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Reabilitação Teoria e Prática

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2022-07-14 19:31:45

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Aspectos emocionais e sexualidade após lesão medular As atividades são previamente planejadas pela psicóloga responsável pela organização. As atividades desenvolvidas nos encontros envolvem dinâmicas de grupo com o intuito de trabalhar sensibilização em relação ao tema, estimulação dos sentidos para proporcionar aos mesmos um maior conhecimento a respeito de suas potencialidades, ampliar o conhecimento a respeito do tema sexualidade e melhorar a autoestima. Além destas atividades, realiza-se também palestra com a participação da equipe multidisciplinar, sempre envolvendo temáticas relacionadas à sexualidade e todo seu contexto, envolvendo orientação, informação e prevenção. A programação do grupo GOS ainda envolve a participação de um paciente do centro de reabilitação acometido por lesão medular, este é convidado através da psicóloga responsável pelo grupo para uma roda de conversa. Nesta atividade ele expõe para os participantes do grupo sua experiência pessoal em relação à sexualidade. São utilizados ainda textos de reflexão, filmes e vivências para tornar a experiência mais dinâmica e motivadora, buscando sempre envolver e motivar os pacientes a expor suas reais necessidades no grupo. Ao fim de cada programação é realizado um momento de integração e troca de experiências com os pacientes do grupo e realizado os devidos encaminhamentos dentro do setor da psicologia, aqueles pacientes que ainda apresentam demandas terapêuticas são encaminhados para atendimento individual, grupo de pacientes ou orientação familiar. Os que não apresentam demandas recebem alta da psicologia e permanecem somente nas outras terapias que já estão realizando. Considerações finais A lesão medular causa impactos emocionais, físicos e sociais na vida das pessoas acometidas e que refletem na sua sexualidade. As modificações físicas causam impacto na autoimagem, contribuindo assim para o surgimento de emoções negativas relacionadas à sexualidade e rebaixamento da autoestima. Pessoas acometidas por lesão medular frequentemente possuem alterações nas emoções. Dentre os transtornos mais frequentes estão o desenvolvimento de ansiedade e depressão. Pessoas com lesão medular normalmente possuem mais chances de apresentar alterações na identidade sexual, bem como, diminuição da autoestima e uma maior fragilidade nos relacionamentos, tanto nas dimensões afetivas como sexuais. As sequelas emocionais decorrentes da LM podem diminuir o desejo sexual. O uso de medicações também pode contribuir para o rebaixamento do desejo sexual. 201

Reabilitação: teoria e prática O programa de reabilitação com a equipe multidisciplinar exerce um papel de extrema importância para a reconstrução da identidade sexual, possibilitando a oportunidade de obter informações necessárias sobre a real condição física, social e emocional. A psicologia exerce uma função indispensável nesse aspecto, buscando através de suas atividades desenvolver o bem estar relacionado à sexualidade para facilitar o fortalecimento da autoestima e proporcionar a melhoria da qualidade de vida. Sabe-se que muitas mudanças corporais após a LM são irreversíveis e causam impactos importantes, portanto a reabilitação sexual realizada por uma equipe multidisciplinar pode atenuar as consequências negativas da LM. No entanto o processo de reabilitação física precisa ser focado na comunicação, favorecendo benefícios físicos e psicológicos aos sujeitos acometidos por lesão medular, favorecendo assim a melhora na motivação, esperança, aumento da autoconfiança e aceitação. Referências bibliográficas ANDERSON, K. D. et al. The impact of spinal cord injury on sexual function: concerns of the general population. Spinal Cord, v. 45, n. 5, p. 328-337, 2007. ANDERSON, K. D. et al. Spinal cord injury influences psychogenic as well as physical components of female sexual ability. Spinal Cord, v. 45, n. 5, p. 349-359, 2007. BASSON, Rosemary. Sexual health of women with disabilities. Cmaj, v. 159, n. 4, p. 359-362, 1998. BIERING-SØRENSEN, Fin; SØNKSEN, Jens. Penile erection in men with spinal cord or cauda equina lesions. In: Seminars in neurology, p. 98-105, 1992. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à pessoa com lesão medular. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2015. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_pessoa_ lesao_medular_2ed.pdf Acesso em: 14 fev. 2021. CRAIG, Ashley et al. Cognitive impairment and mood states after spinal cord injury. Journal of neurotrauma, v. 34, n. 6, p. 1156-1163, 2017. HAWKES, Sarah. Sexual health: a post-2015 palimpsest in global health? The Lancet Global Health, v. 2, n. 7, p. e377-e378, 2014. HESS, Marika J.; HOUGH, Sigmund. Impact of spinal cord injury on sexuality: broad-based clinical practice intervention and practical application. The journal of spinal cord medicine, v. 35, n. 4, p. 211-218, 2012. KASUM, Miro et al. Improvement of sexual and reproductive function in 202

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13 Perfil sociodemográfico e causas de amputações em pacientes de um centro de reabilitação de referência Rafael Levi Louchard Silva da Cunha Os acidentes de trânsito configuram um problema grave em nível global, trazendo repercussões sociais, psicológicas, econômicas, ambientais e no setor saúde, acometendo sobretudo os adultos jovens e do gênero masculino (MONTE et al., 2019). As amputações consistem na remoção de um segmento do corpo de forma parcial ou total, tendo como principais causas o diabetes e os traumas inerentes aos acidentes de trânsito. As estimativas mundiais para as amputações de membros giram em torno de um milhão de procedimentos por ano, sendo o Brasil um dos maiores recordistas com cerca de 40mil/ano, com 85% dos casos em membros inferiores (BARBOSA et al., 2016; COLEN et al., 2021). A população de pacientes amputados no CEIR é majoritariamente do gênero masculino (69,85%), adulta com faixa etária média de 56,49 ± 14,15 anos, casada (33,09%), parda (27,94%) e procedente da capital do Estado (76,84%) (Tabela 1). Silva et al. (2018) evidenciou que a prevalência do gênero masculino também foi preponderante, estando atrelada à excessiva exposição que os homens se sujeitam, das atividades de risco que realizam na sociedade. Cardozo-Gonzales, Villa e Caliri (2001) e Lins et al. (2013) descrevem que os homens estão mais suscetíveis a traumas em decorrência dos maiores riscos de acidentes automobilísticos, violência, entre outros fatores. Para

Reabilitação: teoria e prática Tabela 1: Perfil sociodemográfico dos pacientes amputados atendidos no CEIR Parâmetros N % Gênero 190 69,85 Masculino 82 30,15 Feminino 56,49 ± 14,15 Idade 27,57 Média ± Erro 75 33,09 90 4,41 Padrão da Média 12 3,68 Estado civil 10 3,68 Solteiro (a) 10 27,57 Casado (a) 75 27,94 Viúvo (a) 76 2,94 Divorciado (a) 08 2,57 Outros 07 0,74 Não Informado 02 65,81 Raça 179 76,84 Parda 209 23,16 Branca 63 Preta Amarela Não relatado Local de residência Teresina Outros municípios Fonte: SAME/CEIR. estes autores, os padrões socioculturais quanto ao gênero se perpetuam na atual sociedade e conduzem para altas taxas de morbimortalidade em homens no auge de suas atividades, repercutindo em prejuízos financeiros. Em relação à faixa etária, muitos estudos apontam que os indivíduos acidentados são mais jovens, apresentam idade entre 18 a 35 anos, diferente da população do nosso centro, onde a média de idade é de 56 anos (DANTAS et al., 2018; SANTOS et al., 2018). No que concerne às causas de amputação, constatou-se que o diabetes (41,18%) e o trauma (37,50%) foram os principais fatores relacionados à condição atual dos pacientes. Amputação corresponde à retirada cirúrgica ou traumática, parcial ou total, de um segmento do corpo. Diversos são os fatores etiológicos das amputações de membros, como a necrose tecidual relacionada à doença vascular, queimaduras e congelamento, malformações congênitas, infecções, tumores e traumas. O destaque maior para as 206

Perfil sociodemográfico e causas de amputações em pacientes de um centro de ... causas de amputações são as complicações do diabetes e doença vascular periférica, com cerca de 75% dos casos, além dos traumas, com 20% das amputações (DELISA; GANS, 2002; LIANZA, 2007). Santos et al. (2013) avaliaram a prevalência de amputações por 214 portadores de pé diabéticos internados em um hospital de Pernambuco. Constatou-se que o percentual de amputações nos pacientes diabéticos foi de 50%, demonstrando que de fato a hiperglicemia exerce uma relação direta com os níveis de amputações, especialmente quando apresenta uma complicação macrovascular, como o pé diabético. Outra causa inerente à amputação que merece destaque é o trauma, qu ocupa o segundo lugar de destaque no estudo de Garlippe (2014), que investigou pacientes com amputações de membros inferiores acompanhados no Centro Regional de Reabilitação de Araraquara (CRRA), Estado de São Paulo, Brasil. Segundo o autor, as causas vasculares e traumáticas foram responsáveis por 49,7% e 40,9% das amputações, com preponderância do diabetes entre os indivíduos com idade superior a 44 anos de idade e das traumáticas entre as faixas de 18 a 44 anos. Em relação à prevalência dos tipos de amputações nos pacientes do CEIR e verificou-se que a maioria deles sofreu amputação transfemoral (43,01%) ou transtibial (36,76%). De acordo com Marães et al. (2014) uma amputação transfemoral acontece quando se remove o membro inferior entre a articulação do joelho e a do quadril. Tal tipo de amputação apresenta grande incidência nos idosos, sendo majoritariamente oriunda de doenças vasculares (MATSUMURA; RESENDE; CHAMLIAN, 2013), neoplasias, tabagismo, diabetes mellitus, seguida por amputações de natureza traumática (ALMEIDA, 2015). O estudo de Garlippe (2014) referiu em sua amostra que os tipos mais prevalentes de amputações foram as transfemorais e as transtibiais (46,4% e 44,2%, respectivamente). Quanto à lateralidade, as indicações de próteses aos pacientes foram: esquerda unilateral (46,33%) e direita unilateral (43,38%). O resultado evidenciado acima demonstra que as indicações de próteses são majoritariamente unilaterais (89,71%), corroborando com Chamlian (2014), o qual avaliou a protetização, durante a reabilitação, e a manutenção do uso da prótese, e o índice de abandono da mesma após a alta, bem como a mortalidade dos pacientes amputados de membros inferiores. Dos 54 pacientes analisados, 98,15% deles eram amputados unilaterais e 1,85% era bilateralmente amputado. 207

Reabilitação: teoria e prática Quanto à natureza dos acidentes pelos quais os pacientes foram acometidos destacaram-se: automobilístico (85,58%), acidentes de trabalho (5,77%) e ferrovias (4,81%). Quando se fala em acidentes automobilísticos faz-se menção especial aos acidentes de trânsito que envolvem carros e motocicletas. Percebe-se que o uso desses veículos põe em xeque a vida das pessoas, uma vez que as tornam suscetíveis a um elevado índice de lesões ou traumas quando ocorrem eventos adversos. Na população do CEIR, acidentes com motocicletas foram os mais prevalentes (83,70%). De acordo com pesquisadores de segurança no trânsito, a motocicleta é considerada um veículo automotor bastante popular no Brasil, em decorrência de sua acessibilidade, rapidez e elevado custo- benefício. Dessa forma, esses critérios interferem decisivamente na escolha desse tipo de transporte pelas pessoas, repercutindo no aumento desses veículos nas vias e, automaticamente, na frequência dos acidentes (FELIX et al., 2013; NOLASCO; ANDRADE; SILVA, 2016). Enfatiza-se que as motocicletas são veículos de alta periculosidade por conta de sua pequena dimensão, o que expõe o condutor diretamente ao impacto, tornando-o vulnerável a traumas múltiplos e de elevada gravidade (GOLIAS; CAETANO, 2013). Além disso, a falta de transportes coletivos eficientes e viáveis (ônibus, trens e metrô), ausência de estrutura e dos equipamentos de proteção nas motos, predispõe os ocupantes ao maior risco de acidentes (KEALL; NEWSTEAD, 2012; IPEA, 2015; SANTOS et al., 2016). Considerações finais Na nossa população, as amputações predominaram nos pacientes do gênero masculino, casados, adultos, e procedentes da capital do Estado. Em relação às causas, observou-se maior ocorrência em pacientes diabéticos e com traumas. Amputações transtibiais e transfemorais representaram quase a totalidade das ocorrências. Em sua maioria, amputações de causas traumáticas foram motivadas por acidentes de trânsito, sobretudo envolvendo motocicletas. É importante a implantação de novos serviços de reabilitação, elaboração de próteses e, especialmente, para ações de prevenção das amputações. O indivíduo deve ser reabilitado o mais precocemente, para rápido retorno às atividades profissionais, sendo possível, assim, capacitá- lo para o exímio aproveitamento de sua autonomia. 208

Perfil sociodemográfico e causas de amputações em pacientes de um centro de ... Referências bibliográficas ALMEIDA, C. C. Estudo da variabilidade da frequência cardíaca e do nível funcional de amputados transfemorais. Dissertação (Mestrado em Engenharia Biomédica) - Universidade de Brasília, Faculdade Gama, Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica, 2015. BARBOSA, Bruna Maria Bueno et al. Incidence and causes of lower-limb amputations in the city of Ribeirão Preto from 1985 to 2008: evaluation of the medical records from 3,274 cases. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 19, n. 2, p. 317-325, 2016. BRASIL. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 jun. 2013. CARDOZO-GONZALES, Roxana I.; VILLA, Tereza C. S.; CALIRI, Maria H. L. O processo da assistência ao paciente com lesão medular: gerenciamento de caso como estratégia de organização da alta hospitalar. Medicina (Ribeirão Preto), v. 34, n. 3/4, p. 325-333, 2001. CHAMLIAN, Therezinha Rosane. Uso de próteses em amputados de membros inferiores por doença arterial periférica. Einstein (São Paulo), v. 12, p. 440-446, 2014. COLEN, Ana Carolina Souza Viana et al. Perfil epidemiológico de pacientes amputados num hospital de referência brasileiro, 2012-2019. Research, Society and Development, v. 10, n. 5, p. e34210515028-e34210515028, 2021. DANTAS, R. A. N. et al. Vítimas de acidentes de trânsito atendidas por serviço pré-hospitalar móvel de urgência. Revista de Enfermagem do Centro-Oeste Mineiro, v. 8, n. 2549, p. 1-8, 2018. DELISA, J. A.; GANS, B. M. Tratado de medicina de reabilitação: princípios e prática. São Paulo: Editora Manole, 2002. FELIX, N. R. et al. Caracterização das vítimas de acidente motociclístico atendidas pelo serviço de atendimento pré-hospitalar. Revista Eletrônica Gestão & Saúde, v. 4, n. 4, p. 1399-1411, 2013. GARLIPPE, L. A. Estudo epidemiológico dos pacientes com amputação de membros inferiores atendidos no Centro Regional de Reabilitação de Araraquara, Estado de São Paulo, Brasil. Disseratação (Mestrado em Medicina) - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo/USP. Departamento de Medicina Social, 2014. GOLIAS, A. R. C.; CAETANO, R. Acidentes entre motocicletas: análise dos 209

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14 Avaliação cardiológica para fisioterapia e protetização em pacientes amputados Luiz Bezerra Neto A avaliação cardiológica pré-participação em atividades de fisioterapia, reabilitação e protetização objetiva, fundamentalmente, identificar condições cardiovasculares que inviabilizem, ou que coloquem em risco proibitivo os pacientes vítimas de amputação de membros durante as terapias. Além desta avaliação inicial, o acompanhamento cardiológico é importante durante o processo de realização das atividades, para prevenir novas doenças e detectar processos patológicos que possam causar eventos cardiovasculares graves e morte súbita cardíaca, o que pode ser alcançado com a suspensão transitória ou definitiva das atividades, por indicação do cardiologista, ou pelo tratamento das condições que possam ser potencialmente fatais (GHORAYEB N et al, 2019). O grupo de pacientes vítimas de amputação de membros conta com vários subgrupos distintos, que variam de pacientes jovens, vítimas de traumatismos, principalmente no trânsito, passando por pacientes que sofreram eventos trombóticos venosos e/ou arteriais, cirurgias para retirada de neoplasias malignas e principalmente pacientes mais idosos com diabetes mellitus e controle inadequado de seus níveis glicêmicos. Em um grupo tão heterogêneo, a avaliação cardiológica pré-participação tem, obviamente, fundamentos, objetivos e metodologias diferentes.

Reabilitação: teoria e prática Não se considera como razoável atribuir a mesma rotina a pacientes jovens, com menos de 30 anos, que tenham perdido o membro em um trauma automobilístico em comparação com pacientes com diabetes mellitus, idosos, vítimas de eventos vasculares, infecções e de pé diabético. São claramente grupos com fatores de risco, comorbidades e probabilidades muito diferentes de ter doenças cardiovasculares. Partindo dessa premissa, a estratificação é feita de forma individualizada, dividida em grupos principais, levando em consideração a idade, presença de diabetes, etiologia da amputação e fatores de risco associados. Vale ressaltar que, no momento, temos escassez de dados específicos para estratificação de risco cardiovascular para população de amputados e a grande maioria das evidências é suportada por trabalhos de pouco impacto e na extrapolação de evidências para outros grupos como diabéticos, nefropatas, hipertensos, etc, não necessariamente amputados. Estratificação de risco Pacientes não diabéticos com amputação traumática, ou sequela tumoral Esses pacientes em geral são jovens, sem fatores de risco cardiovascular significativos e são acometidos, em geral, por traumas automobilísticos ou laborais ou por consequências de cirurgias de tumores do membro inferior. São submetidos à consulta cardiológica com anamnese dirigida para avaliação da capacidade funcional, e aplicação do escore de risco global (ERG) (Quadros 1 a 4), segundo as diretrizes brasileiras de prevenção de doença cardiovascular (PRÉCOMA DB et al, 2019). São classificados em baixo risco, moderado risco, alto risco ou muito alto risco. Após essa estratificação, são considerados: baixo risco (<5% para ambos os sexos) e moderado risco (entre 5-20% para homens e entre 5-10% para mulheres) e com capacidade funcional estimada como boa, com mobilidade preservada, ou uso adequado de muletas através do escore de DUKE (Quadro 5) ou sua adaptação simplificada (Quadro 6). Capacidades moderadas acima de 4 METs ou mais, são, habitualmente, consideradas como adequadas e seguras para as atividades de fisioterapia direcionada para protetização. Pacientes desses grupos (baixo e moderado risco), com mobilidade diminuída e estimativa 212

Avaliação cardiológica para fisioterapia e protetização em pacientes amputados de capacidade funcional em menos de 4 METS são liberados do ponto de vista cardiovascular com ressalvas para atividades conforme tolerância. Os pacientes com o escore de risco global classificados como alto risco e muito alto risco são estratificados de forma individualizada. Em geral não têm restrições às atividades de fisioterapia se também tiverem a avaliação da capacidade funcional estimada como no mínimo regular pelo escore de DUKE, no entanto, tem acompanhamento mais intensivo, com consultas mais frequentes e metas pressóricas, lipídicas, peso, etc; mais rigorosas com uso de terapias medicamentosa e não medicamentosa. Em raros casos de pacientes com muito alto risco e impossibilidade de se estimar a capacidade funcional, a estratificação complementar com teste funcional de cintilografia de perfusão com estresse por dipiridamol é solicitada nesses casos específicos e forte suspeita clínica de coronariopartia. Quadro 1: Atribuição de pontos com o risco global para mulheres Pontos Idade HDL-C Colesterol Pressão Arterial sistólica PAS Fumo Diabetes (anos) total (PAS) não tratada (tratada) 60+ <120 -3 50-59 <160 <120 -2 45-49 160-199 120-129 -1 35-44 200-239 130-139 não não 0 30-34 <35 240-279 140-149 1 280+ 120-139 2 35-39 150-159 130-139 sim 3 160+ 4 40-44 sim 5 45-49 6 140-159 7 50-54 150-159 8 55-59 160+ 9 60-64 10 65-69 11 70-74 12 75+ Fonte: Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019 213

Reabilitação: teoria e prática Quadro 2: Escore de risco global para mulheres Pontos Risco (%) Pontos Risco (%) 13 10,0 ≤-2 <1 14 11,7 -1 1,0 15 13,7 0 1,2 16 15,9 1 1,5 17 18,5 2 1,7 18 21,6 3 2,0 19 24,8 4 2,4 20 28,5 5 2,8 21+ >30 6 3,3 7 3,9 8 4,5 9 5,3 10 6,3 11 7,3 12 8,6 Fonte: Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019 Quadro 3: Atribuição de pontos com o risco global para homens Pontos Idade HDL-C Colesterol Pressão Arterial sistólica PAS Fumo Diabetes (anos) total ( PAS) não tratada (tratada) -2 60+ -1 30-34 50-59 <160 <120 0 35-39 45-49 160-199 1 35-44 200-239 120-129 <120 não não 2 40-44 <35 240-279 130-139 3 45-49 280+ 140-159 120-139 4 50-54 160+ 130-139 sim 5 55-59 140-159 6 60-64 160+ sim 7 65-69 8 70-74 9 75+ 10 11 12 13 14 15 Fonte: Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019 214

Avaliação cardiológica para fisioterapia e protetização em pacientes amputados Quadro 4: Escore de risco global para mulheres Pontos Risco (%) Pontos Risco (%) 13 15,6 ≤-3 <1 14 18,4 -2 1,1 15 21,6 -1 1,4 16 25,3 0 1,6 17 29,4 1 1,9 18+ >30 2 2,3 3 2,8 4 3,3 5 3,9 6 4,7 7 5,6 8 6,7 9 7,9 10 9,4 11 11,2 12 13,2 Fonte: Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019 Quadro 5: Escore de DUKE para estimativa da capacidade funcional e gasto energético Duke Activity Status Index Versão Brasileira Coutinho-Myrrha MA et al Você consegue Peso(MET) Sim Não 1. Cuidar de sí mesmo, isto é, vestir-se, tomar banho ou ir ao banheiro? 2,75 2. Andar em ambientes fechados, como em sua casa? 1,75 3. Andar um quarteirão ou dois em terreno plano? 2,75 4. Subir um lance de escadas ou subir um morro? 5,50 5. Correr uma curta distância? 8,00 6. Fazer tarefas domésticas leves como tirar pó ou lavar louças? 2,70 7. Fazer tarefas domésticas moderadas como passar aspirador de pó, 36,50 varrer o chão ou carregar compras de supermercado? 8. Fazer tarefas domésticas pesadas como esfregar o chão com as mãos 8,00 usando uma escova ou deslocar móveis pesados do lugar? 9. Fazer trabalhos de jardinagem como recolher folhas, capinar ou usar 4,50 o cortador elétrico de grama? 10. Ter relações sexuais? 5,25 11. Participar de atividades recreativas moderadas como vôlei, boliche, 6,00 dança, tênis em dupla, andar de bicicleta ou fazer hidroginástica? 12. Participar de esportes extenuantes como natação, tênis individual, 7,50 futebol, basquetebol ou corrida? Pontuação total: _____________ Pontuação DASI: o peso das respostas positivas são somados para se obter uma pontuação total que varia de 0 a 58,2. Quanto maior a pontuação, maior a capacidade funcional. Fonte: Coutinho-Myrrha,Mariana A. et al. Duke Activity Status Index for Cardiovascular Diseases: Validation of the Portuguese Translation Arquivos Brasileiros de Cardiologia(2014) 215

Reabilitação: teoria e prática Quadro 6: Escore de DUKE simplificado para estimativa da capacidade funcional e gasto energético 1 MET Capacidade de cuidar de sí próprio Alimentar-se, vestir-se ou utilizar o banheiro Caminhar em volta de sua casa Caminhar um ou dois quarteirões no plano Realizar atividades leves no lar, como lavar pratos 4 METs Capaz de subir um lance de escadas ou uma ladeira Caminhar em passos acelerados em uma ladeira Caminhar em passos acelerados no plano Fazer corridas curtas Fazer serviços pesados em casa, como esfregar o chão Participar de atividades recreativas, como boliche, dança ou arremessar bolas >10 METs Participar de atividades extenuantes, como nadar, jogar futebol ou basquete Fonte: Coutinho-Myrrha,Mariana A. et al. Duke Activity Status Index for Cardiovascular Diseases: Validation of the Portuguese Translation Arquivos Brasileiros de Cardiologia(2014) 2.2. Pacientes diabéticos com amputações relacionadas a complicações da doença A presença de diabetes leva a um risco maior de insuficiência cardíaca de 2 a 5 vezes em relação ao não diabético (AGARWAL SK et al, 2012). No diabetes tipo 1, cada incremento de 1% acima de 7% na hemoglobina glicosilada (HbA1c) foi associado a um aumento de 30% no risco de IC (LIND M et al, 2011), enquanto o diabetes tipo 2 foi associado a um aumento de 16% no risco, independente de outros fatores de risco, incluindo obesidade, tabagismo, hipertensão, dislipidemia e doença coronariana. Embora não haja método universalmente aceito para estimar o risco de IC especificamente em indivíduos diabéticos, métodos como a medida do peptídeo natriurético cerebral (BNP) plasmático, a avaliação ecocardiográfica de disfunção diastólica e o uso de calculadoras de risco como o Health ABC Heart Failure Score (BUTLER J et al, 2008) (Figura 1) e o Framingham Heart Failure Risk Score (LLOYD-JONES DM et al, 2002) são os mais utilizados para estimar o risco futuro de IC sintomática. (PRÉCOMA DB et al, 2019). O Health ABC Heart Failure Score é o mecanismo de maior sensibilidade e especificidade e deve ser recomendado como estratégia primordial na estratificação do risco para IC sintomática. Apesar disso, o BNP pode ser utilizado concomitantemente para reclassificar indivíduos em alto risco para IC. Por ser validado em estudos observacionais e de 216

Avaliação cardiológica para fisioterapia e protetização em pacientes amputados intervenção, o Health ABC Heart Failure Score é considerado referência para estimar o risco futuro de IC em pacientes com diabetes mellitus e síndrome metabólica. Figura 1: Escore ABC para insuficiência cardíaca Health ABC Heart Failure Score Fonte: Atualização da Diretriz de Prevenção Cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019 Pacientes diabéticos que apresentem risco de IC acima de moderado no escore ABC complementam o diagnóstico com a dosagem de peptídeos natriuréticos e/ou a realização de ecocardiograma, caso ainda não tenha sido realizado. Com base nos limiares utilizados nos estudos PONTIAC (HUELSMANN M et al, 2013) e STOP-HF (LEDWIDGE M et al, 2013), sugerimos que a presença de BNP ≥ 50 pg/mL ou NT-proBNP ≥ 125 pg/mL reclassifique os indivíduos em um patamar de risco acima. Após estabelecido o diagnóstico de IC do paciente, classificada quanto ao tipo (de fração de ejeção reduzida, de fração de ejeção pouco reduzida ou com fração de ejeção preservada), classe funcional NYHA, é instituído o tratamento específico, baseado nas diretrizes internacionais de 217

Reabilitação: teoria e prática IC, com preferência às medicações que reduzam mortalidade por IC como os inibidores da SGLT2 e os Análogos do GLP1. A participação do paciente nas atividades de fisioterapia e protetização, em geral, não é retardada, e pacientes em CF I e II (NYHA) são liberados para atividades conforme sua tolerância. Pacientes em CF III (NYHA) tem avaliação individualizada de acordo com o tipo de atividade a ser realizada e a tolerância. Pacientes em CF IV (NYHA) não são liberados para as atividades e devem aguardar compensação dos sintomas. Quanto ao risco aterosclerótico, a avaliação de pacientes diabéticos merece atenção especial. No estudo CAPTURE, com mais de 10000 pacientes diabéticos em vários centros em 13 países diferentes e 5 continentes, mostrou que 1 em cada 3 pessoas com diabetes tipo 2 tem doença cardiovascular estabelecida, das quais 9 em cada 10 com doença cardiovascular aterosclerótica. (MOSENZON O et al, 2020). Pelo menos 68 % dos diabéticos com 65 anos ou mais morrem de doença cardíaca, sendo a maior parte por DAC, seguida de IC congestiva (GO AS et al, 2013). Os pacientes diabéticos e amputados por complicações vasculares arteriais devem ser considerados de muito alto risco para outros eventos cardiovasculares, além de doença vascular periférica. A tentativa de estratificação de pacientes assintomáticos com auxílio de exames complementares funcionais como teste ergométrico e cintilografia de perfusão não trouxeram vantagem em relação ao controle individual dos fatores de risco como hipertensão, glicemia, colesterol, sedentarismo, tabagismo e etc (YOUNG LH et al, 2009) (LIEVRE MM et al, 2013). Ou seja, a solicitação de exames complementares como cintilografia de perfusão miocárdica após estresse com dipiridamol (levando-se em consideração a limitação das amputações dos membros inferiores para a realização de teste ergométrico) não representa benefício em relação ao tratamento clínico isolado. No entanto, duas ressalvas devem ser apontadas: a primeira é que pacientes com amputações de membros inferiores são normalmente restritos e apresentam pouca mobilidade, condição que pode mascarar os sintomas de coronariopatia; a segunda é que a neuropatia típica da doença diminui a sensação dolorosa desses pacientes, contribuindo também para mascarar as manifestações de doença coronária. Dessa forma, procedemos a estratificação de pacientes diabéticos amputados da seguinte forma: Assintomáticos – avaliação da capacidade funcional pelo escore de Duke (Quadro 5) quando possível. Pacientes com capacidade estimada 218

Avaliação cardiológica para fisioterapia e protetização em pacientes amputados maior a 4 METS, são liberados para atividades sem a necessidade de avaliações além da consulta e dos exames básicos de triagem e seguimento nas metas clínicas com terapia medicamentosa otimizada (TMO) para controle dos fatores de risco. Quando não podem ter sua capacidade funcional estimada por pouca mobilidade ou limitação de movimentos, são submetidos ao UKPDS Score (CHRISTIANSON TJ et al, 2006) (Quadro 7). Quadro 7: Escore UKPDS de risco cardiovascular Itens Respostas (pontos) Gênero É usado para ponderar de forma diferente o fator idade, Idade pois os homens têm maior risco de desenvolver DCV Duração do diabetes Menos de 60 anos: masc (6), fem (0); Tabagismo* Entre 60-74 anos: masc (20), fem (9); Hemoglobina glicada** Mais de 74: masc (41), fem (22). Pressão sistólica (mmHg) Menos de 5 anos (0); Colesterol total/HDL Entre 5 e 9 anos (2); Mais de 9 anos (5). Nunca fumou(0); Ex-tabagista (0); Tabagista (2). Menos de 7,0 (0); Entre 7,0 e 7,9 (2); Mais de 7,9 (6). Menos de 120 (0); Entre 120 e 139 (1); Mais de 139 (4). Menos que 4.0 (0); Entre 4,0 e 5,9 (6); Mais que 5,9 (10). Microalbuminúria mcg/min Menos de 30 (0); *** Igual ou maior que 30 (1). Escore UKPDS de risco Risco Probabilidade de doença cardiovascular nos cardiovascular próximos 10 anos >31 Muito alto > 30% 18 – 31 Alto 15 to 30% <18 < 15% Moderado Fonte:Clarke PM, Gray AM, Briggs A et al (2004) A model to estimate the lifetime health outcomes of patients with type 2 diabetes: the United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) Outcomes Model (UKPDS no. 68). Diabetologia 47:1747–1759 219

Reabilitação: teoria e prática Pacientes que apresentem risco elevado no UKPDS, assintomáticos e com dificuldades de estabelecer a capacidade funcional são submetidos à estratificação com cintilografia de perfusão miocárdica sob estresse com dipiridamol, apesar de pouco benefício em relação a desfechos, constitui parâmetro objetivo para reclassificar o paciente em risco “aceitável” e mensurável para realização das atividades físicas relacionadas à protetização e adaptação. Pacientes com risco moderado são estratificados com demais exames, como escore de cálcio (em geral pouco disponível em hospitais públicos), ecodoppler de carótidas, e na impossibilidade de melhor estratificação ou de avaliação da capacidade funcional podem ser avaliados particularmente para realização de cintilografia. Fluxograma 1: Estratificação de risco de DAC de amputados diabéticos Fonte: Serviço de Cardiologia do Centro Integrado de Reabilitação (CEIR) Piauí 220

Avaliação cardiológica para fisioterapia e protetização em pacientes amputados Para pacientes de baixo risco, procede-se à imediata liberação do paciente para as atividades propostas de fisioterapia e protetização conforme sua tolerância e aptidão Sintomáticos: se sintomatologia for muito típica de DAC, os pacientes são encaminhados à estratificação invasiva seguida de tratamento clínico adequado para redução de mortalidade. Quando a sintomatologia não é conclusiva como típica, a estratificação de risco pode ser considerada de forma não invasiva com cintilografia de perfusão miocárdica. Pacientes sintomáticos ou assintomáticos que se submetem à estratificação com cintilografia do miocárdio tem o direcionamento de acordo com o resultado e extensão da doença, conforme mostra o Fluxograma 1. Considerações finais A avaliação cardiológica é fundamental antes e durante a protetização do paciente amputado de membro inferior, tornando mais seguro o processo para o paciente, família e para toda a equipe multidisciplinar. Em alguns casos específicos, o não protetizar pode ser a melhor alternativa, e para isso o cardiologista precisa estar alinhado com toda a equipe de reabilitação, de forma a deixar toda a informação e decisões o mais claro possível para o paciente e familiares. Referências bibliográficas AGARWAL, Sunil K. et al. Prediction of incident heart failure in general practice: the Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) Study. Circulation: Heart Failure, v. 5, n. 4, p. 422-429, 2012. BUTLER, Javed et al. Incident heart failure prediction in the elderly: the health ABC heart failure score. Circulation: Heart Failure, v. 1, n. 2, p. 125- 133, 2008. CHRISTIANSON, Teresa J. H. et al. A pen-and-paper coronary risk estimator for office use with patients with type 2 diabetes. In: Mayo Clinic Proceedings. Elsevier, 2006. p. 632-636. GHORAYEB, Nabil et al. Atualização da diretriz em cardiologia do esporte e do exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e Esporte-2019. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 112, n. 3, p. 326-368, 2019. HUELSMANN, Martin et al. PONTIAC (NT-proBNP selected PreventiOn of 221

Reabilitação: teoria e prática cardiac eveNts in a populaTion of dIabetic patients without A history of Cardiac disease) A prospective randomized controlled trial. Journal of the American College of Cardiology, v. 62, n. 15, p. 1365-1372, 2013. LEDWIDGE, Mark et al. Natriuretic peptide–based screening and collaborative care for heart failure: the STOP-HF randomized trial. Jama, v. 310, n. 1, p. 66-74, 2013. LIÈVRE, Michel M. et al. Detection of silent myocardial ischemia in asymptomatic patients with diabetes: results of a randomized trial and meta-analysis assessing the effectiveness of systematic screening. Trials, v. 12, n. 1, p. 1-7, 2011. LIND, Marcus et al. Glycaemic control and incidence of heart failure in 20 985 patients with type 1 diabetes: an observational study. The Lancet, v. 378, n. 9786, p. 140-146, 2011. LLOYD-JONES, Donald M. et al. Lifetime risk for developing congestive heart failure: the Framingham Heart Study. Circulation, v. 106, n. 24, p. 3068- 3072, 2002. MOSENZON, O. et al. CAPTURE: a cross-sectional study of the contemporary (2019) prevalence of cardiovascular disease in adults with type 2 diabetes across 13 countries. In: Diabetologia. ONE NEW YORK PLAZA, SUITE 4600, NEW YORK, NY, UNITED STATES: SPRINGER, 2020. p. S80-S80. MOZAFFARIAN, Dariush et al. Executive summary: heart disease and stroke statistics—2016 update: a report from the American Heart Association. Circulation, v. 133, n. 4, p. 447-454, 2016. PRÉCOMA, Dalton Bertolim et al. Atualização da diretriz de prevenção cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia-2019. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, v. 113, p. 787-891, 2019. YOUNG, Lawrence H. et al. Cardiac outcomes after screening for asymptomatic coronary artery disease in patients with type 2 diabetes: the DIAD study: a randomized controlled trial. Jama, v. 301, n. 15, p. 1547- 1555, 2009. 222

15 Fase pré protética Aline Raquel Matos da Silva Leonardo Vinícius Celestino de Sousa A perda de um membro do corpo, desde os primeiros registros até os dias atuais, ainda é um tabu, afetando o individuo em âmbitos físico e psicossocial. A fisioterapia surge neste contexto, como parte de uma equipe multiprofissional, objetivando traçar estratégias de tratamento eficazes, seguras e duradouras, conduzindo o indivíduo durante o processo de protetização da melhor forma possível, buscando a meta de devolvê-lo ao maior grau de independência e qualidade de vida (MOURA et al, 2010). O momento pós-cirúrgico de amputação, geralmente pode ou não evoluir com algumas complicações secundárias ao processo, como por exemplo, alterações de sensibilidade, encurtamentos/deformidades no coto, edemas, disfunções venosas, aderências cicatriciais, neuroma, depressão do estado psicológico, entre outras (MATSUMURA et al, 2013). Todos esses fatores influenciam na reabilitação motora do individuo amputado, evidenciando todo esse caminho, tem-se como marcos a fase pré e a pós protetização. Focando na primeira, a fisioterapia parte de uma avaliação minuciosa do histórico pré e pós-cirúrgico do paciente, notando a partir de então as afecções secundárias a todo o processo, que vão delinear os percalços e possíveis soluções até o alcance do objetivo principal, que é a independência motora e social do indivíduo amputado (MOURA et al, 2010; MATSUMURA et al, 2013).

Reabilitação: teoria e prática Avaliação fisioterapêutica Durante o exame físico avalia-se o paciente de forma geral, como se apresenta, nível de independência, se tem marcha ou faz uso de meios auxiliares. Observa-se a mobilidade articular, proximal ao membro amputado, buscando a presença de alterações que estejam impactando na livre movimentação, causadas eventualmente pela adoção errada de posições em flexão, rotação, abdução ou adução, combinadas ou não, do coto por períodos prolongados. Continuando com o processo, busca-se caracterizar o grau de força muscular do membro afetado e sua referência contralateral, assim como os grupos musculares de maior impacto no protocolo de protetização (JUNIOR et al, 2009; FERNANDES et al, 2014). É coletada a história atual e pregressa à amputação, com informações sobre possíveis patologias associadas de forma detalhada. No decorrer do exame físico classifica-se qualitativamente o tônus muscular, aspecto da pele, aspectos circulatórios do membro, cicatrização do coto e possíveis alterações de sensibilidade, observando a qualidade do coxim formado. Junto com a capacidade do indivÍduo em adotar e manter-se em posição bípede, com ou sem ajuda de terceiros, ou dispositivos auxiliares. Todos esses fatores combinados dão norte em relação à capacidade funcional atual do amputado, e demonstram os principais fatores a serem abordados durante a reabilitação para alcance da protetização (FERNANDES et al, 2014). Preparação do coto O trabalho de preparação do coto é importante para formação de um bom coxim muscular. Durante esta preparação são considerados hipersensibilidades na região da amputação, neuromas, e o retorno venoso do membro. Então com a intervenção/orientação sobre o enfaixamento, técnica utilizada desde o pós-operatório imediato, por meios de faixas de crepe em “forma de oito”, passando para utilização das faixas elásticas após a retirada dos pontos, levando em conta o estado geral do paciente. O grande objetivo reside na conificação do coto, redução do edema e de quadros dolorosos para possível protetização (MOURA et al, 2010). Na técnica “em oito” coloca-se a faixa com voltas angulares, ancorando-se ao redor de uma articulação proximal, com maior pressão distal que reduz em sentido proximal, evitando a formação de cinturas. Aconselha-se passar todo o dia com o coto enfaixado, retirando algumas vezes para observação de alterações circulatórias e na pele; à noite orienta- se deixar o coto livre (Figuras 1 e 2) (VIEIRA et al, 2017). 224

Fase pré protética A quantidade de faixas varia de acordo ao nível e ao tamanho do coto. Na amputação transfemoral geralmente são necessárias de três a quatro faixas elásticas costuradas para conseguir o comprimento adequado, de acordo com o tamanho do coto. Em cotos transtibiais de duas a três faixas em geral são necessárias, o enfaixamento termina cerca de dois dedos acima da patela. Vale ressaltar que existem cotos que não necessitam do enfaixamento (VIEIRA et al, 2017) Figura 1: Inicio do enfaixamento. Figura 2: Coto enfaixado. Fonte: Arquivo pessoal. Fonte: Arquivo pessoal. Imagem corporal O corpo além de ser um complexo de integração musculoesquelética sensorial, é potencializador expressivo e comunicativo das nossas ideias e demandas diárias. Com o passar do tempo, desde o nascimento, essa integração vai se fortalecendo devido aos estímulos lançados sobre o sistema corpóreo ao longo dos anos vividos. A partir do evento traumático que leva à amputação, o mesmo sistema integrado necessita de ajustes que possam redefinir a relação do indivíduo com seu próprio corpo (BENEDITTO et al, 2002). Situações simples como levantar da cama, e caminhar até o banheiro ou sair de casa para o trabalho sofrem forte impacto após alteração do esquema corpóreo do indivíduo. Essas implicações acometem marcos como a descarga de peso, mobilidade ativa de segmentos, estado 225

Reabilitação: teoria e prática de humor, noção de ambiente e espaço entre outros (VASCONCELOS et al, 2011; BENEDITTO et al, 2002). No decorrer da fase de reabilitação pré protética, é habitual se deparar com queixas relacionadas à sensação do membro fantasma. Mesmo após um período da retirada do membro o organismo em seu esquema corporal de atividades diárias continua fazendo uso do apoio que já inexiste manifestando relatos como: “- meu pé está de mau jeito”, ou relatos oriundos de alterações sensitivas como: “- o meu dedo está coçando”. Além do fato de que o membro não está mais à disposição, é preciso o terapeuta observar durante os atendimentos com o corpo do paciente vai reorganizando sua complexidade e interação, lançando mão de estratégias terapêuticas para melhorar cada vez mais o autoconhecimento do indivíduo, percebendo assimetrias e procurando suas correções através de estímulos táteis, visuais, e proprioceptivos ampliando assim suas chances de êxito no processo de protetização e evitando a internalização de estigmas e preconceitos (BENEDITTO et al, 2002). Alongamento e fortalecimento muscular No decorrer da fase de pré protetização um dos pontos clínicos importantes a observar são os níveis/graus de mobilidade amplitude de movimento e força muscular na região amputada e como está evoluindo o coto. Após um processo cirúrgico com tanto impacto no organismo o sistema muscular sofre uma debilidade acentuada em sua performance variando o grau do déficit de força de acordo com a proximidade dos grupos musculares com a região da amputação. Para receber uma prótese e obter uma desenvoltura aceitável que permita com que o individuo amputado tenha o maior grau de independência funcional possível, é preciso que todo o organismo esteja em equilíbrio (FERNANDES et al, 2014; JUNIOR et al, 2009). Em vários casos nota-se a presença de encurtamento no membro do coto de origem posicional. O indivíduo amputado por falta das orientações necessárias apresenta alguma necessidade que depende da ação de terceiros ou até mesmo por descaso/negligência o mesmo não adota um posicionamento ideal ao membro e que com o passar do tempo ocasiona um vício postural afetando a mobilidade dos tecidos adjacentes articulares (se for proximal) e força muscular. A partir de então o fisioterapeuta intervem com manuseios graduais de ajustes posturais e orientações, buscando a reversão do encurtamento instalado (VIEIRA et al, 2017). Com uma melhora no alinhamento e mobilidade o individuo amputado parte para o trabalho de ganho de força muscular. A intervenção no fortalecimento muscular deve atingir o corpo como um todo, mas respeitando a particularidade de 226

Fase pré protética cada grupamento a ser trabalhado sempre buscando uma relação entre o maior índice de mobilidade corporal com o menor gasto energético possível (BENEDITTO et al, 2002; VIEIRA et al, 2017). O trabalho de fortalecimento muscular deve ocorrer em todos os planos de movimentação possíveis proporcionando uma melhor estabilidade no uso da prótese em diversos tipos de ambientes. Enfatizando como atividade base o fortalecimento do tronco do paciente e o sinergismo muscular durantes as atividades (VIEIRA et al, 2017). Caso clínico Paciente gênero feminino, 17 anos de idade, amputação transfemoral esquerda após acidente motociclístico há 3 anos. Na avaliação inicial observou-se independência da paciente, uso de bengalas canadenses, coto com boa cicatrização, sem encurtamento muscular, força muscular grau 3 (três) na escala de Oxford Modificada, bom equilíbrio estático e dinâmico, neuroma doloroso e sensação fantasma ausente. No processo de fisioterapia pré protética trabalhou-se fortalecimento muscular de membros superiores (MMSS) e membros inferiores (MMII), com uso de halteres (figuras 03 e 04), treino de resistência cardiopulmonar na bicicleta com monitoramento de pressão arterial (figura 05) e descarga de peso no coto. Figura 3: Paciente deitada em tablado, realizando fortalecimento de membros inferiores com tornozeleiras Fonte: Arquivo pessoal. 227

Reabilitação: teoria e prática Figura 4: Paciente deitada em tablado, realizando fortalecimento de membros inferiores com tornozeleiras Fonte: Arquivo pessoal. Figura 5: Paciente realizando treino de resistência e mobilidade em bicicleta ergométrica. Fonte: Arquivo pessoal. 228

Fase pré protética Considerações finais Realizar uma boa avaliação, esclarecer dúvidas, realinhar esquema corporal e ensinar cuidados com o coto são algumas das metas que compõem a etapa de pré protetização na Fisioterapia. A partir da forma em que compreende-se a situação do paciente, a atuação da equipe contribui para a qualidade do tratamento e possibilita a protetização, proporcionando maior funcionalidade e independência, assim como reinserção no ambiente social. Referências bibliográficas BENEDETTO, Kátia Monteiro; FORGIONE, Maria Cristina Rizzi; ALVES, Vera Lúcia Rodrigues. Reintegração corporal em pacientes amputados e a dor- fantasma. Acta fisiátrica, v. 9, n. 2, p. 85-89, 2002. FERNANDES et al. Reabilitação. 2. ed. São Paulo: Editora Manole, 2014. JUNIOR, P. C. N.; MELLO, M. A.; MONNERAT, E. Tratamento fisioterapêutico na fase pré protetização em pacientes com amputação transtibial unilateral. Fisioterapia Brasil, v.10, n.4, 2009. MATSUMURA, A. D.; RESENDE, J. M.; CHAMLIAN, T. R. Avaliação pré e pósprotética da circumetria dos cotos de amputados transtibiais. Acta Fisiátrica, v.20, n.4, p194-199, 2013. MOURA, Elcinete W. et al. Fisioterapia: aspectos clínicos e práticos da reabilitação. In: Fisioterapia: aspectos clínicos e práticos da reabilitação. 2010. p. 720-720. VASCONCELOS, Thiago Brasileiro. Avaliação da qualidade de vida de pacientes amputados transtibiais unilaterais antes e após a protetização. Fisioterapia Brasil, v. 12, n. 4, p. 291-297, 2011. VIEIRA, Rafael Isac et al. Intervenções fisioterapêuticas utilizadas em pessoas amputadas de membros inferiores pré e pós-protetização: uma revisão sistemática. Acta Fisiátrica, v. 24, n. 2, p. 98-104, 2017. 229



16 Amputação e autoimagem Danielle Carvalho Ferreira Ravena Rhara de Paiva Abreu A amputação refere-se à remoção total ou parcial de um membro resultante de intercorrências congênitas ou adquiridas. As amputações dos membros inferiores são mais frequentes, representando aproximadamente 85% do total (BRASIL, 2013). A incidência em homens é maior (MOHAMMED; SHEBL, 2014; ZIDAROV; SWAINE; GAUTHIER-GAGNON, 2009). A amputação é considerada um grave problema de saúde pública, devido ao seu impacto psicossocial, suas elevadas taxas de morbidade e mortalidade e suas implicações nos gastos públicos (BRASIL, 2013; JESUS-SILVA, 2017; SOUZA; SANTOS; ALBUQUERQUE, 2019). A estimativa mundial é de cerca de um milhão de casos novos de amputação por ano (SEIDEL et al., 2008; SEIDEL et al.,2012; SOUZA; SANTOS; ALBUQUERQUE, 2019). As maiores incidências de amputação (80%) são em decorrência de doença vascular periférica, diabetes ou trauma (ŞIMSEK; ÖZTÜRK; NAHYA, 2020; CANALE; BEATY, 2011). As causas relacionadas a traumas são em sua maioria acidentes automobilísticos, com máquinas agrícolas, com arma de fogo ou choque elétrico (PASQUINA, 2014). Após o processo da amputação, o paciente apresenta uma série de mudanças não apenas físicas, mas também no âmbito psicossocial. Normalmente o impacto relacionado à autoimagem é evidente e relaciona- se à forma de perceber o próprio corpo. Acarreta prejuízos no ajustamento emocional e social do indivíduo, desencadeando diminuição da autoestima e podendo propiciar sintomatologia psiquiátrica (SILVA, 2013; MELO, 2020). Nesta perspectiva, é comum a vivência de tristeza, desesperança, nostalgia em relação ao membro amputado, imagem corporal insatisfatória

Reabilitação: teoria e prática e acentuada fragilidade emocional. Não obstante, mesmo com as inúmeras dificuldades biopsicossociais, muitos pacientes conseguem se ressignificar e aceitar sua nova imagem corporal, percebendo o contexto atual como um recomeço e não o fim da vida (MELO, 2020). O trabalho interdisciplinar junto à equipe de reabilitação contribuirá para a adaptação ao novo contexto de vida (UUSTAL, 2014). Autoimagem, percepção corporal e qualidade de vida A autoimagem relaciona-se à imagem psíquica que um indivíduo produz sobre seu corpo e sua aparência física. A autoimagem é formada a partir de experiências passadas e do panorama atual de percepção do sujeito. É organizada no córtex sensorial do cérebro. A autoimagem vai ser influenciada por aspectos óticos, táteis, vivências anteriores e seus efeitos, impressões de outras pessoas acerca da imagem física e modos de reagir a tais impressões, assim como, os conceitos e atitudes relativos ao próprio corpo quando comparado a outros. Há uma série de situações que podem afetar a autoimagem corporal, dentre elas a amputação de um membro (BREAKEY, 1997; GOZAYDINOGLU; HOSBAY; DURMAZ, 2019). A amputação acarreta inúmeras mudanças de vida, sobretudo no que se refere aos aspectos funcionais, emocionais e sociais (GOZAYDINOGLU; HOSBAY; DURMAZ, 2019; OSTLER; ELLIS-HILL, DONOVAN-HALL, 2014). A imagem corporal das pessoas está intimamente relacionada às suas capacidades e fraquezas. O corpo é percebido como a fronteira de contato físico e psicossocial entre o sujeito e o meio ambiente. Nas situações de amputação, o indivíduo não perde apenas o membro, mas também as sensações relacionadas a ele e sua funcionalidade. Nesta perspectiva, pode desencadear a morte simbólica de uma parte do corpo e o luto em decorrência dela (SEREN; TILIO, 2014; FALKENBACH, 2009). A perda de um membro do corpo pode representar a morte simbólica de um projeto de vida e uma mudança brusca na vivência do indivíduo. Ao perder o membro amputado, a pessoa perde também o corpo considerado perfeito, pode perder também o emprego e a liberdade de ir e vir de forma independente (SEREN; TILIO, 2014). A amputação de membros superiores ou inferiores simboliza a violação mais acentuada da integridade física de um indivíduo. A protetização foi pensada para reparar o corpo após o processo de amputação, mesmo que de forma parcial. No início, a reabilitação com os dispositivos protéticos visava a restauração corporal nos âmbitos funcionais e estéticos. No contexto atual, os efeitos psicológicos do uso de próteses vêm se desatacando em pesquisas científicas. O intuito da 232

Amputação e autoimagem protetização é sua incorporação por parte do usuário, como se a prótese passasse a fazer parte do seu próprio corpo (BODMANN, 2020; MURRAY, 2008). Em pessoas amputadas é comum a existência de dor no membro fantasma. Esta intercorrência clínica é difícil de ser tratada e prejudica a qualidade de vida de pessoas amputadas. O uso da prótese também pode contribuir para o tratamento nesta perspectiva. Uma pesquisa com 2.383 pessoas amputadas que usam próteses unilaterais nos membros superiores ou inferiores mostrou que o uso deste dispositivo pode influenciar positivamente a percepção corporal e consequentemente diminuir a dor no membro fantasma (BODMANN, 2021). Para que isso advenha, é imprescindível que o indivíduo perceba a prótese como uma extensão do seu próprio corpo, ao invés de um mero dispositivo artificial acoplado nele. Os resultados foram mais positivos em jovens, em usuários de prótese no membro inferior, em pessoas que usam prótese de maneira mais frequente e entre aqueles que possuem um tempo maior desde a amputação. A qualidade de vida da pessoa amputada vai ser influenciada pela saúde fisiológica, aspectos emocionais, nível de independência, relacionamentos interpessoais e relações com o ambiente (PANZINI et al., 2017). É interessante ressaltar que a qualidade de vida é um constructo multidimensional, composto tanto por aspectos objetivos (esfera comportamental e ambiental) como subjetivos (bem-estar emocional). Neste contexto, a qualidade de vida de pessoas amputadas pode ser divergente, pois embora tenham passado pela mesma situação de amputação possuem vivências diferentes nos demais aspectos (POCNET, 2016). Amputação e processo de habilitação/reabilitação psicológica A amputação de um membro desencadeia um processo de luto semelhante ao episódio de morte de entes queridos. Primeiramente a pessoa vivencia o estágio de negação e isolamento, que se caracteriza por uma defesa, o indivíduo se recusa a aceitar a amputação e até mesmo falar sobre ela. Em seguida experiencia a raiva, inclusive com sinais de autoagressão e agressividade em relação ao meio externo, no intuito de compensar a perda. Posteriormente vem a fase de negociação, o indivíduo começa a aceitar a perda ao tentar negociar internamente a aceitação da amputação. Logo após vem a fase de depressão, na qual 233

Reabilitação: teoria e prática ocorre a compreensão da amputação como um fato que não pode ser mudado e assim passa a ser encarado como uma situação real. Nesta fase há uma preparação para aceitação da amputação. E finalmente vem a aceitação, a pessoa passa a se conformar com suas limitações (KÜBLER- ROSS, 2008; SEREN; TILIO, 2014). A psicologia tem um importante papel em todas as fases que envolvem a amputação. As intervenções psicológicas devem estar presentes desde o período pré-operatório até o processo de habilitação/ reabilitação. O psicólogo pode realizar avaliação do estado mental e esclarecer sobre as possíveis consequências da amputação. Ficar ciente das possíveis sequelas da amputação pode facilitar a adaptação da pessoa amputada ao novo contexto de vida. Nesta perspectiva, é fundamental o entendimento sobre a possibilidade de existência de dor no coto, dor fantasma ou sensação fantasma, transtornos depressivos ou de ansiedade, alterações funcionais e na autoimagem, modificações no estilo e qualidade de vida (PANYI; LÁBADI, 2015). O êxito no processo de habilitação/reabilitação vai depender do envolvimento da pessoa amputada neste procedimento. O apoio familiar e de amigos pode influenciar positivamente. Fatores como gênero e nível de escolaridade podem influenciar na adaptação à nova conjuntura. Estudos apontam que homens apresentam uma capacidade maior de adaptação à protetização, quando comparado a mulheres. O nível de escolaridade é diretamente proporcional à adaptação ao uso da prótese (PANYI; LÁBADI, 2015). A adaptação também é influenciada por aspectos relacionados a localização da amputação e o tempo decorrido desde a amputação. Quanto menor a parte do corpo retirada, melhor será a adaptação. Quanto maior o tempo decorrido desde a cirurgia de amputação do membro maior será a adaptação à nova rotina e o ajustamento emocional (MATOS; NAVES; ARAUJO, 2020). Para pacientes amputados, o processo de reabilitação perdurará por toda a sua vida. A pessoa amputada deve estar atenta ao peso corporal e investir em hábitos de vida saudáveis que facilitem a adequação e o cuidado com a prótese (UUSTAL, 2014). É imprescindível o trabalho da equipe multiprofissional acerca das expectativas em relação à escolha e adaptação das próteses. Os modelos pretendidos pelo paciente podem ser inadequados para ele, seja por questões financeiras ou por seu perfil, pertinentes à facilidade de deslocamento ou expectativa de habilitação/ reabilitação (MURRAY; FORSHAW, 2014; MATOS; NAVES; ARAUJO, 2020). 234

Amputação e autoimagem Caso clínico Paciente gênero feminino, 38 anos de idade, pedagoga, divorciada, reside com os pais, o irmão e a filha, vítima de amputação traumática de membro superior esquerdo (transumeral) e enxerto na mão direita em decorrência de um acidente automobilístico. A amputação da paciente gerou impactos fisiológicos, emocionais e sociais em sua vida. Envolveu mudanças afetivas que incluem o luto e seus processos, bem como manifestações de sentimento de impotência, medo, insegurança, tristeza, humor instável, episódios de choro frequente, dor e sensação fantasma, dependência de outras pessoas, autoimagem negativa, hesitação em se olhar no espelho, perda da vaidade, isolamento social, autoestima e autoconfiança insatisfatória, além das incertezas desencadeadas pela situação, que passaram a ser constantes nesse cenário. Momentos de vulnerabilidade se fizeram presentes no cotidiano da paciente após amputação. Assim, o apoio de uma Equipe Multidisciplinar na condição de reabilitação foi importante, assumindo um papel de restabelecimento da funcionalidade da paciente, no que se refere às suas capacidades físicas, psíquicas, sociais e profissionais, possibilitando a retomada de seus papéis na família e na sociedade. De acordo com o Ministério da Saúde, o processo de reabilitação deverá contar com uma equipe multiprofissional; o projeto terapêutico do paciente deve ser pactuado dentro da mesma, objetivando garantir uma atenção integral e evitando a existência de condutas conflituosas (BRASIL, 2013). No contexto da reabilitação, o setor de psicologia enfoca uma avaliação minuciosa do indivíduo em seus aspectos físico, psíquico, social, familiar, profissional, afetivo e sexual, para subsequentemente ser direcionado para o tratamento específico. O papel do psicólogo dentro de uma instituição de reabilitação física, membro atuante de uma equipe multidisciplinar é desenvolver o máximo seus objetivos no processo de reabilitação, para bem-estar emocional do paciente e sua família (MADALENO et al., 2006). A equipe de psicologia desempenha um papel que objetiva possibilitar ao paciente a “compreensão” da não-dicotomização corpo/mente, adaptação da nova realidade e resgates para propiciar ressurgimento de suas plenas condições psíquicas, auxiliando no enfrentamento da situação e entendimento das fases do luto por esta perda, na elaboração do novo corpo, a possibilidade de reconstituição através da protetização, propiciando uma melhor aceitação da nova condição física e reorganização da dinâmica pessoal e imagem corporal, 235

Reabilitação: teoria e prática readquirindo assim sua autoconfiança e independência, sempre dentro de suas possibilidades atuais, bem como a reinserção no mercado de trabalho e na vida social. No âmbito da psicologia, a paciente referenciada participou de um grupo de pacientes adultos, com patologias diferentes, na modalidade de grupo semiaberto. O apoio psicológico teve um papel fundamental no processo de reabilitação e reestruturação emocional da paciente supracitada, a convivência, a troca de experiências com outros pacientes foram imprescindíveis para a mobilização de seus sentimentos, conceitos, valores e potencialização de suas habilidades. O grupo tem como objetivo criar um espaço para promover a identificação e troca de experiências; é um espaço de expressão de sentimentos e fortalecimento do seu próprio ego (OLIVEIRA, 2010). Essa vivência trouxe para a paciente uma ressignificação, uma aprendizagem de novos modelos de vida, resgate da autoestima e autoimagem, principalmente após protetização, um olhar mais aguçado para suas potencialidades, impulsionando-a de forma positiva na reinserção no mercado de trabalho e na vida social (Figuras 1 e 2). A convivência com essa nova realidade fez com que a paciente superasse a cada dia os desafios impostos pela amputação, impulsionando e encorajando assim outras pessoas a não desistir dos seus propósitos de vida. Ressalta-se que, o processo de ajustamento a esta nova situação de vida requer um trabalho de parceria entre paciente/equipe/família, para um resultado produtivo e efetivo. Para cada sujeito envolvido no processo de amputação existe um simbolismo e entendimento sobre a realidade. O sofrimento e a capacidade de superação, por exemplo, dessa nova vivência, dependerão das características e estrutura de personalidade, contexto social, histórico e cultural no qual o indivíduo encontra-se inserido. Segundo Brotto e Guimarães (2017), a família é o grupo primário no qual o indivíduo participa; sendo assim, sua dinâmica demanda determinados tipos de vínculos que terão interferência na formação da identidade do sujeito. O apoio da família e do grupo social é fundamental para o sucesso da reabilitação, o indivíduo busca nos relacionamentos a confiança e a aceitação de suas limitações, além de sentir-se mais amado e estimado, com sensação de controle de sua própria vida. Muitos pacientes se adaptam favoravelmente à reabilitação, principalmente quando se sentem amparados por uma rede de relações afetivas, vividas no âmbito familiar. Vale ressaltar que os familiares também precisam de apoio para aprender a lidar com a nova situação, pois as mudanças estendem-se a todos os membros da família. 236

Amputação e autoimagem Figura 1: Imagem da paciente do caso clínico sem a utilização da prótese. Fonte: Arquivo pessoal Figura 2: Imagem da paciente do caso clínico com a utilização da prótese. Fonte: Arquivo pessoal 237

Reabilitação: teoria e prática Considerações finais Os indivíduos que passam pelo processo de amputação de um membro do corpo, reproduzem sua história e refazem suas vidas, reportando-se a dois momentos distintos de existência, ou seja, antes e depois da amputação. Através de programa de reabilitação e de equipe multidisciplinar adequada, bem como o fornecimento de próteses, um resultado satisfatório de reabilitação pode ser esperado, em termos de adesão, uso bem sucedido, de restabelecimento psicossocial, autonomia, reintegração social e laboral e a alta qualidade de vida tanto quanto possível, para recuperação de sua identidade, bem como a reintegração do indivíduo em seus contextos familiar, social e profissional. A integração precoce em um programa de reabilitação, ajuda a diminuir o impacto da incapacidade, melhora o prognóstico funcional e a qualidade de vida dessa população. A família assume também um papel crucial na recuperação do paciente amputado, fazendo-se necessário a integração da mesma ao programa de reabilitação, como forma de adquirir o suporte adequado para a adaptação a essa nova realidade. A psicologia é uma área importante nesse cenário, uma vez que pode auxiliar o paciente e seus familiares antes de uma cirurgia, por exemplo, durante a hospitalização, no período de habituação ao novo corpo e em seu processo de reabilitação, no âmbito psicossocial, possibilitando dessa forma a reconstrução de suas vidas sem passar por possíveis episódios de depressão. Assim, o processo de reabilitação alcançará sua meta principal, dando um novo sentido à trajetória do indivíduo, que mesmo com as limitações, terá uma perspectiva bem mais positiva diante da nova etapa de vida. Referências bibliográficas BEKRATER-BODMANN, Robin. Perceptual correlates of successful body– prosthesis interaction in lower limb amputees: psychometric characterisation and development of the Prosthesis Embodiment Scale. Scientific reports, v. 10, n. 1, p. 1-13, 2020. BEKRATER-BODMANN, Robin et al. Relationship of prosthesis ownership and phantom limb pain: results of a survey in 2383 limb amputees. Pain, v. 162, n. 2, p. 630-640, 2021. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção a pessoa amputada. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013. 238

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17 Paralisia cerebral - classificação Danusa de Brito Alencar Veras Paralisia cerebral (PC) denominada encefalopatia crônica não progressiva da infância, é uma disfunção predominantemente sensoriomotora, envolvendo distúrbios no tônus muscular, postura e movimentação voluntária (CAVALCANTE et al., 2017). É um dos problemas neurológicos mais frequentes e importantes, que ocorre na fase de desenvolvimento encefálico, principalmente na população dos prematuros (RIBEIRO et al., 2016). A definição mais adotada pelos especialistas é a de 1964, quando caracterizou a PC como distúrbio permanente do movimento e da postura, em decorrência do defeito ou da lesão não progressiva do cérebro no começo da vida, que não varia com o tempo (LIMA; FONSECA, 2018). É atribuída a um grupo de distúrbios não progressivos decorrentes de lesão do cérebro em maturação, e descrita como um conjunto de desordens posturais e de movimento que acabam levando à limitação funcional da criança, correspondente a 43% e ocorre de 2 a 2,5 casos por 1.000 nascidos vivos (AMEER; KHALLAF, 2017). É uma condição heterogênea, que apresenta vários padrões de neuropatologia nas imagens cerebrais, diversos tipos clínicos e múltiplas patologias do desenvolvimento associadas, tais como: autismo, deficiência mental, alterações perceptivas, de comunicação e de comportamento, epilepsia e deficiência visual. Apesar de ser complexa e irreversível, crianças

Reabilitação: teoria e prática com PC podem ter uma vida rica e produtiva, desde que recebam o tratamento clínico e cirúrgico adequados às suas necessidades (BRASIL, 2018). Uma das principais causas de PC é a hipóxia, situação em que, por algum motivo relacionado ao parto, tanto referentes à mãe quanto ao feto, ocorre falta de oxigenação no cérebro, resultando em uma lesão cerebral (BRASIL, 2018). Além da falta de oxigenação, existem outras complicações, menos recorrentes, que podem provocar a PC. Entre elas estão: anormalidades da placenta ou do cordão umbilical, infecções, diabetes, hipertensão (eclâmpsia), desnutrição, uso de drogas e álcool durante a gestação, traumas no momento do parto, hemorragia, hipoglicemia do feto, problemas genéticos e prematuridade (SILVA; SOUTO, 2020). Existem outros fatores de risco ligados a ocorrência da PC, tais como: baixo peso ao nascer; má nutrição intrauterina; falta de fatores de crescimento durante a vida intrauterina; incompatibilidade de RH ou tipo de sangue ABO entre a mãe e a criança; infecção da mãe com sarampo ou outras doenças virais no início da gravidez; infecção bacteriana da mãe, do feto ou criança que ataca direta ou indiretamente o sistema nervoso central do bebê e icterícia grave logo após o nascimento (BRASIL, 2018). Segundo Baltor, Borges e Dupas (p.48, 2014) “cerca da metade das crianças com paralisia cerebral tem pelo menos alguma alteração oromotora que prejudica a fala”, isso interfere dentre muitos outros aspectos a dificuldade em qualificar a dor desses indivíduos. O atraso motor, na maioria das vezes, pode ser acompanhado de alterações de comunicação, cognição, percepção, comportamento, funções sensoriais e crises convulsivas. A etiologia da PC é multifatorial e pode ser desencadeada nos períodos pré, peri ou pós natal. Por se tratar de um evento heterogêneo e de etiologia complexa, por vezes múltipla, o quadro clínico e o nível de comprometimento motor são extremamente variados (LIMA; FONSECA, 2018). Desenvolvimento Classificação Atualmente a comunidade científica do mundo inteiro se esforça para padronizar a classificação da PC. O Gross Motor Function Classification System (GMFCS), em português sistema de classificação da função motora grossa classifica a gravidade do comprometimento em cinco níveis: pacientes classificados nos níveis I e II apresentam leve comprometimento motor e são capazes de andar; no nível III o comprometimento é moderado e há 244

Paralisia cerebral - classificação necessidade de dispositivos auxiliares da marcha; pacientes dos níveis IV e V apresentam grave comprometimento motor e necessitam de cadeira de rodas para locomoção. As patologias associadas são mais frequentes em indivíduos com maior comprometimento motor (BRASIL, 2018). No GMFCS, leva em consideração a faixa etária, sendo antes do aniversário de dois anos, entre o segundo e o quarto aniversário, entre o quarto e o sexto aniversário, entre o sexto e o décimo segundo aniversário, entre o décimo segundo e décimo oitavo aniversário. O principal objetivo da GMFCS é determinar qual nível melhor representa as habilidades e limitações na função motora grossa que a criança ou o jovem tem, levando em consideração o desempenho no ambiente da casa, da escola e comunitário (BARBOSA; BORGES; KUNZLER, 2016). Quadro 1: Síntese das características dos quatro tipos de PC Tipos Epidemiologia Características Espástica 70% das -Os músculos são rígidos (espásticos) e fracos. A rigidez pode Atetoide crianças com afetar várias partes do corpo; Atáxica PC - Os dois braços e as duas pernas (quadriplegia); - As pernas mais que os braços (diplegia); Mista Às vezes, apenas o braço ou a perna em um dos lados (hemiplegia); - Em casos raros, apenas as pernas e a parte inferior do corpo (paraplegia). 20% das - Os braços, pernas e corpo movem-se espontaneamente de crianças com maneira lenta e involuntária. PC - Os movimentos também podem ser contorcidos, abruptos e espasmódicos. Emoções fortes agravam os movimentos e o sono faz com que eles desapareçam. 5% das - A coordenação é ruim e os músculos são fracos. Os movimentos crianças com ficam tremidos quando as crianças tentam alcançar um objeto PC (um tipo de tremor); - As crianças têm dificuldade quando tentam se mover rapidamente ou fazer coisas que precisam de coordenação fina. Elas cambaleiam ao caminhar, com suas pernas bem abertas. 2% das - Dois dos tipos acima se combinam, mais frequentemente o crianças com espástico e o atetoide; PC - Esse tipo ocorre em muitas crianças com paralisia cerebral. Crianças com tipos mistos podem apresentar deficiência intelectual. PC= Paralisia Cerebral Fonte: BARBOSA; BORGES; KUNZLER, 2016; LIMA; FONSECA, 2018. 245

Reabilitação: teoria e prática Na PC o tônus muscular pode ser classificado como espástico, atetóide ou discinético, atáxico, hipotônico ou misto, conforme mostra o quadro 1 (BARBOSA; BORGES; KUNZLER, 2016; LIMA; FONSECA, 2018). Na tentativa de homogeneizar as crianças com PC, foram criadas algumas classificações, sendo a mais comum a topográfica, que leva em consideração as partes do corpo acometidas. De acordo com essa classificação, a PC pode ser subdividida em quadriplégica, hemiplégica e diplégica. A forma mais frequente da PC é a diplegia espástica (DE) (BARBOSA; BORGES; KUNZLER, 2016; SILVA; SOUTO, 2020). O sistema de classificação da habilidade manual (MACS) é uma escala para avaliar a funcionalidade, levando em consideração como as crianças com PC usam as mãos para manipular objetos em atividades diárias em sua casa, escola e em ambientes comunitários. O MACS é dividido em cinco níveis, sendo esses estacionários mesmo após uma intervenção. Os cinco níveis são distribuídos em uma escala ordinal incluindo o nível I aquelas crianças com pequenas limitações funcionais leves, enquanto os níveis IV e V inclui as crianças com limitações funcionais graves (ELIASSON et al., 2016). Um estudo realizado em Londrina-PA com 75 crianças identificou que 40% apresentavam limitações graves em termos motores e da capacidade manipulativa bimanual, 21 crianças (28%) apresentavam alterações oromotoras graves ou muito graves da comunicação e a maioria (67%) apresentava algum grau de déficit cognitivo e 41% das crianças seguidas tinham déficit sensorial (visão e/ou audição) (MAGALHÃES et al., 2011). As deformidades dos membros inferiores foram as complicações neuro ortopédicas mais comuns, seguidas das deformidades dos membros superiores e das cifoescolioses. Os doentes espásticos bilaterais foram os que apresentaram maior número de complicações e por isso, beneficiaram mais da administração de toxina botulínica; 40% dos internamentos tiveram como motivo a reabilitação pós-cirurgia ortopédica, nomeadamente alongamentos do tendão de Aquiles (50 %), osteotomias varizantes da anca (34 %) e tenotomia dos adutores (16%) (MAGALHÃES et al., 2011) Diagnóstico O diagnóstico da PC é difícil durante a primeira infância, pois a demora em aprender a andar e a desenvolver outras habilidades motoras (desenvolvimento motor), espasticidade ou a falta de coordenação se tornam mais perceptíveis conforme a criança tem mais idade. No entanto, 246

Paralisia cerebral - classificação caso seja observado alguma alteração que gere suspeitas a conduta médica é solicitar exame de imagem, sendo a ressonância magnética (RM) o mais recomendado, porque consegue detectar anomalias que podem estar causando o sintoma (SILVA; SOUTO, 2020). Segundo Ribeiro et al. (2016) a identificação precoce da PC e do atraso no desenvolvimento é meta importante para os profissionais de reabilitação, uma vez que intervenções preliminares podem minimizar deficiências motoras e incapacidades, comumente encontradas nesta população. A mãe ou responsável também deve ser questionado a respeito de problemas durante a gestação ou parto e sobre como o desenvolvimento da criança está progredindo. Essas informações podem ajudar a identificar a causa. É importante ressaltar que, apesar de exames de laboratoriais não identificarem a paralisia cerebral, eles podem ser solicitados para identificar uma possível causa e para procurar por outros distúrbios (BRASIL, 2018). Em um estudo realizado em Belém-PA, com 13 mães de crianças com PC constataram a importância dos aprendizados adquiridos, o processo de amadurecimento, os sofrimentos experimentados, as percepções acerca da felicidade e os desafios a serem vencidos por essas mães, pois apesar das dificuldades, as mães percebiam-se realizadas com a construção dos intensos aprendizados sobre os cuidados exigidos na PC (AFONSO et al., 2020). Destaca-se ainda se a causa ainda permanecer incerta, ou se os problemas musculares parecerem estar piorando ou forem diferentes daqueles que costumam ser causados pela paralisia cerebral, podem ser necessários outros exames, como estudos elétricos dos nervos (estudos de condução nervosa) e dos músculos (eletromiografia) e exames genéticos. No entanto, o tipo específico de paralisia cerebral com frequência não pode ser distinguido antes de a criança atingir os dois anos de idade (LIMA; FONSECA, 2018). Por fim, os déficits sensoriais (audição e visão), o déficit cognitivo, as perturbações da comunicação e da função oromotora assumem frequentemente um papel de relevo nas crianças com paralisia cerebral, limitando a sua interação com o meio envolvente e a integração social e escolar da criança. Nesse sentido, deverão ser rotineiramente avaliadas pelo clínico durante as consultas da criança/adolescente com PC, com base nas Escalas constantes no Inquérito do Programa de Vigilância Nacional da Paralisia Cerebral aos 5 anos de idade, para uma intervenção antecipada (BRASIL, 2018). 247

Reabilitação: teoria e prática Prognóstico O prognóstico da PC está diretamente relacionado à sua gravidade, ou seja, ao grau de especificação. Todavia, sobressaem-se a quantidade elevada de crianças que sobrevivem até a idade adulta. Somente as crianças mais gravemente afetadas, aquelas incapazes de qualquer tipo de cuidados pessoais ou de alimentar-se pela boca têm uma expectativa de vida substancialmente mais curta. Desta forma, quanto melhor for o tratamento e assistência recebidos por essas crianças, especialmente aquelas com paraplegia ou hemiplegia espástica, melhores serão suas possibilidades de sobrevida (LIMA; FONSECA, 2018). Tratamento Um dos principais tratamentos empregados a pessoas com PC é a reabilitação, que tem como objetivos contemplar o ganho de novas habilidades e minimizar ou prevenir complicações como, deformidades articulares ou ósseas, convulsões, distúrbios respiratórios e digestivos (BRASIL, 2018). Destaca-se ainda a necessidade e a importância da atuação de uma equipe multiprofissional, incluindo: fisioterapeuta, ortopedista, neurologista, pediatra e oftalmologista, além de outros especialistas da saúde como, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, psicólogo, educador físico e nutricionista. A equipe multidisciplinar pode melhorar muito sua qualidade de vida, sendo importante que suas capacidades de convívio social, de produção e de trabalho sejam reconhecidas, permitindo que tenham uma vida o mais próximo do normal (CORREIA; SALIMENE, 2016). Além disso, nesse tratamento é necessário entender que esses pacientes precisam de altas demandas de cuidado exercido por longo tempo. Além disso, o quadro clínico é variado, exigindo mudanças e adaptações em todo o contexto familiar, com assistência às atividades de vida diária e às necessidades de cuidados gerais, de escolarização e de socialização, devido às condições funcionais e de saúde (AFONSO et al., 2020). Estudo realizado em Fortaleza-CE, com 122 pais de crianças com PC, nos meses de outubro/2012 a janeiro/2013, reforçam que as crianças com PC apresentam características peculiares que precisam de assistência multiprofissional, numa abordagem interdisciplinar, pois é necessário que haja intervenção o mais precoce, a fim de melhorar o desempenho na execução das atividades da vida diária (CAVALCANTE et al., 2017). Estudo realizado com 200 pais da Jordânia ao avaliar o grau de sofrimento de pais de crianças com PC indicou, nesse sentido, que mais de 60% se sentiam, em algum momento, nervosos e estressados e que a 248

Paralisia cerebral - classificação deficiência grave na criança estava associada ao alto sofrimento psíquico (AL-GAMAL; LONGO, 2013). Além do comprometimento severo da condição apresentada pela criança, a incompreensão, ou até mesmo, em alguns casos, a negação das necessidades especiais decorrentes da paralisia cerebral, demonstra agravar a condição das mães, levando a uma postergação do início do tratamento, o que evidencia o despreparo dessas famílias para prestar o cuidado à criança. É importante ressaltar também que cuidar de filhos com paralisia cerebral afeta a saúde (física e emocional), a liberdade dos pais e a estabilidade financeira da família, causando impacto na qualidade de vida e leva à necessidade de readaptações no cotidiano (AFONSO et al., 2020). Entretanto, a literatura aponta lacuna no que diz respeito ao pouco conhecimento relacionado às experiências de cuidar de filhos com diferentes graus de comprometimento motor e como estas experiências são descritas nas diferentes fases da vida destes. Esse corpo de conhecimento certamente será útil para que profissionais da saúde possam ajudar essas mulheres a lidar com as necessidades específicas dos filhos e com as situações que são mais desafiadoras (AFONSO et al., 2020; RIBEIRO et al., 2016). Existe também a possibilidade de terapias medicamentosas, como por exemplo a toxina botulínica do tipo A (TBA) tem sido empregada há mais de duas décadas no tratamento da espasticidade na PC, principalmente na faixa etária dos dois aos oito anos e em casos de deformidades dinâmicas focais. Essa toxina vem sendo usada de forma injetada nos músculos, e contribui para que os mesmos tenham menos capacidade de movimentar as articulações de maneira desigual e têm menos propensão de ficarem permanentemente repuxados (um quadro clínico denominado contraturas). (TEDESCO; MARTINS; PANISSOM, 2014). Outros medicamentos usados para diminuir a espasticidade incluem baclofeno, benzodiazepínicos (como diazepam), tizanidina e, às vezes, dantrolene, todos eles tomados por via oral. Algumas crianças com espasticidade grave se beneficiam de uma bomba implantável que proporciona uma infusão contínua de baclofeno no líquido ao redor da medula espinhal (SPOSITO; ALBERTINI, 2010). Cirurgias podem ser realizadas para cortar ou alongar os tendões dos músculos rígidos que limitam o movimento. Além disso, o cirurgião pode conectar os tendões a uma parte diferente da articulação para equilibrar a movimentação da articulação. Algumas vezes, cortar certas raízes nervosas oriundas da medula espinhal (rizotomia dorsal) reduz a espasticidade e pode ajudar algumas crianças, especialmente aquelas que 249

Reabilitação: teoria e prática nasceram prematuras, desde que a espasticidade afete principalmente as pernas e o desenvolvimento mental seja bom (BRASIL, 2018). Muitas crianças com paralisia cerebral crescem normalmente e podem frequentar de modo regular a escola, caso não apresentem incapacidades intelectuais graves. Outras precisam de fisioterapia intensiva, ensino especial e sofrem muitas limitações nas atividades diárias, de modo que necessitam de algum tipo de cuidado e assistência durante toda a vida. Contudo, mesmo crianças gravemente afetadas podem se beneficiar de ensino e treinamento, que aumentam sua independência e autoestima e reduzem bastante o ônus para os familiares ou outros cuidadores (BALTON; BORGES; DUPAS, 2014). Por fim, nesse tratamento as informações e aconselhamentos devem ser disponíveis aos pais em todo o processo, com o intuito de ajudá- los a entender o quadro clínico e o potencial da criança e os apoiar nos problemas à medida que eles surgirem. Desta maneira, o cuidado carinhoso dos pais, juntamente com a assistência de instituições públicas e privadas, tais como instituições de saúde, organizações de saúde, e organizações de reabilitação, podem ajudar a criança a atingir seu maior potencial (BARBOSA; LINHARES; KUNZLER, 2016). Considerações finais A PC abrange conceitualmente um vasto espectro de manifestações da lesão do cérebro imaturo. O estabelecimento do perfil funcional das crianças e adolescentes deve ser conseguido nas consultas médicas, pois é fundamental para identificar e caracterizar de forma fácil e rápida a população e daí inferir sobre as suas necessidades. Para tal, contribuem de forma determinante diversos sistemas de classificação padronizados nomeadamente dos componentes motor, manipulativo, oromotor, cognitivo, sensorial e da comunicação. Portanto, o reconhecimento dos quadros clínicos mais frequentes permite que sejam definidas as estratégias terapêuticas e os recursos necessários a curto e longo prazo, como é o caso do apoio socioescolar. Para além deste último aspecto, é importante prevenir/retardar o surgimento de eventuais complicações, consumidoras de recursos humanos, econômicos, fonte de incapacidade e dor para os doentes. 250


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