aptos a integrar as nominatas de interesse dos investigados. Aqui, de igual modo o lastro probatório é vasto e não deixa pairar dúvida alguma sobre o abuso perpetrado pelos investigados. 316 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
4. Captação ilícita de sufrágio Em exame do conjunto probatório dos autos, verifica-se o nítido intuito eleitoreiro da oferta de cargos públicos aos eleitores, já que não havia contrapartida na contratação. Muitas vezes, o eleitor era apenas mais um nome na folha de pagamento da Prefeitura, sem sequer comparecer ao órgão para exercer qualquer atividade. Outro fato que deve ser destacado é o fator multiplicador da distribuição desse tipo de benesse. Explico: quando um membro de uma família é agraciado com um emprego, todo o grupo é afetado pelo incremento da renda. O político consegue não apenas um voto, mas vários, a depender da composição daquela unidade familiar. O vínculo criado entre doador e agraciado é bastante sólido quando a relação se estabelece com balizas financeiras. Não raro o agraciado atua como cabo eleitoral para trabalhar pela manutenção desse status. Daí a importância do combate a esse tipo de interferência nociva no processo eleitoral. Por fim, devemos aferir o aspecto temporal do ilícito, pois somente se configura quando cometido no período compreendido entre o pedido de registro de candidatura até o dia das eleições. Nesse ponto, os números trazidos alhures demonstram com clareza que o incremento de contratações ocorreu dentro do período eleitoral, caindo significativamente após o pleito. Em outras palavras, cessada a causa ensejadora do inchaço da máquina pública, não havia mais a necessidade da continuidade daquela estrutura superdimensionada. Ademais, de acordo com a jurisprudência do Colendo Tribunal Superior Eleitoral, é “desnecessário que o ato de compra de votos tenha sido praticado diretamente pelo candidato, mostrando-se suficiente que, evidenciado o benefício, haja participado de qualquer forma ou com ele consentido.” (TSE REsp 21.792/MG) Com efeito, no caso destes autos, restou amplamente demonstrada a participação direta dos investigados nas condutas ilícitas, como depreende-se dos depoimentos supratranscritos. Apenas para ilustrar, faço referência ao conteúdo da narrativa de Ana Maria que traz o então Prefeito como protagonista do esquema criminoso, agindo, naquela oportunidade ao lado do investigado Roni. Portanto, no caso em exame, todos os investigados atuaram e/ou foram beneficiados com o ilícito eleitoral, razão pela qual entendo razoável e proporcional a sanção de multa imposta na sentença de piso. 5. Ausência de participação da então candidato à vice nos atos apurados nestes autos. Nesse ponto, há de se conceder razão à segunda recorrente, Maria Dalva do Nascimento, conhecida como Cilene. De fato, nos autos não há nenhum indício da contribuição causal da então candidata à Vice-Prefeita nos ilícitos eleitorais que ensejaram a cassação da chapa e a imposição da sanção de inelegibilidade aos demais recorrentes. Conforme cediço, para a imposição da sanção de cassação da chapa e multa, como o caso da captação ilícita de sufrágio, se exige tão somente a qualidade de beneficiário 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 317
de seus componentes. Por outro lado, quando se trata da sanção de inelegibilidade, que possui natureza personalíssima e representa gravosa restrição a direito político fundamental, a norma eleitoral requer a responsabilidade subjetiva do sancionado. No presente caso, é forçoso constatar que no curso da instrução processual a parte autora não logrou êxito em acostar provas aptas a demonstrar a participação da segunda investigada nas condutas ilícitas praticadas. Nesse sentido, ressalta-se que a necessidade de aferição da responsabilidade subjetiva para a imposição da pena de inelegibilidade é a posição pacífica da Jurisprudência do Colendo Tribunal Superior Eleitoral. Nessa toada, destaco recente julgamento proferida pela Corte Superior Eleitoral: ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ESPECIAIS ELEITORAIS COM AGRAVO. DIREITO ELEITORAL. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA E ABUSO DO PODER POLÍTICO. PRELIMINARES REJEITADAS. PARCIAL PROVIMENTO. CASSAÇÃO MANTIDA. AÇÕES CAUTELARES PREJUDICADAS. NOVAS ELEIÇÕES (...) PARTICIPAÇÃO DO VICE 18. O acórdão recorrido impôs ao vice-prefeito a sanção de inelegibilidade por entender que ele contribuiu para a prática da conduta vedada prevista no art. 73, V, da Lei nº 9.504/1997 - cuja configuração é afastada neste julgamento -, por ser o Presidente da Câmara de Paraty quando da aprovação do projeto de lei que reduziu a carga horária de servidores no período eleitoral. Não ficou, porém, demonstrada a participação do candidato ao cargo de vice-prefeito na intensificação do programa de regularização fundiária, tendo atuado como mero beneficiário da conduta ilícita. 19. Recurso parcialmente provido para afastar a sanção de inelegibilidade imposta a Luciano de Oliveira Vidal, mantendo-se a cassação e a multa pela conduta vedada do art. 73, IV, da Lei nº 9.504/1997. CONCLUSÃO 20. Agravos conhecidos e providos. Provimento parcial dos recursos especiais eleitorais, a fim de: (...) (ii) afastar a imposição da sanção de inelegibilidade ao vice-prefeito. Ações cautelares e agravo interno prejudicados. (Agravo de Instrumento nº 28353, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 102, Data 31/05/2019, Página 41/42) Por todo exposto, voto pelo provimento parcial do recurso de Maria Dalva Silva do Nascimento, apenas para afastar a sanção de inelegibilidade, mantendo- se as demais sanções impostas pelo Juízo a quo, e pelo desprovimento dos demais recursos interpostos, mantendo-se aos investigados Wanderson Gimenez, Adão Firmino de Souza, Jazimiel Batista Pimentel, Flávio Eduardo da Costa Brito e Roni Luiz Pereira da Silva in totum a sentença de piso. Considerando a manutenção da sanção de cassação dos mandatos, tanto de Vereadores quanto da atual Prefeita do Município de Silva Jardim, esgotada 318 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
a competência desta Corte Eleitoral, deve o acórdão produzir seus efeitos imediatamente, com o afastamento dos investigados de seus cargos e convocação de novas eleições, nos termos do § 3º do art. 224, vez que eventual Recurso Especial ao Colendo Superior não possui efeito suspensivo ope legis. É como voto. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 319
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL JAMILE DUARTE COELHO VIEIRA (JUÍZA DO TRE - AL) TRE - AL - RE - Nº 1-93.2017.6.02.0011 TEMA Abuso de Poder RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. MUNICÍPIO DE PALESTINA. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA SUSCITADAS. ILEGAL ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR NO CURSO DO PROCESSO. ILEGAL APURAÇÃO NA AIME DE CONDUTAS VEDADAS E ABUSO DE PODER POLÍTICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. REJEIÇÃO. MÉRITO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. COMPRA DE VOTO. ELEITOR DE OUTRO MUNICÍPIO. INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA AO DIREITO DE VOTO. IMPOSSIBILIDADE DE SE CONCRETIZAR A CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO ILÍCITO. ABUSO DE PODER POLÍTICO COM VIÉS ECONÔMICO. ACERVO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A EXISTÊNCIA DO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA DE POTENCIALIDADE PARA DESEQUILIBRAR O PLEITO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. 320 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
VOTO - VISTA Exmo. Desembargador Presidente e demais Pares, retorno os presentes autos a este Colegiado a fim de manifestar meu entendimento quanto ao Recurso Eleitoral manejado por José Alcântara Júnior e Marcelo Monteiro Alcântara, após os votos já proferidos pelos Des. Orlando Rocha, Paulo Zacarias e Otávio Praxedes. Após compulsar detidamente o caderno processual, a par da análise da jurisprudência dos Tribunais Eleitorais brasileiros, adianto, com a devida venia, que meu entendimento acerca da matéria divergiu da tese levantada pelo insigne Relator para, por outros fundamentos, alcançar conclusão semelhante a já alcançada pelo eminente Revisor, o Des. Paulo Zacarias. No mais, permito-me dispensar a apresentação de relatório, tendo em vista já constar nos autos de forma detalhada. De início e com o propósito de estabelecer as balizas impostas nos termos da matéria devolvida ao Tribunal, registro que o único ponto a ser analisado cinge-se às repercussões da conduta da Recorrida descritas nos exatos termos da peça inaugural da lide que, na condição de chefe do executivo municipal de Palestina, contratou o sr. Maksondeyvdy dos Santos Souza para prestação de serviços à municipalidade, uma vez que os Recorrentes não se insurgiram contra a decisão de 1º grau que extinguiu o processo sem resolução de mérito com relação a transferência dos eleitores e que julgou improcedente a captação ilícita de sufrágio de Roseane Matias Costa e família. Nesse ponto, a peça vestibular indicou ter havido abuso de poder político com viés econômico sob a forma de captação ilícita de sufrágio, consistente no aliciamento eleitoral do Sr. Maksondeyvdy dos Santos Souza para votar nos Recorridos, bem como decorrente da contratação referida. Quanto à (in)existência de captação ilícita de sufrágio, concordo inteiramente com o Desembargador Relator, na medida em que o eleitor citado não pertencia às fileiras do eleitorado de Palestina, o que, segundo jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, torna impossível o ilícito mencionado. Dessa maneira, o que motivou o pedido de vista foi exatamente saber se os fatos que deram ensejo ao presente Recurso seriam suficientes para configuração do abuso de poder político com viés econômico – albergado pela via processual eleita (AIME) por construção jurisprudencial, a desembocar em eventual cassação de mandato - ou apenas a configuração de conduta vedada prevista no art. 73 da Lei 9.504/97, a ser combatida por meio de representação ou ação de investigação judicial eleitoral. Ao lado dos áudios de “WhatsApp” acostados ao processo e do depoimento desta única testemunha, consta do caderno processual que o sr. Maksondeyvdy dos Santos Souza já prestou serviços à prefeitura de Palestina em outras ocasiões, como se constata dos documentos acostados aos autos de fls. 69/89. Com efeito, já em 2014, entre os meses de junho a dezembro, Maksondeyvdy dos Santos Souza emprestava seu labor àquela Municipalidade, conforme extratos bancários juntados. Também constam registros semelhantes entre os meses de abril a agosto de 2015 e, ainda, de julho a dezembro de 2016. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 321
Da análise da ficha financeira de fls. 88/89, pode-se constatar que o sr. Maksondeyvdy dos Santos Souza já prestava serviços em interregno não contemplado como período eleitoral, o que, em nosso pensar, parece afastar a alegação de que tal contratação se deu com o propósito único e específico de se dedicar à campanha eleitoral da Recorrida, sra. Eliane Silva Lisboa. Noutra toada, a despeito de as informações quanto à contratação não serem precisas, em seu depoimento o Sr. Maksondeyvdy dos Santos Souza afirma ser responsável pela produção de eventos na municipalidade, indicando a quem era de fato subordinado, mesmo tendo sido formalmente contratado por secretário diverso e que seu trabalho era na rua, sem necessidade de bater ponto, tendo organizado algumas festas. Não há confissão, mesmo nos áudios de “WhatsApp”, a nosso sentir, acerca de pedido de voto em troca de emprego ou de trabalho de campanha a ser remunerado pela municipalidade. Em resumo, tratou-se de contratação de uma única pessoa, não eleitora do município, por um valor reduzido, sem comprovação de que tenha influenciado eleitores e familiares a votarem na Recorrida. A conduta acima, isoladamente considerada, poderia, outrossim, estar inserta no art. 73, V, da Lei 9.504/97 que estabelece que: Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (…) V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários; (grifei) Assim, ao gestor público é vedado promover a contratação de servidores em sua circunscrição eleitoral nos três meses que antecedem as eleições, salvo em situações excepcionais que não possuem aplicação no presente caso. Registre-se que em 2016, o 1º 322 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
turno das eleições municipais foi realizado em 2 de outubro, o que se traduziria na vedação de se contratar servidor público, salvo as exceções mencionadas, a partir de 02.07.2016. No caso dos autos, a contratação foi levada a efeito por meio de contrato de prestação de serviços formalizado em 29.6.2016 (fls. 93/94), sem que houvesse impugnação quanto à validade do documento, antes, portanto, do período suspeito trazido pela legislação eleitoral, o que afasta a configuração de conduta vedada. E, ainda que fosse, não caberia sua apreciação em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo. Para mais, não constam do caderno processual elementos probatórios suficientes e contundentes de que a contratação em tela tenha proporcionado proveitos eleitorais à Recorrida de modo a configurar abuso de poder político com viés econômico em medida suficiente a promover cassação de seu diploma, não podendo tal circunstância ser presumida. De se observar que o abuso de poder albergado pela AIME cinge-se ao econômico, conforme prescrito na Carta Magna. O seu elastecimento para o poder político com viés econômico resulta, como já informado, de construção jurisprudencial. Mais evidente, portanto, deve ser sua configuração. A pena que é imposta, por severa, deve decorrer de certeza, e não de probabilidade ou aparência. E mais, deve se revestir de gravidade suficiente para ensejar a punição. No caso em análise, ainda que enxergasse o abuso do poder político (não abraçado pela AIME e consistente, aqui, supostamente, numa contratação viciada, em troca de apoio político) não vislumbro a ocorrência do viés econômico, porquanto reputo o valor informado nos autos (quatro meses de salário) irrisório e sem comprovação de que haja impactado e interferido no pleito e desvirtuado a vontade do eleitor, ainda que a diferença de votos entre o eleito e o não eleito tenha sido de apenas um voto, a atrair a proteção da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo conforme delineado na petição inicial. No dizer de Frederico Alvim1, “Em última instância, o gravame inerente a supostas condutas veiculadoras de abuso de poder deve ser entendido em termos proporcionais e estritos, considerando-se graves tão apenas as circunstâncias que inviabilizem a fruição e o desenvolvimento de uma democracia sólida, participativa e plural”. Nesse compasso, se a conduta em questão sequer pode ser configurada como conduta vedada, parece-nos, com maior razão ainda, que também não poderia ser alçada a abuso de poder político, tampouco abuso de poder econômico, abraçado pela via escolhida. Ressalte-se que o ambiente da disputa eleitoral é formado por uma infinidade de elementos, ainda que em município de parcos recursos e poucos eleitores, o que torna impossível afirmar, sem risco de equívoco, que o fato apurado foi a causa determinante da vitória nas urnas. No ponto, as circunstâncias da vantagem mínima nas urnas sobrelevam o desvalor da conduta, entretanto, em nosso pensar, sem que seja ultrapassado o limite autorizativo da cassação. Nesse sentido, oportuna são as lições de Frederico Alvim2: 1. ALVIM, Frederico Franco. Abuso de poder nas competições eleitorais. Curitiba: Juruá, 2019, p. 362. 323 2. Ibid., p. 372. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
(…) as decisões de anulação de eleições devem ser excepcionais, surgindo tão apenas quando as autoridades judiciais possam afirmar, com segurança, que os resultados das urnas são inaptos a refletir a genuína expressão da opinião coletiva, então é lícito esperar, ao menos em princípio, que a extinção anômala das competições eleitorais seja ainda mais rara quando se lide com casos de abuso de poder mais próximos do polo inferior do espectro sugerido. Ante o exposto, entendendo que a cassação é decisão de ultima ratio, que somente se legitima em conjunturas absolutamente inescapáveis, ou seja, diante de condutas ilícitas extraordinariamente graves e devidamente comprovadas ao ponto de juridicamente desqualificar o produto da vontade coletiva, acompanho o voto do eminente Revisor Des. Paulo Zacarias e voto pela improcedência do Recurso Eleitoral interposto, mantendo a sentença de 1º grau. É como voto. 324 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL JOSAFÁ ANTONIO LEMES (JUIZ DO TRE - PR) TRE/PR – RE - Nº 287-84.2012.6.16.0196 TEMA Abuso de Autoridade EMENTA – RECURSO ELEITORAL. AIJE, ABUSO DE AUTORIDADE. CACIQUE DE RESERVA INDÍGENA. ATIVIDADE QUE NÃO SOFRE INGERÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 19, § ÚNICO, LC 64/90. ART. 5°, LEI N° 4898/65. FALTA DA CONDIÇÃO DE AUTORIDADE PÚBLICA. O abuso do poder de autoridade punível pela legislação eleitoral pressupõe que o agente da conduta possua atribuição típica de agente público com poderes para tanto. ACORDAM os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, por unanimidade de votos e com julgamento de mérito, em dar provimento aos recursos, nos termos do voto do Relator, que integra esta decisão. Curitiba, 06 de junho de 2013. 325 ROGÉRIO COELHO Presidente JOSAFÁ ANOTNIO LEMES Relator ADRIANA A. STOROZ M. DOS SANTOS Procuradora Regional Eleitoral 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
RELATÓRIO Tratam-se de recursos interpostos por Maurilio Viana Pereira e Dirceu Retanh Pereira Santiago contra sentença proferida pelo juízo da 196° Zona Eleitoral em sede de ação de investigação judicial eleitoral – AIJE que, concluindo pela ocorrência do abuso de poder de autoridade, cassou o registro de candidatura de Maurilio Viana Pereira e declarou inelegibilidade de ambos para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2012. O douto juízo concluiu que Dirceu, cacique da Reserva Indígena Ivaí, valendo-se de seu poder de mando decorrente de sua posição, direcionou os votos da população indígena local em benefício de Maurilio Viana Pereira, bem como os votos dos professores da rede pública de ensino que lecionam na Reserva. Observo que em setembro de 2012, foi instaurado o Processo Administrativo n° 268- 78.2012.6.16.0196 (fl. 24), em razão da “prática de graves irregularidades eleitorais na Comarca de Manoel Ribas, de autoria do Cacique do Posto Indígena Ivaí, Dirceu Pereira Santiago”. Conforme os dados disponíveis no sistema informatizado deste Tribunal, o douto Juiz concluiu que “a autoridade de cacique, sabidamente peculiar e inquestionável dentro da cultura indígena, acaba por influenciar, de forma ilegítima, o eleitorado, em menoscabo ao livre processo democrático que se espera durante o prélio eleitoral”. Assim, o processo administrativo culminou no fechamento das seções eleitorais n° 147 e 149, localizadas no interior da Reserva Indígena, e na abertura de novo local de votação, com base nos artigos 35, X e 118, ambos do Código Eleitoral. O cumprimento das medidas foi postergado para período posterior ao pleito de 2012, quando da abertura do prazo de recadastramento eleitoral, eis que o fechamento das seções era inviável à época da prolação da decisão, dia 18 de setembro de 2012. Maurilio Viana Pereira, candidato ao cargo de Prefeito não eleito e o cacique Dirceu apresentaram recursos separadamente contra a sentença ora combatida, mas com igual conteúdo, afirmando em síntese que: 1) não há prova suficiente para embasar a sentença, pois fundamentada apenas no depoimento de três testemunhas que possuem interesse pessoal na questão, eis que Marcia Mendes Luciano é cunhada da candidata eleita, enquanto Eduardo Carneiro Resende e Ubirajara Tonelli foram candidatos pela Coligação opositora; 2) os indígenas da Reserva não foram ouvidos; 3) não há lei que equipare o exercício da função de cacique indígena à figura de autoridade pública, não se enquadrando na definição do artigo 5° da Lei n° 4.898/65, que trata da responsabilização por abuso de autoridade; 4) a função e autoridade do cacique derivam de costumes e tradições, “não cabendo aos ‘brancos’ qualquer tipo de ingerência, sob pena de aniquilamento dessas comunidades” (fl. 254); 5) o Ministério Público Eleitoral não logrou comprovar seu conhecimento ou participação em atos eleitorais praticados dentro da Reserva Indígena; 6) a sentença se equivoca ao concluir que a filiação em massa de indígenas ao PP, ocorridas em 2011, foi compulsória e de conhecimento de Maurilio Viana Pereira, pois não há provas nos autos neste sentido; 6) sustenta que à essa época não havia definição sobre sua candidatura; 7) o depoimento 326 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
de funcionário da FUNAI e de duas professoras que trabalham na Reserva demonstraram inexistência de coação por parte do cacique; 8) os depoimentos de três testemunhas com interesse na causa não se referiram a Maurilio Viana ou ao Cacique Dirceu; 9) não há provas suficientes para a caracterização do abuso de poder, tampouco da participação de Maurilio Viana; 10) não foi demonstrada a potencialidade de alterar o resultado das eleições, ainda mais porque Maurilio Viana não foi vencedor no pleito (fls. 249/291 e fls. 299/334). Assim, ambos requerem a reforma da sentença para a manutenção do registro de candidatura de Maurilio e dos direitos políticos de ambos. Apresentadas as contrarrazões do Ministério Público Eleitoral de primeiro grau, concluindo pela suficiência de provas e gravidade do ato (fls. 374/381). A douta representante da Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo desprovimento dos recursos, sob o entendimento de que “o cacique, por ser autoridade máxima da aldeia, poderia arbitrariamente utilizar seu poder de mando/de autoridade para qualquer objetivo particular, que no caso em tela é o apoio desarrazoado à candidatura do representante”. (fls. 386/390). Em síntese, é o relatório. VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade dos recursos, deles conheço e passo à sua análise. A causa versa sobre eventual abuso de poder cometido por Dirceu Retanh Pereira Santiago, que teria se valido da posição de cacique para direcionar os votos da comunidade da Reserva Indígena Ivaí ao candidato Maurilio Viana Pereira. Marcos Ramayana analisa o abuso de poder sob o seguinte prisma: “O abuso de poder econômico ou político é toda a conduta ativa ou omissiva que tenha potencialidade para atingir o equilíbrio entre candidatos que almejam determinado pleito eleitoral. (...) Geralmente, os atos de abuso também acarretam consequências penais ou à luz da Lei da Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/92). Todavia, em razão da celeridade do processo eleitoral, pode-se obter a inelegibilidade na investigação judicial eleitoral antes do julgamento da ação civil. De toda sorte, a decisão, na investigação judicial eleitoral, serve de prova emprestada para a ação que combate a improbidade administrativa. Na verdade, o abuso de poder político/administrativo importa no reconhecimento da improbidade administrativa. Trata-se de improbidades especiais, cuja natureza reflete diretamente no campo da ilicitude eleitoral. Segundo leciona Diógenes Gasparini, o abuso de poder é “toda a ação que torna irregular a execução do ato administrativo, legal ou ilegal, e que propicia, contra seu autor, medidas disciplinares, cíveis e criminais.” (In: Direito Eleitoral. 12ª edição – Rio de Janeiro: Impetus, 2011, pág. 584. Grifos inseridos.) 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 327
O doutrinador José Jairo Gomes, ao analisar o conceito e as aplicações do abuso de poder, pontua que: “Já foi ressaltado alhures que o conceito abuso de poder é, em si, uno e indivisível. Trata-se de conceito fluido, indeterminado, que, na realidade fenomênica, pode assumir contornos diversos. Tais variações concretas decorrem de sua indeterminação a priori. Logo, em geral, somente as peculiaridades divisadas no caso concreto é que permitirão ao intérprete afirmar se esta ou aquela situação real configura ou não abuso. O conceito é elástico, flexível, podendo ser preenchido por fatos ou situações tão variados quanto os seguintes: uso nocivo e distorcido de meios de comunicação social; propaganda eleitoral irregular; fornecimento de alimentos, medicamentos, materiais ou equipamentos agrícolas, utensílios de uso pessoal ou doméstico, material de construção; oferta de tratamento de saúde; contratação de pessoal em período vedado; percepção de recursos de fonte proibida.” (In: Direito Eleitoral 5. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, fls. 453/454). No que diz respeito às partes legítimas contra as quais se propõe a ação de investigação judicial eleitoral, destinada à apuração de abuso de poder, o autor leciona que “no pólo passivo pode figurar candidato, pré-candidato e também qualquer pessoa que haja contribuído para a prática abusiva, sem se excluírem as autoridades públicas” (op. Cit., fls. 462). Tal conclusão não poderia ser diferente, tendo-se em vista o disposto na Lei Complementar n° 64/90, que ao tratar da apuração da prática do abuso de poder, prevê: “Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor – Geral e Corregedores Regionais Eleitorais. Parágrafo único. A apuração e a punição das transgressões mencionadas no caput deste artigo terão o objetivo de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso de exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundamental da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. (grifos inseridos). Por sua vez, a Lei n° 4898/65, que regula o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, nos casos de abuso de autoridade, considera que autoridade é “quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração”. Dessa forma, conclui-se que quem comete o abuso de autoridade ou de poder político deve estar investido de alguma espécie de poder atribuído pelo Estado. 328 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Por um lado, é notável a influência que uma liderança pode exercer sobre eleitores de um determinado grupo social na escolha de um candidato, sendo comum que figuras como líderes religiosos, comunitários e indígenas exteriorizem sua intenção de voto e conclamem seus seguidores a votar no mesmo candidato. De outra feita, não havendo relação deste líder com a Administração Pública, não é possível falar em abuso de autoridade ou abuso de poder político, já que o abuso punível pela legislação eleitoral pressupõe que o praticante da conduta possua, em alguma medida, uma atribuição típica de agente público. No caso em tela, o recorrente Dirceu não ocupa função, cargo ou emprego na Administração Pública; foi eleito o cacique de sua aldeia, mediante processo de votação realizado entre os indígenas daquela Reserva, sem ingerência política da União, Estados ou Municípios. Fiz uma análise completa das provas e dos fatos. Conclui que tais fatos decorrentes da conduta do Sr. Dirceu (cacique da aldeia) poderia caracterizar captação ilícita em virtude da ameaça feita a algumas pessoas (professores etc.) residentes na aldeia em que chefia, pois havia ameaça de expulsão. Porém, deveria haver pedido neste sentido e provas do direcionamento dos votos, mas não há. Pelas razões expostas, conheço do presente recurso e, no mérito, dou-lhe provimento para reformar integralmente a sentença recorrida julgando improcedente os pedidos formulados pelos recorridos. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 329
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL LUCLIUA(CJNUIAOI(ZNJMUDOIOTZMATDNTROAIEOTN-RSGIEOHO-SG)AOHN)ANNANA TRE-GTORE-/AGCOÓ-RRDEÃO- NNº°447722--7799.2.2001166.6.09.0131 ArArrerceacdaadçãaoçãeogeaTsgtoaEssTMtiolEíAscMiitloíAcsidtoescdame pcaamnhpaanha RELATÓRIO Tratam-se de Recursos Eleitorais interpostos por GENIVALDO GONÇALVES DOS REIS, MANOEL UBALDINO DE FREITAS, JOSÉ FUSCALDI CESILIO e SANTINA GONÇALVES DE SOUSA, em face da sentença proferida pelo juízo da 131ª Zona Eleitoral de Padre Bernardo/GO – Mimoso/GO, que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, pela prática de captação ilícita de sufrágio, art. 41 – A da Lei 9.504/97, abuso de poder econômico, nos termos do art. 22, caput, da LC nº 64/90, captação e gasto ilícito de recursos, na forma do art. 30 – A da Lei 9504/97, cassando os diplomas de GENIVALDO GONÇALVES DOS REIS e MANOEL UBALDINO DE FREITAS, prefeito e vice-prefeito do município de Mimoso de Goiás/GO, respectivamente, aplicando multa a todos os recorrentes no valor de R$ 53.200,00 (cinquenta e três mil e duzentos reais) e a inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos. 330 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Os recorrentes GENIVALDO GONÇALVES DOS REIS e MANOEL UBALDINO DE FREITAS sustentam, preliminarmente, em suas razões, a ilicitude das gravações colacionadas ao feito, vez que não foram observados os procedimentos legais, bem como foram realizados sem o consentimento dos interlocutores. Afirmam ainda, que a sentença é nula, porquanto não houve enfrentamento das questões levantadas pela defesa, nos termos exigidos pelo art. 489, § 1º, incisos IV e VI do CPC. Quanto ao mérito, alegam que a fragilidade das provas é latente, tendo em vista que não se comprovou que houve utilização de recursos ilícitos na campanha, bem como a ocorrência de captação ilícita de votos. Aduzem que foram condenados por captação ilícita de sufrágio com amparo unicamente em transcrições de interceptações telefônicas ilegais. Dizem que as alegações do MPE consideradas para condenação, além de desprovidas de qualquer prova consistente, ainda distorcem a realidade dos fatos, ou seja, o autor interpretou os fatos de acordo com as suas próprias convicções, porém sem qualquer coerência com as provas e a verdade. Asseveram, portanto, que não estão presentes os requisitos da figura insculpida no art. 41 – A da Lei 9504/97. Os recorrentes Genivaldo e Manoel afirmam que não tiveram qualquer ingerência ou conhecimento prévio das negociações e que se trata de demandas do jogo eleitoral, sendo que não há qualquer fato fazendo referência à captação ilícita de recursos. Alegam que não há provas dos autos da ocorrência de captação e gastos ilícitos de recursos, art. 30 – A da Lei 9.504/97 ou abuso do poder econômico, vez que a sentença se baseou exclusivamente em intepretação de conversas degravadas. Ao final, requerem a reforma da decisão de primeiro grau para dar provimento ao presente recurso, julgando improcedente a AIJE, diante da inexistência de provas robustas dos ilícitos, falta de materialidade, ausência de comprovação do “gasto ilícito” e de autoria (participação dos Requeridos), bem como ausência de nexo de causalidade entre a conduta e o candidato. Em seu recurso, José Fuscaldi Cesílio sustenta, preliminarmente, ilegitimidade passiva; falta de interesse de agir, vez que a ação deveria ter sido proposta até a data do pleito; decadência; porque a presente AIJE foi interposta após as eleições; incompetência do juízo; inépcia da inicial, em razão da ausência de individualização das condutas e pela falta de indicação de endereço eletrônico dos requeridos; cerceamento de defesa; ausência de degravação dos áudios e nulidade por abuso em excesso de interceptação. Quanto ao mérito, sustenta que não praticou nenhuma das condutas tipificadas no art. 41 – A da Lei 9.504/97, tão pouco houve abuso de poder econômico, afirmando que foi condenado unicamente com base em interpretações de interceptações telefônicas ilegais. Ao final, requer o provimento do recurso para afastar as condenações impostas. Por sua vez, a recorrente Santina Gonçalves de Sousa aduz, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam do terceiro não candidato no caso de captação ilícita de sufrágio; nulidade do feito por ausência de fundamentação; falta de interesse de 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 331
agir, vez que a ação deveria ter sido proposta até a data do pleito; decadência, porque a presente AIJE foi interposta após as eleições; incompetência do juízo; inépcia da inicial, em razão da ausência de individualização das condutas e pela falta de indicação de endereço eletrônico dos requeridos; cerceamento de defesa; ausência de degravação dos áudios e nulidade por abuso em excesso de interceptação. No mérito, afirma que os fatos narrados na presente ação foram baseados somente nos indícios da interceptação telefônica e nas degravações ilícitas transcritas de forma irregular. A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso de Santina Gonçalves dos Reis e José Fuscaldi Cesílio e pelo conhecimento e parcial provimento do recurso de Genivaldo Gonçalves dos Reis e Manoel Ubaldino dos Santos apenas para afastar as sanções de multa e de inelegibilidade impostas a Manoel Ubaldino dos Santos, em razão da ausência de comprovação do seu envolvimento nos atos ilícitos. Foi juntada petição requerendo o adiamento do julgamento marcado para 30/5/2019, com a remessa dos autos ao Procurador Regional Eleitoral, sob o argumento de que o Acordão nº 61/2019 deste Regional, em julgamento dos ora recorrentes, Genivaldo Gonçalves e Manoel Ubaldino, que reconheceu a ilicitude de gravação ambiental, que a seu ver impactaria no julgamento do presente feito. Aduz, ainda, a necessidade de verificação de matéria de ordem pública, relativa à ilegalidade da interceptação telefônica. É o relatório. VOTO Presentes todos os pressupostos de admissibilidade recursal, portanto, conheço. De início, indefiro o pedido de adiantamento apresentado em 23/5/2019. Em relação à juntada de Acórdão proferido por esta Corte, como bem disse o próprio requerente, trata-se de documento público e de acesso irrestrito aos demais julgadores, que por sinal participaram do seu julgamento. Além disso, ao contrário do alegado, a meu sentir ele não possui correlação com este julgamento, uma vez que este Regional reformou a sentença em razão da ausência de comprovação do ilícito, já que a principal prova, gravação ambiental, foi considerada ilícita e ela sequer faz parte do caderno probatório destes autos. No caso, trata-se de fatos e provas diversas que demandam outra análise, sem, contudo, ser necessário a nova oitiva do autor, Ministério Público Eleitoral, que já se manifestou sobre todos as questões pertinentes ao julgamento da causa. Quanto à questão de ordem pública, legalidade da interceptação telefônica, analisarei em seguida, vez que há uma preliminar especifica sobre esse fato. 332 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
I - PRELIMINARES 1 - Ilicitude da interceptação telefônica. Os recorrentes Santina Gonçalves de Sousa, Genivaldo Gonçalves dos Reis e Manoel Ubaldino de Freitas sustentam a ilicitude da interceptação telefônica, uma vez que trata-se de prova emprestada, autorizada no âmbito de procedimento de investigação criminal, instaurado para a apuração de crime de corrupção eleitoral em outro município, sem que houvesse identidade de parte com a presente ação, bem como não consta prova dos números dos investigados e não há perícia nas vozes gravadas. Alegam também, por meio da petição apresentada em 23/5/2019, que a intercepção foi obtida originalmente em Representação Eleitoral e não em investigação criminal ou instrução penal, em desobediência à Constituição Federal de 1988. Aqui também, não assiste razão aos concorrentes. Compulsando os autos, especialmente a decisão que determinou a interceptação telefônica (fls. 232/240), verifica-se claramente que ela se deu no âmbito de investigação criminal e não em sede de representação cível eleitoral, como sustentado pelos recorrentes. Sobre esse ponto peço vênia para citar trechos da decisão acima mencionada. Veja: Narra o Ministério Público Eleitoral que instaurou Procedimento de Investigação Criminal de nº 201600417889 para apurar a suposta prática do crime descrito no artigo 299 do Código Eleitoral: “Art. 299. Dar, oferecer promover, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias multa. ” (...) A Carta Magna dispõe que “ é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (CF, art. 5º, XII). A parte final do referido dispositivo constitucional estabelece que, no caso específico de violação das comunicações telefônicas, providência desta natureza só poderá ser decretada no âmbito de processo criminal, que, notoriamente, deverá ser processado e julgado perante juiz criminal, ou, como no caso em tela, por se tratar de crime eleitoral, deverá ser julgado pelo juiz eleitoral. (...) Assim dada a urgência para se apurar a ocorrência do crime referido justamente em período que antecede o pleito eleitoral, resta evidente o periculum in mora, ou perigo da demora, para que se conceda a medida pleiteada pelo parquet. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 333
Em observância à disposição legal contida no artigo 2º, parágrafo único da Lei nº 9.296/96, que exige a descrição, com clareza, do objeto da investigação, fixa-se, neste momento, como objeto, a ocorrência de condutas, pelos representados e/ou terceiros, que se amoldam ao tipo penal descrito no artigo 299 do Código Eleitoral, o crime de corrupção eleitoral. O parquet pleiteou que, no caso de concessão da medida, fosse autorizado a realização das interceptações pelo próprio órgão do Ministério Público, o que resta plenamente viável, diante do que restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 593.727. (...) Desse modo, verifico nos autos a presença dos pressupostos necessários para a decretação da medida cautelar (fumus comissi delecti e periculum in mora) de forma suficiente para o seu deferimento. Portando, ante o exposto, DEFIRO o pedido inicial formulado na presente representação, para o fim de AUTORIZAR A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, pelo prazo de 15 (quinze) dias, dos seguintes terminais: Portanto, não resta dúvida que a intercepção telefônica ocorreu em sede de medida cautelar criminal, nos estritos termos admitidos pela legislação de regência. Ressalto por fim, que o simples fato dessa medida ter sido autuada como representação não descaracteriza a sua essência, que foi para apurar eventuais crimes tipificados no art. 299 do Código Eleitoral. Quanto ao compartilhamento de prova mediante autorização judicial, ainda que em sede de procedimento investigatório criminal para ações de investigação judicial eleitoral, a jurisprudência é firme na sua admissão. Veja: AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO (ART. 22 DA LC 64/90). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI 9.504/97). (...) INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INQUÉRITO. AUTORIZAÇÃO. COMPARTILHAMENTO. LICITUDE. Admite-se, em AIJE, uso de prova emprestada legalmente produzida em procedimento investigatório criminal. Precedentes. 9. No caso, é lícito o compartilhamento de provas, incluídas as interceptações telefônicas, destacando-se que: a) o juízo competente autorizou a produção dessa prova; b) o Parquet requereu que o conteúdo do inquérito instruísse esta AIJE, o que foi deferido na íntegra pelo magistrado; c) os agravantes tiveram acesso às provas em todas as fases 334 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
do processo; d) o decisum autorizativo, embora juntado pelo Ministério Público em segundo grau, era preexistente. (Recurso Especial Eleitoral nº 1635, Acórdão, Relator (a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 76, Data 17/04/2018, Página 14/16) Nesse ponto, também peço vênia para citar mais um trecho do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral que analisou esse ponto com muita propriedade, que adoto como razão de decidir. No presente caso, verifica-se que a interceptação (mídia anexadas às fls. 290/291, vol. 2) utilizada como prova pela magistrada sentenciante, para formar seu convencimento, foi autorizada judicialmente em procedimento investigatório criminal, consoante decisão proferida na Medida Cautelar Criminal nº 117.631/2016, acostada às fls. 232/240, v. 1. Conforme se extrai de referida decisão, o Ministério Público Eleitoral ingressou com medida cautelar criminal – para subsidiar procedimento de investigação criminal (nº 201600417889, instaurado para apurar suposto crime de corrupção eleitoral -, requerendo a interceptação das comunicações telefônicas dos números pertencentes a Aline Dlugolenski, então candidata a prefeita do município de Padre Bernardo; de Nilson Martins Monteiro e de Santina Gonçalves de Sousa (uma das representadas da presente AIJE). Segundo consta do citado procedimento criminal, a recorrente Santina tinha relação com o apoiador político da então candidata Aline, José Tatico (outro representado da presente ação) e teria doado o valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) para a realização da formatura de uma faculdade em Padre Bernardo. Portanto, tem-se como plenamente válida a interceptação telefônica autorizada judicialmente pelo juízo criminal competente e utilizada como prova emprestada. De igual forma, a jurisprudência se consolidou no sentido de ser desnecessária a realização de perícia nas vozes captadas na interceptação telefônica. Veja: RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO POR CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A, LEI DAS ELEIÇÕES) - PRELIMINARES DE NULIDADE DO JULGADO EM RAZÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA E VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO - INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - PROVA EMPRESTADA - POSSIBILIDADE - DEGRAVAÇÃO INTEGRAL DOS ÁUDIOS E POR PERÍCIA TÉCNICA - DESNECESSIDADE - INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL - NÃO OCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 330, § 1°, DO NCPC - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO ENTRE CANDIDATO E PARTIDO - NÃO CABIMENTO - PRELIMINARES REJEITADAS - MÉRITO - AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA QUANTO À SUPOSTA DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL PELO CANDIDATO, COM O FIM 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 335
DE ANGARIAR VOTOS - ACERVO PROBATÓRIO FRÁGIL QUANTO À IMPUTAÇÃO DE QUE O FILHO MENOR DO CANDIDATO ESTARIA COMPRANDO VOTO NO DIA DO PLEITO - DEPOIMENTOS COLHIDOS NA ESFERA POLICIAL NÃO CORROBORADOS PERANTE O JUÍZO - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. É lícita a utilização de prova emprestada produzida em procedimento no qual o então representado não tenha sido parte, desde que oportunizados à defesa o exercício da ampla defesa e do contraditório. Precedentes do Colendo Tribunal Superior Eleitoral e do Colendo Superior Tribunal de Justiça. 2. Não há falar-se em ilicitude da interceptação telefônica, pois denota-se dos autos que o referido procedimento foi requerido pelo Ministério Público (fls. 14/16) e deferido pelo juízo competente, nos termos da decisão de fls. 87/90. Ademais, conforme se extrai dos documentos de fls. 63/67, 87/91, 107/110 e 111/113, todas as interceptações telefônicas e suas respectivas prorrogações foram precedidas de autorização por Juiz competente. Preliminar rejeitada. 3. No que tange à alegação de desrespeito aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal, em razão da suposta impossibilidade de acesso aos áudios utilizados como meio de prova, verifica-se que, conforme certidão de fl. 736, a mídia contendo os áudios das interceptações foi disponibilizada em Cartório em 18/09/2012, e lá permaneceu sem que nenhum interessado solicitasse o seu acesso. Ademais, nos termos da manifestação ministerial de fl. 203, a Promotoria Eleitoral da 18ª Zona/ES, em 05 de novembro de 2012, entregou ao Cartório Eleitoral o relatório final com a transcrição integral dos diálogos, bem como um envelope anexo contendo uma mídia com todos os áudios colhidos via interceptação telefônica referente à “Operação Democracy”. 4. De acordo com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, não há necessidade de degravação dos diálogos objeto de interceptação telefônica em sua integralidade, visto que a Lei 9.296/96 não faz qualquer exigência nesse sentido. Já o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento a respeito da desnecessidade de transcrição integral de diálogos captados via interceptação telefônica, até mesmo como forma de proteção à intimidade dos demais envolvidos nas escutas, desde que garantido à parte o pleno direito de acesso à íntegra, como ocorrido no presente caso. (STF - RHC 122395/ES, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Julgamento: 27/05/2014, Segunda Turma, Publicação: DJe-113 DIVULG 11-06-2014 PUBLIC 12-06-2014). Preliminar afastada. 5. Aplica-se in casu o entendimento constante de diversos precedentes do STJ no sentido de ser desnecessária a realização genérica de perícia para a identificação das vozes captadas nas interceptações telefônicas, mormente quando não há contestação sobre quem são os interlocutores (HC 262.971/SP, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 25/2/2016 e AgRg no AREsp 485.810/PA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 22/06/2016). 336 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
6. É assente na jurisprudência do STF a admissibilidade, em procedimentos administrativos ou civis, de prova emprestada produzida em processo penal, mesmo que sigilosos os procedimentos criminais. (STF - Inq 3305 AgR, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-137 DIVULG 30- 06-2016 PUBLIC 01-07-2016). (...) (RECURSO ELEITORAL n 59934, ACÓRDÃO n 101 de 11/04/2017, Relator(a) HELIMAR PINTO, Relator(a) designado(a) ALDARY NUNES JUNIOR, Revisor(a) ALDARY NUNES JUNIOR, Publicação: DJE - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do ES, Data 22/05/2017, Página 8/9 ) Portanto, rejeito a preliminar. 2 - Ilegitimidade passiva de terceiro não candidato nas ações fundadas em captação ilícita de sufrágio, Art. 41 – A, e, abuso de poder econômico. Aduz a recorrente Santina Gonçalves de Sousa que é parte ilegítima para figurar nesta demanda, vez que não foi candidato a cargo público nas eleições de 2016, logo, não poderia sofrer os efeitos jurídicos da sentença proferida nesse nestes autos. Assiste-lhe razão nesse ponto. Em relação ao ilícito tipificado no artigo 41 - A da Lei 9.504/97 (captação ilícita de sufrágio) o TSE possui entendimento pacificado no sentido de que somente o candidato possui legitimidade passiva para figurar em ações embasadas nesse dispositivo legal. Veja: RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. TERCEIRO. NÃO CANDIDATO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO. CONDUTAS NÃO CONFIGURADORAS DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NULIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL. IMPRESTABILIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO. DESPROVIMENTO. 1. Na linha da jurisprudência firmada nesta Corte, somente o candidato possui legitimidade para figurar no polo passivo de representação fundada no art. 41-A da Lei n° 9.504/97. (Recurso Ordinário nº 180081, Acórdão, Relator(a) Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 79, Data 30/04/2014, Página 37) Assim, quanto a esse fato, deve ser reconhecida a falta de legitimidade passiva da recorrente Santina Gonçalves de Sousa. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 337
Por oportuno, embora o recorrente José Fuscaldi Cesílio não tenha arguido, em sede de preliminar recursal, sua ilegitimidade para figurar no polo passivo dos presentes autos, em relação ao art. 41 – A da Lei das Eleições, pelos mesmos fundamentos apresentados acima a reconheço de ofício, por tratar-se de matéria de ordem pública. Nesse sentido: 2. Legitimidade passiva de André Vial reconhecida de ofício. Matéria de ordem pública. Litisconsorte passivo necessário. Tendo a conduta sido praticada mediante atuação direta do referido representado, o qual também era candidato no pleito de 2016, deve ser ele incluído no polo passivo da demanda. Precedentes desta e. Corte e do c. TSE. (RECURSO n 80792, ACÓRDÃO de 18/05/2017, Relator(a) MARLI MARQUES FERREIRA, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 25/05/2017 ) Todavia, considerando que um terceiro não candidato pode cometer, em tese, o ilícito tipificado no art. 22 da LC 64/90, remanesce a legitimidade no presente feito em relação ao suposto abuso do poder econômico, nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte: RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2012. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO E ABUSO DE PODER ECONÔMICO. INTERESSE DE AGIR. LICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. CONFIGURAÇÃO DO ART. 41-A EM RELAÇÃO AO CANDIDATO A PREFEITO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO AFASTADO. AFASTADA RESPONSABILIDADE DO CANDIDATO A VICE-PREFEITO. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RECURSO DO CANDIDATO A VICE-PREFEITO E CORRELIGIONÁRIOS PROVIDOS E DO CANDIDATO A PREFEITO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A representação por captação ilícita de sufrágio poderá ser ajuizada até a data da diplomação, nos termos do art. 41-A, da Lei nº 9.504/97. 2. É lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento dos demais conforme jurisprudência, ainda mais quando realizada em ambiente público. Precedentes do TRE-GO: Recurso nº 25631 e AIJE nº 36176. Precedente do STF: AI nº 666459. 3. Terceiros, não candidatos, podem figurar no polo passivo de representação que verse sobre abuso de poder econômico. 4. Caracteriza captação ilícita de sufrágio a simulação de contratação de trabalhadores para a campanha eleitoral quando comprovado que, apesar do repasse pecuniário, não houve prestação de serviço ou assinatura de contrato, e nem, ao menos, solicitação de cópias dos documentos pessoais, descrição formal das atividades a se cumprir e informação de horário de trabalho. Precedentes: TRE-MT: RE nº 1392; TRE-CE: RE nº 12453. 5. A partir da nova redação do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 1990, com a inclusão do inciso XVI, não cabe mais considerar a potencialidade de o fato alterar o 338 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. Precedente do TSE: Respe nº 13068. 6. O ilícito eleitoral consubstanciado em benesses que não atingem valores expressivos, que atingem parcela muito pequena do eleitorado, não ensejam condenação por abuso de poder econômico. 8. Não existindo nos autos um liame mínimo das condutas ilícitas com o candidato a vice-prefeito, que permita, ao menos, inferir seu conhecimento das condutas perpetradas, não há que falar em condenação do candidato a vice-prefeito, desde que a hipótese não envolva cassação de registro ou do diploma, sob pena de responsabilização objetiva. Precedente do TRE-GO: RE nº 67262. (...) (REPRESENTACAO n 17618, ACÓRDÃO n 14449/2014 de 16/07/2014, Relator(a) KISLEU DIAS MACIEL FILHO, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Tomo 138, Data 23/07/2014, Página 6) Assim, acolho a preliminar apenas para reconhecer a ilegitimidade passiva dos recorrentes Santina Gonçalves de Sousa e José Fuscaldi Cesílio, em relação ao ilícito disposto no art. 41 - A da Lei 9.504/97. 3 - Inadequação da via eleita. A recorrente Santina Gonçalves de Sousa sustenta que a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE é inadequada para a apuração dos supostos ilícitos descritos na inicial, porquanto a ação cabível seria a representação eleitoral, nos termos da Lei 9.504/97. Compulsando os autos, verifica-se que houve cumulação de pedidos na inicial, compreendendo-se os supostos ilícitos de captação ilícita de sufrágio, art. 41 -A da Lei 9.504/97, arrecadação e gasto ilícito de recursos eleitorais, Art. 30 – A da mencionada Lei, bem como abuso do poder econômico, art. 22 da LC 64/90 e multa eleitoral. Portanto, não há que se falar em irregularidade, vez que a jurisprudência admite a cumulação de pedidos na Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, desde que seja seguido o rito mais amplo previsto no art, 22 da LC nº 64/90, exatamente como ocorreu no caso dos autos. Veja a jurisprudência sobre o tema: ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. ART. 73, VI, B, DA LEI 9.504/97. PREFEITO E VICE-PREFEITO. DECISÃO. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. MULTA. DISSENSO. EXIGÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE COTEJO ANALÍTICO. 1. Embora caiba à parte autora expor os fatos e os fundamentos jurídicos no momento da propositura da ação, conforme determina o art. 319, III, do Código de Processo Civil, a apuração e a punição da prática de ilícito eleitoral são de interesse público, visto que a sua ocorrência poderá afetar a higidez e a lisura do pleito. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 339
2. Diante da configuração de ilícito eleitoral, o magistrado deverá, segundo seu convencimento motivado, aplicar a penalidade prevista em lei, e não aquela sugerida pela parte autora, uma vez que se trata de direito indisponível. 3. “Não há óbice a que haja cumulação de pedidos na AIJE, apurando-se concomitantemente a prática de abuso de poder e a infração ao art. 73 da Lei nº 9.504/97, seguindo-se o rito do art. 22 da LC nº 64/90” (AgR-AI 113-59, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 15.6.2011). 4. “Os limites do pedido são demarcados pela ratio petendi substancial, vale dizer, segundo os fatos imputados à parte passiva, e não pela errônea capitulação legal que deles se faça. Alegação de julgamento extra-petita rejeitada” (AI 30-66, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 17.5.2002). 5. Para a demonstração da divergência jurisprudencial, é necessário identificar, de forma analítica, que os acórdãos apontados como dissonantes examinaram situações fáticas semelhantes. Precedentes.Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento nº 24834, Acórdão, Relator (a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 107, Data 01/06/2018, Página 70). Assim, afasto a preliminar. 4 - Nulidade da Sentença por Ausência de Fundamentação. Os recorrentes alegam que a sentença recorrida é nula por ausência de fundamentação, nos termos do art. 489, § 1º incisos IV e VI, do Código de Processo Civil. Não possuem razão os recorrentes. Dispõe o mencionado dispositivo legal: Art. 489. São elementos essenciais da sentença: (...) IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; (...) VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. Como se vê, a legislação de regência estabelece quais são os elementos essências de uma sentença, e, caso não observados, ocasionam a sua nulidade por ausência de fundamentação. Da análise do presente feito, verifica-se que sentença proferida pelo juízo da 131ª Zona Eleitoral está devidamente fundamentada, e foram expostos de maneira clara e precisa os motivos que o levaram a formar o seu convencimento de que deveria julgar procedentes os pedidos contidos na inicial. Portanto, não há que se falar em ausência de fundamentação. Ademais, ainda que fosse sucinta a fundamentação, não haveria nulidade da sentença, nos termos da jurisprudência. Veja: 340 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. PREFEITO. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O dever de fundamentação das decisões judiciais, garantia fundamental do Estado Democrático de Direito, encartada no inc. IX do art. 93, exige apenas e tão somente que o juiz ou o tribunal apresente as razões que reputar necessárias à formação de seu convencimento, prescindindo, bem por isso, que se procede à extensa fundamentação, dado que a motivação sucinta se afigura decisão motivada. (...) 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 30566, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume , Tomo 79, Data 28/04/2015, Página 112/113) No caso, constata-se na verdade o inconformismo dos recorrentes com o resultado desfavorável da decisão e não a ausência de fundamentação da decisão recorrida. Por essa razão, também afasto a preliminar suscitada. 5 - Falta de Interesse de Agir e Decadência. Os Recorrentes Santina Gonçalves e José Fuscaldi sustentam a falta de interesse de agir e a decadência do direito de ação, ao argumento de que a presente Ação teria sido proposta fora do prazo estabelecido na Lei, ou seja, até a data da eleição. Não têm razão os recorrentes. Nos termos da legislação de regência, art. 41 – A, § 3º, da Lei 9.504/97, as representações por captação ilícita de sufrágio poderão ser propostas até a data da diplomação, e, as fundadas no art. 30 – A, do mencionado dispositivo legal, têm como termo final o prazo de quinze dias após a diplomação dos eleitos. Veja: Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990 § 3º A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 341
provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. Em relação às Ações de Investigação Judicial Eleitoral, a jurisprudência do TSE consolidou-se no sentido de que ela poderá ser proposta até a data da diplomação, quando tratar-se de abuso de poder. Cito os precedentes. AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2012. PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO (ART. 22 DA LC 64/90). CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (ART. 41-A DA LEI 9.504/97). (...) DECADÊNCIA. AJUIZAMENTO. AIJE. TERMO AD QUEM. DATA DA DIPLOMAÇÃO. OBSERVÂNCIA. 4. A AIJE foi protocolada em 7.12.2012, dia da diplomação dos eleitos, não havendo falar em decadência. (...) (Recurso Especial Eleitoral nº 1635, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 76, Data 17/04/2018, Página 14/16) No caso, a ação foi proposta em 11/12/2016, no mesmo dia da diplomação dos eleitos. Logo, não há que se falar em decadência. Desse modo, rejeito a preliminar. 6 - Incompetência do juízo. Os recorrentes Santina Gonçalves e José Fuslcaldi aduzem que o juízo da 131ª Zona é incompetente, vez que a presente AIJE teria que ser proposta perante o Corregedor. Não procede a alegação. Conforme dispõe o art. 24 da LC nº 64/90, nas eleições municipais, compete ao Juiz eleitoral conhecer e processar as ações previstas na mencionada legislação. Verbis. Art. 24. Nas eleições municipais, o Juiz Eleitoral será competente para conhecer e processar a representação prevista nesta lei complementar, exercendo todas as funções atribuídas ao Corregedor-Geral ou Regional, constantes dos incisos I a XV do art. 22 desta lei complementar, cabendo ao representante do Ministério Público Eleitoral em função da Zona Eleitoral as atribuições deferidas ao Procurador-Geral e Regional Eleitoral, observadas as normas do procedimento previstas nesta lei complementar. Em vista disso, rejeito a preliminar. 342 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
7 - Inépcia da inicial. Alegam os recorrentes Santina Gonçalves e José Fuslcaldi que a petição inicial é inepta, porquanto não houve individualização das condutas atribuídas aos investigados e a indicação de endereço eletrônico dos requeridos. Não assiste razão aos recorrentes. Da análise da peça inicial, verifica-se que os fatos e fundamentos jurídicos do pedido foram devidamente formulados, nos termos do art. 319 do CPC, bem como houve a individualização das condutas, onde se atribuiu ao recorrente Genivaldo Gonçalves dos Reis e Manoel Ubaldino de Freitas a prática dos atos descritos nos arts. 30 -A e 41-A da Lei 9.504/97 e art. 22 da LC 64/90. Em relação aos recorrentes Santina Gonçalves de Sousa e José Fuscaldi Cesílio atribui os ilícitos descritos no art. 41-A da Lei das Eleições acima citada e o art. 22 da LC 64/90. No que se refere à ausência de indicação de endereço eletrônico, esse fato não acarreta a inépcia do inicial. Conforme decidido na sentença atacada, a falta de indicação do endereço eletrônico dos investigados não constitui hipótese de inépcia da petição inicial, vez que não se encontra no rol taxativo do § 1º do art. 330 do CPC. Além do mais, como observou a Procuradoria Regional Eleitoral, “o próprio diploma processual civil, em seu art. 319, § 2º, prevê que a falta de alguma das informações referidas no inciso II do referido dispositivo, onde, dentre elas, encontra-se o “endereço eletrônico”, não causará o indeferimento da exordial, se for possível a citação do réu; hipótese dos autos, visto que todos os investigados forma devidamente citados e apresentaram defesa nos autos”. Assim, rejeito a preliminar. 8 - Ilegitimidade passiva de José Fuscaldi Cesílio. O recorrente aduz a sua ilegitimidade passiva, sob o fundamento de que não há prova de que tenha participado dos ilícitos articulados na inicial. Quanto ao ilícito tipificado no art. 41-A, (captação ilícita de sufrágio) foi reconhecida a ilegitimidade do recorrente, tendo em vista que ele não foi candidato ao pleito eleitoral de 2016. (item 1). No tocante ao suposto abuso de poder econômico, foi narrado na inicial, que o recorrente teria disponibilizado dinheiro para a campanha eleitoral do recorrente Genivaldo Gonçalves, via “caixa 2”, ou seja, sem a regular escrituração dos recursos utilizados na campanha, nos termos exigidos pela legislação eleitoral. Assim, a participação ou não do recorrente constitui matéria de mérito, que deve ser apurada no momento adequado. Isso posto, rejeito a preliminar. 9 - Conexão com a AIJE nº 471-94. Os recorrentes Santina Gonçalves e José Fuscaldi alegam conexão entre a presente AIJE e a ação nº 471-94.2016.6.09.0131 (protocolo nº 175.496/2016). 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 343
Aqui também afasto a alegação. Em consulta ao Sistema de Acompanhamento Processual deste Regional, verifica-se que a mencionada ação não se enquadra nos requisitos elencados pela legislação de regência (objeto comum, causa de pedir e pedido). Além disso, ela tramita em município diverso (Padre Bernardo), enquanto a presente ação refere-se a supostos ilícitos cometidos no município de Mimoso de Goiás. Assim, não há que se falar em conexão com a AIJE nº 471-94, portanto, rejeito a preliminar. 10 - Coisa Julgada. Os recorrentes Santina e José Fuscaldi sustentam a existência de coisa julgada, uma vez que a prestação de contas de campanha dos então candidatos a prefeito e vice- prefeito foram aprovadas em decisão já transitada em julgado. A legislação de regência, Resolução TSE nº 23.463/2015, que disciplinou a prestação de contas durante o pleito de 2016, dispõe em seu art. 91, § 4º que: Art. 91. Qualquer partido político ou coligação pode representar à Justiça Eleitoral, no prazo de quinze dias contados da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas vigentes relativas à arrecadação e gastos de recursos (Lei nº 9.504/1997, art. 30-A). § 4º A aprovação, com ou sem ressalvas, ou desaprovação da prestação de contas do candidato não vincula o resultado da representação de que trata o art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, nem impede a apuração do abuso de poder econômico em processo apropriado. Como se vê, o julgamento das contas não vincula o resultado de eventuais ações judicias interpostas para apurar eventual abuso de poder econômico ou captação ilícita de sufrágio, como ocorre no caso dos autos. Portanto, afasto a preliminar. 11 - Cerceamento de Defesa. O recorrente José Fuscaldi alega cerceamento de defesa, porquanto foi negada produção de prova testemunhal essencial ao deslinde do processo. Da análise dos autos, constata-se que o recorrido indicou testemunhas em sua defesa. Durante a instrução do feito, o recorrente dispensou três de suas testemunhas e insistiu na oitiva de outras duas. Todavia, posteriormente, solicitou que elas fossem substituídas, alegando que uma delas residiria em Brasília e a outra não teria sido localizada. Compulsando os autos, verifica-se que o Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido do recorrente sob os seguintes fundamentos: não há previsão legal; não foi demonstrada a imprescindibilidade da sua oitiva e em audiência anterior, quando presentes diversas 344 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
testemunhas arroladas pela defesa, elas foram dispensadas ao argumento genérico de que não teriam conhecimento de fatos relevantes do processo. No caso, como bem disse o douto Procurador em seu parecer, não merece reforma a decisão monocrática. Dispõe o art. 451 do CPC. Art. 451. Depois de apresentado o rol de que tratam os §§ 4º e 5º do art. 357, a parte só pode substituir a testemunha: I - que falecer; II - que, por enfermidade, não estiver em condições de depor; III - que, tendo mudado de residência ou de local de trabalho, não for encontrada. Como se vê, a legislação de regência descreve, em rol exaustivo, as hipóteses de substituição de testemunhas, e, no caso nenhuma destas hipóteses estão presentes. Neste sentido é a jurisprudência. Recurso eleitoral. Eleições 2012. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Doação de dinheiro, transporte e comida e bebida. Improcedência. Primeiro agravo retido. Pedido de substituição de testemunha, que não compareceu à audiência designada pelo Juízo Eleitoral, em razão de se sentir pressionada por ocupar cargo de direção em órgão público, o qual foi indeferido pelo Juízo Eleitoral. As hipóteses de substituição de testemunhas, encontram-se previstas, em um rol taxativo, no art. 408, do Código de Processo Civil. E, o não comparecimento da testemunha, não se enquadra em nenhuma delas. Agravo retido não provido. Segundo agravo retido. Alegação de impedimento da testemunha por ser amiga íntima do autor da demanda. O Juiz poderá ouvir testemunhas impedidas ou suspeitas, mas seus depoimentos serão prestados, independentemente, de compromisso e, o Juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer. Art. 405, § 4º do CPC. Agravo retido provido. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. Entrega de cheque, pagamento de tributos de veículos e motocicletas, custeio de despesas de viagem, transporte de ônibus, a eleitores durante os comícios e oferta de comida e bebida a frequentadores de “feira”. Não comprovação das pretensões do autor. Necessidade de prova robusta e firme a caracterizar captação ilícita de sufrágio. Se não há provas hábeis para comprovar a conduta ilícita alegada, o pedido constante na ação deve ser julgado improcedente. Recurso não provido. (RECURSO ELEITORAL n 113036, ACÓRDÃO de 15/10/2013, Relator(a) ALBERTO DINIZ JÚNIOR, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 24/10/2013) Com estas considerações, afasto a preliminar. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 345
12 - Ofensa ao devido processo legal. O recorrente José Fuscaldi alega ofensa ao devido processo legal sob o fundamento de que não houve degravação dos diálogos interceptados, bem como teria excedido o prazo da interceptação. Nesse ponto peço vênia para citar parte do Parecer da Procuradoria Regional Eleitoral que abordou essa questão com muita propriedade, que adoto como razão de decidir. Sem razão o recorrente. Primeiramente, porque a jurisprudência é uníssona no sentido da desnecessidade de juntada da transcrição integral da mídia contendo os diálogos interceptados, não configurando a ausência do referido procedimento afronta aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, mormente quando os investigados tiveram amplo acesso à mídia, inclusive lhes tendo sido concedido prazo específico para manifestação quanto ao seu conteúdo, conforme se observa às fls. 227/229; 248 e 289/291. Nesse sentido é a Jurisprudência desta Corte. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DO MANDATO ELETIVO. PRELIMINARES AFASTADAS. ABUSO DO PODER ECONÔMICO.COMPROVAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1. É assente na jurisprudência eleitoral o entendimento segundo o qual inexiste litisconsórcio passivo necessário entre o candidato e o seu partido político, salvo se se tratar de infidelidade partidária. 2. É lícita a interceptação telefônica produzida em processo penal e trazida aos autos como prova emprestada. 3. É lícita a degravação feita por servidores do Ministério Público, dos diálogos colhidos em interceptação telefônica devidamente autorizada pelo Poder Judiciário. 4. Não há necessidade da transcrição de todos os dialógos travados nas interceptações. Notadamente quando elas, as gravações, são disponibilidades em sua integralidade para as partes. 5. É possível a utilização de prova empresta nos feitos eleitorais. Não há nulidade quando o juiz eleitoral, que também funciona no juízo em que a prova foi produzida, requer o compartilhamento daquela. A ausência de despacho deferindo o pleito constitui preciosismo, no caso, eis que se trata da mesma pessoa, nada obstante investida em dois cargos distintos. 6. Havendo provas de que os recorrentes mantiveram um estrutura complexa e organizada destinada à captação ilícita de sufrágio, com utilização de grande soma em dinheiro, resta caracterizado o abuso do poder econômico. 7. Recurso conhecido e desprovido. (RECURSO ELEITORAL n 4111, ACÓRDÃO n 580/2015 de 12/11/2015, Relator(a) FÁBIO CRISTÓVÃO DE CAMPOS FARIA, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 208, Data 23/11/2015, Página 2/3 ). 346 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
De igual forma, não possui razão o recorrente quanto ao alegado excesso de prazo das interceptações. Conforme se constata do documento de fls 354/358, as interceptações ocorreram no período de 15 dias, nos exatos termos autorizado pela decisão judicial. Assim, afasto a preliminar. 13 - Ilicitude da Gravação ambiental. Os recorrentes Genivaldo Gonçalves dos Reis e Manoel Ubaldino de Freitas sustentam a ilicitude da gravação ambiental, uma vez que foi realizada sem o conhecimento dos demais interlocutores. Não assiste razão aos recorrentes. Nos termos da jurisprudência desta Conte, é licita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores, mesmo que seja no processo cível-eleitoral, em razão da prevalência do interesse público da lisura do pleito. Veja: RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ABUSO DE PODER ECONÔMICO, POLÍTICO OU DE AUTORIDADE (ARTS. 19 E 22 DA LC 64/90). AUSÊNCIA DE PREVENÇÃO RECONHECIDA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL POR UM DOS INTERLOCUTORES EM SUA RESIDÊNCIA. LICITUDE DA PROVA. INEXISTÊNCIA DE PROVA CLARA E CONVINCENTE DA OFERTA DE VANTAGENS PESSOAIS (MANUTENÇÃO DE EMPREGO PÚBLICO E REALIZAÇÃO DE TRANSPORTE DE MUDANÇA) A ELEITORES EM TROCA DE VOTOS. CONDUTAS ILÍCITAS NÃO CONFIGURADAS. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS. RECURSO DESPROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS PEDIDOS DA AIJE. 1. Admite-se, em tese, como lícita a gravação ambiental feita por um dos interlocutores, ainda que em ambiente privado e sem autorização judicial. Prevalência do interesse público de lisura eleitoral. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. (...) 5. Recurso desprovido. Manutenção da sentença recorrida. Improcedência dos pedidos formulados na AIJE. (RECURSO ELEITORAL n 23014, ACÓRDÃO n 256/2018 de 25/06/2018, Relator (a) designado (a) JESUS CRISÓSTOMO DE ALMEIDA, Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 121, Data 06/07/2018, Página 3-13) Esse entendimento foi reafirmado pelo TSE recentemente na sessão de 21/5/2019 (Recurso Especial Eleitoral nº 469-96/2016) onde ficou decidido que a gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem autorização judicial, em local público ou privado, pode ser utilizada para comprovar ilícito eleitoral praticado nas eleições de 2016. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 347
Ressalto que nesse mesmo julgado ficou assentado que o julgador poderá, dependendo do caso, declarar ilegal esse tipo de gravação, quando constatado constrangimento ou indução do interlocutor à pratica do ilícito, fato que não ocorreu nos presentes autos. Ademais, a gravação ambiental ora impugnada refere-se exclusivamente há uma penhora do imóvel pertencente ao recorrente Genivaldo, que teria sido utilizada para garantir financiamento de campanha do outro recorrente José Fuscaldi (Tatico), totalmente independente das demais provas, que como veremos cuida-se de interceptação telefônica, conforme enfatizado pelo Procurador em seu parecer. Além disso, essa questão foi julgada improcedente na sentença monocrática por insuficiência de provas, que já adianto, não será objeto de reforma. Portanto, não haverá prejuízo para a parte. Com essas considerações, rejeito a preliminar. II - Mérito. De saída, ressalto que tendo em vista a relação de similaridade entre as teses de defesa e os argumentos deduzidos na sentença monocrática que condenaram os investigados, analisarei os recursos interpostos em conjunto, sendo que eventuais pontos dissonantes serão devidamente pontuados, exatamente nos termos propostos pelo Ministério Público Eleitoral, em seu parecer. Os recursos eleitorais têm por escopo principal reformar decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, em virtude da prática de captação e gasto ilícito de recursos (art. 30 – A), captação ilícita de sufrágio (art. 41 – A), ambos a Lei 9.504/97 e abuso do poder econômico, art 22 da LC 64/90, e, condenou os recorrentes, Genivaldo Gonçalves dos Reis e Manoel Ubaldino de Freitas, prefeito e vice prefeito de Mimoso de Goiás, à perda dos seus cargos, declarou a inelegibilidade de todos recorrentes, pelo prazo de 8 anos, bem como aplicou multas no valor de 50 mil UFIRs. Passo a análise dos ilícitos apontados na decisão recorrida. I - Captação e gasto ilícito de recursos Assim dispõe a Lei nº 9.504/97: Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. § 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, no que couber. 348 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado. § 3º O prazo de recurso contra decisões proferidas em representações propostas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. O ilícito eleitoral consistente na captação ou arrecadação ilícita de recursos, prevista no art. 30-A da Lei das Eleições, objetiva, precipuamente, resguardar três bens jurídicos fundamentais ao Direito Eleitoral, quais sejam, a igualdade política, a lisura na competição e a transparência das campanhas eleitorais. Ao coibir o recebimento ilícito de recursos em campanha, buscou o legislador ordinário evitar a cooptação do sistema político pelo poder econômico, cenário que, se admitido, feriria o postulado da igualdade política entre aqueles que disputam o jogo eleitoral. Outrossim, verifica-se o chamado “caixa dois de campanha” quando há manutenção ou movimentação de recursos financeiros não escriturados ou falsamente escriturados, na contabilidade oficial da campanha eleitoral, com o fim precípuo de camuflar a realidade e impedir que os órgãos de controle fiscalizem e rastreiem fluxos monetários de inegável relevância jurídica. Na espécie, restou amplamente comprovada a utilização de vultuosas quantias na campanha eleitoral do recorrente Genivaldo Gonçalves e não declaradas em suas contas de campanha. Compulsando os autos, especialmente os áudios decorrentes da interceptação telefônica, resta inconteste que o recorrente José Fuslcadi (Tatico), financiou ilicitamente a campanha eleitoral do recorrido Genivaldo, então candidato a prefeito de Mimoso/GO, com apoio da recorrente Santina Gonçalves, que intermediava a entrega de recursos para diversas pessoas vinculadas à campanha eleitoral no mencionado município. Esses fatos ficaram demonstrados nos autos em diversas oportunidades nas provas juntadas ao presente feito. Cito os principais trechos da interceptação telefônica que compravam a utilização de grandes quantias de dinheiro na campanha do recorrido Genivaldo, sem a devida escrituração em suas contas. Veja: Áudio 54 ID da Chamada: 1452530 Telefone: 61999594256 Nome do alvo: Santina Gonçalves de Sousa Interlocutor: 61998172288 Data/hora inicial: 29/09/2016 10:35:42 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 349
Data/hora final: 29/09/2016 11:00:57 Duração: 00:25:15 Santina: Mandei. Deixa eu falar pro senhor, sr. Zé é aqui eu anotei aqui peguei os negócios das menina e eu achei aqui um negócio aqui assim, o da Elza subiu muito, ela tem um bocado de trem pra pagar viu sr. Zé. Zé: Não, vou pagar só o que eu tratei com ela Santina: Pois é deixa eu mostrar, deixa eu mostrar pro senho aqui. Zé: (…) Só vou dar a ela, só os 15.000 (quinze mil) e pouco que eu tratei, porque não tem dinheiro Santina. Santina: Eu sei sr. Zé mas o senhor sabe o quanto que tá aqui? Falei Elza do céu, que tanto de trem é esse? 36.660 (trinta e seis mil seiscentos e sessenta). Zé: Quanto? Santina: 36.660 (trinta e seis mil seiscentos e sessenta). Zé: Não uai, mas e o que você pagou? Santina: Pois então, eu paguei. Zé: (…) dinheiro e ela não paga Santina. Santina: Pois é sr. Zé eu tava la junto, eu paguei, nois pagou, isso aqui é trem que ela arrumou a mais. Zé: Não, mas eu vou mandar os 15 (quinze) dela. (...) Zé: Pois é. E lá no Mimoso? Santina: O Paulinho. Eu to no Mimoso, Paulinho é 12 (doze), é o mesmo valor, 12.850 (doze oitocentos e cinquenta) é a Liliane 18.850 (dezoito oitocentos e cinquenta) por causa dos carros dela que era também, era, não era isso tudo. E Ney serralheiro, 16.250 (dezesseis duzentos e cinquenta) que é a mesma coisa, só o dela que subiu sr. Zé. Zé: Pois é mas o dela ela arruma lá, eu vou, o que eu tratei eu vou pagar. Santina: Pois é. Eu ainda falei pra ela: Elza do céu, como é que eu vou falar isso pro sr. Zé? É bom você mesmo ir lá. Ela falou assim: não, não, você podia falar (…). Falar eu vou mas o senhor Zé (…). Zé: (…) aqui Santina, me pediu 20.000 (vinte mil). Santina: Pois é sr. Zé. 350 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
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