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2ªEdição da Revista de Jurisprudência do Copeje

Published by Thiago Álvares da S. Campos, 2020-12-15 23:33:31

Description: Homenagem ao Ministro Dias Toffoli

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Nesse passo, instituiu o critério do candidato médio como balizador para perquirir a licitude de atos de pré-campanha que envolvam gastos financeiros. Ilícito será, por ofensa ao princípio da igualdade de oportunidades, tão somente o ato que exija o dispêndio exorbitante de recursos que não esteja ao alcance do candidato médio. No caso sob exame, não há nenhuma prova nos autos que induza à conclusão de que houve manejo expressivo de recursos financeiros, o que afasta a suposta ilicitude da conduta exclusivamente por esta envolver dispêndio financeiro. Prossigo para a análise da licitude da forma utilizada para a manifestação, qual seja, o impulsionamento pago de conteúdo ou da página do pré-candidato. Novamente socorro-me da tese fixada pelo TSE nos suprarreferenciados julgados. Como já vem sendo debatido de forma intensa nesse Regional, a Corte Superior definiu três standards quanto ao conteúdo da manifestação de pré-campanha: o indiferente eleitoral; a manifestação com nítido conteúdo eleitoreiro, mas que não transborda o limite do pedido expresso de votos; e por último o discurso com pedido expresso de votos. Os referidos padrões acarretam diferentes consequências jurídicas. O indiferente eleitoral é questão fora da competência da Justiça Eleitoral. A manifestação contendo pedido expresso de votos é ilícita por si só, independentemente de forma ou de dispêndio de recursos. O segundo standard atrai dois critérios para sua apreciação, o primeiro já abordado acima é o respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio; o outro que passamos à análise é a impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda. Pois bem. Ocorre que, dentre as possibilidades de propaganda paga na internet, o impulsionamento de conteúdo é a única forma permitida no período eleitoral, nos termos do art. 57-C da Lei das Eleições. Logo, o seu uso não pode ofender o critério estatuído pelo TSE. Não se desconhece a interpretação literal que se faz do artigo em epígrafe e cujo resultado seria a vedação ao pré-candidato de se valer do impulsionamento, pois o texto legal faz referência exclusivamente a coligações, partidos e candidatos. Entretanto, entendo que esta interpretação literal não é a que melhor extrai o telos da lei. Repise-se, a norma em questão visa regular o uso da ferramenta no período de campanha, portanto natural que mencione a figura do candidato. Ademais, em razão do período em que ela deve se aplicar, a ratio essendi do dispositivo é voltada para proibir que terceiros custeiem diretamente gastos de campanha de candidatos quando estes estão submetidos à estrita regulação das despesas inerentes ao período de campanha. Neste ponto, peço vênias, para me valer uma última vez mais da lucidez do Ministro Fux: “Frente ao exposto, à vista das flagrantes diferenças ontológicas entre a propaganda eleitoral propriamente dita e o diálogo político travado entre atores políticos e cidadãos, nos demais momentos da vida democrática, 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 651

considero que as limitações atinentes à realização de gastos de campanha não incidem absolutamente sobre as atividades desenvolvidas no cenário pré-eleitoral.” (AgRg no AI 9-24.2016.6.26.0042) Com efeito, é essencial ressaltar que não é a interpretação pessoal deste julgador a principal razão para sustentar a possibilidade do impulsionamento no período de pré- campanha. Mas sim, o quanto já decidido pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral. A bem da verdade, o crucial para o desate do nó é que a hipótese dos presentes autos, qual seja, manifestação com viés eleitoreiro impulsionada em rede social, foi justamente a apreciada pelo TSE no julgamento paradigmático inúmeras vezes aqui referenciado, o AgR-AI 91-24 de Relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso. Verifiquemos na própria ementa do julgado: “DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL COM AGRAVO. ELEIÇÕES 2018. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a agravo nos próprios autos interposto para impugnar decisão de inadmissão de recurso especial eleitoral. 2. Na análise de casos de propaganda eleitoral antecipada, é necessário, em primeiro lugar, determinar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral, isto é, relacionado com a disputa. 3. Reconhecido o caráter eleitoral da propaganda, deve-se observar três parâmetros alternativos para concluir pela existência de propaganda eleitoral antecipada ilícita: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos. 4. No caso, conforme já destacado na decisão agravada, (i) a expressão “conclamando a todos [sic] uma união total por Calçoene” não traduz pedido explícito de votos, bem como (ii) o acórdão regional não traz informações sobre o número de pessoas que tiveram acesso à publicação ou sobre eventual reiteração da conduta, de modo que não há como concluir pela mácula ao princípio da igualdade de oportunidades. Ademais, o impulsionamento de publicação na rede social Facebook não é vedado no período de campanha, mas, sim, permitido na forma do art. 57-C da Lei nº 9.504/1997. 5. Na ausência de conteúdo eleitoral, ou, ainda, de pedido explícito de votos, de uso de formas proscritas durante o período oficial de propaganda e de qualquer mácula ao princípio da igualdade de oportunidades, deve-se afastar a configuração de propaganda eleitoral antecipada ilícita, nos termos do art. 36-A da Lei nº 9.504/1997. 6. Agravo interno a que se nega provimento.” 652 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Nesse passo, colaciono dois breves excertos do voto do brilhante Ministro Barroso que tornam ainda mais claro que a questão vertida naqueles autos não se tratava de indiferente eleitoral, mas sim de manifestação de cunho eleitoreiro impulsionada. Vejamos: “No caso, conforme assentado na decisão agravada, a mensagem veiculada traduz “pedido de apoio político e divulgação de pré-candidatura”. Confira- se trecho da referida decisão: “O TRE/AP manteve sentença que julgou improcedente a representação por propaganda antecipada em razão da utilização de link patrocinado na rede social Facebook para impulsionar a seguinte publicação: “LANÇAMENTO PRÉ CANDIDATURA CÂMARA MUNICIPAL DE CALÇOENE Às 19:00 horas já estava em terras da república do Cunani, das minas de Lourenço, das cachoeiras do Firmino e das lendas do Tarumã. Banhado pelo oceano Atlântico, o município de Calçoene tem um potencial p e s q u e i r o essencial. Fui recepcionado pelo presidente da câmara Júlio sete ilhas e pelos vereadores que compõe aquela casa de leis. Após ouvir o pronunciamento de vários vereadores, fui convidado a usar a tribuna, então me apresentei como pré-candidato ao Senado e segui explanando sobre projetos do passado, do presente e do futuro. Minha assessoria entregou o pré-projeto escrito a cada parlamentar municipal, agradeci aos aplausos e encerrei conclamando à todos [sic] uma união total por Calçoene”. 9. Assim, foi veiculada mensagem com conteúdo eleitoral, a qual, no entanto, não conta com pedido expresso de voto. (..) A respeito do meio utilizado para a veiculação, consta do acórdão recorrido somente que se trata de publicação impulsionada na rede social Facebook. Referido meio não é vedado no período de campanha, mas permitido na forma do art. 57-C da Lei 9.504/1997.” Ante todo o exposto, voto pelo provimento do recurso para julgar improcedente a representação, afastando a multa aplicada. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 653

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL ROZANE IGNÁCIO (JUÍZA DO TRE-RR) TRE/RR - RCNAD - Nº 0600178-22.2018.6.23.0000 TEMA Quitação eleitoral RELATÓRIO Trata-se de embargos de declaração interpostos por ANTONIO FRANCISCO DA SILVA em face da decisão desta Corte que acolheu a ação de impugnação do seu registro movida pelo Ministério Público Eleitoral contra sua candidatura ao cargo de deputado estadual. O acórdão (ID 39769) declarou o embargante inabilitado a participar das eleições 2018 em razão da ausência de sua quitação eleitoral por não ter prestado suas contas de campanha referente à eleição de 2014. Segue a ementa do julgado: REGISTRO DE CANDIDATURA. AIRC. AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL NO MOMENTO DO PEDIDO. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO ATÉ O FIM DA LEGISLATURA. INDEFERIMENTO. PROCEDÊNCIA 654 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Assevera o embargante, em síntese, que: • os vícios de faltas documentais foram sanados no processo de prestação de contas 838-07 de 2014 e que a irregularidade está sendo discutida e apreciada por esta Corte; • a desconstituição da suposta irregularidade foi proposta antes da impugnação, nos termos da Súmula nº 1, do TSE suspendendo possível inelegibilidade; • nestes termos vale-se dos preceitos constantes do art. 5º, XXXV da CF que diz que “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”. Requer, finalmente, o recebimento e provimento dos embargos para modificar o julgado e, reconhecendo a sua quitação, deferir seu pedido de registro de candidatura. Com vista dos autos, o Ministério Público Eleitoral manifestou (ID 66856) pela rejeição dos embargos. VOTO Antes de adentrar no mérito, relembro aos demais juízes que a razão do indeferimento do pedido de registro do embargante decorre de sua desídia com sua obrigação como candidato de prestar contas, implicando na sua ausência de quitação eleitoral. Ao inverso do alegado na peça recursal, o acórdão vergastado analisou minuciosamente todos os documentos e argumentos trazidos aos autos. A insatisfação com a decisão não autoriza que seja manejado este tipo de recurso para repetir seus argumentos com o nítido intuito de ver sua demanda rejulgada por esta Corte, utilizando-se de via imprópria para tanto, conforme já assentado inúmeras vezes pelos Tribunais Superiores. Em reforço ao argumento acima esboçado, destaco que no voto condutor do julgado esta Relatora informou ao impugnado sobre a inaplicabilidade, ao caso concreto, da Súmula TSE n.º 1 ante seu cancelamento promovido no julgamento Ac.-TSE, de 10.5.2016, no PA nº 32345, publicado no DJE de 24, 27 e 28.6.2016. Da mesma forma, o Acórdão asseverou que em razão do julgamento ter declarado como não prestadas as suas contas referente às eleições 2014, mesmo que tenha sido promovida a juntada de novos documentos com a finalidade de regularizar sua situação, persiste sua pendência até 2019, eis que a nova análise objetiva tão somente a divulgação e regularização do cadastro que passará a produzir seus efeitos apenas ao final da correspondente legislatura. Como é cediço, os embargos de declaração não se prestam ao rejulgamento da causa, devendo o inconformismo ser manejado através de recurso adequado. De acordo com esse entendimento, o Tribunal Superior Eleitoral fixa sua jurisprudência no seguinte sentido: 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 655

“O acolhimento dos embargos de declaração pressupõe a existência, no acórdão embargado, de um dos vícios previstos no art. 275 do Código Eleitoral, não se prestando, portanto, ao rejulgamento da causa por mero inconformismo da parte.” (ED-REspe nº 18110/MG, rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 03.02.2017) “Na linha da jurisprudência do TSE, “a omissão apta a ser suprida pelos declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento e prejudicial à compreensão da causa, não aquela deduzida com o fito de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador” (ED-AgR-AI nº 10.804/ PA, rel. Min. Marcelo Ribeiro, julgados em 3.11.2010).” (ED-REspe nº 64036/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 31.10.2016) “A omissão, contradição ou obscuridade, quando não ocorrentes, tornam inviável a revisão em sede de embargos, em face dos estreitos limites do art. 275 do Código Eleitoral. Os declaratórios não se prestam ao rejulgamento da matéria, pressupondo omissão, obscuridade ou contradição, de modo que o mero inconformismo da parte com o resultado do julgamento não enseja sua oposição. ”(ED-AR nº 196094/RR, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 26.09.2016) ISTO POSTO, conheço dos embargos, mas nego provimento por ausência de contradição, obscuridade ou omissão no julgado vergastado, mantendo íntegro o seu teor. É como voto. 656 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL WASHINGTON LUÍS MACÊDO DE AMORIM (JUIZ DO TRE-PE) TRE/PE - ACDN - Nº 0600001- 55.2020.6.17.0000 TEMA Querela Nullitatis Insanabilis RELATÓRIO Cuida-se de Ação Declaratória de Nulidade (Querela Nullitatis Insanabilis) manejada pelo ex-candidato a Deputado Estadual, à época das Eleições de 2018, Manuel Plácido da Silva Filho, suficientemente qualificado no id. nº 4108411, em face do acórdão transitado em julgado nos autos da Apresentação de Contas de Campanha n.º 0601846-96.2018.6.17.0000, a qual declarou não prestadas as contas, com consequente promoção de cumprimento de decisão, conforme petição nº 4154361 protocolada pela União. A pretensão se fundamenta no adiante aduzido: (1) Haver o autor se candidatado a Deputado Estadual nas Eleições de 2018 e, por consequência, recebido recursos para a realização da campanha, obrigando-se a apresentar a devida prestação de contas; 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 657

(2) Em 7 de novembro de 2018, foi apresentada prestação de contas sem, no entanto, se atentar para falta de juntada de instrumento procuratório a respectiva advogada; (3) No dia 17 de janeiro de 2019 o Diário Oficial Eletrônico da Justiça Eleitoral publicou intimação ao autor para apresentar instrumento de procuração a causídica subscritora da petição inicial, no prazo de 3 (três) dias; (4) Face à ausência do referido instrumento de mandato esta Corte Regional julgou não prestadas às contas do autor, vindo referido acórdão a passar em julgado na data de 21 de fevereiro de 2019, tendo se iniciado o processo para a cobrança e devolução dos recursos públicos gastos em campanha (ID n.º 1592211); (5) Sustenta-se haver este Regional desconsiderado a Resolução/TRE-PE n.º 324/2018 onde, no art. 12-A, prevê intimação pessoal para hipótese de candidato não eleito; (6) Da inicial se colhe que o § 1º, do art. 12-A nada mais faz senão reproduzir a norma geral editada pelo TSE na Resolução n.º 23.553/2017, quando prevê o prazo de 3 (três) dias para a parte interessada corrigir a irregularidade da representação; (7) Houve pedido de concessão de antecipação dos efeitos da tutela, visando a suspensão dos efeitos do acórdão prolatado nos autos da respectiva prestação de contas de campanha; (8) No mérito, persegue o autor a declaração de nulidade da intimação de id. n.º 925211 e demais atos posteriores; (9) Registro que, inicialmente, os autos foram distribuídos ao eminente Desembargador Eleitoral Delmiro Dantas Campos Neto (id. n.º 4109911), o qual declinou da competência para esta relatoria, em face da prevenção (art. 55, § 3º, do CPC); (10) A tutela de urgência foi indeferida (id. n.º 4147411), face da ausência dos requisitos do art. 300 do Cód.Proc.Civil (probabilidade do direito e do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo); (11) O Ministério Público opinou pela improcedência do pedido; É o relatório. VOTO Cuida-se de Ação Declaratória de Nulidade proposta por Manuel Plácido da Silva Filho, concorrente ao cargo eletivo de Deputado Estadual nas Eleições 2018, pelo PTB, em face do acórdão prolatado nos Autos da Prestação de Contas nº 0601846- 93.2018.6.17.0000. 658 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Narra haver sido candidato no sobredito pleito e, apesar de não eleito, estava obrigado por lei a prestar contas da sua campanha eleitoral. Diante disso, informa ter apresentado a dita prestação de contas de campanha, porém descurou de anexar ao inerente processo o competente instrumento procuratório a advogada. Conquanto efetivamente notificado por meio do Diário Oficial Eletrônico da Justiça Eleitoral para regularizar a representação processual, no prazo de três dias, quedou-se inerte. Ao analisar o processo em destaque, o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco julgou as contas não prestadas por defeito de representação, em virtude da ausência de procuração da advogada que subscreveu. O acórdão restou assim ementado: ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO. ADVOGADO. AUSÊNCIA. INTIMAÇÃO. PRAZO. DECURSO IN ALBIS. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. 1. A Secretaria Judiciária certificou que a prestação de contas veio desacompanhada de instrumento de procuração e que, diante da ausência do instrumento de procuração, o requerente foi devidamente notificado nos termos do § 1º do art. 101 da Resolução TSE nº 23.553/2017 c/c o § 1º do art. 12-A da Resolução TRE-PE nº 324/2018 para, no prazo de 3 (três) dias, apresentar instrumento de procuração, sob pena de serem as contas julgadas não prestadas. 2. O referido prazo decorreu in albis (conforme certificado). 3. Por se tratar a capacidade postulatória de pressuposto processual de existência, portanto, matéria de ordem pública, seu conhecimento pode se dar de ofício a qualquer tempo e grau de jurisdição. 4. Nesse diapasão, como pressuposto de existência processual, a ausência de qualquer instrumento de mandato inviabiliza a postulação inicial e, com isso, torna-se sem qualquer efeito a apresentação dos documentos a título de prestação de contas. 5. A exigência decorre da natureza jurisdicional do processo de prestação de contas e é prevista em vários dispositivos da Resolução/TSE n.º 23.553/2017, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições. 6. Contas julgadas não prestadas. De modo consequente, o referido acórdão transitou em julgado em 21 (vinte e um) de fevereiro de 2019, no que se iniciou o processo de devolução dos recursos públicos gastos na campanha. Giza o art. 12-A da Resolução/TRE-PE nº 324/2018, in verbis: “Art. 12-A. Apresentadas as contas finais, após a verificação dos dados do processo, a SJ deverá providenciar imediatamente a publicação, no DJE, do edital previsto no artigo 59 da Res.-TSE nº 23.553/2017. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 659

§ 1º Se, na verificação dos dados do processo, for constatada a ausência de advogado constituído ou da procuração, a SJ deverá, independentemente de despacho do Relator, notificar, de imediato, o prestador para, no prazo de 3 (três) dias, regularizar a representação processual, sob pena de serem as contas julgadas como não prestadas. § 2º A notificação prevista no § 1º será realizada: I - via endereço eletrônico, informado no pedido de registro, quando o processo for de candidato eleito e de seus três primeiros suplentes; ou II – pessoalmente, quando o processo for de candidato não eleito ou de partido político (Artigo acrescido pela Res. nº 333/2018). Por sua vez, o art. 72 da Resolução TSE 23.553/2017 possui a seguinte redação: Art. 72. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados (Lei nº 9.504/1997, art. 30, § 4º). § 1º As diligências devem ser cumpridas pelos candidatos e partidos políticos no prazo de 3 (três) dias contados da intimação, sob pena de preclusão. § 2º Na fase de exame técnico, inclusive de contas parciais, a unidade ou o responsável pela análise técnica das contas pode promover circularizações, fixando o prazo máximo de 3 (três) dias para cumprimento. § 3º Determinada a diligência, decorrido o prazo do seu cumprimento com ou sem manifestação, acompanhados ou não de documentos, os autos serão remetidos para a unidade ou o responsável pela análise técnica para emissão de parecer conclusivo acerca das contas. § 4º Verificada a existência de falha, impropriedade ou irregularidade em relação à qual não se tenha dado ao prestador de contas prévia oportunidade de manifestação ou complementação, a unidade ou o responsável pela análise técnica deve notifica-lo, no prazo do § 2º e na forma do art. 101 desta resolução. 660 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

§ 5º Somente a autoridade judicial pode, em decisão fundamentada, de ofício ou por provocação do órgão técnico, do Ministério Público ou do impugnante, determinar a quebra dos sigilos fiscal e bancário do candidato, dos partidos políticos, dos doadores ou dos fornecedores da campanha. § 6º Nas diligências determinadas na prestação de contas, a Justiça Eleitoral deverá privilegiar a oportunidade de o interessado sanar, tempestivamente e quando possível, as irregularidades e impropriedades verificadas, identificando de forma específica e individualizada as providências a serem adotadas e seu escopo. O art. 101 do referido normativo (Resolução TSE 23.553/2017) dispõe, expressis verbis: Art. 101. As intimações relativas aos processos de prestação de contas devem ser feitas na pessoa do advogado constituído pelo partido político ou pelo candidato, devendo abranger: I - na hipótese de prestação de contas de candidato à eleição majoritária, o titular e o vice ou suplente, conforme o caso, ainda que substituídos, na pessoa de seus advogados; II - na hipótese de prestação de contas relativa à eleição proporcional, o candidato, na pessoa de seu advogado; III - na hipótese de prestação de contas de órgão partidário, o partido político, o presidente e o tesoureiro, bem como seus substitutos, na pessoa de seus advogados. § 1º Na prestação de contas de candidato eleito e de seu respectivo partido político, a intimação de que trata este artigo deve ser feita, preferencialmente, por mural eletrônico, ou por outro meio eletrônico que garanta a entrega ao destinatário. § 2º Na prestação de contas de candidato não eleito, a intimação deve ser feita pelo órgão oficial de imprensa. § 3º Se não houver na localidade publicação em órgão oficial, incumbirá ao chefe do cartório eleitoral ou à Secretaria Judiciária intimar o advogado: I - pessoalmente, se tiver domicílio na sede do juízo; II - por carta registrada com Aviso de Recebimento (AR), quando for domiciliado fora do juízo. § 4º Na hipótese de não haver advogado regularmente constituído nos autos, o candidato e/ou partido político, bem como o presidente, o tesoureiro 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 661

e seus substitutos, devem ser notificados pessoalmente na forma do art. 8º da resolução que dispõe sobre as representações e reclamações para as eleições, para que, no prazo de 3 (três) dias, constitua defensor, sob pena de serem as contas julgadas não prestadas. Registre-se, de logo, constar dos autos certidão da Secretaria Judiciária desta Corte Eleitoral (id 1027861) nos seguintes termos, in verbis: “Certifico que, em 22/1/2019, foi publicado, no DJE, o Edital referente à presente Prestação de Contas, tendo decorrido o prazo legal, sem que tenha havido impugnação prevista na Resolução TSE nº 23.553/2017, art. 59, caput, ao (a) requerente. Certifico, ainda, o decurso de prazo sem que o/a candidato/a tenha apresentado procuração” (sic) -destaquei- Nessa linha de intelecção, tanto a norma do TSE, como a complementar do TRE/PE, prevê intimação pessoal, na hipótese de candidato não eleito. Assinalam-se decisivas as premissas de base aqui estabelecidas, porquanto, não obstante se tratasse de candidato não eleito, a publicação para regularizar a prestação de contas do aqui autor se deu via DJE, o que contraria os comandos normativos atinentes à espécie. Destaco que no caso em debate inexistia advogado regularmente constituído, tanto assim foi que se facultou prazo para juntada da procuração, sob pena das contas serem julgadas não prestadas. Por conseguinte, o ato processual não atingiu a sua finalidade, qual seja, dar ciência pessoal ao autor para nomear profissional legalmente habilitado, sob as penas da lei. Tratando-se de candidato não eleito, cujo advogado não se achava legalmente constituído, tenho como inválida à publicação levada a efeito via DJE, porque manifesta a presença de vício no procedimento, face à omissão de formalidade que constitui elemento essencial do ato. A invalidade do ato processual ocorre quando o ato processualmente defeituoso é realizado, e o mesmo não pode ser aproveitado para a continuidade e pratica do processo. O ato defeituoso, como sabido, enseja: a) processo injusto e ilegal; b) exercício incorreto e parcial da função jurisdicional; c) desrespeito aos direitos fundamentais e normas de ordem pública e d) insegurança jurídica. A sanção imposta ao desrespeito gera inexistência ou nulidade absoluta, em homenagem ao devido processo legal. Sobre o tema calha a doutrina do festejado Ovídio A. Baptista da Silva: “Os atos processuais, como todos os atos jurídicos, podem apresentar certos vícios que os tornem inválidos e ineficazes. No campo do processo civil, estes 662 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

vícios em geral, decorrem da inobservância de forma por meio da qual um ato determinado deveria realizar-se. Observe-se que o conceito de forma, aqui deve corresponder ao modo pelo qual a substância se exprime e adquire existência, compreendendo, além de seus requisitos externos, também as circunstâncias de tempo e lugar, que não deixam de ser igualmente modus por meio dos quais os atos ganham a existência no mundo jurídico.” (Curso de processo civil, 8. Ed., São Paulo, Ed. RT, 2008, vol. 1, t. I). Bem de ver, ainda, que reforçam a doutrina do sobredito Ovídio Baptista a eminente professa Teresa Arruda Alvim Wambier, na obra “Nulidades do processo e da sentença” Ed. RT, 2007, p. 188-189, ao propor uma divisão das nulidades diversa do binômio relativa - absoluta. Citada doutrinadora as divide em nulidades de fundo e nulidades de forma (ou de rito). Segundo a festejada jurista as primeiras seriam, por natureza, relativas, salvo se houver previsão legal expressa. As últimas, por sua vez, só seriam absolutas se expressamente previstas em lei. Segundo essa sistematização, a nulidade de forma seria aquela que ocorre quando a fórmula do ato não é seguida. Em outras palavras, quando a lei dispõe sobre um modo de praticar o ato e este não é observado, tem-se a nulidade de forma. Assim, as nulidades de forma são em regra relativas, contudo, a lei pode dispor sobre seu caráter absoluto. As nulidades de fundo, por sua vez, seriam aquelas decorrentes dos vícios relacionadas às condições da ação, aos pressupostos processuais de existência e validade (denominados pressupostos positivos), bem como, todas as espécies de nulidades (denominadas pressupostos negativos). No que se refere ao tempo da alegação, não há preclusão em se tratando de nulidade absoluta. A classificação em nulidade de fundo ou de forma deixa como principal legado a necessidade de valoração axiológica do motivo da existência da forma. Por isso, serve como referência para a valoração do motivo da existência da forma do ato no momento do juízo de invalidação. De tal conduto, a inobservância das exigências legais, com a realização dos atos processuais em desconformidade com o modelo legal, gera a invalidade do processo no todo ou em parte, ocasionando que a professora Teresa Wambier coloca como nulidade de fundo, contudo, em analisando o presente caso, há, também, nulidade de forma. O desacordo com as condições de validade impostas pelo direito objetivo que gera a imperfeição jurídica do ato ou sua inviabilidade jurídica é a nulidade. A ausência de nulidade processual é condição para o regular desenvolvimento do processo. Para que o ato seja considerado invalido, o ato deve concomitantemente ser defeituoso processualmente e ocasionar em prejuízo. Entende-se por prejuízo a capacidade do defeito de impedir que a finalidade do ato seja atingida, tradicionalmente denominado na doutrina como o princípio da “pas de nullité sans grief”, isto é, princípio de que “não há nulidade processual sem prejuízo.” 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 663

No Código de Processo Civil isto está disposto no artigo 249 § 1.º e no artigo 250. De efeito, o postulado do pas de nullité sans grief exige a demonstração de prejuízo concreto àquele que suscita vício processual, independentemente da sanção prevista para o ato. Na espécie, o vício de forma causou prejuízo concreto, com o julgamento pela não prestação das contas do autor e devolução do valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), além da falta da quitação eleitoral e consequências dela decorrente. Por outro lado, nos termos do art. 21 do Código Eleitoral, os tribunais e juízes inferiores devem dar imediato às decisões, mandados, instruções e outros atos emanados do Tribunal Superior Eleitoral. No caso concreto, a Resolução TSE 23.553/2017 estabelece no § 4º, do art. 101, que na hipótese de não haver advogado regularmente constituído nos autos, o candidato e/ou partido político, bem como o presidente, o tesoureiro e seus substitutos, devem ser notificados pessoalmente na forma do art. 8º da resolução que dispõe sobre as representações e reclamações para as eleições, para que, no prazo de 3 (três) dias, constitua defensor, sob pena de serem as contas julgadas não prestadas. Não há a negar ser a via eletrônica rotineira forma de intimação, entretanto, para advogado regularmente constituído nos autos, circunstância não ocorrente na espécie, tanto assim foi que se determinou a intimação do autor para regularizar. A falha na modalidade da intimação realizada desobedeceu à norma insculpida no art. 12-A da Resolução/TRE-PE 324/2018, ofendendo, por conseguinte, a ampla defesa e o contraditório, resultando na inexistência do processo, atingindo, inclusive, o trânsito em julgado. Referidos princípios da ampla defesa e contraditório são, na verdade, a expressão precisa do processo participativo, em que as partes interessadas têm assegurados direitos, oportunidades e possibilidades substancialmente idênticas, pela forma consagrada, lapidarmente, pelo inciso LV, do artigo 5º, da Constituição da República. Entendo, dessa forma, que a falha na intimação apontada possui potencial transrescisório, o que afasta a formação da coisa julgada, gerando a nulidade da relação processual de que é originária. Na hipótese submissa, seria uma capitis diminutio o autor não receber a comunicação, enquanto cidadão comum, quando as resoluções assim prescrevem. Posto isso, voto pela procedência do pedido, para o fim de declarar a nulidade da notificação de ID 925211, invalidando todos os atos dela posteriores, inclusive o acórdão proferido no processo nº 0601846-93.2018.6.17.0000, para que seja efetuada a intimação pessoal do autor, nos termos do art. 12-A da Resolução/TRE-PE nº 324/2018 c/c o § 4º, do art. 101, da Resolução TSE 23.553/2017, para outorgar procuração a causídica subscritora da exordial e/ou outro profissional da confiança do primeiro, seguindo-se os ulteriores termos até oportuno julgamento, quando deverá ser analisada a prestação de contas, na forma legal. É como voto, Senhor Presidente. 664 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL TELSON LUIS CAVALCANTE FERREIRA (JUIZ DO TRE-DF) TRE/DF - RCNAD - Nº 0601072-42.2018.6.0000 TEMA Tutela Provisória DECISÃO Trata-se de pedido de tutela provisória formulado pelo Ministério Público Eleitoral, em Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura, contra o senhor ANTONIO LUIZ DIONIZIO DOS SANTOS, candidato ao cargo de Deputado Distrital pela Coligação BRASÍLIA ACIMA DE TUDO. O impugnante argumentou, em suma, que o candidato não está em pleno gozo dos direitos políticos, pois não está quite com a Justiça Eleitoral, já que teve as contas relativas à sua campanha para cargo eletivo nas Eleições de 2014 julgadas não prestadas pelo TRE-DF. Sustentou, ainda, a necessidade do deferimento da liminar, antes do fim do prazo para impugnação, pela latente falta de condição de elegibilidade do pretenso candidato. Ao final, requereu a tutela provisória para, dentre outras medidas, suspender o recebimento de recursos eleitorais por parte do candidato. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 665

A douta Procuradoria juntou aos autos decisão proferida pelo TRE-PA, que concedeu tutela provisória para impedir a utilização dos recursos do fundo partidário e fundo especial de financiamento de campanha por parte de candidato indiscutivelmente inelegível. É o relatório. Nessa fase processual, passo a decidir exclusivamente o pedido de tutela provisória formulado pelo MPE. Analisando os autos, em especial, o pedido liminar realizado na ação de impugnação apresentada, percebe-se que a Douta Procuradoria defende a tese de que os candidatos que forem manifestamente inelegíveis não devem sequer receber os recursos públicos destinados à campanha eleitoral. Na visão do Ministério Público, quando o candidato não preencher as condições de elegibilidade ou incorrer em alguma causa de inelegibilidade, justifica-se “a inversão do ônus temporal do devido processo legal” para extirpar, de logo, esse candidato do pleito, evitando-se, assim, medidas protelatórias e insegurança política com a tramitação do processo judicial. Registre-se que tal tese ganhou repercussão nacional após decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux, em um caso que pedia o indeferimento da candidatura do Ex-Presidente Lula. Naquele caso, o então Presidente do TSE indeferiu o pedido por falta de legitimidade da parte, porém, defendeu que a Justiça Eleitoral não permitisse candidatos com “inelegibilidades chapadas”. Feitos tais registros, passo a analisar o pleito de tutela provisória sob o aspecto processual e material. Com base no Código de Processo Civil, a Procuradoria formula os seguintes pedidos, inaudita altera pars: \" b) o deferimento liminar de tutela provisória, ainda antes do fim do prazo para impugnação (LC n. 64, art. 3º), para: b.i) suspender a utilização do horário eleitoral gratuito pela parte impugnada; b.ii) suspender o dispêndio dos recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha pela parte impugnada; b.iii) determinar o depósito em conta bancária judicial do montante a que se refere o item anterior (b.ii) eventualmente já disponibilizado pelo partido/coligação à parte impugnada; b.iv) eventualmente, caso os itens b.ii e b.iii não sejam deferidos, pugna pelo provimento liminar do condicionamento do gasto dos valores do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha ao depósito judicial de caução em bens desimpedidos e montante equivalente aos repasses que lhe caberiam; 666 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

b.v) a imposição de multa cominatória (astreinte), por dia de atraso do cumprimento da decisão liminar especificada nos subitens anteriores (b.i,b.ii, b.iii e b.iv);\" Concessa maxima venia à Douta Procuradoria, mas tais pleitos não devem ser atendidos. Primeiramente, certifica-se a ausência de base legal para o deferimento do pleito provisório. A ação de impugnação de registro de candidatura encontra disciplina e rito processual próprio nos arts. 3º e seguintes da LC nº 64/90 e nos arts. 38 e seguintes da Resolução do TSE nº 23.548/18. Em momento algum da norma processual de regência consta o cabimento de tutela provisória, muito menos, permite liminar para suspender a realização de atos de campanha e impedir o recebimento de fundos eleitorais pelos candidatos. Inexiste previsão legal para tais intentos. É certo que o douto MPE, ciente da inexistência de previsão nas normas eleitorais, invocou a aplicação subsidiária e supletiva do Código de Processo Civil. A Procuradoria justifica o cabimento e a presença dos pressupostos para o deferimento da liminar ao afirmar que: “3.2. É sabido que a tutela provisória compreende a tutela de urgência antecipada de caráter incidental, a qual, por sua vez, comporta provimento liminar (CPC, arts. 294,caput e parágrafo único, e 300, §2º). No contexto das ações de impugnação de registro de candidatura, em que já se iniciaram os atos de campanha e é iminente o gasto de vultoso financiamento público, a apreciação liminar inaudita altera pars, para ser eficaz, deve se antecipar ao fim do prazo de cinco dias para outras impugnações (LC n. 64, art. 3º) e, obviamente, à oitiva da parte requerente da candidatura.” Em relação à irreversibilidade da medida pleiteada, o MPE entende que: “3.2.III - Importa consignar ainda que, por outro lado, não há irreversibilidade de eventuais (e, diga-se, improváveis) prejuízos à candidatura, porquanto, se advier, em poucos dias, decisão definitiva dessa egrégia Corte Regional Eleitoral pelo deferimento da candidatura, a liminar ora pleiteada será imediatamente revogada. Tal ocorreria muito em breve, face ao curto rito das impugnações de registro de candidatura (LC n. 64, arts. 3º e ss) e o requerente teria ainda mais da metade do período de campanha para dispender todo o recurso retido, justamente, na reta final do pleito, quando as propagandas e os gastos eleitorais têm mais impacto no resultado das eleições.” É importante consignar que o Colendo Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Resolução nº 23.478/16, que versa sobre a aplicação do novo CPC na Justiça Eleitoral, deixou bastante claro que os ritos e procedimentos processuais específicos da 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 667

legislação eleitoral devem ser preservados como concebidos na norma, pois levam em consideração as especificidades e necessidades da Justiça Especializada, evitando-se, assim, aplicar institutos de outras Justiças que prejudique a rápida tramitação dos feitos eleitorais. \"Art. 2º Em razão da especialidade da matéria, as ações, os procedimentos e os recursos eleitorais permanecem regidos pelas normas específicas previstas na legislação eleitoral e nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral. Parágrafo único. A aplicação das regras do Novo Código de Processo Civil tem caráter supletivo e subsidiário em relação aos feitos que tramitam na Justiça Eleitoral, desde que haja compatibilidade sistêmica.\" Na espécie, é imperativo que seja mantido incólume o rito próprio do processamento dos pedidos de candidatura (art.3 e seguintes da LC 64/90 e art. 38 da Resolução nº 23.548), que exigem rápida tramitação para julgamento do mérito, sob pena de prejuízo do cumprimento do calendário eleitoral. Logo, entendo inexistir compatibilidade sistêmica entre o novo pleito do ministério público e o rito específico do registro de candidatura. Assim, inaplicável o CPC de forma subsidiária e supletiva, ex vi do art. 2º da Resolução 23.478/16. Mesmo que ultrapassada a barreira de inexistência de previsão legal e permitindo a adoção subsidiária da Lei Adjetiva Civil, como defende o MPE, o autor do pedido não tem melhor sorte, pois não está demonstrado no presente caso a presença dos requisitos autorizadores para o deferimento da medida, conforme exige o caput do art. 300 do CPC: “Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. O impugnante sustenta, para fins de probabilidade do direito, que o candidato não terá o registro deferido, pois teve as suas contas de campanha de 2014 julgadas não prestadas e, com base no art. 58,I, da Resolução nº 23.406/14, é carecedor de quitação eleitoral, logo, falta condição de elegibilidade relativa ao pleno gozo de direitos políticos, exigido pela Lei das Eleições (art.11, §1º, VI e §7º) e pela Constituição Federal (art. 14,§3º, II). No que tange ao perigo da demora, o MPE argumenta, em síntese, que a realização de atos próprios de campanha e a utilização de recursos públicos por candidato inequivocamente inelegível prejudica os cofres públicos e acarreta insegurança política para o pleito eleitoral. Ademais, aguardar a tramitação e o pronunciamento final da Justiça Eleitoral apenas para atestar o indeferimento do registro desrespeita a eficiência e celeridade processual. 668 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Compreendo as razões do Douto MPE, mas a novel dinâmica que se pretende emprestar ao processo de registro de candidatura não deve ser admitida. No Estado Democrático de Direito, as normas processuais e materiais preestabelecidas devem ser respeitadas e aplicadas objetivando garantir o devido processo legal e a segurança jurídica, pois é direito subjetivo das partes saberem as regras do jogo e dever do Estado Juiz prezar pelo seu rigoroso atendimento, sob pena de falecimento de todo o sistema jurídico. A competência para analisar se a pessoa pode ou não ser candidata é exclusiva da Justiça Eleitoral (art.2º, da LC nº64/90) [1],em processo judicial específico, respeitado o devido processo legal e o contraditório, constantes no rito estabelecido no art. 3º, da LC 64/90 e na Resolução nº 23.548/18. Segundo o parágrafo único do art. 51 da Resolução nº 23.548, o juiz não pode decidir sem ouvir a parte impugnada, ou seja, é obrigado a respeitar a dialética processual. Veja-se, in verbis: “Parágrafoúnico. Constatadaqualquer das situaçõesprevistas no caput, o relator, antes de decidir, deve determinar a intimação prévia do interessado para que se manifeste nos termos do art. 3º da Lei Complementar no 64/1990” Pela pertinência, transcreva-se os seguintes trechos do parecer emitido pelos Ex- Ministros do TSE, Fernando Neves e Henrique Neves, encomendado pela defesa do Ex- Presidente Lula, que trata da matéria: “Porém, independentemente da maior ou menor complexidade dos temas versados, a análise desses pedidos e impugnações deverá ser conduzida de forma uniforme, já predefinidas nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral, com plena observância dos preceitos do Tribunal Superior Eleitoral, com plena observância dos preceitos e prazos contidos na Lei Complementar 64/90 para que se possa tentar decidir todos os processos no impossível prazo previsto no art. 16,§1º, da Lei 9.504/97, de acordo com redação dada pela Lei 13.165/2015, que estipulou que todos os registros de candidatura devem estar solucionados, nas instâncias ordinárias, até vinte dias antes da eleição. (...) Além da incidência dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, a necessidade de assegurar o direito de o candidato se manifestar sobre a possível incidência de algum impedimento também encontra respaldo na impossibilidade de ser proferida decisão surpresa.” Registre-se que os processos judiciais exigem que a dialética entre as partes seja respeitada, pois é importante lembrar que a parte contrária pode trazer aos autos fatos e provas suficientes para desconstruir a versão da outra. Em resumo: RECONHECER DE PLANO UMA “INELEGIBILIDADE CHAPADA”, ACARRETA UMA “CHAPADA INCONSTITUCIONALIDADE”. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 669

Assim, o pleito do MPE de impedir de plano a realização de atos de campanha por parte do candidato encontra obstáculos processuais instransponíveis, uma vez que impõe-se assegurar o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, todos insculpidos na nossa Carta Magna. Por outro lado, a Constituição Federal e as normas eleitorais vigentes optaram por conferir ao cidadão/candidato a presunção de elegibilidade, ou seja, enquanto a Justiça Eleitoral não decidir pelo indeferimento do registro, o candidato poderá realizar todos os atos de campanha. O Código Eleitoral Brasileiro, no art. 3º, diz que: “Qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo, respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e incompatibilidade.” Na mesma linha é o que assenta o art. 11 da Resolução nº 23.548/18, que versa exatamente sobre o processo de registro de candidatura para as eleições de 2018: “Art.11.Qualquercidadãopodepretenderinvestiduraemcargoeletivo,respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e de incompatibilidade, desde que não incida em quaisquer das causas de inelegibilidade (Código Eleitoral, art. 3º,e Lei Complementar nº 64/1990,art. 1º).” Os dispositivos citados não deixam dúvidas que qualquer cidadão pode requerer à Justiça Eleitoral o deferimento de sua candidatura, por força, inclusive, do direito constitucional de ação. E como já dito acima, a lei confere ao candidato o status e direitos de candidato enquanto o processo estiver sobre julgamento. É o que afirma claramente a Lei das Eleições: “Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior. \" Parágrafo único. O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato. Art. 16-B. O disposto no art. 16-A quanto ao direito de participar da campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito, aplica-se igualmente ao candidato cujo pedido de registro tenha sido protocolado no prazo legal e ainda não tenha sido apreciado pela Justiça Eleitoral.” 670 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Invoque-se, também, o seguinte julgado do TSE: “Mandado de segurança. Indeferimento de registro. Realização de atos de campanha. 1. O art. 45 da Res.-TSE nº 23.373 - que reproduz o teor do art. 16-A da Lei nº 9.504/97 - expressamente estabelece que o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter o seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição. 2. Não se pode - com base na nova redação do art. 15 da Lei Complementar nº 64/90, dada pela Lei Complementar nº 135/2010 - concluir pela possibilidade de cancelamento imediato da candidatura, com a proibição de realização de todos os atos de propaganda eleitoral, em virtude de decisão por órgão colegiado no processo de registro, sobretudo porque, caso sejam adotadas tais medidas, evidentemente as candidaturas estarão inviabilizadas, quer em decorrência do manifesto prejuízo à campanha eleitoral, quer pela retirada do nome do candidato da urna eletrônica.” (Agravo Regimental em Mandado de Segurança nº 88673, Acórdão de 25/09/2012, Relator Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 25/09/2012, RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 24, Tomo 3, Data 25/09/2012, Página 374) Logo, a lei e a jurisprudência concedem direito ao candidato de realizar atos de campanha durante a definição do seu registro de candidatura. Outro ponto que merece registro é a afirmação da douta Procuradoria Regional Eleitoral de que a concessão da tutela é importantíssima diante da irreversibilidade do retorno aos cofres públicos do dinheiro entregue ao candidato inelegível. Data venia ao entendimento ministerial, mas entendo o contrário. Recursos podem ser devolvidos, mas dias de campanha não. Frise-se que a legislação processual veda a concessão de liminares que impossibilitem a reversibilidade da medida. Veja-se o que diz o §3º, do art. 300, do CPC: “§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.” Com a redução do prazo de campanha, cada dia perdido pode influenciar e prejudicar o desempenho do candidato e desequilibrar a disputa eleitoral. Acrescente-se o fato de que os partidos e candidatos precisam de recursos financeiros para adquirir produtos e pagar serviços relativos à campanha eleitoral. Outrossim, em que pese os recursos serem de origem pública, após a distribuição da verba aos partidos políticos, por força de lei, cabe aos partidos políticos decidir quem serão os candidatos da sua agremiação e a forma de distribuição dos recursos financeiros, por força da autonomia dos partidos políticos (art. 17, da Constituição 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 671

Federal). Logo, os partidos assumem o risco de investir em candidato que terá sua candidatura questionada. Portanto, entendo que a lei agiu bem ao conceder o direito aos candidatos de realizarem suas campanhas, pois indiretamente preserva-se a igualdade de condições no pleito. Por fim, é importante registrar que a medida solicitada pelo MPE pode acarretar incidentes processuais que prejudiquem a rápida tramitação dos milhares de pedidos de registros que aguardam decisão do TRE. De acordo com a legislação eleitoral e o calendário fixado pelo TSE, os Tribunais Eleitorais devem julgar todos os pedidos de registros e impugnações até o dia 17 de setembro do corrente ano [2]. Assim, é imprescindível que o rito processual seja claro, célere e respeitada a prioridade na tramitação conferida pela Lei[3]. ANTE O EXPOSTO, em especial, ausência de previsão legal e falta dos pressupostos, indefiro o pedido de tutela provisória formulada pelo Ministério Público Eleitoral, assegurando que a suposta falta de elegibilidade será examinada no julgamento do mérito da impugnação, na forma estabelecida no art. 7º da LC 64/90. Com base no art. 4º da LC 64/90, determino a citação da parte impugnada para, querendo, apresentar contestação no prazo de 7 (sete) dias. Proceda-se, imediatamente, com os demais trâmites do Registro de Candidatura. Publique-se. Registre-se. Intimem-se Brasília/DF, 27 de agosto de 2018. TELSON FERREIRA Desembargador Eleitoral Relator _________________________________________________ [1]Art. 2º Compete à Justiça Eleitoral conhecer e decidir as argüições de inelegibilidade. [2]“Art. 16. Até vinte dias antes da data das eleições, os Tribunais Regionais Eleitorais enviarão ao Tribunal Superior Eleitoral, para fins de centralização e divulgação de dados, a relação dos candidatos às eleições majoritárias e proporcionais, da qual constará obrigatoriamente a referência ao sexo e ao cargo a que concorrem. § 1o Até a data prevista no caput, todos os pedidos de registro de candidatos, inclusive os impugnados e os respectivos recursos, devem estar julgados pelas instâncias ordinárias, e publicadas as decisões a eles relativas.“ [3]§ 2o Os processos de registro de candidaturas terão prioridade sobre quaisquer outros, devendo a Justiça Eleitoral adotar as providências necessárias para o cumprimento do prazo previsto no § 1o, inclusive com a realização de sessões extraordinárias e a convocação dos juízes suplentes pelos Tribunais, sem prejuízo da eventual aplicação do disposto no art. 97 e de representação ao Conselho Nacional de Justiça. 672 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL ADRIANA CAVALCANTI (JUÍZA DO TRE - RN) TRE/RN - RE - Nº 85-52.2019.6.20.0002 TEMA Competência RELATÓRIO Trata-se de recurso eleitoral interposto por José Geraldo Moura da Fonseca em face de sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Zona Eleitoral, que indeferiu o pedido de avocação de duas ações penais em trâmite na Justiça Federal (fls. 379/383). Em suas razões recursais (fls. 384/414), o recorrente sustenta que, como a Justiça Eleitoral é competente para processar e julgar os crimes eleitorais e os crimes comuns que lhe são conexos, o Inquérito nº 76-27.2018.6.20.0002, em curso perante o Juízo da 2ª Zona Eleitoral de Natal, deveria atrair, por conexão, as Ações Penais nº 0805556- 95.2017.4.05.8400 (Operação Manus) e 0812330-44.2017.4.04.8400 (Operação Lavat), ambas atualmente com trâmite na 14ª Vara da Seção Judiciária Federal do RN. Alega o recorrente que o Inquérito nº 76-27.2018.6.20.0002 foi instaurado para apurar possível prática do crime previsto nos arts. 299 e 350, ambos do Código Eleitoral, 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 673

e que o Juízo da 14ª Vara Federal, ao tomar conhecimento dos diversos fatos imputados ao então candidato Henrique Eduardo Lyra Alves ao Governo do Estado, nas eleições de 2014, e de diversas doações feitas ao seu partido (MDB), teria, de forma indevida, escolhido apenas um evento para fins de investigação na seara eleitoral, negando a conexão entre os supostos crimes comuns e eleitorais, e também refutando a arguição de ilegalidade no desmembramento dos fatos que entendeu ser de competência da Justiça Federal e da Justiça Eleitoral. Sustenta o recorrente ser aplicável, ao caso em exame, a recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Inquérito nº 4435, o qual reconheceu a competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar os crimes eleitorais e os crimes comuns conexos àqueles. Afirma o recorrente que a motivação eleitoral dos crimes imputados aos réus, dentre os quais o ora recorrente, ficou evidenciada nas duas referidas ações penais propostas perante a Justiça Federal. Nesse sentido, aduz que “todos os fatos, nos três procedimentos, versam sobre o alegado financiamento ilegítimo de campanhas”. Acrescenta que “Salta aos olhos, pois, que os fatos incriminados na denúncia da Operação Manus podem caracterizar em tese crimes comuns, mas todos eles com motivação, fins e propósitos eleitorais” e que “De igual forma na Operação Lavat, cujas imputações se podem resumir também com transcrições literais da própria denúncia, em cujo pórtico o Ministério Público assegura o caráter precipuamente eleitoral da acusação, posto que os recursos ilícitos arrecadados tiveram por destino despesas eleitorais omitidas na prestação de contas do candidato”. Narra, ainda, o recorrente diversos fatos apurados no âmbito da Operação Manus e da Operação Lavat, os quais, em seu entendimento, configurariam, pelo menos em tese, crime eleitoral, o qual não poderia ser julgado pela Justiça Federal. Reafirma que o julgamento das ações penais em questão está sendo sonegado ao Juízo competente, pela conexão, a saber, a Justiça Eleitoral. Ao fim, requer o provimento do seu recurso para fins de deferimento do pedido de avocação nos termos propostos na inicial. Em sede de contrarrazões ao recurso (fls. 419/429), o promotor eleitoral atuante perante o Juízo da 2ª Zona Eleitoral entendeu que, da leitura do art. 82 do Código de Processo Penal, extrai-se a necessidade (existência) de que os feitos corram em juízos distintos, pois, “No caso ora em apreciação, trata-se de ações penais que tramitam perante a Justiça Federal e um Inquérito Policial vinculado à Justiça Eleitoral”, assentando, ainda, que “Diante da natureza distinta dos procedimentos em questão, observa-se, em primeira mão, que não há qualquer processo criminal em trâmite perante a 2ª Zona Eleitoral”. Acresceu que, por se tratar o inquérito de peça investigatória, “não se pronunciou o Dominus litis sobre a opinio delict, posto que o procedimento ainda se encontra em andamento, em fase de coleta de provas... Por conseguinte, tem-se que eventual reforma da decisão de 1º grau para deferir o pedido de avocação significa, na prática, uma substituição ilegítima do Ministério Público como órgão acusador pelo Poder Judiciário, 674 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

órgão imparcial, já que obrigatoriamente implicaria na tipificação penal de um fato que sequer foi objeto de denúncia”. Destaca que, nas duas denúncias aludidas (e já recebidas), não houve menção a crimes eleitorais na tipificação ou mesmo na narrativa destes. Afiança o Parquet que não se aplica a decisão do Supremo (Questão de Ordem no Inquérito nº 4435), ao caso concreto, pois foi enfatizado, pelo próprio tribunal, no tal julgamento, não ter sido fixada, no tal julgamento, nenhuma competência a priori. Requer, por fim, o total improvimento do recurso manejado. De posse dos autos, na condição de fiscal do ordenamento jurídico, a Procuradoria Regional Eleitoral emitiu parecer (fls. 437/444), afirmando que “não há que se falar em avocação quando se estiver diante de inquérito policial e ação penal, uma vez que esta hipótese não se subsume ao que estatui o mencionado art. 82, do Código de processo Penal”. Defende que “o deslocamento de competência para esta Justiça Especializada, no caso, seria contrário ao princípio da economia processual, que fundamenta o próprio instituto da conexão”, além de que as referidas ações penais em curso na Justiça Federal “estão em fase processual adiantada, prestes a serem julgadas, enquanto o suposto crime eleitoral ainda está em fase de investigação, sem ter havido sequer a formação da opinio delicti pelo órgão ministerial”, e ainda que “os próprios agentes de tal hipotético crime eleitoral podem ter sido outros que não aqueles que foram denunciados nas multicitadas ações penais”. Assinala que não haveria prejuízo para acusação ou para a defesa no prosseguimento da marcha processual daquelas ações penais perante a Justiça Federal, pois, caso se venha a reconhecer a competência da Justiça Eleitoral, após a prolação de sentença na jurisdição da Justiça Federal, os atos instrutórios e até mesmo os atos decisórios poderão ser ratificados e aproveitados. Arremata sua manifestação opinando pelo desprovimento do recurso, de maneira a prevalecer a Sentença atacada. É o relatório. VOTO A questão submetida a debate limita-se essencialmente em saber se a competência do Juízo da 2ª Zona Eleitoral de Natal deverá ser prorrogada para fins de processamento e julgamento das Ações Penais nº 0805556-95.2017.4.05.8400 (Operação Manus) e nº 0812330-44.2017.4.04.8400 (Operação Lavat), ambas com trâmite na 14ª Vara da Justiça Federal de Natal/RN, em virtude de alegada conexão com o Inquérito nº 76- 27.2018.6.20.0002, em curso perante o mencionado Juízo eleitoral. Inicialmente, é de se registrar que a discussão jurídica neste recurso reside no fato de que, em relação às duas mencionadas ações penais, verifica-se, conforme reconhece o próprio recorrido em suas contrarrazões (fl. 422), que “pelo menos parte dos fatos assinalados pelo Recorrente também é tratada no IP nº. 0212/2018 [Inquérito nº 76- 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 675

27], embora tal similaridade não seja suficiente para determinar a união processual pretendida no Recurso”. Desse modo, a existência de fatos tratados, concomitantemente, nas ações penais e no inquérito não é matéria controversa, de modo a tornar desnecessária a reprodução — e a consequente análise — dos trechos trazidos no recurso, os quais demonstram a abordagem de pelo menos parte desses fatos no procedimento investigativo corrente sob supervisão da Justiça Eleitoral e os feitos processados na Justiça Federal. Porém, outra importante observação se faz necessária, desde logo. Nada obstante trazer o recorrente o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Questão de Ordem no Inquérito nº 4435, ocasião em que restou reafirmada a jurisprudência daquela corte, no sentido da competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar os crimes eleitorais e os crimes comuns conexos àqueles, penso encerrar a hipótese vertente elementos que a distinguem do precedente trazido como paradigma a ser seguido por este Regional. Com efeito, se naquele caso se tratava de um só inquérito afetado à competência do Supremo Tribunal Federal e que, em virtude da mutação constitucional envolvendo a novel compreensão da abrangência do instituto do foro privilegiado (restrição do alcance), deveria ser remetido para a Justiça Eleitoral, aqui se tem um inquérito (Justiça Eleitoral) e duas ações penais (Justiça Federal), com competências já fixadas de acordo com as regras processuais vigentes. Portanto, não tratava aquela situação julgada pela Excelsa Corte de hipótese de prorrogação de competência da Justiça Eleitoral, porquanto a competência fixada era originariamente do Supremo Tribunal Federal, e não da Justiça Eleitoral. Feito, pois, o necessário distinguishing, vejamos outros fundamentos relevantes. Adentrando na análise dos fatos postos agora a julgamento, entendo pertinente trazer à consideração interessante e útil ensinamento do jurista José Jairo Gomes, encartado em recente artigo publicado1, o qual estabelece que “a aferição da conexão e o efetivo deslocamento da competência para a Justiça Eleitoral passam por etapas lógicas sucessivas, que necessariamente devem ser cumpridas, a saber: a) verificar se há crime eleitoral efetivamente imputado ao paciente; b) se concretamente houver imputação de delito eleitoral, pesquisar se há relação de conexão entre ele e o crime comum considerado; c) se houver crime eleitoral imputado e se existir conexão, cumpre ainda verificar se é caso de reunião dos processos ou de separação”. Nessa linha intelectiva, quanto à etapa a), não há dúvida sobre a inexistência de imputação de crime eleitoral (tipificação legal de crime eleitoral) ao ora Recorrente nas denúncias convoladas nas duas referidas ações penais em curso na Justiça Federal. Feita tal constatação, revela-se de especial importância se atentar para a diferença entre imputação fática e mera contextualização de evento criminoso. Consoante justifica o dito eleitoralista: “Ainda que na descrição do injusto penal comum haja alusão ou referência a ambiente eleitoral ou a eleições ou a qualquer aspecto eleitoral, isso só 1. http://genjuridico.com.br/2019/04/16/competencia-criminal-e-crime-comum-conexo-com-eleitoral/ 676 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

por si não significa que haja crime eleitoral, tampouco que exista conexão com delito eleitoral”. Percebe-se, pois, que as etapas seguintes previstas nas letras b) e c), quando aplicadas em concreto, restam prejudicadas ante a inexistência de imputação de crime eleitoral ao ora recorrente. Outra questão insuperável que se apresenta no caso vertente é o fato de que, nos termos do art. 82 do Código de Processo Penal, a conexão somente pode se estabelecer entre processos (ação penal com denúncia recebida), o que não ocorre na espécie, de maneira a não haver, por manifesta impossibilidade formal, como se estabelecer o simultaneus processus. De fato, se a norma exige a existência de “processos”, circunstância onde o Ministério Público, enquanto dominus litis, já tenha exercido sua opinio delict, mediante a formalização de uma denúncia (recebida), não há, na hipótese dos autos, subsunção fática ao comando legal supracitado, dada a pretensão deduzida pelo recorrente repousar na existência de um inquérito, procedimento de natureza sabidamente administrativa, do qual não resulta imposição direta de nenhuma sanção, e que não tem, logicamente, o condão de exercer força atrativa sobre processos relativos a ações penais em decorrência da caracterização da conexão. A racionalidade de tal assertiva reside na inevitável percepção de que as persecuções penais se encontram em fases distintas daquela onde está o inquérito, e a reunião de feitos em fases tão diferentes não traria nenhum benefício à elucidação dos fatos, em termos de celeridade e de economia processual, segurança jurídica e conveniência da instrução criminal, critérios que orientam o instituto da conexão. No caso sob exame, é inegável que a união dos processos esbarra em intransponível óbice prático. Ao fim e ao cabo, afigura-se logicamente impossível, consideradas as gritantes diferenças procedimentais, a reunião e o consequente processamento conjunto de ações penais, já em curso, e de um inquérito policial, ainda em fase inicial. A esse propósito, veja-se entendimento já proferido pelo Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL EM FASE INICIAL. QUADRILHA. FURTOS MEDIANTE FRAUDE, VIA INTERNET BANKING, CONTRA CONTAS DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, CLONAGEM DE CARTÕES, ROUBO DE SENHAS. SUPOSTA CONEXÃO PROBATÓRIA COM INVESTIGAÇÃO CONDUZIDA EM OUTRO JUÍZO FEDERAL QUE JÁ SE ENCONTRA EM MARCHA MAIS ADIANTADA: DENÚNCIA JÁ OFERECIDA. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA DO INQUÉRITO: IMPOSSIBILIDADE. 1. Omissis. 2. Ainda que assim não fosse, o fato de que uma das investigações ainda se encontra na fase inicial do inquérito policial (com pedido de quebra de sigilo bancário e de dados) e a outra, em marcha mais adiantada, já teve denúncia oferecida e tramita como ação penal desaconselha a união dos feitos pela conexão. Isso porque tal deslocamento de competência 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 677

não traria nenhum benefício em termos de celeridade e de economia processual, segurança jurídica e conveniência da instrução criminal, critérios que orientam o instituto da conexão. 3. Omissis. 4. Omissis.” (grifos acrescidos) (CC 126.237/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2015, DJe 29/09/2015) _______________________________________________________________ “PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EVASÃO DE DIVISAS. AÇÃO PENAL EM CURSO. MARCHA ADIANTADA. INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO EM FASE INICIAL. CONEXÃO. DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA DO INQUÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Na pendência de ação penal, em fase já adiantada, envolvendo fatos conexos aos investigados em inquérito policial, em etapa ainda inicial, não se afigura apropriado o deslocamento da competência deste último. Do contrário, não haveria qualquer benefício em termos de celeridade e economia processual, segurança jurídica e conveniência da instrução criminal, critérios em empolgam o instituto da conexão. 2. Omissis.” (grifos acrescidos) (CC 111.031/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/06/2010, DJe 18/06/2010) Demais desses fundamentos, apenas a título de reforço argumentativo, cumpre salientar a impossibilidade de caracterização de conflito de competência entre inquérito e ação penal, consoante já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. INQUÉRITO POLICIAL. AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE. Inviabilidade de se definir a competência entre inquérito policial e ação penal já instaurada. Precedente. Omissis.” (grifos acrescidos) (CC 45.780⁄RJ, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13⁄12⁄2004, DJ 21⁄02⁄2005 p. 108)  ______________________________________________________________ “COMPETÊNCIA. CONFLITO. Impossível definir-se competência por conexão entre ação penal instaurada e inquérito policial. Arguição de conflito não conhecida.” (grifos acrescidos) 678 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

(CC 26575⁄SP, Rel. Ministro  FONTES DE ALENCAR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12⁄04⁄2000, DJ 11⁄09⁄2000 p. 218) Por fim, atenta à observação trazida no parecer da Douta Procuradoria Regional Eleitoral (fl. 442), é possível afirmar que a não reunião dos processos não acarretará qualquer prejuízo à plenitude da defesa do ora recorrente, pois, como corolário do devido processo legal, deverá, em qualquer uma das jurisdições (eleitoral ou federal), ser-lhe oportunizada a produção de todas as provas necessárias à comprovação de sua presumida inocência, em obediência ao art. 5º, LV e LVII, da Constituição Federal. Assim sendo, sabendo que “Não há conceber que possa existir conexão entre uma infração ainda em fase de apuração, em sede de inquérito, e outra que já ensejou o ajuizamento de ação penal” (STJ, CC 26575), afigura-se devidamente justificada a não reunião dos Feitos, em ordem a desautorizar a avocatória pretendida, agora em sede recursal, não se podendo falar em violação aos arts. 76, 77, 78, IV, e 82, todos do Código de Processo Penal. Forte nesses fundamentos, VOTO, em consonância com o parecer ministerial, pelo DESPROVIMENTO do recurso interposto, mantendo incólume a sentença atacada. É como voto. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 679

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL BRUNO A. DUALIBE PINHEITO (JUIZ DO TRE-MA) TRE/MA - HC - Nº 0600047-39 TEMA Corrupção eleitoral HABEAS CORPUS. INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO DE COMPRA DE APOIO POLÍTICO. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ATIPICIDADE DO FATO IMPUTADO AO PACIENTE. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. 1. O crime de corrupção eleitoral ativa (art. 299 do CE) impõe a entrega, o oferecimento ou a promessa de dinheiro, dádiva ou vantagem em troca do voto ou da abstenção de eleitor específico. 2. Conforme já decidiu o TSE, o tipo penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral visa resguardar a vontade do eleitor, não abarcando eventuais negociatas entre candidatos ou a compra de apoiamento político, em que pese a reprobabilidade da conduta (HC nº 3160, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Lóssio, Publicação: RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 2, Data 19/12/2013, Página 40). 680 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

3. In casu, os atos imputados ao paciente dizem respeito à alegada compra de apoio político, diante de suposta contratação de servidores para atuarem como seus cabos eleitorais, inexistindo qualquer indicação de vinculação a pedido de voto ou abstenção. 4. Com efeito, a situação analisada demonstra-se como um indiferente criminal perante esta Justiça Especializada, um fato manifestamente atípico nesta seara. 5. Ordem concedida para trancamento do inquérito nesta quadra de jurisdição. RELATÓRIO Trata-se de habeas corpus act, com pedido de liminar, interposto por MARCOS LUIS BRAID RIBEIRO SIMÕES e TAYSSA SIMONE DE PAIVA MOHANA PINHEIRO em favor da pessoa de EDIVALDO HOLANDA BRAGA JÚNIOR, sob fundamento de existência de constrangimento ilegal ao paciente, investigado nos autos do Inquérito Policial nº 143- 11.2017.6.10.0000 pela prática do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral. Alegam que o paciente apresentou petição dirigida ao juízo da 1º Zona Eleitoral da Capital –responsável pela supervisãodaapuraçãopolicial –pugnandopeloarquivamento das investigações diante da inexistência de justa causa para o seu prosseguimento, sem, contudo, ter obtido qualquer provimento jurisdicional. Nesse sentido, sustentam que, inobstante o peticionamento dirigido à autoridade coatora, e mesmo tratando os autos de conduta atípica, esta apenas determinou a sua remessa à Polícia Federal, para fins de investigação. Sobre os fatos tratados no inquérito, aduzem que este deveu-se à “Representação Eleitoral apresentada por Pedro Leonel Pinto de Carvalho, com o objetivo de apurar suposta prática do crime tipificado no art. 299 do Código Eleitoral (cuja autoria é imputada ao paciente)”, que teria, na qualidade de gestor municipal, firmado contrato fraudulento, com o objetivo de contratar pessoas sem qualificação profissional, a fim de obter apoio político para a sua reeleição. Destacaram que os fatos analisados no Inquérito nº 143-11.2017 “já foram enfrentados e examinados em duas oportunidades pela Justiça Eleitoral (Representação Eleitoral n. 231-80.2016.6.10.0001 e de Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 215- 29.2016.6.10.0001), e em todas elas as decisões foram favoráveis ao paciente, transitando livremente em julgado, inclusive com a concordância do Ministério Público Eleitoral”. Assim, sustentando a inveracidade das acusações e a atipicidade da conduta atribuída ao paciente, em sede de liminar, pugnaram os impetrantes pela suspensão do trâmite da investigação policial e, no mérito, pela concessão da ordem de habeas corpus para o seu trancamento definitivo. Conclusos pela primeira vez os autos, deferi o pleito preliminar dos impetrantes, requerendo, em ato contínuo, a apresentação de informações pela autoridade coatora (Id 2506515). 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 681

Por meio do Ofício nº 764/2020, Sua Excelência, o Juiz Titular da 1ª Zona Eleitoral, Dr. José Brígido da Silva Lages, prestou as devidas informações (Id 2529215). Instada a se manifestar, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pela denegação da ordem de habeas corpus e consequente revogação da decisão liminar (Id 2565815). Vieram-me os autos conclusos em 10 de março do corrente ano. É o relatório suficiente. VOTO Inicialmente, conforme já consignado na decisão liminar proferida nos autos (Id 2506515), cumpre destacar a competência desta Corte Eleitoral para a apreciação da presente demanda, nos termos do que estabelece o art. 29, I, “e”, do Código Eleitoral c/c o art. 81, IV, da Constituição do Estado do Maranhão. Vejamos: Art. 29. Compete aos Tribunais Regionais: I - processar e julgar originariamente: [...] e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, contra ato de autoridades que respondam perante os Tribunais de Justiça por crime de responsabilidade e, em grau de recurso, os denegados ou concedidos pelos juízes eleitorais; ou, ainda, o habeas corpus quando houver perigo de se consumar a violência antes que o juiz competente possa prover sobre a impetração; (Grifei) **** Art. 81. Compete ao Tribunal de Justiça processar e julgar, originariamente: [...] IV - os Juízes do Tribunal de Alçada, Juízes de Direito, os membros do Ministério Público, das Procuradorias Gerais do Estado, da Assembléia Legislativa e da Defensoria Pública e os Delegados de Polícia, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral; (Grifei) Consoante os dispositivos destacados, é indene de dúvidas a atribuição do TRE/MA para dirimir a questão suscitada pelos impetrantes. Muito que bem. Pelo que se observou dos documentos atrelados à inicial, houve a apresentação pelo paciente de requerimento endereçado ao juízo da 1ª Zona Eleitoral, pelo qual justificava a ausência de justa causa para o prosseguimento da investigação em análise, pugnando- se por seu arquivamento (documento protocolado em 12.02.2020 - id 2503715). Contudo, segundo o despacho de fl. 203, datado de 18.02.2020, entendeu o Douto 682 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Magistrado inexistirem subsídios ao deferimento do pleito do paciente, tendo assim consignado (p. 02 do Id 2503765): Despacho Considerando que não há substrato para uma decisão terminativa acerca do presente feito, faz-se imperativo aguarda o deslinde do procedimento investigatório em epígrafe. Ante o exposto, defiro o pleito ministerial e determino, nos termos do art. 10, §3º, do Código de Processo Penal, a devolução dos autos à autoridade policial, para prosseguimento das providências investigatórias no prazo solicitado e adoção dos procedimentos ora requeridos pelo Ministério Público Eleitoral. São Luís, 18 de fevereiro de 2020. José Brígido da Silva Lages Juiz da 01ª Zona Eleitoral (Grifei) O ato material contra o qual se opõem os impetrantes mostrou-se, portanto, devidamente configurado. No que pertine ao crime sob o qual é imputada a conduta do paciente, trata-se do ilícito de corrupção eleitoral ativa, calcada nos verbos dar, oferecer ou prometer dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem em troca do voto ou de abstenção. Vejamos a redação desse tipo penal: Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa. (Grifei) Como se percebe, tem-se como claro objetivo da norma penal o resguardo da vontade do eleitor, ficando este livre da influência do poderio econômico ou político. Em suma, visa-se o livre exercício do voto, sendo este o seu bem jurídico tutelado. Ora, pelo que atentamente se observa dos autos do inquérito (Id 2503615) e das informações prestadas pela autoridade coatora (Id 2529215), as acusações vinculadas ao paciente dizem respeito à suposta compra de apoio político. Nesse sentido, vejamos o teor da Portaria lavrada pelo Ilmo. Delegado de Polícia Federal, Dr. Francisco Robério Lima Chaves (p. 03 do Id 2503615): RESOLVE: Instaurar Inquérito Policial para apurar os fatos relacionados a possível ocorrência de crimes de improbidade administrativa [sic] e abuso de poder político nos anos de 2015 e 2016 com possíveis reflexos no pleito de 2016 em São Luís/MA no qual o então prefeito de São Luís/MA e candidato 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 683

à reeleição no pleito de 2016, Sr. EDVALDO DE HOLANDA BRAGA JÚNIOR, teria, na condição de gestor municipal, firmado contrato no valor global de R$ 33.210.857,00 (trinta e três milhões, duzentos e dez mil e oitocentos e cinquenta e sete reais) em 24/07/2015 através de Secretaria Municipal Extraordinária de Governança Solidária e Orçamento Participativo - SEMGOP com o Instituto Superior de Educação Continuada - ISEC para, na realidade, contratar pessoas não-qualificadas [sic] como mecanismo de obtenção de apoio político para a sua reeleição, o que configuraria, em tese, as condutas descritas nos artigos 237 e 299 do Código Eleitoral e artigo 10, XVI, da Lei 8.429/1992, sem prejuízo de eventuais outros crimes que venha a serem constatados no decorrer das investigações. (Grifei) Por sua vez, em suas informações, assim discorreu o juízo apontado como coator (Id 2529215): [...] No presente inquérito, verifica-se uma grave denúncia de utilização do patrimônio público (dinheiro) para fins ditos não republicanos, o que não teria a justificativa para a sua existência. Trata-se de extrato de Termo de Colaboração n. 001/2015, referente ao Processo Administrativo n. 02733/2015, pelo qual o Município de São Luís, por intermédio da Secretaria Municipal Extraordinária de Governança Solidária e Orçamento Participativo (SEMGOP) contratou o Instituto Superior de Educação Continuada (ISEC), com vigência de 12 meses, a partir da assinatura do valor global de contrato de R$ 33.210.857,00. Na Representação Eleitoral, há informações de que o ISEC funciona no prédio Vinícius de Moraes, no bairro do Calhau, onde se pode comprovar a permanência de diversos cabos eleitorais indicados por vereadores e ainda, na parte da administração, chefes de gabinetes de diversos vereadores. Segundo foi levantado pelo denunciante, cada vereador aliado do prefeito teria recebido trinta fichas de inscrição para levar documentos para receberem a primeira parcela já no final do mês de setembro. Os cabos eleitorais receberiam os vencimentos até a véspera da eleição do Prefeito Edivaldo Holanda Jr, tendo em vista que o contrato de emprego era de 12 meses. A referida Representação destaca a utilização indevida do patrimônio público municipal para fins de favorecimento político. Citou várias declarações, inclusive de políticos, que destacaram a ilegalidade e inutilidade pública de referida contratação. Como se percebe, trata-se de uma grave representação que denuncia fatos que, se comprovados, poderiam comprometer a lisura do processo 684 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

eleitoral, tendo em vista a alegação de que os contratados seriam cabos eleitorais do representado com um único propósito, de trabalharem na sua campanha eleitoral. [...]. (Grifei) Pelo que se percebe, as imputações ao paciente são, efetiva e claramente, de compra de apoio político, em tese, tanto assim, que a atuação de supostos cabos eleitorais seria realizada por meio de servidores contratados por intermédio de vereadores aliados ao gestor municipal. Não houve a indicação – nem pela portaria de abertura do inquérito e nem pela autoridade judiciária – de qualquer ato de entrega, oferecimento ou promessa de vantagem em troca do voto de eleitor ou de sua abstenção. Inexiste no caderno inquisitório qualquer declaração ou indício de que o objeto da investigação seja a compra de votos em prol do paciente. Inobstante a improcedência de ações cível-eleitorais não tecerem efeitos sob a investigação criminal (princípio da independência das instâncias), os fatos investigados no Inquérito Policial nº 143-11.2017.6.10.0000 cingem-se à situação estranha ao alcance do tipo penal do art. 299 do CE, não se tratando do seu objeto material. No mesmo sentido, destaco o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal (STF): INQUÉRITO POLICIAL. Parlamentar. Deputado federal. Crime eleitoral. Corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Não ocorrência de abordagem direta a eleitores, com o objetivo de lhes obter promessa de voto a candidato do indiciado. Falta de prova de dolo específico. Atipicidade reconhecida pelo Procurador-Geral da República. Arquivamento determinado. - Determina-se arquivamento de inquérito policial para apuração do delito de corrupção eleitoral, quando não há prova de abordagem direta de eleitores, com o objetivo de lhes obter promessa de voto a candidato do indiciado, cujo dolo específico tampouco se provou. (STF - Inq 2008-7/MG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 16/08/2006, DJ 15-09-2006 PP-00034 EMENT VOL-02247- 01 PP-00001 RTJ VOL-00207-01 PP00201 LEXSTF v. 28, n. 335, 2006, p. 511-517) (Grifei) E com o mesmo alcance, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE): HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. DENÚNCIA. FATO ATÍPICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Para a caracterização do crime de corrupção eleitoral é imprescindível que a entrega, o oferecimento ou a promessa de dinheiro, dádiva ou vantagem seja condicionada à obtenção de voto, 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 685

ao que não se equipara o alegado intuito de obter apoio político na campanha eleitoral. Precedentes: RHC 22-11, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 7.10.2016; HC 31-60, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 3.4.2014; RHC 43, rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 26.4.2002; STF, Inq 3.693, rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJE de 30.10.2014; STJ, AP 1-49, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, DJ de 14.8.2000. [...]. (TSE - Habeas Corpus nº 060277537, Acórdão, Relator(a) Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 93, Data 11/05/2018) (Grifei) **** HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ATIPICIDADE. CONCESSÃO. 1. O tipo penal previsto no art. 299 do Código Eleitoral, o qual visa resguardar a vontade do eleitor, não abarca eventuais negociatas entre candidatos, visando à obtenção de renúncia à candidatura e apoio político, em que pese o caráter reprovável da conduta. 2. Ordem concedida. (TSE - Habeas Corpus nº 3160, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Lóssio, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 25, Tomo 2, Data 19/12/2013, Página 40) (Grifei) Consoante consignou Sua Excelência, o Min. César Peluso, no julgamento do Inquérito nº 2008-7/MG, tomado à universidade dos votos do plenário do STF, valendo-se ele das palavras do memorável Min. Maurício Corrêa: o delito de corrupção eleitoral (art. 299 do CE) exige “abordagem direta ao eleitor, com o objetivo de dele obter a promessa de que o voto será dado ou de que haverá abstenção em decorrência da oferta feita, não sendo suficiente o mero pedido de voto realizado de forma genérica”. (REE nº 13.326, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 20.08.1999) O objetivo da norma penal sub examen é justamente o resguardo ao exercício do sufrágio, em nada envolvendo as condições políticas e o apoiamento às candidaturas por parte de correligionários ou simpatizantes. Com efeito, à luz dos precedentes do STF e do TSE, a situação em análise se tratou de um indiferente criminal perante esta Justiça Especializada. O art. 299 do CE, como já observado, não trata da captação de apoiadores. Nesse contexto, corroborando a conclusão da manifesta atipicidade vislumbrada, é a própria autoridade coatora quem descreve, segundo as informações prestadas pelo representante, a atuação dos servidores contratados como “cabos eleitorais” do paciente, agindo estes por intermédio de vereadores do município de São Luís (Id 2529215). Ou seja, tais circunstâncias, retratadas nos autos do Inquérito Policial nº 143-11.2017.6.10.0000, referem-se a fatos manifestamente atípicos neste campo de jurisdição. 686 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Outrossim, em caráter obiter dictum, diante dos documentos colacionados nos autos (Id 2503865 e 2503965), é de se reconhecer que o contrato que deu origem às presentes alegações de compra de apoio político teve seus efeitos cessados em abril de 2016, portanto, 06 (seis) meses antes do pleito eleitoral daquele ano. Logo, o distrato realizado entre o Município de São Luís e o Instituto Superior de Educação Comunitária (ISEC), por si só, atenua e separa o alcance dos fatos à incidência do art. 299 do CE. Afinal, qual seria a vantagem política ou eleitoral dessa rescisão em prol da candidatura do paciente? O fato lhe seria inegavelmente desfavorável, não sendo lógica a sua aferição sob o viés da compra de votos. Por fim, é de se reconhecer o grande espaço temporal entre o início das investigações (22.02.2017) e o presente momento, sendo o seu estágio ainda incipiente, e cujos dados coletados foram apenas os apresentados pelo representante e pela parte investigada. A demora por mais de três anos desde a instauração do inquérito, por um fato aqui demonstrado como manifestamente atípico, resulta ao paciente efeito análogo ao da “espada de Dâmocles” sobre sua cabeça, a troco de nada. Assim, encerro as presentes considerações com a lição do Prof. Paulo Rangel1: Não é lícito, por evidente, sacrificar a dignidade do réu em detrimento de uma falha do Estado, pois o processo, por si só, é um mal irreparável, uma cerimônia fúnebre da qual jamais se livrará (...). No Estado Democrático de Direito não se pode admitir que se coloque o indivíduo no banco dos réus, não se encontre o menor indício de que ele praticou o fato e mesmo assim fique sentado, agora, no banco do reserva, aguardando ou novas provas ou a extinção da punibilidade, como se ele é quem tivesse de provar sua inocência, ou melhor, como se o tempo é que fosse lhe dar a paz e a tranquilidade necessárias (...) O processo penal moderno é instrumento de garantia e não de punição (...). Diante do exposto, em dissonância ao parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (PRE), concedo a ordem de habeas corpus para, nesta quadra de jurisdição, determinar, em definitivo, o trancamento do Inquérito Policial nº 143-11.2017.6.10.0000, diante da manifesta atipicidade dos fatos nele tratados. É como voto. 1. RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri, Visão Linguística, Histórica, Social e Jurídica, 5ª Ed., 2015. p. 162 e 163. 687 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL MARCELO VIEIRA DE CAMPOS (JUIZ DO TRE - SP) TRE/SP - HC - Nº 0600118-94.2020.6.26.0000 TEMA Legitimidade de Comissão Provisória VOTO Nº 337 HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL ELEITORAL. CONDENAÇÃO CRIMINAL DA PACIENTE, TRANSITADA EM JULGADO. ART. 299, DO CÓDIGO ELEITORAL, C/C ARTS. 29 E 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PENA DE 04 (QUATRO) ANOS E 02 (DOIS) MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL SEMIABERTO. EXPEDIÇÃO DO MANDADO DE PRISÃO. INSURGÊNCIA. PACIENTE IDOSA, PORTADORA DE DOENÇAS PREEXISTENTES (HIPERTENSÃO ARTERIAL E DIABETE MELLITUS TIPO 2) QUE A INCLUEM NO GRUPO DE RISCO DE ÓBITO DECORRENTE DO CONTÁGIO COM O NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19). PROVA DOCUMENTAL. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA RECOMENDAÇÃO Nº 62, DE 17/03/2020, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE DO INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA NO REGIME DOMICILIAR. LIMINAR TORNADA DEFINITIVA. ORDEM CONCEDIDA PARA, TEMPORARIAMENTE, 688 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

CONVERTER O REGIME PRISIONAL SEMIABERTO PARA O REGIME DOMICILIAR, EXCEPCIONAL E EXCLUSIVAMENTE DURANTE O PERÍODO DE VIGÊNCIA DAS MEDIDAS SANITÁRIAS DECORRENTES DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19). COM DETERMINAÇÃO. RELATÓRIO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por DANIEL LEON BIALSKI e GUILHERME PEREIRA GONZALEZ RUIZ MARTINS, advogados, em favor da paciente NEUSA APARECIDA MACHADO THIM, que fora condenada, nos autos da Ação Penal nº 27-70.2009.6.26.0216, como incursa no art. 299, do Código Eleitoral, c/c arts. 29 e 71, ambos do Código Penal, à pena de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto (ID nº 12649951). Sustentam, os impetrantes, que, tendo transitado em julgado a condenação imposta naqueles autos, o MM. Juízo da 216ª Zona Eleitoral de Mogi Guaçu, apontado como autoridade coatora, determinou a expedição do mandado de prisão da paciente. Aduzem, também, que, diante da atual pandemia decorrente do COVID-19, foi peticionado ao MM. Juízo a quo com requerimento de conversão do regime semiaberto para o aberto. Justificaram que a condenada é maior de 60 anos e portadora de doenças preexistentes (hipertensão arterial e diabete mellitus tipo 2) que a incluem no grupo de risco de óbito pelo contágio do novo coronavírus. Informam que o pedido foi indeferido pelo MM. Juízo de primeiro grau, com o fundamento de que há um único caso confirmado de contágio no Município de Mogi Guaçu e que não há relatos de contaminação nas unidades prisionais femininas no território nacional. Os impetrantes não concordam com o indeferimento do pedido, argumentando que “(…) o Conselho Nacional de Justiça publicou na data de 17 de março de 2020, a Recomendação de n° 62, a qual recomenda que Magistrados responsáveis pelo processo de conhecimento reavaliassem as prisões daqueles que integrassem o chamado grupo de risco de morte por infecção de Covid-19, bem como daqueles que estivessem em estabelecimento penal superlotado ou sob intervenção, ou ainda para que reavaliassem a necessidade das prisões daqueles que estivessem presos há mais de 90 dias”. Diante desses fatos, requerem, liminarmente, a determinação de que a paciente cumpra, por período temporário, a pena em prisão domiciliar, em função da condenação transitada em julgado nos autos da Ação Penal nº 27-70.2009.6.26.0216, até o julgamento do mérito do presente habeas corpus. No mérito, pleiteiam a concessão da ordem, de forma definitiva, para que, nos termos do artigo 117 da Lei de Execução Penal, possa a paciente cumprir o restante da pena em regime domiciliar, pelo menos até o término da atual pandemia e até que cesse a emergência decretada no âmbito da saúde pública. O pedido liminar foi deferido, para determinar que, nos autos da Ação Penal nº 27- 70.2009.6.26.0216, seja, temporariamente, convertido o regime prisional semiaberto 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 689

para o regime domiciliar, até o julgamento do mérito do presente mandamus, devendo ser expedido o competente contramandado de prisão para recolhimento em estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto (ID nº 12661701). A d. Autoridade apontada como coatora prestou informações, oportunidade em que informou o cumprimento da liminar deferida nestes autos (ID nº 12690351). A seguir, a paciente peticionou, manifestando oposição ao julgamento virtual do presente habeas corpus, aduzindo que o seu advogado pretende realizar sustentação oral quando do julgamento (ID nº 12695251). A d. Procuradoria Regional Eleitoral opina pela concessão da ordem (ID nº 12757151). O pedido formulado no ID nº 12695251 foi indeferido, com os fundamentos que constam no ID nº 12774801, com publicação no Diário da Justiça Eletrônico - DJe na data de 05 de maio de 2020 (ID nº 12813201). É o Relatório. VOTO A ordem deve ser concedida. Nos termos do art. 5º, inciso LXVIII, da Carta Magna, “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. O caso concreto refere-se à Ação Penal nº 27-70.2009.6.26.0216, que tramita junto ao Cartório da 216ª Zona Eleitoral de Mogi Guaçu, na qual a paciente fora condenada como incursa no art. 299, do Código Eleitoral, c/c arts. 29 e 71, ambos do Código Penal, à pena de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto (ID nº 12651101). Transitada em julgado a sentença penal condenatória, o MM. Juízo a quo determinou a expedição do competente mandado de prisão, para o início do cumprimento da pena imposta. A paciente, por seu turno, peticionou naqueles autos, no mês de março de 2020, com pedido de conversão do regime semiaberto para o aberto. Justificou o requerimento com base na Recomendação nº 62/2020, do Conselho Nacional de Justiça. Acrescentou que a condenada se enquadra classificação de grupo de risco, por ser maior de 60 (sessenta) anos de idade, portadora de diabetes e de hipertensão arterial (ID nº 12651251). O MM. Juízo da 216ª Zona Eleitoral de Mogi Guaçu indeferiu o pedido, com os seguintes fundamentos: que a condenada se encontra em local incerto e não sabido, tanto que não há notícia acerca do cumprimento do mandado de prisão expedido há meses; que não há como precisar se o local onde reside a requerente é acometido pelo COVID-19; que no Município de Mogi Guaçu, até o momento da prolação da decisão, há um único caso confirmado da doença; que se condenada estiver em isolamento, não há risco de contágio; e, por fim, que a defesa não comprovou a existência de contágio 690 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

do COVID-19 nos estabelecimentos prisionais femininos no território nacional (ID nº 12651501). Não obstante os coerentes fundamentos da decisão judicial tida como coatora, esta deve ser revista. Diante do atual cenário mundial como decorrência da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), tal como declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e das medidas restritivas em efeito editadas pelo Governo Federal, Estadual, por decreto do Ilustríssimo Senhor Governador, e pelos Municípios, o que inclui a quarentena da maior parte da população, devem ser sopesados, como decorrência do eventual início do cumprimento da pena em regime semiaberto pela paciente, os riscos à sua incolumidade física e, até mesmo, à sua vida. Ainda, as mesmas salvaguardas devem ser asseguradas aos agentes públicos e eventuais terceiros que possam ter contato com a paciente, principalmente diante da possibilidade de eventual contágio. Os impetrantes apresentam relatório médico datado de 18/03/2020 (ID nº 12651301) e resultado de exames clínicos (ID nº 12651351) que atestam que a paciente, idosa, nascida na data de 28/03/1955, é portadora de doenças preexistentes (hipertensão arterial e diabete mellitus tipo 2) que a incluem no grupo de risco de óbito decorrente do contágio com o novo coronavírus (COVID-19). Nessa circunstância, cumpre registrar que, nos termos da Recomendação nº 62, de 17/03/2020, do Conselho Nacional de Justiça, “o grupo de risco para infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 compreende pessoas idosas, gestantes e pessoas com doenças crônicas, imunossupressoras, respiratórias e outras comorbidades preexistentes que possam conduzir a um agravamento do estado geral de saúde a partir do contágio, com especial atenção para diabetes, tuberculose, doenças renais, HIV e coinfecções” e que “a necessidade de estabelecer procedimentos e regras para fins de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus particularmente em espaços de confinamento, de modo a reduzir os riscos epidemiológicos de transmissão do vírus e preservar a saúde de agentes públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, evitando-se contaminações de grande escala que possam sobrecarregar o sistema público de saúde” (grifo nosso). Ademais, o art. 5º da referida Recomendação dispõe, in verbis: “Art. 5º Recomendar aos magistrados com competência sobre a execução penal que, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerem as seguintes medidas: (…) III – concessão de prisão domiciliar em relação a todos as pessoas presas em cumprimento de pena em regime aberto e semiaberto, mediante condições a serem definidas pelo Juiz da execução” (grifo nosso). 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 691

Nessa esteira, vale mencionar ainda, as palavras do e. Ministro Dias Toffoli, Presidente do Conselho Nacional de Justiça, quando da edição da aludida Recomendação: “Estamos diante de uma pandemia com efeitos ainda desconhecidos. Mas não há dúvidas quanto à  urgência de medidas imediatas e de natureza preventiva para os sistemas prisional e socioeducativo, considerando o potencial de contaminação em situação de confinamento de pessoas que se encontram sob a tutela do Estado. É imperativo que o Judiciário não se omita e adote uma resposta rápida e uniforme, evitando danos irremediáveis” (https:// www.cnj.jus.br/recomendacao-sobre-coronavirus-voltada-ao-sistema-prisional-e- bem-recebida/). Logo, diante da excepcionalidade da situação atual, decorrente da pandemia e de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus em espaços de confinamento, a fim de reduzir os riscos de transmissão do vírus, não se mostra desarrazoada a pretensão da paciente de cumprir a pena, temporariamente, em regime domiciliar (embora o pedido originário em primeiro grau tenha sido para conversão para o regime aberto), ainda mais porque o seu quadro clínico recomenda a medida aqui buscada. Anote-se, também, que o delito pelo qual fora condenada a paciente (art. 299 do Código Eleitoral) é desprovido de violência ou grave ameaça à pessoa, sendo ela mesma primária quando da prolação da r. sentença de primeiro grau. Oportuno registrar que a douta Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela concessão da ordem (ID nº 12757151), nos seguintes termos: “Relatório médico (Id. 12651301) e laudos de exames laboratoriais (Id. 12651351) mostram que Neusa Aparecida Machado Thim é idosa e tem diabetes e hipertensão arterial. Tais fatores de saúde a inserem em grupo de risco na hipótese de contágio com o novo coronavírus (COVID-19). (…) Considerando-se a atual pandemia (COVID-19), devem ser aplicadas medidas previstas na Recomendação nº 62/2020 do CNJ. (…) No contexto, independentemente do delito cometido por Neusa Aparecida Machado Thim, Oficial do Cartório de Registro Civil de Mogi-Guaçu, condenada por corrupção eleitoral, fato é que proteção à dignidade da pessoa humana e garantia à integridade física e moral de pessoas encarceradas (artigos 1º, inciso III, e 5º, inciso XLIX, da Constituição) permitem que, excepcionalmente, pena privativa de liberdade imposta à paciente seja cumprida em prisão domiciliar enquanto durar período de medidas sanitárias, também excepcionais. (…) Assim, aguarda a Procuradoria Regional Eleitoral confirmação da liminar e concessão da ordem, permitindo-se que pena aplicada à paciente seja temporariamente cumprida em prisão domiciliar durante o período de vigência de medidas sanitárias excepcionais no contexto da pandemia do novo coronavírus (COVID-19)”. 692 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

Registre-se, ademais, que, conforme exposto na r. decisão que deferiu a liminar, o MM. Juízo a quo poderá, se entender necessário, definir a fiscalização da paciente por meio da monitoração eletrônica, nos termos do art. 146-B, caput e inciso IV, da Lei nº 7.210/84. Cumpre aqui deixar consignado, também, que a presente decisão se limita à fixação do regime de cumprimento inicial da pena, estritamente durante a permanência do estado de pandemia decorrente do novo coronavírus e enquanto perdurar a quarentena na cidade de Mogi-Guaçu, em nada afetando a competência originária do MM. Juiz da Execução para fixação do termo inicial de cumprimento e das respectivas condições a serem impostas a seu critério. Acresça-se que, na eventualidade de descumprimento, pela paciente, das condições da prisão domiciliar ou das medidas restritivas de quarentena impostas pelo Poder Executivo, em quaisquer de suas esferas, poderá o MM. Juízo a quo reverter a medida aqui concedida, devendo a paciente cumprir o restante da pena no regime originário semiaberto. Diante do exposto, concedo a ordem de habeas corpus para tornar definitiva a medida liminar e, com isso, determinar que, nos autos da Ação Penal nº 27-70.2009.6.26.0216, seja, temporariamente, convertido o regime prisional semiaberto para o regime domiciliar, excepcional e exclusivamente durante o período de vigência das medidas sanitárias decorrentes da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), podendo o MM. Juízo a quo reverter a medida no caso de descumprimento, pela paciente, das condições da prisão domiciliar ou das medidas restritivas de quarentena impostas pelo Poder Executivo, em quaisquer de suas esferas. Comunique-se, com urgência, o MM. Juízo da 216ª Zona Eleitoral de Mogi Guaçu. É como voto. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 693

COPEJE COLÉGIO PERMANENTE DE JURISTAS DA JUSTIÇA ELEITORAL ARMANDO DANTAS DO NASCIMENTO JÚNIOR (JUIZ DO TRE - AC) TRE/AC - RC - Nº 0600143-40.2019.6.01.0000 TEMA Quebra de sigilo de dados RECURSO CRIMINAL - INQUÉRITO POLICIAL - ADMISSÃO DE MEIO DE PROVA - APARELHO CELULAR - QUEBRA DE SIGILO DE DADOS - SUPOSTO CRIME DE TRANSPORTE IRREGULAR DE ELEITORES. Cabimento do recurso de apelação contra decisão do juiz eleitoral que, na fase inquisitiva, indeferiu representação do delegado de polícia pela quebra do sigilo dos dados contidos no aparelho celular do investigado preso em flagrante delito, ao fundamento do artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal, porquanto a decisão atacada não se enquadra no rol daquelas que desafiam recurso em sentido estrito, tal como enumeradas em rol taxativo no artigo 581 do Código de Processo Penal, e, embora não seja definitiva, possui força para assim se tornar, por revelar juízo do órgão jurisdicional sobre a utilidade e necessidade de se valer de dado meio de prova para a busca da verdade. A quebra do sigilo de dados contidos em aparelho celular, por constituir restrição do núcleo essencial do direito fundamental à intimidade e à vida privada, deve refletir 694 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

medida adequada e necessária, segundo o contexto fático e probatório que baliza a investigação, para que não configure medida desarrazoada. Ausente contexto fático justificador, a quebra do sigilo de dados deve ser indeferida. Improvimento do recurso. RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra decisão do Juízo da 1ª Zona Eleitoral que, nos autos do Inquérito Policial n. 0252/2018, tencionado à apuração de suposta prática do crime de transporte irregular de eleitores, previsto no artigo 11, inciso III, da Lei n. 6.091, de 15 de agosto de 1974, INDEFERIU representação formulada pelo Delegado de Polícia Federal que solicitara quebra do sigilo de dados armazenados no celular do indiciado Rodicley Braz da Cruz, apreendido no ato de prisão em flagrante. Destaca o Recorrente que seu apelo é tempestivo e que possui legitimidade e interesse recursais, decorrência da titularidade da ação penal pública e da necessidade de produção da prova. Pondera, ainda, que o recurso de apelação ora manejado é formalmente adequado e constitui instrumento apto a atacar a decisão questionada, que possui aptidão para se tornar definitiva e não se enquadra entre aquelas que desafiam recurso em sentido estrito. Ressalta, ainda, que a quebra do sigilo de dados é medida indispensável para a elucidação do fato delituoso e de todas as suas circunstâncias, mormente porque testemunhas inquiridas na fase inquisitória da persecução apontaram que o transporte de eleitores era organizado mediante utilização de aparelho celular e, ainda, porque foi encontrado, no interior do veículo que era conduzido pelo indiciado no momento do flagrante, contrato de locação do automóvel em que figurava como locador determinado candidato. Pondera que, na hipótese, a autorização judicial é indispensável para a licitude da prova, mesmo que não se trate de quebra de sigilo ou de interceptação telefônicas, conforme entendimento sufragado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores Por tais razões, pede o Recorrente seja conhecido e provido o seu apelo, para que seja reformada a decisão do Juízo da 1ª Zona Eleitoral que indeferiu a produção da prova pleiteada - por considerá-la desnecessária -, e, desse modo, seja permitida a quebra do sigilo dos dados constantes do aparelho celular aprendido. Cópias da decisão questionada (ID. 1658133) e dos autos do Inquérito Policial n. 0252/2018 (ID. 1658183) foram anexadas. Também foram carreados os áudios da audiência de custódia (IDs. 1658383 a 1658783). Ao considerar que a tramitação dos processos judiciais e administrativos deve ocorrer por meio do Processo Judicial Eletrônico, e diante da ausência, neste sistema, da classe processual “Recurso Criminal”, a Presidente deste Regional determinou a autuação deste feito na classe “Petição” (ID. 1658983). 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 695

Instado a emitir parecer, o Procurador Regional Eleitoral apresentou manifestação pelo conhecimento e provimento do recurso, por reputar que a quebra do sigilo de dados, além de medida adequada ao caso, é também necessária, porque o transporte irregular ocorre por meio de articulações entre o transportador e os eleitores, mediante prévia comunicação, normalmente por celular. Anotou, ainda, que o caso não é de interceptação telefônica, pelo que não se exige seja demonstrada a impossibilidade de obtenção da prova por outros meios (ID. 1714083). Efetivado, pois, o exame do caso, e estando apto a proferir voto, remeti o presente relatório e os autos ao Excelentíssimo Senhor Revisor, na forma do artigo 253 do Regimento Interno deste Tribunal. É o relatório. VOTO O recurso é tempestivo, porquanto interposto dentro do prazo delimitado no artigo 362 do Código Eleitoral. A par disso, foi interposto pelo Ministério Público Eleitoral, titular da ação penal pública, nos termos do artigo 129, inciso I, da Constituição Federal de 1988, com legitimidade e interesse, pois, para perseguir a produção de prova que repute de interesse da instrução processual penal. O apelo possui regularidade formal e não se verifica nenhum fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito de recorrer. Por fim, vislumbra-se o cabimento do meio recursal utilizado na espécie, ao fundamento do artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal, porquanto a decisão atacada não se enquadra no rol daquelas que desafiam recurso em sentido estrito, tal como enumeradas em rol taxativo no artigo 581 do Código de Processo Penal, e, embora não seja definitiva, possui força para assim tornar, por revelar juízo do órgão jurisdicional sobre a utilidade e necessidade de se valer de dado meio de prova para a busca da verdade. A orientação jurisprudencial de nossos diversos Tribunais é vacilante quanto ao entendimento a respeito de qual recurso cabível contra a decisão, ora admitindo correição parcial1, ora admitindo a impetração de Mandado de Segurança2, ora admitindo a interposição de recurso de apelação3 ou de recurso em sentido estrito4. Em razão da evidente divergência jurisprudencial sobre o tema, hei por inclinar-me a considerar cabível, in casu, a interposição do recurso de Apelação. Veja-se, nesse sentido, interessantes arestos, que não são representativos de pacífica jurisprudência, mas que guardam similitude com o caso presente e militam a favor do cabimento do recurso e da possibilidade, portanto, do exame de seu mérito: 1. TRE/SE, Petição 46-04.2011.6.25.0000; TJ-RJ - APL: 10091933120118190002 RJ 1009193-31.2011.8.19.0002, Relator: DES. SIDNEY ROSA DA SILVA. 2. TJ-SP, MS 6466 SP 0006466-05.2011.4.03.0000, Rel. Juiz Convocado Márcio Mesquita, 1ª Seção, julgado em 15.05.2014. 3. TJPR, ApCr 1272064-8, Dois Vizinhos, Quarta Câmara Criminal, Rel. Juiz Conv. Antônio Carlos Ribeiro Martins, DJPR 21/01/2015, Pág. 818; TJMG, Apelação Criminal nº 1.0261.13.011504-9/001, Rel. Des. Eduardo Machado. 4. STJ, AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.539.695 – GO, EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.630.121 - RN 696 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

“PENAL. PROCESSO PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. RÁDIO COMUNITÁRIA. CRIME. EM TESE, PREVISTO NO ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/62. PEDIDO DE BUSCA E APREENSÃO FORMULADO PELA AUTORIDADE POLICIAL. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO A QUO. APELAÇÃO. CABIMENTO. ARTIGO 593, II DO CPPB. REFORMA DA DECISÃO SINGULAR. MEDIDA ACAUTELATÓRIA. PREVISÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - ARTIGO 240, PARÁGRAFO 1º, d E NA LEI QUE REGULA OS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES - LEI Nº 4.117/62 e 9.612/98. PROCEDÊNCIA DO RECURSO. 1-De acordo com os arts. 21, inciso XII, e 223 da Constituição, Federal, compete ao Poder Executivo a outorga de concessão, de permissão e autorização do serviço público de radiodifusão sonora e de sons e imagens. 2- Em se tratando de telecomunicação, hão distinguir-se as normas de condições de autorização, por parte do Estado, de tais serviços por Terceiros; das normas que, disciplinando o uso de tais serviços, têm como crime a utilização de tal serviço sem autorização. 3-Cuidando a hipótese de Inquérito Policial, não originário, e cuja competência é de Juiz Federal de 1º grau, onde se apura, em tese, a ocorrência de crime previsto no artigo 70 da Lei 4.117/62, e cuja decisão interlocutória recorrida, por sua natureza, pôs termo a uma etapa do procedimento, tem força definitiva para fins de apelação - artigo 593, II do CPPB. 4-A Busca e a Apreensão, ora requerida, apresentam-se incensuráveis, no quanto de ser uma diligência legalmente autorizada, em termos de uma cautelar penal, autorizada não só pela legislação específica (§ único do artigo 70 da Lei 4.117/62), como pela própria norma processual penal (artigo 240, parágrafo 1º, d do CPPB), impondo- se, de logo, a sua autorização, com a reforma da decisão recorrida. 5- Apelação do Ministério Público Federal provida.” (TRF-5 - ACR: 4933 CE 2006.05.00.062569-7, Relator: Desembargador Federal Petrucio Ferreira, Data de Julgamento: 05/12/2006, Segunda Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 04/01/2007 - Página: 3 - Nº: 3 - Ano: 2007) (g. n.) “PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. INDEFERIMENTO. BUSCA E APREENSÃO. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. DESNECESSIDADE. POSSIBILIDADE DE APREENSÃO EM FLAGRANTE. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Cuida-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal em contrariedade à decisão prolatada pelo Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária da Paraíba, a de indeferir representação policial para busca e apreensão e quebra de sigilo de dados contidos em mídias computacionais, nos autos de inquérito policial deflagrado para apuração de crimes contra os direitos autorais. 2. Mostra-se adequado o manejo de recurso de apelação quando a decisão impugnada apresenta força de definitiva e não se amolda às hipóteses taxativamente previstas no art. 581 do CPP. 3. Na hipótese vertente, a intervenção judicial exsurge despicienda, porquanto os subsídios existentes no inquisitório autorizam, se for o caso, a realização de prisões e apreensões em flagrante. 4. Com efeito, o estado de flagrância torna prescindível a expedição de mandado de busca e apreensão, permitindo o ingresso no domicílio mesmo a revelia dos moradores, consoante dicção do artigo 5º, XI, da Constituição Federal. 5. A manifestação de subsistência do interesse na decretação da medida cautelar de busca e apreensão, 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 697

decorridos quase quatro anos desde o primeiro indeferimento, contradiz, sobremaneira, a alegação de que a rápida e constante mudança dos endereços onde são produzidos e comercializados cd’s e dvd’s “piratas” impediriam uma ação policial em flagrante. - Apelação improvida.” (TRF-5 - ACR: 6931 PB 0006287-02.2004.4.05.8200, Relator: Desembargador Federal José Maria Lucena, Data de Julgamento: 08/04/2010, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça Eletrônico - Data: 23/04/2010 - Página: 240 - Ano: 2010) (g. n.) Deve o recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, portanto, ser conhecido. No que concerne ao mérito, entretanto, não merece provimento o apelo. A necessidade de autorização judicial para que se tenha acesso aos dados armazenados no celular apreendido durante o flagrante está sedimentada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como corolário da proteção constitucional à intimidade, vida privada, honra e imagem, conforme inciso X do artigo 5º da Constituição Federal5: “PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ACESSO AOS DADOS ARMAZENADOS EM TELEFONE CELULAR (MENSAGENS DO APLICATIVO WHATSAPP) DURANTE A PRISÃO EM FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. NULIDADE DA PROVA. DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. AUSÊNCIA. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. ABSOLVIÇÃO. COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL. CAUSA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE NÃO COMPROVADA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS AFASTADA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. INTEGRANTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DEDICAÇÃO À NARCOTRAFICÂNCIA. COMPROVADA. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO DA MINORANTE. IMPOSSIBILIDADE. JUSTIÇA GRATUITA. HIPOSSUFICIÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. CUSTAS PROCESSUAIS. ISENÇÃO. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA EXECUÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de considerar ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes do envio e/ou recebimento de mensagens de texto SMS, conversas por meio de programas ou aplicativos (WhatsApp), mensagens enviadas e/ou recebidas por meio de correio eletrônico, decorrentes de flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. Na espécie, não obstante a nulidade das provas coletadas pelos policiais que obtiveram acesso aos dados (mensagens do aplicativo WhatsApp) armazenados no aparelho celular do acusado, no momento da prisão em flagrante, sem autorização judicial, observa-se, da leitura da sentença condenatória e do combatido aresto, a robustez do acervo probatório a indicar que a condenação se fundou na existência de diversos elementos de prova, totalmente independentes das referidas mensagens de Whatsapp, que atestam a autoria e materialidade delitiva do crime sub judice de forma suficiente para sustentar a condenação, tais como a prisão do acusado em flagrante delito, a respectiva confissão, a elevada quantidade de droga apreendida (540kg de maconha), os depoimentos dos policiais e as demais circunstâncias da apreensão. 5. A proteção ao conteúdo também está prevista, analogicamente, no artigo 7º, II e III, do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). 698 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE

3. Ademais, como é cediço, esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que, no campo da nulidade no processo penal, vigora o princípio pas de nullité sans grief, previsto no art. 563, do CPP, de modo que a comprovação de efetivo prejuízo é imprescindível ao reconhecimento da nulidade, seja absoluta ou relativa. Desse modo, ainda que os dados do celular do recorrente tenham sido coletados pela polícia sem a devida autorização judicial, tal fato, por si só, não inquina de nulidade o feito, uma vez que, no presente caso, a defesa não logrou demonstrar prejuízo em razão do alegado vício, visto que a condenação se sustenta por outros meios de provas carreados aos presentes autos. 4. As teses absolutórias de que o recorrente agiu sob coação moral irresistível e de insuficiência de provas de autoria e materialidade para a condenação quanto aos crimes foram afastadas pelo Tribunal de origem. Com efeito, rever tais fundamentos utilizados, a fim de concluir pela absolvição do acusado, como pretende a defesa, demandaria, necessariamente, amplo revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial. Incidência da Súmula n. 7/STJ. 5. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que a configuração do crime de associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/06) é suficiente para afastar a aplicação da causa especial de diminuição de pena contida no § 4º do art. 33, na medida em que evidencia a dedicação do agente à atividade criminosa (AgRg no AREsp n. 1035945/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 15/3/2018, DJe 27/3/2018). 6. A ausência de comprovação da hipossuficiência do recorrente obsta a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita. Ademais, como é cediço, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o momento de se aferir a situação do condenado para eventual suspensão da exigibilidade do pagamento das custas processuais é a fase de execução, por tal razão, nos termos do art. 804 do Código de Processo Penal, mesmo que beneficiário da justiça gratuita, o vencido deverá ser condenado nas custas processuais (AgRg no AREsp 206.581/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 19/10/2016)” (AgInt no REsp. 1.569.916/PE, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, julgado em 22/3/2018, DJe 3/4/2018). 7. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1803332/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 02/09/2019) (g. n.) “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ARMADA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. MODUS OPERANDI. EXCESSO DE PRAZO. NÃO OCORRÊNCIA. PRISÃO TEMPORÁRIA. PRORROGAÇÃO. 10 DIAS. NULIDADE. OCORRÊNCIA. DEVASSA ILEGAL DE APARELHOS CELULARES. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PRÉVIA. 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE 699

1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis. 2. No caso, a prisão preventiva está justificada no modus operandi empregado na conduta delitiva, revelador da periculosidade do paciente, consistente na prática, em tese, de crime de roubo majorado pelo concurso de agentes e emprego de arma de fogo; consta que uma das vítimas foi agredida e um dos réus praticou “roleta-russa” na cabeça dela. Tais circunstâncias denotam sua periculosidade e a necessidade da segregação como forma de acautelar a ordem pública. 3. O paciente teve a prisão temporária decretada por 5 dias, prorrogada por mais 5 dias, tendo sido convertida em preventiva no 4º dia da prorrogação, o que afasta a alegação de excesso de prazo da prisão temporária. 4. A proteção aos dados privativos constantes de dispositivos eletrônicos, como smartphones e tablets, encontra guarida constitucional, importando a necessidade de prévia e expressa autorização judicial motivada para sua mitigação. 5. No caso, ocorrida a prisão em flagrante, os agentes policiais realizaram, sem autorização judicial, devassa nos dados dos celulares apreendidos, tendo sido prolatada decisão judicial autorizando acesso aos aparelhos posteriormente ao efetivo acesso. 6. ‘Em verdade, deveria a autoridade policial, após a apreensão do telefone, ter requerido judicialmente a quebra do sigilo dos dados nele armazenados, de modo a proteger tanto o direito individual à intimidade quanto o direito difuso à segurança pública’ (RHC n. 67.379/RN, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe de 9/11/2016). 7. O reconhecimento da ilicitude de prova torna imprestáveis todas as que dela são derivadas, exceto se de produção independente ou de descoberta inevitável, conforme entendimento doutrinário, jurisprudencial e legal de aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada. 8. Ordem parcialmente concedida para anular as provas obtidas por devassa ilegal dos aparelhos telefônicos e as delas derivadas.” (HC 454.396/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 18/10/2019) A possibilidade de quebra do sigilo de dados, para fins de instrução processual penal, revela uma face característica dos direitos fundamentais: a relatividade. Embora se permita a violação da intimidade e da vida privada no contexto do processo penal, é de ressaltar que essa medida, por implicar restrição a direito fundamental, deve estar amparada em suficientes razões públicas que revelem a juridicidade da medida. 700 2ª Edição da Revista de Jurisprudência do COPEJE


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