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Reabilitação Teoria e Prática

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2022-07-14 19:31:45

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Musicoterapia - compartilhando práticas a não colaborar na terapia pode impactar a qualidade do atendimento terapêutico ou a sua interação social. Podendo ocorrer até desligamento do tratamento. Infelizmente, a hipersensibilidade a sons é pouco conhecida e até desvalorizada por grande parte dos médicos, terapeutas e outros e, neste caso, o maior prejudicado é o paciente (MONTEIRO, 2013). Não existem dados sobre a prevalência de hipersensibilidade a sons na população geral e ainda são poucas as pesquisas sobre sua ocorrência. O estudo individualizado de cada tipo de hipersensibilidade a sons por patologia permitirá melhor compreensão do paciente e a adoção de tratamentos específicos. Hiperacusia É a tolerância reduzida a sons, mesmo em intensidade moderada (tipicamente em média 60-85 dB). A hiperacusia é definida como uma tolerância colapsada a sons ambientais normais. As orelhas também perdem a maior parte de seu alcance dinâmico. O que é alcance dinâmico? Alcance dinâmico é a capacidade do ouvido de lidar com mudanças rápidas na sonoridade. De repente, os ruídos cotidianos soam insuportavelmente ou dolorosamente altos. Neste caso o indivíduo apresenta uma reação intensa e anormal das vias auditivas a sons comuns do meio ambiente, como o som de abrir e fechar uma janela, o som de uma torneira aberta, do funcionamento do computador, do tilintar do garfo no prato, do ruído de um material do atendimento terapêutico ou médico ou de determinado exame, da voz de um determinado profissional e de outro, não, por exemplo, devido a uma alteração no processamento auditivo central. Os limiares de audição não diferem dos limiares de indivíduos normais e, ao contrário do que sugere o nome, indivíduos com hiperacusia não ouvem mais que outras pessoas com audição normal (HYPERACUSIS NETWORK, 2021). Misofonia Segundo, Westcott (2013), misofonia é uma forte antipatia ao som e é generalizada - quase todo mundo tem um som que não gosta em algum momento. “É o sistema límbico exagerado e causando uma reação de luta ou fuga?” (CASSIE, 2010).   Jastreboff (2012)que introduziu o termo em domínio público em 2001, destaca que: -Misofonia ocorre em cerca de 60% d​​ os pacientes com zumbido por uma reação negativa ao som com um padrão específico e significado. 301

Reabilitação: teoria e prática - As características físicas de um som (o seu espectro de intensidade) são secundárias. - As reações ao som dependem do paciente, de sua história passada e dependem de fatores não auditivos, como por exemplo, a avaliação prévia do paciente, do som, o perfil psicológico do paciente, e do contexto em que o som é apresentado (ISO - Identidade Sonora), anamnese, ficha musicoterapêutica. Fonofobia “Fonofobia é um caso específico de misofonia na qual as pessoas temem ser expostas a um determinado som, muitas vezes na crença de que ele irá danificar o ouvido, fazer seu zumbido piorar (quando o tem), e leva a níveis elevados de ansiedade incontrolável. Fonofobia pode se desenvolver em associação com hiperacusia e zumbido. Os sintomas podem variar de leve a grave” (WESTCOTT, 2013). Fonofobia é um caso especial de misofonia quando o medo é uma emoção dominante. “Note-se que tanto hiperacusia e misofonia estão evocando as mesmas reações, emocional e autônoma (corpo) e é impossível discriminar entre eles com base em reações observadas” (JASTREBOFF, 2012). Atendimentos no setor de musicoterapia Alguns pacientes da Clínica de Paralisia Cerebral tem uma percentagem de hipersensibilidade a sons bem representativa, hiperacusia (mesmo em bebês) e que precisam de dessensibilização para ter melhor evolução nos outros setores como: fisioterapia solo e aquática, terapia ocupacional, consultas médicas, entre outros. O diagnóstico é baseado em treinamento prático e estudos anteriores realizados por Marilena Nascimento e a aplicação da escala de desconforto auditivo. Tratamento O Quadro de Comportamento frente ao desconforto criado por NASCIMENTO (2009) pode ser utilizado para registrar as reações ao desconforto auditivo, pontuar, enquadrar no setor para a dessensibilização ou apenas orientação sistemática e observação da criança. Mesmo crianças muito pequenas ou crianças com quadros mais graves, com as devidas orientações às famílias, e evolução em geral é de melhora e a dessensibilização é conseguida. Utiliza-se o decibelímetro para se ter segurança nos níveis de desconforto do paciente, e todas as etapas musicoterapêuticas recomendadas inicialmente com o paciente são realizadas: 302

Musicoterapia - compartilhando práticas - Exposição ao estímulo sonoro de forma lúdica durante o tratamento com a participação ativa do paciente no setor e em casa com orientação aos pais e familiares de forma gradativa. - Reavaliação a cada três meses para definir evolução mesmo com o tratamento em ambientes variados; casa, socialmente, centro de reabilitação, no setor. Relatório para equipe. - Alta quando os objetivos de dessensibilização são alcançados. Caso a criança seja muito pequena e permaneça em tratamento, o acompanhamento prossegue e caso haja necessidade haverá retorno. ChamaatençãoquealgunspacientesdaClínicadeMielomeningocele (um tipo de malformação congênita da coluna vertebral e medula espinhal, caracterizada por paraplegia flácida e alteração sensitiva abaixo do nível da lesão, o que implica em comprometimento neurológico, ortopédico e urológico) apresentaram misofonia, e outros, de forma mais grave, fonofobia. Nestes casos objetivos direcionados a trabalhar a superação destas fobias por prejudicar pontualmente seu tratamento e qualidade de vida são necessários. Hazel (APUD BASSANELO, 2000) destacou que a fonofobia poderia conduzir a hiperacusia e consequentemente persistência de uma percepção anormal aos sons. Segundo Sanchez, também citado por BASSANELO em seu excelente trabalho de revisão bibliográfica, alguns pacientes poderiam apresentar associação de fonofobia e hiperacusia em diferentes graus e isto significaria que eles literalmente temeriam a exposição a um certo tipo de som, mesmo apresentado em baixa intensidade. “Para os pacientes, hipersensibilidade auditiva pode provocar ansiedade e até medo. Isso pode ser verdade para sons específicos ou para o som em geral. As ligações entre o sistema auditivo central e áreas do cérebro implicadas na ansiedade e medo estão agora sob escrutínio. Especificamente, foram identificadas ligações anatômicas e funcionais entre o sistema auditivo central e da amígdala” (BAGULEY, 2003). A técnica comportamental de enfrentamento é utilizada de forma lúdica e prazerosa usando-se experiências musicais em musicoterapia e a técnica de provocativa musical (BARCELLOS, 2019) levando-se os pequenos pacientes a ter mais tempo para utilizar seu hemisfério racional e não ape- nas o instinto. Já que fonofobia é uma reação anormal do sistema límbico e autônomo, sem uma ativação dos sistemas, resultando em um aumento de conexões entre o sistema límbico e auditivo. Brincando e também cons- truindo estratégias com os pais de atividades que possam ser realizadas em casa para gradualmente vencer suas fobias. Histórias, imagens com so- noplastia e o ampliar do mundo racional também faz parte do plano de tratamento, bem como reavaliação a cada três meses com relatório para a equipe também faz parte do procedimento até a alta. 303

Reabilitação: teoria e prática Figura 4: Bebê da Clinica de Mielomeningocele em tratamento de desensibilização auditiva, fonofobia, no setor. Fonte: Arquivo pessoal Prevenção Por termos um período das chuvas que fazem parte da rotina de nossa região, passamos a adotar estratégias de prevenção para minimizar possíveis reações exageradas aos sons de chuva, trovões e tempestades;e também a sons de fogos de artifício relativos a comemorações coletivas da sociedade que também causam impacto no desconforto auditivo. In- corporamos em nossos grupos historinhas cantadas com estes elementos sonoros, reduzindo ou eliminando assim prováveis fonofobias que possam 304

Musicoterapia - compartilhando práticas surgir com esta nossa clientela de estimulação precoce e habilitação.Ao mesmo tempo, exemplificamos, orientamos de forma prática e lúdica a fa- mília como lidar e trabalhar nos enfrentamentos e tratamentos das fonofo- bias de suas crianças futuramente. Considerações finais O trabalho colaborativo com colega de outras disciplinas oferece ao musicoterapeuta a oportunidade de incorporar conhecimentos teórico-práticos específicos da área de neurodesenvolvimento e de neuroreabilitação e conhecer sobre as diversas modalidades de abordagem e atenção. A musicoterapia tem contribuído cada vez mais junto à equipe de reabilitação para melhora do paciente em um contexto global. Os pacientes diariamente nos inspiram e impulsionam a buscar novos caminhos para a reabilitação. Há um enorme potencial da Musicoterapia que pode ser mais conhecido, difundido e incorporado ao universo da reabilitação nacional e mundial. Referências bibliográficas ANDERSON, Dane E.; PATEL, Aniruddh D. Infants born preterm, stress, and neurodevelopment in the neonatal intensive care unit: might music have an impact? Developmental Medicine & Child Neurology, v. 60, n. 3, p. 256- 266, 2018. ALVARADO, Rolando Angel. Estimulação musical no primeiro ano de vida. Zona Perto, n. 31, p. 132-143, 2019. Bassanelo Andréa Estudo da hiperacusia: revisão bibliográfica. 46 f. 2000. Monografia (Especialização em Audiologia Clínica), Centro de Estudos dos Distúrbios da Audição, São Paulo, 2000. BAGULEY, David M. Hyperacusis. Journal of the Royal Society of Medicine, v. 96, n. 12, p. 582-585, 2003. BARCELLOS, Lia Rejane Mendes. O musicoterapeuta na contemporaneidade. Revista InCantare, Curitiba, v. 11, n. 2, jul./dez. 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2016. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à pessoa com 305

Reabilitação: teoria e prática paralisia cerebral / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília : Ministério da Saúde, 2014. BRUSCIA, K. E. Definindo musicoterapia. 3. ed. Dallas: Barcelona Publishers, 2016. CROSS, I.; HALLAM, S.; THAUT, M. Oxford handbook of music psychology. Oxford: Oxford University Press, 2016. CUNHA, Rosemyriam. Reflexões sobre a prática da musicoterapia em grupo. Brazilian Journal of Music Therapy, v. 21, n. 26, 2019. FERRARI, Elenice A. et al. Plasticidade neural: relações com o comportamento e abordagens experimentais. Psicologia: teoria e pesquisa, v. 17, n. 2, p. 187-194, 2001. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-37722001000200011 FERNANDES, A.; RAMOS, A.; CASALIS, M. E.; HEBERT, S. AACD – Medicina e reabilitação: princípios e prática. São Paulo: Artes Médicas, 2007. HASLBECK, Friederike Barbara; BASSLER, Dirk. Music from the very beginning—a neuroscience-based framework for music as therapy for preterm infants and their parents. Frontiers in behavioral neuroscience, v. 12, p. 112, 2018. JABER, Maíra dos Santos. O bebê e a música: sobre a percepção e a estruturação do estímulo musical, do pré-natal ao segundo ano de vida pós-natal. 96f. 2013. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. JASTREBOFF, Pawel J.; JASTREBOFF, Margaret M. Treatments for decreased sound tolerance (hyperacusis and misophonia). In: Seminars in Hearing. Thieme Medical Publishers, 2014. p. 105-120. MONTEIRO, N. C. C. R.; GONÇALVES, C. S. G. A. G. Auditory musical verbal scale from zero do five years for music education and music therapy practice. Music Therapy Today - WFMT online journal, v. 16, n. 1, p. 177- 178. Disponível em: issuu.com/presidentwfmt/docs/mtt.vol.16._n__1. Acesso: 28 nov. 2021. MONTEIRO, Camila Siqueira Gouvêa Acosta. Aplicações da musicoterapia em reabilitação física na atualidade. In: Anais Simpósio Brasileiro de Musicoterapia, Curitiba, 2020. MONTEIRO, Nydia Cabral Coutinho do Rego. Quadro do desenvolvimento audiomusicoverbal infantil de zero a cinco anos para a prática de educação musical e musicoterapia. Brazilian Journal of Music Therapy, v. 11, p. 102- 120, 2011. 306

Musicoterapia - compartilhando práticas MONTEIRO, Nydia Cabral Coutinho do Rego. Manual de orientação para uma melhor qualidade de atendimento do paciente com hipersensibilidade a sons em ambiente da área de saúde e domiciliar: o hiperacústico. Teresina: CEIR- Centro Integrado de Reabilitação Física de Teresina- Piauí, 2013. NASCIMENTO, M. (Org.). Musicoterapia e a reabilitação do paciente neurológico. São Paulo: Memnon, 2009. NASCIMENTO, Marilena. Tolerância a sons na criança com paralisia cerebral: modelo de dessensibilização na intervenção musicoterapêutica. In: _______. Musicoterapia e a reabilitação do paciente neurológico. São Paulo: Memnon, 2009. PFEIFER, Camila F.; ZAMANI, Christina. Explorando el cerebro musical: musicoterapia, música y neurociencias. Buenos Aires: Kier, 2017. WESTCOTT, M. Hyperacusis: A clinical perspective on understanding and anagement. The New Zeland Medical Journal, v. 123, n. 1311, p. 154-167, 2010. WESTCOTT, Myriam et al. Tonic tensor tympani syndrome in tinnitus and hyperacusis patients: a multi-clinic prevalence study. Noise and Health, v. 15, n. 63, p. 117, 2013. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Reabilitação em sistemas de saúde. World Health Organization, 2010. WORLD HEALTH ORGANIZATION. World health statistics 2018: monitoring health for the SDGs, sustainable development goals. World Health Organization, 2018. ZANI, Braz. Music therapy as a therapeutic strategy for the hospitalized premature: integration review. Surg. Clin. Res, v. 21, n. 1, p. 111-118, 2018. Sites: HYPERACUSIS. Are all sounds too loud? Disponível em: https://hyperacusis. net. Acesso em: 19 fev. 2022. THE ACADEMY OF NEUROLOGIC MUSIC THERAPY. In memory of Robert F. Unkefer. Disponível em: https://nmtacademy.co/. Acesso em: 20 fev. 2022. 307



22 Mielomeningocele José Renato Brandim Gomes A mielomeningocele é o tipo mais comum de disrafismo espinhal, acometendo um a cada 1400 nascimentos. O defeito inicial, é uma falha no fechamento do sulco neural para formar um tubo neural, o que ocorre por volta de 28 dias de vida. Ocorre na porção média ou caudal do sulco, levando à falha de fechamento do canal vertebral e displasia da medula espinhal (Figura 1). A mielomeningocele é o defeito mais frequente, correspondendo a 85% dos casos, contendo em sua bolsa medula espinhal e/ou suas raízes, com líquido cérebro espinhal, associado a um defeito ósseo no canal vertebral, que normalmente é bastante alargado (Figura 2). O saco neural fica protruso acarretando comprometimento motor, sensorial, intestinal e/ou urológico nas regiões abaixo do nível da lesão. Pode estar associada a outras lesões na medula espinhal tais como diastematomielia ou hidromielia, além de malformações a nível cerebral, como hidrocefalia e malformação de Arnold–Chiari II, que quando presentes estão relacionadas à piora da função neurológica. Ocorre com maior frequência na transição toracolombar e é muito rara em região cervical (Figura 3). Na meningocele, há somente a protusão da bolsa com liquido cerebroespinhal, com defeito ósseo mínimo. Na mielocele, há a exposição das raízes neurais, sem qualquer cobertura ou bolsa. Na lipomeningocele, há a presença de uma tumoração associada a um defeito ósseo, emaranhado nas raízes nervosas, levando a um quadro variado de repercussão clínica (Figura 4).

Reabilitação: teoria e prática Figura 1: Local do defeito de fechamento do tubo neural e suas repercussões. Fonte: Adaptado de JONES KL, 2006 Há ainda a espinha bífida oculta, onde há uma pequena falha óssea no arco vertebral, podendo estar associado ou não a alteração neural. Pode ocorrer também agenesia de segmento lombossacral da coluna vertebral, sem conexão óssea do tronco e a pelve, levando a deformidades importantes e paralisia grave. Neste capítulo, o manejo ortopédico dos pacientes com quadro de mielomeningocele será abordado. 310

Mielomeningocele Figura 2: Defeito ósseo posterior Fonte: Arquivo pessoal Figura 3: Prevalência dos níveis de acometimento Fonte: CARVALHO MV, 2014 311

Reabilitação: teoria e prática Figura 4: Principais tipos de defeitos de fechamento do tubo neural Fonte: FERNANDES AC, et al., 2007. Incidência e etiologia Não se sabe a causa do defeito de fechamento do tubo neural, mas há algumas características associadas: 1. É mais frequente na raça branca que na raça negra; 2. É mais prevalente em países anglo-saxônicos; 3. Dietas pobres em ácido fólico pelas mães, aumentam a chance do filho ser acometido pela doença, havendo inclusive maior risco de ocorrência quando a mãe ingere substâncias antagonistas do ácido fólico, como: fenitoína, fenobarbital, carbamazepina, sulfassalazina, primidona, triantereno, metotraxate, trimetropim ou aminopterina. Deve ser feita a suplementação dietética de 0,4mg de ácido fólico diariamente em mulheres em idade fértil com a intenção de engravidar. Se houver relato prévio de gravidez com disrafismo, esta suplementação deve ser de 4mg (10 X maior). No Brasil, há uma resolução da ANVISA desde 2002 (resolução 344/2002), que obriga o acréscimo de 150mcg de ácido fólico em 100g de farinha de milho e trigo. Nos países que adotaram de forma rígida esta política de suplementação de ácido fólico nos alimentos, tem sido notado uma consistente redução na incidência de defeitos do tubo neural. 4. Há a possibilidade de tratamento ainda intraútero, seja por cirurgia laparoscópica ou por cirurgia aberta com laparotomia. Estudo publicado em 2011 (MOMS) demonstrou uma melhora no padrão motor, bem como diminuição da necessidade de derivação ventricular, mas com aumento de mortalidade fetal e materna relacionada ao procedimento. Vários centros 312

Mielomeningocele vêm se dedicando ao aprimoramento desta técnica que parece ser bastante promissora na abordagem precoce da mielomeningocele, com resultados que mostram ainda a diminuição da incidência e gravidade de herniação cerebelar. 5. Quando um casal tem um filho com Defeito de Fechamento do Tubo Neural (DFTN), a chance de o segundo filho vir a ter é de 5%, terceiro 10% e o quarto 25%; 6. A doença é mais frequente no sexo feminino, 58%. Diagnóstico O quadro pode ser diagnosticado ainda durante o pré-natal em exames de ultrassonografia (Figura 5), pela dosagem de alfafetoproteína no soro materno, que não é um exame específico, mas valores elevados são fortemente sugestivos e a eletroforese de acetilcolinesterase no líquido amniótico, apontado como o exame mais valioso para o diagnóstico precoce. O conhecimento prévio da patologia direciona o tratamento imediato ao nascer em local e com equipe apropriada. No Brasil, não há a autorização para interrupção de gravidez, uma vez realizado o diagnóstico, mas esta é uma realidade em alguns países. Figura 5: Imagem ultrassonográfica de Mielomeningocele Fonte: Dr.Aylton de Sá Brandim Níveis neurológicos - São quatro, os níveis neurológicos definidos por Hoffer e colaboradores (1973), que são avaliados pela função constatada em musculatura de membros inferiores e não pela localização da cicatriz. Esta definição é fundamental para abordagem inicial, prognóstico de funções e padrões motores a serem adquiridos a longo prazo, bem como a identificação de variações para o diagnóstico precoce de medula presa, que será abordada posteriormente. 313

Reabilitação: teoria e prática Nível torácico - Não há movimentação ativa de membros inferiores. Tem um prognóstico de marcha muito ruim. Na fase adulta, geralmente são cadeirantes com marcha comunitária muito rara. É preciso acompanhar de perto desde a infância com o uso de órteses para evitar deformidades em posição de abandono (Figuras 6 e 7). Deve-se estimular o ortostatismo, com órteses longas mesmo que não haja marcha, para melhoria do sistema digestório e urinário, facilitando o esvaziamento, bem como prevenção de osteoporose. Deve-se ainda ter cuidado especial com a obesidade, que compromete a reabilitação, além de aumentar o risco de lesões de pele (Figura8). Figura 6: Ortetização e abordagem precoce Figura7: Mielo torácica em posição de abandono Fonte: Arquivo pessoal Figura 8: Obesidade em paciente com mielo torácica Fonte: Arquivo pessoal 314

Mielomeningocele Nível lombar alto. Há a constatação de atividade dos músculos psoas, adutores de quadris e eventualmente dos quadríceps. Até 50% destes pacientes conseguem deambulação útil. Na maioria das vezes com órteses longas, alguns poucos conseguem com órteses suropodálicas e muletas. É preciso cuidado especial com a obesidade, pois pode ser o fator limitante para desenvolvimento da marcha. Figura 9: FMS- Escala de Mobilidade Funcional Fonte: GRAHAM HK E COLS, 2004. 315

Reabilitação: teoria e prática Nível lombar baixo. Há atividade dos músculos psoas, adutores de quadris, quadríceps, flexores mediais de joelhos e eventualmente, tibial anterior e/ou glúteo médio. São normalmente deambuladores, usando órteses suropodálicas e bengalas. Nível sacral. Há atividade dos músculos psoas, adutores de quadris, quadríceps, flexores mediais de joelhos, tibial anterior, glúteo médio e ainda flexão plantar e /ou extensão do quadril. São deambuladores, havendo necessidade do uso de órteses para prevenção do desenvolvimento de mal perfurante plantar, principalmente na infância. Na avaliação do paciente, podemos ainda usar ainda a FMS (Functional Mobility Scale). É uma escala que considera a capacidade de deslocamento do paciente em três situações específicas, em casa (5 metros), na escola (50 metros) e na comunidade (500 metros). A sua utilidade está no fato de promover uma avaliação mais objetiva e facilitar a comunicação entre profissionais de saúde que lidam com o paciente, podendo ainda ser usada para avaliação pré e pós procedimentos cirúrgicos, de reabilitação, ortetização etc. A FMS foi criada inicialmente para avaliação de paralisia cerebral, mas tem sido um instrumento útil de avaliação na mielomeningocele. Por exemplo, se uma criança usa andador em casa e no colégio e usa cadeira de rodas na comunidade, será FMS 2,2,1 (Figura 9). Recentemente Dias L S e cols, propuseram uma nova classificação The Myelomeningocele Functional Classification (MMFC), que subdivide os pacientes em quatro tipos levando em consideração a funcionalidade dos grupos musculares, avaliando a força pelo teste muscular manual e considerando funcional um músculo com força muscular maior ou igual a 3, exceto isquiotibiais mediais e glúteos médios cuja força para ser considerado funcional deve ser maior ou igual a 2. Esta classificação faz ainda uma correlação com a Functional Mobility Scale (FMS) e faz uma associação com os tipos de órteses ou suportes que devem ser usados pelos pacientes em cada nível. É uma classificação dinâmica que pode mudar por conta de intercorrências clínicas do paciente, como medula presa ou alterações da derivação ventriculoperitoneal.  Estes são os níveis nesta classificação:  MMFC1 Pacientes com grande  fraqueza muscular, podendo ter força muscular no iliopsoas, mas o quadríceps não tem força muscular funcional. Necessitam do uso de Órtese de Reciprocação ou Tutor Pélvico Podálico para marcha, a maioria vai precisa de andador ou até mesmo muletas. Muitos não terão condição de marcha por conta de equilíbrio ruim de tronco. Com relação a FMS, a maioria será 2/2/1 abaixo de 11 anos, com 316

Mielomeningocele a idade e ganho de peso, há o aumento do gasto energético e pode haver mudança para 2/1/1. Geralmente por volta de 11 a 13 anos se tornarão 1/1/1.Este nível pode ser constatado já ao nascimento, quando a criança não apresenta mobilidade nos membros inferiores. MMFC2 Pacientes que têm flexão de quadril e extensão de joelho, isquiotibiais mediais têm força muscular pelo menos grau 2, sem força funcional em abdutores de quadril. Necessitam do uso de andador, AFOs antes de quatro anos de idade, muletas e AFOs após esta idade. Tem geralmente um padrão de marcha ruim sem o uso de suportes externos. Com relação à FMS, a maioria será 3/3/3,3/3/2 ou 3/3/1, quando jovem abaixo de 13 anos. Com a idade e o ganho de peso, podem se tornar 3/2/1, 2/2/1 ou 2/1/1. Geralmente não se consegue uma definição deste nível até a idade de quatro anos. MMFC3 Pacientes que têm flexores de quadril, extensores de joelhos, flexores de joelhos e abdutores de quadril, representado pela função de glúteo médio. No entanto, não há a presença de flexores plantares. A maioria tem marcha independente, usando somente AFO, sem suporte externo. Alguns pode se beneficiar do uso de muletas para deslocamentos em grandes distâncias. Com relação a FMS, a maioria e 5/5/5, 5/5/3 ou 5/3/3. Na vida adulta podem se tornar 5/5/1 ou 5/3/1. Assim como a MMFC2, este nível não consegue ser definido até a idade de quatro anos. MMFC4 Pacientes que têm função preservada de toda a musculatura do membro inferior, incluindo flexores plantares. Geralmente não precisam de órteses para apresentarem um padrão de macha adequado. Alguns podem se beneficiar do uso de órtese supramaleolar ou palmilhas. Com relação a FMS são 6/6/6. Assim como MMFC1, este nível pode ser constatado em recém-nascidos. Abordagem ortopédica Deformidades em tronco A deformidade na coluna e consequentemente no tronco, está presente de forma frequente em pacientes com mielomeningocele; sua incidência está relacionada ao nível motor, quanto mais alto o nível maior a incidência, chegando em alguns estudos a 100% no nível torácico e a 5% no nível sacral (Figuras 10 e 11). O paciente com mielomeningocele, deve ser submetido à avaliação radiológica de coluna pelo menos uma vez ao ano. 317

Reabilitação: teoria e prática Figura 10: Mielo torácica Fonte: Arquivo pessoal Figura 11: Mielo sacral Fonte: Arquivo pessoal 318

Mielomeningocele As causas estão relacionadas a diversos fatores, como a fraqueza muscular abaixo da lesão, ausência dos elementos posteriores da coluna, associação com malformações em vértebras, ocorrência de medula presa ou siringomielia, contratura ou deformidades articulares em membros inferiores e disfunções das derivações ventrículo peritoneais. Cifose - É a deformidade mais grave e limitante, por alterar até mesmo o equilíbrio sentado das crianças. Figura 12: Lordose torácica, cifose lombar. Paciente com mielo torácica. Fonte: Arquivo pessoal Figura 13: Mielo torácica Figura 14: Mielo torácica Fonte: Arquivo pessoal 319

Reabilitação: teoria e prática Elas podem ocorrer tanto por desequilíbrio muscular, com curvas longas e com piora progressiva, que se estruturam na adolescência, e também já podem ocorrer malformações congênitas graves ao nascimento, sendo estas mais rígidas, incapacitantes e de rápida evolução, havendo inclusive a possibilidade de uma lordose torácica compensatória. Figura 15: Mielo torácica Fonte: Arquivo pessoal Esta deformidade é associada à perda do equilíbrio sentado, áreas de lesões de pele por compressão e com a evolução pode ser associada a alterações respiratórias pela restrição de expansão da caixa torácica (Figuras 12,13, 14 e 15). 320

Figura 16: Escoliose dorsal Mielomeningocele Figura 17: Escoliose associada à malformação vertebral. Fonte: Arquivo pessoal Escoliose - Pode estar associada à malformação congênita, desequilíbrio muscular ou ambos. Tem uma incidência de 62% a 90%, sendo mais frequente em pacientes não deambuladores e pode evoluir para a necessidade de cirurgia. Deve-se considerar que, piora de forma rápida do quadro de escoliose, pode estar associada a malformações dentro do canal espinhal ou medula presa (Figuras 16 e 17). Hiperlordose lombar - Tem como causa principal a medula presa e geralmente vem acompanhada de contratura em flexo de quadris. Por conta da anteriorização do tronco, traz grande limitação de mobilidade prejudicando a ortetização, se houver rápida progressão, deve-se suspeitar de patologias intramedulares, devendo o tratamento inicial ser a abordagem neurocirúrgica (Figura 18). O tratamento objetiva manter um bom equilíbrio de tronco e o máximo de comprimento do mesmo, com a melhor função respiratória possível e com a prevenção de lesões de pele. Este bom equilíbrio está relacionado a um melhor prognóstico para trocas posturais, uso de cadeira de rodas e até mesmo auxílio da marcha em níveis mais altos. Por isso, o tratamento pode ser conservador com a observação e acompanhamento de curvas menores e não progressivas. 321

Reabilitação: teoria e prática Figura 18: Hiperlordose lombar e flexão de quadris Fonte: Arquivo pessoal Em alguns casos pode-se fazer o uso de adaptação em cadeiras de rodas ou até mesmo coletes (Figura 19), devendo-se sempre ter o cuidado de inspeção de pele por conta da diminuição de sensibilidade dos pacientes. É preciso deixar claro para a família que o colete tem um efeito maior de contribuir para manutenção do posicionamento do paciente, do que no controle de progressão da curva. Figura 19: Órtese toracolombosacra Fonte: Arquivo pessoal 322

Mielomeningocele Deve ser usado somente durante o dia. O tratamento cirúrgico é indicado em curvas progressivas e que levam a grandes descompensações nos planos frontal e/ou sagital. É indicado acima de seis anos de idade nas cifoses e de dez anos nas escolioses. É preciso sempre avaliar a função pulmonar, possível infecção urinária, estado nutricional, condições de pele, se há medula presa e compensação da hidrocefalia. As artrodeses geralmente são longas e podem incluir ou não a pelve, dependendo se o paciente é deambulador ou não; há uma tendência a não fazê-lo se o paciente for deambulador. Pode ainda haver a necessidade de abordagem por vias anterior e posterior. São complicações do tratamento cirúrgico: fístula liquórica, deiscência de pele, infecções (até 40% dos casos) e pseudoartrose (até 50% dos casos). Quadril - As deformidades nos quadris dependem do nível neurológico da mielomeningocele. No nível torácico constata-se com frequência a deformidade em flexão, abdução e rotação externa, por conta da posição de abandono dos membros inferiores e geralmente são associadas à deformidade em flexão dos joelhos e equino dos pés. Figura 20: Paciente adulto com deformidades em quadris, joelhos e pés, por conta de posição de abandono. Fonte: Arquivo pessoal 323

Reabilitação: teoria e prática A orientação de posicionamento e uso precoce de órteses é o melhor caminho para a prevenção destas deformidades, mesmo que não haja prognóstico de marcha, pois uma vez estabelecidas, elas dificultam até o posicionamento em cadeira de rodas (Figura 20). O tratamento cirúrgico deve ter como objetivo facilitar a ortetização ou melhorar o posicionamento em cadeira e quando realizado, há liberação Figura 21: Mielo lombar, com adução de quadris e subluxação. Fonte: Arquivo pessoal Figura 22: Luxação de quadris Fonte: Arquivo pessoal 324

Mielomeningocele de partes moles em quadril, principalmente de flexores, devendo-se corrigir outras deformidades que sejam associadas, no mesmo ato. Nos níveis lombar alto e lombar baixo há uma predominância dos flexores e adutores dos quadris sobre os glúteos (abdutores e extensores), levando a uma contratura em flexão e adução. Quando são deformidades leves, podem ser utilizados órteses e alongamentos; quando superiores a 30 graus levam à anteriorização importante do tronco, necessitando de tratamento cirúrgico com liberação de adutores e flexores. Podem estar associados à luxação do quadril (Figura 21). A luxação de quadril é mais frequente quanto mais alto for o nível neurológico. É mais comum nos níveis torácicos e lombar alto (Figura 22). O tratamento é via de regra conservador, pois não tem sido constatado vantagens funcionais pós-operatórias, e principalmente, a luxação não é obstáculo para o desenvolvimento da marcha, devendo-se ter especial atenção na prevenção de deformidades e no fortalecimento de musculatura funcional presente. Quando há uma assimetria de membros inferiores, faz-se a compensação com palmilhas associadas às órteses. Joelhos - A deformidade mais comum é em flexão e pode estar associada à posição de abandono, principalmente nos níveis mais altos ou Figura 23: Osteotomia extensora de fêmur esquerdo. Fonte: Arquivo pessoal 325

Reabilitação: teoria e prática secundários à medula presa. Deformidades de até 20 graus são compatíveis com uso de órteses. Acima de 30 graus, dificulta o uso destas e há a necessidade de tratamento cirúrgico. Pode ser feita a intervenção em partes moles com tenotomia de flexores e/ou osteotomia extensora supracondiliana de fêmur. Quando a deformidade é muito acentuada, geralmente é realizado o procedimento combinado (figura 23). Estes procedimentos podem ser feitos também para melhora no posicionamento de pacientes não deambuladores ou para facilitar transferências. O recurvo de joelho é raro, mais comum em níveis lombares com quadríceps muito fortes e podem estar associados a outras malformações congênitas. Podem ainda estar associados à correção cirúrgica excessiva do flexo. Geralmente são tratados com gesso seriado e com órtese. Se não houver a correção, pode ser feito abordagem cirúrgica anterior com liberação em V-Y o quadríceps, capsulotomia anterior ou até mesmo tenotomia de tendão patelar em pacientes não deambuladores e sem função do quadríceps. Tornozelos - Tornozelo valgo Pode estar presente em 85% dos pacientes e ocorre principalmente por conta do encurtamento fibular e é Figura 24: Rotação externa da tíbia Fonte: Arquivo pessoal 326

Mielomeningocele associado ao geno valgo e torção tibial externa (figura 24). O tratamento inicial deve ser conservador com o uso contínuo de órteses. Quando houver uma deformidade incapacitante, deve ser feito o tratamento cirúrgico. As técnicas variam de acordo com a deformidade em conjunto. Se não houver torção tibial, pode ser feito tenodese do tendão calcâneo ou epifisiodese do maléolo medial, em pacientes com potencial de crescimento. Quando houver rotação externa associada, pode ser feita a osteotomia varizante e derrotativa interna da tíbia distal. Figura 25: Deformidade em pés e pós-operatório Fonte: Arquivo pessoal Figura 26: Talectomia. Fonte: Arquivo pessoal 327

Reabilitação: teoria e prática Pé - Na mielomeningocele, o pé muitas vezes apresenta a rigidez de um pé artrogripótico e é necessário considerar que são pés insensíveis, com musculatura paralisada e sem propriocepção. Por isso um dos objetivos do tratamento é evitar um pé com áreas de hiperpressão por conta do risco de úlceras, principalmente em pacientes deambuladores. A deformidade mais frequente é a equino-cavo-varo e o tratamento é cirúrgico. Não se deve abordar o pé mielodisplásico para tratamento como o pé torto congênito idiopático, pois ele tem as características próprias já citadas. No procedimento cirúrgico faz-se ampla liberação tendinosa e capsular medial e posterior, e quando necessário, com encurtamento de coluna lateral. Não é feito alongamento tendinoso, somente tenotomia e às vezes até mesmo ressecção de parte do tendão para prevenção de recidivas. No pós-operatório é realizado o uso diuturno de órtese suropodálica, geralmente fixa (Figura 25). Outra opção de tratamento é a talectomia, um procedimento de exceção, indicado na falha do procedimento anterior (Figura 26). O calcâneo valgo é muito frequente no nível lombar e ocorre por desequilíbrio muscular com predomínio do tibial anterior, extensor longo do hálux e extensor longo dos dedos, além dos fibulares. É associado ao pé calcâneo. O tratamento cirúrgico se dá com a liberação anterior pela tenotomia dos tendões extensores e quando necessário, dos fibulares. O pé equino deve ser tratado com tenotomia de tendão calcâneo e quando necessário, capsulotomia posterior. Pé calcâneo ocorre por ação do tibial anterior e o tratamento é feito com a liberação do mesmo. O uso desde cedo das órteses suropodálicas, pode prevenir a evolução para esta deformidade, e deve ser estimulado. Pé talo vertical é uma deformidade rara que deve ser tratada com cirurgia de liberação do tálus e posterior fixação. Em todos os casos, no pós-operatório é feito o uso diuturno de órtese suropodálica, geralmente fixa. Sempre deve ser lembrada a possibilidade de medula presa na avaliação de deformidade dos pés, principalmente quando houver piora recente relatada pela família. Patologias associadas Hidrocefalia Uma grande quantidade de pacientes com mielomeningocele apresenta quadro de hidrocefalia e evoluem para a necessidade de derivação ventricular (Figura27). A incidência varia de acordo com o nível de lesão. No nível torácico, esta incidência pode ser entre 97 e 100 %, no nível lombar pode chegar a 87 %, podendo ainda chegar a 37% no nível sacral. Os pacientes que não fazem derivação, apresentam uma 328

Mielomeningocele Figura 27: Catéter de derivação ventrículo peritoneal Fonte: Arquivo pessoal melhor função motora que os que são submetidos à mesma. É frequente a necessidade de revisão das derivações por conta de infecção ou obstrução, estes eventos comprometem ainda mais o quadro motor do paciente. Malformação de Chiari tipo II - Praticamente todos os pacientes com mielomeningocele apresentam malformação de Chiari II, com deslocamento caudal do lobo posterior do cerebelo e da medula no canal espinhal. Este quadro pode levar a alterações neurológicas no paciente, devendo ser considerado no momento da avaliação da piora clínica. Alergia ao látex - É preciso orientar as famílias a respeito da possibilidade aumentada em pacientes com mielomeningocele de alergia ao látex; cerca de 20 a 30 % dos pacientes tem, e como serão manipulados por várias ocasiões durante a vida, a possibilidade de contato com látex está sempre presente. Quando identificada esta alergia, cujas manifestações podem variar de urticária leve a eventos graves com edema de laringe e anafilaxia sistêmica, podendo causar óbito, é necessário fazer o alerta e registrar. O antígeno associado a estas reações seria o K 82 do látex e a exposição pode ser por contato cutâneo, de mucosas, parenteral ou por aerossol. O risco maior de anafilaxia acontece no contato por mucosa e parenteral e o grau de exposição é o fator mais importante na sensibilização. 329

Reabilitação: teoria e prática Caso o paciente seja submetido a algum procedimento cirúrgico, deve ser a primeira cirurgia do dia, após limpeza prévia e deve ocorrer preparo com material especial, evitando-se uso de látex. No dia a dia, deve- se evitar o contato contínuo com o látex. Medula presa - Com o crescimento contínuo do paciente, há o risco de ancoragem da medula espinhal por conta de uma variedade de condições incluindo aderências na cicatriz cirúrgica, com repercussões clínicas. A incidência está estimada entre 15 e 20 % dos casos. A imagem de medula ancorada, em exame de ressonância magnética, está presente na maioria dos pacientes com mielomeningocele, portanto o diagnóstico é eminentemente clínico e qualquer mudança relatada no padrão neurológico, urológico ou motor do paciente ou até mesmo piora de deformidades de membros inferiores, deve-se levar em consideração a possibilidade de medula presa no diagnóstico diferencial. Figura 28: Imagem de ressonância de medula presa. Hiperlordose associada à medula presa. Fonte: Arquivo pessoal A escoliose progressiva é o sinal clínico mais comum (44% dos casos), principalmente em pacientes abaixo de seis anos de idade, sem malformação congênita ou em níveis neurológicos baixos. Outras manifestações comuns são piora do padrão da marcha e espasticidade de membros inferiores bem como dores na cicatriz cirúrgica. Uma vez identificada, deve haver a avaliação da necessidade de intervenção neurocirúrgica (Figura 28). Hidromielia - É o acúmulo de líquido cerebroespinhal na região do canal medular, normalmente alargado. Pode estar associada 330

Mielomeningocele a funcionamento inadequado da derivação ventricular, e muitas vezes é assintomático. Quando apresenta repercussão clínica, deve ser encaminhado ao neurocirurgião. Sistemas urinário e intestinal - A vasta maioria dos pacientes com mielomeningocele apresenta bexiga neurogênica, que pode causar infecções urinárias de repetição e deterioração progressiva da função renal. Medidas como o cateterismo intermitente, que pode ser necessário em 85% dos pacientes, e medidas cirúrgicas urológicas, bem como o uso de medicação antibiótica ou anticolinérgica, têm contribuído para diminuir estas complicações a longo prazo. Infecções urinárias podem ser uma fonte de complicação em caso de cirurgia ortopédica, devendo o cirurgião estar atento. Figura 29: Lesão de pele em área de compressão de órtese Fonte: Arquivo pessoal Por causa do comprometimento da inervação do intestino e ânus, há alteração do hábito intestinal, podendo ocorrer constipação, incontinência fecal e impacção fecal, e inclusive aumentar a pressão intra-abdominal e afetar a derivação ventrículo peritoneal. Deve-se procurar o manejo da função intestinal orientado por gastroenterologista e nutricionista. Lesões de pele - É necessário cuidado especial em pontos de pressão desde a cintura escapular até a região dos pés, por conta da 331

Reabilitação: teoria e prática diminuição da sensibilidade. Os locais mais comuns em que se observam lesões são as proeminências isquiáticas, sacro e maléolos. As famílias devem ser orientadas desde cedo, bem como os pacientes em idade adequada ao entendimento, a fazer a inspeção dos pontos de pressão em busca de sinais de alerta como hiperemia, para prevenção do início de úlceras (Figura 29). Fraturas. Por conta da hipomobilidade, é comum o quadro de osteoporose em pacientes com mielomeningocele, aumentando o risco de fraturas espontâneas, o que pode ser potencializado por contraturas articulares ou imobilização pós-cirúrgica. É necessário considerar que são pacientes com hipossensibilidade ou sem sensibilidade de membros inferiores, podendo, portanto, ter fraturas e não referir quadro de dor. Os familiares e cuidadores devem estar atentos principalmente a aumento de Figura 30: Ortetização precoce Fonte: Arquivo pessoal volume dos membros, aparecimento de hematomas ou creptações, para a suspeita e diagnóstico de fraturas. Órteses - O uso de órteses no manejo da mielomeningocele deve ser estimulado desde cedo, com o objetivo de prevenir deformidades, manter o alinhamento, evitar lesões de pele, incentivar o ortostatismo, o que traz diversos benefícios para o paciente, como melhora da função respiratória, 332

Mielomeningocele do trânsito intestinal, da função da bexiga, bem como a calcificação óssea pelo estímulo a deposição de cálcio (Figura 30). Estima-se que somente 5% dos pacientes com mielo não têm necessidade de uso de órteses no decorrer da vida. O tipo de órtese está Figura 31: Parapódio Fonte: Arquivo pessoal Figura32: Órtese pélvico podálica. Fonte: Arquivo pessoal 333

Reabilitação: teoria e prática relacionada ao nível neurológico, uma vez que é preciso usar a órtese capaz de trazer o máximo de mobilidade com o mínimo de restrição, pois cada segmento imobilizado aumenta o consumo energético em 10%. Parapódio - Geralmente usados em pacientes com nível torácico e em alguns com nível lombar alto. Pode ser introduzido a partir de dois anos de idade para pacientes com boa mobilidade de membros superiores (Figura31). Órtese pelvicopodálica-Tem uma contensão pélvica que pode ou não se estender até o tórax e seu funcionamento depende do equilíbrio de tronco e da força muscular abdominal, tem travas para flexão de quadris e joelhos que geralmente são manuais e facilitam o posicionamento, evitando a hiperflexão de quadris e a hiperlordose compensatória. Geralmente usados por pacientes do nível torácico. Podem ter uso domiciliar e terapêutico. Em alguns casos, após melhora da função de tronco, pode ser acoplado uma RGO (órtese de reciprocação) para auxílio Figura 33: Órtese coxopodálica Fonte: Arquivo pessoal do treino de marcha (Figura 32). Órtese coxopodálica - Tem um molde na coxa, conectado a uma órtese suropodálica por barras metálicas lateral e medial, com articulação a nível do joelho. No joelho, a articulação dependerá da força muscular do quadríceps, podendo ser até mesmo livre, se houver força muscular pelo menos grau 3, ou pode ser bloqueada e com trava manual. Geralmente são indicadas nos níveis lombar alto e lombar baixo (Figura 33). 334

Mielomeningocele Figura 34: Órtese de reação ao solo. Anteriorização da tíbia na fase de apoio. Fonte: Arquivo pessoal Figura 35: Órtese suropodálica fixa Fonte: Arquivo pessoal Figura 36: Órtese suropodálica articulada Fonte: Arquivo pessoal 335

Reabilitação: teoria e prática Órteses suropodálicas - Órtese de reação ao solo - podem utilizadas por pacientes sem deformidades rotacionais, mas com flexo excessivo de joelho e avanço da tíbia na fase de apoio (figura 34). AFO fixa- é a órtese mais utilizada por pacientes com mielo, por proporcionar estabilidade distal, tibiotalar e subtalar na fase de apoio, além de prevenir dorsiflexão acentuada evitando um pé calcâneo e contribuindo para prevenir uma marcha em crouch(Figura 35). AFO articulada- não deve ser usada em pacientes com fraqueza de flexores plantares, pois podem contribuir para um avanço excessivo da tíbia, contribuindo para um pé calcâneo e uma macha em crouch. São restritas a pacientes com boa função de flexores plantares (Figura 36). Considerações finais A sobrevida de pacientes com mielomeningocele vem aumentando e com uma qualidade de vida cada vez melhor. É necessário considerar que estes pacientes devem ser estimulados com abordagem multidisciplinar o mais precoce possível, com neurocirurgia, urologia, ortopedia, fisioterapia, terapia ocupacional, enfermagem, psicologia, reabilitação física, nutrição, ortetização, etc., com o intuito de prevenir, monitorar e/ou tratar potenciais complicações que possam surgir no decorrer de suas vidas. É preciso uma convivência harmoniosa da equipe que lida com o paciente, interação correta com a família, com uma abordagem sempre realista do que pode ser conseguido pelo mesmo. Referências bibliográficas ADZICK, N. Scott et al. A randomized trial of prenatal versus postnatal repair of myelomeningocele. New England Journal of Medicine, v. 364, n. 11, p. 993-1004, 2011. BEVILACQUA, Nicole Silva; PEDREIRA, Denise Araújo Lapa. Cirurgia fetal endoscópica para correção de mielomeningocele: passado, presente e futuro. Einstein (São Paulo), v. 13, p. 283-289, 2015. CARDOSO A.C.; SILVA FILHO O. S. Malformações crânio vertebrais e Chiari. In: RIBEIRO, Marcelo Barbosa et al. Manual de ortopedia para graduação. Teresina: EDUFPI, 2020. p. 661-665. CARVALHO M. V. Disrafismo espinhal. In: PUDLES, Edson; DEFINO, Helton L. A. A coluna vertebral: conceitos básicos. São Paulo: Artmed Editora, 2014. p. 243-249. DIAS, Luciano S. et al. Myelomeningocele: a new functional classification. 336

Mielomeningocele Journal of Children’s Orthopaedics, v. 15, n. 1, p. 1-5, 2021. DOI: 10.1302/1863- 2548.15.200248. FERNANDES A. C.; DRATCU W.; MORAIS FILHO M. C. Defeitos de fechamento do tubo neural. In: HEBERT, Sizínio K. et al. Ortopedia e traumatologia: princípios e prática. 4. ed. São Paulo: Editora Artmed, 2016. FERNANDES, Antonio Carlos et al. Defeitos de fechamento do tubo neural. In: FERNANDES, Antonio Carlos et al. AACD Medicina e reabilitação: princípios e prática. São Paulo: Artmed, 2007. GABRIELI, Ana Paula T. et al. Análise laboratorial de marcha na mielomeningocele de nível lombar baixo e instabilidade unilateral do quadril. Acta Ortopédica Brasileira, v. 12, n. 2, p. 91-98, 2004. GRAHAM, H. Kerr et al. The functional mobility scale (FMS). Journal of Pediatric Orthopaedics, v. 24, n. 5, p. 514-520, 2004. JONES, K. L.; JONES, M. C.; CAMPO, M. D. Meningomyelocele, anencephaly, iniencephaly sequences. Smith’s recognizable patterns of human malformation. 7. ed. Philadelphia: Elsevier, 2013. p. 804-809. PALLEGRINO L. A. Utilização de órteses no tratamento de paralisia cerebral e mielomeningocele na visão da ortopedia pediátrica. In: CARVALHO, José André. Órteses: um recurso terapêutico complementar. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Manole, 2013. SWAROOP VT, DIAS L. Myelomeningocele. In: LIPPINCOTT, Williams; WILKINS. Lovell and winter’s pediatric orthopaedics. 7. ed. Philadelphia: Wolters Cruwer Bussines, 2013. 337



23 Orientação vesical – mielomeningocele Luciana Mousinho Leite Cardoso Tarcyana Sousa Silva Cláudia Daniella Avelino Vasconcelos A mielomeningocele (MMC) ou espinha bífida (EF) aberta é uma malformação congênita do sistema nervoso central (SNC), que ocorre nas primeiras quatro semanas de gestação. É decorrente de uma deficiência do fechamento do tubo neural embrionário, causando a exposição da medula espinhal e meninges na superfície dorsal do recém-nascido, caracterizando- se por uma protrusão cística de tecido nervoso exposto (FIEGGEN et al, 2014). Crianças com o diagnóstico de MMC podem apresentar dificuldades urológicas, ortopédicas, neurológicas, gastrointestinais, psicossociais e intelectuais (LAMÔNICA et al, 2012; FIGUEIREDO et al, 2015). Entretanto, dentre estes, o maior comprometimento é o de caráter neurológico, que impacta sobremaneira no controle vesical, impedindo o esvaziamento da bexiga, o que pode culminar em prejuízos do trato urinário, e, consequentemente implicando, negativamente, na qualidade de vida das pessoas que convivem com a doença. O cateterismo vesical intermitente limpo (CVIL), surge como uma alternativa para o esvaziamento vesical programado, possibilitando melhorias na qualidade de vida, visto que preserva e mantém trato urinário saudável.

Reabilitação: teoria e prática Trato urinário e cateterismo vesical intermitente limpo A bexiga tem a função de armazenar e esvaziar a urina produzida pelos rins, porém nem sempre consegue desempenhar esta função. Um comprometimento neurológico poderá acarretar disfunção vesico esfincteriana/bexiga neurogênica, que necessitará de cuidados específicos, com o objetivo de manter o trato urinário saudável. Segundo Antônio., et al (2015) o comprometimento neurológico poderá ter origem congênita ou adquirida; as mielodisplasias são as mais frequentes relacionadas às causas congênitas e os traumatismos e tumores medulares às causas adquiridas. Dentre as mielodisplasias podemos citar a meningocele e a mielomeningocele; pacientes com tais patologias podem apresentar alteração no armazenamento vesical, o que ocasionará a incontinência e/ou retenção urinária, devido ao mau esvaziamento da bexiga, o que favorecerá ao acúmulo de urina residual (ANTONIO et al., 2015). A disfunção vesico esfincteriana associada à presença de urina residual e às infecções urinárias de repetição, levará à lesão renal progressiva. O acompanhamento e tratamento precoce de tais disfunções é a forma mais segura de manter um bom funcionamento do trato urinário, tendo como objetivo principal realizar um esvaziamento vesical satisfatório, a fim de controlar as infecções do trato urinário e controlar a pressão vesical. Os objetivos acima citados, vem sendo alcançados mediante a utilização cada vez mais frequente de um recurso; o cateterismo vesical intermitente limpo (CVIL), associado ou não ao uso de colinérgicos. Em 1966, o CVIL foi proposto por Guttmann & Frankel, no entanto a técnica utilizada era estéril, posteriormente em 1972 Lapides et al., propôs a adoção da técnica limpa, ou seja, não havia a necessidade de realizar o procedimento de forma asséptica, sendo esta, a técnica mais recomendada para a realização do CVIL praticada até os dias atuais (FURLAN, 2003). O que é cateterismo vesical intermitente limpo (CVIL) Segundo Borges; Fábris; Jansen (2010) o CVIL, consiste em uma técnica não asséptica utilizada para a retirada de urina da bexiga com o auxílio de um cateter, seja por via uretral ou por conduto cateterizável, este quando não é possível a realização do procedimento pela via uretral. Tal procedimento é realizado quando a bexiga não possui a capacidade de eliminar a urina em sua totalidade. Dentro da categoria de enfermagem, o CVIL é prática exclusiva do enfermeiro de acordo com a Resolução COFEN nº 450/2013. 340

Orientação vesical – mielomeningocele Indicações para a prática do CVIL De modo geral o CVIL é indicado para pacientes de variadas faixas etárias com disfunção neurológica ou idiopática do trato urinário inferior, que resultam de esvaziamento incompleto da bexiga. É indicado ainda para pacientes ou cuidadores que lidam com a necessidade de promover eliminação urinária por via acessória, demandando conhecimento e habilidade para manuseá-la (Wyndaele et al, 2010; Opsomer et al, 1989). Como exemplo de indicações podem ser citadas: 1. Disfunção do músculo detrusor, geralmente associada a causas neurológicas ou idiopáticas; 2. Obstrução pós-vesical sendo a causa mais comum a hiperplasia benigna da próstata e a estenose uretral. 3. Pós-operatório de cirurgias para correção da incontinência urinária em mulheres. Benefícios do cateterismo vesical intermitente limpo (CVIL) Dentre os benefícios do CVIL podemos citar: a redução dos índices de infecção urinária, continência urinária, esvaziamento completo da bexiga, preservação e melhora do funcionamento do trato urinário (ANTONIO et al., 2015). Considerando os elevados índices de complicações urológicas (vesicais e renais) em crianças portadoras de MMC, é importante e necessário o acompanhamento rigoroso favorecendo uma intervenção precoce, pois cerca de 30 a 40% destas crianças desenvolverão algum grau de deterioração renal. Segundo Baskin et al, (2021) o início precoce do CVIL melhora o prognóstico, evidenciando menor número de complicações renais e baixa necessidade de ampliação vesical. Material necessário para a realização do cateterismo vesical intermitente limpo (CVIL) • Água e sabão neutro e/ ou sabonete líquido; • Toalha ou papel toalha; • Cateter uretral com calibre de acordo com a idade do paciente. A instituição adota os calibres 08 e 10 para crianças e os calibres 10 e 12 para adultos. • Lenço umedecido sem álcool; • Gazes; • Gel lubrificante (Lidocaína ou xilocaína gel 2%); • Recipiente para drenagem da urina; • Espelho, para mulheres; 341

Reabilitação: teoria e prática Fig. 1: Exemplos de materiais que podem ser utilizados para o CVIL Fonte: http://portalcil.com.br/site Passo a passo para realizar o cateterismo vesical intermitente limpo (CVIL) em homens • Separar o material a ser utilizado. • Realizar a lavagem correta das mãos. Lembrar sempre de higienizar os punhos; unhas, devem estar sempre curtas e limpas; espaços entre os dedos; palmas e costas das mãos. • Posicionar a pessoa deitada ou sentada, em posição confortável. • Limpar o pênis, principalmente a glande, com lenços umedecidos ou com água e sabão. • Realizar novamente a lavagem correta das mãos. • Abrir a embalagem do cateter até a metade e colocar o gel lubrificante. Espalhar o gel pelo cateter (nos primeiros 10 cm), com a embalagem fechada e sem tocar no mesmo. • Com uma das mãos, abaixar o prepúcio e visualizar o meato uretral (“buraquinho” por onde sai a urina). • Se a pessoa estiver deitada, o pênis deve estar posicionado para cima. Se estiver sentado o pênis deve estar posicionado para frente. • Com a outra mão, introduzir o cateter até a saída da urina, quando começar a sair a urina inserir o cateter por mais 3 cm. Escoar a urina para o recipiente colocado abaixo do nível da bexiga. 342

Orientação vesical – mielomeningocele • Quando parar de escoar a urina, retirar aos poucos o cateter e observar se ainda há saída de urina. Após certificar-se de que não há mais, retirar o cateter cuidadosamente. Fig. 2: Cateterismo vesical intermitente limpo (CVIL) em homens Fonte: http://portalcil.com.br/site Passo a passo para realizar o cateterismo vesical inter- mitente limpo (CVIL) em mulheres • Separar o material a ser utilizado. • Realizar a lavagem correta das mãos. Lembrar sempre de higienizar os punhos; unhas, devem estar sempre curtas e limpas; espaços entre os dedos; palmas e costas das mãos. • Posicionar a pessoa deitada ou sentada, em posição confortável. • Realizar a higiene íntima, com lenços umedecidos ou com água e sabão, sempre de cima para baixo (da vagina em direção ao ânus). Com uma das mãos, afastar grandes e pequenos lábios até visualizar o meato uretral. • Realizar novamente a lavagem correta das mãos. • Abrir a embalagem do cateter até a metade e colocar o gel lubrificante. Espalhar o gel pelo cateter (nos primeiros 10 cm), com a embalagem fechada e sem tocar no cateter. • Posicionar adequadamente o espelho (se necessário no autocateterismo). 343

Reabilitação: teoria e prática • Com a outra mão, retirar o cateter da embalagem e introduzir delicadamente até a saída da urina; quando começar a sair a urina inserir o cateter por mais 3 cm. Escoar a urina para o recipiente colocado abaixo do nível da bexiga. • Quando parar de escoar a urina, retirar aos poucos o cateter e observar se ainda há saída de urina. Após certificar-se de que não há mais, retirar o cateter cuidadosamente. Fig.3: Visualização do meato uretral Fonte: http://portalcil.com.br/site Recomendações para a realização segura do cateterismo vesical intermi- tente limpo (CVIL) O CVIL deverá ser realizado conforme horários preestabelecidos por enfermeira e/ou urologista, baseado no balanço hídrico do paciente, podendo ser realizado em intervalos menores ou maiores conforme a necessidade de cada indivíduo. • Não é necessário usar luvas, povidine ou álcool; • Não usar vaselina ou xilocaína (pomada) como lubrificante do cateter, pois poderá levar à formação de cálculos na bexiga; • Não forçar a passagem do cateter quando encontrar resistência; • Não utilizar seringas para acelerar o esvaziamento da bexiga; • Não reutilizar sondas (ANVISA – Renº 515 – 15/02/2006); • Em caso de sangramentos, calafrios, febre, urina turva ou com cheiro forte, comunicar ao médico ou enfermeira. • Procurar ingerir água diariamente, conforme orientação; 344

Orientação vesical – mielomeningocele • Restringir a quantidade de líquidos a noite para evitar acúmulo de urina e perdas. Apesar do CVIL ser uma técnica simples, segura e de baixo custo, poderá levar a complicações caso não seja realizado de maneira correta. Dentre as principais complicações, podemos listar: os traumatismos de uretra, estenose uretral, sangramentos, infecções do trato urinário, formação de falsos trajetos na uretra, epididimite e mais raramente perfurações na bexiga (ANTONIO et al., 2015). O paciente e a família costumam receber a indicação do CVIL como um problema a mais, sentindo-se muitas vezes incapazes de realizar tal procedimento; caberá ao profissional enfermeiro orientar de forma clara e eficiente, mostrando sempre os benefícios e vantagens da realização do procedimento além das possíveis consequências da não adesão ao mesmo. O autocateterismo deverá ser o objetivo final do treinamento. Todo paciente deverá ser sempre estimulado a ser o “dono” do seu autocuidado e a conhecer seu corpo e suas limitações. Dificuldades na realização do CVIL • Desconhecimento da estrutura anatômica e funcionamento do corpo, bem como do procedimento; • Complexidade e regularidade ou número de cateterismos a serem realizados por dia; • Deficiência física e cognitiva e inabilidade em executar o procedimento; • Fatores emocionais como temor do efeito negativo do CIL, desconfiança do método, constrangimento, problemas e/ou dificuldades com o cuidador, resistência ao diagnóstico; • Indisponibilidade de materiais; • Treinamento inadequado; • Falta de adaptação e inadequação do CIL no domicílio; • Traumas uretrais e ITU de repetição. Orlandin et al, 2020 Considerações finais A realização do CVIL é a forma mais segura e eficaz na melhora, preservação e estabilização do quadro urológico em pacientes com mielomeningocele que necessitam de esvaziamento vesical, especialmente por longos períodos. A assistência especializada e precoce a este público é fundamental e essencial para prevenir complicações. 345

Reabilitação: teoria e prática A não adesão ao tratamento, abandono ou a não realização da técnica correta está relacionada muitas vezes às condições financeiras, a não aceitação do paciente ou a indisponibilidade de tempo por parte do cuidador principal. Nesse contexto faz-se necessária a atuação de profissionais capacitados para manter uma assistência adequada e de qualidade às pessoas que necessitam da prática do CVIL. Referências bibliográficas ANTONIO, Suzana et al. Cateterismo intermitente limpo em crianças com bexiga urinária neurogênica: o cuidado do familiar no domicílio [Clean intermittent catheterization in children with neurogenic urinary bladder: home care by relatives]. Revista Enfermagem UERJ, v. 23, n. 2, p. 191-196, mar./abr. 2015. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº 515, de 15 de fevereiro de 2006. Regulamento Técnico sobre a lista de produtos médicos enquadrados como de uso único proibidos de serem reprocessados. ASSIS, Gisela Maria et al. Cateterismo intermitente limpo: manual ilustrado de orientação ao usuário (adulto). Revista ESTIMA, Braz. J. Enterostomal Ther., São Paulo, v. 18, e0220, 2020 BASKIN, L.S.; CHAPAU, A. Urinary tract complications of MMC (spina bifida). UptoDate [online]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/ urinary-tract-complications-ofmyelomeningocele-spina-bifida. BORGES, C. T.; FABRIS, M.; JANSEN, M. M. Cateterismo vesical intermitente: manual de orientações. Hospital das Clínicas de Porto Alegre, 2010. Disponível em: https://www.hcpa.edu.br/area-do-paciente-apresentacao/ area-do-paciente-sua-saude/educacao-em-saude/download/2-educacao- em-saude/59-pes035-cateterismo-vesical. COFEN. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução nº 450/2013, de 15 de fevereiro de 2012. Normatiza o procedimento de Sondagem Vesical no âmbito do Sistema Cofen / Conselhos Regionais de Enfermagem. FURLAN, Maria de Fátima Farinha Martins. Experiência do cateterismo vesical intermitente por crianças e adolescentes portadores de bexiga neurogênica. 191f. 2003. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2003. FROEMMING, Cristiane; SMANIOTTO, Mauro Luiz; LIMA, Claudio Luiz Martins. Cateterismo vesical intermitente. Rev. HCPA & Fac. Med. Univ. Fed. Rio Gd. do Sul, p. 29-35, 1988. 346

Orientação vesical – mielomeningocele FIEGGEN, Graham et al. Spina bifida: a multidisciplinary perspective on a many-faceted condition. South African Medical Journal, v. 104, n. 3, p. 212- 217, 2014. FIGUEIREDO, Sarah Vieira et al. Families’ knowledge about children and adolescents with neural malformation about their rights in health. Escola Anna Nery, v. 19, p. 671-678, 2015. LAMÔNICA, Dionísia Aparecida Cusin et al. Desempenho psicolinguístico e escolar de irmãos com mielomeningocele. Revista CEFAC, v. 14, n. 4, p. 763- 769, 2012. ORLANDIN, Leonardo et al. Dificuldades de pacientes e cuidadores na realização do cateterismo intermitente limpo: revisão de escopo. Estima – Brazilian Journal of Enterostomal Therapy, v. 18, 2020. DOI: https://doi. org/10.30886/estima.v18.907_PT WYNDAELE, J. J. et al. Neurologic urinary incontinence. Neurourology and Urodynamics: Official Journal of the International Continence Society, v. 29, n. 1, p. 159-164, 2010. OPSOMER, R. J. et al. Clean intermittent catheterization in congenital neurogenic bladder. Acta Urologica Belgica, v. 57, n. 2, p. 537-543, 1989. 347



24 Doenças neuromusculares mais comuns em centro de reabilitação Leonardo Halley Carvalho Pimentel As doenças neuromusculares incluem uma variedade grande de patologias que afetam o sistema nervoso em algum segmento entre a ponta anterior da medula espinhal e o músculo. As manifestações clínicas, investigação e tratamento podem ser muito distintos e dependem da localização da lesão (músculo, junção mioneural, nervo periférico, etc) e da etiologia. O conceito de doenças neuromusculares é bastante amplo, e algumas vezes, gera dúvidas em algumas etiologias específicas sobre se podem ser ou não enquadradas neste grupo de doenças. É relativamente comum na clínica de doenças neuromusculares (DNM) no centro de reabilitação encontrar alguns pacientes sem diagnóstico etiológico definido, ou com diagnóstico que gera dúvidas sobre a elegibilidade para a clínica DNM, mas que também não são elegíveis para outras clínicas do centro. As doenças neuromusculares podem causar desde deficiências leves, principalmente em sua fase inicial, com paciente independente para atividades de vida prática, até quadros extremamente limitantes com dependência total para atividades de vida diária. A maior parte destas doenças tem evolução lenta e progressiva, embora pela heterogeneidade característica deste grupo, em algumas etiologias específicas a evolução pode ser mais aguda/subaguda. O paciente, na maior parte das etiologias deste grupo de doenças, passa por todos os graus de deficiência. Dentro desta evolução característica, a equipe de reabilitação deve estar preparada para ajudar e orientar o paciente e família em cada etapa, uma vez que diversas necessidades diferentes podem surgir durante a evolução, muito

Reabilitação: teoria e prática além do déficit motor, incluindo limitações ortopédicas, respiratórias, gastrintestinais, urológicas, de comunicação e emocionais, dentre outras. A abordagem da equipe deve ser direcionada tanto ao paciente quanto aos cuidadores. É comum a ideia de que as doenças neuromusculares são raras. Se cada doença for observada de forma isolada isso pode até ser verdade para muitas delas. Mas se as doenças neuromusculares forem consideradas como um grupo, sua prevalência é maior que outras doenças mais conhecidas da população leiga (DEENEN et al, 2015; RUBIN, 2015), e que despertam interesse constante da comunidade científica e da indústria farmacêutica. Algumas das doenças desse grupo são encontradas com maior frequência em um serviço de reabilitação e tem algumas peculiaridades que devem ser observadas por profissionais de saúde envolvidos em seus cuidados. Distrofias musculares de Duchenne e Becker As distrofias musculares de Duchenne e Becker são espectros da mesma deficiência protéica muscular, causadas por mutações do gene da distrofina de herança ligada ao X. A distrofia de Duchenne provoca um quadro clínico mais severo, enquanto a distrofia de Becker tem um apresentação similar à de Duchenne, mas tipicamente com início mais tardio e quadro clínico mais leve (ENGEL & OZAWA, 2004). Na distrofia de Duchenne o início da fraqueza em geral acontece nos três primeiros anos de vida e afeta mais a musculatura proximal inicialmente. Níveis séricos de CPK e aldolase estão muito aumentados, bem como de transaminases (MOAT, 2013). Além da fraqueza da musculatura esquelética, que é típica da doença, é comum também comprometimento cardíaco, ósseo e escoliose, além de atraso cognitivo leve (RYDER et al, 2017), apontando para a necessidade de acompanhamento multidisciplinar. Alguns achados clínicos são frequentes durante a evolução da doença, como pseudohipertrofia de panturrilhas, hiperlordose lombar, encurtamento de tendões (principalmente de aquileus) e marcha anserina, além do sinal de Gowers (GARDNER, 1980; ENGEL & OZAWA, 2004), todos esses achados bem característicos de pacientes com esta patologia, mas também comuns em outras miopatias. Os pacientes com Duchenne perdem a marcha em geral na época da puberdade mais comumente, e tem expectativa de vida abaixo dos 30 anos de idade, com óbito causado por insuficiência respiratória e/ou comprometimento cardíaco, embora existam pacientes com sobrevida acima desta idade, e felizmente isto é cada vez mais comum principalmente 350


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