Estimulação de habilidades funcionais no transtorno do espectro autista As demais tarefas, como higiene pessoal apresentam nível de desempenho relativamente baixo, porém demonstrando algumas aquisições. O desenvolvimento das habilidades funcionais quanto a tarefas relacionadas à alimentação foram as menos prejudicadas. Tabela 3: Transformação do escore bruto em escore normativo (pós programa) para escala de habilidades funcionais de autocuidado Idade Habilidades Funcionais Escore Contínuo Escore Bruto Erro Padrão 48,58 2.14 4 anos 3 meses e 27 dias 29 (<46) Após concluído o programa estruturado de intervenção ABA a criança foi reavaliada e os dados foram comparados com os da primeira aplicação da escala para análise dos resultados. Quanto à independência funcional da criança quando comparadas pré e pós programa ABA através do PEDI no domínio das habilidades funcionais, observou-se um aumento significativo do escore bruto (29 (<46)) e do escore contínuo (48,58) na área de autocuidado (Tabela 3). Tabela 4: Pontuação (pós programa) obtida em relação ao escore máximo em cada área de desempenho das habilidades funcionais de autocuidado. Criança Alimentação Higiene Pessoal Banho Vestir Toalete (Máximo 14) (Máximo 19) (Máximo 5) (Máximo 20) (Máximo 15) ESCORE TOTAL OBTIDO 10 1 5 4 Paciente 9 Considerando a pontuação obtida pós programa em relação ao máximo possível em cada parte do questionário de habilidades funcionais, a partir do escore bruto fornecido (Tabela 4), pode-se notar que as áreas de atividades funcionais que mais obtiveram crescimento em habilidades funcionais foram a de higiene pessoal e o vestuário, enquanto as tarefas de alimentação e banho obtiverem crescimento pouco significativo e as tarefas ligadas ao uso do banheiro permaneceram inalteradas. Grande parte dessas habilidades envolve características específicas de função manual, como bimanualidade e destreza manual/coordenação manual, o que geralmente está comprometido em pessoas com TEA. 451
Reabilitação: teoria e prática Figura 2: Mapa de Habilidades Funcionais de Autocuidado (pós programa) Fonte: MANCINI, (2005). Área de Autocuidado Habilidades Funcionais A análise do conteúdo dos mapas de itens informa que, nas habilidades funcionais de autocuidado mostrou-se superior em quase todas as atividades diárias, principalmente nas atividades relacionadas com o vestir e despir, higiene pessoal, como por exemplo: escovar os dentes, lavar as mãos completamente, colocar creme dental na escova, utilizar vaso sanitário e papel higiênico e dar descarga, colocar e tirar camiseta sem fecho, abrir e fechar colchete, abotoar e desabotoar, calçar meia, vestir e retirar calça, lidar com roupas antes e depois de utilizar o banheiro e banho (Figura 2). Considerações finais A participação em programa estruturado de intervenção ABA (DTT) no ambiente da sala de treino de atividades diária e individualizado orientado à pessoa com TEA e focado no desenvolvimento de habilidades motoras finas pode ser eficaz para elevar seu nível de funcionalidade quanto a tarefas de autocuidado, melhorando qualidade de vida. Referências bibliográficas AARONS, Maureen; GITTENS, Tessa. The handbook of autism: a guide for parents and professionals. London: Routledge, 1992. 452
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33 Síndrome de Down e doenças associadas Lorena Patrícia Leal Mesquita Barreto A Síndrome de Down (SD) ou Trissomia do cromossomo 21 é uma doença genética que afeta 270 mil pessoas no Brasil e está associada a diversas manifestações patológicas, determinando importante limitação da qualidade de vida. Dentre as patologias associadas, as malformações congênitas tem maior incidência, sendo a cardíaca a mais prevalente e importante, em termos prognósticos e de qualidade de vida. O diagnóstico pré-natal destas patologias poderá associar-se a uma melhor abordagem destas crianças logo após o nascimento, com consequente definição de estratégias preventivas e terapêuticas mais eficazes e adaptadas a cada indivíduo. Cerca de 50% dos indivíduos com SD apresenta Cardiopatia Congênita e 10% tem malformações gastrointestinais. Em 4-18% existe hipotiroidismo congênito, apesar da forma adquirida ser mais frequente (40%). Em 75% dos indivíduos há déficit auditivo e em 60% patologia oftalmológica. Pacientes com SD apresentam um risco relativo de leucemia de 10 a 20 vezes maior, com um risco cumulativo de 2% aos 5 anos e 2,7% aos 30 anos de idade. E a hipodontia e atraso na erupção dentária ocorrem em 23% dos casos. Existe também aumento de doença ortopédica nestes indivíduos, principalmente instabilidade atlantoaxial, hipoplasia vertebral, escoliose, artrite e osteoporose. Nos últimos 50 anos, a sobrevivência da SD durante o primeiro ano de vida aumentou significativamente, de menos de 50% para mais de 90%. Apesar da melhoria dos cuidados de saúde ter conduzido ao aumento da esperança média de vida destes indivíduos, eles continuam a sofrer de
Reabilitação: teoria e prática várias patologias importantes, particularmente durante os seus primeiros anos de vida. Também, muitas doenças relacionadas com o envelhecimento manifestam-se mais precocemente nesses indivíduos. Este capítulo destaca algumas das principais comorbidades associadas à Síndrome de Down. Alterações cardíacas As malformações cardíacas congênitas (MCC) são uma anomalia estrutural ou funcional do coração que está presente ao nascimento, resultante de um desenvolvimento anormal no período embrionário. Essas alterações estão presentes em pacientes com síndrome de Down em aproximadamente 40-50% dos casos e são a principal causa de morte nos primeiros anos de vida. Entre as alterações cardíacas mais comuns nesses pacientes estão o defeito do septo atrioventricular (DSAV), representando aproximadamente 45% dos casos, e o defeito do septo ventricular (DSV), representando 20 a 30%. Outras patologias frequentes incluem: tetralogia de Fallot (TF) e defeito do septo atrial. A morbilidade e mortalidade dos indivíduos com Trissomia do 21 é predominantemente definida pela existência e gravidade das cardiopatias congênitas. Existe uma forte correlação entre a presença de MCC e a mortalidade durante os 10 primeiros anos de vida, sendo o prognóstico melhorado se a mesma for corrigida cirurgicamente em idade precoce. A elevada incidência, mas penetrância incompleta das MCC na SD sugere a existência de genes em outros cromossomos (que não o 21), que contribuem para o desenvolvimento destas cardiopatias. Assim, SD é considerado um fator de risco para anomalias cardíacas, representando uma condição genética sensibilizante, na qual outros genes e fatores epigenéticos e ambientais atuam, contribuindo para o aumento da incidência de doença cardíaca. O diagnóstico prénatal da Trissomia do cromossomo 21 é indicação para realização de ecocardiografia fetal, da mesma maneira que, perante diagnóstico de MCC, deve ser realizada análise do cariótipo. O diagnóstico de DSAV, DSV grandes e TF ocorre a partir da 10ª-12ª semana de gestação e após a confirmação devem ser encaminhadas para o cardiologista pediátrico. Nos casos das crianças com SD e ecocardiograma patológico após o nascimento, a criança também deve ser referenciada para esta especialidade. Em ambos os casos deve ser estabelecido um plano de tratamento até a 6ª semana de vida. Os que não apresentaram alterações 456
Síndrome de down e doenças associadas no exame clínico e nem nos exames complementares de diagnóstico devem ser acompanhadas pelo cardiologista pediátrico. Indivíduos com SD com ou sem CC necessitam de seguimento durante toda a vida, pela possibilidade de surgimento de complicações ou patologia cardíaca de novo. Os indivíduos com Síndrome de Down e sem cardiopatia congênita tem também maior incidência de patologia cardíaca adquirida e doenças em outros órgãos com manifestações a nível do coração. Há maior probabilidade de desenvolver valvulopatia, nomeadamente prolapso da válvula mitral e regurgitação aórtica, alterações a nível do automatismo cardíaco, arritmias e anomalias dos septos cardíacos. Também, doenças como o hipotiroidismo, hipertireoidismo e hipertensão pulmonar, mais frequentes nestes indivíduos, podem condicionar importantes manifestações cardíacas. O hipotiroidismo, frequente em indivíduos com SD, poderá provocar diminuição da função e contratilidade miocárdica e do débito cardíaco. O hipertireoidismo, apesar de menos frequente, parece estar associado à hipertensão pulmonar moderada e transitória, provocada pelo aumento do débito cardíaco. Além disso, nestes pacientes com ou sem malformações cardíacas congênitas (MCC) apresentam risco de Endocardite Infecciosa (EI), particularmente pelo fato de ter maior incidência de doença periodontal e, por isso, é importante a prevenção. Assim, se compreende a importância do seguimento destes indivíduos, desde o período prénatal, em que a correta avaliação dos mesmos contribuirá para uma melhor definição da sua abordagem logo após o nascimento, a qual se deve manter de forma periódica durante todas as fases de vida. Assim se garante que a esperança média de vida dos mesmos continue a aumentar, associada a melhoria da qualidade de vida em todos os níveis (saúde, profissional, emocional, social e financeiro). Alterações hematológicas Crianças com SD apresentam maior risco de desenvolver doenças hematológicas como leucemia linfoblástica aguda (LLA) e leucemia mielóide aguda (LMA) em comparação com crianças sem SD. O risco é 10 a 20 vezes maior de crianças com essa alteração cromossômica desenvolverem leucemia. De forma geral, a leucemia é um câncer maligno que atinge os glóbulos brancos, denominados leucócitos. Devido ao acúmulo de grande quantidade de leucócitos indiferenciados na medula óssea e no sangue, em diferentes estágios de maturação, há uma redução das funções 457
Reabilitação: teoria e prática imunológicas do organismo, podendo levar o indivíduo a condições graves de saúde. A Leucemia Mielóide Aguda (LMA), é um tipo de câncer da linhagem mielóide dos glóbulos brancos que é caracterizada pela proliferação rápida das células anormais que são chamadas de blastos. Os blastos são células imaturas, elas não desempenham suas funções e se acumulam na medula óssea impedindo a produção normal de outras células hematopoiéticas. A LMA tem origem desconhecida e invade o sangue periférico, é o tipo de leucemia aguda que mais acomete adultos. A Leucemia Megacarioblástica Aguda – subgrupo M7 (LMA-M7), é um subtipo raro de LMA em crianças sem SD e é a forma mais comum de leucemia mielóide em crianças com SD. O surgimento desse câncer está associado a mutações gene GATA1 (responsável por regular a diferenciação megacarioblástica de células tronco hematopoiéticas). A Leucemia Linfoide Aguda (LLA) é considerado o câncer mais comum na faixa pediátrica e geralmente não é encontrada em crianças menores de um ano de idade com Trissomia do 21. Os estudos demonstram que a LLA não tem uma anormalidade genética única. Nesse tipo de leucemia ocorre uma expressão elevada do receptor de citocina CRLF2 e com anormalidades adicionais somáticas de ativação, como o gene JAK2, que aumenta o desarranjo celular, contribuindo para leucogênese na LLA. Crianças leucêmicas com SD apresentam uma maior taxa de toxicidade ao tratamento medicamentoso com metotrexato, levando muitas vezes a complicações como estomatites, infecções bacterianas e hiperglicemia, podendo ocasionar até a morte do paciente. Dessa forma, a quantidade de dias de hospitalização durante o tratamento é maior nesse grupo de crianças. Alterações endócrinas Os distúrbios endócrinos como disfunção tireoidiana, baixa massa óssea, diabetes, baixa estatura, infertilidade e propensão a sobrepeso/ obesidade são muito mais comuns em pacientes Síndrome de Down. Densidade mineral óssea O risco de baixa densidade mineral óssea (DMO) nesses pacientes está associado a uma maior prevalência nesse grupo de fatores como obesidade, baixa atividade física, baixo cálcio, baixa vitamina D, diminuição da massa muscular, menor exposição ao sol, síndromes de má absorção e uso de medicamentos antiepilépticos. 458
Síndrome de down e doenças associadas Com o aumento da expectativa de vida, a saúde óssea em pacientes com SD é uma área de crescente importância, sendo assim, a adição de suplementação de cálcio e vitamina D a um programa de exercícios leva à melhora na DMO em comparação com apenas intervenção nutricional ou de atividade. Portanto, crianças com SD podem exigir maior suplementação de vitamina D do que a dose diária recomendada de 400 UI/dia. Puberdade/fertilidade Em relação à puberdade e fertilidade, os adultos com SD apresentavam níveis mais altos de FSH e/ou LH, consistentes com hipogonadismo hipergonadotrófico. A principal teoria é que o hipogonadismo hipergonadotrófico está presente na infância, progride ao longo da puberdade até a idade adulta e é devido à disfunção das células de Sertoli e Leydig. Assim, as mulheres com SD estão predispostas à insuficiência ovariana prematura e menopausa precoce, enquanto os homens exibem subfertilidade ou esterilidade e hipogonadismo. Apesar da disfunção gonadal, pode-se esperar que a puberdade em pacientes com SD ocorra. Os familiares devem ser orientados quanto a isso, para que possam preparar as crianças com SD para as próximas mudanças puberais. Embora o hipogonadismo seja comum, a infertilidade não deve ser assumida. Crescimento As crianças com Síndrome de Down apresentam alterações no crescimento em relação às demais crianças. Elas manifestam um estirão do crescimento precoce, porém seu crescimento linear parece ter uma velocidade reduzida. Essa característica faz com que indivíduos portadores da SD possuam menor estatura quando comparados aos não portadores. O déficit no crescimento parece estar relacionado ao excesso de peso. Massa corporal A obesidade nesses pacientes está associada a fatores físicos tais como a boca pequena, língua protusa, dificuldades de deglutição e mastigação (devido à hipotonia muscular). Por essas características, as escolhas alimentares feitas pelos indivíduos muitas vezes se tornam monótonas e limitadas, o que não favorece a qualidade do padrão alimentar. Geralmente, os pais de pessoas com SD tendem a satisfazer todas as vontades de seus filhos de forma compensatória, incluindo maior consumo de alimentos calóricos (ricos em gorduras e açúcares). Além disso, esse grupo apresenta uma diminuição do metabolismo basal 459
Reabilitação: teoria e prática e, consequentemente, redução do gasto de energia do organismo. Essas características associadas os hábitos alimentares inadequados e um estilo de vida sedentário, comum nessa população, aumenta a incidência de sobrepeso e de obesidade deste grupo populacional. Disfunção tieroidiana Entre as anormalidades endócrinas, a disfunção tireoidiana é a mais comum. Estima-se que ocorra em 4-8% das crianças com síndrome de Down. O espectro da disfunção tireoidiana em pacientes com SD inclui hipotireoidismo congênito, hipotireoidismo subclínico, hipotireoidismo adquirido (autoimune e não autoimune) ou hipertireoidismo. Recomenda- se nos pacientes com trissomia do 21 que a triagem tireoidiana baseada no TSH seja realizada no nascimento, 6 meses e, em seguida, anualmente a partir de um ano de idade. O hipotireoidismo congênito (HC) manifesto refere-se a TSH plasmático elevado (>10 mUI/l) associado ao baixo T4 plasmático que ocorre no nascimento e na maioria dos casos diagnosticado com triagem neonatal. Estima-se que a prevalência de HC no SD seja 28-35 vezes maior que na população geral. A maioria dos casos de HC notificados é devido à hipoplasia da tireóide e a presença de HC aumenta o risco de presença de outras anomalias congênitas, incluindo doenças cardíacas e anomalias gastrointestinais, quando comparadas a pacientes com SD sem HC. O hipotireoidismo subclínico (HSC) refere-se à elevação isolada de TSH com níveis normais de hormônio tireoidiano. A HSC é provavelmente a anormalidade tireoidiana mais comum detectada nesses indivíduos. Na maioria dos casos, esse distúrbio é assintomático e é detectado em exames laboratoriais ou triagem neonatal. A causa da HSC não é clara. A ultrassonografia mostrando hipoplasia de bócio ou tireoide foi relatada em recém-nascidos com HSC. Além disso, a autoimunidade está entre as causas hipotéticas devido anticorpos da tireóide peroxidase (TPO) detectados em pacientes desse grupo. O tratamento dessa clínica é recomendado apenas em caso de conversão para hipotireoidismo manifesto. Também pode ser iniciado na presença de bócio, e alguns estudos advogam o tratamento na presença de anticorpos tireoidianos positivos, desde que o nível de TSH seja> 10 μIU/ mL. Com relação aos distúrbios tireoidianos autoimunes tanto o hipotireoidismo quanto o hipertireoidismo são descritos na literatura, sendo o hipotireoidismo autoimune ou a tireoidite de Hashimoto (TH) mais comuns que o hipertireoidismo ou a doença de Graves (DG). 460
Síndrome de down e doenças associadas Autoanticorpos tireoidianos são detectados em 13-34% dos pacientes com SD e os anticorpos da tireoide peroxidase (TPO) foram encontrados em até 31% dos pacientes com SD. O hipotireoidismo autoimune na SD é igualmente comum entre ambos os sexos, em contraste com a preponderância feminina observada na população não SD. Outro ponto diferente é a detecção mais precoce do início da doença (a idade inicial média no diagnóstico de TH no SD foi de 6,5 anos em comparação com 11,1 anos em pacientes sem SD). A hipótese que explica essa característica é o aumento da consciência do aumento da associação de distúrbios autoimunes à SD entre os médicos e, portanto, à tendência do teste precoce dos pacientes. Além disso, existe maior taxa de progressão para doença aberta na população com trissomia. A doença de Graves é a principal causa de hipertireoidismo autoimune na SD. Observa-se com mais frequência no SD, sua prevalência é estimada em 0,66% em comparação com 0,02% na população em geral. Ao contrário do hipotireoidismo autoimune, a doença de Graves na SD é geralmente sintomática e fácil de diagnosticar. Geralmente se apresenta no final da infância ou no início da vida adulta, mas geralmente é mais precoce quando comparado à população em geral. Doenças autoimunes Distúrbios autoimunes são mais comuns em pacientes com trissomia em comparação com a população em geral. Além da doença autoimune da tireóide, relatado anteriormente, o diabetes mellitus tipo 1 e a doença celíaca são vistos com mais frequência na síndrome de Down do que na população em geral. Pacientes com a trissomia possuem 4x mais chances de desenvolver diabetes mellitus (DM) se comparado com outras pessoas. Dentre os dois tipos de diabetes existentes, é mais provável que os portadores de SD apresentem a DM-1, devido falha nos seus mecanismos de tolerância imunológica central; as células beta produtoras de insulina no pâncreas são atacadas e destruídas pelo próprio sistema imunológico. Porém, não é incomum encontrar pacientes com SD e DM-2. Nesse caso a doença está mais relacionada ao estilo de vida e hábitos alimentares do paciente. O hipotireoidismo também atua como um fator de risco para este tipo de diabetes, devido a tireóide regular o metabolismo de carboidratos, atuando no aumento da captação da glicose nos tecidos e na absorção da glicose no trato gastrointestinal. A doença celíaca (DC) também é mais frequente nas pessoas com SD, com uma taxa de 2,5 a 18%, enquanto que a observada na população 461
Reabilitação: teoria e prática como um todo é de 0,3 a 0,5%. Caracterizada por intolerância permanente ao glúten presente nos alimentos, é uma doença disabsortiva, com variável manifestação clínica, mas que pode se manifestar como diarreia, distensão abdominal, déficit de crescimento, fadiga, flatulência, anemia ferropriva. No entanto, o quadro clínico pode ser confundível e é recomendado o rastreio regular nos pacientes com SD por meio de testes sorológicos de alta sensibilidade. Alterações gastrintestinais As crianças com síndrome de Down são mais propensas a apresentar problemas no trato gastrointestinal (TGI), cerca de 10% dessa população terá algum distúrbio gastrointestinal, seja alterações estruturais (desenvolvimento irregular dos órgãos como fígado e pâncreas) e/ou o funcionamento inadequado do TGI. Os sintomas gastrointestinais incluem vômitos, diarreia, constipação e dor abdominal. Esses sintomas em geral desaparecem espontaneamente. Dentre as principais características destaca-se a hipotonia muscular secundária, ocorrendo principalmente no contexto clínico com comprometimento do sistema nervoso central; os indivíduos com síndrome de Down apresentam alterações quanto ao estado nutricional, com prejuízos na mastigação e deglutição, redução do peristaltismo e esvaziamento gástrico, resultando em uma série de patologias. A doença do refluxo gastroesofágico também é mais prevalente nessa população. Distúrbios estruturais como atresia ou estenose do esôfago, duodenal e intestino delgado, pâncreas anular causando obstrução do intestino delgado, ânus imperfurado e doença de Hirschsprung (afeta cerca de 2% das pessoas com síndrome de Down) podem ser mais comuns do que na população em geral. Adultos com síndrome de Down também são propensos a uma ampla gama de problemas gastrointestinais, incluindo refluxo, obesidade, constipação e diarreia. A infecção por H.pylori parece ser mais comum, mas as implicações não são claras, além disso, a não imunidade às hepatites A e B pode ser alta e indica a necessidade de imunização nesse grupo. Saúde mental Estima-se que 30% das pessoas com SD tenham distúrbios mentais. O espectro dessas condições inclui processos depressivos, distúrbios obsessivo-compulsivos, distúrbios comportamentais e demência precoce. Vários fatores podem desencadear a depressão nessa população e devem ser investigados quando ocorre um declínio na função ou no autocuidado. Situações como perda de familiares ou amigos e/ou mudanças 462
Síndrome de down e doenças associadas na escola, trabalho ou estrutura social são fatores de risco para desencadear sintomas depressivos. Da mesma forma, o uso de medicamentos como fenobarbital, benzodiazepínicos, betabloqueadores e estatinas também pode induzir sintomas de depressão. Com relação ao tratamento, os inibidores da captação de serotonina oferecem maior eficácia do que os antidepressivos tricíclicos no tratamento da depressão nessa população. A prevalência da doença de Alzheimer é progressiva à medida que essa população envelhece. As taxas relatadas são de 0 a 10% nos pacientes de 30 a 39 anos, 10 a 25% nos de 40 a 49 anos e 28 a 55% nos de 50 a 59 anos. No entanto, antes de estabelecer um diagnóstico definitivo de disfunção cognitiva, ele deve ser diferenciado de condições depressivas, doenças da tireóide, epilepsia e audição e/ou déficits visuais. Como na população em geral, a doença de Alzheimer é um diagnóstico de exclusão em pessoas com SD. Os sintomas de demência em adultos com SD incluem - além do declínio cognitivo - alterações comportamentais, declínio funcional, distúrbios do sono e da marcha, convulsões e incontinência. Alguns estudos discutiram a possibilidade de avaliar a marcha em adultos com SD como um marcador precoce de declínio cognitivo e doença de Alzheimer. A dispraxia geralmente se manifesta durante o início da demência, tanto na população em geral quanto em pacientes com SD. A dispraxia da marcha é definida como a perda progressiva do uso pleno dos membros inferiores no ato de caminhar, quando esse déficit não pode ser atribuído a outras causas, como alterações sensoriais, má coordenação ou fraqueza muscular; facilmente identificada durante o exame clínico. O processo e a técnica de atendimento a adultos com SD associada à doença de Alzheimer não difere dos pacientes na população em geral. Como em muitos casos é difícil diferenciar demência de depressão, principalmente nas fases iniciais, o tratamento experimental com inibidores da captação de serotonina pode ser útil. Alterações sensoriais A prevalência de déficits auditivos em adultos com SD é de cerca de 70% e aumenta com a idade. Quase 100% dos indivíduos com 60 anos ou mais têm problemas auditivos. Isso é importante porque a perda auditiva pode levar ao isolamento social, baixa autoestima, declínio funcional, delírio e depressão e a surdez também pode afetar os distúrbios da fala, comuns nessa população. As avaliações auditivas são recomendadas a cada dois anos em adultos com SD. Déficits visuais e anomalias oculares também são frequentes em adultos e idosos com essas alterações cromossômicas. A perda visual tende 463
Reabilitação: teoria e prática a ocorrer mais cedo e a ter um início mais rápido em adultos com SD do que naqueles sem a síndrome. Embora a prevalência de déficit visual grave seja estimada em cerca de 45% em adultos na faixa etária de 50 a 59 anos, pouco mais da metade desses casos é diagnosticada e apenas 50% desses indivíduos têm a visão corrigida. Quando detectados, os problemas oculares mais comuns em adultos com Síndrome de Down incluem refração, estrabismo, catarata e ceratocone. A prevalência de catarata aumenta com a idade sendo comparável ou superior à encontrada na população em geral. Mesmo após a cirurgia de catarata, existe o risco de persistência da acuidade visual prejudicada devido a outras disfunções oculares. Adultos com SD desenvolvem catarata senil mais cedo do que adultos saudáveis da mesma idade, um fenômeno atribuído ao envelhecimento acelerado causado pela SD. Assim como as avaliações auditivas, as avaliações oftalmológicas também são recomendadas a cada dois anos. Anormalidades osteoarticulares Anormalidades da coluna cervical são comuns em pessoas com SD. A instabilidade atlantoaxial (com risco de lesão medular cervical superior) é o problema mais frequentemente relatado. Na subluxação atlantoaxial os sintomas mais relevantes são queixas de dor no pescoço, déficits da marcha e alterações na função intestinal ou da bexiga associadas ao aumento dos reflexos tendinosos profundos, sinal de Babinski e perda de força muscular nos membros superiores ou inferiores. Além disso, surgem alterações no processo odontóide ou na articulação atlanto-occipital devido à hipoplasia do arco posterior da primeira vértebra cervical (C1). Adultos jovens com SD também podem apresentar anormalidades degenerativas nas porções média e inferior da coluna cervical, com potencial para o desenvolvimento de mielopatia progressiva. Também é observada uma tendência à flacidez ligamentar, situação que desencadeia luxação adquirida do quadril ou patela e pronação do pé plano do tornozelo. Outros achados clínicos frequentes em adultos com SD incluem detecção de escoliose e osteoartrite. Considerações finais Alterações associadas em vários sistemas diferentes devem ser consideradas durante o acompanhamento da criança e do adulto com Síndrome de Down pela equipe multiprofissional. A detecção precoce de muitas das comorbidades mencionadas pode minimizar perdas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, resultando em maior sucesso do processo de reabilitação. 464
Síndrome de down e doenças associadas Referências bibliográficas AMR, Nermine H. Thyroid disorders in subjects with Down syndrome: an update. Acta Bio Medica: Atenei Parmensis, v. 89, n. 1, p. 132, 2018. ANDRADE, Luana da Silva. Aspectos genéticos da Leucemia Megacarioblástica Aguda em crianças com Síndrome de Down. 26 f. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Biomedicina) – Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2018. ASIM, Ambreen et al. Down syndrome: an insight of the disease. Journal of Biomedical Science, v. 22, n. 1, p. 1-9, 2015. DOI: 10.1186/s12929-015- 0138-y. DUARTE, Luana Cristina de Godoy. Importância do acompanhamento nutricional na expectativa de vida de portadores de Síndrome de Down. 17 f. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Nutrição) – Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2018. GORZONI, Milton Luiz; PINTO, Carla Franchi; FERREIRA, Aleksandro. Down syndrome in adults: success and challenge. Geriatrics, Gerontology and Aging, v. 13, n. 2, p. 111-117, 2019. GOUVEIA, CRISTINA MARISA CARVALHO. Cardiopatia congénita na síndrome de Down: artigo de revisão. 50 f. 2016. Dissertação (Mestrado Integrado em Medicina) - Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, 2016. HOLMES, Geoffrey. Gastrointestinal disorders in Down syndrome. Gastroenterology and hepatology from bed to bench, v. 7, n. 1, p. 6, 2014. LYRA, YURI CARVALHO; LEITE, JULIANA BROVINI. Associação entre leucemia e síndrome de Down: revisão sistemática. Saber Digital, v. 12, n. 2, p. 78-91, jan. 2020. Disponível em: http://revistas.faa.edu.br/index.php/ SaberDigital/article/view/795. Acesso em: 08 maio 2020. SAHANI, Sonali et al. Down syndrome with Graves’ disease: A lesser thyroid association. Thyroid Research and Practice, v. 16, n. 1, p. 45, 2019. Disponível em: http://www.thetrp.net/text.asp?2019/16/1/45/255299 SANTOS, Fernando Cesar Gimenes Barbosa et al. Surgical treatment for congenital heart defects in Down syndrome patients. Brazilian journal of cardiovascular surgery, v. 34, p. 1-7, 2019. Disponível em: http://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382019000100003&lng=en &nrm=iso. DOI: https://doi.org/10.21470/1678-9741-2018-0358. SGARBI, Fernanda et al. Alta concomitância de doenças autoimunes em um 465
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34 Estimulação cognitiva na síndrome de Down Ligia Damasceno Cronemberger Neiva Lucineide Borges Cavalcante Santos Natália de Souza Silva Natália Lima Carvalho Vidal A Síndrome de Down (SD) foi reconhecida como cromossomopatia em 1959 quando foi comprovada a existência de cromossomo extra, precisamente no par 21 dos indivíduos. A síndrome é a causa genética mais comum de deficiência intelectual (FREIRE, DUARTE e HAZIN, 2012). Além das características fenotípicas como braquicefalia, fissuras palpebrais com inclinação superior, base nasal achatada e pescoço curto, apresenta uma série de comprometimentos no desenvolvimento neurológico dos indivíduos afetados, bem como prejuízos variados em funções cognitivas (GOIS, 2018). Também pode haver comprometimento motor, físico e psicossocial. A estimulação cognitiva é definida como intervenções voltadas para alterações específicas do funcionamento cognitivo, dentre elas, alterações de memória, atenção, funções executivas, linguagem, déficits visuoperceptivos e visuoespaciais, e pode ser realizada em centro de reabilitação de forma individual ou em grupo. A estimulação para crianças com SD ajuda no desenvolvimento de habilidades, auxilia maior independência para melhor funcionalidade desses indivíduos (TUDELLA, FORMIGA e SERRA, 2004 apud
Reabilitação: teoria e prática MATTOS e BELLANI, 2019). Na primeira infância, a plasticidade cerebral é mais intensa, o que justifica a estimulação cognitiva precoce que pode favorecer a aprendizagem, diminuindo as limitações. Síndrome de Down e Estimulação Cognitiva em crianças A criança com SD é acometida por alguns prejuízos que repercutem na aprendizagem e no desenvolvimento, entretanto, há peculiaridades em cada pessoa que apresenta a síndrome e variações conforme o ambiente em que estão inseridas. Segundo Ferreira-Vasques, Abramides e Lamônica (2017), na SD são previstas alterações em atenção, memória, funcionamento simbólico, reconhecimento de regras gramaticais, habilidades de processamento auditivo, visual e possibilidade de comportamentos desajustados que influenciam o desenvolvimento lexical e habilidades de comunicação. Diante disso, faz-se necessário, estimulação adequada, principalmente durante a primeira infância, que é considerada o período mais sensível do desenvolvimento humano, devido à maior plasticidade cerebral (LAMPREIA, 1999; PAPPALLIA, 2013). Por outro lado, a falta ou escassez dessa estimulação pode atrasar; interferir ou até mesmo impedir a construção saudável de habilidades motoras, visuais, cognitivas e afetivas (GANZ, CAMPOS, SILVA et al, 2015). O bom funcionamento das habilidades cognitivas está diretamente relacionado com a autonomia da criança e deve, por isso, ser estimuladas durante toda a vida para minimizar suas dificuldades. Em um centro de reabilitação trabalha-se o desenvolvimento dessas habilidades, de modo que estratégias de intervenção são desenvolvidas para favorecer a plasticidade, contribuindo na habilitação/reabilitação. A criança com SD quando incentivada através do brincar, das canções infantis, do contato com diferentes texturas, pode ampliar o vocabulário, a socialização, o tempo de espera, a resolução de problemas mais complexos, dentre outros. A estimulação cognitiva no centro de reabilitação é feita através de atividades semelhantes com objetivo de desenvolver as funções superiores (pensamento, raciocínio, linguagem, etc.) para o êxito das habilidades individuais no cotidiano. Outra questão importante na estimulação cognitiva à pessoa com SD é o trabalho em equipe, pois a interdisciplinaridade favorece o desenvolvimento global do indivíduo, cada profissional contribui com o seu conhecimento. Barros, Vieira, Viana et al (2019) afirmam a importância de envolver vários profissionais no tratamento da criança com SD. De maneira semelhante, em centro de reabilitação a estimulação cognitiva deve ser 468
Estimulação cognitiva na síndrome de down desenvolvida por uma equipe multidisciplinar, e pode ser organizado em grupos de pacientes. Na equipe da discussão desse capítulo, os profissionais que coordenam os encontros grupais na estimulação cognitiva em geral são fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional e/ou fisioterapeuta. Dentre as funções da Fonoaudiologia, estão: estimular a linguagem (expressiva e receptiva) e habilidades comunicativas, propiciar imitação gestual e sonora e adequar funções orais como mastigação, deglutição, sucção e respiração. O terapeuta ocupacional busca aprimorar na criança com SD a coordenação motora ampla e fina, o esquema e a percepção corporal, a estimulação sensorial, o planejamento motor, o brincar funcional, a estimulação da independência e da autonomia. O psicólogo orienta sobre a inserção de agenda de rotina, trabalha a expressão de emoções, intervêm nas alterações comportamentais; além de estimular processos psicológicos básicos. O fisioterapeuta atua no fortalecimento neuromotor. E a psicopedagogia contribui com o desenvolvimento cognitivo, atenção, concentração, respeito às regras e conceitos pedagógicos, a partir de atividades lúdicas. Importância do lúdico na estimulação cognitiva Uma das formas de desenvolver um programa de estimulação cognitiva é através do lúdico. O brincar tem função importante no aprimoramento das funções cerebrais, e proporciona vivências de autoconhecimento e autoestima (LIMA, PERDIGÃO, GOLLNER et al 2011). A ludicidade se configura como forma de comunicação da criança consigo mesma e com o meio, contribui na construção de identidade afetiva e moral, desenvolvimento da linguagem, pensamento, imaginação, criatividade, processos de escolha, tomada de decisão, dentre outros. Conforme as Diretrizes de Estimulação Precoce (BRASIL, 2016), a ludicidade é mais do que uma estratégia de trabalho, é uma característica da infância, já que a criança se desenvolve melhor brincando. As Diretrizes de Estimulação preconizam ainda que o brincar pode ser categorizado em fases, de acordo com o interesse e a idade da criança. No centro de reabilitação, considera-se essa organização dentro de um trabalho em grupo, com a utilização da ludoterapia no programa de estimulação. De acordo com Oaklander (1980), essa técnica favorece a criança ter consciência dos seus sentimentos, levando assim ao autoconhecimento e a modificação de suas ações no mundo. 469
Reabilitação: teoria e prática Vygotsky (1984) ressalta o ato de brincar na constituição do pensamento infantil. A brincadeira é o meio pelo qual se cria uma “zona de desenvolvimento proximal” que é a distância entre o nível atual ou real de desenvolvimento consolidado e o nível de desenvolvimento potencial intermediado pela orientação de um adulto. Para o estudioso, através da Figura 1: Recurso utilizado com música (Seu Lobato). Fonte: Arquivo pessoal Figura 2: Contação de História. Fonte: Arquivo pessoal 470
Estimulação cognitiva na síndrome de down Figuras 3 e 4: Montagem de quebra-cabeça. Fonte: Arquivo pessoal zona de desenvolvimento proximal se explica a relação desenvolvimento e aprendizagem (Figuras 1 a 4). Estimulação Cognitiva em Grupo Para fins de inclusão nos grupos de estimulação cognitiva no centro de reabilitação, uma avaliação inicial é realizada por uma equipe multidisciplinar, geralmente composta de psicólogo, médico, fonoaudiólogo, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. Na referida avaliação, observam- se características gerais do desenvolvimento e dinâmicas dos sujeitos envolvidos. Posteriormente, faz-se encaminhamentos necessários para setores específicos, como psicologia, terapia ocupacional e/ou outros. Um dos primeiros grupos de inserção de crianças recém-admitidas é o coordenado pela Psicologia, com o objetivo de orientar sobre o diagnóstico, prognóstico; bem como trabalhar a aceitação, vínculo mãe- filho e troca de experiências com as famílias. Outros procedimentos grupais são executados concomitantemente ou após encerramento de um ou outro, para a estimulação cognitiva na SD De acordo com o grupo que a criança for inserida, alguns instrumentos avaliativos são aplicados, tais como: Escala Vineland (Escala Vineland - Sparow, Cicchetti e Saulnier, 2019), para averiguar a funcionalidade e comportamento da criança no começo e finalização do grupo; Avaliação da Função na Escola (AFE); Checklist de Avaliação de 471
Reabilitação: teoria e prática Percepção Sensorial; Perfil Sensorial - versão abreviada e Questionário de Capacidades e Dificuldades (SDQ). As atividades grupais são estruturadas levando em consideração a anamnese e os resultados obtidos através dos instrumentos de avaliação. Os grupos são formados de acordo com a faixa etária (Figura 5). O programa de estimulação aplica técnicas específicas utilizando o brincar, de modo a preservar e/ou melhorar o desempenho de funções cognitivas. As atividades são previamente planejadas e pautadas, dentre outras fontes, em protocolos próprios do Centro e Diretrizes de Estimulação Precoce do Ministério da Saúde (2016), que apresenta orientações e técnicas de intervenção como subsídio aos profissionais de saúde. Sobre os materiais e recursos usados na estimulação é possível listar alguns exemplos, a partir do objetivo a ser trabalhado. Para a estimulação sensorial, utilizam-se diferentes texturas, consistências, temperaturas, cheiros e sabores, além de outros; de modo a incentivar a criança a fazer discriminações adequadas. No estímulo da percepção, faz-se uso de pareamento de formas, figuras, cores ou sombras. Já na orientação espaço-temporal, utilizam-se brinquedos como relógios, calendários e outros instrumentos lúdicos afins. Para maior efetividade no programa de estimulação cognitiva da criança com SD, é relevante considerar a participação e atuação da família durante todo o processo de reabilitação. Crianças com SD apresentam Figura 5: Estimulação em grupo. Fonte: Arquivo pessoal 472
Estimulação cognitiva na síndrome de down particularidades em seu desenvolvimento e aprendizagem, sendo fundamental o auxílio da família. Participação da Família Quando os pais recebem o diagnóstico de um filho com SD é comum a vivência de um luto pela contrariedade de suas expectativas, devido ao estigma e preconceito existente, ou mesmo ruptura com o ideal do filho imaginado. Nesse momento, é importante a mediação de profissionais com o propósito de amenizar o impacto trazido pelo diagnóstico, vislumbrar as possibilidades e não somente os aspectos negativos. A aceitação e a Figura 6: Participação familiar. Fonte: Arquivo pessoal compreensão do diagnóstico pela família podem fazer com que ela se torne um aliado importante no processo de reabilitação (Figura 6). A equipe multidisciplinar (fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psicólogos e psicopedagogos) contribui para estimular a família a respeitar e desenvolver um vínculo maior com as crianças com SD (NUNES, COSTA e FORTES, 2013), pois muitas vezes entraves se mantém dificultando o processo de reabilitação. Para Perin (2010), o envolvimento dos pais no processo de estimulação de crianças com problemas de desenvolvimento é 473
Reabilitação: teoria e prática imprescindível, uma vez que podem atuar como coterapeutas junto à equipe multidisciplinar. A família é o primeiro meio de socialização, estimulação e proteção da criança (CUNHA, 2010), por essa razão, deve ser alvo de grande atenção no processo de reabilitação, para aprimorar as condições cognitivas das crianças com SD. A participação da família influencia no desenvolvimento da criança, pois tem função de proporcionar suporte emocional possibilitando à criança estabelecer vínculos satisfatórios e garantir sua integridade física e psíquica (SALAVADOR; MESTRE; GOÑI et al, 1999). A família de uma criança com SD pode incentivar sua inserção nos vários ambientes, incluindo o da habilitação/reabilitação. Por isso, antes, durante ou após a realização dos grupos no centro, a família e/ou responsáveis podem ser direcionados para procedimentos de orientação e suporte. Sendo assim, o programa de estimulação cognitiva deve ter seguimento no âmbito familiar, para que ocorram benefícios em relação ao progresso dos potenciais da criança com SD e na interação dos familiares com as mesmas. Estimulação no contexto da Síndrome de Down Intervenções precoces são muito importantes no desenvolvimento de crianças com SD (SANTOS, WEISS e ALMEIDA, 2010; PERUZOLLO, OLIVEIRA, FILHEIRO e et al, 2015). A estimulação cognitiva em grupo para crianças com SD, com periodicidade continuada pode ser ainda um dos requisitos de um bom programa de estimulação precoce (GOIS, 2018), pela continuidade em que se mantêm os incentivos para o desenvolvimento humano e o acompanhamento multidisciplinar e interdisciplinar dos seres envolvidos. É importante considerar que é preciso suprir as necessidades individuais de cada criança com SD, pois existem diferenças individuais, como os fatores genéticos e as experiências pessoais que interferem nos efeitos da prática. Concorda-se com a afirmativa de Perin (2010, p.27) quando diz que “o estímulo une adaptabilidade do cérebro à capacidade de aprendizagem, que estimulando a criança abre-se um leque de oportunidades e experiências que a fará explorar, adquirir habilidades e entender o que ocorre ao seu redor”. Assim, a criança adequadamente estimulada aproveitará sua capacidade de aprendizagem e de adaptação ao seu meio, de uma forma simples, intensa e rápida. A participação familiar se mostrou importante para diminuir as limitações e favorecer as potencialidades da criança, como apontado por Barros, Vieira, Viana et al (2019) sobre a relevância da família no processo. 474
Estimulação cognitiva na síndrome de down A prática clínica permite verificar mudanças consideráveis no desenvolvimento dos aspectos relativos à aprendizagem e funcionalidade da criança com SD submetida à estimulação cognitiva precoce (Figura 7). Figura 7: Estimulação por equipe. Fonte: Arquivo pessoal Considerações Finais A SD é a causa genética mais comum de deficiência intelectual, responsável por uma série de comprometimentos no desenvolvimento neurológico dos indivíduos afetados, podendo afetar também o desenvolvimento físico, motor e psicossocial. A autonomia da criança está diretamente relacionada com o bom funcionamento das habilidades cognitivas que devem ser estimuladas de modo a minimizar suas dificuldades, desta forma é importante a estimulação cognitiva precoce. A estimulação cognitiva em grupos para crianças com SD, com periodicidade continuada pode ser um dos requisitos de um bom programa de estimulação. O engajamento familiar nas terapias melhora a evolução da criança, bem como a visão multidisciplinar da equipe de reabilitação. 475
Reabilitação: teoria e prática Referências bibliográficas BARROS, Daniela Ribeiro et al. O impacto do diagnóstico da Síndrome de Down: uma perspectiva psicológica. Temas em Saúde, p. 275-302. Faculdades Integradas de Patos. João Pessoa, 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Brasília: Secretaria de Atenção à Saúde/Ministério da Saúde, 2016. FERREIRA-VASQUES, Amanda Tragueta; ABRAMIDES, Dagma Venturini Marques; LAMÔNICA, Dionísia Aparecida Cusín. Consideração da idade mental na avaliação do vocabulário expressivo de crianças com Síndrome de Down. Revista CEFAC. USP, v. 19, n.2, p. 253-259, 2017. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1693/169350850013_2.pdf. Acesso em: 21 fev. 2020. DE LIMA FREIRE, Rosália Carmen; DE SOUZA DUARTE, Nietsnie; HAZIN, Izabel. Fenótipo neuropsicológico de crianças com síndrome de Down. Psicologia em Revista, v. 18, n. 3, p. 354-372, 2012. DOI: https://doi. org/10.5752/P.1678-9563.2012v18n3p354. GANZ, Jucélia et al. Programa de estimulação cognitiva “Ativamente” para o Ensino Infantil. Rev. Psicopedagogia, v. 32, n. 97, p. 14-25, 2015. GOIS, Irwina Karen da Frota; SANTOS JUNIOR, Francisco Fleury Uchoa. Estimulação precoce em crianças com síndrome de Down. Fisioterapia Brasil, v. 19, n. 5, 2018. Disponível em: https://portalatlanticaeditora.com. br/index.php/fisioterapiabrasil/article/view/1463/html. Acesso em: 01 mar. 2021. LAMPREIA, Carolina. Linguagem e atividade no desenvolvimento cognitivo: algumas reflexões sobre as contribuições de Vygotsky e Leontiev. Psicologia: reflexão e crítica, v. 12, p. 225-240, 1999. DOI: https://doi.org/10.1590/ S0102-79721999000100015. MATTOS, Bruna Marturelli; BELLANI, Cláudia Diehl Forti. A importância da estimulação precoce em bebês portadores de Síndrome de Down: revisão de literatura. Revista Brasileira de Terapias e Saúde, v. 1, n. 1, p. 51-63, 2010. MOREIRA, Lília; EL-HANI, Charbel N.; GUSMÃO, Fábio AF. A síndrome de Down e sua patogênese: considerações sobre o determinismo genético. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 22, p. 96-99, 2000. DOI: https://doi. org/10.1590/S1516-44462000000200011. NUNES, Francisca das Chagas; COSTA, Johnatan da Silva; FORTES, Maria Teresa G. O papel da família na interação de crianças portadoras da 476
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35 Abordagem fonoaudiológica na microcefalia Eliane Costa Araújo Ibiapina Lylian Mendes dos Santos Roberta Leal Gomes A Microcefalia faz parte dos inúmeros fatores que colocam o desenvolvimento adequado da criança em risco, integrando os fatores de risco biológicos que agravam a probabilidade de déficits no desenvolvimento neuropsicomotor. Condição que gera um impacto também no desenvolvimento da linguagem, intimamente vinculada a um conjunto de outros aspectos do desenvolvimento como condições orgânicas (integridade neurológica), sensoriais e perceptuais (visão e audição), condições sociais, afetivas e cognitivas (ARDUINO-MEIRELES, LACERDA, GIL-DA-SILVA LOPES, 2006). A estimulação precoce é um tratamento efetivo, que abrange crianças na faixa etária de 0 a 4 anos, que apresentam riscos para o Atraso do Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADNPM), que pode evitar e/ou minimizar os déficits psicomotores e de linguagem, além de auxiliar na relação mãe-bebê (NAVAJA, CANIATO, 2003). Os programas de intervenção precoce unem técnicas e conheci- mentos como é o caso de uma equipe multidisciplinar composta por fo- noaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo, educação especial e nutrição, que atuam nos diversos campos cerebrais (sensorial, motor, cognitivo e linguagem) (GIACCHINI, TONIAL, MOTA, 2013). Considerações sobre a microcefalia por zika vírus A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a Microcefalia como um achado clínico, no qual o recém-nascido (RN) possui um
Reabilitação: teoria e prática perímetro cefálico (PC) abaixo de - 2 ou mais desvios-padrão e microcefalia grave quando apresenta uma medição inferior a - 3 desvios-padrão. Tal medida cefálica deverá ser realizada por um profissional habilitado, com equipamentos e técnicas padronizadas, após 24 horas do nascimento e dentro da primeira semana de vida (QUIRINO et al. 2020). Esta alteração pode ser de origem genética ou não genética, portanto possui causas complexas e multifatoriais. Pode estar relacionada a heranças ou síndromes genéticas, desnutrição materna, uso de fármacos e drogas durante a gestação, síndromes metabólicas e infecções congênitas (PIRES et al. 2019). A infecção pelo vírus Zika (VZIK), apesar de conhecida desde 1942, ficou mais evidente a partir de 2007, devido a pandemia que se espalhou pela África, Ásia e Américas. Período, no qual ocorreram numerosas descrições de formas de acometimento do sistema nervoso central, especialmente as malformações relacionadas à infecção congênita, dando origem ao surto de casos de microcefalia, com maior impacto no Brasil e na Polinésia Francesa, que apresentam a linhagem asiática do vírus. No Brasil, durante o período de março de 2015 até fevereiro de 2016, houve um aumento em 20 vezes nos casos de microcefalia quando comparado a anos anteriores (RIBEIRO et al. 2017). Em 28 de novembro de 2015, com base nos resultados preliminares das investigações clínicas, epidemiológi- cas e laboratoriais, além da identificação do vírus em líquido amniótico de duas gestantes da Paraíba com histórico de doença exantemática durante a gestação e fetos com microcefalia, e da identificação de vírus Zika em tecido de recém-nascido com microcefalia que evoluiu para óbito no estado do Ceará, o Ministério da Saúde reconheceu a relação entre o aumento na pre- valência de microcefalias no Brasil com a infecção pelo vírus Zika durante a gestação (1,3). No dia seguinte, 29 de novembro, mudou a classificação desse evento, no âmbito do RSI, para potencial Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) (BRASIL, 2015, p.12). O déficit intelectual e as outras condições que abrangem epilepsia, paralisia cerebral, atraso no desenvolvimento de linguagem e/ou motor, estrabismo, desordens oftalmológicas, cardíacas, renais, do trato urinário dentre outros achados, são alterações comumente associados à microcefalia (BRUNONI, et al. 2016). 480
Abordagem fonoaudiológica na microcefalia Comprometimento motor grave, quadros convulsivos, anormali- dades auditivas e visuais, bem como comprometimento na qualidade do sono, foram identificados na maioria das crianças em pesquisa realizada no estado da Paraíba com 19 crianças com microcefalia, com idades entre 19 a 24 meses (PEDROSA et al. 2020). Conforme o autor supracitado, perante o contexto dos índices apresentados pela infecção congênita pelo VZIK, é indiscutível a importância da estimulação precoce e acompanhamento longitudinal dessas crianças por profissionais da reabilitação que compõem os serviços da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Essa rede tem como centro de comunicação a Atenção Primária à Saúde (APS), responsável pela coordenação do cuidado e organização do fluxo de atendimento para o acompanhamento das condições complexas de saúde dessa população, combinado com o acompanhamento pelo programa de estimulação precoce. Segundo o Protocolo de Atenção à Saúde da Criança com Microcefalia associada ao Zika vírus, a criança deve ser atendida por uma equipe multiprofissional para que suas potencialidades sejam trabalhadas e desenvolvidas. Reconhecer os sinais de alerta é o primeiro passo para o diagnóstico precoce e encaminhamento correto para a RAS. O profissional deve ser capacitado e conhecedor dos fluxos do sistema de saúde e os locais para referenciar o paciente a fim de oferecer assistência e orientações adequadas à família da criança com microcefalia e facilitar o seu itinerário terapêutico (BRASIL, 2016). É objetivo da Estimulação Precoce (EP) possibilitar a criança desenvolver-se em toda a sua capacidade. E quanto mais imediata for a intervenção, preferencialmente antes dos 3 anos de idade, maiores são as chances de prevenir e/ou minimizar a instalação de padrões posturais e movimentos anormais. A intervenção precoce baseia-se em atividades que desenvolvem a criança de acordo com a fase em que ela se encontra. Assim, implementa-se um conjunto de ações que objetivam alcançar o pleno desenvolvimento, dentro das suas limitações (HALLAL et al, 2008). A fonoaudiologia na estimulação precoce A intervenção precoce fonoaudiológica tem um papel fundamental para o bom desenvolvimento neuropsicomotor de crianças que são acometidas por infecções congênitas, porém a microcefalia tem sido um desafio para os profissionais da saúde e familiares, pois a escassez de estudos e pesquisas nessa área dificulta a conduta dos profissionais e consequentemente das famílias. Essas crianças são acometidas por déficits motores, cognitivos, auditivos, déficit de linguagem, comportamento, 481
Reabilitação: teoria e prática retardo mental entre outras alterações, por tanto a intervenção precoce é fundamental para aquisição das habilidades de compreensão e expressão, necessárias para a socialização desses sujeitos (ALVINO et al, 2016). A estimulação da comunicação e linguagem voltada à criança com alterações neurológicas deve tornar mais eficientes ou ampliar suas possibilidades de expressão (fala, gestos, expressões faciais, uso de alternativas de comunicação), enriquecer o seu ambiente linguístico e favorecer a compreensão da linguagem. Deve ainda abranger situações comunicativas da criança em diversos contextos e proporcionar uma participação mais ativa nas interações sociais, uma vez que é na interação e mediação que o ser humano constitui formas de expressão, compreensão e ação no mundo. Portanto, estimular a comunicação e linguagem significa deter o olhar além da produção oral da língua. É necessário focar nas funções da linguagem, comunicação, interação e cognição, buscar e criar instrumentos que possam mediar a ação da criança e capacitar seus interlocutores na utilização dessas formas de interação (BRASIL, 2016). Contudo entende-se que a estimulação precoce abrange aspectos que podem minimizar sequelas neuropsicomotoras de linguagem,socialização e ajudar a melhorar vínculo mãe/bebê objetivando o melhor desenvolvimento possível.Em casos específicos de crianças com microcefalia ressalta-se ainda mais a importância de articulações entre os centros de reabilitações e atenção básica para um suporte qualificado de intervenções conjunta.(BRASIL, 2016). Os primeiros anos de vida são a fase em que o cérebro se desenvolve mais rapidamente, constituindo uma janela de oportunidades para o estabelecimento das fundações que repercutirão em uma boa saúde e produtividade ótima no futuro (UNICEF, 2015). Dentre as dificuldades em crianças neurológicas, principalmente com microcefalia aparece a disfagia, que causa riscos de pneumonia aspirativa por conta das dificuldades alimentares e de deglutição (FARIA; FEITOSA; CANUTO, 2020). No desenvolvimento auditivo o fonoaudiólogo desempenha um papel importante quanto ao diagnostico precoce em crianças com alterações auditivas, uma vez que a audição desempenha um papel importante no desenvolvimento global da criança, especialmente em relação à aquisição da linguagem. Devido à grande plasticidade neuronal existente, o diagnóstico da deficiência auditiva (DA) é extremante importante nos primeiros seis meses de vida, pois este período é considerado como crítico e ideal para a estimulação e desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem. Repercussões emocionais, educacionais e sociais podem ocorrer quando 482
Abordagem fonoaudiológica na microcefalia não detectada a DA e não iniciada a intervenção adequada nesse período. A identificação tardia irá repercutir drasticamente na capacidade de comunicação das crianças, pois as impossibilitará de receber o tratamento adequado em período oportuno (SOARES, MARQUES, FLORES 2008) O desenvolvimento da linguagem tem sido bastante estudado pela sua grande importância nos três primeiros anos de vida da criança, que constitui uma etapa do desenvolvimento caracterizada por aquisição de novas funções e habilidades e pela plasticidade cerebral. Nessa fase, ocorrem grandes avanços nas áreas motora, cognitiva e social, assim como a aquisição e domínio da linguagem, essenciais para o desenvolvimento global e a aprendizagem da criança. Assim a intervenção fonoaudiológica é primordial no estímulo da comunicação intencional, na compreensão da linguagem, no desenvolvimento da sua funcionalidade e adequação das funções orofaciais. Sabe-se que quanto mais precoce for a intervenção, melhores serão os resultados atingidos. É importante maximizar o potencial de cada criança, promover um ambiente favorável, orientar e estimular a participação dos pais (CANIEL et al, 2017). A clínica de microcefalia O objetivo é reabilitar crianças com microcefalia ligados ao Zika através da Estimulação Precoce, seguindo os protocolos do Ministério da Saúde: “Vigilância e resposta a ocorrência da microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central; Atenção à saúde e resposta à ocorrência da microcefalia e diretrizes de estimulação precoce de zero a três anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.” (2016; p. 30) Os atendimentos têm como objetivo proporcionar dicas, dinâmicas e estratégias para facilitar a rotina individual de cada paciente. Deve ser enfatizada a importância do brincar de forma funcional, disponibilizando opções de confecções de brinquedos e materiais para uso pessoal (calça de posicionamento e cadeira de postura) a fim de facilitar e agregar no processo de estimulação durante os atendimentos e no ambiente domiciliar. Assim como a realização de intervenções fonoaudiológicas específicas e individuais relacionadas à alimentação aos que apresentam demanda. O programa da microcefalia pode ser construído por meio de grupos de Estimulação Precoce (fonoaudiologia e psicologia), atendimentos individuais de Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia para casos mais graves de disfagia, além do monitoramento auditivo de todas as crianças e acompanhamento na clínica médica para todos os casos. O trabalho e empenho fonoaudiológico caracteriza-se em atendimentos individuais e em grupo de acordo com a necessidade 483
Reabilitação: teoria e prática observada na criança, com abordagem de demandas relacionadas a alterações alimentares de deglutição atenuando riscos com manobras de segurança para uma deglutição segura e funcional, além da estimulação de linguagem. Dessa forma algumas abordagens foram criadas para melhor estimular essas crianças diante da recomendação do Ministério da Saúde e Secretaria de Atenção à Saúde. Para iniciar terapia fonoaudiológica, os pacientes passam por uma triagem auditiva com realização de exames como emissões otacústicas solicitadas pelas equipes de fonoaudiólogos para confirmação de perda auditiva. Dinâmicas Os encontros acontecem em grupos e as atividades são planejadas semanalmente (Tabelas 1 e 2): Tabela 1: Exemplos de atividades planejadas para crianças com microcefalia. Encontro Atividade Objetivo Objetivos Descrição/ Semanal geral específicos metodologia da atividade Intergra- Promover co- Esclarecer sobre Ministrar uma çãoFonoau- nhecimento consistência palestra com diologia e relacionado alimentar; conhecer a participação Nutrição a aspectos sobre aspectos da nutrição e alimentares nutricionais da fonoaudiologia; Práticas alimentação infantil de Fono – Promover Serão apresentados Motricidade melhor fun- Avaliar e orientar as recursos/ oral cionalidade mães quanto a esti- instrumentos de OFA’S e mulação dos ofa’s fonoaudiólogos onde linguagem as mães terão que colocar em prática o aprendizado dentro do grupo Nas Tabelas 1 e 2 e Figuras 1 a 5 é possível observar as atividades direcionadas à estimulação de linguagem através do brincar de forma funcional abrangendo as áreas sensoriais: visual, tátil, auditiva e de 484
Abordagem fonoaudiológica na microcefalia Tabela 2: Exemplos de atividades específicas – atendimento individual – Disfagia. Demanda Objetivo Objetivo específico Descrição da atividade Disfagia Promover Adequação de Realizado de forma individual a melhoria e postura, utensílios, maneira adequada de postura, volume adequação consistência e utensílios ideias para cada criança. da alimentar e volume Assim como manobras e exercícios deglutição do alimento. fonoaudiológicos necessários para funcional promover alimentação segura Figura 1: Trabalhando os órgãos fonoarticulatórios (força e tônus). Fonte: Arquivo pessoal Figura 2: Estimulando a linguagem (percepção auditiva e sensorial). Fonte: Arquivo pessoal 485
Reabilitação: teoria e prática Figura 3: Estimulação tátil sensorial. Fonte: Arquivo pessoal Figura 4: Estimulação da linguagem através de nomeação e ilustração. Fonte: Arquivo pessoal 486
Abordagem fonoaudiológica na microcefalia Figura 5: Estimulação da linguagem usando recursos táteis e afeto mãe e filho. Fonte: Arquivo pessoal Figura 6: Estimulação da propriocepção dos órgãos fonoarticulatórios para favorecer o melhor padrão de deglutição (alimentação). Fonte: Arquivo pessoal 487
Reabilitação: teoria e prática propriocepção. Assim como dinâmicas e condutas relacionadas ao aspecto motor oral no que diz respeito à funcionalidade dos Orgãos Fonoarticulatórios - OFA´S e padrão de deglutição. Grupo Orientação Continuada - GOC O grupo é composto por terapeutas da fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional e profissionais dos setores de arteterapia, musicoterapia e psicopedagogia, assim como profissionais assistentes sociais e medicina participam de alguns encontros do grupo. O GOC proporciona as seguintes atividades: Identificação da Rede de Apoio Psicossocial; Identificação das necessidades da família; Reconhecimento das rotinas da família; Construção do plano individualizado; Realização de orientações; Avaliação continuada do processo; Construção do plano individualizado de orientação após alta e encaminhamentos necessários. Considerações finais A Fonoaudiologia tem um importante papel no processo de Estimulação Precoce na assistência as crianças com microcefalia, garantindo atendimento de forma individualizada e integrada através de grupos, contribuindo tanto de forma avaliativa quanto terapêutica favorecendo condutas adequadas a cada paciente com respeito à individualidade, necessidades e limitações. A intervenção fonoaudiológica baseia-se no estímulo da comunicação intencional, melhora da compreensão da linguagem, com desenvolvimento da sua funcionalidade e adequação das funções orofaciais. Quanto mais precoce for a intervenção, melhores serão os resultados atingidos. É importante maximizar o potencial de cada criança, promover um ambiente favorável, orientar e estimular a participação dos pais e familiares. Referências bibliográficas ALVINO, Ana Catarina Matos Ishigami; MELLO, Luísa Rocha Medeiros de; OLIVEIRA, Jucille do Amaral Meneses Meira de. Associação de artrogripose em neonatos com microcefalia pelo Zika vírus-série de casos. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v. 16, p. S83-S88, nov. 2016. ARDUINO-MEIRELLES, Ana Paula; LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de; GIL- DA-SILVA-LOPES, Vera Lúcia. Aspectos sobre desenvolvimento de linguagem oral em craniossinostoses sindrômicas. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 18, p. 213-220, 2006. 488
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36 A psicologia na intervenção precoce de crianças com microcefalia Leila Maria Almeida Rocha Alice Dolores Magalhães Carneiro As contribuições da psicologia na intervenção precoce de crianças com microcefalia dentro de um centro de reabilitação abrangem um conjunto de ações e estratégias com objetivo de favorecer o desenvolvimento neuropsicomotor da criança, o bem estar emocional da família, cuidadores e todos envolvidos nos cuidados com o paciente. A intervenção precoce promove janelas de oportunidades para o desenvolvimento da criança logo após o nascimento, além de contribuir para minimizar o comprometimento e melhorar qualidade de vida da criança, assim como dos familiares. A proposta de intervenção da clínica de microcefalia é estimular a criança em seu desenvolvimento global através do trabalho em equipe multidisciplinar. Microcefalia De acordo com o Ministério da Saúde (2017), a microcefalia é a manifestação mais marcante da síndrome congênita associada à infecção pelo vírus Zika (SCZ) compreende um conjunto de sinais e sintomas apresentados por crianças nascidas de mães infectadas por esse vírus durante a gestação (FRANÇA, et al, 2018). A síndrome congênita associado
Reabilitação: teoria e prática ao Zika também pode incluir alterações oculares, desproporção craniofacial e algumas deformidades articulares e de membros, mesmo que na ausência de microcefalia. A microcefalia é uma condição na qual a criança apresenta medida da cabeça substancialmente menor, ou seja, o perímetro cefálico abaixo de -2 desvios-padrão para idade e sexo de acordo com curvas de referência; é um sinal clínico e não uma doença. Os recém-nascidos (RNs) com microcefalia correm o risco de atraso no desenvolvimento e incapacidade intelectual, podendo também apresentar convulsões e incapacidades físicas, incluindo dificuldades auditivas e visuais. No entanto, algumas dessas crianças terão o desenvolvimento neurológico normal (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). A partir da epidemia de vírus Zika, que afetou gravemente o nordeste do Brasil no primeiro semestre de 2015, médicos da região observaram a forte associação de malformações congênitas e condições neurológicas com a infecção durante a gestação, levantando à necessidade do monitoramento integrado das malformações congênitas consequentes. O Ministério da Saúde adotou determinações operacionais com base na medida do perímetro cefálico, para identificar o maior número de RNs para investigação. Em março de 2016, uma definição padrão internacional para microcefalia foi adotada, alinhada às orientações da OMS, para crianças a termo medidas de 31,5 cm para meninas e 31,9 cm para meninos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2017). O Ministério da Saúde (2017) posteriormente, seguindo a OMS, recomendou que se adotasse como referência para as primeiras 24-48h de vida os parâmetros de InterGrowth para ambos os sexos. Nessa nova tabela de referência, para uma criança que nasceu com 37 semanas de gestação, a medida de referência é 30,24 cm para meninas e 30,54 cm para meninos. No entanto, é preciso que seja consultada a tabela para cada idade e sexo, e a medida deve ser aferida com a maior precisão possível. Além da microcefalia congênita, uma série de manifestações, in- cluindo desproporção craniofacial, deformidades articulares e de membros (membros artrogripóticos), alterações do tônus muscular, alteração de postura, exagero dos reflexos primitivos, crises epilépticas, espasticidade, convulsões, irritabilidade, disfunção do tronco encefálico, problemas de deglutição, contraturas de membros, anormalidades auditivas e oculares, e anomalias cerebrais detectadas por neuroimagem tem sido relatadas entre neonatos que foram expostos ao vírus Zika durante a gestação; a microce- falia tem sido a principal alteração observada em crianças com história de infecção pelo vírus Zika. 492
A psicologia na intervenção precoce de crianças com microcefalia Esta principais alterações neurológicas são identificadas em crianças com a síndrome congênita e devem ser observadas no exame neurológico e na anamnese das crianças o mais precoce possível. O cuidado à saúde da criança, por meio do acompanhamento do desenvolvimento nos primeiros anos de vida é tarefa essencial para a promoção à saúde, prevenção de agravos e a identificação de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. A habilitação/reabilitação de crianças com microacefalia A reabilitação das crianças com microcefalia por Zika vírus iniciou em 2015 com objetivo de atender as crianças dentro do que preconizam as diretrizes para estimulação precoce, para estimular o desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) e minimizar possíveis prejuízos em todas as áreas do desenvolvimento. O trabalho desenvolvido na habilitação/reabilitação das crianças com microcefalia é direcionado à intervenção precoce e envolve equipe multidisciplinar. Nessa proposta de intervenção, o setor de psicologia atua com grupos de estimulação precoce, grupo de acolhimento às demandas dos pais; curso para pais egrupos de orientação continuada. A intervenção precoce ajuda a prevenir ou minimizar danos à saúde do bebê. Estimular cérebros infantis não apenas os ajuda, como aguça a sensibilidade e anima o afeto de quem a propõe. Desta maneira, dispor de bases educacionais para estimular o cérebro de uma criança é tarefa essencial e insubstituível, que favorece a cognição, pensamento, linguagem, inteligência e memória de quem recebe (ANTUNES, 2011). A psicologia tem um papel fundamental no processo de habilitação/ reabilitação das crianças com microcefalia, além de realizar atividades que promovem a estimulação cognitiva, atua com as famílias acolhendo e incentivando as estratégias de reabilitação juntamente com uma equipe preparada para mediar estas demandas. Grupo de estimulação precoce A estimulação das crianças com microcefalia tem como objetivo alcançar o máximo de oportunidades para desenvolver o mais cedo possível a criança e ampliar suas competências, sempre pautado no marco do desenvolvimento típico, que servirá como parâmetro para avaliar e mensurar comprometimentos e evoluções. O grupo de estimulação precoce trabalha com abordagem de caráter sistemático e sequencial, utiliza técnicas e recursos terapêuticos capazes de estimular todos os domínios que interferem na maturação 493
Reabilitação: teoria e prática da criança, de forma a favorecer o desenvolvimento motor, cognitivo, sensorial, linguístico e social, evitando ou amenizando eventuais prejuízos. Entende-se que o desenvolvimento infantil é um processo multidimensional que se inicia já na vida intrauterina e que engloba o crescimento físico e a maturação neurológica, comportamental, cognitiva e afetiva da criança. Tomando como base o entendimento sobre o desenvolvimento infantil, busca-se, nestes primeiros anos de vida, trabalhar para minimizar o surgimento de prejuízos no desenvolvimento das habilidades motoras, cognitivas e sensoriais e de linguagem. No período que compreende os três primeiros anos de vida da criança ocorre o processo de maturação do sistema nervoso central, sendo a fase ótima da plasticidade neuronal. Tanto a plasticidade quanto a maturação dependem da estimulação. O setor de psicologia juntamente com a equipe multiprofissional tem protocolo para estimulação precoce e apresenta como meta, ampliar as competências da criança, tendo como referência os marcos do desenvolvimento típico e reduzindo, desta forma, os efeitos negativos de uma história de riscos. Lima e Fonseca (2004) referem que a plasticidade neural fundamenta e justifica a intervenção precoce para bebês que apresentem risco potencial de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor. Isso porque é justamente no período inicial da vida que o indivíduo é mais suscetível a transformações provocadas pelo ambiente externo. Na proposta de intervenção, o grupo de estimulação precoce do setor de psicologia tem como objetivo desenvolver cognitivamente a criança, fornecer estímulos necessários, além de avaliar através de escalas o grau de comprometimento neurológico, de acordo com os marcos do desenvolvimento infantil. Para estimulação precoce utilizam-se brinquedos, objetos, recursos, para estimular o desenvolvimento global. Os brinquedos e as atividades lúdicas proporcionam à criança o desenvolvimento afetivo, social, cognitivo e a linguagem, habilidades que a criança necessita para crescer em harmonia com o meio em que vive. Para isso assegura-se a qualidade dos estímulos utilizados, o interesse e às possibilidades de cada criança e o respeito ao seu tempo.. A estimulação precoce cognitiva de bebês ou crianças promove a harmonia do desenvolvimento entre vários sistemas orgânicos funcionais como as áreas: sensorial, perceptiva, linguística, emocional, social e motora, dependentes ou não da maturação do Sistema Nervoso Central. Quanto mais tarde a criança iniciar a estimulação precoce, provavelmente mais comprometido será seu desenvolvimento. 494
A psicologia na intervenção precoce de crianças com microcefalia No ambiente da estimulação precoce, pontua-se o trabalho do psicólogo na estimulação cognitiva das crianças com microcefalia. A psicologia trabalha para estimular as funções: percepção, a atenção, associação, memória, raciocínio, imaginação, pensamento e linguagem, primordiais na aquisição do conhecimento. Oportuniza-se a construção de recursos lúdicos com objetivo de estimular as crianças e orientar familiares quanto às estratégicas lúdicas para utilizar com as crianças (Figuras 1 e 2). Nas propostas de atividades lúdicas por exemplo, os objetivos estão direcionados para estimular a cognição da criança e desta forma atingir a atenção, a percepção das coisas e objetos assim como das pessoas e com isto favorecer as funções cognitivas, assim como a socialização e afetividade da criança. Figura 1: Estimulação sensorial. Fonte: arquivo pessoal. Figura 2: Estimulação sensorial. Fonte: arquivo pessoal. 495
Reabilitação: teoria e prática Grupo de acolhimento às famílias Um dos procedimentos primordiais no atendimento de crianças com microcefalia é o grupo de acolhimento aos pais, familiares e cuidado- res. O grupo tem o objetivo de acolher, e atender quando possível, as de- mandas das famílias ou cuidadores, trabalhar a aceitação do diagnósticos, das perdas, das mudanças de rotinas e demais situações que possam surgir durante o acompanhamento. O grupo tem duração de três meses, com en- contros semanais com os pais, familiares e /ou cuidadores, e a percepção é de que tem bastante importância no contexto de reabilitação, pois asse- gura muitas vezes a reabilitação das crianças no que se refere à adesão ao tratamento, com acolhimento das demandas dos pais, cuidadores e orien- tações fornecidas. As famílias tem um espaço reservado para dialogar sobre suas ne- cessidades com o psicólogo responsável pelo grupo, expondo suas neces- sidades, que podem impactar na aceitação do diagnóstico, na elaboração das demandas cotidianas que surgem desde o nascimento da criança com microcefalia e no processo de reabilitação, ou seja, na conscientização de uma nova realidade que inclui os cuidados com o filho. O acolhimento realizado pela psicologia é fundamental no percur- so da reabilitação, aumenta o elo de confiança entre os familiares, pais e /ou cuidadores e os profissionais, contribui para o aumento da adesão às terapias e o compromisso das famílias, além de ajudar na elaboração do luto do filho idealizado. O profissional da psicologia desenvolve estratégias que possibilitem atingir os objetivos do grupo em um intervalo programado e com encontros semanais, abrangendo todos os envolvidos no cuidado com a criança. A intervenção, com a participação das famílias durante o atendimento, tem como foco principal alcançar os objetivos funcionais das crianças e orientar pais, familiares e cuidadores para a continuidade das estratégias de estimulação, pois a família é peça fundamental nesse processo. O manual de atenção à criança com Síndrome Congênita do Zika – Relato de experiência de uma abordagem centrada na família desenvolvido pelo NUTEP/UNICEF (2017), refere sobre a importância do envolvimento familiar nas ações de reabilitação direcionadas às crianças com distúrbios motores, focando na promoção do cuidado e do potencial funcional em parceria com a família, neste sentido percebe-se o desejo de um processo ativo de colaboração mútua, com o terapeuta compartilhando informações 496
A psicologia na intervenção precoce de crianças com microcefalia sobre as atividades recomendadas para o desenvolvimento, e os pais ou cuidadores participando na definição de objetivos prioritários e fornecendo informações sobre as preferências e interesses para o tratamento de seus filhos. A terapia de grupo com os pais tem um efeito positivo na reabilitação pois as experiências são compartilhadas e os depoimentos ajudam na elaboram dos sentimentos em relação ao filho esperado durante a gestação contribuindo para a aceitação do filho/a real. Curso para pais O curso para pais da clínica de microcefalia fornece informações relevantes aos pais, familiares ou cuidadores sobre o processo de reabilitação desde o diagnóstico ao prognóstico, com o propósito de dar continuidade às estratégias que são utilizadas na estimulação, as orientações e esclarecer dúvidas. Estas orientações acontecem por meio de palestras e cursos com uma programação estabelecidas. Os objetivos são esclarecer sobre os aspectos relacionados à situação clínica e à busca de estratégias para lidar com necessidades e dificuldades; orientar e apoiar as famílias para aspectos específicos de adaptação do ambiente e rotina doméstica que possam ampliar a mobilidade, autonomia familiar e pessoal; informar sobre atividades, estratégias e intervenções possíveis para favorecer a reabilitação; orientar cuidadores, acompanhantes e familiares como agentes colaboradores no processo de reabilitação. O curso acontece com encontros semanais, ministrados por profissionais da equipe multidisciplinar. O curso para pais ocorre na forma de ciclo de palestra com participação de pais, por tempo pré-determinado, com esclarecimentos de profissionais de áreas específicas sobre temas relacionados à microcefalia e suas implicações no desenvolvimento. Certificação é entregue ao final do curso aos participantes. Grupo de orientação continuada O grupo de Orientação Continuada é importante na reabilitação e tem objetivo de acompanhar e orientar a família em todas as demandas da criança/ família para melhorar a qualidade de vida do paciente. No grupo o trabalho é multiprofissional com participação da Psicologia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Serviço Social e Psicopedagogia (a depender da demanda/idade), tendo como 497
Reabilitação: teoria e prática objetivos gerais orientar cuidadores e familiares sobre diagnóstico e prognóstico, manutenção e aperfeiçoamento da funcionalidade; escutar e acolher as demandas apresentadas pelos familiares/cuidadores; orientar como estimular adequadamente as dificuldades relatadas, no que se refere à estimulação sensorial/motora, percepto/cognitiva nos diferentes ambientes; orientar sobre a importância da continuidade da estimulação no contexto do domicílio; monitorar a existência de novas demandas e promover os encaminhamentos necessários; monitorar retornos em clínica de origem; acompanhar necessidade de assistência ao paciente em outros níveis de atenção à saúde e promover encaminhamentos necessários. A participação da psicologia é importante no grupo e tem como objetivos orientar familiares/cuidadores sobre o processo de desenvolvimento da criança, abrangendo as esferas familiar, escolar e psicossocial; esclarecer e orientar sobre os aspectos comportamentais e auxiliar a família na busca de estratégias para lidar com necessidades e dificuldades que possam surgir no decorrer do processo de desenvolvimento da criança. De acordo com o Protocolo de Atenção à Saúde e Resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo Zika vírus (2016), apud COSTA, (2013) a estimulação precoce, também no âmbito das habilidades cognitivas e sociais, funciona como um instrumento adicional que previne ou atenua possíveis atrasos ou defasagens especialmente nos três primeiros anos da evolução infantil. As crianças podem participar de um grupo de orientação continuada com objetivo de atender as necessidades específicas de cada um e com orientações pertinentes ao cotidiano de cada criança e família. Destaca-se a importância do trabalho da equipe multiprofissional que envolve até a família da criança, cujo papel é central em seu desenvolvimento. Relato de experiência As crianças permaneceram em estimulação por um período de três anos, em obediência as orientações do Ministério da saúde que preconiza que as crianças com microcefalia devem permanecer em estimulação até os três anos de idade como forma de aproveitar o máximo do potencial e favorecer oportunidades para o neurodesenvolvimento. Estas crianças eram avaliadas em seu DNPM no início do grupo e a cada três meses com o objetivo de acompanhar a evolução. O grupo de estimulação precoce envolve psicólogos, crianças e suas respectivas mães na faixa etária entre dois a quatro meses de nascimento, tendo continuidade por um período de três anos. 498
A psicologia na intervenção precoce de crianças com microcefalia Todas as crianças do grupo tem atraso no DNPM de acordo com a escala de avaliação do nível de desenvolvimento mental e social da criança adaptado por Ursula Heymeyer. Estas crianças apresentaram perfil com comprometimento nas áreas: comunicação e linguagem; comportamento social, atenção e interesses, relação afetiva, visual, motora, inteligência e aprendizado de acordo com a avaliação inicial através da escala utilizada. Durante o grupo os psicólogos realizam as atividades programadas para estimular as funções globais das crianças contemplando esferas cognitivas, sensoriais, motoras, linguagem e pensamento, social e afetiva (Figuras 3, 4 e 5). Durante o acompanhamento de três anos percebe-se que a resposta aos estímulos acontece de acordo com o perfil de cada criança, seu nível de desenvolvimento e comprometimento. A participação da família na estimulação precoce das crianças é necessária para intensificar e estender a estimulação ao ambiente domiciliar. Após a idade de três anos, as crianças do grupo de estimulação participam de avaliação multiprofissional para discutir estratégias e possibilidades para continuidade à estimulação em ambiente de reabilitação, e podem ser direcionadas a outro procedimento chamado grupo de orientação continuada. Figura 3: Contação de história. Fonte: arquivo pessoal. 499
Reabilitação: teoria e prática Figuras 4 e 5: Estimulação sensorial Fonte: arquivo pessoal. Considerações finais A intervenção precoce favorece o desenvolvimento neuropsicomotor da criança com microcefalia, a qualidade de vida e o bem estar emocional de todos os familiares envolvidos com a reabilitação. O trabalho da psicologia na habilitação/reabilitação de crianças com microcefalia está direcionado para observação, avaliação e intervenção detalhada sobre o indivíduo, dos processos vivenciados pela família, com atuação focada no acolhimento, na conscientização de uma realidade atual mesmo diante das limitações e potencialidades que vão surgindo ao longo da vida do paciente. A reabilitação intelectual dessas crianças, além de minimizar danos, contribui para fortalecer a parceria entre responsáveis/cuidadores e equipe de reabilitação, tendo um importante papel social no cotidiano de muitas famílias. Referências bibliográficas ANTUNES, Celso. Guia para estimulação do cérebro infantil: do nascimento aos 3 anos. Rio de Janeiro: Ed. Petrópolis: Vozes, 2011. 500
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