552
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas Universidade Federal do Piauí/Brasil Campus Ministro Petrônio Portela Centro de Ciências Humanas e Letras Cidade: Teresina/ Piauí/ Brasil - CEP: 64049-550 Tel. +55 86 3215-5808 [email protected] www.sinespp.ufpi.br 553Anais SINESPP: https://sinespp.ufpi.br/anais.php
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS EIXO TEMÁTICO 2 554
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 555
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO (HU-UFPI) THE PERFORMANCE OF THE SOCIAL ASSISTANT IN THE UNIVERSITY HOSPITAL INTENSIVE CARE UNIT (HU-UFPI) Maria Elizabete Gomes do Vale1 Thamyres Silva da Fonseca2 Yara Barroso Nascimento3 RESUMO O presente artigo objetiva refletir sobre o processo de trabalho do/a Assistente Social na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI). Em um primeiro momento, são realizadas breves considerações sobre a Unidade de Terapia Intensiva do HU-UFPI, em sequência, apontam-se algumas reflexões acerca da inserção do/a Assistente Social em uma equipe multiprofissional no âmbito da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, em decorrência deste aspecto, são descritos os instrumentais que materializam a ação profissional. A pesquisa é de natureza qualitativa, exploratória e bibliográfica, resultando em contribuições para uma assistência de qualidade e humanizada aos usuários e familiares, considerando direitos e necessidades de saúde dos pacientes atendidos no HU-UFPI. Palavras-Chaves: Processo de trabalho do assistente social. Unidade de Terapia Intensiva. Instrumentais. 1 Assistente social da Unidade de Terapia Intensiva do HU-UFPI e do Centro de Atenção Psicossocial CAPS II Leste, FMS, Teresina- PI; mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí. E-mail: bel- [email protected]. 2 Assistente social especialista em Família e Políticas Públicas pelo Centro Universitário Santo Agostinho; residente em Cuidados Intensivos no HU-UFPI. E-mail: [email protected]. 3 Assistente Social da Unidade de Terapia Intensiva do HU-UFPI e do Centro Municipal de Atendimento Multidisciplinar CMAM- FMS, Teresina-PI; especialista em Gestão Educacional pelo Instituto Federal do Piauí. E- mail: [email protected]. 552
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT This article aims to reflect on the social work working process at the intensive care unit from the HU-UFPI (a Universitary Hospital from Universidade Federal do Piauí). Firsthy some brief topics about HU UFPI intensive unit care are treated, after that reflections on the introduction of a social works into an intensive care unit professional team are considered, as a result of this aspect are described instrumentals that possibility the social worker professional action. This research is a qualitative, exploratory and a bibliographic source. It results in contributions to support users and family members in need of assistance with quality assurance and a humanized way assistance, considering user´s rights and health needs. Keywords: Social work working process. Intensive Care Unit. Instrumental. INTRODUÇÃO O presente artigo objetiva refletir sobre o processo de trabalho do/a Assistente Social na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí (HU-UFPI). Em um primeiro momento, são realizadas breves considerações sobre a Unidade de Terapia Intensiva do HU-UFPI e, em sequência, apontam-se algumas reflexões acerca da inserção do assistente social em uma equipe multiprofissional no âmbito da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e, em decorrência deste aspecto, descrevem-se os instrumentais que materializam a ação profissional. A pesquisa é de natureza qualitativa, exploratória e bibliográfica. A inserção do/a assistente social na UTI junto à equipe multiprofissional resulta em contribuições para uma assistência de qualidade e humanizada aos usuários e familiares, considerando direitos e necessidades de saúde dos primeiros. Para a construção e compreensão do estudo em questão, foram utilizados trabalhos de autoras da biblioteca básica do Serviço Social, como Guerra (2007, 2012) e Iamamoto (2010; 2011), além dos Parâmetros de Atuação do Assistente Social na Saúde (2010) e da Política Nacional de Humanização (2003). 2 A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO HU-UFPI A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) funciona atendendo os parâmetros definidos em legislação específica e tem por objetivo oferecer assistência aos pacientes críticos, 553
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI com probabilidade de sobrevida e recuperação, que necessitam de assistência ininterrupta e um atendimento especializado, bem como de materiais e tecnologias necessárias ao diagnóstico a partir de um controle rigoroso dos seus parâmetros vitais. No HU-UFPI, a inauguração da UTI ocorreu, em 12 de outubro de 2013, vinculada à Divisão de Apoio Diagnóstico Terapêutico com a abertura de 10 leitos, num primeiro momento, e, posteriormente, em abril de 2014, passou a funcionar com o número total de leitos operacionais, ou seja, 15 leitos, sendo 04 deles destinados a isolamento e 04 a cirurgias limpas, ou seja, aquelas “realizadas em tecidos estéreis ou passíveis de descontaminação, na ausência de processo infeccioso local” (LOPES, s.d.). De acordo com Regimento Interno próprio (BRASIL, 2019), a UTI do HU-UFPI foi pensada levando em consideração 04 componentes, a saber: a) pacientes mais graves; b) equipamentos sofisticados; c) profissionais altamente qualificados e treinados; e d) assistência humanizada, conforme é possível evidenciar nos artigos discriminados a seguir: Art.3º - Proporcionar aos usuários em estado crítico uma melhor assistência, disponibilizada por pessoal diferenciado e apoiado por tecnologia avançada, de forma holística e humanizada durante 24 horas/dia. Art. 4º- Admitir pacientes baseando-se em diagnóstico e necessidade do paciente, serviços médicos disponíveis na instituição; priorização de acordo com a condição do paciente e disponibilidade de leitos e potencial benefício para o paciente com as intervenções terapêuticas e prognóstico. Art. 5º - Permitir ao hospital utilizar com a maior eficiência possível, o pessoal mais especializado e os equipamentos de custos mais elevados (BRASIL, 2019, p.6). Nesse contexto, os assistentes sociais têm sido requisitados para viabilizar, junto com os demais trabalhadores do SUS, a Política de Humanização, a qual possui diversas percepções, uma vez que engloba tanto aspectos operacionais e políticos (garantia dos direitos sociais, compromisso social e saúde) quanto práticos (assistência e gestão) (CFESS, 2010). Faz-se necessário estimular o trabalho em equipe de modo a favorecer o diálogo entre profissionais de saúde e usuários enquanto foco central das ações de saúde, pois, para prestar uma assistência digna, não se pode acreditar que práticas individualistas sejam suficientes. 554
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A UTI do HU é composta por uma equipe multiprofissional, a saber: médicos intensivistas, enfermeiros intensivistas, assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas intensivistas, odontólogos, nutricionistas, técnicos em enfermagem, auxiliar administrativo e auxiliar de serviços gerais. Esses profissionais trabalham continuamente com vistas à promoção de um cuidado integral do paciente, por esse motivo se faz necessário um trabalho multidisciplinar. Além desses profissionais, a UTI conta com o apoio dos residentes em cuidados intensivos das diversas áreas da saúde (Assistência Social, Enfermagem, Psicologia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição) e dos internos e residentes do Curso de Medicina da UFPI. Diariamente na UTI, ocorre a visita multiprofissional, momento em que os integrantes da equipe de cuidados se reúnem para discutir sobre questões relativas a cada paciente e pactuam decisões utilizando-se de um checklist com aspectos relevantes da assistência ao usuário. É importante ressaltar que essa equipe multidisciplinar deve estar unida por um objetivo comum, sendo necessário trabalhar em sintonia, complementando suas ações, discutindo e alcançando, sempre que possível, uma proposta de intervenção baseada na integralidade do cuidado. Nessa perspectiva, a atuação do/a assistente social, em uma Unidade de Terapia Intensiva, é de extrema relevância, posto que, por um lado, se conforma uma relação de profissionais baseada na ação técnica e emergencial curativa e, de outro, o Serviço Social, com atuação pautada não na especialidade técnica, mas na identificação dos determinantes sociais e subjetivos (emocionais, relacionais) que estão intrinsecamente relacionados ao processo saúde-doença, contribuindo para um atendimento mais humanizado. Conforme ressalta Bolela e Lerico (2006, p. 302): Na atualidade, vê-se um panorama nas UTIs que nos conduz para a urgência da preocupação com o resgate da humanização. Há uma maior preocupação com o aperfeiçoamento da técnica, valorizando o modo-de-ser trabalho, em detrimento do modo-de-ser-cuidado[...] 555
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Não é possível falar em cuidado sem enfatizar a humanização, logo faz-se necessário o desenvolvimento de um processo de trabalho no qual os profissionais que atuam na UTI considerem o conjunto desses aspectos como parte da sua assistência, possibilitando assumir uma posição ética e de respeito ao outro. Humanizar a atenção à saúde é valorizar a dimensão subjetiva e social, em todas as práticas de atenção e de gestão no SUS, fortalecendo o compromisso com os direitos do cidadão, destacando-se o respeito às questões de gênero, etnia, raça, orientação sexual e às populações específicas (índios, quilombolas, ribeirinhos, assentados, etc.). É também garantir o acesso dos usuários às informações sobre saúde, inclusive sobre os profissionais que cuidam de sua saúde, respeitando o direito a acompanhamento de pessoas de sua rede social (de livre escolha). É ainda estabelecer vínculos solidários e de participação coletiva, por meio da gestão participativa, com os trabalhadores e os usuários, garantindo educação permanente aos trabalhadores do SUS de seu município (BRASIL, 2008). É comum observar que os profissionais de saúde, especialmente os que atuam na UTI, na maioria das vezes, têm priorizado a especialização objetivando oferecer o melhor tratamento e, por conseguinte, a recuperação ou a cura do paciente, deixando em segundo plano aspectos importantes do adoecimento, tais como: fatores sociais, econômicos e relacionais do sujeito internado, sua história de vida, seus valores, entre outros elementos. O usuário internado tem o seu contato com familiares e mundo limitado, embora que temporariamente. Sua rotina já não é mais a mesma “[...] tendo que se relacionar com desconhecidos e ficando expostos a situações constrangedoras, a um ambiente diferente e inóspito [...]” (BOLELA; LERICO, 2006, p. 302-303). O assistente social, ao atuar na UTI, tem a oportunidade de contribuir, juntamente com os demais profissionais, com uma assistência mais humanizada ao paciente a partir de sua capacidade de apreensão da realidade social e das expressões da questão social manifestas na totalidade da história de vida do sujeito. Dessa feita, o processo de trabalho do assistente social está comprometido com a qualidade da assistência prestada. A fim de aprofundar essa discussão, aborda-se, a seguir, o processo de trabalho do assistente social em uma Unidade de Terapia Intensiva. 556
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NA UTI Na saúde, o assistente social se insere no processo de trabalho coletivo, juntamente com os demais profissionais, buscando desenvolver uma intervenção ampliada a partir do conhecimento das expressões da questão social que podem interferir no estado de saúde dos usuários. Sendo considerado trabalho, o Serviço Social tem um objeto, uma matéria-prima sobre a qual recai a ação do assistente social. A matéria-prima é o objeto do trabalho humano, onde o homem imprime sua força de trabalho a fim de gerar um produto. Entrementes, para que esse objeto possa ser transformado em um produto, existe todo um processo que passa pela escolha dos instrumentos que serão utilizados, os quais serão produzidos ou escolhidos conforme a finalidade a ser alcançada. Na esfera do Serviço Social, o objeto de trabalho do assistente social é a questão social em suas múltiplas expressões. Ela é a base de fundamentação da profissão e pode ser entendida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista resultantes da relação capital-trabalho (IAMAMOTO, 2011). Nessa sistemática, o trabalho do assistente social efetiva-se por meio de uma relação de compra e venda de mercadorias, sendo sua força de trabalho mercantilizada: o profissional recebe um salário e, em troca, presta serviços definidos pelas instituições empregadoras, as quais viabilizam aos usuários o acesso aos seus serviços. Essa relação é assim explicada por Iamamoto (2011, p. 64): Em outros termos, o trabalho é a força de trabalho em ação e quando não se dispõe dos meios para realizá-lo, aquela força ou capacidade não se transforma em atividade, em trabalho. Como trabalhador assalariado, depende de uma relação de compra e venda de sua força de trabalho especializada em troca de um salário, com instituições que demandam ou requisitam o trabalho profissional. Do exposto, nota-se que a instituição não é um condicionante externo ou um obstáculo para o exercício profissional, mas organiza o processo de trabalho do qual o assistente social participa. Dada a sua condição de trabalhador, ele detém uma força de trabalho especializada, a qual é mera capacidade, pois só se transforma em trabalho quando consumida ou acionada, isto é, quando aliada às condições necessárias para que o trabalho se efetive. 557
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Sabe-se que o assistente social, para desempenhar seu trabalho, necessita do suporte institucional, pois não possui todos os meios necessários para tal. Como nos lembra Iamamoto (1998, p. 63), o assistente social depende de recursos previstos nos programas e projetos da instituição que o requisita e o contrata, ou seja, o profissional detém uma relativa autonomia na efetivação do seu trabalho. [...] o assistente social depende, na organização da atividade, do Estado, da empresa, entidades não governamentais que viabilizam aos usuários o acesso a seus serviços, fornecem meios e recursos para sua realização, estabelecem prioridades a serem cumpridas, interferem na definição de papéis, e funções que compõem o cotidiano do trabalho institucional. Ora, se assim é, a instituição não é um condicionante a mais do trabalho do assistente social. Ela organiza o trabalho do qual ele participa (IAMAMOTO, 2005, p. 63). Por conseguinte, o assistente social não produz diretamente riqueza (valor e mais-valia), mas é parte de um trabalho coletivo, resultado da combinação de trabalhos especializados na produção de uma divisão técnica do trabalho (IAMAMOTO, 2010). No seu exercício profissional, o assistente social contribui para o atendimento das demandas imediatas da população, ou seja, volta-se para promoção da autonomia, emancipação social, a partir do reconhecimento dos usuários como sujeitos de direitos. Assim, busca viabilizar o acesso ao sistema de saúde, garantindo um atendimento acolhedor, livre de discriminação, visando à igualdade de tratamento, respeitando seus valores e direitos dos pacientes e a promoção da cidadania durante o tratamento (BRASIL, 2006). No trabalho, o assistente social depara-se com usuários inconscientes ou pouco orientados, o que impossibilita, em algumas situações, a identificação das demandas, sendo, portanto, importante a presença da família para a orientação social e identificação das necessidades dos doentes. Nesse sentido, o Serviço Social desenvolve várias ações no sentido de conhecer a realidade social, bem como os determinantes sociais, econômicos, culturais, contribuindo para viabilizar os direitos dos usuários e de seus familiares. Para realizar o seu trabalho, o assistente social transforma os meios e as condições sociais sob as quais o seu trabalho se realiza modificando-os, adaptando-os e utilizando-os com vistas ao alcance de suas finalidades. É importante lembrar que, para 558
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI realizar esse processo, o profissional necessita de recursos (financeiros, humanos e outros) disponibilizados pelas instituições empregadoras (GUERRA, 2007). Conforme Guerra (2007), o Serviço Social lida com relações sociais, necessitando atualizar-se para acompanhá-las e analisá-las criticamente. Além do mais, deve constituir-se de ações inovadoras que contribuam para modificações nessa realidade. Desse modo, todo trabalho social possui instrumentalidade, a qual é construída e reconstruída no caminho das profissões pelos seus agentes. Segundo o pensamento da autora, a instrumentalidade é transposta para as relações sociais, inferindo em nível de reprodução social, mas isso só acontece em condições sócio-históricas determinadas. Nesse sentido, a instrumentalidade é convertida em instrumentalidade é convertida em instrumentalização, passando a ser condição de existência da ordem burguesa. Outrossim, ela possibilita que os sujeitos, diante de sua intencionalidade, invistam na criação e articulação dos meios e instrumentos necessários à efetivação das suas finalidades profissionais. A instrumentalidade se configura, assim, em categoria de mediação, na qual os assistentes sociais constroem os indicativos teórico-práticos de intervenção, o chamado instrumental-técnico ou metodologias de ação (GUERRA, 2007). Logo, reconhecer a instrumentalidade como mediação significa reconhecer o Serviço Social como totalidade construída de múltiplas dimensões: teórico- metodológica, técnico-operativa e ético-política. A primeira dimensão se refere à capacidade de apreensão do método e das teorias e sua relação com a prática, na ação profissional. A segunda se relaciona aos objetivos e finalidades das ações do assistente social e os princípios e valores humano- genéricos que as norteiam. Já a terceira faz alusão à capacidade de o profissional articular meios e instrumentos para materializar os objetivos, embasados nos valores ideados (GUERRA, 2012). Na realização do trabalho, no contexto da UTI, o profissional utiliza-se dos seguintes instrumentos técnico-operativos a fim de facilitar o acesso dos usuários aos seus direitos: autorização para troca de acompanhante fora do horário; autorização para visita fora do horário; autorização para visitantes além da quantidade permitida; autorização para visita estendida; autorização para visita especial (infantil); autorização 559
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI para permanência temporária (familiar 24h); declaração de acompanhante; declaração para o tratamento fora do domicílio; encaminhamento; relatório social; e autorização diversa. No que se refere aos recursos humanos, atualmente a UTI do HU-UFPI conta com duas assistentes sociais, sendo uma no turno da manhã e outra no turno da tarde, além de uma residente que atende nos dois turnos. O Serviço Social funciona de segunda- feira a sexta-feira das 8h às 20h e aos sábados, em regime de plantão, atendendo todas as demandas (postos e UTI). As principais ações realizadas na UTI são: • desenvolvimento de ações que visam compreender os determinantes e condicionantes sociais, econômicos e culturais que interferem no processo saúde-doença, bem como a busca de estratégias políticas e institucionais para dar respostas às diferentes expressões da questão social; • atuação na formação profissional: supervisão direta de estágio em Serviço Social e residência de Serviço Social; • garantia do direito e permanência de acompanhante, nos casos previstos em lei (idosos, pessoas com deficiência); • flexibilização do acesso à permanência de familiares dos usuários internados, tais como: visita estendida, visita fora do horário; • orientação sobre os benefícios sociais, previdenciários e jurídicos; • encaminhamentos para a rede de Proteção Socioassistencial e Jurídica; • articulação com a equipe multiprofissional para viabilização e garantia dos direitos dos usuários internados; • realização de ações socioeducativas com vistas a promover educação em saúde; • realização de oficinas e rodas de conversas sobre temas relevantes; • planejamento, organização, normatização e sistematização do processo de trabalho por meio da criação e implementação de protocolos e rotinas de ação. Na Unidade de Terapia Intensiva, a inserção do assistente social ocorre a partir da sua atuação junto à equipe multiprofissional, baseando a sua intervenção nos 560
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Parâmetros para Atuação do Assistente Social na Saúde, no Código de Ética Profissional, na Lei de Regulamentação da Profissão, na Política Nacional de Humanização e no Projeto Ético-Político da categoria. Nesse contexto, as principais atividades desenvolvidas pelo assistente social são: ▪ Grupo de Sala de Espera Nesse grupo, são repassadas orientações aos familiares sobre as normas e rotinas de funcionamento da UTI, tais como: horário de visitas, número de visitantes permitidos, visitas de crianças, entre outros. Além disso, são abordados temas relevantes relacionados ao paciente de UTI. Esses grupos são realizados semanalmente e contam com a participação dos residentes de Psicologia e de Serviço Social, além de outros profissionais, quando há necessidade. ▪ Acolhimento social individual e familiar De acordo com a Política Nacional de Humanização - PNH (2003), o acolhimento é uma postura ética que implica escuta dos usuários em suas queixas e constitui compromisso de resposta às necessidades dos usuários que procuram as unidades de saúde. No âmbito do Serviço Social, esse acolhimento (escuta qualificada) acontece diariamente na UTI do HU-UFPI com os familiares e os pacientes que estejam em condições de interagir com os profissionais e tem por objetivo identificar possíveis demandas a partir da apreensão das expressões da questão social que irão nortear os procedimentos e encaminhamentos adotados pelo assistente social. ▪ Proteção Social e Socialização de Direitos Sociais De acordo com o seu Código de Ética Profissional (1993) e a Lei de Regulamentação da Profissão, Lei Federal nº 8.662/93, é dever do assistente social, nas suas relações com os usuários, democratizar informações e o acesso aos programas disponíveis no espaço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à participação destes. Entre as principais atribuições, destacam-se: a) encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; 561
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI b) orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso deles no atendimento e na defesa de seus direitos. ▪ Transferência do Cuidado Quando o paciente apresenta estabilidade em seu quadro clínico, é transferido para as enfermarias do hospital. Desse modo, faz parte dos direitos do paciente o direito à informação. Assim, durante o horário da visita, um membro da equipe multidisciplinar comunica à família ou responsável a transferência do paciente para a enfermaria; se necessário, realiza-se articulação via telefone, com dados adquiridos através do cadastro hospitalar realizado no sistema AGHU. O assistente social registra no livro de transferência de cuidados todos os dados e a enfermaria para onde o paciente será conduzido, visando à continuidade do cuidado pelo/a assistente social do referido posto. Caso os familiares relatem dificuldades para providenciar acompanhante ou cuidador, realiza-se o acolhimento e orientação sobre as normas hospitalares. É válido mencionar que não se deve direcionar a orientação para o âmbito do dever/exigência, pois o acompanhante é um direito da pessoa e não um dever. ▪ Identificação pessoal ou de familiares em situações excepcionais, como pessoas em situação de rua e usuários sem identificação Nessas situações, o assistente social da UTI faz articulações com os serviços de identificação e com a Rede de Proteção Social, formada por: Centro Pop, Consultório na Rua, SEMCASPI, Secretaria de Saúde, Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e, dependendo do contexto, articula-se com o Ministério Público do Estado ou da União. ▪ Autorização para visita estendida A visita estendida, também conhecida como visita aberta, é uma flexibilização para que familiares possam permanecer por mais tempo com o ente querido que se encontra internado na UTI, pois a presença da família ajuda a equipe a conhecer as informações do contexto social do usuário, bem como suas necessidades, promovendo o fortalecimento de vínculos e a interação social entre família-profissionais-pacientes. A visita estendida é decidida durante a corrida multiprofissional realizada diariamente na UTI, oportunidade em que os profissionais das diversas áreas podem 562
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI opinar sobre o benefício da liberação. Em seguida, o Serviço Social consulta a família sobre o interesse e a disponibilidade dos componentes. Em caso afirmativo e após a escolha do familiar que ficará com a visita estendida, o/a assistente social faz a orientação sobre as normas e rotinas de funcionamento da UTI e dá a autorização para que esse possa ficar com o paciente das 9h às 21h. Vale ressaltar que o hospital, embora reconheça os benefícios da presença da família para a recuperação do paciente internado na UTI, não disponibiliza o direito à refeição, fator que limita a permanência dos familiares que não possuem suporte em Teresina. Esse aspecto tem sido um dilema para o Serviço Social, pois entende-se que facilitaria muito se o hospital disponibilizasse a refeição, ao menos para aqueles que residem em outros municípios. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto, a inserção do assistente social na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí possibilita constatar que é de fundamental importância a realização de um trabalho voltado para uma assistência integral, de qualidade e humanizada aos usuários e seus familiares. Através dos instrumentos e técnicas e de um olhar diferenciado sobre a realidade social, o assistente social apreende as demandas dos usuários para além da aparência, para então chegar às suas reais necessidades, orientando-os e, quando necessário, fazendo encaminhamentos à rede de proteção social, visto que: O assistente social, ao participar do trabalho em equipe na saúde, dispõe de ângulos particulares de observação na interpretação das condições de saúde do usuário e uma competência também distinta para o encaminhamento das ações, que o diferencia do médico, do enfermeiro, do nutricionista e dos demais trabalhadores que atuam na saúde (CFESS, 2010, p. 46). Os enfrentamentos das problemáticas demandam ações planejadas que se pautem no conhecimento abrangente da realidade e busquem alternativas de solução que ultrapassem a sua imediaticidade e produzam mudanças significativas no cotidiano dos sujeitos envolvidos. REFERÊNCIAS 563
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BOLELA, Fabiana; LERICO, Marli de Carvalho. Unidades de terapia intensiva: Considerações da literatura acerca das dificuldades e estratégias para sua humanização. Agosto, 2006. BRASIL. Lei nº 8662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília, 1993. BRASIL.Política Nacional de Humanização. Brasília, 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, 2006. BRASIL. Plano de Humanização e ampliação (PNH). 2008. Disponível em:http://portalsaude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto. cfm?idtxt=27147. Acesso em: 29 nov. 2014. BRASIL. Universidade Federal do Piauí (UFPI). Manual de Normas e Rotinas da Unidade de Cuidados Intensivos e Semi-Intensivos UCISI/HU-UFPI. Teresina, 2019. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Código de ética do assistente social.Lei de Regulamentação nº 8.662. Brasília, 1993. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Parâmetros para atuação de assistentes sociais na Política de Saúde. Brasília, 2010. GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. In: Cadernos do Programa de Capacitação Continuada para Assistentes Sociais, “Capacitação em Serviço Social e Política Social”, Módulo 4: O trabalho do assistente social e as políticas sociais. CFESS/ABEPSS; UNB, 2000. Rev. e atual., maio 2007. GUERRA, Yolanda. Apresentação. In: SANTOS, Cláudia M. dos; BACKX, Sheila; GUERRA, Yolanda (org.). A dimensão técnico-operativa no Serviço Social: desafios contemporâneos. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012, p.9-13. IAMAMOTO, M. V.O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 1998. IAMAMOTO, M. V.Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 10. ed. São Paulo: Cortez; Lima (Peru): CELATS, 2005. IAMAMOTO, M. V.O Serviço Social na cena contemporânea. In: CFESS; ABEPSS (org). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS / ABEPSS, 2010. IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 564
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI LOPES, Maria Helena Baena de Moraes (coord.). Hospital Virtual. Universidade Estadual de Campinas. Disponível em: http://www.hospvirt.org.br/enfermagem/port/cirur.htm. Acesso em: 10 abr. 2020. 565
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS POLÍTICA SOCIAL E MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL: uma análise introdutória SOCIAL POLICY AND LABOR MARKET IN BRAZIL: an introductory analysis Tainá Rocha dos Santos1 RESUMO Este artigo de inspiração crítico-dialética marxiana, objetiva analisar as estratégias do Estado no enfrentamento ao desemprego diante do capitalismo contemporâneo, bem como este vem se expressando na particularidade brasileira, a partir da estruturação do modo de produção capitalista. Desse modo, levando em consideração o processo de constituição da Política Social na contextualização histórica, faz-se necessária uma discussão, ainda que breve, sobre o percurso da Política Social no Brasil, atrelado ao mercado de trabalho, e quais suas inferências ao desemprego postulado no país, até meados de 1980. Palavras-Chaves: Desemprego; Estado; Mercado de Trabalho; Política Social. ABSTRACT This article of marxian critical-dialectic inspiration aims to analyze the strategies of the State in the fight against unemployment in the face of contemporary capitalism, as well as this has been expressed in the Brazilian particularity, from the structuring of the capitalist mode of production. Thus, taking into account the process of constitution of Social Policy in historical contextualization, it is necessary to discuss, albeit briefly, about the path of Social Policy in Brazil, linked to the labor market, and what its inferences to the unemployment postulated in the country until the mid-1980s. Keywords: Unemployment; State; Labor Market; Social Policy. 1 Membro do Grupo de Pesquisa \"Educação, Formação, Processo de Trabalho e Relações de Gênero\" (UFS); Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS); Especialista em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de Ensino Regional Alternativa (FERA); Bacharela em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca - Unidade Educacional de Palmeira dos Índios (UFAL). E-mail: [email protected] 566
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é apresentar parte dos resultados de uma pesquisa em andamento sobre as estratégias do Estado no enfrentamento ao desemprego, diante do capitalismo contemporâneo, bem como este vem se expressando na particularidade brasileira, a partir da estruturação do modo de produção capitalista. Levando em consideração o processo de constituição da Política Social na contextualização histórica, entendemos que se faz necessária uma discussão, ainda que breve, sobre o percurso da Política Social no Brasil, atrelado ao mercado de trabalho, e quais suas inferências ao desemprego aqui postulado, até meados de 1980. Para tanto, apresenta uma perspectiva de análise baseada no método histórico dialético. 2 OS PERCURSOS DA POLÍTICA SOCIAL NA REALIDADE BRASILEIRA Como bem sabemos, a instituição do capitalismo fez surgir a política social, pautada nas mobilizações oriundas das revoluções industriais do século XIX. Entendida como estratégia de intervenção estatal nas relações sociais do mundo da produção, a política social foi relacionada a um processo de mediação, como estratégia entre interesses conflitivos. Já no contexto brasileiro, as políticas sociais estão relacionadas às condições vivenciadas pelo País quanto aos seus níveis econômicos, políticos e sociais. Vistas como mecanismos de manutenção da força de trabalho, em alguns momentos, e como conquistas dos trabalhadores, em outros (ou ainda como bonança das elites dominantes), bem como um instrumento da garantia de aumento da riqueza ou ainda de garantias dos direitos do cidadão, seu entendimento perpassa por um complexo de significados. Behring e Boschetti (2011) constatam que seu surgimento no Brasil não acompanhou o mesmo processo histórico dos países de capitalismo central – assim como o foi todo o processo de formação social brasileira –, uma vez que não houve no Brasil escravista do século XIX a radicalização das lutas operárias, por exemplo. Com isso, 567
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI [...]. A questão social já existente num país de natureza capitalista, com manifestações objetivas de pauperismo e iniquidade, em especial após o fim da escravidão e com a imensa dificuldade de incorporação dos escravos libertos no mundo do trabalho, só se colocou como questão política a partir da primeira década do século XX, com as primeiras lutas de trabalhadores e as primeiras iniciativas de legislação voltadas ao mundo do trabalho (BEHRING, BOSCHETTI, 2011, p. 78). Sobre isso, Iamamoto e Carvalho (2014) destacam que a generalização do trabalho livre numa sociedade regida pela marca recente da escravidão, ligou diretamente a contextualização da “questão social” ao cenário brasileiro, ao salientar que o trabalho livre que aqui se generalizou esteve pautado em circunstâncias históricas tais que a separação entre os produtores de seus meios de produção se deu fora dos limites da formação econômico-social brasileira, já que não vivenciamos a acumulação primitiva clássica – e isso, por sua vez, marcou profundamente os desdobramentos do desenvolvimento brasileiro. No caso do Brasil, e como uma caracterização dos espaços periféricos, a subsunção real do trabalho ao capital se estabeleceu pela expropriação, pela escravidão (sendo esta indígena e negra) e pela concentração de terras – fatos estes permeados pela intervenção/repressão estatal, expressando os traços do processo capitalista. Assim, as expressões da questão social no país tiveram um caminho de enfrentamento diferente do que foi verificado nos países de capitalismo central, o que distanciou o Brasil do modelo de Estado de “Bem-Estar Social” caracterizado socialmente. Com o fim legal do trabalho escravo, a burguesia agrária buscou legitimar o trabalho assalariado e, com isso, a forma que deveria assumir sua dominação passou a ser uma inquietação. Além da extração da mais-valia, a construção ideológica para sujeição do trabalhador livre se fazia necessária, uma vez que a concepção do trabalho como fonte de riqueza precisava ser difundida. Para tanto, o Estado [...] restaurou estruturas pré-modernas para manter sua estratégia econômica e territorial nas especificidades da acumulação capitalista dependente brasileira. Por isso que, logo após a “independência”, a liberdade do trabalho em sua afirmação plena, implicaria em perda da unidade territorial. Isso engendraria a fusão, não menos conflituosa, de relações pré- capitalistas de extração do excedente do trabalho. A burguesia industrial nascente foi incapaz de se autonomizar da oligarquia agrária e realizar as tarefas típicas das revoluções burguesas “clássicas”, nas transformações econômicas e políticas do país (OLIVEIRA, 2017, p. 92). 568
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Destarte, o perfil histórico das elites agrárias e da burguesia industrial se intercalou às ações que visavam o ajuste necessário ao mercado de trabalho capitalista de cunho nacional, ao levar em consideração as vantagens históricas da escravidão que garantiram tanto um excedente populacional quanto a instituição das relações de formalização do trabalho que surgiram posteriormente, o que veio a alimentar a superexploração do trabalho imposta pelas bases imperialistas do capital. Desse modo, estudos econômico-sociais ressaltam que foi a partir da República Velha que o assalariamento, como regime de trabalho, passou a ser difundido no país, uma vez que suas estruturas produtivas ainda eram marcadas por características agrário-exportadoras. Assim, os efeitos do Imperialismo e o peso da propriedade da terra nas relações econômicas e sociais passaram a ser evidenciados quando das políticas de valorização, como o foi com a política do café adotada em 1906 (conhecida como o Convênio de Taubaté), como uma espécie de equilíbrio na balança comercial brasileira, bem como com o financiamento de ferrovias e portos necessários ao desenvolvimento industrial. Contudo, nem todos gozariam dos regulamentos do trabalho livre, uma vez que apenas uma elite de trabalhadores brancos, de funcionários públicos e do setor de transporte deteriam tais direitos, já que a intervenção do Estado era limitada e o trabalhador era responsável pelo seu próprio bem-estar. Sobre isso, Iamamoto e Carvalho (2014) ressaltam que a constituição do mercado de trabalho brasileiro, quando do momento em que o capital se libertou do custo de reprodução da força de trabalho, esteve pautada na absorção desta força quando de sua transformação em mercadoria, e sua manutenção e reprodução passaram a ser responsabilidade do próprio operário e de sua família, através do salário. Desse modo, o trabalhador livre passou a ter diante de si [...] não um senhor em particular, mas uma classe de capitalistas, à qual [passou a vender] sua força de trabalho. Sua sobrevivência se [vinculou] ao mercado de trabalho dominado pelo capital e, apesar do caráter aparentemente individual dessa vinculação, [foi] aqui que [apareceu] ainda mais claramente seu conteúdo social. Como vendedor livre de sua força de trabalho – a certo estágio de desenvolvimento da produção capitalista – [sucumbiu] inexoravelmente à exploração desmedida do capital. Sua existência e reprodução só se [tornaram] possíveis enquanto elemento de uma classe social, através da “verdadeira guerra civil” que [travava] com a 569
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI classe capitalista para garantir e ampliar suas condições de existência (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 134). Com isso, o operariado desenvolveu uma capacidade de luta defensiva, tendo em vista a exploração abusiva pela qual era sujeitado, luta esta que passou a ser considerada pelo restante da sociedade burguesa, em determinado momento, como uma ameaça aos valores morais, religiosos e ordenativos da conjuntura pública. Isso impôs a necessidade do controle social da exploração da força de trabalho, consubstanciando que a compra e venda desse tipo de mercadoria (força de trabalho) saísse da esfera mercantil e constasse, por sua vez, na imposição regulamentar jurídica do mercado de trabalho, contando com a intervenção do aparato estatal. Assim sendo, as Leis Sociais, como bem destacam Iamamoto e Carvalho (2014), passaram a representar a parte mais importante dessa regulamentação, ao surgirem no momento em que as condições de existência do proletariado foram retratadas para a sociedade brasileira através dos grandes movimentos sociais desencadeados frente a conquista de uma cidadania social (em que a criação dos direitos sociais resultou da luta de classes e expressou a correlação de forças predominante). Os autores supracitados apontam ainda que As Leis Sociais [surgiram] em conjunturas históricas determinadas, que, a partir do aprofundamento do capitalismo na formação econômico-social, [marcaram] o deslocamento da “questão social” de um segundo plano da história social para, progressivamente, colocá-la no centro das contradições que [atravessavam] a sociedade. Ao mesmo tempo, a “questão social” [deixava] de ser apenas contradição entre abençoados e desabençoados pela fortuna, pobres e ricos, ou entre dominantes e dominados, para constituir-se, essencialmente, na contradição antagônica entre burguesia e proletariado, independentemente do pleno amadurecimento das condições necessárias à sua superação (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 135). A nova qualidade assumida pela questão social nos grandes centros urbanos- industriais derivou, deste modo, do crescimento numérico do proletariado e da solidificação da solidariedade política e ideológica, enquanto fatores basilares à construção e à possibilidade, tanto objetiva quanto subjetiva, de um projeto alternativo à dominação complexa da burguesia frente a realidade social. Behring e Boschetti (2011) ressaltam que a luta de classes desde os primórdios da conjuntura dos direitos sociais no Brasil, perpassa um complexo cenário de lutas em 570
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI defesa dos direitos de cidadania, envolvendo a constituição da política social no país – ainda que se observassem medidas esparsas e frágeis de proteção social no cenário brasileiro até a década de 1930: Até 1887, dois anos antes da Proclamação da República no Brasil (1889), não se [registrou] nenhuma legislação social. No ano de 1888, [houve] a criação de uma caixa de socorro para a burocracia pública, inaugurando uma dinâmica categorial de instituição de direitos que [seria] a tônica da proteção social brasileira até os anos 60 do século XX. Em 1889, os funcionários da Imprensa Nacional e os ferroviários [conquistaram] o direito à pensão e a 15 dias de férias, o que [iria] se estender aos funcionários do Ministério da Fazenda no ano seguinte. Em 1891, tem-se a primeira legislação para a assistência à infância no Brasil, regulamentando o trabalho infantil, mas que jamais foi cumprida, confirmando a tendência anteriormente sinalizada da distância entre intenção e gesto no que se refere à legislação social brasileira. Em 1892, os funcionários da Marinha [adquiriram] o direito à pensão (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 79-80). Até 1923 (considerado o ano-chave para a compreensão do formato da política social brasileira, com a aprovação da Lei Eloy Chaves), a passagem para o século XX havia sido marcada pela formação dos primeiros sindicatos (em 1903, na agricultura e nas indústrias rurais, e em 1907 aos demais trabalhadores urbanos); pela redução legal da jornada de trabalho para 12 horas diárias (em 1911 – ainda que a lei não tenha sido assegurada); e pela regulamentação da questão dos acidentes de trabalho no Brasil, pela via do inquérito policial e da responsabilidade individual, quando das condições coletivas de trabalho (em 1919). A constituição das políticas sociais brasileiras carregou em si as marcas da escravidão, da diversidade regional, do perfil do Estado territorialista e repressor, como já indicamos anteriormente, com o propósito de servir aos objetivos da elite dominante através da criação de um sustentáculo social pautado na territorialidade das cidades, enquanto lócus do emprego formal. Sendo assim, em fins do século XIX e início do século XX a regulamentação pública da “questão social”, via repressão, veio a ser evidenciada inicialmente pela perseguição e expulsão aos estrangeiros integrantes de movimentos sindicais (uma vez que os sindicatos passaram a atuar de forma mais intensa nas empresas), e pela discussão em torno aos direitos sociais que passou a figurar na agenda estatal, nos jornais e na imprensa, a partir de 1917. Com isso, foi criado o Departamento Nacional 571
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de Trabalho (em 1917), instituindo a primeira lei trabalhista de alcance nacional – que funcionou como uma apaziguadora dos ânimos pós-greve, bem como justificativa à participação do Brasil no Tratado de Versalhes, quando da instituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 1926 houve a ruptura com a ordem liberal, momento em que o Congresso Nacional passou a legislar diretamente sobre o trabalho; em seguida foi instituída a lei de férias, o código de menores (para menores de 14 anos), e a licença maternidade (com um prazo de trinta dias antes e depois do parto). (BARBOSA, 2008). D’Araújo (2007) apontou que a virada do século XIX marcou a criação das primeiras leis sociais e sindicais (com benefícios aos funcionários públicos e depois aos privados), bem como foi capaz de destacar ações mais focalizadas aos menores e às mulheres, no século XX: em 1917 foi criada a Comissão de Legislação Social na Câmara dos Deputados, visando ordenar a legislação trabalhista no país; em 1923 a Lei Eloy Chaves criou a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPS) para os ferroviários; também em 1923 houve a criação do Conselho Nacional de Trabalho, vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio; e antes de 1930, algumas categorias profissionais já vinham sendo beneficiadas com leis de proteção contra acidente de trabalho e a lei de férias – ainda que o governo não dispusesse de recursos para fiscalizar seu cumprimento. Destarte, Oliveira (2017) ressalta que A política social executada após 1930 não entrou em conflito com os padrões de acumulação capitalistas, mas, permitiu o alinhamento entre os interesses das elites dominantes e os sindicatos de trabalhadores urbanos. Já na Europa, o reconhecimento de direitos sociais foi produto da intensa e histórica luta política dos trabalhadores para torná-los universais (desde o século XIX, sendo consumado no Pós-guerra). Tampouco se pode comparar o sistema corporativo brasileiro com o papel dos sindicatos no modelo clássico social- democrata de “parceria social” que aproximava relações industriais e representação de interesses (OLIVEIRA, 2017, p. 96). Vale destacar também que este período foi marcado pela política de Vargas (pautada na conhecida Era Vargas, de 1930 a 1945), que era centrada no controle das relações estabelecidas entre capital e trabalho, e isso fez com que sua maior engenharia política estivesse pautada na introdução das classes trabalhadoras na agenda estatal, através da politização da “questão social”, retirando-a da criminalização, mesmo que 572
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI seu enfrentamento, por vezes, atuasse via deportação, tortura, cárcere e instituição de leis de segurança nacional. A autora supracitada também apontou que o subdesenvolvimento nacional, como produção da dependência da inserção dos países periféricos na Divisão Internacional do Trabalho (DIT), passou a ser necessário e adquiriu consistência a partir da industrialização por substituição das importações. A especificidade deste subdesenvolvimento estaria relacionada à articulação entre a agricultura de subsistência (que produzia um excedente capaz de financiar a acumulação urbana), o sistema bancário, o financiamento industrial e o barateamento da reprodução da força de trabalho nas cidades. Desse modo, o pilar deste barateamento era o “exército de reserva”, que se via ocupado em atividades informais, prioritariamente. Para Iamamoto e Carvalho (2014), a definição desta força de trabalho urbana estaria pautada no crescimento e na formação desordenada/acelerada dos espaços urbanos, que passaram a se caracterizar como “abrigo” dos expropriados do campo, e tal realidade foi explicitada pelo êxodo rural, enquanto evidência da expansão das relações capitalistas no campo, em que parte destes trabalhadores foi excluída do mercado de trabalho formal, vindo a estabelecer as características basilares do exército industrial de reserva das cidades. Desse modo, foi com a implementação do processo de industrialização na década de 1930 que ficaram marcadas as principais mudanças na estrutura econômica do país, tendo em vista o novo modelo de produção instituído. Durante este processo, o mercado de trabalho brasileiro foi definitivamente estruturado, quando da inauguração do período de consolidação das leis trabalhistas, uma vez que os programas previdenciários passaram a ser demarcados positivamente. A gestão de Vargas seguiu a referência de cobertura de riscos dos países desenvolvidos, através da regulação dos acidentes de trabalho, da instituição das aposentadorias e pensões, seguindo com os auxílios-doença, maternidade, família e seguro-desemprego, ainda que o desenvolvimento estatal do país exprimisse características coorporativas e fragmentadas, quando comparadas à universalização das políticas clássicas. Por isso, mesmo diante de tais medidas, não se podia configurar a existência de uma política social efetiva de proteção ao trabalhador, principalmente aos 573
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desempregados, pois a inserção destes marcos regulatórios era restrita à pequenos grupos e favorecia o aumento da pobreza, através de um mercado de subsistência que se encontrava fora do núcleo formal da economia e dos direitos sociais, o que, por sua vez, intensificava o excedente da força de trabalho. Teixeira (2006) ressaltou que a nova dinâmica estabelecida pela ordem capitalista no Brasil acabou fornecendo as bases para a instituição do salário mínimo em 1940, bem como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tendo em vista a busca pela sistematização das medidas legais de garantia dos direitos trabalhistas, através da estabilidade no emprego, e logo após instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), as férias, a licença maternidade, os direitos previdenciários, as normas de segurança e saúde, entre outras medidas. Com tais regulamentações, houve o avanço do assalariamento no Brasil, vindo a resultar na heterogeneidade estrutural do mercado de trabalho, em que grande parte da mão de obra passou a constituir um considerável contingente de trabalhadores no setor informal. Sobre isso, Silva e Yazbek (2008) destacaram que ainda que a oferta de mão de obra se fizesse abundante, a baixa qualificação técnica e a baixa organização sindical, por exemplo, sujeitavam os/as trabalhadores/as aos empregos instáveis de elevada rotatividade, conformando uma baixa produtividade individual e coletiva, enquanto fatores que afirmavam a degradação dos baixos salários. Ainda assim, o mercado de trabalho que se via estruturado pela regulação capitalista almejava um futuro de empregos estáveis, com uma maior qualificação dos trabalhadores, com possibilidades de ascensão e com melhores salários. Diante desse contexto de mudanças na estruturação do mercado de trabalho brasileiro, as ações do Estado passaram por um tipo de redimensionamento quanto ao seu desempenho na promoção de políticas de proteção social e no estímulo à atividade econômica privada, ao se transformar em um Estado empresário. Sua intervenção deveu-se à presença ativa da legislação, quando sua atuação passou a servir como um “[...] incremento urbano-industrial, tornando-o dimensão-chave da dinâmica social e constituindo as bases da poupança necessária para a industrialização, com dinâmico crescimento econômico e de postos de trabalho” (BARBOSA, 2008, p. 93). Nos anos 1950, a função do Estado na economia brasileira passou a ser intensificada, uma vez que o Estado, ao assumir a característica de administrador- 574
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI complementar do capitalismo, assegurou a criação do modelo de acumulação industrial no Brasil ao investir nas políticas de proteção ao trabalho, sob o modelo desenvolvimentista. Segundo Behring (2009, p. 135), o Estado “[…] foi demandado no sentido de proteger e administrar, de acordo com os interesses privados, o sobreproduto social”. Desse modo, mesmo com a promoção das políticas de proteção ao trabalho, o novo modelo de desenvolvimento instituído serviu como causa e efeito da reprodução de novas desigualdades, quando a realidade social da grande massa da população não teve acesso a tal tipo de proteção, uma vez que as camadas sociais vulnerabilizadas não tiveram seu conjunto de necessidades básicas (como alimentação, energia elétrica, saneamento básico, educação, acesso a bens culturais) atendidos satisfatoriamente, ainda que em um caráter mínimo. Assim, Henrique (1998) aponta que a industrialização dos anos 1950 lançou as bases para as transformações econômicas e sociais no país, mas esteve pautada na intensificação da desigualdade e no acirramento da heterogeneidade do trabalho, vindo a constituir as bases de uma nova estrutura social e de novas desigualdades de renda e de consumo, “[...] além de explicar que grande parte da população, especialmente em algumas regiões, não se beneficiava do crescimento da renda e dos novos bens de consumo disponíveis, nem do acesso à educação e a outros serviços públicos” (HENRIQUE, 1998, p. 75). Contudo, apesar da latência oriunda da desigualdade de renda e da heterogeneidade do trabalho (diante da estruturação do trabalho formal e informal), o processo de urbanização e o ciclo de industrialização caracterizados no cenário brasileiro foram as bases que estruturaram o mercado de trabalho sob a ideologia do desenvolvimentismo; o papel estatal também foi decisivo no desenvolvimento do capitalismo no país quando ofereceu as condições necessárias ao setor de produção de bens de capital e de insumos básicos em suas expansões, através do incentivo às exportações que geraram as divisas necessárias para as compras de insumos das mercadorias que seriam produzidas internamente, e através do investimento direto na produção de máquinas, equipamentos, instalações e energia. Bezerra (2016) destacou também que 575
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Além do incentivo às exportações, diversas empresas estatais foram criadas para o desenvolvimento econômico, como energia, telecomunicações, siderúrgicas etc. Com as mudanças na estrutura econômica, o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho permitiu a expansão do capitalismo brasileiro, tornando possível um maior investimento no campo social e econômico, o que favoreceu o aumento dos postos de trabalho, aliado ao crescimento de sua formalização e à criação do salário-mínimo. Esta realidade foi caracterizada em um momento específico das alterações políticas e institucionais no pós-64 (BEZERRA, 2016, p. 119-120). Destarte, para além dos altos e baixos deste período de desenvolvimento, o capitalismo brasileiro também foi marcado pelo retrocesso dos direitos sociais e pela permanência da desigualdade de renda, quando da existência de deficiências nas áreas da saúde, do saneamento, da educação, da moradia, da segurança, do meio ambiente, do transporte e da seguridade social. E isso passou a ser agravado quando os efeitos no Brasil da crise estrutural dos anos 1970 afetaram a estrutura das políticas no campo social, levando Pochmann (1998, p. 110) a considerar que “[...] as políticas públicas de segurança dos trabalhadores [sofreram] significativas alterações a partir das mudanças no marco regulatório do mercado de trabalho até a crescente incorporação de empresas privadas promotoras de medidas de recolocação de mão de obra (autoplacement)” (grifo do autor). Oliveira (2017) também pontuou que Somente a partir de 1970 o governo [implantou] medidas passivas de emprego, das quais destacam-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); Programa de Integração Social (PIS) para os trabalhadores urbanos da iniciativa privada e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor (PASEP); o PRORURAL em 1971, que ampliaria o sistema de previdência para os trabalhadores rurais, ampliado para as trabalhadoras domésticas em 1973. Também a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social (MAPS) em 1974, que promoveria uma cobertura aos excluídos do mercado de trabalho formal. Nas políticas ativas foi instituído em 1974 o regime de trabalho temporário, em 1975 foi constituído o Sistema Público de Emprego (SPE), marcado pela criação do SINE (OLIVEIRA, 2017, p. 102). Essas medidas de recolocação estiveram pautadas nas alterações das políticas de segurança dos trabalhadores num momento de instabilidade financeira e inflacional do Brasil, o que acarretou um aumento nas taxas de desemprego e na expansão das ocupações, tendo em vista que o país passava por uma realidade de endividamento externo e o cenário internacional vivenciava a crise da dívida externa que eclodiu em 576
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 1982. Desse modo, o endividamento passou a ser a principal restrição ao desenvolvimento econômico brasileiro, diante da elevada taxa do petróleo e das taxas de juros internacionais. Assim, Gonçalves (2013, p. 49) conceituou a instabilidade econômica brasileira daquele período como um “[…] desequilíbrio das contas externas – determinado, em grande medida, pelo serviço da dívida externa”, que se mostrava insustentável. Isso fez com que o Brasil abandonasse a política de desenvolvimento continuado e passasse por uma fase de desaceleração do crescimento econômico, tendo a estagnação da renda per capita, a elevação da instabilidade monetária, a reconcentração da renda e as elevadas taxas de desemprego como consequências. Essa desaceleração da economia brasileira interrompeu a geração de empregos assalariados, principalmente na produção industrial, e o aumento do desemprego nos setores formais fez com que a grande massa de trabalhadores passasse a se inserir nas ocupações precárias, “[…] do ponto de vista de sua institucionalidade, capacidade de reprodução, cobertura de direitos e nível de rendimento” (HENRIQUE, 1998, p. 95). Desse modo, Mattoso (2000) pontuou que o desemprego urbano que surgiu nos anos 1980 deu início à precarização das condições de trabalho e à incorporação institucional do trabalho informal, demonstrando as consequências do ajuste neoliberal nos empregos da grande massa de trabalhadores, através da contenção dos salários, da derrota do movimento sindical, da queda do número de greves durante os anos 1980 e do aumento da desigualdade social. 4 CONCLUSÃO A caracterização aqui postulada (ainda que mínima) do mercado de trabalho brasileiro, atrelada ao percurso da política social, confirma o postulado de que no país inexistiu a relação entre democracia, participação eleitoral e políticas sociais (ou seja, a não conformação de um Estado de Bem-Estar Social como vivenciado nos países de capitalismo central). Com uma industrialização recente e restrita, a base da organização operária não teria como fazer frente ao capital: “[...]. Em vez da falsa conciliação capital x trabalho a partir de universalização das políticas sociais, aqui houve uma adaptação da 577
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI acumulação desenvolvimentista, com a cooptação da classe trabalhadora urbana e uma política social estratificada” (OLIVEIRA, 2017, p. 103). Assim, observa-se que o mercado de trabalho brasileiro foi pautado, desde sua gênese, pelo contínuo excedente de força de trabalho, pela alta instabilidade, pela flexibilidade dos salários e pela fragilidade expressa na legislação. Também pode-se afirmar que a superexploração do trabalho se constituiu historicamente como fator de garantia do desenvolvimento das relações capitalistas nacionais, estando sintonizada ao sistema sociometabólico do capital desde o século XX. REFERÊNCIAS BARBOSA, A. F. A formação do mercado de trabalho no Brasil. São Paulo: Alameda, 2008. BEHRING, E. Expressões políticas da crise e as novas configurações do Estado e da sociedade civil. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2011. BEZERRA, A.L.S. O desemprego e as políticas de emprego, trabalho e renda no Brasil contemporâneo. 2016. 228 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco. CCSA, 2016. D’ARAÚJO, M. C. Estado, classe trabalhadora e políticas sociais. In: D’ARAÚJO, M. C.; FERREIRA, J.; DELGADO, L. A. N. O tempo do nacionalestatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. GONÇALVES, R. Desenvolvimento às avessas: verdade, má-fé e ilusão no atual modelo brasileiro de desenvolvimento. Rio de Janeiro: LTC, 2013. HENRIQUE, W. Crise econômica e ajuste social no Brasil. In: OLIVEIRA, M. A. (Org.). Reforma do Estado: políticas de emprego no Brasil. Campinas: UNICAMP, 1998. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 40. ed. São Paulo: Cortez, 2014. MATTOSO, J. O Brasil desempregado: Como foram destruídos mais de 3 milhões de empregos nos anos 90. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000. OLIVEIRA, V. D. Políticas públicas e trabalho precário: a retórica da “autonomia empreendedora” e a permanência do desemprego. 2017. 300 f. Tese (Doutorado em 578
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Geografia) - Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão/SE, 2017. POCHMANN, M. As políticas de geração de emprego no Brasil. In: OLIVEIRA, M. A. (Org.). Reforma do Estado: políticas de emprego no Brasil. Campinas: UNICAMP, 1998. SILVA, M. O. S.; YAZBEC, M. C. Políticas públicas de trabalho e renda no Brasil contemporâneo: tema e conteúdo do livro. In: SILVA, M. O. S.; YAZBEC, M. C. (Org.). Políticas públicas de trabalho e renda no Brasil contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2008. TEIXEIRA, F. Sistema público de emprego: Caminhos, Descaminhos... Novas Esperanças? In: RABELO, J.; FELISMINO, S. C. (Org.). Trabalho, Educação e a Crítica Marxista. Fortaleza: Editora Universidade Federal do Ceará - UFC, 2006. p. 167-184. 579
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS A POBREZA COMO EXPRESSÃO DA QUESTÃO SOCIAL: particularidades no cenário da realidade brasileira POVERTY AS AN EXPRESSION OF THE SOCIAL ISSUE: particularities in the Brazilian reality scenario Ariele França de Melo1 Maria Tereza Martins de Sousa2 Jéssica Katariny Oliveira da Silva3 RESUMO A pobreza é um fenômeno presente ao longo da história da humanidade, mas que adquire um sentido diferente a partir da constituição da propriedade privada, já que anterior a ela, a escassez se dava em virtude do pouco desenvolvimento das forças produtivas. Neste sentido, compreendemos que nas sociedades capitalistas, em especial na realidade brasileira, cada vez mais tem-se observado uma crescente agudização das expressões da questão social na contemporaneidade, dentre elas a pobreza, o que reflete nas péssimas condições de existência na vida de milhares de trabalhadores/as que têm seus direitos diariamente negados ou atendidos de forma parcial e/ou pontual. Portanto, o objetivo desse trabalho é refletir, de forma crítica, acerca da intensificação da pobreza no Brasil a partir do avanço do neoliberalismo e de suas estratégias, que possuem a finalidade de perpetuarem a dominação e estabilidade econômica dentro do capitalismo. Palavras-Chaves: Pobreza; Questão Social; Realidade Brasileira; Modo de Produção Capitalista; Neoliberalismo. 1 Bacharel em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pós Graduanda em Trabalho Social com Famílias e Comunidades pela Universidade Candido Mendes. E-mail: [email protected] 2 Bacharel em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected] 3 Bacharel em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Pós Graduanda em Trabalho Social com Famílias e Comunidades pela Universidade Candido Mendes. E-mail: [email protected] 580
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT Poverty has long been a phenomenon present in the human history, but aquires a different meaning because of private property constitution, as before, the scarcity happened because of the few development of productive forces. In this way, we understand that in the capitalist societies, especially the brazilian reality, there has been an increasing sharpening of the expressions of the Social Issue currently, with poverty among them, that reflects on the worth condition of existence in thousands of workers' life that has their rights denied daily or partially met. Therefore, this article aims to reflect, critically, around the intensification of the poverty from the advancement of the neoliberalism and their stratergies, with a goal of perpetuate the economical domination and stability in the capitalism. Keywords: Poverty, Social Question, Brazillian Reality, Capitalism Production Mode, Neoliberalism. INTRODUÇÃO Ao situarmos a pobreza, precisamos enfatizá-la como uma categoria multidimensional, que está para além de não somente acesso a renda, mas também a serviços, bens e oportunidades. Historicamente a pobreza sempre existiu no mundo, no entanto hoje ela é funcional ao modo de produção capitalista. Assim, a pobreza dentro da lógica capitalista se constitui como parte da questão social, sendo uma de suas expressões, isto é, não está mais associada à escassez de recursos, mas sim à produção e acumulação de riquezas. De acordo com Yasbek (2010), “a pobreza é uma categoria multidimensional, e, portanto, não se caracteriza pelo não acesso a bens, mas é categoria política, que se traduz pela carência de direitos, de oportunidades, informações, de possibilidades e de esperança”. Segundo Amartya Sen (2000) devemos caracterizar a pobreza não apenas como baixo nível de renda, mas como privações das capacidades básicas, o que envolve acesso a bens e serviços. Para ele, o desenvolvimento seria o resultado não apenas do crescimento econômico, “mas na eliminação das privações de liberdade e na criação de oportunidades” (SEN, 2000, p. 10). Embora a renda se configure como elemento essencial para a identificação da pobreza, o acesso a bens, recursos, serviços sociais, ao lado de outros componentes complementares de sobrevivência, precisam ser considerados para definir situações de 581
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI pobreza. Aqui é preciso identificar quais são, destacamos o não acesso à educação, em especial ao ensino superior, ao meio político ou a participação na política, o não acesso à cultura (museu, cinema, arte, dança música e todas as expressões culturais humanas), ao lazer, dentre tantos, as privações de liberdades e de escolhas. Assim, analisaremos a pobreza como uma expressão da questão social intensificada na realidade brasileira, de modo que possamos compreender esta a partir de uma visão mais ampla e crítica, isto é, não apenas em seus aspectos puramente econômicos. A partir disso, pretendemos situar pobreza inclusive como o não acesso da população a própria democracia. Para tanto, os procedimentos metodológicos utilizados na construção desse trabalho se deram a partir de pesquisa bibliográfica e documental. Dessa forma, essas discussões serão desenvolvidas no item 2 denominado pobreza e acumulação capitalista no Brasil, no qual serão divididas nos subitens 2.1 conceituando a categoria pobreza e no 2.2 a pobreza como expressão da questão social. 2 POBREZA E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA NO BRASIL 2.1 Conceituando a categoria pobreza Entendemos que a categoria pobreza é um fenômeno presente ao longo da história da humanidade, mas que adquire um sentido diferente a partir da constituição da propriedade privada, já que anterior a ela, a escassez se dava em virtude do pouco desenvolvimento das forças produtivas. Nos baseando essencialmente em Siqueira (2013), traremos algumas das principiais interpretações teóricas sobre pobreza. Para esta autora, na visão “darwinista”, ou como também podemos chamá-la, de positivista, a pobreza tem suas causas a partir de dois fatores imutáveis: primeiro ela seria considerada um fenômeno natural e inevitável, e depois, como uma consequência direta do aumento da natalidade em períodos de escassez. Portanto, se aqui suas causas são explicadas pela naturalização das desigualdades o seu enfrentamento não seria diferente, já que as principais respostas encontradas no “darwinismo” estão concentradas tanto na caridade e na filantropia, como no controle da natalidade (SIQUEIRA, 2013). 582
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Continuando nesse pensamento positivista, entretanto concentrando mais na questão da pobreza como uma “disfunção”, tem-se com mais intensidade a autorresponsabilização e culpabilização dos indivíduos, ou seja, a pobreza seria uma espécie de escolha pessoal para os mais preguiçosos que não querem, por suas próprias mãos, transformarem suas vidas. Como enfrentamento, a pobreza aqui é respondida a partir do ajustamento e higienização social, da “autoajuda e da religião”, sendo combatida mediante sua criminalização (SIQUEIRA, 2013). Cabe, inclusive, situar a forma como a Igreja Católica tratou a pobreza e seu enfrentamento, com a instituição da encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas ou sobre as condições dos operários - 1891), escrita pelo Papa Leão XIII, como resposta ao Manifesto do Partido Comunista. Tal encíclica, tinha como papel esvaziar a luta de classes, combater o comunismo e defender a propriedade privada, sistematizando a doutrina social da Igreja por meio da moralização das relações de produção, apelo à justiça e a caridade, “em lugar da igualdade comunista, a igualdade na pobreza”. De acordo com trechos desse documento, o próprio Papa Leão XIII (1891) afirma que [...] o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível” [...] na sociedade, as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio”. Já no campo do liberalismo, como tradição que legitima a dominação burguesa, a pobreza continua sendo associada aos ideais positivistas/funcionalistas, na qual os sujeitos são os únicos responsáveis pelos rumos de suas vidas. Pois, “desta corrente de pensamentos [...] remete o conceito de indivíduo e de individualismo”, fazendo gerar “a liberdade do indivíduo e suas propriedades como de valor superior aos interesses coletivos” (SIQUEIRA, 2013, p. 32). Assim, riqueza e pobreza estariam sempre relacionadas à liberdade, “onde as propriedades de um e as carências de outros não seriam outra coisa que o resultado das livres transações entre indivíduos com capacidades e esforços diferentes\" (SIQUEIRA, 2013, p. 32). Desta forma, nas análises de Siqueira (2013) sobre a compreensão de Adam Smith a riqueza seria o legítimo resultado do trabalho ao se produzir mais do que precisa e acumular o excedente e a pobreza como a incapacidade de produzir mais do que necessita. De outra parte, na tradição marxista, a pobreza é tratada como produto central do capitalismo, sendo necessária para a manutenção deste. Antes, sobretudo, é 583
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI fundamental entendermos que Marx conduziu seus estudos a partir de uma perspectiva de totalidade dentro da sociedade capitalista, pois compreendia ser esta o espaço em que a pobreza e a riqueza são determinadas e particulares, na qual a prioridade não é o bem-estar social, mas o econômico. Isto posto, para fins deste trabalho, adotaremos o conceito de pobreza conforme nos apresenta Marx, que interpretado por Siqueira (2013, p. 163) aponta que, “a pobreza não é um aspecto marginal, ou problema colateral do desenvolvimento capitalista, mas representa, um momento central e fundante de acumulação capitalista”, que para ser enfrentada, é necessário que haja primeiro a superação desse sistema. Portanto, de uma forma mais crítica, pretendemos fugir dos pensamentos teóricos que naturalizam e marginalizam a pobreza, suas determinações e enfrentamentos. 2.2 A pobreza como expressão da Questão Social Nas sociedades capitalistas, cada vez mais tem-se observado uma crescente agudização das expressões da questão social na contemporaneidade, dentre elas a pobreza. Com o avanço do neoliberalismo e de suas estratégias, que possuem a finalidade de perpetuarem a dominação e estabilidade econômica dentro do capitalismo, percebemos que a negligência com a dignidade humana vem se tornando cada vez mais presente na realidade de milhares de trabalhadores/as que têm seus direitos diariamente negados ou atendidos de forma parcial e/ou pontual. A questão social, segundo Netto (2007, p. 136) é o “espaço em que a desigualdade se expressa com evidência flagrante e do qual se irradiam as problemáticas centrais o que passa a ser chamado de refrações da questão social”. Para os termos histórico-conceituais, de acordo com Mota (2010, p. 35) “essa expressão foi utilizada para designar o processo de politização da desigualdade inerente à constituição da sociedade burguesa”, portanto, essas refrações são particulares do capitalismo, pois são resultados da prioridade econômica estabelecida nesse sistema e que, consequentemente, menospreza os fatores sociais. 584
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Na realidade brasileira esse cenário de pobreza4 e extremos sociais vem se agravando ao longo dos últimos anos, contudo, ainda que passe a ter “maior visibilidade [...], é percebida apenas como déficit de renda, sem que sejam consideradas as determinações estruturais geradoras da pobreza estrutural e da desigualdade social” (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2011, p. 227). Em virtude disso, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o número de pobres no país até o ano de 2017 era de aproximadamente 54,8 milhões de pessoas, ou seja, “a proporção da população em situação de pobreza era de 26,5%5”. Indo mais adiante, não podemos deixar de enfatizar que a pobreza brasileira também está associada ao elemento de raça/etnia, logo, a pobreza tem cor no Brasil, o que pode ser constatado nos dados de 2018 do IBGE6 que trazem as pessoas pretas e pardas como sendo maioria no país, mas que encontram-se entre as que mais são vítimas de violência e homicídio, que mais vivem em domicílios insalubres, que são a maioria entre os desempregados, que possuem menos acesso e permanência à educação, principalmente a de nível superior, e consequentemente são as que possuem menor rendimento econômico. Assim, podemos constatar que a realidade da sociedade brasileira é permeada por descasos com a dignidade humana, já que, por exemplo, em pleno século XXI, ainda que exista grandes investimentos e avanços tecnológicos, pessoas continuam morrendo diariamente por não possuírem meios suficientes para se alimentarem. De acordo com Maranhão (2010, p. 93) “esse mesmo sistema, que ampliou sem precedentes a técnica, a ciência e a riqueza, tem se deparado, em escala ascendente, com um crescimento exponencial da desigualdade social, da pobreza e da miséria”. Portanto, para o capitalismo tudo necessita funcionar com o objetivo de produzir e acumular capital a fim de que, ao final desse processo, sejam gerados lucros que só serão obtidos a partir da exploração da força de trabalho. 4“Em 2018, o país tinha 13,5 milhões pessoas com renda mensal per capita inferior a R$ 145, ou U$S 1,9 por dia, critério adotado pelo Banco Mundial para identificar a condição de extrema pobreza” Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25882-extrema-pobreza- atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao-maior-nivel-em-7-anos. Acesso em 23 mar. de 2020. 5Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/23299- pobreza-aumenta-e-atinge-54-8-milhoes-de-pessoas-em-2017. Acesso em 25 ago. de 2019. 6Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de- noticias/releases/25989-pretos-ou-pardos-estao-mais-escolarizados-mas-desigualdade-em-relacao-aos-brancos- permanece. Acesso em 16 dez. de 2019. 585
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Antes de tudo, é necessário enfatizar que trabalho é considerado como uma categoria fundante para a vivência e sobrevivência humana, como sendo “um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza” (MARX, 2011, p. 216). Logo, essa interação, é fundamental para o desenvolvimento humano dentro das sociedades, pois é a partir dessa troca com a natureza que os homens, enquanto seres sociais, se utilizam da sua capacidade teleológica7 para se desenvolverem, se transformarem e se evoluírem ao longo das décadas. Entretanto, no capitalismo o trabalho aparece de forma estranhada, já que os trabalhadores/as foram expulsos da terra e transformados em trabalhadores assalariados. Assim, quem domina economicamente compra força de trabalho para produzir e quem não possui meios de produção necessita vender a força de trabalho para poder ter condições de sobreviver. Conforme Siqueira (2013), a principal particularidade desse modo de produção se dá pelas relações sociais de trabalho, nas quais existe a intensa exploração da força de trabalho e pelo fato do trabalhador ser separado dos meios de produção. Esse aspecto, no capitalismo, se caracteriza como sendo à base de sua elementar contradição, esta que Marx vai caracterizar como contradição “Capital versus Trabalho”. Dessa forma, “quanto mais trabalhamos, mais o capital prospera” (MARX, 2017, p. 67), pois o trabalho, para o trabalhador, passa a ser uma atividade laboral em que este desempenha o dispêndio de se suas energias físicas em uma determinada jornada de trabalho, na qual não é dono dos meios de produção e recebe apenas um salário determinado pelo seu empregador, porém não correspondente ao total de horas em que esteve produzindo. Segundo Maranhão (2010, p. 100) “Essa dinâmica negativa do capital de empobrecer os trabalhadores diante da riqueza social que eles mesmos produzem é uma das características fundamentais do modo de produção capitalista”, e assim, podemos sintetizar destacando que a maior parte do que é adquirido fica concentrado nas mãos dos capitalistas, uma grande parcela denominada de mais valia (MARX, 2011), 7 “A teleologia é um ato de consciência, existente exclusivamente no trabalho ou mesmo na práxis humana em geral, descoberta realizada por Marx e expressa em sua famosa análise da diferença entre a atividade da abelha e do arquiteto” (ALCÂNTARA, 2014, p.39 – 40). 586
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que nas palavras desse mesmo autor pode ser compreendida como “a transformação do valor de uma mercadoria que vem a ser pago depois que seu valor de uso, sob o comando do capital, recria o antigo valor de troca como uma substância capaz de aumentar por si mesma” (MARX, 2011, p. 74). Desta forma, essa lógica capitalista que funciona em torno da produção e acumulação do capital, acaba gerando uma intensa e acentuada desigualdade social, envolvendo consigo duas classes sociais distintas, capitalistas e trabalhadores, que personificam as duas categorias fundantes, “Capital versus Trabalho”, e todo o antagonismo que as cercam (IAMAMOTO E CARVALHO, 2008). Pelo lado do trabalhador, sua reprodução física e espiritual está submetida às limitadas circunstâncias de reprodução do capital. Apenas no momento em que este vende sua força de trabalho e recebe seu salário é que terá condições de se reproduzir enquanto indivíduo social e desenvolver suas potencialidades criativas. O capital, por sua vez, objetiva, com a compra de força de trabalho, produzir mercadorias que contenham mais trabalho do que ele paga ao trabalhador e cuja venda realiza a mais-valia obtida gratuitamente (MARANHÃO, 2010, p. 100). A pobreza no capitalismo possui características próprias, como nos apresenta Mota (2012) ao nos dizer que em outros regimes econômicos esta estava associada à escassez, mas na lógica capitalista está vinculada à uma abundância de recursos que se fossem distribuídos de forma igualitária seriam suficientes para atender às necessidades básicas de toda a população. Em virtude disso, é que a pobreza dentro do capital se consolida como uma das expressões da questão social mais inerente e gritante desse modo de produção, pelo fato desta abranger inúmeras outras, como o desemprego, subemprego, empregos informais, parciais, uberizados, criminalidade, violências e a fome, interferindo diretamente na vida da classe trabalhadora. Segundo Siqueira (2013) a pobreza jamais deveria ser analisada separadamente da riqueza no capitalismo, pois são opostos fundantes contraditórios desse sistema, que constituem o antagonismo entre classes e se reflete nas inúmeras problemáticas sociais geradas nesse processo, resultando a concentração de capital nas mãos de uma pequena parcela da população, enquanto distribui pobreza para milhões. No atual estágio do capitalismo, identificado como a fase do novo imperialismo, que se destaca como a estratégia de superação formulada, principalmente, para o 587
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI enfrentamento da crise econômica mundial na década de 1970, momento em que houve uma interrupção no processo de industrialização, em decorrência dos entraves no sistema monetário internacional e dos choques petrolíferos que modificaram completamente a oferta e a demanda por petróleo. De acordo com Castelo, Ribeiro e Lima (2018, p. 284) “a acumulação capitalista no novo imperialismo apresenta características inéditas ao lado das mesmas já evidenciadas em outros períodos históricos”. Nesse contexto de ascensão e monopolização do capital financeiro por todo o mundo, surge uma era de nova dominação e exploração de forma mais acentuada dos países desenvolvidos sobre os países pobres e/ou em desenvolvimento. Um processo que deu continuidade às estratégias de superação da crise, de forma que “o capital necessitou se transformar de alto a baixo seu modo de produção e reprodução, expandido cada vez mais o seu domínio para todos os espaços do globo” (MARANHÃO, 2010, p. 116). Portanto, é com este imperialismo que se tem o grande avanço da ofensiva neoliberal, que pretende fazer com que o Estado interfira o mínimo possível no mercado, servindo de forma a legitimar somente a ordem burguesa. Conforme Castelo, Ribeiro e Lima (2018, p. 274) o Estado “é tido com uma peça-chave não só na gênese e consolidação do capitalismo, mas no combate à queda da taxa de lucro, na dinâmica da acumulação capitalista e no controle social da força de trabalho”, passando a destinar incentivos que possuem ênfase especial nas privatizações de serviços essenciais como saúde, educação e previdência social, bem como acelerando o processo de intensificação de precarização das condições trabalhistas e a precarização dos postos de trabalho (BEHRING E BOSCHETTI, 2011). No Brasil, a realidade permanece associada à de um país colonizado, como foi e é ao longo da sua história, conforme nos explica as autoras Behring e Boschetti (2011, p. 72) O processo de colonização entre os séculos XVI e XIX, na sua interpretação, serviu à acumulação originária de capital nos países centrais. Os períodos, imperial e da república, não alteram significativamente essa tendência de subordinação e de dependência ao mercado mundial, embora se modifiquem historicamente as condições dessa relação. 588
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Assim, com o aprofundamento mundial deste imperialismo, esta pátria continua sendo considerada periférica, além de ainda possuir algumas características básicas de uma colônia, pois não somente continua vendendo ou trocando de forma barateada recursos naturais, matérias-primas e força de trabalho para os países que dominam a economia mundial, a ciência e a tecnologia, como também progride e permanece oferecendo miséria, fome e pobreza para seu povo. Ademais, permanece os traços de economia agroexportadora fundada no latifúndio. Atualmente, um dos maiores motivos para o agravamento da pobreza no Brasil se dá, inclusive, pelo aumento alarmante do número de pessoas desempregadas, como nos afirma Maranhão (2010, p. 94) “[...] o tempo médio de procura por trabalho tem crescido ano a ano”, E, de acordo com o IBGE, no segundo trimestre de 2019, o número de pessoas desempregadas ou que se encontram em precárias condições de trabalho, além das que desistiram de procurar emprego, era de 28,4 milhões8. É importante destacar, contudo, que o desemprego sempre se constituiu como uma refração da questão social presente dentro do capital e que, imprescindivelmente, “não há capitalismo sem desemprego, suas taxas podem variar, e historicamente têm variado, mas não foi inventado, até o momento, capitalismo sem desempregados” (MOTA, 2010, p. 38). Aqui a pobreza possui “uma dimensão econômica que se manifesta na carência (enquanto ausência ou enquanto necessidade) de bens e serviços fundamentais ou básicos para a subsistência humana” (SIQUEIRA, 2013, p. 233), mediante esse quadro, cenas de pessoas vivendo sem acesso à agua potável, saneamento básico, alimentação segura e adequada, educação e saúde pública de qualidade são retratadas na vida de milhares de brasileiros que lutam batalhas diárias para garantirem não somente sua sobrevivência, mas também a de suas famílias. Em meio a esse cenário, é válido destacar que questão social não é meramente o conjunto de desigualdades sociais, mas é também rebeldia, que conforme Iamamoto (2015, p. 28) se dá pelo fato de “envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a elas resistem e se opõem”. Nas palavras de Maranhão (2010, p. 114) “Os trabalhadores podem erguer barreiras políticas e sociais que impeçam a degradação absoluta do 8Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25093- desemprego-recua-para-12-mas-populacao-subocupada-e-a-maior-desde-2012. Acesso em 25 ago. de 2019. 589
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI salário e até mesmo às condições deploráveis da população excedente”. Assim, é possível perceber a rebeldia dos trabalhadores desde o seu cotidiano, no qual formulam micro estratégias para enfrentarem a pobreza na qual estão submetidos, como também nas lutas e os movimentos da sociedade em prol de melhorias e qualidade vida para a classe trabalhadora. A partir disso, retificamos que é somente no momento em que os trabalhadores se reconhecem não somente enquanto classe explorada, mas também como a classe social responsável pela geração das grandes riquezas dos capitalistas é que eles se organizam coletivamente com a intenção de lutarem objetivando “emancipação humana, socialização de riquezas e a instituição de uma sociabilidade não capitalista” (BEHRING E BOSCHETTI, 2011, p. 63). Como consequência desse reconhecimento de classe, é que se aprofunda o debate para uma maior atenção para políticas sociais públicas que garantisse o mínimo de condições de vida e trabalho para os trabalhadores dentro do capitalismo, enquanto uma política civilizatória. Entretanto, em nível mundial, não podemos esquecer que cada avanço e conquista social é produto exclusivamente da mobilização e da organização dos trabalhadores. É somente a partir disso que houve, ao menos, a possibilidade de existir mudanças, positivas, ainda que limitadas, para aqueles que não são donos dos meios de produção dentro do capital (BEHRING E BOSCHETTI, 2011). Contudo, se faz necessário frisar que, o capital, sempre se reinventando, nunca teve a pretensão de perder a sua dominação econômica e ideológica, e por isso, diante da capacidade de organização da classe trabalhadora, a burguesia, segundo Mota (2012 p. 28), permitiu que “incorporassem reformas sociais e criasse formas de enfrentamento das diversas manifestações da questão social, por meio de políticas sociais setoriais”, pois, ainda de acordo com essa autora, nos marcos do capital vigente, manter as refrações da questão social, é manter intocável “a propriedade privada e a exploração do trabalho alheio” (MOTA, 2012, p. 28). Neste ínterim, é possível compreendermos então que, nada de melhorias que venham a existir para a vida da classe dos trabalhadores é concebida ou atendida pelos capitalistas em atos de bondade e/ou generosidade, pois estes sempre vão se aproveitar para utilizarem estratégias que não somente sejam utilizadas para preservar este sistema, como também, de forma ideológica, tenham a intenção de convencer a todos 590
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de que no capitalismo existe espaços e oportunidades iguais. Todavia, sabemos que nesse modo de produção a única pretensão daqueles que dominam é a de dar respostas e soluções que enfrentem a pobreza e as demais refrações da questão social de forma imediata e focalizada, isto é, em um contexto que não considera como opções a revolução e a superação desse sistema (MOTA, 2012). 3 CONCLUSÃO A elaboração deste trabalho nos possibilitou uma reflexão acerca da pobreza como uma expressão da questão social inerente do modo de produção capitalista, que em muitas vezes é entendida apenas como déficit de renda, visualizada de forma marginalizada e naturalizada e tendo o seu enfrentamento com ações limitadas e fragmentadas. Assim, é possível compreendermos que, enquanto existir capitalismo consequentemente vai existir pobreza. Neste ínterim, tivemos a oportunidade de aprofundar as nossas analises na realidade do cenário brasileiro, no qual observamos que é um país periférico e com intenso agravamento da pobreza e suas mazelas que interferem cotidianamente, de forma negativa, na vida de milhares de trabalhadores/as que se encontram em péssimas condições de moradia, de desemprego e sem condições de terem acesso aos mínimos que caracterizam a sobrevivência e dignidade humana, como a falta de alimentação adequada. Assim, a pobreza de milhares, no modo de produção capitalista, necessita ser analisada em conjunto com a abundância de riqueza acumulada de uma minoria, pois é isto o que caracteriza a contradição fundante deste sistema “Capital versus Trabalho”. Dessa forma, se faz essencial a luta conjunta da classe trabalhadores no processo de reivindicar melhorias de condições de existência, ainda que seja nos limites impostos pelo capital. A pobreza enfim, só será superada a partir da revolução social e econômica, o que resultará na construção de um sistema societário mais justo e igualitário, sem discriminação, de quaisquer formas que venham a interferir na dignidade humana, e onde a socialização da riqueza seja real. Por isso é tão importante que as lutas e 591
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI mobilizações sociais da classe trabalhadora não se conformem com este sistema que só tem a oferecer profundas e inerentes desigualdades sociais. REFERÊNCIAS BEHRING, E. R; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2011. 213 p. CASTELO, Rodrigo; RIBEIRO, Vinicius; LIMA, Ricardo de. A Violência como Potência Econômica: da acumulação primitiva ao novo imperialismo. In: BOSCHETTI, Ivanete (Org.). Expropriação e Direitos no Capitalismo. São Paulo: Cortez, 2018. Cap. 9. p. 265- 292. IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 26. ed. São Paulo: Cortêz, 2015. 326 p. IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 25. ed. São Paulo: Cortêz, 2008. 388 p. LEÃO XIII, (papa). Carta Encíclica Rerum Novarum. 1891. Disponível em: <http://www.vatican.va/content/leoxiii/pt/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_15051 891_rerum-novarum.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2020. MARANHÃO, Cézar Henrique. Acumulação, trabalho e superpopulação: crítica ao conceito de exclusão social. In: MOTA, Ana Elizabete (Org.). O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010. Cap. 3. p. 93-129. MARX, Karl. O Capital (Livro 1): Crítica da Economia Política. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2011. 1119 p. Tradução de: Rubens Enderle. MARX, Karl. Os Despossuídos: Debates sobre a lei referente ao furto da madeira. São Paulo: Boitempo, 2017. 150 p. Tradução de: Daniel Bensaïd, Nélio Scheneider e Mariana Echalar. MOTA, Ana Elizabete. Questão Social e Serviço Social: um debate necessário. In: MOTA, Ana Elizabete (Org.). O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010. Cap. 1. p. 21-57. MOTA, Ana Elizabete. Questão Social, Pobreza e Serviço social: em defesa da perspectiva crítica. In: GOMES, Vera Lúcia Batista; VIEIRA, Ana Cristina de Souza; NASCIMENTO, Maria Antonia Cardoso (Org.). O Avesso dos Direitos: Amazônia e nordeste em questão. Recife: Editora Universitária Ufpe, 2012. Cap. 1. p. 25-40. NETTO, José Paulo. Desigualdade, pobreza e Serviço Social. In: Em Pauta, Revista da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. n. 19, 2007. 592
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI SEN, A. K. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. SILVA, Maria Ozanira da Silva e; YAZBEK, Maria Carmelita; GIOVANNI, Geraldo di. A Política Social Brasileira no Século XXI: A previdência dos programas de transferência de renda. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011. 236 p. SIQUEIRA, Luana. Pobreza e Serviço social: diferentes concepções e compromissos políticos. São Paulo: Cortêz, 2013. 320 p. YASBEK. M. C. Serviço SocialePobreza.Rev.katálysis vol.13 no.2 Florianópolis, 2010. 593
EIXO TEMÁTICO 2 | TRABALHO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICAS PÚBLICAS CONCEITOS E REFLEXÕES SOBRE A FACE RELATIVA DA POBREZA NA CONTEMPORANEIDADE E O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA CONCEPTS AND REFLECTIONS ON THE RELATIVE FACE OF POVERTY IN CONTEMPORANEITY AND THE BOLSA FAMÍLIA PROGRAM Leid Jane Modesto da Silva1 Mayra Hellen Vieira de Andrade 2 Marinalva de Sousa Conserva3 RESUMO O presente artigo versa sobre a categoria pobreza discutindo a sua concepção e a sua forma relativa com o objetivo de analisar as determinações desse fenômeno que são configuradoras na formulação das políticas sociais no Brasil. Realizar-se-á uma abordagem desta categoria e suas múltiplas complexidades que emergem da sociedade de classes. Tal fenômeno tem sido estudado há décadas por diferentes áreas do saber e classificadas em análises distintas. No atual contexto de desmontes dos direitos sociais, o debate acerca da pobreza e os Programas de Transferências de Renda (PTR) tornam-se ainda mais necessários, principalmente, no que concerne à contribuição para a análise da pobreza relativa. Para abordagem da temática, buscou-se, através de pesquisas bibliográficas, apresentar a discussão da pobreza e sua influência na constituição dos Programas de Transferência de Renda. Assim, este construto visa corroborar com a pluralidade dos debates já existentes nesse campo. Palavras-Chaves: Pobreza. Programa Bolsa Família. Programas de Transferências de Renda. 1 Assistente Social. Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais. E-mail: [email protected]. 2Assistente Social. Mestranda em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: mayra- [email protected]. 3 Professora da Pós-Graduação e do curso de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais – NEPPS/PPGSS/UFPB. E-mail: mconservaicloud.com. 594
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT This article deals with the category of poverty, discussing its conception and its relative form in order to analyze the determinations of this phenomenon that are shaping the formulation of social policies in Brazil. An approach of this category and its multiple complexities will emerge from the class society. This phenomenon has been studied for decades by different areas of knowledge and classified in different analyzes. In the current context of dismantling of social rights, the debate about poverty and the Income Transfer Programs (PTR) become even more necessary, especially with regard to the contribution to the analysis of relative poverty. To approach the theme, it was sought, through bibliographic research, to present the discussion of poverty and its influence in the constitution of Income Transfer Programs. Thus, this construct aims to corroborate the plurality of debates that already exist in this field. Keywords: Poverty, Social Question, Brazillian Reality, Capitalism Production Mode, Neoliberalism. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo discutir a categoria pobreza configuradora dos Programas de Transferência de Renda (PTR), sua relação com a pobreza relativa no Brasil e suas múltiplas complexidades. Isso é resultado de estudos que vem sendo realizados no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais – NEPPS/PPGSS/UFPB que tem foco no desenvolvimento de pesquisas no âmbito da gestão territorial e políticas de proteção social. Considerando que tal fenômeno se inscreve no cenário adverso da sociedade capitalista, e, a partir dos anos 1970, agudizado pelo avanço da agenda neoliberal no país que intensificaram os desmontes dos direitos sociais, buscamos no presente artigo traçar, inicialmente, a abordagem central no que tange à pobreza enquanto categoria historicamente construída e a sua perspectiva relativa; no segundo momento abordamos o Programa Bolsa Família (PBF) que se configura como um avanço nas políticas de transferência de renda e os dados atuais em relação à pobreza, beneficiários e os limites presentes para a discussão da pobreza. 595
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI É sobre essa temática que desenvolvemos este trabalho. Assim, o estudo resulta de um levantamento bibliográfico desenvolvido acerca do tema que se efetiva no contexto do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Sociais. 2 POBREZA E ACUMULAÇÃO CAPITALISTA NO BRASIL Os conceitos de pobreza são amplos e complexos. A pobreza em sua dimensão teórica apresenta ao logo da história da humanidade concepções e análises distintas. Sendo analisada pela ausência de renda, moralismo, ou, em estudos mais recentes, através da perspectiva multidimensional da vida humana. No entanto, não iremos nos deter a categorizar a pobreza em todas as tradições. Contudo, este tema é central na agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e discutida a partir de diversos estudiosos da temática (Rocha, 2006; Silva, 2015; Lavinas, 2003, etc.). De acordo com Rocha (2006), a pobreza é definida como um fenômeno que possui múltiplas abordagens: [...] pobreza é um fenômeno complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. Para operacionalizar essa noção ampla e vaga, é essencial especificar que necessidades são essas e qual nível de atendimento pode ser considerado adequado. A definição relevante depende basicamente do padrão de vida e da forma como as diferentes necessidades são atendidas em determinado contexto histórico (ROCHA, 2006, p.09-10). Não obstante, ela ganha espaço a partir do desenvolvimento das forças produtivas, na qual, a humanidade atingiu um patamar elevado no desenvolvimento tecnológico e um aumento da desigualdade. Nessa direção, comungamos com a perspectiva da pobreza a partir da sua abordagem histórica. Entendemos, assim, que ela deve ser considerada como uma categoria socialmente construída desde o seu surgimento, visto que, não pode ser percebida como expressão natural da sociedade. Em análise estrutural, revela a contradição do sistema desigual e excludente. Essa concepção parte das análises fundamentadas através da teoria marxista4. 4 Silva (2015) ressalta que é no campo do marxismo que encontraremos respaldo para explicação da pobreza através de suas determinações estruturais. E pode ser explicada pelas categorias classes sociais, exército industrial de reserva, exploração e desigualdade social. 596
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Na lógica do capital, ela não decorre como em sociedades precedentes à nossa, do quadro geral de escassez de alimentos. De acordo com Silva (2015), a pobreza é vista como inerente ao sistema de produção capitalista, pois: a) exploração decorrente do processo de trabalho gerador de mais valia e da repartição injusta e desigual da renda nacional entre as classes sociais; b) processo crescente de uma superpopulação relativa por demanda das necessidades do capital; c) processo de concentração – centralização do capital, decorrente do movimento de proletarização; tendência de assalariamento, exploração e desempregos crescentes (SILVA, 2015, p.14). d) processo de concentração – centralização do capital, decorrente do movimento de proletarização; tendência de assalariamento, exploração e desempregos crescentes (SILVA, 2015, p.14). Conforme Siqueira e Alves (2018), a pobreza deve ser caracterizada como um processo estrutural para não corrermos o risco de não a analisar dissociada da Lei Geral de Acumulação Capitalista que faz surgir o fenômeno da pauperização. O fenômeno da pauperização dos trabalhadores pode ser analisado de forma absoluta ou relativa. A percepção da pobreza nos marcos de sua historicidade é relativa. É um fenômeno percebido numa perspectiva multidimensional que abarca a dimensão estrutural e considera os fatores externos geradores da pobreza. A pobreza absoluta, diz respeito à situação de pobreza extrema, das necessidades para a manutenção biológica dos indivíduos. Essa adoção é aplicável em países periféricos e subdesenvolvidos, o caso brasileiro. A forma absoluta da pobreza está situada a um padrão de vida mínimo em relação a um nível absoluto de necessidades mínimas imediatas. Essa determinação é fundante para determinar quem está abaixo do nível mínimo de pobreza. Como foco deste ensaio, apresentamos que enquanto processo histórico pode- se afirmar que os trabalhadores formais são afetados pelo processo de pauperização relativa que é insuperável na lógica do capital, variando de níveis e padrões distintos. A pobreza relativa refere-se a um padrão de consumo mais elevado do que a pobreza absoluta. Contudo, mesmo após melhoria na renda dos indivíduos ainda há um cerceamento do padrão de vida média da população em esferas geográficas diferentes. O enfoque da pobreza relativa considera que a linha relativa não estabelece uma linha acima da qual a pobreza deixaria de existir. Os planos de erradicar a miséria, o seu lado 597
Search
Read the Text Version
- 1
- 2
- 3
- 4
- 5
- 6
- 7
- 8
- 9
- 10
- 11
- 12
- 13
- 14
- 15
- 16
- 17
- 18
- 19
- 20
- 21
- 22
- 23
- 24
- 25
- 26
- 27
- 28
- 29
- 30
- 31
- 32
- 33
- 34
- 35
- 36
- 37
- 38
- 39
- 40
- 41
- 42
- 43
- 44
- 45
- 46
- 47
- 48
- 49
- 50
- 51
- 52
- 53
- 54
- 55
- 56
- 57
- 58
- 59
- 60
- 61
- 62
- 63
- 64
- 65
- 66
- 67
- 68
- 69
- 70
- 71
- 72
- 73
- 74
- 75
- 76
- 77
- 78
- 79
- 80
- 81
- 82
- 83
- 84
- 85
- 86
- 87
- 88
- 89
- 90
- 91
- 92
- 93
- 94
- 95
- 96
- 97
- 98
- 99
- 100
- 101
- 102
- 103
- 104
- 105
- 106
- 107
- 108
- 109
- 110
- 111
- 112
- 113
- 114
- 115
- 116
- 117
- 118
- 119
- 120
- 121
- 122
- 123
- 124
- 125
- 126
- 127
- 128
- 129
- 130
- 131
- 132
- 133
- 134
- 135
- 136
- 137
- 138
- 139
- 140
- 141
- 142
- 143
- 144
- 145
- 146
- 147
- 148
- 149
- 150
- 151
- 152
- 153
- 154
- 155
- 156
- 157
- 158
- 159
- 160
- 161
- 162
- 163
- 164
- 165
- 166
- 167
- 168
- 169
- 170
- 171
- 172
- 173
- 174
- 175
- 176
- 177
- 178
- 179
- 180
- 181
- 182
- 183
- 184
- 185
- 186
- 187
- 188
- 189
- 190
- 191
- 192
- 193
- 194
- 195
- 196
- 197
- 198
- 199
- 200
- 201
- 202
- 203
- 204
- 205
- 206
- 207
- 208
- 209
- 210
- 211
- 212
- 213
- 214
- 215
- 216
- 217
- 218
- 219
- 220
- 221
- 222
- 223
- 224
- 225
- 226
- 227
- 228
- 229
- 230
- 231
- 232
- 233
- 234
- 235
- 236
- 237
- 238
- 239
- 240
- 241
- 242
- 243
- 244
- 245
- 246
- 247
- 248
- 249
- 250
- 251
- 252
- 253
- 254
- 255
- 256
- 257
- 258
- 259
- 260
- 261
- 262
- 263
- 264
- 265
- 266
- 267
- 268
- 269
- 270
- 271
- 272
- 273
- 274
- 275
- 276
- 277
- 278
- 279
- 280
- 281
- 282
- 283
- 284
- 285
- 286
- 287
- 288
- 289
- 290
- 291
- 292
- 293
- 294
- 295
- 296
- 297
- 298
- 299
- 300
- 301
- 302
- 303
- 304
- 305
- 306
- 307
- 308
- 309
- 310
- 311
- 312
- 313
- 314
- 315
- 316
- 317
- 318
- 319
- 320
- 321
- 322
- 323
- 324
- 325
- 326
- 327
- 328
- 329
- 330
- 331
- 332
- 333
- 334
- 335
- 336
- 337
- 338
- 339
- 340
- 341
- 342
- 343
- 344
- 345
- 346
- 347
- 348
- 349
- 350
- 351
- 352
- 353
- 354
- 355
- 356
- 357
- 358
- 359
- 360
- 361
- 362
- 363
- 364
- 365
- 366
- 367
- 368
- 369
- 370
- 371
- 372
- 373
- 374
- 375
- 376
- 377
- 378
- 379
- 380
- 381
- 382
- 383
- 384
- 385
- 386
- 387
- 388
- 389
- 390
- 391
- 392
- 393
- 394
- 395
- 396
- 397
- 398
- 399
- 400
- 401
- 402
- 403
- 404
- 405
- 406
- 407
- 408
- 409
- 410
- 411
- 412
- 413
- 414
- 415
- 416
- 417
- 418
- 419
- 420
- 421
- 422
- 423
- 424
- 425
- 426
- 427
- 428
- 429
- 430
- 431
- 432
- 433
- 434
- 435
- 436
- 437
- 438
- 439
- 440
- 441
- 442
- 443
- 444
- 445
- 446
- 447
- 448
- 449
- 450
- 451
- 452
- 453
- 454
- 455
- 456
- 457
- 458
- 459
- 460
- 461
- 462
- 463
- 464
- 465
- 466
- 467
- 468
- 469
- 470
- 471
- 472
- 473
- 474
- 475
- 476
- 477
- 478
- 479
- 480
- 481
- 482
- 483
- 484
- 485
- 486
- 487
- 488
- 489
- 490
- 491
- 492
- 493
- 494
- 495
- 496
- 497
- 498
- 499
- 500
- 501
- 502
- 503
- 504
- 505
- 506
- 507
- 508
- 509
- 510
- 511
- 512
- 513
- 514
- 515
- 516
- 517
- 518
- 519
- 520
- 521
- 522
- 523
- 524
- 525
- 526
- 527
- 528
- 529
- 530
- 531
- 532
- 533
- 534
- 535
- 536
- 537
- 538
- 539
- 540
- 541
- 542
- 543
- 544
- 545
- 546
- 547
- 548
- 549
- 550
- 551
- 552
- 553
- 554
- 555
- 556
- 557
- 558
- 559
- 560
- 561
- 562
- 563
- 564
- 565
- 566
- 567
- 568
- 569
- 570
- 571
- 572
- 573
- 574
- 575
- 576
- 577
- 578
- 579
- 580
- 581
- 582
- 583
- 584
- 585
- 586
- 587
- 588
- 589
- 590
- 591
- 592
- 593
- 594
- 595
- 596
- 597
- 598
- 599
- 600
- 601
- 602
- 603
- 604
- 605
- 606
- 607
- 608
- 609
- 610
- 611
- 612
- 613
- 614
- 615
- 616
- 617
- 618
- 619
- 620
- 621
- 622
- 623
- 624
- 625
- 626
- 627
- 628
- 629
- 630
- 631
- 632
- 633
- 634
- 635
- 636
- 637
- 1 - 50
- 51 - 100
- 101 - 150
- 151 - 200
- 201 - 250
- 251 - 300
- 301 - 350
- 351 - 400
- 401 - 450
- 451 - 500
- 501 - 550
- 551 - 600
- 601 - 637
Pages: