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Reabilitação Teoria e Prática

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2022-07-14 19:31:45

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Paralisia cerebral - classificação Referências bibliográficas AFONSO, Tatiana et al. Percepções de mães de crianças com paralisia cerebral: um olhar sobre o passado e o futuro. Rev. Pesqui.(Univ. Fed. Estado Rio J., Online), p. 137-144, jan./dez. 2020. AL‐GAMAL, Ekhlas; LONG, Tony. Psychological distress and perceived support among Jordanian parents living with a child with cerebral palsy: across‐sectional study. Scandinavian Journal of Caring Sciences, v. 27, n. 3, p. 624-631, 2013. AMEER, M.; KHALLAF, M. Effect of treadmill gait training on diplegic children swing phase gait parameters. International Journal of Physiotherapy and Research. v. 5, n. 1, p. 1829-835, May 2017. BALTOR, M. R. R.; BORGES, A. A.; DUPAS, G. Interação com a criança com paralisia cerebral: comunicação e estigma. Revista de Enfermagem. Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, p. 21-30, set. 2014. BARBOSA, R. M. P.; LINHARES, T. G.; KUNZLER, B. Métodos de avaliação da criança com paralisia cerebral. Revista brasileira Multidisciplinar. Foz do Iguaçu-PR, v. 19, n. 1, p. 164-172, maio 2016. BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de atenção à pessoa com paralisia cerebral. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. CAVALCANTE, V. M. V. et al. Perfil epidemiológico das crianças com paralisia cerebral em atendimento ambulatorial. Rev enferm UERJ. Rio de Janeiro, v. 25, n. 12, p. 1-7, mai. 2017. CORREIA, V. D.; SALIMENE, A. C. M. Perfil social de crianças e jovens com paralisia cerebral em um centro de reabilitação física. Acta Fisiatr. São Paulo, v. 23, n. 1, p. 16-19, set. 2016. ELIASSON, A.C. et al. The manulaability classification system (MACS) for children with cerebral palsy: scale development and evidence of validity and reliability. Revista Developmental Medicine and Child Neurology, v. 48, n. 7, p. 549.54, set. 2016. LIMA, C. L. A.; FONSECA, L. F. Paralisia cerebral: neurologia, ortopedia, reabilitação. Rio de Janeiro (RJ): Editora Guanabara Koogan; 2018. MAGALHÃES, M. et al. Paralisia cerebral na criança - caracterização clínica e funcional. Rev. Soc. Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação. Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 21-30, set. 2011. RIBEIRO, M. F. M. et al. Paralisia cerebral: faixa etária e gravidade do comprometimento do filho modificam o estresse e o enfrentamento materno. Ciênc. Saúde Colet. São Paulo, v. 21, n. 10, out. 2016. 251

Reabilitação: teoria e prática SILVA, R. K. A.; SOUTO, D. O. S. Reabilitação dos membros inferiores na paralisia cerebral diplégica. Fisioter Bras. Rio de Janeiro, v. 21, n. 1, p. 104- 11, maio 2020. SPOSITO, Maria Matilde; ALBERTINI, Simone Bio. Tratamento farmacológico da espasticidade na paralisia cerebral. Acta fisiátrica, v. 17, n. 2, p. 62-67, 2010. TEDESCO, A. P.; MARTINS, J. S. PANISSON, R. D. N. Tratamento focal da espasticidade com toxina botulínica A na paralisia cerebral GMFCS nível V – avaliação de efeitos adversos. Rev Bras Ortop. v. 49, n. 4, p. 359-63, mai.2014. 252

18 Abordagem familiar na Paralisia Cerebral Ana Carolina Pinto Soares Marta Maria de Brito Soares O atraso do desenvolvimento neuropsicomotor está associado a várias condições da infância, dentre as quais podemos destacar a Paralisia Cerebral (PC). O referido atraso caracteriza-se pela condição em que a criança não alcança habilidades neuropsicomotoras esperadas para sua idade. A PC é uma condição clínica abrangente que resulta de uma lesão do Sistema Nervoso Central (SNC) e que compreende uma série heterogênea de fatores etiológicos ocorridos nos períodos pré-natal, perinatal ou pós-natal. Em decorrência desse quadro, podem surgir, principalmente distúrbios motores, além de deficiência intelectual, transtornos de linguagem, como disfasia ou disartria, déficits sensoriais, alterações da movimentação ocular, como estrabismo convergente, e epilepsia, dentre outras alterações (MELLO, RIZZUTTI & MUSZKAT, 2013). Assim, a Paralisia Cerebral (PC) apresenta importante correlação com o desempenho cognitivo, bem como com a capacidade de realização das atividades diárias de crianças com esse diagnóstico, além de ter um impacto importante em sua qualidade de vida. Pesquisas e estudos atuais nos mostram como tais relações são estabelecidas, buscando explorar a natureza dessas, quer pelas alterações neurobiológicas próprias da PC, quer pela oportunidade reduzida de interação com o meio que o comprometimento motor impõe à criança com essa condição clínica. Desse modo, é comum que a criança com PC venha a solicitar da mãe e da família maior paciência e sensibilidade para que possa adquirir segurança acerca do mundo que a rodeia, para desenvolver-se em ritmo

Reabilitação: teoria e prática próprio e para estabelecer um vínculo positivo com o ambiente, partindo de suas possibilidades (MORILLA, 2017). Neste contexto, alguns fatores presentes no ambiente familiar podem favorecer o melhor desenvolvimento da criança e contribuir para atenuar ou neutralizar o efeito de condições adversas de desenvolvimento, tais como: a autonomia, condição social positiva, união e suporte familiar, a adoção de uma rotina diária, de um meio de comunicação que facilite a compreensão de necessidades e a ajuda de parentes e de amparos sociais. Ou seja, um bom funcionamento familiar e uma grande variedade de estímulos ambientais podem ser decisivos para apoiar a criança acometida pela PC (POLETTO & KOLLER, 2008). De um modo geral, acredita-se que a partir das dificuldades apresentadas pelas crianças com PC, deve-se primar pelo desenvolvimento de programas de intervenção que tenham o objetivo de estimular ou treinar habilidades prejudicadas, além de otimizar as potencialidades que apresentam-se intactas. A Paralisia Cerebral e seus impactos no desenvolvimento infantil e na dinâmica familiar O Ministério da Saúde do Brasil, em seu documento intitulado “Diretrizes para atenção à pessoa com Paralisia Cerebral”, lançado em 2013, destaca que a severidade dos comprometimentos da PC está associada com a limitação de atividades e com a presença de comorbidades. Além disso, acrescenta que os distúrbios perceptivos e cognitivos associados podem envolver a capacidade de interpretar as informações sensoriais e/ ou cognitivas e podem surgir como consequência de distúrbios primários, atribuído à própria PC, ou a distúrbios secundários, como consequência das limitações de atividades que restringem o aprendizado e desenvolvimento de experiências sensório-perceptuais e cognitivas (ROSENBAUM et al., 2007 apud BRASIL,2013). Autores como Tabaquim & Joaquim (2013) enfatizam que o entendimento e a conduta da criança com PC são importantes na medida em que as interações ambientais exacerbadas ou ruins podem prejudicar ainda mais a evolução adequada do sistema nervoso da criança. Os autores enfatizam ainda que uma das maneiras da criança adquirir conhecimento é através da exploração do meio, da manipulação de objetos, da repetição de ações e do domínio do próprio corpo. A criança com PC pode ficar mais limitada ao pensamento e menos à execução do mesmo, perdendo oportunidades concretas de viabilizar ampliações no seu repertório. Daí a percepção de um contexto facilitador como fundamental, principalmente 254

Abordagem familiar na paralisia cerebral tratando-se da criança com alta frequência de insucessos no meio acadêmico e social. Por outro lado, vários estudos atuais versam sobre o diagnóstico da deficiência sob os aspectos biológicos e também sob os aspectos psicológicos que envolvem esse tema. A chegada de um novo membro à família é algo que por si só produz muitas mudanças no contexto familiar, mudanças essas ligadas a aspectos emocionais, físicos, comportamentais, sociais e econômicos. Quando ocorre o nascimento de uma criança com deficiência, a família sente a necessidade de desconstruir seus modelos de pensamentos e recriar uma nova gama de conceitos que absorva essa realidade (OLIVEIRA, 2018). Esse impacto produzido pela notícia de algo diferente do idealizado provoca no meio familiar dúvidas em relação à sua própria capacidade de ação, dificultando assim a aceitação, a formação de vínculo com o bebê e desestabilizando a sua rotina, pois quando pensamos por exemplo, na relação da mãe com o seu bebê, percebe-se a existência de uma imagem projetada, corriqueiramente, elaboram-se planos voltados para uma criança que possuirá habilidades psíquicas e físicas normais, e assim poderá correr, brincar, caminhar, ler, escrever e desenvolver raciocínios sem maiores dificuldades, e a descoberta do diagnóstico, representa para a mãe a perda desse filho (MARCHETTI, 2015). Neste contexto, o diagnóstico de deficiência traz consigo uma concepção de morte, que em grande parte dos casos, não é real, mas simbólica e corresponde à morte dos planos, sonhos e projetos premeditados para essa criança. Tal fato torna-se de grande influência para o desencadeamento de crenças disfuncionais de incapacidade e/ou incompetência, o que pode resultar em sofrimento psíquico e comportamentos como superproteção familiar ou negligência (BOGO, 2016). Por esse motivo, a adaptação ao diagnóstico corresponde a um período de extremos desafios e exigências, com várias implicações à nível emocional, conjugal e familiar. Em relação à família da criança com PC,entende-seque o nascimento de um bebê com deficiência constitui um elemento perturbador da sua vida pessoal, justamente pelo confronto entre a ilusão do filho idealizado e a desilusão do nascimento de um filho com deficiência. Consequentemente, podem ocorrer prejuízos à saúde mental, um maior grau de tristeza e estresse, e mesmo que se busque alternativas para minimizar o impacto da deficiência, esta pode afetar significativamente a qualidade de vida da família e da criança. Para que isso não ocorra, entende-se que esse sofrimento deve ser verbalizado, para que a família possa tornar-se mais 255

Reabilitação: teoria e prática um elemento facilitador do processo de reabilitação dessa criança (SILVA; NARDI, 2018). Autores como Milbrath et.al (2012) afirmam que a revelação do diagnóstico e prognóstico à família, representa um momento que necessita ser vislumbrado com cautela e preparo focalizando as dimensões humanas, emocionais e profissionais dos integrantes da equipe de saúde, que irá realizá-lo. A incompreensão, ou, até mesmo, em alguns casos, a negação das necessidades especiais decorrentes da PC, por parte da família, pode levar a uma postergação do início do tratamento e, ao aumento das dificuldades vivenciadas pela família para prestar os cuidados à criança com necessidades especiais, bem como a perda de um tempo precioso de estimulação física e cognitiva à criança. Castro e Piccinini (2005) afirmam que, geralmente, são as genitoras que se envolvem com maior profundidade no processo de reabilitação de seus filhos. Pode-se atribuir esse fenômeno a uma característica sociocultural, que faz com que elas internalizem a função de cuidadora da família. Pelo fato de dedicarem-se mais intensamente aos cuidados de seus filhos, permanecem mais tempo em contato com as limitações destes, e são testemunhas das dificuldades de superação, passando a entristecer-se com os desafios, por vezes insolúveis, apresentados pela deficiência. Os estudos de Ribeiro et.al (2013) corroboram com essa perspectiva e apontam que os pais de crianças com PC podem ter um risco maior de desenvolver distúrbios da saúde física e do bem-estar psíquico. Além das angústias, expectativas e a pressão de ver o filho na situação de dependência, existe a dificuldade em manejar o próprio tempo. Além disso, os estudos apontam que as mães passam maior tempo com os filhos e são elas as principais responsáveis pelas atividades de cuidado. A tarefa de cuidar, exercida por um longo tempo, pode se tornar uma fonte contínua de estresse. Vários estudos como o estudo realizado por Parkes et al. (2011) apontam que os pais/cuidadores de crianças com paralisia cerebral apresentam níveis de estresse mais elevados quando comparados com os de pais de crianças sem paralisia cerebral. Para Silva e Nardi (2018), os sentimentos vivenciados por mães de crianças com deficiência podem ser organizados em seis estágios emocionais: choque, negação, tristeza, cólera, equilíbrio e reorganização. No primeiro estágio, vivenciam o choque, ao receber a notícia de deficiência de seu filho e paralisam-se, não compreendendo os acontecimentos de forma clara. A fase de negação é uma espécie de defesa para bloquear a dor. No estágio de tristeza, deprimem-se, com crises de choro, sentem-se desamparadas, culpadas e ansiosas. 256

Abordagem familiar na paralisia cerebral O estado de cólera ocorre quando vivenciam a revolta, irritação, quando começam a questionar-se porque este fato aconteceu consigo e na confirmação de que seu filho terá limites e enfrentará tratamentos e reabilitação. Tentativas de buscar responsabilidades e atribuir culpas também aparecem neste estágio. Já no estágio de equilíbrio, sentem-se mais calmas, aproximam-se do filho, adaptam-se a nova situação, com uma percepção mais realista, adquirem paciência, perseveram na realização das responsabilidades atribuídas, começam a desempenhar com mais eficácia o suporte na estimulação precoce, orientação e desenvolvimento. No estágio de reorganização podem encontrar ajustes nas relações de forma saudável, com entendimento das diferenças, potencialidades e limites impostos pela deficiência. Estes estágios são melhor superados através de acompanhamento terapêutico. Além disso, sabe-se que a criança com deficiência pode necessitar de cuidados e modificações da rotina da família, tais como: adaptações na residência, auxílio com aparelhos, sondagens e tratamentos diversos e por vezes, as famílias necessitarão aprender uma nova forma de comunicação, como a língua de sinais ou o sistema de escrita Braille por exemplo. Poderá haver ainda a necessidade de hospitalização, reabilitação e estimulação precoce, como aponta o estudo de Sá e Rabinovich (2006). Diante de tantos desafios, os familiares da criança com PC podem não possuir estrutura emocional para tantas alterações em suas vidas, negar a condição da deficiência da criança, manter altas expectativas, frustrando-se e apresentando dificuldade em manejar esta nova reconfiguração de suas rotinas. A pesquisa realizada por Silva e Ramos (2015) mostra que logo nos primeiros meses de vida, a família passa a identificar sinais que irão diferenciar a criança com deficiência das demais crianças. As crianças com deficiência podem apresentar dificuldades e limitações de acordo com o tipo e gravidade da mesma. A comparação do filho com outras crianças da mesma faixa etária também passa a confirmar a existência de comportamentos e do desenvolvimento diferentes do esperado, tal fato pode produzir um intenso sentimento de culpa e sofrimento à família. Após o reconhecimento desses sentimentos, é importante buscar junto aos membros da família, alternativas para o enfrentamento da situação, através de orientações, aconselhamentos e apoio institucional especializado. Neste sentido, torna-se de grande importância para o grupo familiar o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento e treinamento de manejo, pois visam o desenvolvimento de melhores habilidades para 257

Reabilitação: teoria e prática o domínio e a adaptação nas situações geradoras de estresse (FÁVERO; SANTOS, 2005). Para Ribeiro et.al (2016), pessoas com paralisia cerebral necessitam de altas demandas de cuidado exercido por longo tempo. Como o quadro clínico é variado, assim como o contexto de vida, as mulheres – em geral as principais responsáveis por cuidar dos filhos – são muito expostas às altas exigências e sobrecarga. A assistência às atividades de vida diária e às necessidades de cuidados gerais, de escolarização e de socialização dos filhos requer mudanças com o passar dos anos, devido às condições funcionais e de saúde dos filhos e às expectativas maternas e do contexto sociocultural. Por isso, há necessidade de oferecer às famílias suporte, informações, orientações e encaminhamento a intervenções especializadas e intensivas logo após o nascimento do filho com paralisia cerebral. São necessárias, ainda, intervenções específicas para ajudar a família a lidar com diferentes desafios. Além de implementação de políticas públicas que garantam igualdade de gênero e direitos sociais, contribuindo para que as mulheres não precisem abandonar os estudos, o trabalho e demais atividades que geram prazer e renda para cuidar dos filhos. Ao avaliarem crianças com paralisia cerebral grave, Orsati & Macedo (2013) constataram que é frequente a dificuldade de aprendizado de habilidades tanto sociais quanto educacionais destes pacientes. No entanto, ressaltam que, devido à falta de interação e contato, em muitos pacientes, tem-se uma dificuldade muito grande de se avaliar o estado psicológico dos mesmos. Esses resultados demonstram a dificuldade de uma avaliação mais minuciosa envolvendo aspectos da relação com o quadro clínico, com o tratamento, questões como autoestima, ou até́ doenças mais graves como depressão. Segundo Tabaquim e Joaquim (2013), toda criança tem possibilidade de aprender, em maior ou menor grau, e quando isso não ocorre é necessário investigar os fatores que podem estar contribuindo para a dificuldade. Acrescentar qualidade de vida à criança, principalmente àquela com lesão cerebral, constitui contingente de sabedoria dos responsáveis, pais e profissionais envolvidos. Alguns eventos podem colaborar para o desenvolvimento global, tais como a atividade, a sociabilidade, o significado do que é aprendido e o suporte emocional. Como afirma MILBRATH et al. (2017) a criança que vive com paralisia cerebral inicia sua trajetória existencial de uma forma, no mínimo, conturbada, modificando o futuro idealizado pelos pais, mas essa pode adotar uma atitude autêntica e atingir todas as suas potencialidades. 258

Abordagem familiar na paralisia cerebral Apesar de muitas famílias se adaptarem de forma funcional à presença de um filho com deficiência, deve-se considerar que a maioria delas se beneficiaria de programas de intervenção direcionados a diferentes aspectos do convívio familiar e social, como o momento do diagnóstico, as relações familiares propriamente ditas, o encaminhamento a diferentes terapias e tratamentos, a forma de educar e estabelecer limites, o processo de inclusão escolar e a entrada no mercado de trabalho. As intervenções com famílias podem, então, ter diversos objetivos diferentes e ser realizadas através de alguns tipos de modelos, como o clínico, o educativo e o comunitário (ROOKE et. al., 2017). Em relação ao modelo clínico, dentre as diversas estratégias terapêuticas que podem ser utilizadas para a modificação de crenças disfuncionais e comportamentos desadaptativos da família para com a criança, destaca-se a orientação familiar, a psicoeducação, a resolução de problemas, o auto monitoramento, o treino de habilidades sociais e a reestruturação cognitiva (BASSO; WAINER, 2011). Segundo López e Torres (2010) uma intervenção focada na família é composta por um conjunto de princípios, crenças, valores e práticas que compreende o grupo familiar como tendo um papel essencial em seu planejamento, execução e avaliação. Tratando-se de famílias com pessoas com deficiência, seus objetivos principais são a capacitação do grupo e promoção do bem-estar da pessoa com deficiência e de sua família Intervenções da Psicologia junto às crianças com PC e suas famílias em um Centro de Reabilitação O foco de todo programa de reabilitação destinado a crianças com PC deve recair sobre a família, como o elemento que irá fornecer os meios e condições ideais para o melhor desenvolvimento da mesma e otimização das estratégias terapêuticas adotadas. Para que isso aconteça, é necessário que todo o programa de reabilitação inclua a família como sujeito ativo, corresponsável e participante do processo. Por outro lado, o engajamento inicial da família no programa de tratamento dependerá em partes do diálogo estabelecido com a equipe profissional e do trabalho psicoeducativo realizado acerca do diagnóstico, prognóstico e reabilitação da criança. Ressalta-se que tais responsabilidades competem a todos os membros da equipe de saúde e não se refere a uma atribuição exclusiva do profissional de Psicologia. No entanto, compete a esse profissional o acolhimento e a identificação de demandas cognitivas, emocionais e/ou comportamentais 259

Reabilitação: teoria e prática dos cuidadores, bem como dos elementos presentes no ambiente da criança que possam vir a atuar como entraves ao seu processo de desenvolvimento e reabilitação. Ou seja, comportamentos de superproteção, negligência familiar, ausência de estimulação adequada, excesso de cobranças, dinâmicas familiares disfuncionais, expectativas irreais negação, revolta, depressão, entre outros, precisam ser identificados precocemente e abordadas no contexto da reabilitação para que não comprometam a evolução da criança e o seu prognóstico. É importante que toda a equipe esteja atenta aos aspectos comunicacionais entre paciente-equipe-família. Sabe-se que apesar da literatura abordar os impactos que uma criança com deficiência pode provocar na dinâmica familiar, as reações da família ao diagnóstico estarão diretamente relacionadas ao momento e a forma com que esse diagnóstico foi dado, tendo em vista que, trata-se de uma experiência difícil não apenas para a família, mas também para os próprios profissionais de saúde. Muitas vezes, pode-se perceber o despreparo emocional e/ou técnico de profissionais de saúde, seja para fazer a detecção precoce da paralisia cerebral, como para comunicar e orientar as famílias. Além disso, evidencia-se a existência de uma espécie de “barreira linguística” que separa os profissionais da saúde dos pacientes de classes populares que, diante da dificuldade de compreender plenamente o discurso acadêmico, ou mesmo reproduzi-lo textualmente, tendem a construir, a partir da fala destes profissionais, um novo discurso aonde reintegram e criam representações da condição clínica. Outro ponto importante a ser abordado no programa de reabilitação junto às famílias refere-se ao autocuidado dos cuidadores como condição sine qua non para o êxito do tratamento da criança com PC. A identificação de demandas adicionais da família e problemas de saúde mental de ordens diversas requer o encaminhamento dos familiares para serviços específicos de saúde mental como estratégias que visam o melhor cuidado da criança com PC em seu processo de desenvolvimento. O trabalho realizado pelo setor de Psicologia em um Centro de Reabilitação junto a pacientes com diagnóstico de PC e suas famílias inclui procedimentos como: orientação familiar, cursos para pais, atendimento individual, grupos de apoio para familiares, grupos de habilidades para crianças, além dos grupos de estimulação neuropsicológica. Os cursos para pais possuem objetivos educativos e buscam psicoeducar a família sobre aspectos do diagnóstico e prognóstico da criança, além do processo de reabilitação e áreas terapêuticas específicas. Desse modo, deve apresentar uma proposta interdisciplinar com os demais 260

Abordagem familiar na paralisia cerebral setores da instituição, onde cada setor possa contribuir com palestras e rodas de conversa sobre sua área de conhecimento específica, oportunizando às famílias conhecimentos sobre a reabilitação, além de propiciar um espaço ondem possam esclarecer dúvidas e desenvolver vínculos significativos com o serviço, o que resulta em uma melhor adesão ao tratamento. Os grupos de apoio para familiares de crianças com PC representam uma estratégia importante no âmbito da reabilitação, tendo em vista que, possibilitam que os familiares convivam com pessoas que passam por experiências semelhantes às suas, ajudando a compartilhar vivências e percepções em torno da deficiência da criança. Além disso, o grupo auxilia para que aqueles que já desenvolveram estratégias para lidar com os problemas e dificuldades advindas da condição sirvam de modelo para os outros participantes, propiciando oportunidades de aprendizagem social através de modelos. Ressalta-se ainda que o trabalho com grupos é uma atividade de intervenção mais econômica, justamente por abranger um grande número de participantes ao mesmo tempo e permitir o mais fácil acesso ao serviço de reabilitação para aqueles que deles necessitam. Especificamente em relação aos grupos de estimulação, os objetivos da intervenção psicológica incluem minimizar os impactos da PC na qualidade de vida das crianças atendidas, bem como de suas famílias, buscando proporcionar a esses pacientes, sessões em grupo de estimulação cognitiva, levando-se em conta a sua faixa etária e o seu perfil cognitivo. Através dessas sessões, busca-se contribuir para o desenvolvimento das funções cognitivas da criança (atenção, cognição, memória, aprendizagem, funções executivas, etc.) visando aprimorar a sua performance cognitiva e consequentemente otimizar os resultados do seu processo de reabilitação nas demais terapias, além de favorecer a execução de suas atividades e funcionalidade no cotidiano, finalidade do processo de reabilitação. No contexto da reabilitação da criança com PC, pode-se observar que muitos pacientes apresentam limitações em seu desempenho nas demais terapias devido dificuldades cognitivas específicas. Além disso, muitas famílias apresentam um baixo nível socioeconômico e educacional e, portanto, muitas dessas crianças possuem estimulação inadequada ou insuficiente em seu ambiente familiar. Nesse sentido, os grupos de estimulação trazem a proposta de uma intervenção psicoeducativa e colaborativa, onde as famílias possam ser treinadas para realizar as atividades de estimulação no setting terapêutico e posteriormente, dar continuidade à estimulação da criança em seu contexto familiar, utilizando- se dos recursos que se encontram disponíveis em seus ambientes, adaptando-os, seguindo orientações. Para isso, ao final de cada sessão do 261

Reabilitação: teoria e prática grupo as famílias são instruídas sobre a “tarefa para casa”, que consiste em uma tarefa de estimulação a ser realizada no ambiente familiar e que tem como objetivo dar continuidade à atividade de estimulação realizada durante a terapia. Por outro lado, ao analisarmos as alterações cognitivas da criança com Paralisia Cerebral à luz da teoria piagetiana, apoiamo-nos no entendimento de que o processo de aprendizagem e evolução das aquisições cognitivas da criança ocorre através de interações estabelecidas com o meio, onde através de ações intencionais e experimentais, a criança vai apresentando evolução significativa em seu desenvolvimento. Neste contexto, quando o desenvolvimento motor ocorre com atraso, seja por conta da PC ou por outros agravos, há um prejuízo importante das interações que a criança realiza em seu ambiente, podendo promover alterações secundárias em seu desempenho cognitivo e habilidades do dia a dia. Tendo em vista a relevância da formação das funções executivas durante a primeira infância, há de se atentar para os ambientes familiares e escolares que favorecem o desenvolvimento e a aprendizagem das habilidades a elas relacionadas. É importante a criação de vínculos e interações sociais positivas entre cuidadores e crianças. Além de propiciar um ambiente seguro, os adultos podem utilizar diversas estratégias que promovam diretamente a aquisição gradual das funções cognitivas. Diferentes atividades e práticas podem desenvolver memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva nas crianças (COSTA et. al., 2016). Neste contexto, as intervenções dos grupos de estimulação são planejadas no intuito de abordar as dificuldades ou perdas cognitivas da criança com PC que possam vir a interferir em seu processo de reabilitação. Para tanto, é necessário que as crianças passem por um processo de avaliação psicológica específica, onde busca-se compreender o seu perfil cognitivo e identificar as suas dificuldades e potencialidades. Além disso, busca-se compreender a sua dinâmica familiar, bem como identificar os recursos emocionais e materiais que a família dispõe para que possa aderir à proposta de estimulação em um programa bem contextualizado. Assim, anamnese com a família, observação do comportamento, análise das evoluções clínicas do prontuário da criança, hora lúdica e tarefas avaliativas fazem parte do protocolo avaliativo. Além da avaliação realizada no setting terapêutico e em prontuário único do paciente, ressalta-se a importância de solicitar relatórios escolares e/ou da equipe multidisciplinar visando compreender melhor o desempenho cognitivo e comportamental 262

Abordagem familiar na paralisia cerebral da criança, buscando, assim, uma avaliação ecológica para compreender a funcionalidade da criança no dia a dia e suas maiores dificuldades. Os resultados alcançados com o procedimento, identificados mediante análise das avaliações realizadas com a criança (ao iniciar, durante e ao término do grupo), indicam melhora no desempenho de funções cognitivas específicas, além de melhora da performance do paciente nas demais terapias e ampliação do repertório de habilidades sociais da criança e família. Como resultados adicionais, as atividades do grupo ajudam com intervenção sobre demandas específicas apresentadas pela criança e família (sensibilidade auditiva, relações simbióticas entre a criança e o cuidador, dificuldades de socialização...). Conclui-se que a abordagem da família da criança com PC, mostra- se um importante fator de prognóstico para o processo de reabilitação da mesma, uma vez que, a família constitui o elo facilitador entre o mundo real da criança e o ambiente terapêutico, contribuindo assim para a otimização dos resultados e generalização dos ganhos para outros contextos da vida da criança. Figura 1: Criança atendida em um Centro de reabilitação e sua mãe Fonte: Arquivo pessoal. 263

Reabilitação: teoria e prática Considerações Finais O diagnóstico de PC impacta de maneira significativa as famílias que passam a vivenciar a perda psicológica do filho idealizado, desconhecem qual o significado da PC, bem como os cuidados necessários à criança e as suas possibilidades de prognóstico. As demandas de uma criança com PC alteram o cotidiano da família e provocam a reorganização das rotinas da casa, das relações familiares, bem como alterações no planejamento financeiro, projetos e planos da família. Gradativamente, a família passa a desenvolver estratégias para adaptar-se ao novo contexto de modo a atender as necessidades da criança e firmando-se como elo essencial do seu processo de reabilitação. A abordagem multidisciplinar é essencial para a melhor eficácia do processo de reabilitação da criança com PC e destaca-se o papel da Psicologia e das orientações fornecidas à família como elementos centrais para a melhor adesão da família ao processo de reabilitação, bem como para a otimização dos resultados, através do estabelecimento de estratégias que contribuem para o melhor desenvolvimento da criança com PC, em um ambiente familiar facilitador. Referências bibliográficas BASSO, L. A.; WAINER, R. Luto e perdas repentinas: contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, Porto Alegre, v. 7, n. 1, p. 35-43, 2011. BOGO, M. L. et al. Momento do diagnóstico de deficiência: sentimentos e modificações na vida dos pais. Psicologado. Guaramirim, 2016. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes brasileira de atenção à pessoa com paralisia cerebral / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. CASTRO, E. et al. A experiência de maternidade de mães de crianças com e sem doença crônica no segundo ano de vida. Estudos de psicologia, Natal, v. 9, n. 1, p. 89-99, 2005. COSTA, J. S. M. et al (Org.). Funções executivas e desenvolvimento na primeira infância: habilidades necessárias para a autonomia. São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, 2016. FÁVERO, M.; SANTOS, M. Autismo infantil e estresse familiar: uma revisão sistemática da literatura. Psicologia: reflexão e crítica, Natal, v. 18, n. 3, p. 358-369, 2005. 264

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19 Treino de marcha na paralisia cerebral Lanna Isabelly Marreiros de Carvalho Nathália Chrystiana Batista Costa Melo Nobre Oteneia Santos e Silva A Paralisia Cerebral ocorre em consequência à lesão do Sistema Nervoso Central (SNC) em desenvolvimento, podendo ocorrer antes, durante ou após o nascimento (PATO et al, 2002). Devido à lesão, as crianças com PC tendem a apresentar diversas alterações tônicas, posturais e de equilíbrio, bem como dificuldade na aquisição dos padrões normais do desenvolvimento humano, dentre eles a marcha (BOBATH & BOBATH, 1989). A marcha humana é caracterizada por um conjunto de mecanismos rápidos, complexos e coordenados sendo um importante indicador de funcionalidade e independência (JOHNSTON et al., 2004; DINI & DAVID, 2009). Segundo Berker & Yalçin (2007), a alteração de tônus muscular, déficits no equilíbrio, fraqueza muscular e controle motor seletivo comprometido podem resultar em contraturas e deformidades que afetam a rotina diária dos pacientes com PC. Marcha humana Durante o desenvolvimento motor típico, para que um padrão de marcha maduro seja adquirido, ocorrem mudanças na coordenação entre os membros e nos membros (SUTHERLAND et al., 1980).

Reabilitação: teoria e prática Para a descrição de um padrão de marcha, seja ela normal ou patológica, primeiramente precisamos dividi-la em fases, e estas, em subfases. Esta sistematização é denominada cinesiologia da marcha e pode ser realizada com relação aos conceitos de cinética e cinemática, estudando, assim, a biomecânica da marcha (ISHIDA, 1997). Ciclos da marcha O toque inicial do pé é designado como 0% e o segundo toque do mesmo pé é 100%. A marcha normal, portanto, é representada por uma sucessão de transferências de peso do calcâneo à ponta do pé e entre os membros inferiores, subdividindo-se, basicamente, em duas fases: uma de suporte, denominada fase de apoio (stance), que ocupa cerca de 60% do ciclo normal, e a outra de progressão, denominada fase de balanço (balance), que ocupa cerca de 40% do ciclo normal (ROSE, 1987; SMITH, LEHMKUHL e WEISS, 1997; ENOKA, 2000). A fase de apoio fornece sustentação, estabilidade e propulsão e é o período em que o pé está em contato com a superfície de suporte, sendo subdividida em contato inicial, resposta à carga, apoio médio, apoio terminal e pré-balanço (ENOKA, 2000). A fase de balanço favorece o avanço e o afastamento do membro (SUZUKI et al., 1999; ROSE, 1987; SUTHERLAND, KAUPZMAN e MOITOZOLA, 1998) e é iniciado quando os dedos se desprendem da superfície de suporte, sendo subdividido em balanço inicial, balanço médio e balanço final (PERRY, 2005; ROSE e GAMBLE, 1998). Fase de apoio Contato inicial O contato inicial é o instante em que o pé toca o solo, encerrando- se quando todo o pé apoia-se no solo (PERRY, 2005; PRINCE et al., 1997; PATRICK e NIEKERK, 2004). A posição do pé e o apoio do calcanhar promovem o primeiro pivô de rolamento do tornozelo. Movimentos: flexão de quadril, joelho e tornozelo neutros. Músculos importantes: tibial anterior, extensor longo do  hálux, quadríceps, excêntrica dos extensores de quadril (glúteo e isquiotibiais). Resposta à carga É a fase em que o centro de gravidade está na posição mais baixa. Inicia com o contato inicial no solo e continua até o outro pé começar o 268

Treino de marcha na paralisia cerebral balanço, sendo o período de estabilidade durante a marcha, pois os dois pés estão em contato com o solo (PERRY, 2005; PRINCE et al., 1997; PATRICK e NIEKERK, 2004). No aplainamento do antepé, o peso é totalmente transferido para o membro de apoio. Movimentos: flexão de quadril, 10 a 15 graus de flexão de joelho (ação excêntrica do quadríceps) e flexão plantar. Músculos importantes: tibial anterior (contração excêntrica), extensor longo do hálux, quadríceps (paciente fica em leve ângulo de flexão plantar, joelho e quadril em leve flexão), extensores de quadril (ação concêntrica). Apoio médio Inicia com o desprendimento dos dedos da perna contralateral e termina quando o centro de gravidade se alinha acima do pé, atingindo sua posição mais alta (PRINCE et al., 1997; VAUGHAN, DAVIS e O´CONNOR, 1992). No momento em que se avança o corpo para frente, ocorre a ação de pivô de rolamento do tornozelo para avançar o membro sobre o pé estacionado (anteriorização da tíbia). Toda a região plantar do pé permanece em contato com o solo, anteriorizando a tíbia. Movimentos: quadril neutro, extensão de joelho e dorsiflexão. Músculos importantes: tríceps sural (ação excêntrica para controlar a velocidade da dorsiflexão) e extensores do quadril (ação concêntrica). Apoio terminal Inicia quando o centro de gravidade está sobre o pé de suporte e termina quando o outro pé toca o solo (PRINCE et al., 1997; PATRICK e NIEKERK, 2004). No momento em que avança o corpo para frente, ocorre o desprendimento do calcâneo. Movimentos: extensão de quadril, extensão de joelho, flexão plantar (desprendimento do calcâneo). Músculos importantes: gastrocnêmio, sóleo, flexor longo do hálux e isquitibiais. Pré-balanço Representa o final do apoio. Inicia com o contato do membro contralateral e termina com o desprendimento dos dedos ipsilaterais, 269

Reabilitação: teoria e prática observando-se o aumento da flexão plantar (PRINCE et al., 1997; VAUGHAN, DAVIS e O´CONNOR, 1992). Movimentos: flexão de quadril, início da flexão de joelho (35-40%) com desprendimento dos dedos e avanço do membro, máxima flexão plantar. Músculos importantes: tríceps sural, isquiotibiais, flexor longo dos dedos, quadríceps (ação excêntrica e concêntrica). Fase de balanço Balanço inicial Inicia com a saída do pé do solo e termina quando o membro em balanço está oposto ao apoio do pé contralateral (PRINCE et al., 1997; VAUGHAN, DAVIS e O´CONNOR, 1992). No momento em que se retira o pé do chão, inicia o movimento de dorsiflexão, porém com o tornozelo neutro. Se mantiver o tornozelo em flexão plantar, o paciente arrasta o pé no chão. Movimentos: flexão de 20° de quadril, flexão de 60° de joelho, tornozelo neutro. Músculos importantes: flexores dorsais do tornozelo, isquiotibiais, quadríceps (ação concêntrica e excêntrica). Balanço médio Segunda fase do balanço, que termina quando um membro está à frente do outro membro e a tíbia assume orientação vertical (PRINCE et al., 1997; VAUGHAN, DAVIS e O´CONNOR, 1992). Movimentos: 25° de flexão de quadril, diminuição da flexão de joelho, dorsiflexão. Músculos importantes: quadríceps, glúteo médio contralateral, tibial anterior. Se o tornozelo estiver neutro ou em flexão plantar, o paciente arrasta o pé. Balanço terminal O apoio final do ciclo é o balanço terminal, quando o pé toca o solo (PRINCE et al., 1997; VAUGHAN, DAVIS e O´CONNOR, 1992). Movimentos: diminuição da flexão de quadril, extensão de joelho, tornozelo neutro. Músculos importantes: quadríceps, tibial anterior, extensor longo do hálux, isquiotibiais e glúteo máximo (ação excêntrica). 270

Treino de marcha na paralisia cerebral Análise da marcha na paralisia cerebral Nas crianças com PC, uma das consequências decorrentes das limitações motoras mais frequentes é o déficit na capacidade de deambulação. A aquisição da marcha apresenta-se como um desafio devido à dificuldade na manutenção do equilíbrio em situações estáticas, bem como quando transitam em diferentes sequências de controle dinâmico (STACKHOUSE et al., 2007). A variação na magnitude de parâmetros relacionados à marcha, entre outros fatores, pode estar associada ao desenvolvimento motor, patologias e desequilíbrios posturais (MANN et al., 2008). Segundo DOBSON et al. (2007), uma grande variedade de desvios de marcha pode ser observada em pacientes com PC. Sistemas de classificação para agrupar desvios comuns de marcha em padrões de marcha são frequentemente usados para facilitar o entendimento. Sangeux e Armand (2015), mencionam que cada paciente é específico e geralmente apresenta uma lista de prejuízos, com diferentes graus de envolvimento e assimetria entre os dois membros inferiores. A reabilitação proporciona múltiplas possibilidades, sendo que o fisioterapeuta deve estabelecer as prioridades de tratamento para cada criança nas diferentes etapas do desenvolvimento motor (LEITE e PRADO, 2004). Diparesia/diplegia espástica Serão abordados apenas os padrões de marcha diparética espástica, pois representam a maior demanda no centro de reabilitação no atendimento a crianças com PC. Crianças com diparesia espástica podem ter uma marcha independente, porém apresentam alterações que incluem distúrbios na região de joelhos, tornozelos e pelve, bem como uma velocidade reduzida ao caminhar, promovendo um maior gasto energético. Estas alterações, por vezes, estão relacionadas a contraturas de psoas, adutores, isquiotibiais, reto femoral e gastrocnêmio (BUTLER, 1984; NOVACHECK, STOUT e TERVO, 2000). Dentro da tipificação da diparesia espástica, pode-se definir cinco padrões de marcha diferentes: true equinus, jump gait, apparent equinus, crouch gait e asymetrical gait. Os dois principais padrões encontrados no centro de reabilitação são: true equinus e crouch gait. A seguir serão descritas características baseadas na posição do tornozelo, joelho, quadril e pelve. 271

Reabilitação: teoria e prática 5.1) True equinus: É um tipo de marcha alterada comum na PC. Tornozelo em equino, joelhos estendidos totalmente ou leve recurvatum, quadril estendido e pelve normal ou levemente anteriorizada (DE MORAIS FILHO et al., 2014). Os estudos sobre o comportamento do pé equino na marcha de crianças com PC tipo espástica afirmam que a excessiva flexão plantar do tornozelo está presente em todo o ciclo da marcha, associada à contratura de gastrocnêmio e sóleo. A fraqueza do tibial anterior, o déficit funcional ou a contração precoce dos músculos gastrocnêmio e sóleo promovem o equinismo com consequente arrastar do pé, tropeços e compensações na articulação do joelho e quadril (ROMKES e BRUNNER, 2007; PATIKAS, WOLF e DÖDERLEIN, 2005). 5.2) Crouch gait: Tornozelo excessivamente flexionado durante toda a postura, joelho e quadril excessivamente flexionados, pelve normal ou inclinada posteriormente (DE MORAIS FILHO et al., 2014). No treino locomotor, podemos utilizar a velocidade a favor. Quando se tem velocidade maior que o paciente suporta e com carga no quadril, a marcha melhora. Caminhar rápido pode ser uma estratégia de treinamento relevante para melhorar a amplitude de movimento dos membros inferiores neste tipo de marcha. Pacientes que andam no padrão de marcha crouch gait podem andar 30% mais rápido. Andar em uma velocidade maior que a tolerada proporciona maior extensão de quadril e joelho durante a fase de apoio. A carga na região do quadril irá ativar a musculatura de gastrocnêmio e sóleo, fazendo com que o paciente ganhe a extensão (POULIOT et al., 2018). Exemplos de tratamento O atendimento fisioterapêutico deve levar sempre em consideração as etapas do desenvolvimento neuropsicomotor normal e utilizar vários tipos de estímulos para a propriocepção do movimento desejado, atuando também nas alterações musculoesqueléticas, como na espasticidade, encurtamentos musculares, instabilidade articular e fraqueza muscular (ROTTA, 2002; CARGININ e MAZZITELLI, 2003). A literatura aponta a importância do início precoce do tratamento fisioterapêutico, pois se espera que quanto mais cedo iniciada a intervenção, melhores os resultados. Conforme Pomin e Palácio (2009), as crianças que iniciam o tratamento fisioterapêutico até o oitavo mês de vida possuem melhor prognóstico de desenvolvimento motor se comparadas com aquelas que iniciaram o tratamento tardiamente. 272

Treino de marcha na paralisia cerebral No CEIR, o método mais utilizado para o tratamento é o Conceito Bobath, que tem como objetivo incentivar e aumentar a habilidade da criança em mover-se funcionalmente de maneira mais coordenada. O manuseio empregado pelo método influencia o tônus muscular através dos pontos-chave de controle, reduzindo as disfunções tônicas, o que consequentemente facilita o controle postural e o desempenho das atividades funcionais. A capacidade da criança em usar as habilidades facilitadas dependerá da condição do Sistema Nervoso Central em adaptar- se, incluindo suas capacidades perceptivas e cognitivas (PERES, RUEDELL e DIAMANTE, 2009). Além disso, realizam-se alongamentos musculares, para reduzir as retrações e os encurtamentos, evitando padrões anormais e deformidades. Os tratamentos, em sua maioria, são associados à prescrição de órteses, com objetivo de favorecer a independência motora e prevenir deformidades; as órteses suropodálicas são as mais prescritas. Segundo Fernandes et al. (2007) e Perry, Davis e Luciano (2001), as deformidades dinâmicas em equino dos tornozelos, ou seja, sem contraturas musculares e articulares, podem ser tratadas de forma conservadora com uso de órteses que posicionem a articulação do tornozelo em 90º, para que seja reduzida a flexão plantar do tornozelo e o aumento do apoio do pé durante a passada, com consequente aumento da estabilidade do pé na fase de apoio da marcha. O suporte mecânico oferecido pela órtese suropodálica minimiza ou corrige o padrão equino de marcha (OLIVEIRA et al., 2010) e, consequentemente, aprimora o equilíbrio estático na postura ortostática e o equilíbrio dinâmico na marcha (MORRIS et al., 2011; WINGSTRAND, HAGGLUND E RODBY-BOUSQUET, 2014). Na maior parte dos pacientes espásticos é utilizada a aplicação da toxina botulínica nos músculos gastrocnêmio e sóleo, a fim de obter dimi- nuição do tônus muscular destes plantiflexores e fornecer um posiciona- mento adequado dos pés no solo durante a marcha. A aplicação da toxina botulínica do tipo A permanece atuando no músculo por um período de quatro a seis meses, período este ideal para realização de fisioterapia, com objetivo de adequado aprendizado de controle muscular durante a marcha e o equilíbrio ortostático (CAMARGOS et al., 2007). Quando se detectam encurtamentos musculares em gastrocnêmio e sóleo e no tendão de Aquiles, o procedimento de escolha é o alongamen- to cirúrgico (FERNANDES et al., 2007; PERRY, DAVIS e LUCIANO, 2001). No CEIR também é possível o tratamento com rizotomia dorsal e cervical seletiva, caso haja indicação, uma intervenção cirúrgica para me- 273

Reabilitação: teoria e prática lhorar as extremidades inferiores e superiores de crianças com espasticida- de grave, normalizar padrões de movimento e melhorar a mobilidade e a aquisição de habilidade motora (BUCKON et al., 2004). Silva e Daltrário (2008) utilizaram uma esteira elétrica com suspensão parcial de peso durante 20 sessões, como método de tratamento da marcha de uma criança diplégica espástica. Como resultado da intervenção, houve aumento significativo das capacidades funcionais normais da criança, indicando superação das dificuldades e obtenção de ganhos motores em atividades como locomoção em ambiente externo e interno sem auxílio de terceiros, maior independência funcional e autonomia após o tratamento. Desta forma, a criança transferiu o aprendizado da esteira para a rotina diária, sendo a esteira de fundamental importância para trabalhar os aspectos motores como equilíbrio, alinhamento biomecânico e ativação rítmica, interferindo nas diversas fases da marcha e controle postural. Provost et al. (2007) estudaram os efeitos de duas medidas de funcionalidade da marcha em crianças em idade escolar com Paralisia Cerebral e diplégica espástica que deambulavam independentemente, a fim de obter maior velocidade e menor gasto energético na execução da marcha. A análise da marcha foi realizada antes e após um programa intensivo em uma esteira de suporte de peso corporal, com um intervalo de duas semanas. As crianças realizaram 30 minutos na esteira, durante 24 sessões, em que o peso corporal foi reduzido progressivamente a zero por ficar suspenso através da utilização de um arnês, sendo a velocidade da esteira aumentada durante as sessões. Desta forma, foi avaliada a velocidade da marcha percorrida a uma distância de 10 metros e a medida da endurance (índice de gasto energético antes e após o programa intenso na esteira). Analisando as medidas antes e após a realização do programa intenso na esteira em um curto período, observou-se melhora significativa nas duas medidas (gasto energético e velocidade da marcha). Estudos mais detalhados com as crianças, através de diversas intensidades da velocidade, ainda são necessários para identificar as características clínicas específicas para melhores resultados em relação à funcionalidade da marcha. Considerações finais A marcha normal é um processo extremamente complexo e que apresenta padrões específicos de contato recíproco com a superfície, que são geralmente perdidos na marcha patológica. A marcha dos pacientes com Paralisia Cerebral é resultante de variações em parâmetros relacionados ao atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, disfunções musculoesqueléticas e/ou desequilíbrios posturais. A identificação do 274

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20 A eficácia das orientações fonoaudiológicas para cuidadores na reabilitação da disfagia na paralisia cerebral Nicoly Rodrigues dos Santos Barros Marcela da Rocha Martins Alencar Paralisia Cerebral (PC) é uma desordem do desenvolvimento e da postura devido a um defeito ou lesão não progressiva do cérebro imaturo. Esta lesão debilita de forma variável a coordenação da ação muscular, resultando na incapacidade da criança em manter posturas e realizar movimentos normais (BOBATH, 1984). A incidência da paralisia cerebral em países desenvolvidos é de 1,2 a 2,3 por 1000 nascidos vivos. Já em países em fase de desenvolvimento, como o Brasil, esta incidência é bem maior, chegando a 7:1000 (JOTZ; DE ANGELIS; BARROS, 2009). O quadro neuromotor pode envolver partes distintas do corpo, dependendo da área cerebral acometida, gerando diferentes classificações. A classificação da PC pode ser feita por aspectos anatômicos em quadriplegia, hemiplegia, e diplegia. Outra classificação é relacionada ao tônus muscular e presença de movimentação anormal, apresentada nas formas espástica, atetóide, atáxica, hipotônica e mista (ASSIS-MADEIRA; CARVALHO, 2009). Dentre as dificuldades motoras prevalentes na paralisia cerebral, destaca-se a disfagia. Os prejuízos para a deglutição podem ocorrer devido alterações nas fases preparatória, oral, faríngea e/ou esofágica da deglutição, além de danos nos reflexos orais primitivos que podem alterar as funções estomatognáticas que auxiliam nas funções alimentares, como sucção, mastigação e deglutição (SANTINI; FURKIM, 2004).

Reabilitação: teoria e prática Disfagia na paralisia cerebral Segundo a resolução nº 383 do CFFa de março de 2010: “Disfagia é um distúrbio da deglutição com sinais e sintomas específicos caracterizada por alterações em qualquer fase ou entre as fases da dinâmica de degluti- ção, de origem congênita ou adquirida, podendo gerar prejuízo pulmonar, nutricional e social”. Uma das implicações da disfagia é a aspiração de alimentos e líquidos para as vias aéreas. Além do quadro de desidratação e desnutrição, essas deficiências podem gerar problemas no desenvolvimento neuropsicomotor, no aspecto social, no crescimento, como também na necessidade de internações, comprometendo a qualidade de vida do paciente. Os estudos como o de Calis, et al (2008) apontam que 99% das 166 crianças com paralisia cerebral grave avaliadas, apresentam algum grau de disfagia. E destas, 76% das crianças apresentam disfagia moderada à grave e 15% apresentam disfagia grave, sem indicação de alimentação via oral. Silva et al (2006), observaram que 80% das crianças com paralisia cerebral grave e 67% das crianças com paralisia cerebral atetóide apresentam aspiração do alimento tanto na avaliação clínica quanto videofluoroscópica da deglutição. De acordo com Sleigh e Brocklehurts (2004) o achado fisiopatológico mais grave nas crianças com PC pode ser a incoordenação entre as ações motoras necessárias para a deglutição. Essa incoordenação pode trazer graves consequências como, vômito durante a alimentação, regurgitação nasofaringeal, desnutrição, retardo no crescimento, suspeita de aspiração, tosse e pneumonias de repetição. Todos esses sinais apresentados são de extrema relevância. Deve-se considerar também o tempo de refeição desses pacientes que é extremamente demorado, ocasionando tanto para ele como para o cuidador, o desgaste e problemas na dinâmica familiar (VAIMAN; EVIATAR, 2009). A PC pode provocar mudanças da força, coordenação e tônus muscular, resultando em dificuldades de realizar tarefas como caminhar, se comunicar e realizar autocuidado, o que pode contribuir na diminuição da participação na comunidade, escola e em atividades familiares, levando a um impacto na qualidade de vida do paciente e do cuidador (SANTOS, 2017). 280

A eficácia das orientações fonoaudiológicas para cuidadores na reabilitação ... A Figura 1 representa paciente diagnosticada com PC e atendida em centro de reabilitação. Pode-se encontrar no quadro clínico, alteração Figura 1: Paciente com Paralisia Cerebral Fonte: Arquivo pessoal. do desenvolvimento neuropsicomotor, com prejuízos na marcha, cognição, comunicação, e alimentação. Todas essas dificuldades interferem nas atividades cotidianas, familiares, sociais, e profissionais. É importante ressaltar que associadas aos distúrbios motores, outras alterações podem existir, como por exemplo, anomalias cognitivas, visuais, auditivas, linguísticas, comportamentais, hormonais e distúrbios gastrointestinais (SULLIVAN et al, 2006). Em sua maioria, todos os indivíduos com PC apresentam algum grau de alteração digestiva ou do estado nutricional em algum momento de suas vidas, uma vez que a conexão neurológica com o trato digestório é de grande importância (MENEZES; SANTOS; ALVES, 2017). As alterações apresentadas por esse grupo de pacientes justificam a necessidade de auxílio durante a alimentação, pelo cuidador, e da intervenção fonoaudiológica. Uma boa interação entres eles é importante para alcançar os objetivos da terapia. 281

Reabilitação: teoria e prática Essas dificuldades podem se desenvolver ou piorar na fase adulta e são sugeridas mudanças na alimentação ou até mesmo uma via alternativa para dar suporte à nutrição, como uso de sonda (MENEZES; SANTOS; ALVES, 2017). Por isso, é necessário que os cuidadores estejam sempre alertas aos sintomas referentes à alimentação e que o quanto antes esses pacientes sejam conduzidos à terapia fonoaudiológica para estabelecer uma conduta adequada. Observa-se na prática clínica uma evolução na função alimentar e melhora na estabilidade clínica de crianças submetidas à fonoterapia. Esse grupo de pacientes necessita da demanda intensa dos cuidadores, sendo estes, os principais indivíduos a lidar com todas essas alterações, gerando assim para eles uma grande responsabilidade e desafio. O cuidador primário é aquele que tem a principal, total ou maior responsabilidade pelos cuidados prestados no domicílio para a pessoa doente ou com deficiência. O cuidador põe a necessidade do outro em primeiro lugar, e pressionado por necessidades imediatas do doente, por imposição ou escolha, esquece de si mesmo. Com isso, os cuidadores podem ser submetidos à sobrecarga física e emocional. Dessa forma, é necessário que o profissional de saúde conheça e atue no problema vivenciado pelos cuidadores, garantindo-lhes apoio que os permita continuar se dedicando ao seu doente, ao mesmo tempo em que exerçam a manutenção de seu bem estar (BORGHI et al, 2013). O objetivo da terapia em pacientes com PC e que apresentam algum grau de disfagia é avaliar se a alimentação por via oral é segura, orientar os cuidadores durante a oferta alimentar para minimizar o risco de broncoaspiração e sugerir, se necessário, a melhor via de alimentação, como por exemplo a gastrostomia (GTT), assim como promover melhoria de outras funções estomatognáticas que estão comprometidas. Abaixo foi destacado o momento em uma sessão de terapia fonoaudiológica, onde algumas orientações foram demonstradas ao cuidador, a fim de facilitar o processo alimentar em domicílio e minimizar o risco de aspiração do alimento. Foi enfatizada a postura adequada, volume alimentar e consistência da dieta mais segura ao paciente (Figura 2A) O que normalmente se vê na prática clínica é que os acompanhantes não apresentam conhecimento sobre a forma mais segura de realizar a oferta, nem sobre o uso de utensílios adaptados ao quadro motor, ou que melhor se ajustem àquele paciente, a quantidade de alimento introduzida na cavidade oral, consistência alimentar, manobras facilitadoras, e outros sinais importantes: tosses, engasgos, mudanças na qualidade vocal, incoordenação respiração-deglutição, etc (Figura 2B). 282

A eficácia das orientações fonoaudiológicas para cuidadores na reabilitação ... Benefícios da gastrostomia A gastrostomia é um procedimento no qual um tubo é inserido Figura 2A: Oferta alimentar pela fonoaudióloga Figura 2B: Oferta alimentar pela cuidadora. Fonte: Arquivo pessoal. diretamente no estômago através de uma abertura na parede abdominal anterior. Atualmente, esse procedimento pode ser realizado cirurgicamente, radiologicamente ou por via endoscópica. A principal indicação é para pacientes que fazem uso de sonda nasoenteral por mais de 30 dias (SUSIN, 2012). O uso da sonda nasoenteral aumenta o número de complicações, como por exemplo, a possibilidade de infecções, diminuição da capacidade de deglutir, e redução da elevação laríngea. De acordo com os estudos de Sakai, Ishioka e Makuf (2005) a alimentação por sonda nasogástrica é frequentemente utilizada para um curto prazo, uma vez que a longa duração pode causar desconforto nasal, obstrução ou deslocamento do tubo, a penetração ou a irritação da laringe, aspiração pulmonar recorrente e diminuição da sobrevivência do indivíduo. A alimentação por essa via promove ganho de peso, reduzindo o tempo de alimentação e melhorando a qualidade de vida dos cuidadores. Apesar disso, a decisão para os cuidadores com relação à inserção de um tubo de gastrostomia pode ser difícil, no sentido de avaliar se os benefícios 283

Reabilitação: teoria e prática superam os riscos (SULLIVAN et al, 2006). Compreender os efeitos da alimentação por gastrostomia para crianças com PC é importante para a decisão da família em aceitar ou não o uso deste dispositivo por seu filho (SLEIGH; BROCKLEHURTS, 2004). A gastrostomia é uma boa alternativa para minimizar consequências da alimentação inadequada, como o retardo do crescimento, desnutrição, desidratação, aspiração pulmonar recorrente e pneumonia. Assim, um dos maiores desafios no cuidado de pacientes com PC é proporcionar uma ingestão alimentar adequada. Em geral, a maior parte das crianças recebe a indicação da gastrostomia quando já apresentam complicações clínicas como pneumonias de repetição e desnutrição. Nos estudos de Susin et al (2012) foi aplicado aos cuidadores um questionário quantitativo/qualitativo envolvendo as percepções, sentimentos e as opiniões dos mesmos em relação à indicação de gastrostomia. Pais relatam sobre as reações emocionais negativas que sentem na introdução artificial de métodos de alimentação e as mães descreveram um forte instinto materno para alimentação oral. Observou-se que 76,92% das famílias entrevistadas aceitaram o procedimento da gastrostomia após a primeira indicação médica, sendo realizada, na maioria dos pacientes até os cinco anos de idade. Tal achado está relacionado ao fato de existir um trabalho multidisciplinar em relação aos pacientes com indicação de gastrostomia, uma vez que pais que recebem melhores informações, provavelmente aceitam e compreendem melhor a indicação. É importante conhecer as demandas dos cuidadores na tentativa de diminuir as possíveis complicações inerentes ao procedimento, o que produzirá melhor efeito ao processo de reabilitação. Day et al (2007) realizaram um estudo comparativo em pacientes com paralisia cerebral grave, não-deambulante. Eles concluíram que o peso, altura e Índice de Massa Corporal (IMC) daqueles alimentados por meio da gastrostomia foram maiores do que aqueles alimentados por via oral. De acordo com o estudo, com o uso da sonda, houve aumento de peso de 29% para homens e 30% para mulheres. Além disso, os autores relataram que os indivíduos alimentados por via oral apresentaram um maior e mais grave comprometimento do estado nutricional em comparação com os em uso de gastrostomia. O fato de a via oral não ser mais a única forma de alimentação é vista como problema pelos cuidadores; os pais demonstram ansiedade associada ao problema alimentar. Muitas vezes, as mães observavam que um tempo maior era exigido delas na alimentação de seu filho, o que 284

A eficácia das orientações fonoaudiológicas para cuidadores na reabilitação ... implicaria em menor participação em demais atividades e menor atenção a outros membros da família (BARTRAM; BAXTER; RIGBY, 2005). Em alguns casos, após a implementação da gastrostomia, observa-se o ganho da estabilidade clínica do caso em termos respiratórios e nutricionais. Sendo assim, o paciente passa a ter melhores condições para o tratamento da disfagia. Desse modo, é possível desmistificar o uso da gastrostomia como suspensão permanente da via oral. Garantidas as necessidades calóricas e respiratórias da criança, a introdução paulatina da oferta via oral pode ser melhor adequada pelo fonoaudiólogo (SUSIN et al, 2012). Os pais de crianças com PC grave se preocupam com a nutrição e a saúde geral de seu filho. A alimentação através da gastrostomia pode melhorar a nutrição da criança e consequentemente também pode tornar a vida dos pais menos difícil. Isso pode ser observado nos relatos dos pais, que apesar do medo e resistência para aderir à gastrostomia, admitem que a realização desse procedimento gera benefícios na qualidade de vida de toda a família, no aspecto social, financeiro, no lazer e profissional. Dessa forma, orientações fonoaudiológicas quanto à via mais segura de alimentação, sobre os benefícios da gastrostomia, postura, utensílios, volume e consistência alimentar para cuidadores de pacientes com paralisia cerebral podem resultar em medidas efetivas do processo terapêutico. Orientações fonoaudiológicas quanto à disfagia para cuidadores de pacientes com paralisia cerebral Os cuidadores de pacientes com paralisia cerebral representam uma parte importante do processo terapêutico deste grupo, visto que a manutenção diária dos estímulos aplicados durante a terapia otimizam os resultados terapêuticos (MENEZES, SANTOS E ALVES, 2017). Estes podem receber orientações diversas quanto aos cuidados com a alimentação, como: • Postura durante a alimentação • Estado de alerta • Via de alimentação segura • Utensílios durante a alimentação • Volume alimentares • Consistência alimentares • Número e frequência de refeições • Higiene oral após as refeições Silvério e Henrique (2009) destacam que o fonoaudiólogo exerce papel fundamental na orientação, educação de familiares/cuidadores e na terapia destes pacientes. A partir das orientações fornecidas, houve uma evolução na função de alimentação, bem como estabilidade clínica 285

Reabilitação: teoria e prática de crianças com Paralisia Cerebral tetraparética espástica associado a uma diminuição da presença dos sinais sugestivos de penetração e/ou aspiração laringotraqueal. As orientações englobaram aspectos quanto à postura, volume e consistências alimentares mais seguras associadas à terapia fonoaudiológica propriamente dita que promoveram maior funcionalidade da deglutição. Os estudos de Seacero e Guedes (1999), também apontam para a necessidade de orientações aos cuidadores quanto as adaptações relacionadas à postura, consistência alimentar, transição alimentar e uso de utensílios e manobras facilitadoras para uma melhor adaptação e qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral. A Figura 3 mostra uma mãe ofertando a dieta em uma sessão de fonoterapia, após orientações fonoaudiológicas, e trazendo à criança todos os benefícios de uma alimentação mais segura, fornecendo apoio para um melhor controle de tronco, cervical, e motor oral. De acordo com Cunha et al. (2020), as crianças que se engasgavam com líquidos e que apresentavam dificuldades para engolir alimentos eram mais propensas a ter infecções respiratórias, e necessitavam de mais tempo e auxílio na alimentação. Em relação ao impacto no contexto familiar, Figura 3: Orientações fonoaudiológicas a cuidadores Fonte: Arquivo pessoal. 286

A eficácia das orientações fonoaudiológicas para cuidadores na reabilitação ... 15% dos pais relataram que a sua qualidade de vida seria superior sem os problemas alimentares. Hung et al. (2003) observaram uma associação entre a desnutrição e a perda de alimentos pela boca, demonstrando que a desnutrição estava associada à dependência do cuidador para alimentação. Vários autores demonstraram que esta população dependia total ou parcialmente de terceiros para o processo de alimentação e que o tempo despendido era prolongado, sendo menor em crianças que não apresentavam qualquer comprometimento alimentar (GOMES; CAMPOS; GREGÓRIO, 2016). As orientações fonoaudiológicas domiciliares trazem benefícios às famílias de indivíduos com paralisia cerebral, representando um processo de educação popular em saúde. Tanto a família/cuidador quanto o paciente ganham com essa abordagem de orientação, melhorando a qualidade de vida dos mesmos. (SCHWARTZAN, 2000). Se os riscos da alimentação oral se sobreporem aos benefícios da mesma, implicando em risco à vida do paciente com paralisia cerebral, as orientações devem ser relacionadas quanto à via de alimentação. Nessa situação, a indicação de gastrostomia deve ser considerada. A realização de exames complementares, como a videofluoroscopia da deglutição, representa fator decisivo para a avaliação e indicação de gastrostomia. Considerações finais A disfagia é comum na paralisia cerebral e a correta abordagem à mesma é fundamental na reabilitação do paciente, inclusive com preservação da vida em alguns casos mais graves, destacando a importância do trabalho do fonoaudiólogo dentro da equipe multidisciplinar que atende esse perfil de pacientes. O uso da gastrostomia deve ser desmistificado, pois quando bem indicado, pode contribuir para melhorar a qualidade de vida do paciente e da família, e consequentemente melhorar sua evolução e desempenho no centro de reabilitação. Referências bibliográficas ASSIS-MADEIRA, E. A.; CARVALHO, S. G. Paralisia cerebral e fatores de risco ao desenvolvimento motor: uma revisão teórica. Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento, São Paulo, v. 9, n. 1, p 142-63, 2009. BARTRAM, J. L.; BAXTER, P. S.; RIGBY, A. S. Gastrostomy feedind of children with cerebral palsy and carers quality. Arch Dis Child, v. 90, n. 8, p. 820- 821, 2005. 287

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21 Musicoterapia - compartilhando práticas Nydia Cabral Coutinho do Rego Monteiro Reabilitação, segundo a Organização Mundial de Saúde (2012, p.25) “É um conjunto de medidas que ajudam pessoas com deficiências ou prestes a adquirir deficiências a ter e manter uma funcionalidade ideal na interação com seu ambiente”. Para Bruscia (2016) as experiências musicais e as relações desenvolvidas através delas são um meio para ajudar os pacientes lesionados, traumatizados a readquirirem os níveis anteriores ou adaptá- los à vida atual no que for possível. Para este mesmo autor, a musicoterapia na reabilitação é uma forma intensiva de tratamento podendo tornar-se primária. Por terapia primária entende-se uma terapia reconstrutiva com um processo de intervenção e mudança caracterizado por sua profundidade e extensão. A musicoterapia em um centro de reabilitação está inserida na área médica. “O trabalho em equipe multidisciplinar busca obter, através de recursos terapêuticos existentes, metas precisas e realistas para cada paciente em um tempo definido, contadas nas diferentes etapas de sua reabilitação” (FERNANDES, RAMOS e CASALIS, 2007,p.6). Evita-se a dependência do paciente, estimulando sua reintegração familiar, social, educacional e profissional. Musicoterapia é uma profissão de saúde na qual a música é usada como meio terapêutico para abordar metas de desenvolvimento, adaptáveis e reabilitatórias nas áreas de fala e linguagem, cognição,

Reabilitação: teoria e prática sensoriomotora e comportamento psicossocial, de indivíduos com uma variedade de diagnósticos neurológicos, físicos e médicos. “Um musicoterapeuta projeta intervenções terapêuticas que abordam as metas funcionais do cliente e são adaptadas ao seu nível funcional possível” (HALLAN, CROSS e THAUT, 2016). “A capacitação em Musicoterapia Neurológica (NMT- THAUT) reconhecida mundialmente pelas evidências científicas, se fez necessária para maior segurança e responsabilidade com nossa clientela. É um modelo clínico guiado por pesquisa que é impulsionado por avanços na neurociência e a compreensão de como a percepção, produção e performance da música pode influenciar e mudar o cérebro não musical e a função comportamental” (Academy of Neurologic Music Therapy, 2021). Estimulação e habilitação infantil A ciência e a prática clínica apontam que quanto mais cedo as intervenções e estímulos sonoro/musicais ocorrem, melhor o prognóstico de desenvolvimento e habilitação do ser envolvido. O desenvolvimento da criança não depende apenas da maturação do sistema nervoso central (SNC), mas também de vários outros fatores: biológicos, relacionais, afetivos, simbólicos, contextuais e ambientais. Essa pluralidade de fatores e dimensões envolvidas com o desenvolvimento infantil se expressa nas vivências e nos comportamentos dos bebês e das crianças, nos modos como agem, reagem e interagem com objetos, pessoas, situações e ambientes (BRASIL, Ministério da Saúde, 2016). A música como estímulo ao desenvolvimento Segundo Halsbeck e Bassler (2018), as intervenções musicais devem ser realizadas ao vivo por um musicoterapeuta treinado. Estudos de imagem do cérebro humano mostraram que a atividade neural associada à escuta musical se estende muito além do córtex auditivo, envolvendo uma ampla rede bilateral de áreas frontais, temporais, parietais e subcorticais relacionadas à atenção, funções motoras, memória e límbica, além de regiões paralímbicas relacionadas ao processamento emocional. Música pode fornecer padrões estruturados para o cérebro em desenvolvimento, o que por sua vez pode levar a benefícios no desenvolvimento neurológico (ANDERSON & PATEL, 2018; HALSBECK & BASSLER, 2018; JABER, 2013; PFEIFFER & ZAMANI, 2017). 292

Musicoterapia - compartilhando práticas Figura 1: Bebê atendido no setor e pela equipe precocemente com evolução satisfatória Fonte: Arquivo pessoal. Principais clientelas infantis em habilitação e reabilitação enfocando a musicoterapia Todos os métodos e/ou experiências musicais em musicoterapia (BRUSCIA, 2016) são utilizados com estas clientelas e escolhido o momento adequado de sua aplicação e adaptação pelo musicoterapeuta envolvido. (improvisação, recriação, composição e audição). Especificamente na área de neuroreabilitação, existem técnicas para diferentes clínicas e direcionamento de objetivos, além das técnicas de Musicoterapia Neurológica (NMT- treinamento e licença internacional exigidas). 293

Reabilitação: teoria e prática Tabela 1 – Possibilidades de intervenções musicoterapêuticas. DIAGNÓSTICO MUSICOTERAPIA características Avaliação realizada com pais e observação da criança. Localizar principais atraso no desenvolvimento. (MONTEIRO, 2011) focar nos objetivos ADNPM- Atraso estabelecidos, principalmente a recuperação possível do desenvol- vimento. Utilizar os estímulos, materiais e instrumentos musicais desenvolvimento adequados a idade e objetivo. Cores contrastantes nos materiais e instrumentos musicais para estimulação visual simultânea (preto / neuropsicomotor branco/ amarelo/ vermelho.) Seguir referência do desenvolvimento neurotípico em especial nos aspectos auditivo, musicais (motores) e Fases do verbais. (Cognitivo) Orientar pais para a estimulação diária em casa. Possibilitar posicionamento adequado a interação entre musicote- desenvolvimento rapeuta e criança e/ou criança, pais e cuidadores. Estimular a recuperação do ADNPM possível e/ou adaptação neuropsicomotor em e inclusão. Posicionamento adequado. Mesma altura dos olhos da criança para evitar desestabilização de tronco e mo- atraso vimentação involuntária. Se possível buscar orientação inicial do atendimento com o fisioterapeuta/ terapeuta ocupacional PARALISIA CEREBRAL da equipe envolvidos. Quanto ao tipo -Crianças com espasticidade (Tônus muscular aumentado), motor, pode ser deve-se evitar sons muito agudos e com timbres metálicos, classificada como ou sons inesperados sem visualização ou preparação prévia. espástica, atetoíde, Testificação sonoro-musical cuidadosa. Percentual significati- atáxica, hipotônica vo com hipersensibilidade auditiva, necessitando intervenção e mista e, quanto à específica do musicoterapeuta para dessensibilização e me- topografia, pode ser lhoria da qualidade de vida, atendimentos de outros profis- classificada como sionais e interação social. Instrumentos musicais adequados hemiplégica, diplégica para preensão e estimulação ao uso de membro hemiplégico e quadriplégica (parético- enfraquecido ou sem sensibilidade). De modo geral É muito comum a podemos apontar as seguintes metas terapêuticas: Estimular associação de um as habilidades auditivas, visomotoras e a memória motora, ou mais distúrbios, entre outras, conforme as bases da intervenção musicotera- decorrentes da lesão pêutica. (NASCIMENTO, 2009) neurológica, que Observação: é importante ressaltar que as primeiras etapas incluem as crises motoras a se desenvolver devem ser: controle cervical, con- convulsivas, déficit trole de tronco. É considerado mais relevante e grave o atraso cognitivo, alterações do que não conseguir atingi-los, pois podem impedir a aquisi- oculares e visuais, ção de outros ganhos importantes. O musicoterapeuta pode distúrbios da fala e da também estabelecer objetivos e utilizar recursos que estimu- linguagem, dificuldade lem o ganho destas etapas, auxiliando assim o profissional fi- de alimentação, sioterapeuta, a equipe e a evolução importante desta criança, comprometimento como um todo. auditivo, alterações das funções corticais superiores e distúrbios do comportamento 294

Musicoterapia - compartilhando práticas MIELOMENINGOCELE Um número representativo desta clientela desenvolve DNPM típico sensibilidade sonora, com possibilidade de reação fóbica e com exceção dos instintiva. Dificuldade de atenção e possibilidade ao longo MMII- (Membros do DNPM (Desenvolvimento Neuropsicomotor), dificuldades inferiores) cognitivas e de aprendizagem. Objetivos principais: humor, conforme a dessensibilização sonora (orientação aos pais) e estimulação localização do cognitiva. Evitar contato do paciente com material com látex. comprometimento. . Humor instável Segundo Nascimento (2009), os objetivos musicoterápicos em pacientes com doenças neuromusculares são: motivar DNM - Doenças e manter suas capacidades físicas, sociais, emocionais e Neuromusculares vocacionais, proporcionando a oportunidade de viver melhor, Hipotonia, cansaço limitando incapacidades. Há necessidade de uso de técnicas muscular, dores, com respiração, sopro, instrumentos aerofônicos e canto como falta de energia, forma de prevenção de perdas respiratórias futuras e melhoria motivação, da fala. (projeção e articulação). dificuldade Tempo de uso com instrumentos musicais reduzido a fim de respiratória, se evitar cansaço motor. Podendo ser utilizados instrumentos tendência a com intenção de estímulos proprioceptivos, para aumentar imunidade baixa qualidade de tônus muscular rebaixado (Hipotônico) Ex. instrumentos membranofônicos grandes (Tambores) utilizados pelos musicoterapeutas em contato com corpo paciente, membros superiores, entre outros. Fonte: própria autora. Referência auditiva, musical e verbal A musicoterapia em um contexto multidisciplinar de saúde, com profissionais trabalhando em conjunto para uma melhor estimulação, habilitação e reabilitação da criança, necessita de instrumentos pontuais em sua prática. Baseando-nos nessa necessidade, elaborarmos um quadro de desenvolvimento auditivo, musical e verbal típicos como forma de localizar atrasos e acompanhar a evolução de crianças em tratamento de saúde, através da matéria-prima utilizada pela musicoterapia: a audição, a música e a verbalização. As características de escala de desenvolvimento auditivo, musical e verbal tem mostrado, de forma mais clara, para os colegas da equipe multidisciplinar, pais e cuidadores, a evolução ocorrida 295

Reabilitação: teoria e prática na criança. O uso da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade) é associado. (GONÇALVES & MONTEIRO, 2020). Tabela 2 - Escala de desenvolvimento auditivo musical verbal (adaptada para até um ano de idade; escala original contempla até 5 anos de idade). 1 Mês / 2 meses 3 Meses 6 Meses 9 Meses 1 Ano AUDITIVO Reage a Localiza sons Localiza sons Localiza sons Os recém-nasci- barulhos laterais. para o lado e laterais, para dos reconhecem arregalando os Pode para baixo, in- baixo e indire- vozes familiares olhos. Começa discernir diretamente. tamente, para ouvidas durante a voltar a vozes Entende algu- cima. Entende a gestação a cabeça para a amáveis de mas palavras comandos. partir do 5º mês, fonte sonora. bravas. como o “não”, ___________ principalmente _____________ _________ seu nome. Grava músicas, as da mãe. Reco- Fase do Brinca com __________ e algumas nhecem também, balbucio. objetos Emite sons palavras e sig- melodias ouvidas Prazer em sonoros. semelhantes nificados. Canta durante a gra- repetir sons. Sacode ao seu meio. palavras dos fi- videz da mãe, Intervalo de maracás e Bate palmas, nais de frases. A quase sempre 3ª menor é chocalhos. joga beijos, tessitura de voz ficando tranqui- emitido (mi a Responde dá tchau. pode alcançar los. São sensíveis sol 3). com prazer Toca tambor, cinco sons (dó a às notas musicais Gosta de a canções pandeiro, sol 3). Gosta de e têm capacidade objetos sonoros curtas maracás, dançar, apertar para reconhecer e coloridos. interativas chocalhos e botões. Gosta as dissonâncias e Produz ruídos sobre outros. Utiliza de instrumen- mudanças de tom com a garganta esquema baquetas tos de teclado. das melodias. e estala o céu corporal. com as duas Pode soprar MUSICAL da boca (cabeça, mãos. Polegar apitos e flautas. Ao ouvir uma As mãos são mãos, pés) e indicador ___________ música, os bebês a descoberta Emite sons funcionam Tenta se expres- já são capazes e as mantém simples. como pinça sar e aponta. de identificar o abertas, e __________ para pegar. Fala “dá”. En- intervalo entre segura objetos Pode ________ tende conceitos as batidas e com firmeza. balbuciar Brinca de sol- como: “aqui”, o padrão que Bate em mama, papa tar brinque- ”lá”, ”dentro”, elas obedecem, um móbile sem associar dos no chão ”fora”, ”para criando expecta- e consegue significado. e espera que cima”, “para tivas quanto ao um som ou Lambe, peguem de baixo”. Ataques início de um novo movimento morde, volta. Busca de birra. Imita compasso. Segura (relação causa e chupa tudo objetos. Fase e copia ações e maracá, choca- efeito). ao seu da lalação: pessoas. lho. Percebe sons (Leva tudo à alcance. da, nenê. com rapidez. boca.) Imita Emite sons Acompanham _____________ expressões. semelhantes com os olhos os Chora quando é Diverte-se ao seu meio. objetos e os sons. deixado sozinho com jogos: Bate palmas, VERBAL (sinal de ”cadê joga beijos, dá O choro é sua sociabilidade). ‘nenê’?... tchau. comunicação. Sorri em Achou!” Emite sons como: resposta a ah, eh, uh. outro sorriso e a conversas. Fonte: MONTEIRO, 2011 296

Musicoterapia - compartilhando práticas Figura 2: Criança com malformação congênita, com estimulação precoce desde 8 meses no setor e pela equipe, teve alta com plena inclusão social e escolar. Fonte: MONTEIRO, 2011. Escala de desenvolvimento auditivo musical verbal Mesmo em casos mais raros e desafiadores como ausência de membros, a estimulação adequada precocemente em terapia ativa mecanismos de neuroplasticidade. Mesmo em casos mais raros e desafiadores como ausência de membros, com estimulaçãoadequada precocemente estimula a neuroplasticidade. A Musicoterapia com suas técnicas, recursos e 297

Reabilitação: teoria e prática potencial pode fazer a diferença. Enfocando a neuroplasticidade, segundo, Ferrari, Toyoda e Faleiros (2001), as pesquisas nessa área tem produzido dados coerentes e indicativos de como o comportamento pode alterar a morfologia e a função do sistema nervoso e vice-versa. O resultado geral é um belíssimo e instigante conjunto de resultados, com possibilidades de aplicação em diferentes aspectos clínicos comportamentais e neurológicos, principalmente referentes ao desenvolvimento. Aplicação da escala  Em Musicoterapia, ao realizar avaliação, o profissional localiza na escala as ações que o bebê  realiza, e data a avaliação. Nas novas avaliações durante o tratamento, assinalar  ganhos adquiridos, datar e pontuar.  Alinhando com a CIF, sistema de classificação internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da OMS (2001), um quadro de referência universal adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para descrever, avaliar e medir a saúde e incapacidade nos níveis individual e populacional, adequa-se a novas exigências da Saúde. Setor de musicoterapia O musicoterapeuta deve avaliar bem o paciente e direcionar o atendimento em harmonia com toda a equipe e estabelecer objetivos práticos que possibilitem um ganho funcional a curto e médio prazo “A habilidade de escutar a equipe, o paciente, a família e o recurso disponível para o tratamento é fundamental para o trabalho multidisciplinar (NASCIMENTO, 2009, p.26)”. Baseado na escuta e agilidade de atender demandas imediatas, eliminando ao máximo filas e atendendo rapidamente prioridades, atendimentos em grupo podem ser realizados. Grupos que contemplam todas as faixas etárias e clínicas variadas. Grupos musicoterapêuticos O grupo se torna um espaço expressivo democrático que permite variadas formas de experimentar o mundo, de partilhar e construir uma realidade diferente. Ele se constitui em um ambiente onde o compartilhamento se torna possível na troca de sentidos musicais pessoais e coletivos que, somadas as experiências culturais, sociais trazidas, marcam cada paciente com suas histórias e o grupo com uma sonoridade própria (CUNHA, 2019).  Em graus e modalidades diferentes, todos os membros de um grupo buscam um objetivo comum que motiva sua participação compartilhada. As pessoas que se reúnem em torno de um mesmo 298

Musicoterapia - compartilhando práticas Figura 3: Grupos musicoterapêuticos com: pacientes adultos da Clínica de LEA (Lesão Encefálica Adquirida) e bebês prematuros com ADNPM e paralisia cerebral e suas mamães. Fonte: Arquivo pessoal. grupo estabelecem múltiplos intercâmbios entre si. Por natureza, todo grupo apresenta um dinamismo que lhe é próprio: tem seus problemas, dificuldades, fracassos, sucessos e alegrias. Com a intermediação e apoio neste caso de um musicoterapeuta atento que o ajuda a evoluir e crescer. Os grupos podem ser de bebês com ADNPM (atraso do desenvolvimento neuropsicomotor); bebês e crianças com Paralisia Cerebral, (Encefalopatia Crônica não progressiva), por exemplo. Musicoterapia tem como um dos seus objetivos estimular a criança com PC para as atividades funcionais de vida diária, para sua maior independência 299

Reabilitação: teoria e prática possível, promovendo sua segurança e autoestima e contribuindo, dessa forma, para a sua habilitação e adaptação ao meio(NASCIMENTO, 2009.) Os grupos formados por pacientes adultos principalmente com sequelas de acidente vascular encefálico, traumatismo cranioencefálico, doença de Parkinson entre outros, objetivam interação entre os pacientes para ajudar no enfrentamento, adesão ao tratamento, evitar isolamento, percepção do outro, interação, dar suporte emocional, além do incentivo prazeroso a atividades funcionais através da música e seu uso funcional no cantar, tocar, dançar, lembrar, criar e a generalização em suas atividades de vida diária.Promove contribuição também na estimulação cognitiva e na autoestima. Grupos no setor de musicoterapia No que se refere a atividades musicais para estimular desenvolvimento neuropsicomotor, destaca-se que também devem incorporar o elemento afetivo para que sejam significativas (ANGEL- ALVARADO, 2019). “Fazer música em um grupo melhora as habilidades e a coordenação comunicativa, a cooperação e inclusive o nível de empatia entre os membros do grupo” (PFEIFFER e ZAMANI, 2017. p. 103). A troca realizada entre os pais, em especial as mães, também auxiliam bastante na evolução da criança e adesão a atividades funcionais e lúdicas em casa. Como também a aproximação com a família e cuidadores dos pacientes adultos, envolvendo-os, compartilhando e trocando elementos de práticas, estimulando e orientando a continuação em domicílio é importante para potencializar e acelerar ganhos. Particularidades relevantes detectadas no setor Alguns indivíduos apresentam uma sensibilidade auditiva excessiva que os tornam intolerantes a certos sons, mesmo em níveis baixos de intensidade. Quando em grau severo, a hipersensibilidade a sons pode ter efeitos limitadores na qualidade de vida do indivíduo. Qualquer atividade diária com um mínimo de exposição sonora pode ser afetada ou até impossibilitada pela hipersensibilidade. No início de um tratamento em um centro de reabilitação pode ser logo detectado se houver conhecimento da equipe e encaminhado especificamente para avaliação, confirmação e dessensibilização auditiva. Segundo Nascimento (2009) em espaços terapêuticos, o comportamento choroso e resistente adotado pela criança que, desmotivada pelo baixo limiar de tolerância auditiva, passa 300


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