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5 Avaliação neuropsicológica após lesão encefálica adquirida Maria Andréia da Nóbrega Marques Izabella Bárbara de Araújo Paz Melo A Neuropsicologia é uma ciência que estuda as relações entre o cérebro, o comportamento e os processos mentais (MALLOY-DINIZ et al., 2010); preocupa-se com a complexa organização cerebral e suas relações com o comportamento e a cognição, tanto em quadros de doenças, transtornos ou lesões, como no desenvolvimento típico (MADER-JOAQUIM, 2010). No contexto da Neuropsicologia, a avaliação neuropsicológica surge como um método de investigação que faz uso de entrevistas, observações, provas de rastreio e testes para identificar o rendimento cognitivo funcional e investigar a integridade ou o comprometimento de determinada função cognitiva. Dentre os objetivos da avaliação neuropsicológica, destacam-se a identificação e a descrição de prejuízos ou alterações no funcionamento psicológico, a clarificação do diagnóstico em casos de alterações não detectadas por neuroimagem, a avaliação da evolução de condições neurodegenerativas, a correlação do resultado dos testes com aspectos neurobiológicos e/ou dados obtidos por neuroimagem, a investigação de alterações cognitivas e comportamentais que possam se relacionar a comprometimentos psiquiátricos e/ou neurológicos. Além disso, pode subsidiar a elaboração do diagnóstico clínico, o entendimento do perfil cognitivo do paciente, o estabelecimento do prognóstico e de programas de reabilitação, bem como a mensuração da responsividade do paciente ao tratamento (RAMOS; HAMDAN, 2016).
Reabilitação: teoria e prática A avaliação neuropsicológica tem grande contribuição na clínica neurológica de adultos e idosos, especialmente em situações de queixas cognitivas relacionadas a uma lesão encefálica adquirida, como os acidentes vasculares cerebrais ou os traumas cranioencefálicos. No campo da reabilitação, a avaliação neuropsicológica representa auxilio para o planejamento terapêutico, especialmente de pacientes psiquiátricos, neurológicos e neuropsiquiátricos. Nessas situações, além de favorecer as intervenções reabilitadoras, também fornece parâmetros para o julgamento da eficácia das estratégias terapêuticas (CAMARGO; BOLOGNANI; ZUCCOLO, 2014). Nesse sentindo, este capítulo tem por objetivo discorrer sobre a avaliação neuropsicológica de pacientes com Lesão Encefálica Adquirida (LEA), incluindo um relato de experiência. Avaliação neuropsicológica de pacientes com Lesão Encefálica Adquirida A avaliação neuropsicológica utiliza testes psicométricos e neuropsicológicos organizados em baterias fixas ou flexíveis. As baterias fixas são aplicáveis em pesquisas ou em protocolos específicos para investigação de uma população particular. As baterias flexíveis são mais apropriadas para a investigação clínica, pois estão mais voltadas para as dificuldades específicas do paciente. Considerando a variação dos testes neuropsicológicos e o tempo de aplicação e indicação, recomenda-se que seja organizado um protocolo básico com a possibilidade de complementar a avaliação do paciente com outros testes para as funções identificadas como comprometidas, a fim de realizar um exame mais detalhado. A sensibilidade e a especificidade dos testes para as funções a serem examinadas devem ser consideradas nessa escolha (MADER-JOAQUIM, 1996). O protocolo básico de uma avaliação neuropsicológica deve permitir ao examinador um panorama geral do funcionamento cognitivo do paciente, para posteriormente aprofundar sua avaliação com testes complementares. O resultado final deve fornecer um perfil neuropsicológico que, combinado à avaliação dos aspectos neurológicos, psicológicos e sociais, permitirá orientar o paciente e/ou sua família sobre o melhor aproveitamento de suas potencialidades e as modificações ambientais necessárias à melhor adaptação às suas novas condições cognitivas. Nessa direção, a avaliação neuropsicológica se torna imprescindível para pacientes com LEA. Os acometidos por lesão encefálica podem apresentar deficiências diversas, definidas pela Organização Mundial da 104
Avaliação neuropsicológica após lesão encefálica adquirida Saúde (OMS, 2008) como problemas nas funções ou nas estruturas do corpo de modo que haja um desvio significativo ou uma perda. Esses pacientes se deparam com uma importante diminuição da qualidade de vida, visto que as sequelas decorrentes de LEA exigem grande esforço adaptativo e enfrentamento de desafios provenientes de um evento não desejado; que causam desequilíbrio no funcionamento biopsicossocial. O sucesso na adaptação às demandas impostas por LEA é um importante indicador do estado de bem-estar e do senso de ajustamento pessoal (PONTE; FEDOSSE, 2016). Conforme Levine et al. (2011 apud GOUVEIA; LACERDA; KERNKRAUT, 2017), com a avaliação neuropsicológica torna-se possível o exame detalhado de diversas esferas cognitivas do paciente, através de instrumentos específicos para cada habilidade que se pretende avaliar, bem como conhecer o impacto dos sintomas associados à lesão encefálica, que pode interferir na autonomia do paciente e no seu retorno pleno às atividades prévias. Alterações de funções executivas são exemplos de sintomas com impacto relevante na autonomia dos pacientes afetados, pela sua repercussão na organização, no planejamento e no monitoramento dos comportamentos e das ações intencionais. Além disso, LEA pode causar dificuldades de comunicação ou ruptura de interações sociais, além do aumento da dependência nas atividades cotidianas. Conforme Ponte e Fedosse (2016) esclarecem, as pessoas acometidas por LEA são afetadas não apenas pelas incapacidades que limitam suas atividades básicas, mas também pela dificuldade que encontram para voltar ao trabalho, o que determina forte declínio no bem-estar global, dada a importância que o trabalho tem, não só para a sobrevivência, como também para o autoconceito, o status social e as relações sociais. As LEA mais frequentes em adultos e idosos são as causadas por acidente vascular cerebral e traumatismo cranioencefáilico, consequentemente sequelas dessas lesões são as maiores demandas para avaliação neuropsicológica. Estudos retratam sobre as alterações neuropsicológicas em pacientes com sequelas neurológicas relacionandoas com o perfil clínico dos pacientes, considerando tempo de lesão, hemisfério cerebral acometido e tipo de lesão e os instrumentos avaliativos mais comumente utilizados. Nesse sentido, com o objetivo de identificar o perfil neuropsicológico de pacientes acometidos por Acidente Vascular Cerebral (AVC), relacionando-o por tipo AVC e por idade, Marques et al (2015) realizaram avaliação neuropsicológica de 31 pacientes atendidos em um 105
Reabilitação: teoria e prática centro de reabilitação de referência regional. As funções cognitivas foram avaliadas por testes padronizados. Na amostra, a maior prevalência de alteração foi na atenção sustentada ou alternada e na memória visual, auditiva ou semântica. Nos pacientes com idade igual ou superior à 60 anos a prevalência de alteração foi de 100% nas funções atenção (sustentada ou alternada), memória (visual, auditiva ou semântica) e funções executivas, tanto após AVC isquêmico como hemorrágico. Em outro estudo, Leão e Zanini (2019) objetivou comparar o desempenho cognitivo segundo o hemisfério e artéria afetada, por meio de instrumentos neuropsicológicos, de 30 pacientes, entre 24 e 60 anos, com diagnóstico médico de acidente vascular encefálico em atendimento ambulatorial para reabilitação neurológica da região Centro-Oeste do Brasil. Foram utilizados os seguintes instrumentos: Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS); Teste de nomeação de Boston (BNT); Teste do desenho do relógio (TDR); Figura Complexa de Rey (FCR); Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT); Teste de Trilhas Coloridas (TTC).Foi observada diferença significativa entre o hemisfério lesionado e habilidade de alternância, span auditivo, visuoconstrução, fluência verbal léxica e semântica e compreensão verbal. Diferenças significativas foram encontradas nas atividades de atenção seletiva, abstração, nomeação, fluência verbal fonética, compreensão verbal, praxia visuoconstrutiva e desempenho mnemônico segundo artéria afetada. Sobre pacientes com sequelas de traumatismo cranioencefálico, Miotto (2010) realizou estudo com objetivo de investigar o funcionamento cognitivo de 12 pacientes com traumatismo cranioencefálico leve ou moderado através de um protocolo abrangente de testes neuropsicológicos. O protocolo foi composto pelos instrumentos Vocabulary (Wechsler Adult Intelligence Scale - Wais III), Matrix Reasoning (Wechsler Adult Intelligence Scale - Wais III), Hopkins Verbal Learning Test - Revised (HVLT – R), Brief Visuospatial Memory Test - Revised (BVMT – R), Digits (Wechsler Adult Intelligence Scale - Wais III), Wisconsin Card Sorting Test (WCST-Nelson version), FAS (COWA – Controlled Oral Word Association), Category - animals (COWA – Controlled Oral Word Association), Boston Naming Test (BNT), Symbol Digit Modalities Test, Visual Object and Space Perception Battery (Vosp). Foram identificados déficits graves de memória episódica verbal para evocação imediata, tardia e de reconhecimento, de memória episódica visuoespacial para evocação imediata e tardia, nomeação, fluência verbal nominal e velocidade de processamento de informações. Já Marques et al (2015) realizaram pesquisa com o objetivo de identificar alterações em funções cognitivas de pacientes com Traumatismo 106
Avaliação neuropsicológica após lesão encefálica adquirida Cranioencefálico (TCE), relacionando-as com o tempo desde o trauma. Para isso submeteram à avaliação neuropsicológica 31 pacientes com traumatismo cranioencefálico atendidos em um centro de reabilitação. As funções cognitivas foram avaliadas por testes padronizados. As funções cognitivas com maior prevalência de alterações após 4 até 312 meses de TCE foram atenção (sustentada ou alternada) e memória (visual, auditiva ou semântica). Alterações em linguagem e em funções executivas foram identificadas em pacientes com mais de 12 meses de TCE. No contexto de atenção aos pacientes com lesões encefálicas, o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013, p. 43) traz algumas recomendações sobre a avaliação neuropsicológica: Deve-se realizar uma triagem para déficits cognitivos e perceptuais em todos os pacientes usando ferramentas de rastreio validadas; Os pacientes identificados durante a triagem como tendo déficit cognitivo devem ser encaminhados para a avaliação neuropsicológica completa; A escolha da bateria de testes deve considerar fatores intervenientes como a idade do paciente, o tempo e a gravidade da lesão, as dificuldades motoras e sensoriais e a escolaridade; Esses pacientes devem ser observados com relação à evolução do quadro cognitivo, pois podem evoluir para um quadro de demência vascular. Com base nos resultados da avaliação neuropsicológica, as ações para reabilitação devem ser estabelecidas considerando as necessidades singulares de cada indivíduo, o impacto da deficiência sobre sua funcionalidade, bem como fatores emocionais, ambientais, comunicacionais, sociais e o desempenho ocupacional (BRASIL, 2020). Nessa direção, a reabilitação neuropsicológica para pacientes com LEA tem o objetivo de minimizar suas alterações cognitivas, para que o paciente atinja seu melhor nível de funcionalidade possível na vida diária. Desse modo, as intervenções de reabilitação contribuem de forma mais significativa para o bem-estar do paciente, quando priorizam a sua autonomia e funcionalidade, abordando as queixas presentes e os déficits indicados na avaliação neuropsicológica formal (GOUVEIA; LACERDA; KERNKRAUT, 2017). Relato de experiência A experiência de avaliação neuropsicológica após LEA faz parte dos protocolos de atendimento de centro de reabilitação, administrado 107
Reabilitação: teoria e prática por organização social sem fins lucrativos, reconhecida como de utilidade pública e de interesse social, qualificado pelo Ministério da Saúde como Centro Especializado em Reabilitação (CER III) para reabilitar pessoas com deficiência física, auditiva e/ou intelectual. A avaliação neuropsicológica ocorre sob responsabilidade do setor de Psicologia da instituição e é realizada por psicólogo especialista em Neuropsicologia. Tem por objetivos: avaliar aspectos neurocognitivos, emocionais, de psicomotricidade e comportamentais relacionados ao diagnóstico; identificar perfil neurocognitivo do paciente para procedimentos de reabilitação neuropsicológica; identificar limitação ou incapacidade do paciente em seu ambiente familiar, educacional, profissional e/ou social; conhecer o nível de desenvolvimento psicológico e social do paciente; e realizar encaminhamentos necessários. A avaliação neuropsicológica ocorre de forma individual em três ou quatros atendimentos (de 80 minutos cada) e, a depender da demanda e do quadro clínico do paciente, podem ser realizados outros atendimentos para a conclusão da avaliação. O protocolo avaliativo é composto de anamnese, observação comportamental e bateria de avaliação. Após a análise e a integração dos dados avaliativos coletados, é escrito o relatório no prontuário do paciente e são realizados os encaminhamentos necessários. No caso de avaliação neuropsicológica de pacientes após LEA, as baterias flexíveis são mais apropriadas, conforme assevera Mader-Joaquim (1996), e são planejadas a depender da situação clínica de cada paciente. Nessa direção, na avaliação neuropsicológica no CEIR, utiliza-se bateria de avaliação flexível, composta por testes psicológicos e neuropsicológicos, escolhidos a partir do perfil demográfico e clínico de cada paciente. Comumente, a solicitação da avaliação neuropsicológica é feita pelo médico neurologista da consulta de admissão ou pelos profissionais que realizam a avaliação global, no início do processo de reabilitação física, objetivando conhecer o perfil neuropsicológico do paciente para colaborar com a construção do seu projeto terapêutico singular. Abaixo está apresentada uma síntese da avaliação neuropsicológica realizada com um paciente da clínica de LEA: Idade: 28 anos. Sexo: masculino. Diagnóstico: Lesão Encefálica Adquirida (LEA) - Sequela de Traumatismo Cranioencefálico (TCE). História clínica: Paciente sofreu acidente automobilístico (motocicleta), seguido de parada cardiorrespiratória (PCR) e encefalopatia 108
Avaliação neuropsicológica após lesão encefálica adquirida hipóxica/isquêmica. Na fase aguda, teve convulsões, alterações da consciência, alterações de memória e fala. História na Reabilitação: Apresentou humor estável, porém com relatos de medo, insegurança e baixa autoestima. Em termos motores, evoluindo com ganho de equilíbrio e coordenação, carga de peso unilateral por maior tempo, além de realizar trocas posturais, ter marcha independente, mas necessitando de supervisão na deambulação devido a risco de queda. Objetivo da Avaliação Neuropsicológica: Obter o perfil de funcionamento cognitivo atual do paciente. Protocolo avaliativo: Anamnese, observação do comportamento e bateria de avaliação: Escala de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS III), Teste de Fluência Verbal Fonêmica (F-A-S), Teste Stroop Victória, Miniexame do Estado Mental (MEEM), Teste Auditivo Verbal de Rey, Figuras Complexas de Rey e Teste HTP: Casa-Árvore-Pessoa-Técnica Projetiva de Desenho. Considerações sobre as condições de testagem: Paciente foi assíduo durante o processo avaliativo. Em alguns momentos, demonstrava ansiedade e dificuldade de compreensão das instruções fornecidas pelo terapeuta. Resultados: • Atenção: Dificuldades e lentificação na atenção focalizada, dividida e sustentada. • Memória: Operacional, semântica e episódica comprometidas. Na memória imediata e recordação tardia houve dificuldade, assim como na aquisição da aprendizagem. • Visuoconstrução e visuopercepção: Funções comprometidas. Apresentando dificuldade para manipular objetos durante os testes. • Funções executivas: Dificuldades na flexibilidade, na organização e no planejamento de ações. • Motricidade: Parcialmente orientado na discriminação da direita e da esquerda. • Lateralidade: Predomínio de lateralidade à direita. • Linguagem: Fluência verbal abaixo da média. • Nível Intelectual: Abaixo da média para o esperado. • Aspectos psicodinâmicos: Sentimentos de insegurança, retraimento, tensão, impulsividade, regressão, dependência, preocupação e ansiedade. • Demais funções avaliadas sem alterações significativas. 109
Reabilitação: teoria e prática Os resultados da avaliação expostos acima, após inclusos no relatório e no prontuário único do paciente, fazem parte dos critérios utilizados para fundamentar outras intervenções reabilitadoras pela equipe de reabilitação, bem como recomendações à sua família no que se refere aos cuidados domiciliares e suporte à inclusão social. Considerações finais O surgimento de LEA pode causar sequelas incapacitantes, que desorganizam o sujeito e sua família, afeta a sua qualidade de vida em todos os aspectos, assim, exigindo que seja adotada uma ação imediata de enfrentamento. Dessa forma, é incontestável a importância da avaliação neuropsicológica no planejamento ou no ajuste interventivo no processo de reabilitação do paciente acometido por uma LEA. Estudos de caso e relatos de experiência em avaliação e/ou reabilitação neuropsicológica de pacientes com LEA são fontes importantes de descrições e modelos práticos de atuação, pois trazem informações do contexto clínico e interventivo que são comuns ao dia a dia de quem lida com esses casos. Diante do resultado quantitativo obtido por meio dos testes, faz-se necessária uma avaliação qualitativa e a integração com dados obtidos por outras fontes, como anamnese e observação comportamental, permitindo que se faça a relação entre função/disfunção, áreas cerebrais acometidas e preservadas e também funcionalidade do paciente. Assim, será possível contribuir com recomendações e condutas ao programa de reabilitação e corroborar a continuidade da investigação clínica. Como o objetivo maior do tratamento em reabilitação é o ganho de autonomia do paciente nas atividades diárias, o que muitas vezes só pode ser atingido através de adaptações e compensações de dificuldades, a avaliação neuropsicológica é um recurso fundamental para contribuir com a elaboração de estratégias que possam diminuir o impacto da LEA e promover melhor qualidade de vida e o retorno do paciente às suas atividades. Apesar da importância da avaliação neuropsicológica para desenvolver estratégias interventivas singulares de reabilitação a cada paciente com LEA, essa prática ainda não está acessível a todos, tendo em vista aspectos como: custo elevado para realização; ausência de profissionais especializados em neuropsicologia nas instituições; falta de conhecimento dessa prática pela população; dentre outros. Propõe-se aqui a ampliação da divulgação do conhecimento e da prática da Neuropsicologia em pacientes com LEA, bem como criação 110
Avaliação neuropsicológica após lesão encefálica adquirida de políticas públicas que garantam o acesso dos pacientes aos recursos neuropsicológicos. Referências bibliográficas BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com acidente vascular cerebral. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégias. Instrutivos de Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual e Visual. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. CAMARGO, Candida Helena Pires de; BOLOGNANI, Silvia Adriana Prado; ZUCCOLO, Pedro Fonseca. O exame neuropsicológico e os diferentes contextos de aplicação. In: FUENTES, Daniel; MALLOY-DINIZ, Leandro Fernandes; CAMARGO, Candida Helena Pires; COSENZA, Ramon M. (Org.). Neuropsicologia - Teoria e Prática. 2. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2014. p. 77-92. GOUVEIA, Paula Adriana Rodrigues de; LACERDA, Shirley Silva; KERNKRAUT, Ana Merzel. Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica após Lesão Encefálica Adquirida. Trends Psychol., Ribeirão Preto, v. 25, n. 4, p. 1523-1534, dez. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S2358-18832017000401523&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 16 mar. 2020. LEAO, Karina Ferreira; ZANINI, Daniela Sacramento. Desempenho cognitivo de indivíduos que sofreram acidente vascular encefálico. Psicol. Am. Lat., México, n. 32, p. 119-131, nov. 2019. Disponível em: http://pepsic.bvsalud. org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-350X2019000200004&lng=p t&nrm=iso. Acesso em: 30 abr. 2021. MADER-JOAQUIM, Maria Joana. Avaliação neuropsicológica: aspectos históricos e situação atual. Psicol. Cienc. Prof., Brasília, v. 16, n. 3, p. 12- 18, 1996. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1414-98931996000300003&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 16 mar. 2020. MADER-JOAQUIM, Maria Joana. O neuropsicólogo e seu paciente: introdução aos princípios da avaliação neuropsicológica. In: MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Avaliação neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 46- 57. MALLOY-DINIZ, Leandro F. et al. Avaliação neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2010. 111
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6 Distúrbios de linguagem decorrentes de lesão encefálica adquirida Lylian Mendes dos Santos Edyáurea Silva Barroso Castro As Lesões do Sistema Nervoso Central (SNC), podem causar transtornos da linguagem oral tanto em adultos quanto em idosos, e afetam os domínios linguísticos e cognitivos que intermediam o processamento da linguagem. Desta forma, é fundamental que o fonoaudiólogo conheça as classificações, conceitos e sintomas envolvidos nessas alterações, para que tenha a capacidade de avaliar, diagnosticar e reabilitar sujeitos acometidos por estas condições de saúde (BEBER, 2019). Diante disto, é objetivo deste capítulo esclarecer o papel do fonoaudiólogo nas principais alterações da comunicação oriundas das Lesões Encefálicas Adquiridas (LEA), por meio da descrição da assistência prestada em um Centro de Reabilitação. Lesão encefálica adquirida e alterações comunicativas A linguagem é uma habilidade humana complexa e multifacetada, na qual o ser humano precisa assimilar sons da fala e da ordem que os mesmos devem ocorrer em uma palavra, além disto, ter acesso ao léxico, a gramática da língua e ao significado de palavras e frases, para interligar o conhecimento à expressão, ou seja, comunicar a informação (SITTA et al., 2010).
Reabilitação: teoria e prática As alterações na comunicação, linguagem e fala, podem decorrer de lesões cerebrais em diferentes locais do SNC, uma vez que distintas áreas corticais podem ser responsáveis pelos processos de produção tanto da fala quanto da linguagem. A lesão focal pode ocasionar alterações da fala como: as afasias, apraxias e disartrias (TALARICO; VENEGAS; ORTIZ, 2011). A LEA ocorre após o nascimento, sem cunho hereditário, congênito, degenerativo ou perinatal, podendo causar sequelas físicas e cognitivas. São decorrentes principalmente das doenças cardiovasculares (Acidente Vascular Encefálico – AVE) e dos Traumatismos Cranioencefálicos (TCE), consideradas as etiologias mais prevalentes responsáveis pela perda da funcionalidade em idade produtiva (BRASIL, 2015). Em um estudo retrospectivo realizado com pacientes que apresentaram distúrbios da comunicação consequentes de lesões cerebrais, no período de 2002 a 2006, no Núcleo de Investigação e Intervenção Fonoaudiológica da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), foi encontrada prevalência de 56% de afasia, 33% de disartria e 19,3% de apraxia, o que demonstra a alta frequência das alterações comunicativas decorrentes de lesões neurológicas adquiridas (TALARICO; VENEGAS; ORTIZ, 2011). O AVE é uma afecção circulatória nas artérias cerebrais, com etiologias diversas (genética, clínica e ambiental), que ocasiona um déficit neurológico definitivo ou transitório. É responsável por até 80% das incapacidades motoras adquiridas, além dos comprometimentos de linguagem, fala e deglutição (JACQUES; CARDOSO, 2011). De acordo com Canova et al., (2010), o TCE: É definido como qualquer agressão que acarreta lesão anatômica ou comprometimento funcional do couro cabeludo, crânio, meninges ou encéfalo e, de um modo geral, encontra-se dividido de acordo com sua intensi- dade, em grave, moderado e leve. É considerado como um processo dinâmico, já que as consequências de seu quadro patológico podem persistir e progredir com o passar do tempo. (CANOVA et al., 2010, p.165). No TCE a lesão pode acometer áreas cerebrais responsáveis pelo controle da execução dos movimentos necessários para produção da fala inteligível, o que acarreta prejuízos na comunicação do indivíduo, geralmente a disartria. Repercute na fala com limitação na inteligibilidade, com redução na capacidade comunicativa e social do afetado. Vale ressaltar que a audição também pode ser afetada pelo impacto, tanto nas suas 114
Distúrbios de linguagem decorrentes de lesão encefálica adquirida regiões periféricas (orelha e nervo auditivo), quanto nas regiões centrais (BRASIL, 2015). Dados estatísticos revelam um índice de 20 a 30% da prevalência de disartria após AVE, e 10 a 60% após TCE. Enquanto, as afasias variam entre 2 a 32% nos casos dos pacientes acometidos por AVE, e de 21 a 38% nos atingidos por TCE. Evidenciou-se que a reabilitação fonoaudiológica, melhora a comunicação comprometida, em decorrência da lesão causada por um AVE no hemisfério dominante; no entanto, a descrição das particularidades dos déficits comunicativos assistidos em centro de reabilitação, bem como o perfil epidemiológico e a prevalência desses transtornos ainda são pouco estudados (CECATTO et al., 2006). Afasias Definidas como uma alteração no conteúdo, na forma e no uso da linguagem, bem como de seus processos cognitivos subjacentes, como percepção e memória. A afasia, além de impactar a comunicação, também afeta a vida social do acometido, resultando na diminuição das chances de retorno para atividades ocupacionais (ORTIZ, 2010). A afasia acomete tanto a compreensão, quanto a expressão dos símbolos verbais e/ou escritos da comunicação, desfavorecendo a interação do paciente com o contato em que está inserido. Desta forma, o agrupamento de sintomas forma a classificação das afasias (conforme demonstra a Tabela 1), como o foco da alteração cerebral (SITTA et al., 2010). Tabela 1: Classificação das afasias segundo Beber, 2019: Tríade fluência, Outras características e Substratos Neurais no Hemisfério repetição e compreensão manifestações de linguagem Esquerdo Afasias Fluentes Afasia de Fluência: preservada Jargão, logorréia, ano- Giro temporal superior, Wernicke Repetição: prejudi- mia, neologismos, giro temporal médio, lobo cada circunlóquios, parafa- parietal inferior, giro an- Compreensão: sias fonêmicas e for- gular, giro de Heschl, polo prejudicada mais. temporal, putamen. Afasia de Fluência: preser- Parafasias fonêmicas e Fascículo arqueado (es- Condução vada formais. pecialmente segmento Repetição: prejudi- posterior), áreas corticais cada da região perisilviana pos- Compreensão: terior (giro supramarginal preservada esquerdo e adjacências), giro de Heschl. 115
Reabilitação: teoria e prática Afasia Fluência: pre- Parafasias verbais, Proximidades da junção dos Transcortical servada fonêmicas e semânticas, lobos temporal, parietal Sensorial Repetição: anomias, ecolalia, e occipital, giro temporal preservada neologismos. posterior médio, giro tem- Compreensão: poral inferior, giro angular prejudicada Anomias, pausas inferior. frequentes, substituições Afasia Fluência: pre- semânticas. Não é confiavelmente anômica servada Maior dificuldade em associada a uma região Repetição: determinada categoria específica. Anomias para preservada semântica. substantivos podem estar Compreensão: associadas a lesões no pólo preservada Afasias Não Fluentes temporal, giro temporal mé- dio e inferior. Anomias para verbos associam-se a lesões no lobo frontal (giro frontal inferior e conexões). Afasia de Fluência: Fala lentificada e com es- Parte posterior do giro Broca prejudicada forço, parafasias fonéticas frontal inferior, opérculo Repetição: e fonêmicas, anomias, frontoparietal, e parte Afasia prejudicada estereotipias verbais, agra- anterior da ínsula. Transcortical Compreensão: matismo, fala telegráfica, Motora preservada alterações de prosódia. Dificuldade de compre- Fluência: ensão em frases de maior prejudicada complexidade gramatical, Repetição: e maior dificuldade em preservada emitir verbos do que subs- Compreensão: tantivos. preservada Redução da fala Lesões no córtex pré-frontal espontânea e da iniciativa e vizinhanças, com giro de fala. frontal inferior preservado. Nomeação melhor que a fala espontânea. Afasia Fluência: Expressão verbal Lesões corticais extensas Transcortical prejudicada Mista Repetição: severamente prejudicada, que mantêm o córtex preservada Compreensão: anomias, ecolalias. perisilviano preservado. prejudicada Afasia Global Fluência: Prejuízo grave de todas Lesões corticais extensas que prejudicada modalidades da lingua- comprometem grande parte Repetição: gem, emissão de fala lenta das regiões perisilvianas e prejudicada e laboriosa, hesitações, suas conexões subcorticais. Compreensão: mutismo, anomia severa. prejudicada Frequentemente, a melhora do quadro evolui para afasia de Broca. Fonte: SITTA et al., 2010. 116
Distúrbios de linguagem decorrentes de lesão encefálica adquirida As afasias e o déficit motor/sensitivo apendicular, são as sequelas mais comuns no AVE, o que influencia de maneira negativa a saúde física e emocional dos afetados, trazendo-lhes perda da capacidade de executar atividades rotineiras de autocuidado, mobilidade, bem como limitações nas atividades ocupacionais e lazer, ocasionando repercussões familiares, sociais e econômicas (RANGEL; BELASCO; DICCINI, 2013). A perda da capacidade de se comunicar é para o afásico uma fonte de isolamento, solidão, tristeza e frustação que gera um frequente desespero, por causa da incapacidade de expressar e se exteriorizar (SITTA, et al., 2010). O comprometimento de linguagem de um indivíduo afásico é bastante heterogêneo, e varia em termos de gravidade e tipo de modalidade de processamento de linguagem deficitária, incluindo expressão e compreensão da fala, leitura, escrita e gesto. Desta forma, é primordial o processo de reabilitação para diminuir os efeitos e restaurar as funções linguísticas do paciente, uma vez que são grandes os impactos e as implicações que tais alterações geram para o acometido, família e sociedade (ALTMANN; SILVEIRA; PAGLIARIN, 2019). A terapia fonoaudiológica, associada ao acompanhamento multidisciplinar de alta intensidade, é o tratamento mais indicado para os casos de afasia com prognóstico menos favorável, nos casos severos como da afasia global. Além do grau da alteração comunicativa, a reabilitação recebe influência positiva ou não, da idade, aspecto socioeconômico, local e tamanho da lesão e da recuperação espontânea, especialmente nos casos de AVE. Porém, os aspectos individuais de cada sujeito podem transpor as limitações impostas pela severidade do caso, tornando possível ainda que incompleta, a recuperação de muitas habilidades linguísticas (KUNST et al., 2013). A extensão e localização da lesão, etiologia, dominância manual, idade e escolaridade, são fatores que influenciam na escolha do tratamento mais direcionado para cada tipo de afasia. A abordagem teórica do terapeuta, também é relevante, pois o tratamento fonoterapêutico engloba abordagens tradicionais que tem o intuito de restaurar habilidades linguísticas, centrando-se nos níveis de prejuízos e incapacidades, por meio de estímulos visuais e auditivos, e de repetição em situações linguísticas (ALTMANN; SILVEIRA; PAGLIARIN, 2019). Desta forma, é objetivo da reabilitação fonoaudiológica recuperar a comunicação do afásico, por meio de uma intervenção científica, humana, sistemática e global, considerando os limites, condições físicas e mental do paciente (KUNST et al., 2013). 117
Reabilitação: teoria e prática Disartria A disartria é conceituada como um grupo de alterações clínicas advindas de um distúrbio no controle muscular da fala, consequente de uma lesão no sistema nervoso central ou periférico, na qual a musculatura responsável apresenta fraqueza e incoordenação isoladas ou associadas (RIBEIRO; ORTIZ, 2009). Na disartria há alterações de cinco bases motoras: respiração, fonação, ressonância, articulação e prosódia, portanto a comunicação oral sofre prejuízos por desorganização dos mecanismos envolvidos na sua produção (JACQUES; CARDOSO, 2011). A concepção de fala inteligível é um conceito que se relaciona ao ouvinte, ao falante e ao instrumento avaliativo. No caso das disartrias, o comprometimento da fala, é a sua principal manifestação. Diminuição da velocidade de fala, imprecisão articulatória, fala lenta e irregular, monoaltura e monointensidade, são manifestações comuns nas disartrias (RIBEIRO; ORTIZ, 2009). As disartrias podem ser classificadas como: flácida, espástica, do neurônio superior unilateral, hipocinética, hipercinética, atáxica ou mista. Tal classificação é realizada de acordo com o local lesionado e cada tipo apresenta características peculiares que envolvem o desempenho alterado das bases fonoarticulatórias (estruturas pulmonares, laríngeas, faríngeas e cavidade oral) (DUFFY, 2013). A avaliação fonoterapêutica, tem como base a compreensão fisiológica das alterações da fala do disártrico, que segue a elaboração do diagnóstico diferencial e guia para definição da escolha das abordagens para o tratamento adequado. A fala é inicialmente avaliada pela análise do mecanismo de produção, triagem dos subsistemas, avaliação perceptual e medida de inteligibilidade. O processo terapêutico segue com a definição da principal característica que afeta o paciente, sendo o prognóstico definido e a conduta terapêutica estabelecida (PORTALETE et al, 2019). O objetivo da fonoterapia nos casos de disartria é reabilitar a comunicação da melhor forma, dentro das possibilidades individuais do paciente, em obediência às etapas de forma gradativa na sequência hierárquica de: respiração, modificação eficaz da emissão sonora e adequação da ressonância, fonação, articulação e prosódia. Para que o objetivo seja alcançado, devem ser utilizadas estratégias compensatórias (tratamento neuromuscular, maximização de fala, suporte fisiológico, situações de fala encadeada específica), orientação à equipe e família (MACKENZIE et al., 2014). 118
Distúrbios de linguagem decorrentes de lesão encefálica adquirida Apraxia Na apraxia, ocorre perda da capacidade de programar e organizar a postura da musculatura da fala para a produção voluntária dos fonemas, e sua sequência para articulação de palavras, sem ocorrência de fraqueza, lentidão ou incoordenação significativas desses músculos na movimentação reflexa e involuntária, causadas por lesão cerebral (SOUSA; PAYÃO; COSTA, 2009). A apraxia pode ocorrer logo após um TCE, e envolve prejuízo na aprendizagem de atos motores voluntários, mesmo com inervação motora muscular adequada e na coordenação sensoriomotora sem intenção consciente (articulação espontânea presente, porém fala voluntária bloqueada). Pode ser observada uma dificuldade na imitação do movimento articulatório, porém a execução da mesma ação motora em outro contexto (BRASIL, 2015). As alterações da prosódia ganham destaque secundário às dificuldades articulatórias, sendo a disfluência decorrente de pausas e hesitações resultantes da tentativa de produção correta de palavras, como uma maneira de compensar a dificuldade articulatória (CATRINI; LIER- DEVITTO; ARANTES, 2015). Na apraxia da fala é observado que o indivíduo, por meio das suas tentativas de falar, apresenta em sua mente a palavra que deseja emitir, porém a programação das posturas dos órgãos fonoarticulatórios (OFAS), para desenvolver os sons desejados em ordem, e a sequência para articular a fala não é precisa. O que torna o quadro de apraxia uma alteração de características únicas e diferenciais de outro distúrbio de comunicação, pois apesar de ter dificuldades articulatórias, pode apresentar precisão da articulação de uma fala improvisada, repetindo uma expressão aprendida, ou em resposta a um estímulo. Porém quando solicitado, sob teste, já não o faz com precisão (SOUZA; PAYÃO, 2008). Outro destaque enfatizado pelos autores supracitados, são as variabilidades de erros, que diferem de um paciente para outro e de uma emissão para outra e que mesmo nas tentativas sucessivas com a mesma palavra, ainda assim os erros variam, o que auxilia no diagnóstico diferencial. Alterações comunicativas e disfagia Compreende-se que qualquer dificuldade de levar o alimento da boca ao estômago seja por debilidade no controle pelo SNC, ou disfunção mecânica em resposta a uma interferência na precisão, e na sincronia dos movimentos de músculos, e estruturas associadas ao ato de deglutir, é 119
Reabilitação: teoria e prática considerada uma disfagia que pode ser classificada como orofaríngea ou esofágica (CUPPARI, 2019). No seu exercício profissional, os fonoaudiólogos trabalham com várias doenças neurológicas, incluindo lesões encefálicas adquiridas, que além das alterações comunicativas podem também causar as alterações na deglutição. Essas alterações, chamadas de disfagia, podem em casos graves causar óbito por desnutrição, desidratação, aspiração traqueal ou pneumonias de repetição. No caso de alterações da deglutição por acometimento neurológico, a disfagia é classificada como neurogênica (FURKIM; MATTANA, 2004). Embora, o enfoque deste capítulo sejam as alterações da comunicação resultantes de lesões neurológicas, é importante enfatizar a relação das dificuldades alimentares (disfagias) presentes de modo concomitante. Os movimentos orais e de fala, da voz e da deglutição, podem apresentar sinais de disartria, tosse após a deglutição, alteração vocal, redução do nível de consciência e pneumonia prévia (JACQUES; CARDOSO, 2011). Assistência a pessoa com distúrbio da comunicação decorrente de lesão encefálica adquirida em um centro de reabilitação Na alteração comunicativa, seja afasia, disartria ou apraxia, o fonoaudiólogo avalia de maneira minuciosa o paciente, para efetivar um diagnóstico mais preciso e diferencial, desenvolver o planejamento terapêutico individualizado e que atenda às demandas trazidas pelo paciente e sua família. Destaca-se desta forma, de acordo com a necessidade, a indicação da Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA). Além do acompanhamento individual com fonoaudiólogo, o paciente com déficit comunicativo, pode ser encaminhado para outros procedimentos, tais como: atendimento em conjunto com Musicoterapia, e com Psicologia e Terapia Ocupacional, dependendo da avaliação do fonoaudiólogo que o acompanha sobre suas necessidades e prognóstico. No atendimento com a Musicoterapia, o objetivo é trabalhar as demandas de fala e linguagem, por meio de atividades de memória, articulação e canto, realizadas em conjunto com pacientes que possuem perfil comunicativo semelhante, de forma a promover maior ganho interativo e social, por meio de uma comunicação mais funcional, utilizando estratégias fonoarticulatórias conjugadas com as práticas da Musicoterapia. 120
Distúrbios de linguagem decorrentes de lesão encefálica adquirida Ressalta-se também, que através da música, dos sons e instrumentos musicais, promove-se habilidades de sequenciação auditivas motoras, raciocínio lógico, ritmo, melodia, com o intuito de possibilitar ao paciente uma evolução quanto ao contato visual, a atenção, a troca de turno, a memória e que reflete na expressão fonética, na estruturação e contextualização do discurso, melhorando a qualidade de suas interações sociais e comunicativas (ALVES e CASTRO, 2019, FREITAS; TÔRRES, 2015). Já o atendimento com a Psicologia, possui critérios de elegibilidade mais específicos para quadros de afasias de predomínio motor (expressão), cujos objetivos, são trabalhar os aspectos interativos, funcionais, comunicativos e emocionais diante dos novos desafios de conviver com limitações comunicacionais e seus impactos globais na saúde e socialização do paciente. Desta forma ressalta-se, que o fonoaudiólogo e psicólogo podem utilizar estratégias que fortaleçam a construção de redes de apoio, contribuindo para um suporte e cuidado maior para o paciente e sua família. Os atendimentos da Terapia Ocupacional e a Tecnologia Assistiva, podem agregar ao atendimento fonoaudiológico, haja vista, que promove o acesso com o uso dos membros superiores ou outra parte do corpo para CAA, realiza a adequação postural para as atividades diárias e integra todos os aspectos motores e sensoriais para os recursos comunicativos (GARCIA; MARTINEZ; FIGUEIREDO, 2020). Considerações finais Conclui-se desta forma, que é importante que o fonoaudiólogo saiba identificar e diferenciar as alterações comunicativas e verificar a presença de distúrbios da deglutição, decorrentes de doenças neurológicas adquiridas como AVE e TCE; que prejudicam o bem-estar físico, emocional e social do paciente. Referências bibliográficas ALTMANN, R. F.; SILVEIRA, A. B.; PAGLIARIN, K. C. Intervenção fonoaudiológica na afasia expressiva: revisão integrativa. Audiology – Communication Research (ACR), v. 24, p. 1-11, 2019. ALVES E CASTRO, B. S. Interfaces entre fonoaudiologia e musicoterapia na interação social e linguagem no transtorno do espectro do autismo. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós Graduação em Neurociências e suas fronteiras) - Universidade Federal de Minas Gerais, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/30357/1/ Interfaces%20entre%20Fonoaudiologia%20e%20Musicoterapia%20 121
Reabilitação: teoria e prática na%20intera%C3%A7%C3%A3o%20social%20e%20linguagem%20no%20 Transtorno%20do%20Espectro%20do%20Autismo_Blenda%20.pdf. Acesso em: 02 jan. 2022. BEBER, B. C. Proposta de apresentação da classificação dos transtornos de linguagem oral no adulto e no idoso. Distúrb Comun, v. 31, n. 1, p. 160-169, mar. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com traumatismo cranioencefálico /Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2015. CANOVA, J. C. M. et al. Traumatismo cranioencefálico de pacientes vítimas de acidentes de motocicletas. Arq. Ciência Saúde, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 9-14, 2010. CATRINI, M.; LIER-DEVITTO, F.; ARANTES, L. M. G. Apraxias: considerações sobre o corpo e suas manifestações motoras inesperadas. Cadernos de Estudos Linguísticos, Campinas, SP, v. 57, n. 2, p. 119–130, 2015. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/ view/8642396 acesso em: 05 jan. 2022. CECATTO, R. B. et al. Alterações de comunicação e linguagem de pacientes portadores de lesão encefálica adquirida. Estudo descritivo retrospectivo. Acta Fisiatr., v. 13, n. 3, p. 136-146. 2006. CUPPARI, L. Nutrição clínica no adulto. 4. ed. São Paulo: Manole, 2019. 624p. DUFFY, J. R. Motor speech disorders: substrates, differential diagnosis, and management. 3. ed. St. Louis: Elsevier Mosby, 2013. FREITAS, E. F.; TÔRRES, L. V. V. Fonoaudiologia e musicoterapia na clínica de linguagem: uma prática clínica. Estudos, v. 42, n. 3, p.345-357, maio/jun. 2015. FURKIM A.; MATTANA, A. Fisiologia da deglutição orofaríngea. In: FERREIRA, L.; BEFI-LOPES, D.; LIMONGE, S. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Rocca, p. 212 – 218, 2004. GARCIA, E. S. M.; MARTINEZ, C. M. S.; FIGUEIREDO, M. O. Interface fonoaudiologia e terapia ocupacional: integração de saberes científicos de campo de conhecimentos. Rev. CEFAC, v. 22, n. 2, p. 1-12, 2020. JACQUES, A.; CARDOSO, M. C. Acidente vascular cerebral e sequelas fonoaudiológicas: atuação em área hospitalar. Revista Neurociências, v. 19, n. 2, p. 229-236, 2011. 122
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7 Afasia e musicoterapia na lesão encefálica adquirida Simone Maria da Cruz Assunção A afasia é um distúrbio adquirido do processamento da linguagem decorrente de um dano cerebral, que se manifesta através do comprometimento dos aspectos expressivos ou receptivos da linguagem. Reabilitar pessoas com lesão encefálica adquirida (LEA) é um processo contínuo de persistência, tanto da parte do indivíduo e familiares, quanto do profissional que o assiste, pois, além de qualquer doença, são seres humanos, que estão sendo tratados e necessitam preservar a sua identidade em circunstâncias tão adversas. A musicoterapia é um recurso que contribui na reabilitação de afasias, pois utiliza a música e seus elementos (melodia, harmonia, ritmo e timbre), para a recuperação da linguagem cantada e falada de indivíduos com lesão encefálica adquirida. Tem o desafio de estimular o cérebro, através da música e seus mecanismos, para que reorganize suas funções e consiga desenvolver a linguagem perdida, exercitando novas redes e conexões neuronais para a sua reabilitação. Musicoterapia e suas contribuições Conforme definição atualizada de 2001, da World Federation of Music Therapy (WFMT), “Musicoterapia é a utilização profissional da música e seus elementos, para a intervenção em ambientes médicos, educacionais e cotidiano com indivíduos, grupos, famílias ou comunidades que procuram otimizar a sua qualidade de vida e melhorar suas condições físicas, sociais,
Reabilitação: teoria e prática comunicativas, emocionais, intelectuais, espirituais e de saúde e bem estar. Investigação, a educação, a prática e o ensino clínico em musicoterapia são baseados em padrões profissionais de acordo com contextos culturais, sociais e políticos”. Segundo a Associação Americana de Afasia (NATIONAL APHASIA ASSOCIATION, 2014, p.2) afasia é “um distúrbio da comunicação adquirido que interfere na habilidade da pessoa processar a linguagem, porém sem afetar a inteligência. [...] prejudica a habilidade de falar e de compreender outras pessoas [...]”. O acidente vascular encefálico (AVE) é a causa mais comum da afasia, mostrado por pesquisas em que cerca de 25%-40% das pessoas que se recuperam de um AVE tem esse distúrbio. É uma das alterações mais comuns de linguagem; por decorrência de uma lesão cerebral ocorre uma interferência no processamento da linguagem, afetando a produção da fala e a sua compreensão. Afasia é o enfraquecimento ou perda do poder de cap- tação, de manipulação e por vezes de expressão de palavras como símbolos de pensamentos, em virtude de lesões em alguns centros cerebrais e não devido a defeito no mecanismo auditivo ou fonador, logastenia. (GUERCHE; SIMÕES, 2015). Paul Broca (descobridor da afasia de Broca, 1862), fez referência a uma lesão em uma “área da fala” na zona pré-motora do lobo frontal esquerdo, seja ela causada por doença degenerativa, seja por acidente vascular encefálico ou traumatismo cerebral, pode produzir afasia de expressão, a perda da linguagem falada. A afasia motora (de Broca ou de expressão) não fluente quando a afasia é de predomínio motor, a compreensão encontra-se preservada, a dificuldade está na programação, no gesto articulatório dos sons da fala. A não-fluência frequentemente envolve redução do comprimento da frase, dificuldade na melodia, na prosódia e na agilidade da articulação, diminuição de verbalização de palavras por minuto ou produção a gramática. O vocabulário é geralmente restrito, a capacidade de repetição é afetada e podem ocorrer preservações na fala. Pode estar associada a algum distúrbio motor da fala, como a disartria ou a apraxia da fala, e também à hemiplegia ou hemiparesia direita. A memória musical pode ser acessada, mas não a memória sequencial articulatória dos fonemas. O problema está na expressão da linguagem. Apesar da compreensão preservada, existe uma incrível dificuldade em se expressar e é angustiante para o afásico tentar se fazer compreender. Quando ele consegue cantar, é como uma libertação, a 126
Afasia e musicoterapia na lesão encefálica adquirida voz humana tanto vibra para lançar perto a palavra como para lançar longe o som musical” (SALDANHA, 2004, apud Monteiro, 2019). Indivíduos com a afasia não fluente não só apresentam uma deficiência de vocabulário e gramática, mas também esqueceram ou perderam a noção dos ritmos e inflexões da fala. Esses indivíduos são os que obtém melhores resultados com a musicoterapia, demonstrando maior satisfação quando conseguem cantar uma música com letra, pois, ao fazê-lo, descobrem não só que as palavras ainda estão ao seu alcance, mas que o fluxo da fala também é acessível. É a chamada afasia dinâmica, na qual não é a estrutura das frases que é afetada, mas a iniciação da fala. Os indivíduos com afasia dinâmica podem falar bem pouco, mas produzir frases sintaticamente corretas nas raras ocasiões em que falam, (SACKS, 2007). Tomaino (2012) relata que a musicoterapia e protocolos de fala baseados em música fornece ferramentas úteis para a reabilitação de pacientes não fluentes, O canto permite a pessoa com afasia acessar, através do hemisfério cerebral direito, a seu hemisfério cere- bral esquerdo. Por meio deste fenômeno, é possível para as pessoas com afasias não fluentes recuperar a comunicação verbal. (PFEIFFER e ZAMANI, 2017, p. 176). Tabela 1: Classificação das afasias AFASIAS NÃO- AFASIAS FLUENTES AFASIAS (SEMIFLUENTES) FLUENTES Afasia de Wernicke SUBCORTICAIS Afasia Sensorial transcortical Afasia de Broca Afasia capsular / putaminal anterior Afasia Motora transcortical Afasia capsular/putaminal posterior Afasia Global Afasia de condução Afasia Talâmica Afasia não-fluente mixta Afasia Anômica Fonte: (DIAZ, 2017) Carl Wernicke (afasia de Wernicke, 1823), descreveu outra área da fala no lobo temporal esquerdo, que uma lesão nessa área causava dificuldade para compreender a fala, uma afasia “receptiva” (afasia sensorial 127
Reabilitação: teoria e prática de Wernicke ou de compreensão). Na afasia sensorial a compreensão está afetada, mas não a articulação, produzindo estereotipias e jargões. Nestes casos, a memória musical também se encontra preservada e a memória verbal aparece de uma forma ininteligível. Existem vários sistemas de classificação de afasias e suas especificidades, um dos sistemas de classificação mais utilizado é o sistema de classificação de afasias de Boston que identifica oito síndromes afásicas clinicamente observáveis: afasia de Broca, afasia de Wernicke, afasia de condução, afasia global, afasia transcortical motora, afasia transcortical sensorial, afasia transcortical mista e afasia anômica (MURDOC, 1997, apud Fontoura, 2012). Tabela 2: Classificação das afasias Fonte: Hospital Israelita Albert Einstein (einstein.com) É muito difícil a comunicação, pois os afásicos sensoriais parecem não ter consciência do seu problema. Não há como saber o que foi compreendido. A prática, baseia-se na musicoterapia ativa (ou interativa) onde o indivíduo faz música junto com o musicoterapeuta, o que inclui dançar, tocar instrumentos, cantar, movimentar-se, ou seja, fazer tudo aquilo que é possível de se fazer, “fazendo” música. Para Sacks (2007), o cérebro humano, ao sofrer uma lesão, pode experimentar a perda de várias de suas funções físicas, sensoriais, cognitivas e emocionais, a música é capaz de mudar a anatomia do cérebro, pois pode movimentar os dois hemisférios 128
Afasia e musicoterapia na lesão encefálica adquirida cerebrais ao mesmo tempo, recrutando, assim, variadas funções cognitivas, favorecendo a organização mental e o desenvolvimento cerebral. Para Pfeiffer e Zamani (2017), ambos os hemisférios cerebrais estão em constante diálogo, e esta interconexão possibilita que percebamos a música com todos seus elementos e componentes que a distingue como uma só unidade. E mais, Levitin (2010, p.101), confirma que a verdadeira força e complexidade do cérebro (e do pensamento), decorrem das conexões entre eles. A compreensão dos sons da fala humana está relacionada diretamente com a discriminação de padrões temporais e de alteração de frequências. Os sons da fala consistem de uma série de tons (vogais) e outros sons (consoantes) que se fundem formando a linguagem (NASCIMENTO, 2009). Uma lesão encefálica adquirida pode afetar algumas funções humanas: a comunicação, a memória, a concentração, a adaptação, a ação, a emoção, dentre outras. Para os acometidos de afasia, a incapacidade de comunicar-se verbalmente pode ser quase insuportável por causa da frustração e do isolamento decorrentes. Mas, através da música são capazes de cantar não só melodias, mas também as letras de canções preferidas. Segundo Sacks (2007), é através desse fazer musical, que sua incapacidade e seu isolamento são diminuídos, pois o cantar não diz apenas que “estou vivo, estou aqui!”, mas pode expressar pensamentos e sentimentos que, em outro momento, não podem ser expressos pela fala. Para um indivíduo afásico é muito gratificante cantar palavras, pois mostra-lhes que suas habilidades de linguagem verbal não estão totalmente perdidas, que as palavras ainda estão “neles”, em algum lugar, embora seja preciso música para fazê-las ressurgir. Música, linguagem e comunicação Os objetivos prioritários da musicoterapia com o indivíduo afásico são: a facilitação do movimento fonoarticulatório e pneumofônico pela melodia, auxiliando a desinibição na comunicação verbal e não-verbal, a socialização, a estimulação do tônus muscular e da coordenação motora. A música estimula a expansão das redes neuronais, sem precisar de decodificação linguística, pois acessa as regiões límbicas (emocionais, motoras e impulsivas) e auxilia na reorganização das regiões cerebrais que ocorreram traumas. A música, por ter uma ligação direta com as percepções cinestésicas, também pode beneficiar, áreas cognitivas (memória, 129
Reabilitação: teoria e prática atenção, resolução de tarefas) e sistemas sensório-motores (movimentos/ percepções) (PFEIFFER; ZAMANI, 2017). Ao cantar, o indivíduo escuta a si mesmo, do seu próprio modo, expressando suas emoções com palavras ou sons. Essa vivência é muito positiva, gratificante e motivadora para o indivíduo, pois impacta diretamente em seu estado de ânimo, a afetividade e sobre os resultados e benefícios do tratamento. Rosado (2015, apud Monteiro, 2019) relata que é possível que a associação entre a melodia e o texto na memória de longo prazo ajude a recuperação de palavras no discurso falado. E mais, Tomaino (2012) relata que a musicoterapia e protocolos de fala baseados em música fornece ferramentas úteis para a reabilitação de pacientes não fluentes. Figura 1: Afasia de Broca (atendimento de musicoterapia) Fonte: Arquivo pessoal A linguagem verbal não é somente uma sucessão de palavras em uma ordem adequada: tem inflexões, entonações, tempo, ritmo e melodia. A música serve para intensificar e estimular a comunicação verbal, enquanto que a comunicação verbal serve para definir, consolidar e clarificar a experiência musical, (Sacks, 2007). Ainda, Stahl e colaboradores (2011, p.134) observaram que, “o ritmo, mais do que a melodia, é o elemento facilitador na fala dos afásicos, enfatizando a sua importância nos diferentes programas de reabilitação, sejam linguísticos sejam musicais”. 130
Afasia e musicoterapia na lesão encefálica adquirida Muitos estudos sobre afasias objetivam aprofundar principalmente seus aspectos linguísticos, frequentemente encontram-se comprometidas funções neuropsicológicas como memória, atenção, habilidades visuoespaciais, orientação temporo espacial e funções executivas. Para conseguir a comunicação funcional do paciente, Para Tomaino (2014, p.116) “alguns de seus pacientes com afasia não fluente que tem tido dificuldade em nomear objetos, conseguem nomear objetos com mais êxito imediatamente depois de cantarem as letras de uma música familiar”. A partir das observações clínicas e dos estudos de neuroimagem, desenvolveu-se uma heterogeneidade de programas, abordagens e técnicas musicais e musicoterápicas empregadas na reabilitação da afasia (PALAZZI; FONTOURA, 2016). Técnicas e abordagens para reabilitação da fala Quanto às intervenções baseadas em música e musicoterapia na reabilitação da afasia, a literatura apresenta uma vasta gama de abordagens e técnicas. O mais antigo e mais difundido programa de reabilitação da linguagem empregado na reabilitação da afasia não fluente é a Terapia da Entonação Melódica (TEM) (ALBERT; SPARKS; HELM, 1973, apud PALAZZI: FONTOURA, 2016), breves frases faladas em sequências melódicas. A TEM baseia-se na entonação de palavras ou sentenças da vida cotidiana em três níveis de dificuldade crescente, tempo mais lento, ritmo mais preciso, utilizando apenas dois tons musicais, onde o mais agudo representa a sílaba naturalmente acentuada na fala (SCHLAUG; MARCHINA; NORTON, 2008). Cada sílaba trabalhada, além de ser entoada, é acompanhada por uma batida da mão esquerda, que contribui, junto à entonação, à ativação do hemisfério direito (NORTON et al., 2009). Essa técnica TEM, favorece a compreensão e a expressão da linguagem oral, a fluência verbal, a repetição e a nomeação (SANDT-KOENDERMAN et al., 2010). Além disso, pode ter benefícios na apraxia de fala (ZUMBANSEN; PERETZ; HÉBERT, 2014b) e no humor de pacientes afásicos (MERRETT; PERETZ; WILSON, 2014). Além da TEM, desenvolveram-se diversas variações e adaptações do programa original, como Modified Melodic Intonation Therapy (MMIT) (BAKER, 2000, apud PALAZZI; FONTOURA, 2010), a francesa Thérapie Mélodique et Rythmée (TMR) (BELIN et al., 1996, apud PALAZZI; FONTOURA, 2016), a adaptação italiana da Terapia Melódico-Rítmica (CORTESE et al., 2015), e a brasileira Terapia da Entonação Melódica Adaptada (TEM Adaptada) (FONTOURA et al., 2014). Ainda, foram elaborados métodos e protocolos musicoterápicos específicos para a reabilitação da afasia, como a Speech-Music Therapy 131
Reabilitação: teoria e prática for Aphasia (SMTA) (DE BRUIJN; HURKMANS; ZIELMAN, 2011), o método Singen Intonation Prosodie Atmung Rhytmusübungen Improvationen (SIPARI) (JUNGBLUT; ALDRIDGE, 2004; apud PALAZZI: FONTOURA, 2016), o protocolo de Kim e Tomaino (2008), e Melodic Intonation Therapy (MIT) (THAUT et al., 2014). Esses métodos integraram técnicas de entonação inspiradas à TEM. Os estudos de casos realizados com a TEM mostram que essa técnica favorece as habilidades linguísticas dos pacientes afásicos, tanto na compreensão, quanto na expressão da linguagem oral, na fluência verbal, na repetição e na nomeação (Sandt Koenderman et al., 2010). Além disso, Zumbansen, Peretz e Hébert (2014a), sugeriram que a TEM teria benefícios na apraxia de fala, no sistema motor da afasia de Broca. Por fim, vários estudos mostraram que a música e o canto favorecem o humor e a motivação em pessoas saudáveis e em várias populações clínicas, sugerindo assim que a TEM poderia afetar o humor em pacientes afásicos (Merrett, Peretz, Wilson 2014). Bradt e colaboradores (2010) apresentam as características do tratamento musicoterápico na reabilitação de sujeitos com lesões cerebrais adquiridas, destacando o emprego dessa abordagem para estimular funções relacionadas a movimento, linguagem e comunicação, processos sensoriais, cognitivos e emocionais. Para a reabilitação da linguagem verbal é muito usada e com muitos resultados, “a terapia de entonação melódica, que é baseada nos três elementos da fala: a melodia, o ritmo e seus pontos de tensão, por meio do uso de intervalos melódicos próximos aos do canto na fala e a marcação do ritmo da fala com a mão esquerda” (ROCHA; BOGGIO, 2013, p.135). Tabela 3: Intervenções da Musicoterapia Neurológica (NMT) para Linguagem Intervenção Descrição Patologias Terapia de ento- nação Melódica Técnica que utiliza elementos rítmi- (MIT) cos e melódicos na entonação de pa- Afasia expressiva ou de Broca Estimulação de Fala Musical lavras e linguagem. (MUSTIM) Usa materiais musicais como: can- Afasia expressiva ou de Bro- ções, rimas, cantos e frases musicais ca, traumatismo craniano, para estimular a linguagem prosódica acidente vascular cerebral- e facilitar a produção automática da -AVC, demência, doença linguagem. de Alzheimer, doença de Parkinson. 132
Afasia e musicoterapia na lesão encefálica adquirida Discurso Rítmico Aplicação de exercícios rítmicos para Disartria, doença de Parkin- Cuing (RSC) controlar a velocidade de produção son, traumatismo craniano, de linguagem, fluência, articulação, AVC - acidente vascular ce- inteligibilidade e outros fatores rebral. Exercícios mo- Materiais musicais e exercícios por Traumatismo craniano, aci- tores e respi- meio de vocalização e instrumentos dente vascular cerebral, di- ratórios orais de sopro são usados para melhorar sartria, doença de Parkinson, (OMREX) o controle articular, a coordenação distrofia muscular, doença respiratória e as funções do aparelho de Huntington, Síndrome de vocal. Down, DPOC, enfisema. Terapia de Ento- O uso de exercícios vocais para trei- Distúrbios congênitos, en- nação Vocal (TEV) nar, manter, desenvolver e reabilitar velhecimento, doença de aspectos do controle da voz que são Parkinson, paralisia cere- afetados por anormalidades estru- bral, traumatismo craniano, turais, neurológicas, fisiológicas ou acidente vascular cerebral funcionais. – AVC. Canto Terapêuti- Atividades ou exercícios vocais que AVC, traumatismo craniano, co (CT) atendam a uma variedade de objeti- síndrome de Guillain-Barré, vos nas áreas de articulação, lingua- doença de Parkinson, escle- gem, controle respiratório e fortaleci- rose múltipla, entre outros. mento da capacidade vocal. Discurso de Experiências musicais para estimular Transtornos do desenvolvi- Desenvolvimento a produção e o desenvolvimento da mento, Transtornos do es- e Treinamento de linguagem por meio do canto, dos pectro do autismo, paralisia Linguagem por instrumentos musicais e da combina- cerebral, disfunções de lin- meio da Música ção de linguagem e movimento guagem, apraxia, deficiência (DSLM) intelectual. Treinamento de Exercícios musicais de estimulação Perda total da linguagem Comunicação e utilização adequada de Simbólica por comportamentos comunicacionais, devido a acidente vascular meio da música pragmatismos, gestos e expressão (SYCOM) emocional através de um sistema de cerebral, traumatismo comunicação “não verbal”. craniano, distúrbios do desenvolvimento e distúrbios neurológicos. Fonte (NOBOA, 2018) 133
Reabilitação: teoria e prática Musicoterapia em grupo com afásicos Pesquisas mostram que linguagem e música são duas funções que envolvem regiões cerebrais parcialmente sobrepostas, incluindo também área de Broca e de Wernicke que consideravam-se específicas da linguagem verbal. (FONTOURA, 2014). Em particular, em uma abordagem de musicoterapia ativa junto com a fonoaudiologia, o indivíduo engaja- se em atividades de execução, criação ou improvisação musical, com um grupo de pessoas, sendo esta experiência ativa que fornece os benefícios terapêuticos diretamente ou através de um processo de respostas do indivíduo que acompanha ou provoca a mudança terapêutica. Na reabilitação desses indivíduos com afasias nas lesões cerebrais adquiridas a musicoterapia e a fonoaudiologia utilizam algumas práticas e exercícios, como a exploração dos aspectos da métrica musical (ritmo, tempo, duração); da percepção auditiva (Pitch-altura, Loudness- intensidade) com a qualidade musical (entonação, melodia, harmonia) para estimular o cantar e funções relacionadas à socialização, movimento, linguagem e comunicação, processos sensoriais, cognitivos e emocionais, tendo como finalidade a sua transposição para a comunicação espontânea e, com isso, um feedback positivo para os indivíduos do grupo, no qual a produção verbal é possível, mesmo sendo adaptada, pois os indivíduos se reconhecem como autores. Nascimento (2009) relata que entendemos a música como processadora dos sons da fala que permite o engrama e o mapeamento das palavras cantadas em significados. Caso clínico Paciente masculino, 43 anos de idade, vítima de traumatismo cranioencefálico (TCE) por ferimento por arma de fogo, com hemiparesia direita e afasia de Broca Os objetivos principais das intervenções foram: trabalhar os sistemas fonoarticulatório e pneumofônico para promover uma melhor coordenação da respiração/articulação/fala, principal queixa do paciente; além disso trabalhar a memória, a estimulação do tônus muscular, a socialização para melhorar sua autoestima. Para o paciente, os principais objetivos terapêuticos foram: recuperar a fala, aceitar e melhorar as perdas motoras para voltar a ajudar a esposa em algumas atividades de vida diária, e continuar seu ofício (lavrador), plantar hortaliças para consumo. Os atendimentos iniciaram com exercícios de sopro e respiração, fazendo vocalização prolongada dos fonemas se z, terminando com cada vogal: ssssáaa...,sssséee...,ssssiii...,ssssóooo...,ssssúuuu..... 134
Afasia e musicoterapia na lesão encefálica adquirida Depois com: zzzzáaaa,zzzzéee...,zzzziii..., zzzzóooo,zzzzúuuu; vibração de língua vocalizando o fonema r (sempre terminando com cada vogal:rrrrrráaa...,rrrrrréee...,rrrrrrriii...,rrrrrróoo...,rrrrrúuu); trabalhando a mobilidade da língua com: lá...lé...li...ló...lu; exercitando a oclusão labial com os fonemas m,p,b...com cada vogal, sempre fazendo vocalizações e sílabas melódicas, no tom de sol maior(G). Depois de cada vocalização, perguntava-se: o nome da terapeuta, o nome dele, o nome de sua esposa, o nome de seu cachorro, o nome de sua mãe. Depois de um ano de terapia, ele conseguiu responder estas questões de forma apropriada. Ampliando a vocalização e a articulação de outros fonemas t, g, j, p, n, houve aumento de vocabulário para os meses do ano, os dias da semana, as cores, respostas simples como: sim, não, ok. Desde o começo das sessões de musicoterapia, ele mostrou-se empenhado na sua melhoria, alcançando avanços verbais a cada sessão, melhorando a autoestima e, com isso, conseguiu avançar devagar mas de forma crescente, para sua grande conquista: voltar a falar. (Figura 02) Figura 2: Afasia de Broca (atendimento de musicoterapia) Fonte: Arquivo pessoal Ao atender um indivíduo afásico há um grande desafio que é a sua não aceitação e a sua adaptação à vida que se apresenta. A empatia, o 135
Reabilitação: teoria e prática vínculo terapeuta-indivíduo é muito importante no processo de recuperação da fala, pois, “é uma relação que envolve não só a interação vocal e musical, mas o contato físico, gestos, imitação de movimentos e prosódia é uma parte essencial da terapia.” (Sacks, 2007, p.215). A musicoterapia pode potencializar tratamentos desenvolvidos conjuntamente, utilizando a música em pacientes com distúrbios de comunicação e/ou linguagem, através de canções pré-gravadas ou especificamente compostas para esse fim, no sentido de melhorar a expressão do paciente (Moreira e Silva, 2012) A possibilidade de cantar para um indivíduo com dificuldade de expressão verbal, pode reforçar as memórias articulatórias, colaborando na produção da fala. Sacks (2007, p. 211) relata que: para os portadores de afasia, a incapacidade de comu- nicar-se verbalmente pode ser quase insuportável por causa da frustração e do isolamento decorrentes. Para ele, esses indivíduos, muitas vezes, são tratados como deficientes intelectuais, porque não conseguem falar. Alguns pacientes precisam de múltiplas dicas, tais como dicas faciais exageradas junto com canto e percutir o ritmo com os dedos, para melhorar os resultados. Os sons vocálicos transitam para consoantes ou bilabiais (/m/, /b/), para sons feitos com a ponta da língua (/d/,/t/). Os pacientes demonstram sinais de melhor reconhecimento da melodia quando uma frase da letra original da melodia é apresentada primeiramente, antes de ser associada à frase de fala diária. As pistas rítmicas incluem: batidas regulares e devagar que são aferidas de acordo com o ritmo de fala do paciente, “quando há familiaridade com a melodia, motivação aumentada e resultados bem sucedidos podem ser observados” (PALAZZI; FONTOURA, 2016). Alguns pacientes precisam de múltiplas dicas, tais como dicas faciais exageradas junto com canto e percutir o ritmo com os dedos, para melhorar os resultados (Figura 3). Exercícios motores orais o terapeuta apresenta um breve trecho de uma música familiar exagerando nos movimentos da boca e da língua. Pede-se ao paciente que observe com cuidado e acompanhe os movimentos faciais e orais do terapeuta. Para que o paciente possa imitar com êxito essas expressões é crucial que o terapeuta dê tempo para aquela resposta. Também foi descoberto que pacientes atuam melhor se o terapeuta coordenar a expressão exagerada com a ordem/ritmo temporal da letra da música familiar. 136
Afasia e musicoterapia na lesão encefálica adquirida Figura 3: Afasia de Broca (atendimento de musicoterapia) Fonte: Arquivo pessoal Considerações finais Na reabilitação de sujeitos com lesão cerebral adquirida a musicoterapia é empregada para estimular funções relacionadas ao movimento, linguagem e comunicação, processos sensoriais, cognitivos e emocionais (BRADT et al., 2010). A afasia é um distúrbio adquirido do processamento da linguagem decorrente de um dano cerebral, que manifesta-se na perda ou no comprometimento tanto dos aspectos expressivos quanto dos aspectos receptivos da linguagem (Ortiz, 2010). Em musicoterapia, a voz vem sendo utilizada em processo terapêutico para alcançar variados objetivos (VELOSO e BRANDALISE, 2017). O canto é um importante recurso, pois à medida que contribui para a reabilitação da linguagem, estende seus benefícios aos aspectos sociais e de qualidade de vida da pessoa com afasia. Com isso, Bakhtin defende que “a palavra pode desempenhar papel meramente complementar, uma vez que [...], a comunicação verbal é sempre acompanhada por atos de caráter não verbal, como um gesto, dos quais ela é muitas vezes apenas o complemento” (CORRÊA; RIBEIRO, 2012). 137
Reabilitação: teoria e prática As canções são ferramentas poderosas que fazem parte de nossa vida, identidade, vivências e emoções (SANCHEZ, 2007). Reforçando Tomaino (2012), ritmo, melodia e tom parecem capazes de alcançar – e literalmente mover – quando o movimento, a memória, a fala e a emoção, ao que parece, foram destruídos por uma lesão ou uma doença. Referências bibliográficas BRADT, Joke et al. Music therapy for acquired brain injury. Cochrane Database of Systematic Reviews, n. 7, 2010. CORRÊA, G. T.; RIBEIRO, V. M. B. Dialogando com Baktin: algumas contribuições para a compreensão das interações verbais no campo da saúde. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 16, n. 41, 2012. CORTESE, Maria Daniela et al. Rehabilitation of aphasia: application of melodic-rhythmic therapy to Italian language. Frontiers in human neuroscience, v. 9, p. 520, 2015. DE BRUIJN, M.; HURKMANS, J.; ZIELMAN, T. Speech-music therapy for aphasia (SMTA): an interdisciplinary treatment of speech-languagetherapyand music therapy for clients with aphasia and/or apraxia of speech. In: BAKER, F.; UHLIG, S. Voice work in Music Therapy: Research and Practice. London: Jessica Kingsley Publishers, 2011, 206 -227. DIAZ, C. P. Proposta de programa de intervenção com música em afasia de broca, 2017. FONTOURA, D. R.; RODRIGUES, J. C.; PARENTE, M. A. P. P.; FONSECA, R.; SALLES, J. F. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILINA. Ciências & Cognição, 16, 3, 078-094, 2011. FONTOURA, D. R. Afasia de Expressão: Avaliação Neuropsicolinguística e Intervenção com Enfoque na Musicalidade. Tese de Doutoramento em Ciências da Linguagem/Psicolinguística - FCSH. Lisboa, 2012. FONTOURA, D. R.; RODRIGUES, J. C.; BRANDÃO, L.; MONÇÃO, A. M.; SALLES, J. F. Eficácia da terapia da entonação melódica adaptada: estudo de caso de paciente com afasia de broca. Distúrbios Comun. São Paulo, 26, 4, 641-655, 2014. GUERCHE, I. C.; SIMÕES, P. N. Linguagem e socialização: o trabalho musicoterapêutico em pessoas com afasia. Revista Brasileira de Musicoterapia, n. 19, 2015. HOSPITAL ISRAELITA ALBERT EINSTEIN. Sobre. Disponível em: eisntein.com. 138
Afasia e musicoterapia na lesão encefálica adquirida KIM, Mijin; TOMAINO, Concetta M. Protocol evaluation for effective music therapy for persons with nonfluent aphasia. Topics in Stroke Rehabilitation, v. 15, n. 6, p. 555-569, 2008. LEVITIN, D. J. This is your brain on music: the Science of a human obsession. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. MOREIRA, V. S.; SILVA, T. R. M. A.; SILVA, D. J. et.al. Neuromusicoterapia no Brasil: Aspectos Terapêuticos na Reabilitação Neurológica. Revista Brasileira de Musicoterapia, n. 12, 2012. MERRETT, Dawn L.; PERETZ, Isabelle; WILSON, Sarah J. Neurobiological, cognitive, and emotional mechanisms in melodic intonation therapy. Frontiers in human neuroscience, v. 8, p. 401, 2014. MONTEIRO, N. C. C. R. Canções na comunicação funcional em pacientes afásicos e possibilidades na abordagem plurimodal. Artigo para módulo I da Abordagem Plurimodal. ADIM. Ceará. 2019. NASCIMENTO, M. Musicoterapia e a reabilitação do paciente neurológico. São Paulo: Memnon, 2009. NATIONAL APHASIA ASSOCIATION: Perguntas e respostas sobre Afasia. Disponível http://www.aphasia.org/docs/Aphasia%20Brochure_Portuguese. pdf > Acesso em: 01 de agosto de 2014. NOBOA, C.J. A Musicoterapia neurológica como modelo de neuroreabilitação. Revista Equatoriana de Neurologia. 2018. NORTON, A.; ZIPSE, L.; MARCHINA, S.; SCHLAUG, G. Melodic Intonation Therapy: shared insights on how it is done and why it might help. Ann. N.Y. AcadSci. The Neurosciences and Music III: Disorders and Plasticity, n. 1169, p. 431- 436, 2009. ORTIZ, K. Z. Afasia. In: Ortiz, K. Z. (Org.), Distúrbios neurológicos adquiridos: linguagem e cognição. 2. ed. Barueri, SP: Manole, 2010. PALAZZI, A.; FONTOURA, D. Musicoterapia na afasia de expressão: um estudo de caso. Revista Brasileira de Musicoterapia - Ano XVIII n. 20, 2016. PFEIFFER, C.; ZAMANI, C. Explorando el cérebro musical: musicoterapia, música y neurociências. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Kier, 2017. ROCHA, V. C.; BOGGIO, P. S. A música por uma óptica neurocientífica. PerMusi, Belo Horizonte, n. 27, 2013. SACKS, O. Musicophilia: tales of music and the brain. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. SALDANHA, R. A canção como recurso terapêutico na reabilitação da afasia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação, 2004. 139
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8 Fisioterapia aquática funcional no tratamento de distúrbios de equilíbrio em lesão encefálica adquirida no paciente adulto Suellen Aparecida Patrício Pereira Laís Bastos Oliveira Ramos Luciana Veloso Soares de Melo A Lesão Encefálica Adquirida (LEA) é um dano que ocorre no encéfalo após o nascimento, que compromete as funções cerebrais. Dentre as LEAs, encontram-se o acidente vascular encefálico (AVE), o traumatismo cranioencefálico (TCE), as encefalopatias anóxicas, os tumores encefálicos e as neuroinfecções, sendo estes três últimos não tão frequentes. (MATTOS, 2019; MAR, 2011) Dentre as principais causas de LEA estão o AVE e o TCE. (PERES et al, 2011). No Brasil, a incidência anual de AVC é de 108 casos por 100 mil habitantes, com taxa de fatalidade aos 12 meses de 30,9% e o índice de recorrência, após um ano, é de 15,9% Quanto ao TCE, a taxa de mortalidade está entre 30% e 70% (BRASIL, 2013). As alterações motoras após uma lesão ao encéfalo ocorrem, dentre outros motivos, devido ao comprometimento da via corticoespinhal, levando à diminuição da força, e alteração de tônus. Uma das sequelas decorrentes disso é a espasticidade, que causa desequilíbrio entre a ação
Reabilitação: teoria e prática da musculatura agonista e antagonista, afetando a capacidade motora e a funcionalidade dos indivíduos acometidos (TRAN, 2015; KEENAN, 2011). Equilíbrio A habilidade de manutenção do centro de massa corporal dentro dos limites da base de sustentação é conhecida como equilíbrio corporal, que torna o indivíduo o mais funcional possível durante o movimento (FERREIRA; DIAS; ISRAEL, 2012). O sistema nervoso central (SNC) é o responsável por coordenar as respostas de estruturas e funções corporais necessárias para a manutenção postural, em um processo complexo integrando informações sensoriais e motoras (SABCHUK; BENTO; RODACKI, 2012). O cerebelo e tronco encefálico são as estruturas do SNC que auxiliam no controle postural, e estão relacionados com a coordenação motora e com a manutenção do equilíbrio estático ou dinâmico. O cerebelo recebe estímulos diversos (visuais, vestibulares, proprioceptivos e auditivos) e os utiliza para refinar os comandos da área motora cortical, que são encaminhados ao cerebelo por meio do tronco encefálico. Deste modo, o cerebelo repassa de forma simultânea esses comandos corrigidos para o córtex motor por meio do tálamo, para o próprio tronco encefálico e para a medula, o que coordena e refina os movimentos. (PURVES et al., 2005; LUNDYEKMAN, 2008). A manutenção do equilíbrio é uma tarefa complexa que envolve informações sensoriais e respostas musculoesqueléticas. O sistema nervoso fornece recurso sensorial para a orientação do corpo no espaço, uma interação sensoriomotora para a realização dos ajustes posturais e estratégias motoras para as respostas de equilíbrio. A resposta musculoesquelética está relacionada com a amplitude de movimento, à integridade articular, ao alinhamento postural, ao desempenho muscular e à sensação. O ambiente, a superfície de apoio, os efeitos da gravidade, a luminosidade e as características da tarefa estão em interação com estes sistemas (KLOOS; GIVENS, 2016). É importante destacar que a manutenção do controle postural requer uma “sobreposição” sensorial, para que cada sistema sensorial tenha importância em relação aos demais. Entretanto, a integração de todas as modalidades sensoriais pode ocasionar algumas vezes conflito ao SNC, de modo que este não identifica ao certo qual informação é mais coerente, dando relevâncias diferentes para cada uma delas (SOARES, 2010). Assim, para a regulação e/ou manutenção da postura corporal durante uma determinada tarefa, o SNC realiza a leitura das 142
Fisioterapia aquática funcional no tratamento de distúrbios de equilíbrio em... informações sensoriais de maneira seletiva, aumentando a atividade de um determinado sistema que se mostre mais útil naquele momento, e reduzindo a atividade dos outros (KLEINER; SCHLITTLER; SÁNCHEZ-ARIAS, 2011). Distúrbios do equilíbrio podem ser a causa de quedas e acidentes. Esses distúrbios podem estar relacionados a qualquer fator que interfira no funcionamento de uma das estruturas envolvidas, por exemplo: perda de força, diminuição de amplitude de movimento (AM), lesões neurológicas e/ou distúrbios sensitivos (SOUZA, 2006). Fisioterapia aquática no tratamento da LEA A fisioterapia aquática (FA) ou hidroterapia é um recurso fisioterapêutico que utiliza os efeitos físicos, fisiológicos e cinesiológicos advindos da imersão do corpo em piscina aquecida como recurso auxiliar da reabilitação ou prevenção de alterações funcionais. Os princípios físicos da hidrostática fundamentam o fortalecimento com paciente submerso, visto que permitem gerar resistência multidimensional constante aos movimentos. À medida que a força é exercida, a resistência aumenta proporcionalmente contra ela, o que gera uma sobrecarga mínima nas articulações (SILVA, 2015). A fisioterapia é utilizada para reduzir as limitações ocasionadas pela LEA melhorando a qualidade de vida e prevenindo as possíveis complicações que a doença possa desenvolver (CARDOSO, 2010). A FA pode ser usada para o tratamento do controle postural estático e dinâmico. Os exercícios aquáticos podem objetivar o fortalecimento muscular, o aumento da estabilização dinâmica (ativação muscular continuamente para estabilizar a posição do corpo), melhora da propriocepção, aumento da amplitude de movimento, melhora dos ajustes posturais e melhora do equilíbrio. Outro fator para a melhora do equilíbrio em ambiente aquático é que com o aumento do estímulo sensorial devido à instabilidade que este meio oferece, ativa-se o sistema vestibular nas reações de equilíbrio. Por estas razões, o ambiente aquático tem sido identificado como um meio apropriado para executar as atividades físicas capazes de restabelecer o equilíbrio (O’SULLIVAN; SCHMITZ, 2010; CARVALHO, 2009). Para estimular o equilíbrio corporal em ambiente aquático, a pessoa necessita apresentar domínio do meio líquido e controle motor para se adaptar às mudanças deste ambiente, ocasionadas pelos efeitos hidrodinâmicos e hidromecânicos. Estes efeitos, norteados principalmente pelos princípios de Arquimedes, de Pascal, pelas resistências da água, 143
Reabilitação: teoria e prática viscosidade, tensão superficial, turbulência (VEIGA; ISRAEL; MANFFRA, 2012) e água aquecida proporcionam o aumento do metabolismo, redução da tensão muscular, otimização o relaxamento muscular e interação do indivíduo de maneira mais independente com o ambiente (SILVA et al., 2013). A piscina terapêutica pode estimular a melhora do controle do equilíbrio. A água permite maior independência na manutenção de posturas, pois serve como suporte para o corpo, o que faz com que os pacientes tenham menos medo de movimentar-se. A melhoria no equilíbrio deve-se à atração molecular no meio líquido que quando em movimento, gera resistência (viscosidade), responsável pelo suporte oferecido aos pacientes durante a hidroterapia. Isto sugere uma melhora do equilíbrio dentro da água, refletindo em melhora também no solo (RUOTI, 2000; SIQUEIRA, 2017). É importante salientar que as propriedades da água como a flutuação, a resistência e a pressão hidrostática auxiliam o fisioterapeuta na reabilitação, potencializando o fortalecimento muscular, a funcionalidade e o equilíbrio, proporcionando, ao mesmo tempo, um ambiente divertido, motivante e seguro (OLIVEIRA, 2013). Pode-se inferir ainda que a propriedade de suporte que é conferida pela água possibilita a realização de atividades mais independentes por parte de indivíduos com alteração do equilíbrio corporal, proporcionando, assim, maior tempo de reação para se equilibrar (MEEREIS, 2013). Treino de equilíbrio para paciente adulto com LEA/ Fisioterapia aquática - CEIR Admissão/Avaliação A avaliação tem como objetivo levantar o histórico do paciente, identificar os sinais e sintomas, o padrão e a progressão da lesão neurológica, o que fornecerá indicações importantes quanto ao tratamento do indivíduo. Após o histórico do paciente, é feito o exame clínico, onde testes específicos são realizados para avaliar a função dos sistemas sensorial, autônomo e motor. A avaliação em solo também deve alertar o fisioterapeuta para os problemas clínicos anteriores ou atuais que requeiram cuidados na prescrição de exercícios; tratamento medicamentoso que possa prejudicar o desempenho nos exercícios; fornece uma história de fatores de risco para doenças e mostrar desempenho físico anterior ou condição de atividade (BARBOSA, 2006). 144
Fisioterapia aquática funcional no tratamento de distúrbios de equilíbrio em... Na avaliação aquática, é necessária a avaliação dos efeitos da flutuação e do calor sobre, por exemplo, a força muscular do paciente, amplitude de movimentação das articulações, equilíbrio, atividades funcionais e teste de força muscular. Dentre os recursos utilizados para a avaliação física em solo no setor de fisioterapia aquática estão: a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), a Medida de Independência Funcional (MIF), o teste Timed up and go, teste de Romberg e testes de coordenação. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) é um instrumento que considera o sujeito em sua singularidade, mesmo que pertença a um grupo de diagnóstico semelhante. A CIF tem duas divisões, ambas constituídas por dois componentes: a primeira parte se refere à Funcionalidade e à Incapacidade, que têm como componentes o Corpo, no qual estão duas classificações (funções dos sistemas e estruturas do corpo) e Atividades e Participação; a segunda parte se refere aos Fatores Contextuais estruturados pelos Fatores Ambientais e Fatores Pessoais (CCOMS, 2003). A Medida de Independência Funcional (MIF) é utilizada para mensurar a capacidade funcional por meio de uma escala de sete níveis que representam os graus de funcionalidade, variando da independência à dependência total. Quanto menor a pontuação da MIF, maior será o grau de dependência do avaliado. A partir da soma dos pontos obtidos em cada dimensão, tem- se um escore mínimo de 18 e máximo de 126 pontos, que vão caracterizar os níveis de dependência (RISSETTI et al, 2020). A mobilidade funcional pode ser avaliada por meio do teste Timed Up & Go (TUG), capaz de indicar dificuldades na realização de atividades de vida diária, mobilidade funcional e risco de quedas. O TUG é um teste de fácil aplicação clínica, barato e eficiente para a avaliação da mobilidade e do equilíbrio funcionais, e tem sido frequentemente utilizado em pesquisas, apresentando também correlação significativa com o risco de quedas, o medo de cair e o desempenho funcional (THRANE, 2007). A Escala de Equilíbrio de Berg (EEB) avalia o equilíbrio estático e dinâmico e objetiva evidenciar o quão propenso o sujeito está ao risco de quedas. É formada pela avaliação de itens como: sentar-se, ficar de pé, alcançar, girar, olhar acima dos ombros, subir e descer degraus e ficar em apoio unipodal (PIMENTEL; SCHEICHER, 2009). A coordenação motora é a capacidade de se usar de forma eficiente os músculos esqueléticos, permitindo ao adulto dominar seu corpo no espaço em que vive, controlando assim seus movimentos. Quando ela 145
Reabilitação: teoria e prática não é trabalhada de forma adequada, pode-se eventualmente perceber falhas no desenvolvimento da coordenação motora como por exemplo: noção espacial, lateralidade precária e o tempo de reação defasado. A coordenação motora pode ser avaliada através dos testes índex-índex, índex-dedo, calcanhar-joelho, dentre outros (SILVA, 2020). Exame físico: Indicações e contraindicações no setor de fisioterapia aquática. O terapeuta do setor de fisioterapia aquática deve examinar o paciente de modo completo e certificar-se de que todas as contraindicações peculiares à hidroterapia ou Fisioterapia aquática sejam excluídas. Esta verificação é necessária em uma avaliação inicial e antes da entrada na piscina, à procura do aparecimento de contraindicações após início do tratamento. Indicações: Figura 1: Avaliação de teste de força Fonte: Arquivo pessoal. 146
Fisioterapia aquática funcional no tratamento de distúrbios de equilíbrio em... Figura 2: Avaliação de marcha Fonte: Arquivo pessoal. Figura 3: Teste calcanhar-joelho Fonte: Arquivo pessoal. 147
Reabilitação: teoria e prática Para Geytenbeek (2002), fica evidente a diversidade de indicações da hidroterapia: situações clínicas como dor, alterações ortopédicas e neurológicas, pós-operatórios e principalmente uma gama de alterações na grande esfera das doenças reumáticas e crônicas. Contraindicações: Pacientes que possuam problemas como a incontinência intestinal ou urinária não controlada, doenças infecciosas, hipertensão não controlada ou mulheres menstruadas sem proteção interna são contraindicados para a terapia aquática. Pacientes que possuam feridas pequenas devem ser cobertas com um curativo impermeável, caso contrário não podem participar do tratamento em função de não poder entrar na piscina (GIESECKE, 2000). Tratamento: casos clínicos Caso clínico 1 Paciente masculino Diagnóstico etiológico: Acidente Vascular Cerebral Diagnóstico sindrômico: Hemiparesia Diagnóstico pela CIF: Paciente apresenta paresia em hemicorpo direito, com moderada deficiência da força muscular e leve deficiência no tônus muscular; leve deficiência em seus reflexos; nenhuma dificuldade em controlar esfíncteres e leve dificuldade para auto transferências e deslocar- se para subir/descer escadas. Código CIF: b7303.2; b7352.1; d4508.1; b750.1; b6202.0;b5253.0; d4200.1; d4609.1; d4551.1. Tempo de lesão: >2 anos Forma de deslocamento: deambula em curta distância com auxílio de andador e usa cadeira de rodas para longas distâncias Exame físico: Objetivos: Funcional: Marcha Específicos: Treino de Equilíbrio (estático/dinâmico) Fortalecimento Global Propriocepção 148
Fisioterapia aquática funcional no tratamento de distúrbios de equilíbrio em... Conduta da Fisioterapia Aquática: Entrada/saída: Figura 4: Entrada pela borda Fonte: Arquivo pessoal Figura 5: Treino dinâmico de subida e descida Fonte: Arquivo pessoal 149
Reabilitação: teoria e prática Figura 6: Treino de marcha anterior e lateral com obstáculos Fonte: Arquivo pessoal Exercícios específicos: Caso clínico 2 Paciente masculino Diagnóstico etiológico: Acidente vascular encefálico Diagnóstico sindrômico: Hemiparesia. Diagnóstico CIF: Paciente apresenta hemiparesia leve em hemicorpo direito, com leve deficiência na força muscular e nenhuma alteração no tônus muscular; leve deficiência em seus reflexos; nenhuma dificuldade para controlar seus esfíncteres e leve dificuldade para autotransferência, deslocar-se, subir/descer escadas. Código CIF: b73.02.1; b7352.0; b750.1; d4508.1; b6202.0; b5253.0; d4200.1; d4609.1; d4551.1. Tempo de lesão: > 2 anos. Forma de deslocamento: faz uso de muleta canadense e de órtese (goteira suropodálica). Exame físico: Marcha: demonstra insegurança durante a marcha, porém sem claudicação. Apresenta postura de ombros e tronco levemente curvados. 150
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