c) que a publicidade institucional da ANS, MEC e PETROBRAS ”nada tem a ver com a propaganda de produto com concorrência de mercado veiculada pela PETROBRAS\" (fl. 166); d) ser incablvel a alegação de relteração de conduta, uma vez que “sâo condutas diversas e nenhuma delas á revestida de ilicitude, abstralda a falta de prova da veiculação de publicidade Institucional em periodo vedado nos autos da Reprasentaçâo n° 743-16’ (t. 166); e) que a propaganda ora impugnada refere-se a divulgação de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, inserlndo-se dentre as hipóteses da ressalva legal (LE, art. 73, Vl, b), f) que a propaganda é dirigida ao consumidor indistintamente, “de forma genérica, abrangente e potencial' (fl. 168); g) que os representados não podem ser qualificados como beneficiários da prática de conduta vedada, caso esta venha a ser comprovada, “pois não está configurado nenhum vínculo, por menor que seja, com a respectiva candidatura\" (fl.168); e h) que o § 80 do art. 73 da Lei nO 9.504/97, para fins de aplicação de sanções, “impõe a verificação subjetiva de eventual benefício, e não objetiva, ao aludir a partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem\" (fl.169). lntimada, a Representante, Coligação Muda Brasil, apresentou manifestação (fls. 130-143) sobre as defesas apresentadas, com a qual sustenta: a) a improcedência das alegações apresentadas por Dilma Vana Rousseff e Michel Temer, por entender configurada a propaganda institucional da Petrobras no período vedado, “pelo simples fato de que não é ela que vende a gasolina. Uma subsidiária, a Petrobras Distribuidora, é que atua na comercialização de r/ erivados de pe/ró/eo em todo o país” (Fl. 176); b) que também nüo procede a defesa apresentada por Maria das Graças Silva Foster, de ilegitimidade passiva, porque o art. 38 elo Estatuto Social da Petrobras estabelece o dever do Presidente de “acompanhar e supervisionar todos os órgâos da sociedade que dirige, inclusive a Geiâno°i'a da Puhlicidade e Promoções\"(fl.177); c) não subsiste a alegação da Presidente ds Petrobras quanto à natureza do material publicitário divulgado — de caráter mercadológico — pelas mesmas razões apontadas nas observações referentes â defesa dos primeiros Representados; d) quanto a Thomas Traumann, alega sua legitimidade como polo passivo, em virtude do Decreto n° 6.377, de 2008, que atribui ao Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República o assessoramento a Presidente da República “na supervisão e controle da publicidade dos drgãos da Administração Direta e Indireta no âmbito federal’ (fl. 178). 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 151
No que concerne ao ônus da prova, assevera a Representante que juntou aos autos a mídia relacionada ao objeto da representação, acompanhada da respectiva degravação, tendo solicitado à Rede Bandeirantes de Televisão a confirmação dos horários de transmissão das propagandas atacadas. Ressalta que os expedientes da Gerência de Publicidade e Promoções da Petrobras determinando a suspensão da propaganda referente à gasolina S-50 são datados de 11.7.2014, o que, no seu entender, demonstraria a veiculação de publicidade institucional nos dias 7 e 8 de julho de 2014. Pleiteia, assim, a aplicação de multa em seu valor máximo ao Ministro Thomas Traumann, em decorrência “da falta de supervisão e controle\" sobre a publicidade institucional em discussão. Ao final, reitera os termos da petição inicial e requer a procedência da Representação, para a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 73 da Lei n° 9.504/97 aos Representados, bem assim a suspensão definitiva das propagandas impugnadas. Encerrada a instrução, facultei às partes a apresentação de alegações finais e o encaminhamento dos autos ao Ministério Público Eleitoral para parecer (fl. 182). Maria das Graças Silva Foster apresentou alegações finais âs fls. 188-196, com a qual reitera os argumentos expendidos na defesa, com ênfase na alegação de se tratar de publicidade de natureza mercadológica, objetivando a divulgação de um novo produto, e, assim, pede pela improcedência da representação. Dilma Vana Roussef e Michel Temer igualmente apresentaram suas alegações finais (fls. 197-205), reiterando as ponderações assinaladas na defesa, porém agregando (fl. 202), in verbis: Ocorre que o art. 177, da Constituição Federal, estabelece que algumas atividades e produtos se encontram sob o manto do monopólio, o que significa dizer que estâo alijadas das regras de mercado, como é o caso da pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos (inciso I). Porém, por ser a Petrobrás S.A sociedade de economia mista que visa explorar atividade econômica, encontra-se sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas, o que a torna suscetível â competição de mercado. E é nesse contexto que se deve analisar a propaganda de gasolina com menos teor de enxofre, pois se trata de medida adotada pela empresa para divulgar produto sujeito ao ambiente competitivo dos atores econômicos. Ao final, requerem a improcedência da Representação, ao argumento de que a conduta questionada não se revela ilícita, porquanto se amolda à ressalva legal do art. 73, VI, b, da Lei n° 9.504/97. A Coligação Muda Brasil, ora Representante, apresentou alegações finais às fls. 207-215, reiterando a manifestação de fls. 175-179, aduzindo considerações sobre a interpretação do § 8º do art. 73 da Lei das Eleições. 152 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Requer, ao final, a aplicação de multa máxima prevista no § 4º do art. 73 da Lei nO e.so4/e7 aos Representados. Da mesma forma, o Representado Thomas Timothy Traumann, por meio da petição de fl. 220, limita-se a reiterar as razões deduzidas em sua defesa, requerendo a improcedência da Representação. O Ministério Público Eleitoral manifestou-se pela improcedência da Representação, em parecer assim ementado (fls. 223-230) ELEIÇ6ES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ARTIGO 73, VI, ”b\", DA LEI N° 9.504/97. REITERAÇĂO DE PROPAGANDA INSTITUCIONAL. NÄO CONFIGURAÇĂO. PROPAGANDA DE PRODUTO QUE TEM CONCORRÊNCIA NO MERCADO. CARÁTER MERAMENTE MERCADOLÖGICO. IMPROCEDÉNCIA. 1. Preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da terceira e do quarto representados. Não acolhimento. A existência de pertinência subjetíva entre os representados e o direito material controvertido os torna legitlmados para flgurar no polo passivo da demanda. 2. Preliminar de in8pcia da inicial. Nśo acolhimento. Observa-se da an4lise da inicial que, a fim de possibilitar a ampla defesa e o contraditório, são fornecidos de modo suficiente os elementos necessários ao estabelecimento da relação jurldico-processual, porquanto permite-se, pelos fatos apresentados, a identificação da causa de pedir, do pedido e da fundamentação jurfdica. 3. A publicidade impugnada revela um manifesto caráter mercadológico, com nítida intenção de promover a marca e o produto da empresa, combustlvel com menor teor de enxofre (menos poluente), num cenário de concorrência de mercado. O “marketing ambientaf’ consiste em poderosa ferramenta de gestão de mercado, buscando atrair a simpatia do chamado “consumidor consciente”. O objeto da demanda insere-se dentre aquelas propagandas de produtos e servişos que tenham ocorrência no mercado, não constituindo conduta vedada, disposta no artigo 73, VI, “b\", da Lei n° 9.504/97 - nâo se confundindo com a propaganda institucional suspensa pela concessão de liminar nos autos da Representaşão n° 743-16. Parecer por que seja julgada improcedente a representação. Registro, por finn, que, nos termos do art. 105 do Código de Processo Civil, determinei o apensamento da Rp n° 787-35 aos autos desta Representação, porquanto constatada a conexão, em razão da ímpugnaçäo da mesma peça publicitária, divulgada em 10.7.2014 (fl. 16 do apenso). É o relatório. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 153
VOTO O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): Senhor Presidente, de início, abordo as preliminares de ilegitimidade passiva e de inépcia da petição inicial, suscitadas pelos Representados Maria das Graças Silva Foster e Thomas Timothy Traumann, que rejeito. Para tanto, adoto as razões alinhadas no parecer da d. Procuradoria-Geral Eleltoral, que transcrevo (fts. 227-228): lnicialmente, a preliminar de ilegitimidade passiva ad caosam de Maria das Graças Silva Foster e Thomas Timothy Traumann, terceira e quarto representados, respectivamente, não merece acolhimento. Com efeito, as condições da ação, segundo a Teoria da Asserção (Prospettazione), devem ser aferidas em abstrato, sem exame de provas, consoante as asserç6es lançadas pela parte autora na petição inicial. A lei eleitoral prevê a imputação de sançâo legal aos agentes públicos responsáveis pela conduta vedada e aos partidos, coligações e candídatos que delas se beneficiarem (art. 73, § 8º, da Lei n° 9.504/97). Nesse sentido, a existência de pertínência subjetiva entre os representados e o direito material controvertido os torna legitimados para figurar no polo passivo da demanda. O exame da responsabilidade de cada qual deve ficar restrito a análise do mérito, com esteio nas provas carreadas aos autos e na interpretaşão da legislação vigente. Por sua vez, tampouco merece acolhimento a preliminar de inépcia da inicial, uma vez que “da narração dos fatos não ser possível extrair a conclusão, ainda que em tese, da responsabilidade do representado Thomas Timoihy rraumann\". 0 Decreto n° 6.377/2008, em seu Anexo I, dispõe ser da competência da Secretaria de Comunicaçäo da Presidência da República assistir a Presidente da República na supervisão e controle da publicidade dos órgäos da Administração Direta e Indireta no âmbito federal. Nesse contexto, observa-se da análise da inicial que, a fim de possibilitar a ampla defesa e o contraditório, säo fornecidos de modo suficiente os elementos necessários ao estabelecimento da relação jurídico-processual, porquanto permite-se, pelos fatos apresentados, a identificação da causa de pedir, do pedido e da fundamentação jurídica. Rejeitadas as preliminares, passo à análise do mérito. No meu entender, já consignado na decisão liminar (fts. 13-17) que agora confirmo, embora a nova publicidade faça referência ao refino de gasolina com menor teor de enxofre, sua exposição não é dirigida ao consumidor final. Trata-se de autopromoção da empresa e não de publicidade visando concorrência de produto no mercado, porquanto sequer é nominado na peça publicitária. Verifico, portanto, que não se trata de propaganda acobertada por uma das ressalvas legais, fato que dá à sua reiteração considerável risco de desequilíbrio na disputa. 154 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Naquela oportunidade, fiz refer0ncia â decisão proferida, liminarmente, pelo e. Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, nos autos da Representação n° 743-16, na qual se determinou a cessaçâo imediata de três peças publicitárias de entidades que mantêm vlnculo com o Governo Federal, dentre as quais uma veiculada pela Petrobras. Destaquei da decisão de Sua Excelência, o seguinte: A regra de impessoalidade, descrita no art. 37, § 1º, do texto constitucional, tern claros reflexos na seara eleitoral. Repousa, por exemplo, na proibişão de propaganda institucional, qualquer que seja ela, no chamado “perfodo crftico”, isto é, nos 3 (três) meses que antecedem o pleito. Trata-se da regra do art. 73, inciso VI, alínea “b”, da Lei n° 9.504/97, erigida em prol da promoção de equilíbrio na disputa eleitoral. De acordo com o balizado magistério de Pedro Roberto Decomain1, o dispositivo deve ser interpretado de forma extensiva, isto é, não é vedada apenas a autorização da publicidade institucional, mas sim, na realidade, a própria veiculação da publicidade. Para o autor, o preceito legal faz duas ressalvas, verbis: “(...) A primeira, da propaganda institucional relativa a produtos e serviços que tenham concorrência no mercado. As entidades da Administraşão Pública indireta, em particular as sociedades de economia mista e empresas públicas, estas podem fazer propaganda institucional relativa aos produtos que vendam, ou as serviços que prestem, desde que estes tenham concorrência no mercado. Entes da Administração indireta que vendam produtos ou prestem serviços em regime de monopólio (como, por exemplo, a Petrobrás, em relação a pesquisa, lavra e refino de Petróleo), não podem, nos três meses que antecedem o pleito, fazer propaganda institucional que diga respeito, direta ou indiretamente, a essas atividades. A segunda ressalva contida no dispositivo é a da publicidade destinada a atender grave e urgente necessidade pública. Esta deve, porém, ser reconhecida pela Justişa Eleitoral, o que a seu turno significa que tal publicidade deve ser por eta autorizada. Ocorrerá a hipótese, por exemplo, se for necessária publicidade pública para orientaçäo aos atingidos por alguma calamidade pública, ou para a realização de campanha de vacinação urgente, destinada a prevenir mat que de modo epidêmico ameace alastrar-se. Nessas hipóteses a publicidade nào poderia mesmo ser vedada. Mas a situação de gravidade também de urgência deve ser analisaòa previamente pela Justiça Eleitoral. Se a publicidade for da União, ou entidade da Administração indireta por eta criada, a autcrizaçäo caberá ao Tribunal Superior Eleitoral; se publicidade for de Estado ou do Dlstrito Federal, a autorizaç8o caberá ao respectivo Tribunal Regional Eleitoral. Finalmente, se a publicidade for de ámbito municipal, a autorização para eta, nos três meses anteriores ao pleito, caberá ao Jufzo Eleitoral de primeira ínstáncia que abranja o Munícípio interessado\". 1. Eleições: (comentários à Lei n° 9.504/97). 2 8 Edição. São Paulo: Dialética, 2004, p. 357 155 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Tern-se, então, que, a fim de evitar prejufzos econômicos para a Administraçśo Pública, o art. 73, inciso VI, allnea “b\", da LE, retira do âmbito da proibição de publicidade institucional, no perfodo crltico, a propaganda “de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado”. E, para não prejudicar a coletividade, permite que, “em caso de grave e urgente necessidade pública\", possa a Justiça Eleitoral, formalmente, autorizar a ’publicidade institucional de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos ‹firgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administraçäo indireta”. Encaixam-se na última ressalva, assim, campanhas de vacinaçäo obrigatória para contençśo de epidemías, de mobilizações contra queimadas, etc. No caso dos autos, em linha de princfpio, não estăo presentes as ressalvas legais. É dizer: (i) não se está diante de propaganda de produtos e serviços com concorrência no mercado e (ii) nâo se está diante de situaçăo que denote grave e urgente necessidade pública. Também não há notícia de autorização da Justişa Eleitoral. Sem fazer juízo de valor sobre o conteúdo das (3) peças publicitárias, se ações lícitas de Governo ou propagandas extemporâneas, o que é desnecessário, por ora, tenho que inquestionavelmente a partir de 5 de julho, pelo menos, no espectro de incidência do que se convencionou chamar de período crítico, não há lugar, como regra, para a realizaçäo de propaganda institucional típica. Presente, pois, a fumaça do born direito. O perigo da demora, de sua vez, repousa no fato de que a repetição da veiculação pode agravar, em tese, os danos ocasionados pela conduta, comprometendo-se o esperado equilíbrio do certame. Assim, pelo menos no campo do exame (não exaustivo) que é próprio dos provimentos relacionados às tutelas de urgência, creio não haver suporte legal para veiculação das peças publicitárias inquinadas de ilegais após o dia 5 de julho de 2014. As veiculações já havidas seräo objeto de exame no momento oportuno, pelo digno Relator do feito. Como assentado pelo Ministro Tarcislo, na Rp nO 828-02, que possui idênticas partes e causa de pedir, tambêm aqui há referência demasiadamente genérica ao combustível desenvolvido, sem indicação precisa do nome do produto com efetiva concorrência no mercado. Tenho como demonstrada a realização de campanha publicitária nitidamente voltada para a promoção da Petrobras, com potencial para afetar a igualdade entre os candidatos, em razão de sua veiculação em período crítico. Caracterizada está, portanto, a conduta vedada prevista no art. 73, VI, b, da Lei n° 9.504/97, na medida em que, nos três meses que antecedem o pleito, a publicidade oficial fica totalmente vedada, independentemente do seu conteúdo, com exceção daquela de caráter mercadológico, não vislumbrada na espécie. Tencionou o legislador que o interesse público dos cidadãos, quanto ao direito de informação acerca das obras e programas governamentais em andamento, cedesse espaço, durante o processo eleitoral, ao igualmente relevante interesse, também público, de que sejam assimétricas as condições de disputa entre os candidatos. 156 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Caracterizada a veiculação de propaganda de caráter institucional, em período vedado pela legislação eleitoral, passo ao exame da responsabilidade dos Representados. Incorre em conduta vedada o agente público, servidor ou não, que autoriza publicidade institucional no período defeso, sujeitando o responsável ao pagamento de multa (Lei n° 9.504/97, art. 73, caput, inciso Vl, b e § 4O). Nessa perspectiva, inafastável a responsabilidade da terceira Representada, Maria das Graças Foster, na condição de Presidente da Petrobras e, por conseguinte, autorizadora da divulgação da peça publicitária irregular. O Estatuto da Petrobras, em seu art. 38, evidencia de forma hialina a responsabilidade do Presidente, já que a ele incumbe, dentre outras atribuições, o acompanhamento e a supervisão das atividades de todos os órgãos da companhia, ainda que por meio de coordenação da ação dos Diretores. Em relaşão aos Representados Dilma Vana Rousseff e Michel Tenner, entendo que não há abrigo legal para sua responsabilização, ante a absoluta falta de elementos que indiquem o seu prévio conhecimento, que pressupõe informaçâo anterior e, assim, nâo se ajusta ao argumento segundo o qual o uso abusivo de propaganda travestida de institucional afastaria a ressalva. É indispensável a comprovação de autorização ou prévio conhecimento dos beneficiários quanto à veiculação de propaganda institucional em perfodo vedado. Nesse sentido precedente desta eg. Corte: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA INSTITUCIONAL. CHEFE DO PODER EXECUTIVO. CONDUTA VEDADA. CARACTERIZAÇÃO. 1. Deve ser comprovada a autorização ou prévio conhecimento da veiculaçăo de propaganda institucional, não podendo ser presumida a responsabilidade do agente público (Al n° 10.280/SP, Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 14.9.2009, e REspe nO 25.614/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 12.9.2006). Contudo, não há se falar em presunção no caso em debate. 2. Cabe analisar, em cada caso concreto, se o beneficiário da propaganda institucional teve ou näo conhecimento da propaganda (Precedentes: REspe n° 35.903/SP, Min. Rel. Arnaldo Versiani, DJE de 2.9.2009; AgRg no AI n° 10.969, de minha relatoria, DJE de 4.8.2009; e AAg 7.501/SC, Rel. Min. Gerardo Grossi, DJ de 16.3.2007). No caso, o e. TRE/SP entendeu como peculiaridade do caso o fato de o agravante, beneficiado pela propaganda institucional, ser o chefe do Poder Executivo, e, portanto, responsável por esta. 3. A Corte a quo analisou as provas e as circunstâncias do caso em tela e concluiu pela prática de propaganda institucional em período vedado. Conclusão diversa do arremate do e. TRE/SP ensejaria, necessariamente, o reexame de fatos e provas, inadmissível na via do recurso especial (Súmulas n° 279/STF e n° 7/ST J). 4. Agravo regimental não provido. (AgR-REspe n° 36.251/SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJe 10.3.2010) 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 157
Outro precedente sobre o afastamento da responsabllldade objetiva da Presidente da República foi recentemente acolhido por ocasião do julgamento da representação que me foi distribuída (Rp n° 143-92), cujo acórdão serä redigido pelo em. Ministro Gílmar Mendes, relator designado em face da divergência majoritària em relaçăo ao mérito. Quanto à alegada responsabilidade do quarto Representado, o Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Sr. Thomas Timothy Traumann, considerado o teor do inciso V do art. 10 do Anexo I do Decreto n° 6.377, de 19 de fevereiro de 2008, importante ajustar o significado do vocábulo “controle\" de que dispõe a norma, desvinculando-o da ideia de subordinação hierárquica. Com efeito, vale lembrar que as sociedades de economia mista têm personalidade jurldíca própria, de díreito privado, com função de explorar atividade econômica, sem privilégios (Dec.-Lei n° 200/67, art. 5º, inciso III). Dessa forma, gozam de autonomia administrativa para atuar de forma competitiva no mercado. Nessa linha, a orientação de Jose dos Santos Carvalho Filho2, de que o “controle funda-se no fato normalmente conhecido como relação de vinculaçäo, através do qual se pode averbar que toda pessoa da administraçâo indireta é vinculada a determinado órgăo da respectiva administração direta. São todas pois, entidades vinculadas. A observação é feita para o fim de distinguir-se a relaçâo de vinculaçâo, fixada erttre pessoas, e a relação de subordinaçäo, apropriada para o controle entre órgãos internos das pessoas administrativas.” Em complemento a essa necessária distinção entre o suscitado controle e a ideia de subordinação, cabe trazer à luz o ensinamento de Odete Medauar', no sentido de que o “controle administrativo ou tutela ou supervisão sobre entidades da Administração indireta não significa, do ponto de vista jurídico, subordinação hierárquica, embora de fato possa aparentar (v. Capítulo 3, item 3.11)”. Por fim, não faço maior acréscimo sobre a publicidade do processo apensado, haja vista que a própria Representante confessa que a Petrobras ainda não tinha conhecimento da decisão, encaminhada por carta registrada. Essa circunstância, todavia, não afasta o já reconhecido caráter institucional da propaganda, ensejando a aplicação da mesma sançâo ajustada para o caso em exame. Impõe-se, ainda, a duplicação da multa, na esteira do § 6O do art. 73 da Lei das Eleições, em razão da reincidência, por continuar veiculando propaganda de cunho institucional no período vedado, apds ciência das sucessivas decisões proibitivas (Rp n° 743-16 e Rp n° 828-02). Isso posto, julgo procedente a representação, para determinar a suspensão definitiva da propaganda impugnada e condenar a Representada Maria das Graças Silva Foster ao pagamento de multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), correspondente à sanção pecuniária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para cada propaganda, aumentada ao dobro, em razão da reincidência (art. 73, § 4º, Lei n° 9.504/97). Julgo improcedente a representação em relação aos demais Representados, seja pela ausência de prova da autorização ou do prévio conhecimento, seja pela absoluta incompetência para intervir ou exercer controle na publicidade da Petrobras. É este o meu voto. 2. Manual de direito administrativo, pág. 467. ' Direito Administrativo Modemo, pźg. 438. 158 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
VOTO O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Senhor Presidente, já tive a oportunidade de ressaltar que as multas são de quantidade pouco significativa. Já vimos que o crime compensa nesses casos. Penso que teria de ir ao máximo do que a lei permite, salvo engano, R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais). O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): É R$25.000,00 (vinte cinco mil reais), mas não tenho elementos para aplicar esses valores. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Mas em se tratando de reiteraçâo, acho que essa já deveria ser a posição. Penso, na verdade, até que o formalismo que criamos deveria ser superado para determinar que se pagasse o valor da própria propaganda. Creio que isso tem de ser revisto, porque a legislação permite isso e, de fato, tem de se fazer um desconvite, um não convite para esse tipo de prática. Do contrário, o crime compensa, e temos visto isso ao longo do tempo. Vimos, na eleição passada, o ex-Presidente Lula fazer exatamente isto: inaugurava buraco para fazer a sua candidata conhecida e depois brincava, até na presença do presidente do tribunal regional eleitoral, com as multas, perguntando quem iria ajudá-lo a pagar as multas de R$5.000,00 (cinco mil reais). É preciso desestimular esse tipo de prática. Realmente, eu concordo, tamento o parecer da procuradoria, porque, de fato, não há material, não há matéria para ser, ao contrário do que sustentado agora pelo procurador, não há matéria sequer, o relatório e o voto mostram isso. Que propaganda? Que produto? Na verdade, é pura estratégia de propaganda eleitoral, associando a empresa ao governo. Então, vou me manifestar neste sentido: elevação da multa e revisão do critério. É preciso que o Tribunal comece a fixar — e a legislação permite — que, em casos tais, responda a autoridade responsável pelo valor da propaganda. “Ah, mas tenho dificuldade porque na representação isso não ficou provado.\" Que venha em liquidação! Que se junte depois! Qual é a dificuldade de fazer uma prova pré-constituída juntando o valor que se pagou à agência de publicidade, à TV que veiculou? Para que, de fato, haja algum risco nesse tipo de prática que é comum, que é corrente. Nesse caso, houve descumprimento da própria decisão liminar do TSE, o que obrigaria então o conhecimento. , O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): Mas o relator disse que houve a reiteração, mas não o descumprimento. O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): Não houve descumprimento. Não entendi que a postura da Petrobras tenha sido de fazer pouco da decisão da liminar do TSE. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Mas não se continuou a divulgação depois da liminar? 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 159
O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): Houve outra divulgação, mas... A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Porque a divulgação das decisões são feitas em sessão. Certamente a liminar foi concedida, foi disponibilizada no site, mas a publicação deve ter ocorrido em sessão. Exatamente. O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA(Relator): O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Senhor Presidente, eu gostaria de fazer um rápido aparte referente ao posicionamento sugerido pelo Ministro Gilmar Mendes. Ao longo da história do inadimplemento das obrigações de fazer e não fazer, nada deu mais certo do que aquelas astreintes, os meios de coerção que superavam até mesmo o valor da obrigação principal. Quanto maior fosse o valor da multa, mais ela se cobria de capacidade de persuasão para impedir o non facere. Muito embora tenhamos toda ideologia liberal de liberdade de manifestação do pensamento, essas condutas vedadas infringem frontalmente o princípio da igualdade de chances. Então, quero solidarizar-me com a tese sustentada pelo Ministro Gilmar Mendes. Penso que esse critério precisa ser adotado para que possamos ter a capacidade de persuadir. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: O relator informa que não houve pedido quanto à responsabilização no preço da publicidade, mas pelo menos que se eleve a multa ao teto. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): A multa vai de 5.000 UFlRs a 25.000 UFIRs. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: 25.000 Uflrs. Eu iria até o teto. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): Nas duas representações. O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): Apliquei o mínimo: 5.000 UFIRs para cada publicidade e dobrei em função da reiteração. R$20.000,00 (vinte mil reais) no total. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: Reitero, na linha do que manifestou o Ministro Luiz Fux, que é extremamente importante que discutamos, e não vejo como impossibilidade, porque se cria ônus para o representante. É importante que se junte a prova dos custos, etc. Essa prova se faz de maneira muito fácil, basta requerer à autoridade que forneça os dados e isso passa a ser o valor da multa. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): Mas devem existir o pedido e o requerimento na representação. O relator determina ao órgão público ou à empresa que informe qual foi o custo. O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES: E esse será o valor da multa. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): Já fica uma sinalização para o futuro, como obiter dictum. 160 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
MATÉRIA DE FATO O DOUTOR RAFAEL DE MATOS GOMES DA SILVA (Advogado): Senhor Presidente, apenas um esclarecimento de fato: a liminar não foi dada em sessão de julgamento, foi monocraticamente. Então não teve o conhecimento prévio em sessão. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): lsso já est4 esclarecido pelo relator. Agradeço ao Dr. Rafael de Matos. O Ministro Gilmar Mendes aplica a multa no seu valor m4ximo e o Ministro Luiz Fux o acompanha. VOTO O SENHOR MINISTRO JOÃO OTÂVIO DE NORONHA: Senhor Presidente, também acompanho o Ministro Gilmar Mendes, porque se, num caso de reincidência, não atingirmos o máximo, quando é que vamos dar o máximo? VOTO (vencido quanto ao valor da multa) A SENHORA MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA: Senhor Presidente, acompanho o Relator. VOTO (VENCIDO QUANTO AO VALOR DA MULTA) A SENHORA MINISTRA LUCIANA LÓSSIO: Senhor Presidente, acompanho o Relator. VOTO O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): Senhores Ministros, acompanho a divergência, aplicando a multa no valor máximo, porque uma publicidade como essa tem repercussão enorme, alêm do que, se fosse o custo da propaganda, o valor de trinta segundos no Jornal Nacional é em torno de R$600.000,00 a R$700.000,00. A multa, assim, ficou até de pouco tamanho. O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): Senhor Presidente, no caso, a multa máxima não é de R$25.000,00 (vinte cinco mil reias), mas de 100.000 UFlRs, ou seja, algo em torno de R$106.000,00 (cento e seis mil reais). O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): Aquela é da propaganda antecipada. Essa qual é? 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 161
O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): É disciplinada pelo artigo 73, § 4º, da Lei n° 9.504/97. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): Porque aqueles outros casos que julgamos tratavam de propaganda antecipada. O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): Talvez seja demasiado. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): O Ministro Gilmar Mendes que abriu divergência, baseou-se no artigo 73, § 4O, da Lei n° 9.504/97 que dispõe: Art. 73 [...] § 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR. Então o Ministro Gilmar Mendes aplica a multa em cem mil UFlRs. O SENHOR MINISTRO ADMAR GONZAGA (Relator): Senhor Presidente, somente mais uma observação: essa multa nâo é aplicada ã Petrobras, mas â presidente da Petrobras. O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (Presidente): Sim, á presidente da Petrobras. 162 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO HENRIQUE NEVES (MINISTRO DO TSE) TSE- EM. RESPE Nº 139-25.2016.6.21.0154/RS TEMA Novas Eleições ELEIÇÕES 2016. REGISTRO. CANDIDATO A PREFEITO. INDEFERIMENTO. EMBARGOS. OMISSÕES. ART. 224 DO CÓDIGO ELEITORAL. 1. As questões de ordem pública também estão sujeitas ao requisito do prequestionamento. Precedentes. No caso, os temas apresentados pelo embargante não devem ser analisados simplesmente a partir da natureza de ordem pública que lhes é inerente, mas principalmente sob o ângulo da necessidade e da conveniência de este Tribunal explicitar os efeitos gerados por sua decisão, que, por não terem sido contemplados no acórdão embargado, viabilizam o conhecimento dos embargos de declaração. 2. A determinação da realização de nova eleição na hipótese em que o candidato eleito tem o registro de sua candidatura indeferido não é inconstitucional, pois privilegia a soberania popular e a democracia representativa. 3. A decisão da Justiça Eleitoral que indefere o registro de candidatura não afasta o candidato da campanha eleitoral enquanto não ocorrer o trânsito em julgado ou a manifestação da instância superior, nos termos do art. 16-A da Lei 9.504/97. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 163
4. As decisões da Justiça Eleitoral que cassam o registro, o diploma ou o mandato do candidato eleito em razão da prática de ilícito eleitoral devem ser cumpridas tão logo haja o esgotamento das instâncias ordinárias, ressalvada a obtenção de provimento cautelar perante a instância extraordinária. 5. Na linha da jurisprudência desta Corte, consolidada nas instruções eleitorais, a realizaçăo de nova eleição em razão da não obtenção ou do indeferimento do registro de candidatura deve se dar após a manifestação do Tribunal Superior Eleitoral. Interpretação sistemática dos arts. 16-A da Lei 9.504/97; 15 da Lei Complementar 64/90; 216 e 257 do Código Eleitoral. 6. É inconstitucional a expressão “após o trânsito em julgado” prevista no § 3o do art. 224 do Código Eleitoral, conforme redação dada pela Lei 13.165/2015, por violar a soberania popular, a garantia fundamental da prestação jurisdicional célere, a independência dos poderes e a legitimidade exigida para o exercício da representação popular. 7. Embargos de declaração acolhidos, em parte, para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado” prevista no § 3o do at. 224 do Código Eleitoral. 8. Manutenção do entendimento de que a renovação da eleição deve ocorrer após o pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral nos casos em que a quantidade de votos nulos dados ao candidato eleito com registro indeferido é superior ao número de votos dados individualmente a qualquer outro candidato FIXAÇÃO DE TESE. CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL E CONVOCAÇÃO DE NOVAS ELEIÇOES. 1. As hipóteses do caput e do § 3o do art. 224 do Código Eleitoral não se confundem nem se anulam. O caput se aplica quando a soma dos votos nulos dados a candidatos que não obteriam o primeiro lugar ultrapassa 50% dos votos dados a todos os candidatos (registrados ou não); já a regra do § 3º se aplica quando o candidato mais votado, independentemente do percentual de votos obtidos, tern o seu registro negado ou o seu diploma ou mandato cassado. 2. A expressão “após o trânsito em julgado°, prevista no § 3º do art. 224 do Código Eleitoral, conforme redação dada pela Lei 13.165/2015, é inconstitucional. 3. Se o \"trânsito em julgado não ocorrer antes, e ressalvada a hipótese de concessão de tutela de urgência, a execuçăo da decisão judicial e a convocação das novas eleiçöes devem ocorrer, em regra: 3.1. após a análise dos feitos pelo Tribunal Superior Eleitoral, no caso dos processos de registro candidatura (LC 64/90, arts. 3º e seguintes) em que haja o indeferimento do registro do candidato mais votado (art. 224, § 3o) ou dos candidatos cuja soma de votos ultrapasse 50% (art. 224, caput); e 164 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
3.2. após a snálise do feito pelas instâncias ordinárias, nos casos de cassação do registro, do diploma ou do mandato, em decorrência de ilícitos eleitorais apurados sob o rito do art. 22 da Lei Complementar 64/90 ou em ação de impugnação de mandato eletivo. Embargos de declaração acolhidos e providos, em parte. Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, em acolher parcialmente os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Eleitoral, para, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão “após o trânsito em julgado\" previsto no § 3o do al. 224 do Código Eleitoral, especificar que, no presente caso, os preparativos para a realização da nova eleição no Município de Salto do Jacuí, em virtude do indeferimento do registro do embargado, devem ser iniciados e providenciados pelo Tribunal Regional Eleitoral e pelo juiz local a partir da publicação deste acórdão, independentemente do trânsito em julgado, nos termos do voto do relator. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 165
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO TORQUATO JARDIM (MINISTRO DO TSE) TSE – RECURSO - Nº 9.354 TEMA Abuso de Poder Abuso de poder econômico mediante uso de recursos de procedência ilícita para propaganda eleitoral. Juízo discricionário em face de indícios e presunções, circunstâncias ou fatos mesmo que não alegados (Lei Complementar nº 64/90, art. 23): validade uma vez que o bem jurídico tutelado é a normalidade e a legitimidade das eleições (Constituição, art.14, § 9º) e o interesse público de lisura eleitoral (Lei Complementar, art. 23, in fine), e não a vida, a liberdade individual ou a propriedade. Recurso não provido. RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO TORQUATO JARDIM: Senhor Presidente, a Procuradoria Regional Eleitoral no Rio Grande do Sul requereu instauração de investigação judicial contra Getúlio Boscardin, candidato a deputado federal pelo PMDB, a quem atribuiu abuso de poder econômico, na modalidade de procedência ilícita de recursos, para o que pediu a sanção do inciso XIV, art. 22, da Lei Complementar no 64/90 (fls. 21/22). 166 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
2. Processada regularmente a representação, concluiu o Tribunal Regional, por maioria, pela sua procedência, donde ter declarado a inelegibilidade do representado, anulado sua votação nominal, sem prejuízo da legenda partidária, e impedido sua diplomação (fl. 76). O acórdão regional traz esta ementa (fl. 77): “Representação: propaganda eleitoral irregular. Identificação de candidato com a empresa de sua propriedade: proselitismo eleitoral através de propaganda custeada pela empresa. Abuso de poder econômico na modalidade de procedência ilícita de recurso. Representação julgada procedente.” 3. Interpuseram recurso ordinário o candidato e o partido (fl. 95), sobre o qual, nesta instância, assim opinou o Ministério Público Eleitoral (fls. 132/134): “O Partido do Movimento Democrático Brasileiro e Getúlio Alfeu Boscardin interpuseram recurso tempestivo (fls. 77/93) contra o acórdão que, por maioria, julgou procedente a representação formulada pelo procurador regional eleitoral (fls. 68-70). 2. Acusa-se Getúlio Boscardin de ter-se aproveitado ‘do fato de ser o sócio principal de uma empresa do ramo gráfico – Impressora Minuano Ltda. – para imprimir material de propaganda eleitoral’ (fls. 80/81), ao distribuir cartazes bene- ficentes com a expressão “Apoio Boscardin”, destinados a divulgar eventos esportivos e celebrações artísticas na região gaúcha do Alto Uruguai, notadamente em Frederico Westphalen. 3. Com sanção ao abuso de poder econômico que se teria caracterizado nos termos do art. 19 da Lei Complementar nº 64/90, o Tribunal anulou a votação nominal do recorrente para deputado federal, cassou-lhe o registro, sustou-lhe a diplomação e declarou-o inelegível para as eleições a serem realizadas nos próxi- mos três anos (fl. 77). 4. Boscardin solicitou a reforma da decisão do Tribunal Regional Eleitoral, argumentando (fls. 98/101) que o ‘alegado ilícito cinge-se a pequeno número de convites de formatura, que atinge a um público restrito’. Desta forma, ‘mesmo que o candidato tivesse a intenção de realizar propaganda eleitoral, não atingiria um público capaz de desequilibrar o pleito a seu favor, não se podendo, portanto, falar em abuso de poder econômico’. No mais, constata- se que a Impressora Minuano patrocina desde 1987 – antes do registro da candidatura do recorrente – esta espécie de festividade, sempre em quantidade ínfima, conforme depoimento testemunhal de fls. 61/63 e declarações de fls. 35/42. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 167
5. Para que seja constatado o abuso de poder econômico nos termos da legislação eleitoral, torna-se necessário que haja um emprego imoderado, nocivo e intolerável de dinheiro. Esta conduta deve provocar a conquista das preferências do eleitorado; assim, a normalidade e a lisura do pleito estariam comprometidas (Acórdão nº 3.922 do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, parecer do Procurador-Geral). 6. Analisando o caso em pauta, a Dra. Juíza Ellen Gracie Northfleet (fl. 90) raciocina: ‘o que se verificou dos autos foi apenas a continuação de um procedimento que o representado vinha adotando, há muitos anos, sob a forma de um apoio a atividades culturais, esportivas ou o que quer que fosse, da sua cidade, e que denota nada mais, nada menos, do que a integração dessa empresa na comunidade na qual ela está inserida’. A seguir, declara que não se verificou ‘uma vontade determinada de produzir propaganda eleitoral, mesmo porque essa propaganda seria, parece-me, absolutamente inócua’. 7. O recorrente não conquistou as preferências do eleitorado por intermédio de gastos de magnanimidade, comprometendo a legitimidade da manifestação de vontade do eleitorado. Neste sentido, o Juiz Dr. João Cabral Silveiro ponderou: ‘não podemos considerar o fato de que uma tipografia escrever o nome do candidato algumas vezes em cartazes signifique abuso de poder econômico. Não foi isso que o legislador constituinte pretendeu, não foi isso que o legislador complementar quis’. (Fl. 89.) 8. É impossível que se tenha viciado a vontade do eleitorado com alguns cartazes que, por sinal, circularam apenas numa região específica do Rio Grande do Sul, dentro de um círculo social restrito. 9. No v. Acórdão nº 11.951 do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, o ilustre Ministro Sepúlveda Pertence declarou: ‘a perda do mandato que pode decorrer da ação de impugnação não é prova, cuja impugnação devesse resultar da apuração de crime eleitoral, de responsabilidade do mandatário, mas, sim, conseqüência do comprometimento objetivo da legitimidade da eleição por vícios de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude’. 10. Nessa simples conduta que, supostamente, viria a comprometer residualmente a lisura e a normalidade da manifestação de vontade dos eleitores não é suficiente para condenar-se um candidato por abuso de poder econômico. Ninguém pode ser privado de seus direitos em virtude de uma mera hipótese fundada em conjecturas. 11. É necessário que haja um aliciamento efetivo, e não potencial, do eleitorado. Gastos magnânimos precisam provocar o ‘comprometimento objetivo da legitimidade da eleição’, fraudando o processo de manifestação da vontade popular. 12. Não se verifica, no caso em pauta, qualquer prova de que o então candidato tenha conquistado as preferências do eleitorado com a distribuição de benefícios pecuniários. 168 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
13. Ante o exposto, opina o Ministério Público Eleitoral pelo conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão a quo, julgando-se improcedente a representação.” É o relatório VOTO O SENHOR MINISTRO TORQUATO JARDIM (relator): Senhor Presidente, controla este julgamento o art. 14 da Constituição Federal, segundo o qual a soberania popular se exerce pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos. Para a eficácia da norma, estipulam-se as condições necessárias ao exercício do direito de votar e ser votado: quem vota obrigatória ou facultativamente, quem não vota, quem é e quem não é elegível, os irreelegíveis, a impugnação da diplomação dos eleitos, etc. Não pretendeu o constituinte esgotar na Lei Maior todas as hipóteses de inelegibilidade; mantendo o sistema da Constituição de 1967 e da Emenda no 1, de 1969, remeteu à Lei Complementar a criação de outros casos, tendo em mira tutelar o bem jurídico da normalidade e da legitimidade das eleições. Assim, firmaram-se as normas dos §§ 9o e 10 do mesmo art. 14 da Constituição: “§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. § 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.” 2. A Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, deu consecução à previsão constitucional e estabeleceu outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação. No art. 22, assim ficou legislado: “Art. 22 - Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor- Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito (segue o due process).” 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 169
No penúltimo dos 15 incisos que estabelecem o devido processo legal da representação, deixou consignado o legislador: “XIV – julgada procedente a representação, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 3 (três) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e processo-crime, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.” 3.Dispondo sobre o julgamento dos fatos, provas, indícios e circunstâncias que ensejam a representação ao Corregedor-Geral ou regional, por desvio ou abuso de poder econômico, como posto no caput do art. 22 da citada Lei Complementar nº 64/90, o legislador enunciou, na mesma lei, a seguinte regra: “Art. 23 – O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.” 4. Observe-se, com a merecida atenção, que, diante do bem público tutelado, a normalidade e legitimidade das eleições (Constituição, art. 14, § 9º ) e o interesse público de lisura eleitoral (Lei Complementar º64/90, art. 23, in fine), a latitude da capacidade de decisão que a norma complementar confere ao julgador: no mesmo plano de eficácia legal que a prova produzida e os fatos alegados pelas partes, estão os fatos públicos e notórios, os indícios e presunções, e as circunstâncias ou fatos mesmo que sequer alegados pelas partes. O que faz a norma, ao tutelar valores fundamentais à eficácia social do regime democrático representativo, é exigir do Juiz sua imersão total no meio social e político no qual exerça seu mister; é imporlhe vivência com a realidade sociológica e as nuances do processo político que, por intermédio do direito positivo, com as peculiaridades inerentes à imparcialidade de decisão do Judiciário, deve ele, provocado na forma da lei, controlar, com o fim de assegurar a normalidade e a legitimidade das eleições e o interesse público de lisura eleitoral. Não lhe permite a norma pretender ignorar o que dos autos não conste; ao contrário, exige- lhe a lei, que instrumenta a eficácia legal e a eficácia social da Constituição, que acompanhe ele a vida social e política de sua comunidade. De distante e pretensiosamente indiferente observador da cena à sua volta, torna-se o julgador, por imposição legal, um spectateur engagé – na feliz expressão com que se descreveu a vida intelectual de Raymond Aron. 170 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
5. Afirmava o influente e paciente pensador francês – tão paciente quanto influente, ele, sim, consciente de que o tempo é o senhor da razão, motivo por que acolheu em seu regaço, quando da idade da razão, tantos dos irreverentes e imaturos jovens sartrianos do ano mágico de 1968 – afirmava ele que a história não é determinada nem orientada a priori por uma finalidade ou um sentido; ela queda em aberto, dependendo, ao final, da ação dos homens, de sua liberdade e de seu arbítrio. É esta a responsabilidade que a normatividade impõe ao Judiciário compartilhar, engajadamente, com os outros poderes constituídos, e, também, e não menos importante, com os poderes intermediários, na terminologia de Montesquieu, na defesa da democracia e de seu meio mais reconhecido de legitimidade política e validade legal: a eleição pelo voto direto e secreto em sufrágio universal revestido de normalidade, legitimidade e lisura. A tanto há de se entregar o Judiciário, menos por criação constitucional, ou motivação ética, mas, agora, por imposição normativa. 6. Esta imposição normativa não o constrange a considerar tão-somente prova produzida ou cabalmente testada, nem conhecer apenas os fatos ou circunstâncias alegados. Também, e em igual hierarquia de valoração, deve tomar em conta todo o quadro social público e notório de indícios e presunções, circunstâncias ou fatos conhecidos de seu engajamento com o ambiente social. Dir-se-á que essa interpretação confere ao Juiz latitude por demais ampla no julgamento do feito, pois que muito de sutilezas não comensuráveis destilaria para a sentença. O argumento, todavia, não procede. 7. Não procede porque o bem jurídico tutelado não é nem a vida, nem a liberdade, nem a propriedade. Fosse qualquer deles e certamente a lei não contemplaria a possibilidade do juiz decidir com base em indícios e presunções, em circunstâncias ou fatos ausentes dos autos. A presunção de inocência, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa (Constituição, art. 5º, LVII, LIII, LIV, LV), obviamente, a tanto se oporiam. Aqui, contudo, o bem jurídico tutelado é de natureza coletiva, indivisível, do interesse de todos, para o qual irrelevante a vontade ou o interesse individual, qual seja, o sufrágio universal mediante voto direto e secreto, imune às manipulações e à influência do poder econômico e ao abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, sem o que, na presunção da Constituição e da Lei Complementar, não se protegerá a normalidade e legitimidade das eleições, nem se preservará o interesse público de lisura eleitoral. Tanto que tão diferentes os bens jurídicos tutelados que, em face da violação ao valor que lhe é intrínseco, a norma do inciso XIV, art. 22, da Lei Complementar no 64/90, dispõe que a sanção será a inelegibilidade do representado para as eleições a se realizarem nos três anos subseqüentes à eleição em que se verificar o ato a ela contrário, além da cassação do registro do candidato. Apenas isto: não se lhe toca a vida, nem a liberdade, nem a propriedade. Se algum resíduo de infração restar, responderá o já então ex-candidato perante juízo não eleitoral, observado outro, inteiramente diverso, devido processo legal. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 171
8. Esta distinção fundamental entre os bens jurídicos tutelados já o fizera o ilustre Ministro Décio Miranda em 1965, no caso Paes de Almeida: “Por igual, qualquer outro caso de inelegibilidade não decorrente da perda de direitos políticos não é uma pena (...) a inelegibilidade de que ora se cuida (...) é fundada na necessidade de preservação da lisura e normalidade das eleições.” (BE 171/124) No mesmo sentido o Ministro Bueno de Souza: “Mas a sanção consistente em inelegibilidade não é uma sanção penal: pode advir de condições pessoais; pode provir de condutas reprovadas, mais ou menos severamente, mas não se cuida de sanção penal (...) As inelegibilidades são, sem dúvida, gravíssimas restrições de direito. Elas pri- vam a pessoa de direitos subjetivos públicos, é certo: mas assim o fazem no interesse social, naquilo em que deva prevalecer sobre o individual.” (Acórdão no 11.884, de 5.3.91, DJU, 6.8.91.) Não diverge o ilustre Ministro Paulo Brossard, ao acompanhar argumento que já então antecipava o Ministro Sepúlveda Pertence: “Ainda corroborando a sua afirmativa de que a ação possível, prevista no § 10 do art. 14 (da Constituição), nada tem a ver com a responsabilidade penal, basta fazer esta consideração: julgada procedente a ação, nada impede que, sem ofensa à regra do non bis in idem, venha a ser instaurado um processo penal pela prática de crime eleitoral, se for o caso.” (Acórdão nº 11.951, de 14.5.91, DJU, 7.6.91). O que antecipava o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, no acórdão por último citado, foi posto nestes termos, em caso posterior: “A perda do mandato, que pode decorrer da ação de impugnação, não é uma pena, cuja imposição devesse resultar da apuração de crime eleitoral de responsabilidade do mandatário, mas, sim, conseqüência do comprometimento da legitimidade da eleição, por vício de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Por isso, nem o art. 14, § 10, nem o princípio do due process of law, ainda que se lhe empreste o conceito substantivo que ganhou na América do Norte, subordinam a perda do mandato à responsabilidade pessoal do candidato eleito nas práticas viciosas que, comprometendo o pleito, a determinem. O que importa é a existência objetiva dos fatos, abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, e a prova, ainda que indiciária, de sua influência no resulta-do eleitoral. Assim, creio, ninguém porá em dúvida que a fraudulenta manipulação matemática na totalização dos votos, ainda que atribuída à conduta criminosa 172 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
de órgãos da Justiça Eleitoral, quando tenha importado em proclamar vencedor o candidato vencido, deva acarretar a perda do mandato, nada importando, contra a verificação objetiva da adulteração do resultado do pleito, que seja inocente o beneficiário dela. O mesmo é de concluir, mutatis mutandis, no caso do abuso por terceiro do poder econômico ou da prática da corrupção eleitoral.” (Acórdão no 12.030, de 25.6.91, DJU, 16.9.91.) 9. A latitude, pois, do juízo, posta no art. 23, da Lei Complementar nº 64/90, é poder inerente, necessário e próprio à eficácia legal e à eficácia social das normas que, na Constituição e na Lei Complementar, cometem ao Poder Judiciário a competência de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico e de preservar o interesse público de lisura eleitoral. 10. Visando proteger os mesmos valores da normalidade e legitimidade das eleições e do interesse público de lisura eleitoral, o Congresso norte-americano passou, em 1974, lei que impôs limites aos gastos e às contribuições eleitorais. Contestada a lei em face da Primeira Emenda – liberdade de expressão e de imprensa, o Justice Potter Stewart, cujo liberalismo pragmático ninguém há de pôr em dúvida, usou destas palavras ao interromper a sustentação oral do advogado: “Estamos falando de discurso; dinheiro é discurso e discurso é dinheiro, seja para comprar tempo de televisão ou rádio ou anúncio em jornais, seja mesmo para comprar lápis e papel e microfones” (in Buckely V, Valeo, apud Friendly & Elliot, The Constitution – that delicate balance, p. 91, Random House, N.Y., 1984). Ou nas palavras de famo-so jornalista: “Nós sabemos que dinheiro fala, mas este é o problema, não a resposta” (Anthony Lewis, id. ibid). Registram os historiadores que quando George Washington concorreu à Assembléia (House of Burgesses) da Virgínia, em 1757, ele providenciou para os amigos os “meios usuais de se obter votos”: 28 galões de rum, 50 galões de coquetel de rum, 34 galões de vinho, 46 galões de cerveja e 2 galões de cidra (Friendly & Elliot, op cit, p. 91). Dois séculos mais tarde, outro o mundo, dispõem as leis, aqui e no estrangeiro, sobre os meios de se coibir a manipulação da formação de vontade e de decisão do eleitor. 11. Assim posto o quadro constitucional e da lei complementar em que se põe o tema da proteção da normalidade e da legitimidade das eleições e da preservação do interesse público de lisura eleitoral contra o abuso de poder econômico, passo ao exame do caso concreto. Do voto condutor da decisão majoritária no Tribunal Regional, do ilustre desembargador Adroaldo Furtado Fabrício, destaco estes trechos (fls. 80/83): “A questão envolve a necessidade de uma análise cuidadosa da prova, inicialmente com vistas a procurar caracterizar se ocorre ou não a utilização de propaganda eleitoral, para, em um segundo momento, definir-se se essa propaganda seria ilícita ou quiçá criminosa. A meu sentir – adianto desde 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 173
logo – está configurada a utilização de propaganda comercial para veicular propaganda eleitoral, aquele tipo evidentemente infringente da legislação específica de aproveitamento da propaganda comercial para fins eleitorais. O candidato, no caso concreto, aproveitou-se e beneficiou-se do fato de ser o sócio principal de uma empresa do ramo gráfico para imprimir material de propaganda eleitoral, a pretexto de operação normal da sua empresa gráfica. Sabemos todos que, quando se atua nesse ramo de produções gráficas, é comum que as empresas em geral identifiquem o seu produto por alguma marca ou logotipo, geralmente de um modo muito discreto e às vezes até imperceptível no conjunto impresso. Em outros casos – esse seria o caso mais próximo daquele que estamos tratando –, as gráficas não apenas inserem a identificação de sua empresa em um ponto destacado do impresso, como aproveitam o material gráfico como publicidade da própria empresa. É nesse contexto que surgem os chamados apoios e patrocínios. Aqui se alega que tais apoios e patrocínios não caracterizariam, de modo algum, o propósito de fazer propaganda eleitoral, pela razão de que essa prática sempre foi adotada pela gráfica Minuano, e se busca a ilustração dessa alegação com a juntada de vários impressos de tempos anteriores à própria candidatura do ora representado. Entretanto, chama desde logo atenção uma circunstância deveras significativa: é que, nos impressos mais antigos que foram juntados com a defesa e que se situam no tempo entre 1977 e 1989, a identificação da empresa se faz conforme passo a descrever: (descreve identificação da empresa nos documentos de fls. 43 a 46). Não se preocupou o representado em fazer qualquer prova a respeito de ter ou não a empresa recebido pagamentos por esses impressos ou se eles foram fornecidos graciosamente. A missa dos motoristas apresenta, também a mesma configuração, com a única peculiaridade de que, aparentemente, houve um defeito técnico na impressão da logomarca e tudo ficou impresso em duplicata, mas assim mesmo é possível verificar que o destaque maior é para a palavra Minuano e, em segundo plano, para o nome Boscardin. No cartaz do baile dos bichos, de 1988, a configuração é outra: aqui aparece ‘Apoio Boscardin’, sem referência a Minuano. Romaria da Salete, 1989: não aparece Minuano, mas ‘Apoio Boscardin, a boa impressão’. A expressão ‘a boa impressão’ está, portanto, aposta agora ao nome Boscardin, e não à marca Minuano. Esses são, portanto, os impressos anteriores a 1990. Aqueles de que trata a representação, todos do ano de 1990 ou relacionados a eventos marcados para este ano, têm uma configuração que elimina a palavra Minuano e faz constar apenas o nome Boscardin, mas em tamanho visivelmente maior e encimada pela palavra apoio; mais uma vez, o slogan ‘a boa impressão’ aparece, evidentemente, associado ao nome Boscardin, e não à palavra Minuano, que não mais aparece no cartaz. No convite de formatura, lê-se o seguinte: ‘Apoio: Getúlio Boscardin’; não se fala em boa impressão, em gráfica, ou em off-set. No cartaz da Laser 174 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
Sonorizações ocorre o mesmo; não há referência à pessoa jurídica, por indireta que seja, e também não aparece o slogan ‘a boa impressão’; o mesmo quanto ao show da cantora Gretchen. Há, ainda, um folheto a respeito de prevenção, causas, educação, relativo à deficiência mental, onde há alguma publicidade comercial. O nome Boscardin aparece outra vez, agora, sem referência a apoio ou patrocínio, e acompanhado das palavras já conhecidas ‘a boa impressão – gráfica off-set’. Penso eu, Srs. Juízes, que essa análise comparativa do material produzido nos anos anteriores e no de 1990, demonstra diferenças importantes e evidencia intenções diferentes, além de haver uma concentração de volume de impressos contendo o nome do candidato e, muito freqüentemente, o seu prenome também, em alguns casos sem referência à pessoa jurídica, Impressora Minuano. Parece que esse contraste com os impressos mais antigos permite concluir que, sem dúvida alguma, foram utilizados os cartazes como meio de divulgação da candidatura, muito especialmente naqueles casos em que aparece o prenome Getúlio, seguido do sobrenome principal Boscardin, sem qualquer menção à pessoa jurídica ou até mesmo ao ramo de atividade da gráfica. O apoio, portanto, não seria da pessoa jurídica, mas o individual do cidadão que já estava, claramente, caracterizado como candidato, nos meados do ano de 1990, precisamente quando as candidaturas, talvez ainda não formalizadas, estavam entretanto definidas. Esses cartazes correspondem, na sua maioria, ao período de campanha, o período subseqüente às convenções partidárias ou, no mínimo, ao período de pré-campanha, aquele em que as candidaturas se definem informalmente, sob a forma de candidatura à candidatura – como todos nós sabemos que é praxe entre os partidos. Se encontrasse em todos os impressos a mesma apresentação gráfica dos registros Minuano, ainda que acompanhado da palavra Boscardin, e se não encontrasse nos impressos mais recentes algo que nunca aconteceu anteriormente, que é o nome da pessoa física Getúlio Boscardin, sem qualquer outra referência, eu ainda poderia manter algumas dúvidas sobre a caracterização da propaganda eleitoral. Entretanto, além do maior destaque dado à logomarca, quando empregada, há estes casos absolutamente inconciliáveis com a idéia de promoção da empresa, em que seu nome e o slogan não aparecem. Justamente no período de campanha eleitoral é que se identifica essa transformação e, portanto, está caracterizada a utilização desse material como propaganda eleitoral, produzido por pessoa jurídica, voltado para finalidades lucrativas, e que sequer se alega tenha recebido qualquer custeio do partido por cuja legenda concorria o candidato.” “No caso que estamos analisando, se o candidato tivesse tido sempre o cuidado de manter exatamente a mesma logomarca, imprimi-la da mesma forma, sem variar qualquer detalhe, ele acabaria tirando proveitos eleitorais da divulgação comercial da sua marca, mas nós não poderíamos incriminá-lo; seria uma daquelas situações frustrantes para o juiz, em que se sabe o que aconteceu 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 175
mas não se pode aplicar a conseqüência jurídica que deveria corresponder ao acontecido. Entretanto, no caso concreto, o candidato forneceu ao juiz esta comprovação da mudança de direcionamento da publicidade: de comercial para eleitoral. É verdade, como salientou a defesa, que não há referência à candidatura, à sigla partidária, ou número do candidato, mas convenhamos que seria um extremo de ingenuidade se o candidato fosse inserir, na divulgação da sua disfarçada propaganda eleitoral – que pretendia fazer passar por propaganda comercial –, a algum desses elementos típicos da propaganda eleitoral. Não falo dos outdoors, porque outdoors não são, na realidade: são cartazes, quanto se pode deduzir da prova dos autos, não envolventes de qualquer infração à legislação sobre propaganda eleitoral. Fixo-me tão- somente, para julgar procedente a representação, no problema dos impressos que venho de analisar.” (Fls. 85/86) 12. Tendo, já agora, presentes os fatos do caso em julgamento, e o direito como a eles aplicado pelo Tribunal Regional, retomo a linha de argumento finalística antes desenvolvida no plano da Constituição. Para isto, destaco este trecho do voto do Ministro Oscar Saraiva, no antes lembrado caso Paes de Almeida: “Chegamos agora à questão final. Serão as dádivas e atos de liberalidade, cuja prática os autos comprovam, conceituáveis como atos de abuso de poder econômico, para os fins da lei? Entendo que sim. O fim do legislador foi o de impedir a interferência do poder econômico na escolha da representação política. A rigor, não necessitaria falar, como o fez, no abuso de poder econômico. Seu simples uso, fora das normas financeiras permitidas e previstas no Código Eleitoral anterior e na atual Lei Orgânica dos Partidos Políticos já constitui prática abusiva. E se essa prática se traduzia ou traduzir em dádivas, já transcende o ato do mero abuso econômico, para incidir no ilícito eleitoral. E pouco importa, a meu ver, que a dádiva se dirija a indivíduo, a grupos sociais ou a toda a coletividade. A lei não distinguiu entre beneficiários individuais e coletivos e, evidentemente, não se poderia dizer que o que é punível e nocivo no que respeita a um só indivíduo, seja lícito em relação a muitos ou mesmo a todos. Também a consideração do fator tempo é relevante para a conceituação jurídica do ato. Se a construção ou dádivas de um hospital ou de uma escola são atos de benemerência social, isoladamente considerados, essa mesma construção ou sua promessa no período eleitoral em benefício da população do lugar onde as eleições irão ter lugar (sic), representa dádiva ou promessa que deve ser enquadrada na conceituação de uso abusivo da riqueza na captação de votos. Aí as características do tempo, do lugar e das circunstâncias constituir-se-ão em elementos inseparáveis na caracterização do ato. (...) No Direito Eleitoral o motivo prepondera, e nele não merece guarida a tese que se quer sustentar, com 176 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
inversão da regra maquiavélica, de que os meios justificam os fins. No Direito Eleitoral os fins preponderam e os meios – ainda que lícitos em si – deixam de o ser, se neles o emprego do poder econômico se fez visando vantagens eleitorais imediatas. (...) Restará ao Poder Judiciário conceituar mais precisamente o que se compreende no direito de propaganda. Dizer-se, porém, que essas dádivas pré-eleitorais são formas novas e sutis de propaganda que a lei não alcança, é negar a própria história, pois o derrame de dinheiro ou de dádivas nessas ocasiões é velha prática que já em Roma florescera. Nem outra foi a razão de figurar como triúnviro, ao lado dos imortais César e Pompeu, o cônsul Marcus Licínius Crassus, cuja eleição ao consulado se devera ao ser ele o homem mais rico de Roma em seu tempo. No meu entender, julgo que a Justiça Eleitoral deve conceituar, como abusivos e vedados nos termos da lei, atos de mecenato ou filantropia, praticados em época eleitoral, no âmbito geográfico do pleito e por candidato que dela participe. A propaganda, em sua acepção ampla, deve compreender tudo a quanto possa influir na vontade do eleitor, e na sua escolha do candidato, e as despesas correspondentes se deverão enquadrar nos limites do que for lícito ao partido despender, atendido na clareza e no rigor de seus termos, o que prescreve (a Lei).” (BE 171/ 113-114, com grifos acrescidos) Esta mesma perspectiva finalística da norma que veda o abuso de poder econômico no Direito Eleitoral foi adotada pelo eminente Oswaldo Trigueiro, então procurador- geral eleitoral, ao sustentar seu parecer neste mesmo acórdão: “Nos últimos tempos, todavia, como é explicável que ocorra num país que enriquece depressa e, sobretudo, num país dominado pela inflação, o dinheiro passou a ter, em nossa vida política, ação tão deletéria quanto a da opressão e da fraude que estamos conseguindo erradicar de nossos costumes eleitorais. (...) Entre nós também existe o problema do dinheiro nas eleições, e de maneira grave, porque a nossa democracia se tem revelado muito vulnerável à influência do dinheiro, que atua na política com impressionante desenvoltura. Para reprimir esses excessos já temos algumas leis e contamos com a Justiça Eleitoral. Mas, se as leis e os órgãos incumbidos de sua aplicação forem impotentes para coibir abusos que se avolumam, chegaremos em breve a uma situação em que, através de eleições aparentemente livres e regulares, somente se elegerão banqueiros, comer- ciantes e indústrias opulentos, ou candidatos vinculados à grande empresa. (...) O que se pede ao Tribunal Superior é apenas a qualificação dos fatos insuscetíveis de controvérsia, à vista das normas legais pertinentes ao chamado abuso de 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 177
poder econômico. (...) Cabe, portanto, à Justiça Eleitoral definir o que seja esse abuso, isto é, dizer até onde é lícito usar dinheiro nas campanhas eleitorais, e onde começa o uso imoderado, nocivo e intolerável, em regime democrático que assenta no postulado básico da relativa igualdade de oportunidades e possibilidades, para o acesso aos postos de representação e governo. (...) É óbvio que aqui não se discute matéria criminal. Nestes autos não se imputa ao recorrido a responsabilidade de atos definidos como delitos pelo direito comum. Não é ele acusado de haver comprado um eleitor ou subornado um diretório municipal. Também não se precisa discutir a utilidade dos benefícios decorrentes das doações a que os autos se referem. O que está em causa é a licitude desta prática sob o ponto de vista político, isto é, sob o ponto de vista de sua adequação a um regime democrático que se deseja livre de opressão, de fraude, de toda forma de corrupção capaz de macular a dignidade do sufrágio.” (BE 171/108-109) 13. Retorno, para concluir, ao caso concreto ora em julgamento. Ressalta da leitura do voto do relator regional o quanto a decisão se ateve à análise das provas e ao trato direto com as circunstâncias que envolveram a campanha eleitoral do candidato. Não se trata, com a devida vênia do Vice-Procurador-Geral Eleitoral, de “mera hipótese fundada em conjecturas”. O contraste minucioso, que faz o Relator, entre a atividade empresarial do recorrente, anterior à sua candidatura, e aquela posterior à decisão de se candidatar, revela a intenção inequívoca de se utilizar do produto de venda da empresa como veículo de divulgação do candidato. Essas circunstâncias de tempo, lugar e oportunidade são essenciais à qualificação jurídica do ato. Está-se, pois, diante de um juízo de convicção em face das provas. O art. 23 da Lei Complementar nº 64/90 dispõe que “o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para as circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”. 14. Minha convicção, postas as premissas constitucionais acima expostas, tanto no plano da teoria da Constituição, quanto no da jurisprudência deste Tribunal Superior, que remonta a 1965, e à vista do que nos autos se contém, em particular o percuciente voto do Relator Regional, que subscrevo, é pelo não provimento do recurso. VOTO O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO: Senhor Presidente, a Procuradoria Regional Eleitoral ofereceu representação contra Getúlio Boscardin, candidato a deputado federal pelo PMDB. Atribuiu-lhe o Ministério Público Eleitoral a prática de propaganda irregular, dado que teria o candidato afixado dois outdoors em ruas do Município de Frederico Westphalen; afixado cartazes divulgando um torneio de tênis organizado 178 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
pela AABB, que continham os seguintes dizeres: “Apoio: Boscardin, a boa impressão – Gráfica off-set”, sendo a palavra Boscardin grafada com espe- cial destaque; cartazes divulgando shows artísticos nos quais constava a seguinte expressão: “Apoio: Getúlio Boscardin”; convites de formatura da turma de 1990 da Fundação de Ensino Superior do Alto Uruguai - FESAU e Instituto de Ensino Superior do Alto Uruguai - IESAU, contendo os mesmos dizeres ditados anteriormente. O Ministério Público Eleitoral sustentou que o representado fizera propaganda criminosa (CE, art. 329) mediante abuso de poder econômico, pelo que pediu a sanção do art. 22, XIV, da Lei Complementar no 64/90. Ao cabo, o TRE/RS concluiu, por maioria, pela procedência da re- presentação, pelo que foi declarada a inelegibilidade do representado, anulada a sua votação nominal, dado que caracterizado o abuso de poder econômico, nos termos do art. 19 da Lei Complementar no 64/90. O acórdão recebeu a seguinte ementa (fl. 77): “Representação: propaganda eleitoral irregular. Identificação de candidato com a empresa de sua propriedade: proselitismo eleitoral através de propaganda custeada pela empresa. Abuso de poder econômico, na modalidade de procedên- cia ilícita de recurso. Representação julgada procedente.” O candidato e o partido recorreram (CE, art. 276). O Ministério Público Eleitoral, nesta Corte, opinou no sentido do conhecimento e provimento do recurso (fls. 132-134). O eminente Ministro Torquato Jardim, relator, votou no sentido do não-conhecimento do recurso. Pedi vista dos autos e os trago, a fim de retomarmos o julgamento. Passo a votar. A Constituição Federal, além de estabelecer as condições de elegibilidade (art. 14, § 3º), elenca os casos de inelegibilidade, nos §§ 4º a 8º do art. 14, cuidando de inelegibilidades absolutas e relativas. São inelegíveis, absolutamente, os inalistáveis (art. 14, § 4º) e os analfabetos (art. 14, § 4º). Os inalistáveis são os estrangeiros e os conscritos (art. 14, § 2º). As inelegibilidades relativas são as funcionais (art. 14, §§ 5º, 6º e 8º) e as decorrentes de parentesco (art. 14, § 7º). A Constituição prescreve, ademais, que a lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidades, para o fim de proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra: a) a influência do poder econômico ou b) o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta (art. 14, § 9º). A Lei Complementar no 64, de 18.5.90, é a norma referida no art. 14, § 9º, da Constituição. A influência do poder econômico e o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, podem, na verdade, comprometer a normalidade e legitimidade das eleições. A Justiça Eleitoral, ao que penso, deve ser severa na análise de atos e fatos que demonstram a influência do poder econômico e o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 179
Atos de mecenato e de filantropia, praticados em época eleitoral, caracterizam influência do poder econômico capaz de comprometer a legitimidade das eleições, pelo que geram inelegibilidade. Invoco, no ponto, o Acórdão no 3.922, de 7.6.65 (BE 171/106-125), resumindo no voto do saudoso Ministro Oscar Saraiva: “No meu entender julgo que a Justiça Eleitoral deve conceituar como abusivos e vedados nos termos da lei, atos de mecenato e filantropia, praticados em época eleitoral, no âmbito geográfico do pleito e por candidato que dele participe. A propaganda, em sua acepção ampla, deve compreender tudo quanto possa influir na vontade do eleitor e na sua escolha do candidato, e as despesas corresponden- tes se deverão enquadrar nos limites do que for lícito ao partido despender, atendi- do na clareza e no rigor de seus termos, o que prescreve o § 1º do inciso X do art. 58 da Lei Orgânica dos Partidos.” (BE 171/114) Ocorrentes fatos caracterizadores da influência do poder econômico, como, por exemplo, distribuição de dinheiro, distribuição de bens ou valores, material de construção, alimentos, etc., em época eleitoral, que são comprometedores da legitimidade das eleições, tem-se a inelegibilidade do candidato beneficiado, certo que importa a existência objetiva dos fatos, não sendo relevante a responsabilidade subjetiva do candidato. Noutras palavras, importa a existência do benefício decorrente do fato, não importando se o candidato desejava ou não o benefício, convindo esclarecer que o benefício decorre, objetivamente, do fato caracterizador de influência do poder econômico. No Recurso Eleitoral no 9.145/MG (Felixlândia, MG), a questão ficou bem exposta no voto do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence: “A perda do mandato, que pode decorrer da ação de impugnação, não é pena, cuja imposição devesse resultar da apuração de crime eleitoral de responsabilidade do mandatário, mas, sim, conseqüência do comprometimento da legitimidade da eleição por vícios de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. Por isso, nem o art. 14, § 10, nem o princípio do due process of law, ainda que se lhe empreste o conceito substancial que ganhou na América do Norte, subordinam a perda do mandato à responsabilidade pessoal do candidato eleito nas práticas viciosas que, comprometendo o pleito, a determinem. O que importa é a existência objetiva dos fatos – abuso do poder econômico, corrupção ou fraude – e a prova, ainda que indiciária, de sua influência no resul- tado eleitoral.” Posta assim a questão, examinemos a versão fática do acórdão recorrido. O eminente Relator, Desembargador Adroaldo Furtado Fabrício, no seu voto, deixou expresso que “está configurada a utilização de propaganda comercial para veicular propaganda eleitoral, aquele tipo evidentemente infringente da legislação específica 180 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
de aproveitamento da propaganda comercial para fins eleitorais”. É que o candidato se aproveitou e se beneficiou “do fato de ser o sócio principal de uma empresa do ramo gráfico para imprimir material de propaganda eleitoral, a pretexto de operação normal da sua empresa gráfica”. O fato apontado, ao meu sentir, é caracterizador da influência do poder econômico, não sendo relevante indagar se houve, ou não, uma vontade determinada de produzir propaganda eleitoral. O que importa indagar é que a propaganda irregular existiu e porque existiu viciou a vontade de algum ou de alguns eleitores, em detrimento do princípio da igualdade entre os candidatos. Do exposto, meu voto é no sentido de acompanhar o voto do eminente ministro relator, pelo que conheço do recurso e nego-lhe provimento. VOTO O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Senhor Presidente, quanto à análise da prova – o caso é de recurso ordinário – a tarefa do Tribunal fica sensivelmente facilitada pelo magnífico voto do desembargador Adroaldo Furtado Fabrício, que fez uma análise arguta das circunstâncias, perfeitamente adequada à regra de direito probatório do art. 23 da Lei Complementar no 64, cujo alcance foi bem salientado pelo eminente Relator. No mais, Senhor Presidente, também não tenho dúvida em acompanhar os votos já proferidos, em particular o brilhante voto do eminente Relator, secundado pelo voto vista do eminente Ministro Carlos Velloso, de igual brilho. Devo, em atenção ao ilustre advogado, algumas considerações em torno de uma questão jurídica que S. Exa. enfatizou da Tribuna. Creio que, no voto que proferi no Recurso nº 9.145, assinalei que, de um lado, pode haver abuso do poder econômico bastante a acarretar a inelegibilidade, ou, depois da diplomação, a acarretar a procedência da ação de impugnação de mandato, sem que o fato seja criminoso e, reciprocamente, que pode haver crime que, para o mesmo fim, não configure abuso. Disso continuo convencido – talvez menos, porque assim devesse ser – mas porque – como também já tive oportunidade de assinalar – o envelhecimento do rol de incriminações do Código Eleitoral é algo simplesmente assustador. Continua o Código Eleitoral a preocupar-se com o que deveria ser objeto de multas administrativas de fiscal de Prefeitura – faixas colocadas em local indevido e coisas desse jaez – mas, simplesmente não é crime – por isso já concedemos habeas corpus aqui – o financiamento, por mais escandalosamente ilegal que seja, de campanhas eleitorais. Por outro lado, que pode haver crime que não constitua abuso do poder econômico, no sentido legal e constitucional, também me parece evidente. Assim, por exemplo, a oferta de vantagem em troca de um só voto é corrupção eleitoral, segundo o art. 299 do Código Eleitoral, isolada- mente considerado, creio que – antes da condenação que gera efeitos automáticos – ninguém cogitará de declarar inelegível ou de cassar mandato 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 181
eletivo, ante a prova incidente desse fato isolado. De resto – e o eminente Ministro Carlos Velloso já o deixou claro, como eu já o tentara fazer, no referido Recurso nº 9.145 – ainda que criminoso o fato, de nada importa, para o efeito da imposição da inelegibilidade ou da perda do mandato indagar se, pelo fato criminoso, o candidato é ou não responsável, se o fato lhe é ou não subjetivamente imputável. Ao defender esse entendimento a propósito da ação de impugnação de mandato, a sustentação me custou algum esforço de argumentação. Mas, no que toca a representação por abuso de poder, ela decorre literalmente do inciso XIV do art. 22 da Lei Complementar no 64/90, que leio: “XIV – julgada procedente a representação, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando- lhes a sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 3 (três) anos subseqüentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico e pelo desvio ou abuso do poder de autoridade (...)”. Claramente se identificam aí, duas sanções, ao mesmo abuso julgado provado. Na primeira, “a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato”, a inelegibilidade é uma conseqüência da imputação subjetiva do fato a tais personagens. Mas independentemente dela, ou somando-se a ela, “além dela” – diz a lei – se cassará o registro do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade. Aí, basta a apuração, puramente objetiva, do benefício que o abuso – criminoso ou não, pouco importa – haja acarretado para a candidatura. Tudo por quê? O que se pretende com todo esse conjunto normativo é salvaguardar a normalidade e a legitimidade do pleito. E volta-me o exemplo que dava a propósito da fraude, pressuposto da ação de impugnação de mandato, no Recurso nº 9.145: se alguém, não por amor ao candidato “A”, mas por inimizade ao candidato “B”, participando dos trabalhos de totalização de votos, alterar o resultado, para atribuir falsamente a vitória ao candidato “A”, isso afeta a eleição deste, independentemente de qualquer relação, ou de qualquer falta de relação entre ele e o funcionário responsável pela fraude, que a cometera apenas em função de sua inimizade com o candidato adversário. Com essas breves considerações – que trouxe apenas, repito, em homenagem à amável provocação do ilustre advogado –, acompanho o eminente Relator, que honrou o Tribunal com o brilhante voto que hoje proferiu e nego provimento ao recurso. 182 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO FERNANDO NEVES (MINISTRO DO TSE) TSE – RESPE - Nº 19.739/BA TEMA Captação ilícita de sufrágio Representação — Art. 41-A da Lei nº 9.504/97 — Captação de sufrágio vedada por lei — Comprovação — Aplicação de multa — Decisão posterior à diplomação — Cassação do diploma — Possibilidade — Ajuizamento de ações próprias — Nâo-necessidade. 1. A decisão que julgar procedente representação por captação de sufrágio vedada por lei, com base no art. 41-A da Lei n° 9.504/97, deve ter cumprimento imediato, cassando o registro ou diploma, se já expedido, sem que haja necessidade da interposição de recurso contra expedição de diploma ou de ação de impugnação de mandato eletivo. RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO FERNANDO NEVES: Sr. Presidente, o egrégio Tribunal Regional Eleitoral da Bahia deu provimento parcial a recurso eleitoral e julgou procedente, em parte, representação movida contra Sílio Luz Souza, eleito prefeito do Municipio de Jussiape/BA, por captação vedada de sufrágio. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 183
Aplicou pena de multa, mas não cassou o diploma “face ao decurso do tempo; ao não ajuizamento das ações cabíveis na época própria e ao fato de que o recorrido já está em pleno exercício do mandato” (fl. 112). Eis a ementa dessa decisão (fl. 108): “Eleitoral. Recurso. Improcedência de Representação contra Prefeito. Pedido de cassação de diploma. Descabimento. Comprovação de captação de sufrágio. Aplicação de multa a teor do art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Provimento parcial. Preliminar de inacolhimento do recurso. As alegações que fundamentam a preliminar de inacolhimento do recurso devem ser apreciadas em oponunidade própria por se tratarem de matéria de mérito. Mérito. Encontrando-se o recorrido em pleno exercício de mandato eletivo e deixando de ser ajuizadas ações próprias na época oportuna descabica a cassação de seu diploma neste momento porquanto implicaria em cassaçăo de mandato, merecendo o apelo tão-somente provimento parcial vez que, caracteriza nos autos a compra de votos pelo recorrido, cabe a aplicação de multa de um mil UFIR\". Opostos embargos de declaração, com efeitos modificativos, foram eles rejeitados. No recurso especial, o representante insiste na aplicação das duas penas previstas no art. 1° da Lei nº 9.840, de 1999, sustentando, com apoio em julgado de outros tribunais eleitorais, que (fl.137): “(...) sendo a cassação do diploma penalidade de efeito direto e imediata sobre o candidato condenado, por óbvio não há que se falar em ajuizamento de ação própria para desconstituir o diploma porquanto este já estaria deseficacizado pela sentença fundada no art. 41-A da Lei 9.504/9T (Lei 9.ECO/99). (...)”. A admissão do curso deu-se em razão do provimento do Agravo de Instrumento n° 3.179. Em contra-razões, o recorrido defende o não-cabimento do recurso especial porque não indicada a hipótese do art. 276, I, do Código Eleitoral, em que ele se apoiaria e não acentado claramente o artigo dado como violado, bem como não comprovada divergência. Argumenta, em seguida, falta de potencialidade do fato ocorrido para influir no resultado do pleito e que para cassar o diploma seria necessário revolver prova. Parecer do Ministério Público Eleitoral pelo conhecimento e improvimento do recurso, com a seguinte ementa (fls. 177-178): 184 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
“Ementa: Recurso especial. Captação de sufrágio. Conduta disciplinada pela art. 41-A na Lei 9.504/97, com a redação que lhe foi conferida pela Lei 9.840/99. Penalidade pecuniária devidamente aplicada pela Corte Regional Eleitoral ao reformar a sentença monocrática que havia decidido pela improcedência da representação. Cassação de mandato de prefeito que se encontra em pleno exercício de seu mandato eletivo. Extemporaneidade. Ações próprias que náo foram devidamente ajuizadas, no momento oportuno, com o fito precípuo de impedir a diplomação do candidato eleito. Pelo conhecimento e improvimento do Recurso especial. 1. Se restou comprovado nos autos que os atos praticados pelo representação consistiram em captação de sufrágio, tendo sido o aresto vergastado proferido nos exatos termos da expressa disposição legal que rege a matérìa, insculpida no art. 41-A da Lei n.° 9.504/97, com a redação que the foi dada pela Lei 9.540/99, náo há como ser provido o presente recurso especial, que não comprovou a alegada violação a texto legal, nem tampouco o suscitado dissídio jurisprudencial. 2. Pelo conhecimento e improvimento deste apelo”. Recebi memoral pelo recorrido em que reitera a argumentaçäo contida nas contra- razões, dando ênfase à necessidade de prova robusta e incontroversa dos fatos e da relação de causalidade entre estes e o resultado das eleições. Defende, por outro lado, a observância do princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso na aplicação das leis eleitorais, afirmando que o fato atribuído ao recorrido foi insignificante na decisão do pleito. É o relatório. VOTO O SENHOR MINISTRO FERNANDO NEVES (relator): Sr. Presidente, afasto os obstáculos argüidos em contra-razões, pois, a meu ver, a falta de menção das letras do art. 276, I, do Código Eleitoral, não constitui motivo para o não-carahecimento do apelo, ainda mais quando fundamentado nas duas únicas situações ali previstas. Considero, tambem, perfeitamente identificado o dispositivo legal apontado como contrariado pelo acórdão recorrido. Trata-se do art. 1º da Lei n° 9.840, de 1999, que introduziu o art. 41-A na Lei n° 9.504, de 1997. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 185
Também são específicos os acórdãos trazidos à colação para demonstrar divergência em relação à tese de direito sustentada, qual seja, a cassação do diploma nos casos em que comprovada a captação vedada de sufrágio, ainda que não interposto recurso contra expedição de diploma. Por outro lado, não há necessidade de revolver a prova dos autos. A uma, porque no caso de captação de votos vedada por lei, não há que se indagar sobre a potencialidade de o fato influir no resultado da eleição, conforme já decidiu este Tribunal no julgamento do Recurso Especial n° 19.553, na sessão de 21.3.2002, que teve como relator o Ministro Sepúlveda Pertence A duas, porque não se controverte sobre o fato em si, isto é, sobre a existência da prática descrita no art. 41-A da Lei n° 9.504, de 1997. Na verdade, o Tribunal da Bahia assentou estar clara a ocorrência da prática ilegal e o interessado não recorreu. Assim, a conclusão a que chegou a Corte Regional não foi atacada. Apenas se questionam suas conseqüências. A Corte a quo foi firme ao reconhecer a captação irregular de sufrágio. Veja-se o seguinte trecho do voto do relator Juiz Eduardo Carvalho (fls. 112-113): “(...) Assim, temos que a prova produzida nos autos dá conta de que houve captação de sufrágio. É que, os depoimentos colhidos na instrução dão conta de ter havido entrega de bens ao casal Maria e Lourival em troca de votos para o recorrido. Nesse sentido os depoimentos das testemunhas João Galdino dos Santos, fl. 42; Agenito Novaes, fls. 43 e 44; Florisvaldo Damaceno, fl. 44 e 45; Valteice Damaceno Gomes, fls. 46 e 47; Cirilo José dos Santos fls. 47 e 48, e Zenóbia Maria Pereira Freitas, fls. 48 e 49. Além de os próprios beneficiados terem confessado o recebimento dos bens, que consistem em uma caixa d’água e um padrão de luz, fls. 53 a 55. Ora, caracterizada a compra de votos por parte do recorrido cabe a aplicação de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, a teor do art. 41-A da Lei n° 9.504/97 e a esse comando deveria ter obedecido a sentença fustigada. (...)”. Ocorre que para tal fato a lei impõe duas sanções: multa e cassação do registro ou do diploma. E, conforme firma entendimento deste Tribunal, a cassação do diploma dá-se automaticamente, mesmo quando não interposto recurso contra expedição de diploma ou ação de impugnaçáo de mandato. Lembro dois julgados sobre o tema: \"Investigação judicial eleitoral — Art. 22 da LC nº 64/90 e 41-A da Lei n° 9.534/97 — Decisão posterior à proclamação dos eleitos — Inelegibilidade — Cassação de diploma — Possibilidade — Inciso XV do art. 22 da LC n° 64/90 — Não aplicação. 186 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
1. As decisões fundadas no art. 41-A têm aplicação imediata, mesmo se forem proferidas após a proclamação dos eleitos” (REspe n° 9.587, julgado na sessão de 21.3.2002, rel. Min. Fernando Neves). \"Captação ilícita de sufrágio (L. 9.504/97, art. 41-A) — Representação julgada procedenteapós aeleição —Validadedacassação imediata do diploma: inaplicável o art. 22, XV, da LC 64/90 por não implicar declaração de inelegibilidade” (Ag n° 3.042, julgado na sessão de 19.3.2002, rel. Min. Sepúlveda Pertence). Ante o exposto, louvando o esforço do patrono do recorrido, que apresentou bem elaborado memorial conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para julgar totalmente procedente a representação e cassar o diploma concedido a Sílio Luz Souza, eleito prefeito de Jussiape, na Bahia. VOTO O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Sr. Presidente, com a devida vênia vou divergir não pelo fato de que não se tenha consumado o voto, como alegado da tribuna, mas em razão da insignificância da captação. De modo que me parece que está adequada a multa e tão-somente a multa. Nesse sentido nego provimento ao recurso. O SENHOR MINISTRO FERNANDO NEVES (relator): V. Exa. me permitiria apenas uma ponderação? A nossa jurisprudência tem caminhado no sentido de que, ao contrário dos procedimentos de abuso do poder político, em que se protegia a eleição como um todo, aqui o bem protegido é outro sim: a vontade do eleitor. Temos insistido em que basta uma única tentativa — aqui no caso houve até a efetiva compra do voto — ou oferta. O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Mas aí não houve compra e venda. Mantenho meu voto. VOTO O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Sr. Presidente, peço vênia ao Ministro Luiz Cabos Madeira, para acompanhar o Ministro Fernando Neves. ESCLARECIMENTO O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (presidente): É importante esta discussão que está posta neste caso, porque, se caminharmos para a proporcionalidade do art. 41-A da Lei n° 9.504/97, voltaremos ao sistema do art. 22 da Lei Complementar n° 64/90. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 187
Aqui creio importante ter presente que a circunstância de ser encontrada e ser demonstrada uma conduta, duas condutas ou três condutas de um determinado candidato significa que essa é a conduta que ele usou em outros casos virtuais. Ou seja, é o pico de um iceberg. E é exatamente este o sentido da alteração do art. 41-A, pois tornava-se absolutamente impossível caminharmos para as cassações de registro, considerando sempre aquela relação: proporcionalidade, etc. Esta é a observação que gostaria de fazer. Perdoe-me, Ministra Ellen Gracie. VOTO A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE: Sr. Presidente, não há nenhuma dúvida com relação ao fato? O SENHOR MINISTRO FERNANDO NEVES (relator): O acórdão aplica a multa, mil Ufirs, e até considera o fato insignificante. O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Considerou apenas que, por já estar o candidato diplomado e no exercício do mandato, não caberia mais aplicar a segunda sanção, a principal, do art. 41-A da Lei 9.504/97. A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE: Atendidas essas considerações e a finalidade didática que também têm as nossas decisões, acompanho o relator. No entanto, peso que o mandato devia ser cassado por mais um outro motivo: por ele ter tomado de volta o que entregara. VOTO O SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO: Este Tribunal, em diversos julgamentos, vem demonstrando um posicionamento induvidosamente voltado para a efetividade do processo eleitoral. Vários são os exemplos dessa postura em sua jurisprudência atual. É sabido, por outro lado, que a legislação eleitoral, pela sua manifesta fragilidade, em muito dificulta uma atuação mais ativa da Justiça Eleitoral. O caso ora posto à apreciação e julgamento é talvez o mais significativo de quantos temos tido, sendo emblemático, para usarmos uma linguagem dos nossos dias. Na medida em que a legislação foi alterada no art. 41-A da Lei n-° 9.504/97, por iniciativa Popular, dando novo enfoque ao bem jurídico a proteger, enseja-se a intervenção da Justiça Eleitoral de forma muito mais eficiente e eficaz. Com a devida venía, e em embargo da substanciosa sustentação do ilustre Advogado da pare recorrida, calcada no direito alemão e no princípio da proporcionalidade, acompanho o Ministro Relator, provendo o recurso, tendo por proceder a recamação e cassando o registro. 188 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
VOTO O SENHOR MINISTRO BARROS MONTEIRO: Sr. Presidente, também acompanho o ministro relator, data venia do Sr. Ministro Luiz Carlos Madeira. VOTO (RETIFICAÇÃO) O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Sr. Presidente, considerando as ponderações que foram feitas, reviso o meu voto e acompanho o ministro relator. ESCLARECIMENTO O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (presidente): Chamo a atenção dos colegas que se fixou algo de muito importante em relação ao art. 41-A da Lei n° 9.504/97. 1 - A desnecessidade de interposişâo de recurso contra expedição de diploma ou ação impugnação de mandato em relação às questões com base no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, ou seja, poder-se-á cassar, desde logo, o mandato ou diploma. 2 - Também ficou claro estar em jogo um ilícito de mera conduta, independente do resultado do bem protegido, a vontade do eleitor, e não o fato de ter sido entregue o bem ou vantagem. O acórdão referido da tribuna, do Ministro Sepúlveda Pertence, quando falava na necessidade de resultado, o que se exigia era a dolo específico do agente, visando obter o voto, não ter obtido voto. ESCLARECIMENTOS O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Dizer, obter apoio, salvo engano, é o caso de Aracruz. É o caso da conjugação do conselho ético que na verdade era a assembléia de pastores evangélicos da cidade. Ali se tratava de obter apoio político e não de adquirir voto. O SENHOR MINISTRO FERNANDO NEVES (relator): Foi uma promessa de campanha. O SENHOR MINISTRO LUIZ CARLOS MADEIRA: Ali era um pouco mais, era um protocolo. O SENHOR MINISTRO FERNANDO NEVES (relator): É como a Ministra Ellen Gracie levanta muito bem: está evidenciado o caráter de troca do voto, porque, quando ele teve a suspeita de que a pessoa não votou nele, foi buscar o bem de volta. O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM (presidente): O que mostra tambórn o outro lado importante da nossa decisão em relação à questão do princípio da proporcionalidade. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 189
Tem que ficar muito claro no processo eleitoral que um fato é indicador de um tipo de conduta que não aparece no conjunto dos fatos. O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: O art. 41-A realmente transformou o crirre de corrupção eleitoral, que só levava à inelegibilidade após o trânsito em julgado de decisão condenatõria, sem motivos bastantes à cassação do registro do eleitor. Pouco importa que se cuide de fato isolado ou de indicação sobre ter ou não potencial influência no resultado do pleito. 190 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO MARCELO RIBEIRO (MINISTRO DO TSE) TSE – CONSULTA Nº 1.398/DF TEMA Filiação Partidária CONSULTA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATO ELEITO. CANCELAMENTO DE FILIAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE PARTIDO. VAGA. AGREMIAÇÃO. RESPOSTA AFIRMATIVA. VOTO (VENCIDO) O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Senhor Presidente, com a devida vênia, votarei vencido. Em primeiro lugar, concordo, em tese, com tudo o que ora foi dito sobre o verdadeiro absurdo que é, hoje, essa falta de fidelidade aos partidos. Realmente, a situação é triste. Nós vemos os deputados mudando de partidos e costuma haver uma coincidência – que não posso afirmar que esteja na mente dos deputados que o fizeram, nem digo que ocorra em todos os casos, mas em muitos deles -: deputados de oposição passam para partidos da situação. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 191
Essa é uma prática que acontece há tempos em nosso país. O SENHOR MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA (relator): Se Vossa Excelência me permite, por questão de esclarecimento, o Presidente da República é filiado ao PT, que teve um deputado que se elegeu sob sua legenda e saiu do partido, e apenas um foi incorporado a esse partido. Ele continuou com o mesmo número de deputados. O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Pondero, com a devida vênia, que a base de sustentação do governo não é constituída apenas pelo Partido dos Trabalhadores. Teríamos de verificar os outros partidos que integram a base. Essa questão não é, contudo, para mim, fundamental para a resposta da consulta. Eu li o parecer da Assessoria Especial, depois ouvi atentamente a todos os votos – muito bem fundamentados – dos eminentes ministros que me precederam e minha dificuldade está em que todas essas normas que justificariam a conclusão são relativas ao período eleitoral. Não há norma na Constituição, nem em lei infraconstitucional, que diga que aquele que mudar de partido perderá o mandato. Isso, no final das contas, é o objeto da consulta. O objeto da consulta é se o partido é o titular da vaga. No fundo, isso quer dizer que, se o deputado abandona o partido pelo qual foi eleito, se ele muda de partido, perde o mandato. Se o mandato é do partido, é claro que o deputado – não existem duas vagas para cada deputado – vai perder. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (Presidente): E precisaria de uma norma diante dos princípios consagrados pela Constituição Federal? Seria acaciano. O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Há muito tempo, desde que o constitucionalismo foi instituído no ordenamento jurídico do mundo, não somente do Brasil, temos princípios e postulados implícitos e explícitos das cartas magnas. Tudo decorre do sistema. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (Presidente): O Direito não é ciência exata. A justiça seria obra da máquina, e não do homem, se o fosse. O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Se observarmos a evolução do conteúdo, na Carta Magna de 1.215, os constitucionalistas – e aqui temos a autoridade maior – chegaram a anotar a existência de princípios implícitos. O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS: É a própria teoria do controle de constitucionalidade. Não precisou de nenhuma norma explícita para que o Judiciário pudesse declarar uma norma inconstitucional. O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (Presidente): Se pudesse sopesar acórdãos, um prolatado a uma só voz e outro por maioria, daria peso maior ao prolatado por maioria. E Vossa Excelência assume, até certo ponto, cadeira que sempre ocupei! O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Senhor Presidente, devo dizer que, em relação a votos proferidos neste Tribunal, procuro, mesmo vencido, proferi-los de acordo com meu entendimento. Creio ser esta a minha obrigação. Em relação aos princípios implícitos – não desconheço que existam –, causa-me certa estranheza o fato de a Constituição estar prestes a completar dezenove anos e 192 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
esta ser a primeira vez que se proclama que há a aludida perda de mandato. Ou seja, demorou-se um pouco para se perceber esse princípio. Em relação aos artigos das leis infraconstitucionais citadas, verifico que os arts. 25 e 26 da Lei nº 9.096/95 tratam de temas diversos. O art. 26 estatui que perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito. Trata-se, como se vê, de cargo que exerça “em virtude da proporção partidária” na Casa. Isso porque, nas comissões, a participação é proporcional à expressão numérica dos partidos na Casa de Leis. Se o parlamentar deixa o partido, deixará também de exercer o cargo na comissão. O artigo 25 também não me impressiona, pois, a meu ver, não se aplica à consulta em exame. O dispositivo, que se refere ao estatuto do partido, não cuida do tema objeto da consulta. De qualquer modo, o tema em debate, ao que entendo, é de índole constitucional. Quanto à questão da perda do mandato em razão da mudança de partido por parte de parlamentar, registro, Senhor Presidente, que há precedente específico do Supremo Tribunal Federal: o Mandado de Segurança nº 20.927, relator Ministro Moreira Alves. Há, também, o Mandado de Segurança nº 26.405, relator Ministro Gilmar Mendes. Neste último só há, propriamente, o voto do Ministro Gilmar Mendes. Sua Excelência expõe essa questão, mas diz que o caso está prejudicado. A decisão do Tribunal foi acolhendo a prejudicialidade. Não há, portanto, como saber se o Supremo Tribunal acompanharia, ou não, S. Exa. naquele voto. No Mandado de Segurança nº 20.927 julgou-se o mérito; houve votos vencidos. A data do julgamento é 11.10.89. O Mandado de Segurança nº 26.405 é mais recente, de 2004. O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: O pressuposto no voto do Ministro Moreira Alves, nesse Mandado de Segurança nº 20.907, foi a adoção de sanção jurídica da perda do mandato, ou seja, a perda do mandato enquanto sanção, enquanto castigo. Agitei essa idéia e discutimos aqui coletivamente para mostrar a diferença. A premissa foi outra, pelo que estou vendo aqui, literalmente. O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Senhor Presidente, no citado precedente, o douto Ministro Moreira Alves, apreciando a questão, asseverou: “(...) Pelo sistema de representação proporcional, que é o adotado para a eleição dos Deputados, ‘estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido’ (artigo 108 do Código Eleitoral), o que estabelece, sem dúvida alguma, uma estreita vinculação entre o Partido ou a Coligação e o candidato que concorreu às eleições por um ou por outra, certo como é – e a Constituição atual o declara no artigo 14, parágrafo 3º, V – que uma das condições de elegibilidade é a filiação partidária. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 193
Em face da Emenda nº 1/69, que, em seu artigo 152, parágrafo único (que, com alteração de redação, passou a parágrafo 5º desse mesmo dispositivo por força da Emenda Constitucional nº 11/78), estabelecia o princípio da fidelidade partidária, Deputado que deixasse o Partido sob cuja legenda fora eleito perdia o seu mandato. Essa perda era decretada pela Justiça Eleitoral, em processo contencioso em que se assegurava ampla defesa, e, em seguida, declarada pela Mesa da Câmara (arts. 152, § 5º; 137, IX; e 35, § 42). Com a Emenda Constitucional nº 25/85, deixou de existir esse princípio de fidelidade partidária, e, em razão disso, a mudança de Partido por parte de Deputado não persistiu como causa de perda de mandato, revogado o inciso V do artigo 35 que enumerava os casos de perda de mandato. Na atual Constituição, também não se adota o princípio da fidelidade partidária, o que tem permitido a mudança de Partido por parte de Deputados sem qualquer sanção jurídica, e, portanto, sem perda de mandato. Ora, se a própria Constituição não estabelece a perda de mandato para o Deputado que, eleito pelo sistema de representação proporcional, muda de Partido e, com isso, diminui a representação parlamentar do Partido por que se elegeu (e se elegeu muitas vezes graças aos votos de legenda), quer isso dizer que, apesar de a Carta Magna dar acentuado valor à representação partidária (artigos 5º, LXX, “a”; 58, § 1º; 58, § 4º; 103, VIII), não quis preservá-la com a adoção da sanção jurídica da perda do mandato, para impedir a redução da representação de um Partido no Parlamento. Se o quisesse, bastaria ter colocado essa hipótese entre as causas de perda de mandato, a que alude o artigo 55. Se esses dispositivos, que denotam o valor dado pela atual Constituição à representação partidária, não tiveram o condão de impedir a mudança de Partido por parte dos titulares de mandato de Deputado – que são os eleitos, diplomados e empossados –, o terão com referência aos candidatos eleitos (...)”. Cito, agora, o voto do eminente Ministro Sepúlveda Pertence: “(...) Continuo a pensar, Senhor Presidente, cada vez que vejo a dedução das razões da posição oposta, mais me convenço de que se funda ela na idealização e no transplante, para o nosso regime positivo de representação proporcional, de uma ortodoxia do sistema, pensada em termos abstratos, que a nossa Constituição não conhece. Ortodoxia que se manifesta nesta Casa, que se manifestou no desenvolvimento das discussões do caso precedente, através do eminente Ministro Paulo Brossard, quando S.Exa. acabou por declinar que, para ele, o sistema iria ao ponto de sancionar com a perda do mandato também o titular que se desvinculasse da legenda pela qual se elegeu”. Esse, exatamente, o caso ora posto em consulta. O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: E veja o fundamento do voto do Ministro Paulo Brossard, não foi nenhum dispositivo da Constituição em apartado, topicamente considerado, pontualmente considerado, foi o sistema. 194 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Continua o voto do Ministro Sepúlveda Pertence: “No entanto, na minha convicção restou inabalada, com todas as vênias, a premissa de que parti: a falta, em nosso direito constitucional vigente, de base para decretar a perda de mandato de titular, convicção que agora acaba de receber valiosos subsídios do eminente Ministro Moreira Alves. A partir do sistema, inferir-se essa perda não me parece definitivamente autorizado pelo texto constitucional, que é – e nem poderia ser de modo diverso, tal a gravidade da sanção – exaustivo, no art. 55, a ponto de tornar explícito, por exemplo, o que seria muito mais fácil de extrair por inferências lógicas: que o Deputado que perde os direitos políticos perderá o seu mandato eletivo. Como me mantive firme na premissa de que não há base para a perda do mandato do titular que muda de legenda, também não me convenci, com todas as vênias, do distingue entre a situação do titular e a do suplente (...)”. Em seguida, cuida-se da questão relativa ao suplente e da coligação. Peço vênia para ler, agora, parte do voto do ilustre Ministro Francisco Rezek: “A Constituição de 1988 tem naturalmente um subsolo. Este consiste, basicamente, nas suas circunstâncias, no seu momento histórico. Não foi por acaso que o constituinte de 88 se omitiu de prescrever, com a riqueza vernacular quantitativa que usou em tantos temas menores, sobre a fidelidade partidária. Não quis fazê-lo por acreditar, provavelmente, que não saímos ainda daquela zona cinzenta em que nos encontramos desde os acontecimentos de 64, ou, mais precisamente, desde quando dissolvidos os antigos partidos – resultando no abandono da vida pública por homens da estatura do nosso antigo colega Oscar Corrêa. Isso é uma realidade que o constituinte deve ter querido prestigiar, e ao direito positivo me atenho. Sei que o futuro renderá homenagem à generosa inspiração cívica da tese que norteou os votos dos eminentes Ministros Celso Mello, Paulo Brossard, Carlos Madeira e Sydney Sanches. Receio não encontrar no direito pátrio, tal como hoje posto, o que me autoriza reclamar do suplente essa postura (...)”. O eminente Ministro Aldir Passarinho, ao se manifestar naquele precedente, traçou, de início, considerações de caráter histórico, para mostrar que a Constituição já previu a perda do mandato em caso de infidelidade partidária. Em seguida, averbou: “(...) Quer dizer que não houve, a meu ver, omissão na Constituição em não estabelecer o princípio de perda do mandato por infidelidade partidária, pois 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 195
o tema sempre esteve presente. E tanto é certo que na Constituição anterior, que não podia ser naturalmente esquecida dos novos constituintes, havia regra expressa nesse sentido, a qual foi, como disse, amenizada pela Emenda Constitucional nº 11”. Nesse ponto, Sua Excelência adota raciocínio também desenvolvido pelo Ministro Moreira Alves, ao qual adiro integramente. Não me parece haver espaço para invocar princípios implícitos quando a matéria foi tratada expressamente na Constituição anterior e a alusão à perda de mandato, de modo claro, foi retirada da atual Constituição. Parece-me, com a devida vênia, que o constituinte não quis que essa hipótese, de mudança de partido pelo parlamentar eleito, acarretasse a perda do mandato. excerto: Cito, ainda, do voto do Ministro Aldir Passarinho, o seguinte “A meu ver, os casos de perda de mandato, expressos no art. 55 são taxativos: os constantes dos itens I a VI. E tanto é certo que nos seus §§ 2º e 3º, expressamente se prevê o processamento a adotar quando as razões forem as dos itens I, II e VI, ou as dos itens III a V, a meu ver, sem nenhum espaço para hipóteses outras. No caso de decoro parlamentar, o § 1º do aludido art. 55 admite elastério, dizendo que é incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membros do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas. Mas nem aí se poderá incluir a hipótese de infidelidade partidária, como aliás o Ministro PAULO BROSSARD salientou no seu voto. Na verdade, o que a Constituição prevê é que é condição de elegibilidade haver a filiação a partido político. Realmente, essa é a exigência que a Constituição faz. No tocante à infidelidade partidária, bem como no pertinente à indisciplina, a Constituição expressamente remeteu a fixação das normas referentes a tais pontos aos Estatutos dos Partidos Políticos, conforme o art. 17, § 1º, o qual assegura aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina partidária. Mas, nem aí, a Constituição estabelece que, como norma de fidelidade partidária, possa ser determinada a perda do mandato político. Isso não está implícito na Constituição, e na oportunidade, não é necessário enfrentar essa questão. (...) Assim, Senhor Presidente, entendo que, na verdade, no nosso sistema, ideal seria a prevalência da vinculação aos partidos políticos, e a Constituição atual está cheia de princípios nesse sentido. Há que se prestigiar os partidos políticos, e isso deixei expresso no voto anterior, quando endossei, em tese, as razões 196 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
expendidas pelo Ministro PAULO BROSSARD. Entretanto, não se encontra na Constituição Federal, nem na legislação pertinente, nada, absolutamente nada, que implique na perda do mandato do deputado ou do senador como, também, na perda de suplência, no caso de mudança de partido (...)“. Senhor Presidente, ponho-me de acordo com os votos vencedores no writ decidido em 1989 pela Suprema Corte. Isso porque, em síntese, meu pensamento é o seguinte: a) o tema em análise foi tratado na Constituição de 67/69; b) era objeto de norma expressa; c) houve modificação no texto constitucional, de modo que, hoje, não há regra que determine a perda do mandato na hipótese em questão, pois d) o artigo 55 da vigente Constituição, em numerus clausus, elenca quais são os casos de perda de mandato e não há, no citado rol, a hipótese de mudança de partido por parte de parlamentar eleito. Nesse diapasão, concordo inteiramente com o já citado voto do Ministro Pertence, que ao mesmo tempo realça o caráter exaustivo do artigo 55 da Constituição e demonstra que, quanto ao tema, a Constituição de 1988 não se deteve sequer em face da redundância, explicitando até mesmo a hipótese de perda do mandato quando o parlamentar perde seus direitos políticos. O silêncio, no que diz respeito a mudança de partido, me parece, data venia, eloqüente. Assim, embora louve toda argumentação no sentido de se prestigiar a fidelidade partidária, não encontro razões no direito posto que autorizem a conclusão a que chegaram os doutos votos vencedores. O SENHOR MINISTRO CAPUTO BASTOS: Obviamente, longe de mim e, acredito, de qualquer membro desta Corte, tentar mudar o entendimento ou as convicções pessoais de cada um. Este é um Colegiado, nós pensamos colegiadamente, mas eu gostaria apenas de ponderar que a Constituição de 1988 também retirou do texto constitucional, que era expresso em 1969, a competência para o Supremo regulamentar os processos sob sua jurisdição. Mas, nem por ausência dessa norma, o Supremo deixou de regular. E o exemplo mais característico é a ação declaratória de constitucionalidade, que, à mingua de um texto que regulasse essa ação da competência originária, foi fixada em voto, aliás, brilhante, do Ministro Celso de Mello. O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Em relação à questão trazida por V. Exa., Ministro Caputo Bastos, penso, com a devida vênia, não interferir no raciocínio que desenvolvi. Até porque, se não me falha a memória, o que constava da Constituição de 1967/69 era a possibilidade de o Supremo Tribunal definir, em seu regimento interno, hipóteses de cabimento de recurso extraordinário, inclusive, após a Emenda 7/77, considerando a relevância da questão federal. Havia, por assim dizer, autorização para o Supremo “legislar” nesse tema. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 197
O que há na Constituição atual - para todos os tribunais e não apenas para a Suprema Corte - é a possibilidade de os regimentos internos disporem sobre a competência e funcionamento dos órgãos das cortes de justiça. Isso, todos os tribunais – inclusive o Supremo - vêm fazendo. Assim, pedindo vênia aos demais, respondo negativamente à consulta. 198 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MINISTRO BENEDITO GONÇALVEZ (MINISTRO DO TSE) STJ- RECURSO ESPECIAL - Nº 1.579.678 TEMA Improbidade Administrativa EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA FUNDAMENTADO NO ART. 10, I, DA LEI DE IMPROBIDADE. DANO AO ERÁRIO. DANO CONSUMADO NO INSTANTE EM QUE INVERTIDA A POSSE DO BEM SUBTRAÍDO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELO AGENTE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO, DIVERGINDO DO MINISTRO RELATOR. 1. Na origem, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública por improbidade administrativa em razão da subtração de 40 (quarenta) caixas de papel offset, tamanho A-4, do acervo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. O material subtraído foi restituído à Administração Pública, após apreensão pela Polícia Federal em estabelecimento comercial, tendo sido o réu, ora recorrente, condenado com fundamento no art. 10, I, da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa). 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 199
2. É inquestionável que o recorrente e os demais réus, cada um com determinado comportamento, concorreram para a subtração de 40 caixas de papel offset pertencentes à ECT, o que, inequivocamente, causou prejuízo ao patrimônio público a partir do momento em que o bem foi retirado da empresa e esteve sob a posse dos réus. A subtração das caixas de papel gerou efetiva e ilícita diminuição de patrimônio da Administração Pública e a recuperação dos bens não apaga do mundo dos fatos seu antecedente lógico, o dano ao erário, que de fato ocorreu. 3. O ressarcimento ou restituição dos bens à Administração Pública por ato daquele que praticou a conduta ímproba ou por ato de terceiro, como no caso, pode devolver o estado anterior das coisas para fins de aferição da responsabilidade pela reparação integral do prejuízo, todavia não faz desaparecer o ato de improbidade que gerou inicialmente o dano ao erário. 4. Recurso especial não provido. VOTO-VENCEDOR O EXMO. SR. MINISTRO BENEDITO GONÇALVES: Trata-se de recurso especial interposto por José Siqueira Dias Junior, face acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região - TRF5, assim ementado (fls. 617-618): ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PROVIMENTO DA APELAÇÃO. 1. Trata-se de ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de um ex-empregado dos Correios e de dois particulares. Segundo o processo administrativo disciplinar que deu ensejo à presente, os réus concorreram, no dia 26/01/2006, para a subtração de 40 caixas de papel offset tamanho A-4, causando dano ao erário no valor de R$ 4.800,00 (quatro mil e oitocentos reais); 2. Não há dúvida acerca da autoria e da materialidade dos fatos. Um dos réus confessou que fez uso de seu automóvel (uma Kombi) para ir buscar as caixas de papel, apesar de alegar desconhecimento de que participaria de um \"furto\" - trata-se de tese inverossímil, tendo em vista que o veículo precisou ser \"adesivado\" com a logomarca dos Correios, como se estivesse a serviço da empresa, e claramente não estava. O mesmo pode-se dizer de outro, que, vestido com fardamento de carteiro, mesmo sem ter nenhum vínculo com a empresa, ingressou no almoxarifado e pegou a mercadoria, como admitiu em depoimento no interrogatório policial (269/271, IPL). Já o terceiro réu, único que ostentava a condição de empregado da ECT, tergiversa que desconhecia os demais rés e que não teve nenhuma participação no ilícito, declaração negada por um corréu e também por uma testemunha; 200 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE
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