ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI envelhecimento desse serviço é baseada na concepção gerontolológica, alicerçada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) que adotou o termo “envelhecimento ativo”, que parte da noção de que o envelhecimento é heterogêneo, mas tão individualizado que não caberia regularidades comuns, porque as condições de existência de vida e trabalho não são tomadas como determinantes que interagem com a estrutura biológica. Assim, das homogeneizações abstratas e a-históricas, caem no outro extrema da individualidade, da história de vida, da biografia de cada um, desconsiderando a inserção de classe que geram vivências comuns entre os grupos, inclusive dos mais vulneráveis, por situação de renda e outras. Essa falta de análises que relacionem as especificidades dos grupos atendidos, seja de classe, gênero e raça/etnia, também levam a pensar ações pouco específicas para os tipos de domicílio e grupos familiares, suas disponibilidades e condições efetivas para o cuidado, as necessidades que apresentam para melhorar o cuidado com o suporte do serviço público, dentre outros. Nesse sentido, analisando tanto o Serviço de Proteção Básica no Domicílio Para Pessoa Com Deficiência e idosas como demais serviços socioassistenciais, percebe-se que apesar de haver diversas populações diferenciadas de pessoas idosas e deficientes, esse majoritariamente não tem uma análise que abordem as desigualdades, das diferenças de classe, gênero e raça que são elementos fundamentais para trabalhar a assistência social, pois são os seguimentos mais excluídos da classe trabalhadora que são os sujeitos desse serviço. Como afirma Marx (2013, p.462), “a acumulação capitalista produz constantemente, e na proporção de sua energia e seu volume, uma população trabalhadora adicional relativamente excedente, isto é, excessiva para as necessidades médias de valorização do capital e, portanto, supérflua”, ou seja a superpopulação relativa ou exército industrial de reserva, são os trabalhadores que excedem as necessidades da produção, o sistema capitalista de produção precisa desse exército de trabalhadores ao seu dispor como um atemorizador das reivindicações dos trabalhadores e favorecem o rebaixamento dos salários. Esse exército industrial de reserva é um produto do desenvolvimento da riqueza, onde tanto os trabalhadores empregados quanto a superpopulação excedente vivem em condições precárias, majoritariamente sem acesso a um a um bom serviço de saúde, educação, habitação e etc. ademais, compõem o público a quem os serviços 1655
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI socioassistenciais principalmente devem se voltar. No entanto, como já foi supracitado a um Verdadeiro abismo entre a normatização e a implementação de políticas sociais de atenção ao homem velho e à mulher velha, a partir da sua inserção na estrutura de classes no Brasil. Por essa via de raciocínio, de maneira diferenciada e desigual, a velhice de segmentos de classe trabalhadora é, também, uma expressão da questão social (PAIVA, 2017, p.102). 4 O PAPEL DA FAMÍLIA NOS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS E O CUIDADO COMO ATRIBUIÇÃO FEMININA Além disso, outro ponto importante a ser frisado é a responsabilidade das famílias tanto sobre os idosos quantos dos deficientes. A família vem sendo cada vez mais canalizada como elemento basilar da proteção e socialização de seus componentes. Como explana Bernardo (2017) “as famílias têm assumido lugar central nas políticas e programas na qualidade de principal fonte de proteção social, como estratégia de encolhimento das ações do Estado” (p.66). Assim, a família que tem condicionalidade para ser protegida tem que cumprir deveres, em que quebra os princípios do direito. Isso vem do reforço da lógica neoliberal em atribuir as famílias deveres e responsabilidades, pelos problemas sociais que vivem, camuflando suas dimensões estruturais e inerentes ao modo de organização da sociedade capitalista, difundidas por organismos internacionais, refletindo assim no desenho do serviço no domicílio para pessoas com deficiência e idosos. Ainda conforme Bernardo (2017, p.68) essa lógica mascaram as desigualdades sociais e de gênero ou as naturalizam como próprias da existência humana. A alienação do trabalho coisifica as relações assumindo aparência a-histórica e a divisão do trabalho parece ganhar ares de naturalidade. Essa distinção, datada historicamente entre a família e o trabalho, fornece pistas para a compreensão da desvalorização do trabalho familiar e doméstico, bem como a divisão da organização do trabalho entre homens e mulheres, a partir da ideia de que cumprem papéis e funções específicas na sociedade capitalista. Nesse sentido, “no senso moral construído na sociabilidade burguesa, as atividades que derivam do ato de cuidar tendem a ser atribuídas às mulheres e naturalizadas de forma a aparecerem como exclusivas e constitutivas da condição feminina” (GUEDES; DAROS, 2009, p.123). As mulheres além de trabalharem fora de casa, tem responsabilidades de cuidar do lar, dos filhos, companheiros e familiares. Esse 1656
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ato de cuidar da mulher já está enraizado na sociedade, e no cenário atual principalmente com o aumento da população idosa, mais especificamente falando há um incentivo da mulher cuidadora. Dessa forma, como destaca Bernardo (2017) a naturalização do trabalho feminino nos cuidados encobre despesas sociais assumidas por essa família que não são repassadas para o Estado, constituído como trabalho não pago. Consequentemente a: Transferência de responsabilidades às famílias gera as sobrecarregas e encobre a imposição de uma visão regulatória baseada em valores éticos e econômicos, de atribuir a esse segmento a responsabilidade moral por seus membros. Essa visão particulariza as mazelas sociais vividas pelas famílias, estabelecendo uma relação perversa de ações punitivas e culpabilizadora, inclusive com amparado legal (BERNARDO, 2017, p.70). O serviço em domicílio ao valorizar e manter esses cuidados no âmbito familiar, sem equipes com cuidadores, com visitas articuladas com as equipes de saúde no domicílio oferecendo cuidados materiais e outros como orientações de serviços na rede, com fluxos que garantam atendimento e respostas aos problemas encontrados no domicílio, sem transversalidade de gênero, manterá a divisão sexual do trabalho e os encargos familiares no cuidado. Isso posto, a omissão do Estado é uma violação de direitos, tanto dos que carecem de cuidados, como das cuidadores, assim, como o repasse dessas funções com exclusivas da família, apoiada apenas por serviços de orientação é um desregulamentação das funções protetivas do Estado, repassando para as famílias a incumbência de cuidar tanto dos seus idosos quanto deficientes, servindo apenas de complemento para aqueles que realmente necessitam, tornando os serviços cada vez mais focalizados e seletivos. CONCLUSÃO O envelhecimento humano deve ser estudado em uma perspectiva de totalidade social, para além da dimensão biológica para assim compreender os diferentes modos de envelhecer, que tem a marca das desigualdades sociais de classe, gênero e raça/etnia. Sem essa linha de raciocínio se cai em homogeneizações generalizantes ou individualizações singulares, sem as mediações e particularidades que ligam o singular ao universal 1657
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Essa leitura do envelhecimento impede os serviços de partir das condições de vida e trabalho que afetam o envelhecimento do seu público usuários, maioria dos que compuseram historicamente a população de excluído do mercado formal de trabalho, os informais, desempregados, pobres e indigentes, que apresentam necessidades comuns nessa fase da vida. O Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosos é um exemplo de serviço inoperante no Brasil, pois são raros os estados que ofertam esse serviço, que é tão elementar para que as pessoas idosas e deficientes que estão em situação de vulnerabilidade social tenham seus direitos garantido e acesso ao SUAS. REFERÊNCIAS BEAUVOIR, S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BERNARDO, M. H. J. A velhice da classe trabalhadora e a naturalização dos cuidados familiares. TEIXEIRA, S. M. (org.). Envelhecimento na sociabilidade do capital. Campinas: Papel Social, 2017. BRASIL. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Brasília: CNAS, 2009. BRASIL. Orientações técnicas: Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas. Brasília-DF: MDS, Secretaria Nacional de Assistência Social, 2017. DEBERT, G. G. Velhice e o curso da vida pós-moderno. Revista USP, São Paulo, n°42, p.70-83, junho/ agosto 1999. FELIPE, W. S. S.; SOUSA, S. M. N. S. A construção da categoria velhice e seus significados. PRACS: Revista Eletrônica de Humanidade do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP. Macapá, V.7, nº 2, p.19-33. Jul-dez, 2014. GUEDES, O. S.; DAROS, M. A. O cuidado como atribuição feminina: contribuições para um debate ético. Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 12, n°.1, p. 122-134, JUL/DEZ. 2009. MINAYO, M. C. Visão antropológica do envelhecimento humano. In: SESC. Velhices: reflexões contemporâneas. São Paulo: SESC: PUC, 2006. MINAYO, MCS.; COIBRA JUNIOR CEA. (Orgs.). Antropologia, saúde e envelhecimento [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002. Antropologia e Saúde colletion, 209p. ISBN: 978-85-7541-34-3. Available from SciELO Books<http://books.scielo.org>. ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Guia Clínica para Atención Primaria a las Personas Mayores. 3. ed. Washington, DC, 2003. 1658
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI PAIVA, Ariane Rego. A Consolidação de uma nova institucionalidade para a assistência social: o SUAS, seus avanços e desafios. In: João Bôsco Hora Góis(org.). Questão Social e proteção social. Rio de Janeiro: Imo's Gráfica e Editora, 2013. PAIVA, S, O, C. Envelhecimento, saúde e trabalho em tempo no capital: um breve ensaio em defesa da seguridade social. In: TEIXEIRA, S. M. (Org.) Envelhecimento na sociabilidade do capital. Campinas: Papel Social, 2017. MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013, pp. 113-158. MADI, C. R.; GOMES, J. L.: LOUZADA, T. G. Velhice dependente e serviço de cuidado no domicílio n apolítica de Assistência Social. Mais 60-Estudos do envelhecimento Art 3/ vol.28/n°36, 2017. 1659
EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA PROGRAMA CRESCER BEM EM SOBRAL: programa de transferência de renda centralidade na família de extrema pobreza. GROW WELL IN SOBRAL PROGRAM: an income transfer program central to the family of extreme poverty. Marcilene Ferreira da Silva 1 RESUMO O presente artigo discute sobre um Programa de Transferência de Renda municipal não contributivo, pertencente ao Sistema de Proteção Social, da Política de Assistência Social vem por materializar a segurança afiançada de sobrevivência, de renda; o Programa Crescer Bem (PCB), uma política pública social da realidade do munícipio de Sobral, Ceará. Esse Programa visa a superação da extrema pobreza de família que tenha na sua composição familiar crianças de 0 a 6 anos de idade, porém discute-se também que o (PCB) é um programa condicional, focalizado, temporário, em que centraliza e prioriza a família e de extrema pobreza, características essas vão de encontro com os pressupostos neoliberais. Palavras-Chaves: Programa Crescer Bem; Transferência de renda; Extrema Pobreza; Política de Assistência Social. ABSTRACT This article discusses a non-contributory municipal Income Transfer Program, belonging to the Social Protection System, of the Social Assistance Policy for materializing the guaranteed security of survival, of income; the Crescer Bem Program (PCB), a social public policy of the reality of the municipality of Sobral, Ceará. This Program aims to overcome the extreme poverty of a family that has children from 0 to 6 years old in its family composition, but it is also argued that the (PCB) is a conditional program, focused, temporary, in which it centralizes 1 Analista de Políticas Públicas Sociais da Prefeitura Municipal de Sobral, Ceará. Pós-Graduada em Família e Políticas Públicas pelo Centro Universitário Santo Agostinho. Bacharel em Serviço Social pela Faculdade Santo Agostinho. E- mail: [email protected] ou [email protected] 1660
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI and prioritizes the family and extreme poverty, characteristics that go against the neoliberal assumptions. Keywords: Grow Well, Program; Income transfer; Extreme Poverty; Social Assistance Policy. INTRODUÇÃO Política pública é toda forma de intervenção do Estado na sociedade e, portanto, um instrumento de mudança social. Sua constituição ocorre a partir do conjunto de ações de diferentes atores sociais que representam uma resposta a uma situação considerada problemática, essa resposta se materializa através de serviços, benefícios, planos, programas e projetos sociais. Desse modo, quando um programa é formulado e implementado, deve-se a partir do pressuposto de que este gerará impactos sociais, ou seja, trará alterações nas condições de vida do público-alvo e da comunidade, os quais podem ser considerados positivos ou negativos, diretos ou indiretos (Silva, 2013). O Programa Crescer Bem (PCB) é uma iniciativa municipal de Sobral de transferência direta de renda, não contributivo, independe de contribuição prévia, destinado a atender famílias de extrema pobreza a partir do estabelecimento de definição de renda per capita familiar, bem como a atender um público específico de famílias a serem beneficiárias pelo Programa. O PCB é uma política pública social no combate à fome, a miséria e a extrema pobreza através da adoção de benefícios monetários e dos benefícios não monetários representando articulação com outras políticas sociais. Todavia, o Programa apresenta o cumprimento de condicionalidades nas áreas da assistência social, educação e saúde. E o descumprimento de condicionalidades acarretará em penalidades para as famílias beneficiárias. O presente artigo tem como objetivo geral apresentar e analisar a sustentação legal do Programa Crescer Bem, como política pública social do munícipio de Sobral do estado do Ceará; analisando seu conteúdo legislacional e implementação sobre o viés da perspectiva crítica tendo como aporte teórico-metodológico, o método histórico dialético. Esse Programa possui como pilares a transferência de renda, a proteção social e apoio à primeira infância. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica qualitativa e descritiva, e dado em outro momento, somará bem como a pesquisa de campo e documental. 1661
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 PROGRAMA CRESCER BEM DO MUNICÍPIO DE SOBRAL Conforme a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) de 2005, os programas compreendem ações integradas e complementares, com objetivos, tempo e área de abrangência, definidos para qualificar, incentivar, potencializar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais, não se caracterizando como ações continuadas. A assistência social como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasileiro no âmbito da Seguridade Social através da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) traz seguranças afiançadas, ao lado das seguranças de acolhida; de convívio ou vivência familiar estar a de sobrevivência (de rendimento e de autonomia) que é compreendida como a garantia de que todos tenham uma forma monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para o trabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas, famílias desprovidas das condições básicas para sua reprodução social em padrão digno e cidadã (BRASIL, 2004, p.32). A PNAS coloca como objetivo Proteção Social Básica a prevenção de situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destinando suas ações à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente de pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afetivos relacionais e de pertencimento social (BRASIL, 2004). Nesse sentido, é perceptível a importância da implementação de programas que vislumbrem ao acesso de renda daqueles indivíduos que estão excluídos do processo de trabalho e assim estes possam adquirir condições básicas de sobrevivência no sistema capitalista. Principalmente os programas de transferências de renda que abarca com o princípio redistributivo. Os programas de transferência de renda fazem parte do sistema de proteção social, bem como da Política de Assistência Social que envolvem repasse de recursos monetários a famílias, indivíduos ou comunidades de recursos escassos, na forma de transferências governamentais (NEME et al., 2013). Visando desse modo, esses 1662
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI programas com esse viés de transferência de renda a redução dos efeitos da pobreza e da desigualdade social, a geração de oportunidades de ascensão aos pobres e, em longo prazo, promover a inclusão social, desenvolvimento do capital humano, rompendo com o ciclo intergeracional da pobreza. Para Silva, Yazbek e Giovanni (2007), o debate sobre os programas de transferência de renda se sustenta em duas vias. A primeira delas, a transferência de renda mínima se caracteriza como programa compensatório e residual, baseado em pressupostos neoliberais. Nesse sentindo, os objetivos de tais programas seriam a garantia da autonomia do indivíduo enquanto consumidor, reduzir os efeitos mais perversos da pobreza e da desigualdade social, sem considerar o crescimento do desemprego e a distribuição de renda, tendo como prevalência a focalização na extrema pobreza, para que não ocorra o desestímulo ao trabalho (Silva, Yazbek e Giovanni, 2007). E a segunda via, seria que estes programas se colocariam enquanto programas de redistribuição de renda, num viés universalista de acesso, porém esses tipos de programas estar distante da realidade brasileira tendo em vista a influência dos ditames neoliberais (Silva, Yazbek e Giovanni, 2007). Paralelo a essa discussão acima, existe dois tipos gerais de programas de transferência de renda, reportando-se ao cumprimento de contrapartidas ou não, sendo o primeiro o mais adotado pelos governantes, onde a transferência de renda estar sob o prisma de cumprimento de condicionalidade pelos beneficiários e quando deixadas de cumprir, a transferência de renda é suspensa ou encerrada. E, os programas de transferência de renda não condicional, aqui é dispensando a existência de uma contrapartida, não havendo corresponsabilidades, pois o mecanismo de transferência de renda levaria, por si só, à melhoria dos níveis de capital humano (NEME et al.,2013). Desse modo, essas tipologias de Programa de Transferência de Renda, focalizados versus universais, expressam como em Programas com condicionalidades ou não, respectivamente. No entanto, não há um modelo ideal de qual tipo de programa de transferência a ser adotar pelos governantes, com ou sem condicionalidades, cada um deverá tomar com embasamento a seu contexto socioeconômico. Para Silva, Yazbek e Giovanni (2007, p. 48), a “transferência está, na maioria dos programas, associada as exigências de contrapartida no campo da educação, da saúde e do trabalho”, a escolha de determinadas condicionalidades está atrelada à 1663
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI disponibilidade de políticas públicas existentes na região de ação do programa, como o acesso a educação básica, ao sistema de saúde acessível, bem como na possibilidade de monitorar o cumprimento das condicionalidades aplicadas. Sendo interessante, o Estado só pode exigir tais contrapartidas se o mesmo for possível de possuir a estrutura mínima de forma a garantir acesso a essas políticas sociais. Segundo Medeiros, Britto e Soares (2007) programas de transferência de renda apresentam obstáculo no enfrentamento as expressões da questão social e que estes não estão atentos para a criação de portas de saída, as transferências de renda aumentam a capacidade de consumo das famílias enquanto forem beneficiadas, se as transferências forem interrompidas, essa capacidade é imediatamente reduzida ou cessadas. Ao menos a curto prazo, as famílias que saem da pobreza graças às transferências dependem delas para manter seu nível de consumo. Conforme Silva, Yazbek e Giovanni (2007) a proteção social no Brasil tem-se modificado a partir do momento em que se processa a democratização e o modelo de pacto federativo consagrado pela Constituição Federal de 1988, na qual instituiu a descentralização político-administrativa e a participação da comunidade na elaboração e controle das políticas sociais. Nesse sentindo, são transferidos aos municípios a gestão de políticas públicas, estando mais próximos da comunidade de acordo com suas especificidades. 2.1 SOBRAL EM MOVIMENTO Situada na região Norte do Ceará, a 235 km da capital, Fortaleza, a cidade de Sobral se apresenta como o mais significativo referencial de crescimento e desenvolvimento econômico do interior do Estado. Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) especula a população sobralense em 2019 em 208.935 habitantes, apontando a cidade como a quinta maior do estado. Sobral é a colocada como município com a quarta maior economia do estado e a maior entre as cidades do interior, com o Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 21.679,33 em 2017 (IBGE, 2017). O munícipio é conhecido no mundo por ter sediado há um século a experiência científica que comprovou a Teoria da Relatividade do físico Albert Einstein. Sobral 1664
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI poderia ser apenas mais um município brasileiro, mas os resultados obtidos pela sua rede de ensino público o colocam como uma referência em políticas de educação para todo o país, na evolução do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (Oliveira, 2013). O município tem se destacado não apenas da área da educação, mas também na área de saúde, principalmente na saúde da família, sendo um dos pioneiros na implantação do Programa Agentes Comunitários de Saúde e do Programa Saúde da Família (LOTTA, 2005). Outra política pública criada por Lei municipal foi o Projeto Trevo de Quatro Folhas, voltado para a redução da morbimortalidade materna e infantil, com ênfase na mortalidade perinatal. Desenvolvendo a gestão do cuidado na gravidez, no parto e puerpério, no nascimento e no acompanhamento da criança até o segundo ano de vida. O Projeto visa melhorar a qualidade da atenção materno-infantil e garantir apoio social às mulheres, além de reduzir a taxa de mortalidade infantil existente no município (SOBRAL,2018b). Sobral conta também com a implementação de dois outros projetos no campo da saúde, o Projeto Coala, consiste no atendimento domiciliar ao recém-nascido prematuro ou com Crescimento Intrauterino Restrito (CIUR), após a alta hospitalar. O objetivo do projeto é reduzir a morbimortalidade infantil. E o Projeto Flor do Mandacaru, implantado em 2008 que tem como foco principal o serviço de pré-natal sigiloso para adolescentes. Possui equipe multidisciplinar e disponibiliza apoio clínico e psicológico para crianças e adolescentes de 10 a 19 anos, que estejam grávidas (SOBRAL, 2018b). A organização e a estrutura administrativa do poder executivo municipal, atualmente a prefeitura do município de Sobral, através da Lei de nº 1.607, de 02 de fevereiro de 2017, conta com a Secretaria dos Direitos Humanos, Habitação e Assistência Social (SEDHAS) responsável pela formulação de políticas públicas, diretrizes gerais, planejamento, implantação e monitoramento da infraestrutura concernentes aos direitos humanos, habitação e assistência social do Município de Sobral (SOBRAL, 2017). Recentemente, na área da Política de assistência social foi implementado um novo Programa no munícipio de Sobral, o Programa Crescer Bem (PCB), que tem como dois principais eixos: a superação da extrema pobreza e o desenvolvimento integral 1665
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI infantil assegurando o bem estar físico, emocional e cognitivo. Esse Programa é colocado pelo poder executivo como uma política pública para a primeira infância, tendo em vista, que o Governo Estadual tem desenvolvido ultimamente, ações para o desenvolvimento infantil. Nesse sentindo, Sobral tem priorizado na agenda pública ações pela Primeira Infância para a promoção do desenvolvimento integral de crianças de 0 a 6 anos, de famílias vulneráveis socialmente. No entanto, esse segundo eixo não será discutido nesse presente artigo, tendo em vista, que o mesmo será explanado em outro momento, na pesquisa de campo, onde esse desenvolvimento integral à primeira infância acontece através da articulação com outras políticas sociais existentes no município, da existência do acompanhamento realizado por profissionais específicos do Programa, através de encontros afetivos e ou sessões de estímulo em domicílio. Nesse sentindo, é valido reafirmar a importância das intervenções do Estado em políticas públicas, sempre resgatando a legitimidade da Política de Assistência Social como política social não-contributiva, pertencente ao Sistema de Proteção Social, como direito do cidadão e dever do Estado em promovê-la através de serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais. Não se pode deixar de realizar de fazer uma análise crítica sobre o direito a assistência social, corroborando com análises de Sposati et al. (2014) que coloca a política de Assistência Social como estratégia do Estado burguês para assegurar os mínimos necessários de sobrevivência aos excluídos do sistema capitalista para que estes possam reproduzir com este sistema. Assim ao “caracterizar a exclusão com a face de inclusão, pela benevolência do Estado frente à carência dos indivíduos” (SPOSATI et al., 2014, p.47). Verifica que com as desigualdades sociais deixadas pelo modo de produção capitalista é estabelecido um reparo, enfretamento nessas desigualdades da relação capital-trabalho, através da assistência social. Mas por outro lado também: Embora a exclusão faça parte das regras de manutenção do poder econômico e político do Estado, a inclusão dos interesses da força de trabalho também o faz. O pacto de dominação contraditoriamente atende a interesses e reivindicações tanto das classes dominantes quanto das classes subalternizadas e, nesse sentido, assume o caráter de sua inclusão (SPOSATI et al., 2014, p.45). Visto que a assistência social é um direito social conquistado pela sociedade expresso na Constituição Federal de 1988, surge para incluir quem estar excluído do processo de trabalho capitalista, de quem não tem renda para custear suas necessidades 1666
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI básicas. Desse modo, verifica que assistência social é uma própria estratégia do capital para manter sua ordem estabelecida, através da produção e reprodução do indivíduo em relação ao meio socioeconômico. Nesse sentindo, a seguir será discutido a configuração legal do Programa Crescer Bem, como programa socioassistencial da Proteção Social Básica (PSB) da Política de Assistência Social, bem como programa de transferência de renda que visa superar a extrema pobreza das famílias beneficiárias, porém o mesmo expressa características de um programa que segue os pressupostos neoliberais. 2.2 PROGRAMA CRESCER BEM POLÍTICA PÚBLICA DE COMBATE A EXTREMA POBREZA O Programa Crescer Bem (PCB) é configurado como programa de transferência de renda condicionada de combate a extrema pobreza, instituído através da Lei Municipal de n° 1780 de 12 de junho de 2018 que tem como objetivo geral assegurar “o bem-estar físico, emocional e cognitivo de famílias vulneráveis socialmente, através de ações governamentais, em cooperação com a sociedade civil, voltadas ao enfrentamento dos impactos negativos da extrema pobreza no desenvolvimento” (SOBRAL, 2018a, p.3). O PCB coloca em destaque três critérios que juntos moldam o perfil do Programa, no qual as famílias tem que se enquadrar nesse perfil definido. O primeiro, são famílias com a renda per capita média mensal seja de até R$ 89,00 corroborando com as informações autodeclaradas pela família para o Cadastro Único. Portanto, as famílias devem estarem cadastradas no Cadastro Único do Governo Federal para programas sociais e o CADUNICO sendo um instrumento de verificação de renda (SOBRAL, 2019). Esse critério de renda ao passo que inclui famílias, ele também é excludente de famílias do desenho do Programa, pois caso se centavos ultrapassam o valar da renda per capita estabelecida a família é excluída do Programa. É evidente que esse Programa de Transferência de Renda, ao colocar a extrema pobreza como fator de renda monetária apenas, onde não são considerados outros critérios para determinar a situação de vulnerabilidade social das famílias, o que muitas das vezes várias famílias ficam descobertas pelo Programa. Sabemos que somente a renda não é suficiente para qualificar a pobreza, fenômeno multifacetado que engloba outras dimensões de 1667
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI vulnerabilidade social, de acesso a saúde, esperança de vida, educação, saneamento e acesso a bens e serviços públicos, que vão além da privação de bens materiais (SENNA, 2007). Não são centavos que diferenciará se uma família é de extrema pobre ou não para ter acesso ao Programa, mas sim de uma série de critérios rigorosos e impiedosos que irão definir quais famílias a serem atendidas pelo PCB, impossibilitando inúmeras famílias a ficarem excluídas do perfil, embora serem pobres. O segundo critério, as famílias devem ter na sua composição familiar tenham crianças de 0 a 6 anos de idade, Programa prioriza essa configuração de família, tendo em vista, por ser um programa para primeira infância. E o terceiro e último critério, reporta-se para a desproteção social, essas famílias com esses dois critérios reunidos não podem ser beneficiárias de Programas de Transferência de Renda das esferas estadual e federal, como por exemplo, o Cartão Mais Infância Ceará (CMIC), Programa Bolsa Família (PBF) e Benefício de Prestação Continuada (BPC) respectivamente (SOBRAL, 2019). Portanto, as famílias beneficiárias do PCB são aquelas famílias desassistidas pelo Estado, são famílias inócuas pelas políticas públicas, tidas como invisíveis. A definição de família trazida pelo Programa é a “unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantem pela contribuição de seus membros” (SOBRAL, 2018a, p.2). Embora que atualmente, após a Constituição Federal de 1988, em que houve o reconhecimento pelo Estado brasileiro das diferentes configurações de famílias, resultado de transformações da realidade social; desmitificando as antigas concepções em que não há apenas um único modelo de família, como a nuclear burguesa composta por pai, mãe e alguns filhos; o homem provedor do sustento familiar e a mãe como somente a cuidadora dos afazeres domésticos e dos filhos (TEIXEIRA, 2013). Sabendo que conceito de família seja amplo, diverso e contraditório, todavia essa definição contida pela lei de criação do PCB, tem nuanças para o resgate da família tradicional, a família nuclear burguesa. Porém, por outro lado, agrega nesse conceito questões de laços afetivos, solidariedade, mas estas devem estar vinculado a unidade nuclear, como se esta fosse o epicentro da unidade familiar. Portanto, tornando-se 1668
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI contraditório esse conceito que tem ranços do conservadorismo e ora traz uma nova roupagem de definição de família. Além disso, esse conceito de família do PCB, remete a família como unidade de “renda e consumo” (DRAIBE, 2011). Todavia, a família não deve ser reduzida exclusivamente como uma unidade financeira, porém a mesma não se pode de desconsiderar a necessidade de sobrevivência dos membros devido à complexidade social, sendo importante também essa discussão econômica (MACIEL, 2002). E, é essa renda familiar que é utilizada infelizmente como forma de mensurar a pobreza, como uma forma de traçar a linha de pobreza, ou seja, um nível de renda abaixo da qual as pessoas são classificadas como pobres das famílias para o acesso a políticas públicas, principalmente aquelas de acesso aos programas de transferência de renda (MARINHO, LINHARES, CAMPELO; 2011). Observa-se que, o PCB coloca em sua centralidade a família e a extrema pobreza, corrobora com os pressupostos neoliberais, pois, nos últimos anos, precisamente no final da década de 70 e no início dos anos 80 houve uma retomada da família como uma unidade de atenção das políticas públicas na busca por opções mais coletivas e eficazes na proteção dos indivíduos (MACIEL, 2002). Essa centralidade da família nas políticas públicas são tendências da crise do Estado de Bem-Estar Social, do avanço do neoliberalismo e bem como dos movimentos sociais da década de 80 (TEIXEIRA, 2017). A superação da extrema pobreza será com concessão de auxílio financeiro do PCB, repassado à família através de instituição bancária contratada, sendo o benefício sacado por meio de cartão magnético, com a identificação do “Cartão Sobral” e do responsável familiar, com o respectivo Número de Identificação Social (NIS). Os valores dos benefícios variam de R$ 90,00 a R$115,00 de acordo com a composição familiar, sendo: de R$ 90,00 (noventa reais) para famílias com renda média mensal de até R$ 89,00 (oitenta e nove reais); II - de R$ 95,00 (noventa e cinco reais) para famílias com renda média mensal de até R$ 89,00 (oitenta e nove reais) e com gestante e/ou 01 (uma) criança com idade entre 0 (zero) e 06 (seis) anos de idade; III - de R$ 105,00 (cento e cinco reais) para famílias com renda média mensal de até R$ 89,00 (oitenta e nove reais) e com 02 (duas) crianças com idade entre 0 (zero) e 06 (seis) anos de idade; IV - de R$ 115,00 (cento e quinze reais) para famílias com renda média mensal de até R$ 89,00 (oitenta e nove reais) e com 03 (três) ou mais crianças com idade entre 0 (zero) e 06 (seis) anos de idade (SOBRAL, 2019, p.6). 1669
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Apesar que o Programa traz esse valor de R$ 90,00 para famílias com renda média mensal de até R$ 89,00; o mesmo não dar legitimidade para essas famílias, com tal configuração, tendo em vista, a eleger como público prioritário famílias com crianças de 0 a 6 anos. A transferência direta de renda será concedida às famílias beneficiadas por vinte e quatro meses, prorrogável até o limite de trinta e seis meses, mediante estudo e avaliação social realizada pela equipe de referência do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), configurando se como um programa residual, temporário. As despesas do PCB correrão por conta de recursos próprios do orçamento do Município de Sobral, de dotações orçamentárias da Secretaria dos Direitos Humanos, Habitação e Assistência Social, bem como de recursos resultantes de parcerias celebradas pelo Município com a sociedade civil (SOBRAL, 2018a; 2019). A liberação do pagamento dos benefícios às famílias participantes do Programa ocorrerá mensalmente, exceto quando houver, comprovadamente: I - descumprimento das condições e critérios estabelecidos no âmbito do Programa; II - omissão de informações ou prestação de informações inverídicas para cadastramento que habilite o declarante e sua família ao recebimento do benefício financeiro do Programa Cartão Sobral; III - fraude ou prestação deliberada de informações incorretas quando do cadastramento, devidamente comprovadas; IV - desligamento por ato voluntário do beneficiário ou por determinação judicial; V - alteração nos dados cadastrais das famílias que implique inelegibilidade ao Programa; VI - não retirada do auxílio financeiro por 6 (seis) meses consecutivos; VII - cumprimento de pena de detenção em instituição prisional, sem que outro membro da família com idade igual ou superior a 16 (dezesseis) anos possa ser o titular do benefício; VIII - óbito do único titular da família com idade igual ou superior a 16 (dezesseis) anos; IX- cadastro desatualizado há mais de 24 (vinte e quatro) meses; X - término do período de participação no programa (SOBRAL, p.7, 2019). O PCB apresenta contrapartidas a serem cumpridas pelas famílias beneficiárias pelo recebimento do auxílio financeiro através do Cartão Sobral, as condicionalidades são os acessos a políticas sociais como da assistência social, educação e saúde, especificamente a participação assídua da família e das crianças nas ações previstas pelo Projeto de Acompanhamento, intitulado “Projeto: Amar, Cuidar e Proteger: uma proposta de estimulação as famílias na primeira infância”; elaborado pela SEDHAS e monitorado pelo SUAS municipal; a apresentação de frequência escolar para as crianças com idade escolar obrigatória; o acompanhamento do cartão de vacinação e de cartão da gestante e a manutenção do Cadastro Único da família atualizado (SOBRAL,2019). 1670
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O descumprimento das condicionalidades destacadas acima implicará em sanções que vai desde da advertência, bloqueio e suspensão do benefício para as famílias beneficiárias, como punição pelo descumprimento de condicionalidades impostar. As famílias serão acompanhadas por meio de sistema eletrônico do PCB desenvolvido e gerenciado pela (SEDHAS), é através dele que o (des) cumprimento de condicionalidades será registrado, bem como o acompanhamento familiar, como também o desligamento de beneficiários do Programa será efetuado, automaticamente (SOBRAL, 2019). CONCLUSÃO É indubitável que o PCB é um mecanismo de combate a algumas expressões da questão social, como a fome, a extrema pobreza, a redução de vulnerabilidade social das famílias acompanhadas e do desenvolvimento infantil. Porém, observa-se que o mesmo não é política de transferência de renda universal e incondicional e estar muito longe de ser, pois determina o tipo de beneficiários e impõem contrapartidas para suas famílias beneficiárias. É um Programa que traz contradições no conceito de família, é focalizado, temporário, residual para um público específico, onde “escolhem” os mais pobres entre os pobres. Tendo como foco a extrema pobreza e a família, apresentando como marca dos programas de transferência de renda em tempos neoliberais, como estratégia dominante desse sistema, em que não há lugar para Políticas de Transferência de Renda universais e incondicionais. REFERÊNCIAS BRASIL. Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Brasília: MDS/SNAS, 2004. DRAIBE, S.M. Por um reforço da proteção à família: contribuição à reforma dos programas de assistência social no Brasil. In: KALOUSTAN, S. M. Família brasileira: a base de tudo. São Paulo, Cortez, 2011. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. O Brasil em síntese. 2017. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/sobral . Acesso em: 07 mar. 2020. 1671
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI LOTTA, G. S. Trevo de Quatro Folhas. In: TEIXEIRA, M. A. C.; GODOY, M. G. de; CLEMENTE, R. 20 experiências de gestão pública e cidadania. São Paulo: Programa Gestão Pública e Cidadania, 2005. p. 77-86. MACIEL, C. A. B. A família na Amazônia: desafios para a Assistência Social. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, n° 71, p. 122-137, 2002. MARINHO, E.; LINHARES, F.; CAMPELO, G. Os programas de transferência de renda do governo impactam a pobreza no Brasil? Rev. Bras. Econ. [online]. 2011, vol.65, n.3, p.267-288. MEDEIROS, M.; BRITTO, T.; SOARES, F. Programas focalizados de transferência de renda no Brasil: contribuições para o debate. Brasília: IPEA, textos para discussão, n. 1283, jun./2007. NEME, F. et al. Programas de transferência de renda: um paradigma em proteção social e combate à pobreza. Brasília: SINUS/UNB, 2013, p. 290-321. OLIVEIRA, J. B. A. O Sucesso de Sobral. Belo Horizonte: Instituto Alfa & Beto, 2013. PEREIRA, Potyara A. P. A questão social e as transformações das políticas sociais: respostas do Estado e da sociedade civil. Ser Social e Serviço Social. Revista do Programa de Pós-Graduação em Política Social da Unb, n.6, jan/jun, 2000, p. 119-132. SENNA, M. de C. M. et al. Programa Bolsa Família: nova institucionalidadeno campo da política social brasileira? In: Revista Katálysis. Florianópolis v. 10 n. 1 p.86-94 jan./jun. 2007. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis . Acesso em agosto de 2010. SILVA, M.O.S. Avaliação de políticas e programas sociais: uma reflexão sobre o conteúdo teórico e metodológico da pesquisa avaliativa. In: ______. Pesquisa avaliativa: aspectos teórico-metodológicos. São Paulo: Veras, 2013. ______; YAZBEK, M. C; DI GIOVANNI, G. A política brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. São Paulo: Cortez, 2004. SOBRAL. Prefeitura Municipal de Sobral. Decreto nº 2283, de 22 de outubro de 2019. Sobral: Diário Oficial Municipal, 2019. ______. Prefeitura Municipal de Sobral. Lei n°1.607, de 02 de fevereiro de 2017. Diário Oficial do Município. Sobral: Poder Executivo. Disponível em:< http://www.sobral.ce.gov.br/diario/public/files/diario/fcbe29bb7cf2b23f693f9820e5fa 9763.pdf> Acesso em : 23 mar. 2020. ______. Prefeitura Municipal de Sobral. Lei n° 1780 de 12 de julho de 2018. Sobral: Câmara Municipal de Sobral, 2018a. Disponível em: < https://www.camarasobral.ce.gov.br/painel/files/docs/norma_lei/lei_1a12ddff02f89d c.pdf > Acesso em: 07 fev. 2020. 1672
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ______. Prefeitura Municipal de Sobral. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Prevenção ao Suicídio. Sobral, 2018b. Disponível em: <http://www.mpce.mp.br/wp-content/uploads/2019/12/20190213-Plano-Municipal- de-Prevencao-e-Posvencao-do-Suicidio-SOBRAL.pdf> Acesso em: 24 mar.2020. SPOSATI, A.O.et al. Assistência na Trajetória das Políticas Sociais Brasileiras: uma questão em análise. São Paulo: Cortez, 2014. SOUSA, F. J. S. Programa Trevo de Quatro Folhas uma ação efetiva para a redução da mortalidade infantil em Sobral-Ceará. SANARE, Sobral, v.11. n.1.p. 60-65, jan./jun. – 2012. TEIXEIRA, S. M. A família na política de assistência social: concepções e as tendências do trabalho social com famílias nos CRAS de Teresina- PI. Teresina: EDUFPI,2013. ______. Trabalho Social com Família: fundamentos históricos, teórico-metodológicos e técnico-operativos. Teresina: EDUFPI. 1673
EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA ESTADO E POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO CONTEXTO CAPITALISTA CONTEMPORÂNEO: reflexões sobre o cenário brasileiro STATE AND SOCIAL ASSISTANCE POLICY IN THE CONTEMPORARY CAPITALIST CONTEXT: reflections on the Brazilian scenario Talila Arrais Amorim 1 Solange Maria Teixeira2 RESUMO O presente artigo, de cunho bibliográfico, objetiva realizar uma reflexão acerca da Política de Assistência Social (PAS) brasileira no período pós-2016. Para tanto, fez-se uma breve problematização entre a relação Estado, Política Social e capitalismo no cenário vigente colocando em relevo as “novas” configurações da PAS. Conclui-se que a PAS brasileira, no pós-2016, apresenta tendências moralizadoras, sustentada por um discurso estatal que legitima o sistema capitalista e as relações que o engendram, que coloca em risco um modelo de gestão em formato de sistema único que se encontrava em processo de concreção e expansão. Palavras-Chaves: Estado. Capitalismo. Política de Assistência Social. ABSTRACT This bibliographic article aims to reflect on the Brazilian Social Assistance Policy (PAS) in the post-2016 period. For that, was made a brief problematization among the relationship State, Social Policy and capitalism in the current scenario, highlighting PAS “new” configurations. It is concluded that the Brazilian PAS in the post-2016, presents moralizing trends, supported by a state discourse that legitimizes the capitalist system and the relations that engender it, 1 Assistente Social do Centro de Atenção Psicossocial (CAPSi), mestra em Políticas Públicas e doutoranda em Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E- mail: [email protected] 2 Professora da Pós-Graduação em Políticas Públicas e do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí. Doutora em Políticas Públicas. E-mail: [email protected] 1674
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI which puts at risk a management model in a single system format that was in concretion and expansion process. Keywords: State. Capitalism. Social Assistance Policy. INTRODUÇÃO O processo de consolidação da Política de Assistência Social, no Brasil, foi tardio, pois a assistência social atingiu o caráter de direito social apenas com a Constituição Federal de 1988. Os avanços constitucionais sinalizavam um redirecionamento para as políticas sociais brasileiras, mas apenas o texto constitucional e a formulação de legislações que operacionalizassem as ações da PAS não foram suficientes para gerar concretudes diante dos reveses sofridos, determinados pela nova dinâmica da reprodução do capital e das transformações da sociedade brasileira desde a década de 1990 e nos anos 2000. A onda neoliberal que permeou o país, a partir da década de 1990 até o quadro atual, foi determinante para o desenvolvimento de uma política voltada para a rentabilidade econômica em detrimento dos avanços sociais. A adesão do Brasil à agenda de reformas conservadoras instaurou um novo momento no sistema de proteção social denominado de “ajustamento conservador” que, conforme Soares (2001), abriu passagem às tentativas de desmonte das políticas sociais de cunho universalizante com a implementação de políticas de perfil neoliberal, nas quais prevalece um novo tipo de proteção social denominado pluralismo de bem-estar social em oposição ao Estado de Bem-Estar Social. Diante dessa relação umbilical entre Estado e reprodução ampliada do capitalismo, as políticas sociais, e aqui em destaque a Política de Assistência Social, apresentam contradições e particularidades. Ao tempo em que se configuram como resposta materializada à crise do capital, experimentam também as consequências do desmonte ocasionado por essa reprodução capitalista, sendo o nível de ataque medido de acordo com a direção social e política dos governos. O cenário brasileiro pós-2016, marcado por intensas disputas políticas que colocaram o processo democrático em risco e sustentado por um discurso estatal que legitima o sistema capitalista predatório e financeiro, situou as políticas sociais, em especial a Política de Assistência Social, em uma encruzilhada. Dessa forma, “o Brasil 1675
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI vem passando por um processo sem precedentes de destruição do seu (incipiente) Estado do Bem-Estar Social” (TEIXEIRA; PINHO, 2018, p. 15). Assim, o presente artigo, de cunho bibliográfico, tem como objetivo apresentar uma discussão sobre a Política de Assistência Social brasileira no contexto pós-2016. A justificativa é que tal período revela novas configurações para a política em questão, apresentando como aporte para a problematização a discussão em torno da relação Estado, política social e capitalismo em crise no cenário vigente, bem como as “novas” formatações (elementos e características) no âmbito federal da Política de Assistência Social em um contexto de descaminhos marcado pelos retrocessos, conservadorismo e ofensiva neoliberal. 2 ESTADO BRASILEIRO, POLÍTICA SOCIAL E CAPITALISMO: situando o debate atual A crise capitalista se alastrou com rebatimentos mundiais a partir dos anos de 1970. A regulamentação do mercado por parte do Estado e o avanço da organização dos trabalhadores passaram a ser considerados entraves à livre acumulação de capitais. Como destaca Pereira (2017, p. 24), a submissão dos países ao capitalismo financeiro aconteceu “quando o credo neoliberal, em expansão, se amalgamou ao neoconservadorismo, em emersão, formando o que se convencionou chamar de Nova Direita”. Desde esse momento, no cenário mundial, o Estado assume características neoliberais, retira-se do papel de interventor e se posiciona como regulador, repassando algumas de suas atribuições para outros entes, sociedade, mercado, famílias. Deve-se ressaltar que o capitalismo se desenvolve em ciclos de expansão e retração; entra em crise de maneira cíclica: após um ciclo de expansão e de superlucros e acumulação/produção, entra em outro de crise e retração. Marx (1985), em “O Capital”, proporciona-nos as bases para esse entendimento: “a expansão súbita e intermitente da escala de produção é o pressuposto de sua contração súbita; a contração provoca novamente a expansão” (MARX, 1985, p. 201). Tal dinâmica capitalista de produção se desenvolve de forma que suas próprias leis internas provocam cenários que impossibilitam o capital de permanecer produzindo e reproduzindo de forma ampliada. Nesses processos, faz-se urgente a busca de saídas 1676
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI e as reestruturações da produção e reprodução social, com transformações no modelo de acumulação e de regulação social. Assim, tanto as alterações no modo de produzir, com a máxima redução de custo e da força viva (força de trabalho) empregada, como as novas estratégias de dominação político-ideológica e jurídica são alteradas. Em resposta ou como consequências da crise atual, “o grande capital implementa a erosão das regulações estatais visando claramente à liquidação de direitos sociais, ao assalto ao patrimônio e ao fundo público” (NETTO, 2012, p. 422). O Estado capitalista se reconfigura e legitima o sistema possibilitando a superação das amarras à reprodução ampliada do capital novamente, validando o sistema e as relações que o engendram e, assim, desenham-se, nesse cenário, novas relações entre Estado e Capital e Estado e Sociedade. Desde a crise de 1970, com novas dimensões em 2008, o neoliberalismo é uma dessas estratégias de saída da crise que se antepõe ao Estado de Bem-Estar Social, ao ter como princípio a retirada da intervenção do Estado no campo social, como um dos mecanismos de redução do gasto público, ao tempo em que enaltece a área econômica e o seu pleno desenvolvimento. José Paulo Netto (2012) afirma que existe um tipo de crise que se manifesta envolvendo toda a estrutura da ordem do capital. Para ele, o capitalismo vivenciou-a duas vezes: a primeira, de 1873 a 1893, e a segunda, que se iniciou em 1929 e perdurou até meados do segundo período pós-guerra. Entretanto, o autor reitera que “todas as indicações mais sólidas apontam que estamos experimentando, neste momento, uma crise que é sistêmica” (NETTO, 2012, p. 416), configurando uma terceira crise. Tal movimento provoca sequelas não só na economia, mas também nas relações societárias, culturais e no plano político (MÉSZÁROS, 2009). Para Fontes (2017, p. 414), as crises não são suficientes para a superação do capitalismo, no entanto vivemos uma crise atual do capitalismo que se inicia em 2008 e que incorpora na conjuntura atual novos elementos; “é o uso da crise como chantagem política” ameaçada com as crises, em que a burguesia extorque direitos e apropria-se ainda mais de parte da vida do trabalhador e do fundo público antes destinado às políticas sociais. Diante dessa perspectiva, constata-se que diferentemente das anteriores, as crises formatadas nos anos 2000 têm seus custos prontamente assumidos pelo Estado 1677
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que, consequentemente, repassa-os à população, materializados em pauperização, aumento da miséria, desemprego, fragmentação da classe trabalhadora, destruição dos recursos naturais, entre outros. Assim, o Estado capitalista se apresenta, ao mesmo tempo, como “uma enorme conciliação das contradições sociais” (FONTES, 2017, p. 418) e também como uma instância de coerção social. Na realidade instaurada no Brasil pós-2016, inclina-se muito mais para o Estado autoritário e coercitivo, com elementos fortes de repressão, desmonte e militarização da vida, portanto, antidemocrático, com tendências neofascistas. Para Avritzer (2016), o impeachment da presidenta Dilma Rousseff marca o fim da “Nova República”, período que se inicia em 1985 com a abertura democrática e eleição de Tancredo Neves e finda-se no contexto do golpe político, no dia 31 de agosto de 2016. O processo de contrarreformas iniciado no governo do Partido dos Trabalhadores (PT), em resposta à tentativa de “conciliação” de diferentes grupos – classe de trabalhadores, empresários, parlamentares, aprofunda-se no curto (des)governo do presidente Michel Temer, quando as contrarreformas “se instauram com dupla garantia: intocabilidade da grande propriedade, por mais lesiva que seja à humanidade e à população e extorsão de direitos [...]” (FONTES, 2017, p. 422). Dando seguimento ao percurso neoliberal iniciado no país, as bases do governo Temer (2016-2018) assentaram-se na ótica da austeridade fiscal e redução drástica das intervenções estatais, como demonstrado no trecho do seu plano de gestão: “em qualquer horizonte razoável, o Estado terá que renunciar a funções de que hoje se ocupa, e terá mesmo que amputar partes de sua arquitetura” (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES, 2016, p. 05; AMORIM; TEIXEIRA, 2017). No tocante às políticas sociais do governo Temer, o que se constatou foi um desmedido retrocesso pós-Constituição, considerando o ajuste fiscal proposto, em moldes neoliberais ortodoxos. Concretizou-se no plano “Uma ponte para o futuro”, discurso de austeridade fiscal, agenda “reformista”, redução de gastos e focalização na extrema pobreza, e teve, como desfecho, a aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016 denominada pelos movimentos sociais de PEC da morte, que congelou os investimentos em políticas sociais para as próximas duas décadas. 1678
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Assim, o curto governo do presidente Temer conseguiu imprimir, por meio da EC nº 95, um caminho de reformas e desconstrução de direitos. Tal cenário viria a influenciar também o processo eleitoral que culminou com a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Para Marques (2019), a vitória de Jair Bolsonaro, no pleito eleitoral de 2018, encerra definitivamente o período da Nova República e expõe uma polarização na sociedade brasileira, revelando características que, por algum tempo, permaneceram veladas e que, com a representação do líder máximo do Estado e o fortalecimento do ultraconservadorismo, puderam ser apresentadas e fortalecidas. É importante aqui, em referência ao governo federal em vigência, o destaque para o início do cumprimento da EC nº 95 (sequestro do fundo público), com modificações na organização das instâncias de controle social e um discurso de gestão que vai além de austeridade fiscal, perpassando também pela austeridade moral. Como essas transformações afetam a política de Assistência Social? Quais tendências podem ser apontadas a partir desse período nessa política? 3 AS “NOVAS” CONFIGURAÇÕES DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA: notas e reflexões O panorama atual de transformações, na cena política, econômica e ideológica no mundo e no Brasil, assenta as políticas sociais em uma posição contraditória nunca vista em outros períodos. Os ajustes e as “reformas” presentes na disseminação dos impactos das transformações do mundo do capital se expandem nos países periféricos e, nesse contexto, acirram-se os projetos em disputa também na política de Assistência Social que passa por processo de (des)construção afetando diferentes âmbitos da sociedade (BEHRING; BOSCHETTI, 2011; PEREIRA, 2017). Constatou-se que, nos anos 2000, os direitos previstos constitucionalmente avançaram em leis orgânicas, normas operacionais, mas foram desconfigurados ou reorganizados numa lógica de redução de gasto público e de focalização nos mais pobres em um cenário marcado pela ofensiva neoliberal e por crises do capitalismo. “Os direitos conquistados pela classe trabalhadora e inseridos na carta constitucional foram submetidos ao ajuste fiscal” (SOARES, 2001; BOSCHETTI, 2008, p. 9). 1679
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Boschetti (2016, p. 21) aponta que, em um cenário de crise do capital, [...] a assistência social participa mais ativamente do processo de reprodução ampliada da força de trabalho, não mais na condição de política subsidiária aos direitos do trabalho, previdência, saúde e demais políticas sociais, mas na condição de política central [...] para assegurar o consumo e a reprodução da força de trabalho e daqueles que não podem trabalhar. Diante desse cenário, a Política de Assistência Social se torna a principal política de proteção social no Brasil. É o que Mota (2008) chama de novo fetiche da assistência social. Segundo ela, [...] se antes a centralidade da seguridade social girava em torno da previdência social, ela agora gira em torno da assistência, que assume a condição de uma política estruturadora e não como mediadora de acesso a outras políticas e a outros direitos, como é o caso do trabalho (MOTA, 2008, p. 138). Nos anos 2000, sob a gestão dos governos petistas de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, com a lógica neodesenvolvimentista, passa a vigorar uma onda curta de crescimento econômico (primeiro governo de Lula) e de investimento em políticas sociais, mas assume centralidade nos programas de transferência de renda focalizados na população mais pobre, deixando grande margem de atuação para o mercado. É durante a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) que acontece a promulgação da Política Nacional de Assistência Social/2004, por meio da Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, que “[...] expressa a materialidade do conteúdo da assistência social como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasileiro no âmbito da Seguridade Social” (BRASIL, 2004, p. 11); e o tão esperado Sistema Único de Assistência Social (SUAS), de 2005, surge como promessa na organização efetiva das ações da política (BRASIL, 2005; AMORIM; TEIXEIRA, 2017). Diante das normatizações, a PAS brasileira passa a orientar suas ações a partir de algumas diretrizes, tais como: descentralização político-administrativa, participação e controle social, primazia da responsabilidade do Estado na condução da política e centralidade na família (BRASIL, 2004). Assim, considerando a análise salientada por Brettas (2017, p. 68), Foi possível, portanto, ao mesmo tempo, elevar a Assistência Social ao status de política social – já que até a Constituição, as ações eram, em geral, pautadas na filantropia e no corporativismo –, mas ao mesmo tempo, garantir que ela funcionasse de modo a alimentar o capital portador de juros ao 1680
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI permitir a canalização de recursos do fundo público e de famílias de baixa renda em sua direção. Dessa maneira, podem-se destacar alguns avanços no que concerne às políticas sociais e à Política de Assistência Social nas gestões petistas, como a possibilidade de um Sistema Único de Assistência que redirecione as ações socioassistenciais do país e a presença maior do Estado na execução dessas ações. No entanto, é importante ressaltar que a lógica neodesenvolvimentista não possibilitou o rompimento com as tendências de focalização nos mais pobres e nos programas de transferência de renda com condicionalidades e com o desenvolvimento econômico nos moldes da acumulação flexível. No Brasil, a crise econômica iniciada em 2008 soma-se à crise política, instaurada após as eleições presidenciais de 2014, segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, e materializada com o processo de impeachment em 2016, sendo alavancado ao cargo presidencial Michel Temer, que reafirma elementos de austeridade fiscal e instaura um quadro peculiar para as políticas sociais brasileiras. A gestão de Michel Temer inicia-se desmontando alguns dos poucos avanços conquistados no governo anterior. Como ação emblemática, pode-se destacar o fechamento de alguns Ministérios fundamentais na perspectiva de garantia de direitos e avanços sociais, tais como: o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, Ministério da Cultura e do Desenvolvimento Agrário, demonstrando, assim, para a sociedade brasileira os rumos que sua gestão iria tomar. As bases desse governo estão assentadas na ótica neoliberal e no corte e enxugamento de gastos públicos. No tocante às políticas sociais no governo Temer, constata-se a precarização das políticas universalizantes, congelamento do orçamento das políticas sociais, reforço da seletividade e focalização e retorno dos incentivos para as parcerias público/privadas. O programa de governo “Uma ponte para o futuro” propõe o congelamento do orçamento das políticas sociais através das Propostas de Emenda Constitucional (PECs). A proposta do governo se concentra em três grandes eixos: desregulação do Estado, seletividade e focalização das políticas sociais (desmantelamento das políticas universalizantes) e reforço da parceria público/privada. 1681
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Silveira (2017) aponta que a diminuição nos recursos destinados para a PAS comprometeu/compromete os avanços da política, impactando especialmente na continuidade dos serviços e na diminuição da pobreza. Para a autora, os recursos estão em contraposição aos planejamentos realizados a longo prazo, bem como à cristalização da agenda do SUAS de expansão dos serviços e ações. É importante destacar que, mesmo com as nuances de crise do capital instauradas a partir de 2012, o Sistema Único de Assistência Social caminhava em uma trilha de expansão e qualificação. Assim, o plano de governo de Temer para as PAS descaracteriza esses elementos, além de resgatar o primeiro-damismo na figura da primeira-dama Marcela Temer, enfraquecer as instâncias de controle social, descaracterizar a política vinculando-a a áreas diversas, como questões agrárias e de combate às drogas, e ampliar ações de assistencialismo e vigilância moral, como exemplo o Programa Criança Feliz. O Decreto Presidencial nº 8.869, de 05 de outubro de 2016, instaura o Programa Criança Feliz (PCF), de ampla divulgação midiática e carro-chefe da PAS desenvolvida na gestão de Michel Temer, com a “finalidade de promover o desenvolvimento integral das crianças na primeira infância” (BRASIL, 2016). O Programa ganha centralidade e se sobrepõe às demais ações e serviços socioassistenciais, gerando contradições também no que se refere ao congelamento do orçamento público proposto pelo governo para a PAS, gerando o questionamento: com o orçamento limitado quais ações já em andamento foram/serão minimizadas para a instituição do PCF? (SPOSATI, 2017). As ações preconizadas pelo PCF já são contempladas por outros serviços, como Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias (PAIF) e Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), que são executados pelos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS), de forma coletiva nos grupos de convivência e nos serviços de fortalecimento de vínculos. Ao analisar os repasses e financiamentos, nota-se um decréscimo dos recursos para a execução desses serviços. Para Sposati (2017), o PCF pretende fazer ações que já são realizadas por outras políticas sociais, como as de Educação e Saúde, dessa forma desconsiderando a ação intersetorial. Cabe ressaltar também a seletividade do PCF que, a priori, foi implantado apenas em uma parcela dos municípios brasileiros. 1682
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ao analisar os objetivos e o processo de implantação do PCF, fica nítido seu viés moralizador, quando ignora o conceito de família plural, centraliza na figura materna e força a presença de profissionais visitadores (contratados de forma precarizada) que adentram as residências com o objetivo de ensinar às mães elementos sobre cuidado e educação dos seus filhos de acordo com os preceitos propostos pelo Programa. Tal lógica, para Sposati (2017, p. 536), “retoma a noção de políticas sociais assentadas na lógica jurídica que evoca a autoridade disciplinar do governo”. Ademais, cabe destacar outros elementos preconizados nesse período que contribuem para o desmonte das ações efetuadas pela PAS. São eles: a diminuição da cobertura do Programa Bolsa Família, a tentativa de desvincular o Benefício de Prestação Continuada do valor do salário-mínimo, além do aumento da participação da iniciativa privada (ONGs e OSCIPs) na execução das ações da PAS. (SPOSATI, 2017) Desse modo, a Política de Assistência Social brasileira contemporânea se assenta em um novo assistencialismo e em uma nova filantropia, com características diferentes do assistencialismo que emergiu no século XIX e em nada semelhante aos de características de proteção social. Assim, considerando o exposto no que concerne ao período de 2016 a 2018 e o contexto atual da gestão do presidente Jair Messias Bolsonaro, iniciada em janeiro de 2019, observa-se “o recrudescimento da ideologia neoconservadora e seu cruzamento com o neoliberalismo laissez-fariano [que] possibilita o afloramento despudorado de opressões extremas” (PEREIRA, 2017, p. 24). No tocante à PAS, na gestão federal atual, nota-se que ela confere continuidade aos elementos construídos no governo anterior, entretanto com um viés ainda mais moralizador e assistencialista. A priori, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), responsável pela gestão da PAS no âmbito federal, é reduzido a uma secretaria, a Secretaria Especial do Desenvolvimento Social que se encontra vinculada ao Ministério da Cidadania juntamente com um conjunto de secretarias, por exemplo a Secretaria de Esportes. Ademais, passam a compor a pasta responsável pela PAS outras ações diversas, referentes à promoção e desenvolvimento humanos, inclusão produtiva rural e prevenção às drogas. Desse modo, a PAS é colocada em posição periférica dentro do organograma governamental, continuando em destaque outros programas, como: Programa Criança 1683
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Feliz com suas ações ampliadas frente à redução da oferta dos serviços nos CRAS e CREAS; Programa de Educação Financeira para os beneficiários do Programa Bolsa Família, na tentativa de influenciar e controlar o uso do recurso recebido via benefício, por conseguinte retirando os elementos de autonomia do usuário; além do incremento de uma 13ª parcela no pagamento do Bolsa Família (promessa de campanha do presidente atual) em contraposição à redução da cobertura do Programa com a diminuição do acesso de novas famílias a ele.1 Outrossim, a Portaria nº 2.362, publicada no Diário Oficial em 23 de dezembro de 2019, ainda sob gestão do ministro Osmar Terra, traz como consequência a redução de verbas federais que seriam repassadas aos serviços socioassistenciais. O impacto varia de 30% a 40% nos municípios3, sobretudo naqueles de pequeno porte, visto que os serviços são financiados quase que totalmente por recursos advindos da esfera federal. Assim, a portaria ocasiona/ocasionará graves implicações para a sustentabilidade do SUAS diante do descumprimento do pacto federativo no que concerne ao orçamento destinado ao Fundo Nacional de Assistência Social, passando de R$ 2,2 bilhões4 para 1,3 bilhão, com o corte de quase 50% do total anterior. Diante disso, a descaracterização da Política de Assistência Social e os cortes dos recursos destinados ao SUAS, que marcam o cenário atual, demonstram mais do que a tentativa de redução de gastos públicos, revelam um projeto político para a PAS de cunho ultraconservador, moralista e descompromissado com a garantia de direitos e políticas sociais estatais de cunho universal. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento das políticas sociais, em especial o da Política de Assistência Social, não pode ser compreendido como um processo linear, pelo contrário, ele se mostra contraditório, porque pode beneficiar interesses antagônicos conforme a direção das disputas de poder e a correlação de forças prevalecentes (PEREIRA, 2009). 3Trata-se de uma avaliação inicial dos impactos de acordo com elementos levantados pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). 4 Os dados foram retirados de conteúdo digital da BBC Brasil, que fez uso da ferramenta Siga Brasil. Reproduz dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), o sistema que gerencia os pagamentos do governo. 1684
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Em suma, com o processo de mudanças recentes do mundo do capital, a Política de Assistência perde a lógica de direito e desmantela as estruturas progressivas. Isso faz com que a Assistência Social volte a ter um caráter assistencialista, na medida em que passa a ser mediada por um viés filantrópico, caritativo, focalizado, privatista e está associada ao processo de financeirização das políticas sociais, reconfigurando-se e reafirmando elementos que já havia no próprio caráter formal da legislação, com nuances de “tentativas” de superação, mesmo que ainda dentro dos limites impostos pela reprodução ampliada do capital (BOSCHETTI, 2016). A PAS se apresenta com tendências moralizadoras, sustentada por um discurso estatal que legitima o sistema capitalista e as relações que o engendram, que coloca em risco até mesmo as ações “paliativas” e um modelo de gestão em formato de sistema único que se encontrava em processo de concreção e expansão. Diante disto, conclui-se que se faz necessário o fortalecimento das ações coletivas com viés político. Organizar-se em movimentos coletivos continuará sendo uma estratégia forte perante tempos de retrocesso; organização e oposição são imprescindíveis nesse contexto. REFERÊNCIAS AMORIM, T. A; TEIXEIXA, S. M. A gestão em redes no contexto neoliberal: o exemplo da política de assistência social brasileira. Revista de Políticas Públicas da UFMA, v. 21, p.21 - 39, 2017. AVRITZER, Leonardo. O fim da Nova República. GGN – O jornal de todos os brasis. 15/05/2016. Disponível em https://jornalggn.com.br/noticia/o-fim-da-nova- - republica-por-leonardo-avritzer. Acesso em: 13 abr. 2020. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2011. BOSCHETTI, I. Assistência social no governo Lula: uma política social em disputa e em (re)construção. Revista Inscrita, Brasília, n. 9, p. 18-22, jul./dez. 2008. BOSCHETTI, I. Tensões e possibilidades da política de assistência social em contexto de crise do capital, Argumentum (Vitória), v. 8, n.2, p. 16-29, maio/ago. 2016. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Brasília: MDS/SNAS, 2004. 1685
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica da Assistência Social (NOB\\SUAS). Brasília: MDS/SNAS, 2005. BRETTAS, Tatiana. Capitalismo dependente, neoliberalismo e financeirização das políticas sociais no Brasil recente. Temporalis – Revista da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, v. 17, n. 34, 2017. FONTES, Virgínia. Capitalismo, crises e conjuntura. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 130, p. 409-425, 2017. FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES. Travessia Social: uma ponte para o futuro. 2016. Disponível em: http://veja.abril.com.br/complemento/pdf/TRAVESSIA%20SOCIAL%20- %20PMDB_LIVRETO_PNTE_PARA_O_FUTURO.pdf. Acesso em: 10 set. 2016. MARQUES, Rosa Maria. Brasil: Direita, volver! Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, v. 52, p. 10 – 38, janeiro /abril/2019. MARX, Karl. O Capital – crítica da economia política. Livro Primeiro, Tomo 2. São Paulo: Abril Cultural, 1985. MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. Rio de Janeiro: Boitempo, 2009. MOTA, A. E. O mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Cortez, 2008. NETTO, José Paulo. Crise do capital e consequências societárias. 5º Seminário Anual de Serviço Social. São Paulo, 2012. PEREIRA, P.A.P. Política social: temas & questões. São Paulo: Cortez, 2009. PEREIRA, Camila Potyara. A Proteção Social em tempos sem brios. Argumentum, Vitória, v. 9, n. 3, p. 24-29, set./dez. 2017. SILVEIRA, Jucimeire Isolda. Assistência social em risco: conservadorismo e luta por direitos. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 130, 2017. SOARES, L. T. Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. SPOSATI, Aldaíza. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 130, p. 526-546, set./dez. 2017. TEIXEIRA, S. M. F; PINHO, C. E. S. Liquefação da rede de proteção social no Brasil autoritário. Revista Katalysis, v. 21, n. 1, p. 14-17, jan./abr., 2018. 1686
EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA A TRAJETÓRIA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E A ATUAL SUPRESSÃO DE DIREITOS THE PATH OF SOCIAL ASSISTENCE SOCIAL AND THE CURRENT SUPRESSION OF RIGHTS Fabiana Luiza Negri1 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo tecer uma reflexão teórica sobre o processo de constituição da política de assistência social brasileira o seu atual momento de desmonte e a regressão dos direitos sociais. A fim de elaborar o artigo aqui proposto realizou-se um estudo documental e uma revisão bibliográfica. Apresenta-se o marco histórico de surgimento da proteção social no país, a trajetória e configuração que a política de assistência social assume mediante as ações estatais instituídas para oferecer respostas às diferentes expressões da questão social. Configura-se o atual momento de desmontes da política de assistência social, demonstrando-se a construção da supressão dos direitos sociais. Palavras-Chaves: Assistência Social. Estado. Sociedade Civil. ABSTRACT The present work aims to make a theoretical reflection on the process of constitution of the Brazilian social assistance, its current moment of dismantling and the regression of social rights. In order to prepare the article proposed here, a documentary study and a bibliographic review were carried out. It presents the historical landmark of the emergence of social protection in the country, the trajectory and configuration that the social assistance takes on through the state actions instituted to offer answers to the different expressions of the social question. The current moment of dismantling of the social assistance policy is configured, demonstrating the construction of the suppression of social rights. Keywords: Social Assistence. State. Civil Society 1Professora do Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Doutora em Serviço Social pela UFSC. 1687
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO A ideia de refletir sobre a trajetória de constituição da política de assistência social parte do processo orgânico de acompanhamento desta política, que se instituiu nos estudos e pesquisas realizados durante o percurso da vida acadêmica. O objetivo do presente artigo é tecer uma reflexão teórica sobre o processo de constituição da política de assistência social brasileira, de seu reconhecimento enquanto política pública e o seu atual momento de desmonte e a regressão dos direitos sociais. Para tanto, elaborou-se um estudo documental e uma revisão bibliográfica, apontando os processos que se instituiu na consolidação da política de assistência social e atual conjuntura. A política de assistência social consolida-se em sua trajetória, conforme Sposati (2006, p. 116-117) em três momentos principais: com a Constituição Federal de 1988, onde se assegura que a política passa a integrar a Seguridade Social; com a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social nº 8.742/93 que a define como direito do cidadão e dever do Estado, e finalmente com o SUAS, resultado de uma pactuação iniciada no limiar da IV Conferência Nacional de Assistência Social, propondo uma nova organização da política de assistência social, instituindo a hierarquização dos serviços por níveis de complexidade. Ressalta-se que nos marcos da transformação da sociedade capitalista, com a consolidação da mundialização econômica e os modelos neoliberais, a política de assistência social apresenta novos pressupostos teórico-metodológicos. O presente trabalho divide-se em duas partes, a primeira trata da trajetória histórica da política de assistência social e sua consolidação enquanto política pública de direito e dever do Estado e a segunda refere-se ao atual momento de desmonte da política e regressão de direitos sociais. Passando pela reflexão sobre a relação instituída entre Estado e sociedade civil, em que esta última assume cada vez mais a responsabilidade pela coordenação e execução das políticas sociais. 1 A TRAJETÓRIA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL É sabido que na operacionalização das políticas sociais o Estado institui ações que ora atendem as demandas das classes subalternas e ora direcionam-se aos 1688
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI interesses das classes dominantes, garantindo a reprodução e manutenção da classe trabalhadora e igualmente mantendo sua legitimidade. Nessa relação de conflito de interesses se inscrevem as políticas sociais, pois é através delas que “[...] o Estado burguês no capitalismo monopolista, procura administrar as expressões da questão social de forma a atender às necessidades da ordem monopólica [...]” (NETTO, 2011, p.30), mediando a relação das classes sociais antagônicas. Nesse sentido, o Estado tem papel fundamental na operacionalização das políticas sociais, assim, concebe-se o Estado como espaço de disputa de interesses. Portanto a concepção de Estado que se configura, permite pensar a esfera estatal não de forma unívoca, mas como arena de contradições. Conforme Gramsci (2005, p. 84), [...] o conceito de Estado é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercitivo, para moldar a massa popular segundo o tipo de produção e a economia de um dado momento) [...] e sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre toda a sociedade nacional, exercida através das organizações ditas privadas, como Igrejas, sindicatos, escolas, mídia etc.). Para Gramsci a ampliação do fenômeno estatal, característica das novas determinações do capitalismo monopolista do século XX, possibilita compreender “[...] que na noção geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à noção de sociedade civil (nesse sentido, seria possível dizer, de que Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é hegemonia couraçada de coerção)” (GRAMSCI, 2011, p. 244), indicando a relação de unidade-distinção entre Estado e sociedade civil. Portanto, constata-se a partir do pensamento gramsciano que ocorre um determinado equilíbrio entre a sociedade política e sociedade civil, uma vez que somente pela coerção o Estado em sentido estrito não consegue mais sua legitimidade, depende também da construção de consensos em torno de sua ação. Destaca-se que o que se expressa no contexto atual, tendo em vista as políticas de ajustes neoliberais, é uma relação entre Estado e sociedade civil que prioriza as relações de cooperação, criando o consenso necessário para a legitimidade do Estado. No campo das políticas sociais a instituição de parcerias público/privado configuram-se como estratégias de desresponsabilização do Estado na sua implementação. De todo modo, nesse lastro as mudanças ocorridas nos últimos anos, especificamente na política de assistência social, e as determinações oriundas da nova 1689
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI proposta de política pública, resultam em novas relações que se instituem entre Estado e sociedade civil, tanto no que concerne a execução da política, como no seu controle e fiscalização. Vale recordar que as primeiras ações assistenciais no Brasil surgem na ação social da Igreja Católica, que para prestar atendimento às famílias empobrecidas, criou instituições que prestavam serviços garantindo acesso a alimentação e a outras necessidades, porém essa atuação pautava-se essencialmente no viés da caridade e da filantropia. As primeiras iniciativas de proteção social no Brasil emergem no final do século XIX, quando se criou as Caixas de Aposentadorias – CAPs dos trabalhadores dos Correios em 1923 e a partir dessa, outras Caixas foram criadas atendendo diversos ramos da indústria, configurando as primeiras inciativas de proteção social (SILVA, 2012, p. 254). Essas primeiras políticas se materializam a partir do processo de urbanização e industrialização do país, onde emerge a “questão social” e suas diversas expressões (miséria, desemprego, falta de moradia etc.) o que pressionou o Estado a prestar algum tipo de atendimento à classe trabalhadora que se encontrava num processo de profunda pauperização. O marco histórico da implementação da assistência social no Brasil, delimitado principalmente por Yazbek (2012) e Sposati (2006), é a criação da Legião Brasileira de Assistência – LBA, em 1942 no governo Vargas, a qual tinha por finalidade prestar atendimento social as famílias dos “pracinhas”. Essa instituição nasceu sob um forte apelo populista atrelada aos interesses do capital, sob o comando da primeira dama, instituindo desde então, um padrão de comando dessa política. Sua proposta de atuação gravita no campo do assistencialismo e do clientelismo através de auxílios emergenciais e foi a partir da LBA que se iniciou a política de convênios com as entidades sociais. Seguindo essa linha histórica, no período da ditadura militar, as expressões da “questão social” tinham dois tratamentos específicos, o primeiro pautava-se na violência e repressão e o segundo na criação de políticas sociais que tinham por finalidade controlar qualquer tipo de insurgência contra o regime. É nesse período que se instituiu políticas de financiamento da casa própria, criou-se o Instituto Nacional de Previdência Social - INPS, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS e a Fundação Nacional do Bem-estar do Menor –FUNABEM (SILVA, 2012), no entanto para acesso à 1690
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI assistência social se instituiu regras e critérios de atendimento à população empobrecida, tornando-a extremamente burocratizada, persistindo a lógica da caridade e do assistencialismo. Contudo, segundo Yazbek (2018, p. 308) “com o tempo as velhas formas de socorrer os pobres, gestadas na filantropia e na benemerência evoluem e se transformam [...]”, especialmente, sob influência do movimento político e social da realidade do país, e das lutas dos movimentos sociais, o que levou a uma nova concepção de política de assistência social, não mais como favor e caridade, mas como direito e proteção social. Foi no âmbito do processo de redemocratização instituído no Brasil no final da década de 1970 e seguindo na década de 1980, que o Estado brasileiro sob a presença de movimentos sociais passou a construir propostas de intervenção em que se viabilizasse uma nova proteção social. Nesse processo de redemocratização do país, em 1988 se elaborou a Constituição Federal, a qual recebeu alguma influência dos movimentos sociais12, ainda que sua aprovação ocorreu diante de um texto com fortes marcas conservadoras, mas foi nessa Constituição que se criou o tripé da Seguridade Social. Conforme o artigo 194 da Constituição Federal de 1988 à Seguridade Social cabe “assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. A partir da Constituição Federal de 1988 se consolidou a construção de uma nova matriz para a assistência social, na medida em que inserida no tripé da Seguridade Social, passa a figurar como política pública, não contributiva, dever do Estado, direito de quem dela necessitar. Assim sendo, enquanto uma política pública consolidou-se com o objetivo de instituir ações, programas, projetos e serviços que busquem a defesa e o atendimento das demandas e necessidades humanas dos segmentos mais empobrecidos da população. No entanto, a regulamentação do disposto na Constituição Federal de 1988, no que concerne a política de assistência social, só ocorreu cinco anos após sua promulgação, ou seja, em 1993 quando se aprovou a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS nº 8.742/93. 1 2 Conforme a CNTS (2018), citamos aqui alguns movimentos importantes na época como: Movimento Sindical, Movimento dos Trabalhadores sem Terra. Os movimentos sociais tiveram uma participação nem sempre constante, mas através de manifestações públicas apresentaram suas pautas à Assembleia Nacional Constituinte. 1691
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Com a LOAS a assistência social configurou-se “como política de Estado, passou a ser um espaço para a defesa e atenção dos interesses e necessidades sociais dos segmentos mais empobrecidos da sociedade, caracterizando-se como estratégia de combate à pobreza [...]” (YAZBEK, 2018, p. 309). A aprovação em 1993 da LOAS definiu diretrizes, objetivos e estruturou a política de assistência social e sua aprovação situou- se na contramão dos acontecimentos políticos daquele período em que se iniciava no país a contraofensiva neoliberal. No ano de 1998 foi criada a primeira Norma Operacional Básica da política de assistência social, a qual buscou dar concretude as diretrizes e princípios estabelecidos na LOAS, instituiu-se o sistema descentralizado e participativo e ampliou-se as competências dos entes federados, assim como exigiu-se a implementação de onselhos, Planos e Fundos de assistência social para as três esferas de governo. Porém foi somente com a participação popular e especialmente com a presença de entidades e movimentos sociais que em 2004, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, após a IV Conferência Nacional de Assistência Social realizada em dezembro de 2003, criou-se o Sistema Único de Assistência Social - SUAS. A IV Conferência Nacional de Assistência Social apontou como principal deliberação a construção e implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, como era denominado na época, passou a implementar no país, a Política Nacional de Assistência Social, numa perspectiva que “[...] busca incorporar as demandas presentes na sociedade brasileira no que tange à responsabilidade política, objetivando tornar claras suas diretrizes na efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado” (BRASIL, 2004, p. 13). Nessa perspectiva, a assistência social foi hierarquizada em proteção social básica e especial, conforme o contexto e as ações de prevenção ou na ocorrência de riscos e também pela complexidade que envolve a família e/ou os indivíduos. A nova arquitetura engendrada para a política de assistência social, na constituição da proteção social, prescinde de um compromisso com sua qualidade, e responsabilidade de gestão pública estatal na execução direta dos programas, projetos e serviços instituídos no âmbito do SUAS. No campo da gestão e execução, a política de assistência social preconiza a centralidade na família, na territorialização da intervenção, assumindo a prevenção como principal ação a ser desenvolvida e garantindo a proteção 1692
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI social desde aqueles usuários que necessitam de ações preventivas até aqueles que se encontrem com seus direitos violados. O SUAS estabelece uma nova direção para a política de assistência social, fortalecendo sua gestão e implementando novos conceitos para o atendimento das necessidades dos usuários, destacados na definição de uma proposta interventiva que valoriza o atendimento integral à família referenciada em um determinado território, utilizando para isso uma rede socioassistencial. Assim sendo, a assistência social a partir da Política Nacional de Assistência Social de 2004 procurou estabelecer uma rede de proteção que garanta o acesso às seguranças e garantias sociais propondo também a complementação de outras políticas sociais. Nesse viés vale destacar que é fundamental compreender que a proteção social se materializa a partir da articulação de todas as políticas sociais que constituem a Seguridade Social; assim tornando-se importante a garantia da consolidação da concepção de Seguridade Social tal como preconizada na Constituição Federal de 1988. 2 O ATUAL CONTEXTO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCA SOCIAL E O DESMONTE DE DIREITOS No atual contexto político, social e econômico são retomados os preceitos neoliberais com maior intensidade e perversidade, seja na defesa do livre mercado, na desregulamentação da economia e na consolidação de um Estado que se situa no processo de intermediação da relação capital/trabalho, materializando-se pelo apoio emergencial às situações mais drásticas da pobreza. Nesse sentido a Emenda Constitucional nº 103/20193 rompeu com a concepção de um padrão de proteção social amplo e de cobertura universal para as situações de risco e vulnerabilidade dos cidadãos brasileiros, ou seja, a contrarreforma instituída atropelou a Seguridade Social, fortalecendo as políticas neoliberais. Na atual conjuntura, de um lado se configuram a radicalização da mundialização financeira, a aceleração e intensificação da produção, resultando na superexploração da 3A Emenda Constitucional é a modificação imposta ao texto da Constituição Federal após sua promulgação, possibilitando a alteração de partes de seu texto. Sua aprovação está a cargo da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A emenda depende de três quintos dos votos em dois turnos de votação em cada uma das casas legislativas. Emenda Constitucional nº 103/2019 aprovada em 12 de novembro de 2019 altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm 1693
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI força de trabalho e, de outra parte para o Estado perpassado pelos ideários do neoliberalismo, exige-se a sua contrarreforma, reduzindo direitos sociais e trabalhistas, defendendo a privatização de empresas e serviços públicos. É nesse contexto que se constitui a formulação e execução das políticas sociais, dentre elas a assistência social. Não são recentes as ofensivas contra a Seguridade Social, desde a década de 1990 o sistema de Seguridade vem sofrendo persistentes desmontes, iniciando pela Emenda Constitucional nº 20/1998 de Fernando Henrique Cardoso, passando pelos governos de Luiz Inácio Lula da Silva com a Emenda Constitucional nº 41/2003 e Dilma Rousseff com a Lei 12.618 de 30 de abril de 2012, que instituíram contrarreformas, as quais significaram igualmente a desconstrução do sistema de proteção social brasileiro. Conforme Mota (2008, p. 42) “Trata-se de destruir a sociabilidade do trabalho protegido [...]” e de construir a negação da intervenção estatal creditando ao mercado a regulação da vida social. No governo de Michel Temer se acentuou a relação entre as organizações sociais e o Estado, priorizando e estimulando a participação destas na execução das políticas sociais, dentre elas a assistência social. Configura-se amplamente o repasse à sociedade civil a responsabilidade pela execução das políticas sociais, desresponsabilizando o Estado e instituindo processos de privatizações da esfera pública. Na lógica de desmonte da política de assistência social o governo Temer impôs aos Estados e Municípios, paralelamente ao SUAS, o Programa Criança Feliz, que retoma a lógica da política de assistência social da era Vargas, com forte cunho populista, clientelista, assistencialista e reativa a figura da primeira dama. Nesse mesmo viés reflexivo é importante destacar que em 2016 foi aprovada a Emenda Constitucional nº 95/16 que impossibilita o aumento de investimentos em políticas sociais por 20 anos e na mesma perspectiva aprovou-se a Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017, impondo uma agressiva contrarreforma trabalhista destituindo os direitos trabalhistas, caracterizando o desmonte dos direitos sociais. Desse modo, a redução contínua e acentuada de investimentos nas políticas de saúde, educação e assistência social, geram impactos desastrosos na garantia dos direitos, dado que os atuais investimentos já se mostram insuficientes para o atendimento das demandas da população, além de inviabilizar o cumprimento de 1694
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI diretrizes, metas e estratégias estabelecidas tanto no Plano Nacional de Educação, como no Sistema Único de Saúde - SUS e no Sistema Único da Assistência Social - SUAS. Com a eleição do governo Bolsonaro (2019-2022) imprime-se uma direção política que materializa os interesses do grande capital financeiro, perpassando todas as políticas sociais e nesse sentido, na política de assistência social se fortalece investimentos no Programa Criança Feliz e na política de tratamento aos usuários de drogas, consolidando ações paralelas ao SUAS. Nessa mesma perspectiva no ano de 2019 foi cancelada a 12ª Conferência Nacional de Assistência Social, e buscou-se direcionar as práticas do Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS para ações burocratizadas sem participação social, assim como emergiu na pauta do CNAS a proposta de revisão da Resolução 237/2006 que regulamenta as normas para o conselho, significando uma tentativa de desmonte dos espaços de participação da sociedade civil. O Ministério da Cidadania, criado pelo Decreto Nº 9.674 de 02 de janeiro de 2019 instituiu a Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, e em seu âmbito criou as Secretarias Nacionais de Renda de Cidadania; de Assistência Social; de Promoção do Desenvolvimento Humano, de Inclusão Social e Produtiva Rural; de Inclusão Social e Produtiva Urbana e de Cuidados e Prevenção às Drogas. Na estruturação do Ministério as três primeiras Secretarias dividem a atenção, gestão e organização da política de assistência social, estabelecendo Coordenadorias e Diretorias, as quais indicam claramente uma profunda departamentalização, e uma ampla fragmentação da gestão da política de assistência social. Destaca-se a Secretaria de Promoção e do Desenvolvimento Humano, que tem como foco central programas e serviços voltados à primeira infância e ao idoso, nesse escopo situa-se o Programa Criança Feliz, que segundo as informações do Ministério realizou 23 milhões de visitas domiciliares4, as quais têm como objetivo orientar e acompanhar gestantes e crianças em sua primeira infância. Conforme o Ministério da Cidadania, o programa Criança Feliz tem como centralidade a estimulação cognitiva, a socialização, e a estimulação da coordenação motora e linguagem. Ou seja, observa-se que o Ministério apresenta finalidades muito mais vinculadas a política de educação, 4 Conforme Ministério da Cidadania em seu site: http://www.desenvolvimentosocial.gov.br/servicos/crianca-feliz/ 1695
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sem uma ligação direta com a politica de assistência social, tratando-se de uma descaracterização do que é de fato parte da política pública de assistência social, conforme instituída pelo SUAS. Nesse sentido, a Secretaria que trata dos cuidados e prevenção às Drogas, conta apenas com Diretorias voltadas para projetos de articulação com entidades assistenciais e reinserção social. Esta Secretaria tem como orientador de suas ações o Decreto nº 9.761 de 11 de abril de 2019 que institui a “nova” Política Nacional sobre Drogas, direcionando a ação para o tratamento em comunidades terapêuticas, defendendo a abstinência como estratégia em substituição a política de redução de danos. A centralidade, tanto política como de execução financeira, em programas, projetos e serviços na área da primeira infância e no tratamento aos usuários de drogas, nas perspectivas apontadas focam no campo da educação e na saúde respectivamente, configurando claramente um distanciamento da proposta de constituição da política pública de assistência social, prevista tanto na Política Nacional aprovada em 2004, quanto no próprio SUAS instituído em 2011 pela Lei 12.435. Nas análises, apresentadas no CFESS Manifesta (2018) em defesa da política de assistência social, sobre a redução de investimentos em políticas sociais, a assistência social em especial, teve uma redução de 47,7% entre os anos de 2012 a 20175, o que significa dizer uma drástica redução de investimentos na consolidação do SUAS. Portanto, é necessário alertar que sem investimento numa estrutura adequada não há como assegurar a prestação de serviços com qualidade, o que pode levar a desidratação e ao próprio fim do SUAS. Nessa direção, analisando as Planilhas de Execução Orçamentária do Ministério da Cidadania, observa-se que para o Programa Criança Feliz vem-se ampliando o gasto financeiro, com um salto no ano de 2019. Em 2017 o Ministério da Cidadania gastou R$ 40.615.725 com o Programa Criança Feliz, em 2018 o gasto foi de R$ 42.075.731 e em 2019 R$ 249.846.634, demonstrando uma evolução crescente de investimentos no programa, com um salto substancial no ano de 2019, configurando a centralidade em um programa paralelo a politica de assistência social e a consolidação do SUAS.6 5 Dados retirados do CFESS Manifesta de 1º e 2 de agosto de 2018. 6 Conforme dados das Planilhas de Execução Orçamentária de 2017, 2018, 2019 disponíveis em: http://mds.gov.br/acesso-a-informacao/receitas-e-despesas 1696
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A fragilização da política de assistência social também se materializa na redução de investimentos com o Programa Bolsa Família - PBF, a partir do corte de beneficiários. O PBF vem sofrendo sistematicamente ataques que procuram desqualificá-lo, com acusações de desvios de recursos e até pagamentos indevidos, posto que a ideia é implementar um processo de revisão buscando restringir o acesso ao programa. Com o avanço do conservadorismo no país e a ameaça à democracia derruindo o Estado de direito democrático, aprofundam-se as propostas de contrarreforma do Estado, resultando no avanço da desigualdade social, da pobreza e outras violações de direitos. Ampliam-se as estratégias para a retomada da proposta de educar os pobres, no sentido de adequá-los a realidade e por consequência aos interesses do capital, reatualizando a concepção moralizadora do trabalho na assistência social. A proposta do atual governo brasileiro significa uma afronta aos princípios da Constituição Federal de 1988, na medida em que desrespeita a defesa dos direitos sociais e garantias fundamentais através da manutenção da vedação de investimentos nas políticas sociais de saúde, educação, assistência social etc. subvertendo o preconizado na Carta Magna e desconfigurando o Estado social democrático de direito nela instituído. Atacam-se os princípios e diretrizes construídos ao longo das últimas décadas e também se subverte a concepção de universalidade, de proteção social e de política pública enquanto direito do cidadão e dever do Estado. Na atual conjuntura de desmontes de direitos impera a lógica mercantil, a privatização por meio das parcerias público-privado, assim como se reafirma o compromisso direto no pagamento dos juros da dívida pública e igualmente no campo político se apresenta um adensamento das relações de poder, em que forças de diferentes partidos disputam espaço e ganhos políticos. O Estado brasileiro imprime uma direção política que materializa os interesses do grande capital financeiro, e vem defendendo suas propostas por meio da construção de sua hegemonia através dos “aparelhos privados de hegemonia”, (GRAMSCI, 2011, p. 254-255) especialmente a grande mídia, os partidos, as associações e federações patronais, etc. Destacam-se dessa forma, as relações de forças em que o Estado apresenta uma função educativa, cujo “[...] fim é sempre o de criar novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar as massas populares às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção” (GRAMSCI, 2011, p.23). 1697
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Portanto, por meio da repressão e violência, ou seja, da coerção, assim como pela criação de consensos, especialmente através das políticas sociais, o governo busca materializar a hegemonia do modo de vida burguês possibilitando a expansão econômica necessária ao grande capital. CONSIDERAÇÕES FINAIS A constituição da política de assistência social tem fulcro no processo de organização da classe trabalhadora, que passou a reivindicar atendimento de suas demandas sociais, mediante a ampliação das expressões da “questão social”. Sua trajetória demarca uma importante conquista em sua configuração enquanto política pública de estado e direito daqueles que dela necessitarem, sua evolução demarca uma emergência da caridade, contudo sua história institui uma perspectiva de acesso aos direitos e garantias sociais, entretanto no atual contexto configura-se um processo de desmonte incidindo em sua consolidação. Portanto, tecer reflexões acerca da trajetória da política de assistência social e sua consolidação no campo das políticas sociais públicas, como direito dos trabalhadores, devendo garantir acesso a quem dela necessitar é de extrema importância, visto as ofensivas que passam a ser efetivadas na atual conjuntura de desmontes dos direitos sociais. Por fim, é imprescindível que se compreenda que a política de assistência social, é uma política pública, é um direito dos trabalhadores e dever do Estado de provê-la, garantindo as seguranças e a proteção social aos brasileiros em situação de risco e vulnerabilidade social. Ou seja, é fundamental defender o conceito de Seguridade Social previsto na Constituição Federal de 1988, assim como na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS de 1993 e na Política Nacional de Assistência Social - PNAS de 2004 que instituiu o Sistema Único de Assistência Social – SUAS para garantir sua consolidação. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 1698
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI BRASIL, Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS nº 8.742. 07 de dezembro, Brasília, 1993. BRASIL, Política Nacional de Assistência Social – PNAS, Brasília: MDS, 2004. BRASIL, Lei que Organiza a Assistência Social nº 12.435. 06 de julho, Brasília: MDS, 2011. BRASIL, Emenda Constitucional nº 95. 15 de dezembro, Brasília, 2016. BRASIL, Lei que Altera a Consolidação das Leis Trabalhistas nº 13.467. 13 de julho, Brasília, 2017. BRASIL, Emenda Constitucional nº 103. 12 de novembro, Brasília, 2019. BRASIL, Decreto nº 9.761 Aprova a Política Nacional sobre Drogas. 11 de abril, Brasília, 2019. BRASIL, Decreto nº 9.674 Aprova a Estrutura e o quadro Demonstrativo dos Cargos e Funções do Ministério da Cidadania. 02 de janeiro, Brasília, 2019. BRASIL, Execução Orçamentária do Ministério da Cidadania (2017, 2018 e 2019). Brasília: Ministério da Cidadania. Disponível em: http://mds.gov.br/acesso-a- informacao/receitas-e-despesas Acessado em:15/01/2019. CFESS, CFESS Manifesta: 2º Seminário Nacional sobre o Trabalho do/a Assistente Social na Política de Assistência Social, Brasília: CFESS, Ago., 2018. CNAS, Resolução nº 237 Diretrizes para a estruturação, reformulação e funcionamento dos Conselhos de Assistência. 14 de dezembro. Brasília: MDS, 2006. CNTS – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. Participação dos Movimentos Sociais foi Imprescindível para que a Constituição se tornasse Cidadã. Notícias, Julho, 2018. Disponível em: https://cnts.org.br/noticias/participacao-dos- movimentos-sociais-foi-imprescindivel-para-que-constituicao-se-tornasse-cidada/ GRAMSCI, Antonio. Cartas do Cárcere. Tradução Luiz Sérgio Henrique e Carlos Nelson Coutinho (Orgs.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 02, 2005. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere: Maquiavel notas sobre o Estado e a política. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 03, 2011. MOTA, Ana Elizabete. Seguridade Social Brasileira: desenvolvimento histórico e tendências recentes. MOTA, Ana Elizabete et al (Orgs.), Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. 3ª ed., São Paulo: Cortez Editora, p. 40 – 49, 2008. NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 8ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2011. 1699
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI SILVA, Maria Lucia Lopes da. Previdência Social no Brasil: (des)estruturação do trabalho e condições para sua universalização. São Paulo: Cortez Editora, 2012. SPOSATI, Aldaíza. O primeiro ano do Sistema Único de Assistência Social. In: Serviço Social e Sociedade, nº 87, Ano XXVI, São Paulo: Cortez Editora, Setembro, p. 96-131, 2006. YAZBEK, Maria Carmelita. Pobreza no Brasil Contemporâneo e Formas de seu Enfrentamento. In: Serviço Social e Sociedade, nº 110, São Paulo: Cortez Editora, Abr./jun, p. 288-322, 2012. YAZBEK, Maria Carmelita. Política de Assistência Social: demandas e os desafios postos ao trabalho do assistente social. In: 5º Encontro Nacional Serviço Social e Seguridade Social: serviço social reafirma seguridade social pública e estatal é possível. Brasília: CFESS, 2018. 1700
EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA SIGNIFICADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL PARA MULHERES ATENDIDAS NO CENTRO DE REFERÊNCIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL MEANING OF SOCIAL ASSISTANCE FOR WOMEN SERVED AT THE SOCIAL ASSISTANCE REFERENCE CENTER Francisco Rafael de Castro Chaves 1 Paula Raquel da Silva Jales2 RESUMO O objetivo geral deste trabalho é compreender o significado da assistência social a partir da percepção de mulheres inseridas no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Serrinha em Fortaleza/Ceará, mediante pesquisa de campo. Conforme os achados bibliográficos da pesquisa, concluímos que a assistência social afirma- se como política pública a partir da Constituição brasileira de 1988. Para nossas entrevistadas, de modo geral, a assistência social assemelha-se ao Assistente Social, profissional de Serviço Social. Além disso, expressaram que esta política pública garante direitos sociais por intermédio dos serviços e programas ofertados no CRAS. Palavras-Chaves: Assistência social. Política Pública. Serviço social. Direitos sociais. ABSTRACT The present work aims to make a theoretical reflection on the process of constitution of the Brazilian social assistance, its current moment of dismantling and the regression of social rights. In order to prepare the article proposed here, a documentary study and a bibliographic review were carried out. It presents the historical landmark of the emergence 1 Assistente Social. Residente da Ênfase em Saúde da Mulher e da Criança, Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC/UFC). E-mail: [email protected] 2Assistente-Social. Mestra em Políticas Públicas e Sociedade, Universidade Estadual do Ceará (UECE). Doutoranda em Políticas Públicas, Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalho realizado com apoio da CAPES, Brasil. Código de Financiamento 001. E-mail: [email protected] 1701
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI of social protection in the country, the trajectory and configuration that the social assistance takes on through the state actions instituted to offer answers to the different expressions of the social question. The current moment of dismantling of the social assistance policy is configured, demonstrating the construction of the suppression of social rights Keywords: Social Assistance. Public Solicy. Social Service. Social Rights INTRODUÇÃO No Brasil, a introdução da política social e constituição de um sistema de proteção social ocorrem a partir dos anos de 1930, por conta das transformações socioeconômicas e do setor industrial no país (BEHRING; BOSCHETTI, 2009). Nesse processo destacou-se a criação de importantes instituições sociais como o Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) (MESTRINER, 2008), o Ministério do Trabalho, os Institutos de Aposentadorias e pensões (IAPs), o Ministério da Educação e Saúde Pública, o Conselho Consultivo do Ensino Comercial e o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) (BEHRING; BOSCHETTI, 2009). O campo da assistência social vai apresentar a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), instituição com características de tutela, favor e clientelismo na relação entre Estado e sociedade, responsável por articular uma forte rede de instituições privadas conveniadas de caráter assistencialista, celetista e de primeiro- damismo (BEHRING; BOSCHETTI, 2009), tal área sendo caracterizada como ação social, ato de vontade e não direito de cidadania (SPOSATI, 2008). É somente a partir da Constituição Federal de 1988, ao ser inserida no tripé da Seguridade Social (assistência social, saúde e previdência social), e pela sua regulamentação na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, que a assistência social alcança o caráter de política pública de direito, devendo ser garantida pelo Estado, para provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas dos trabalhadores e trabalhadoras que à ela requisitarem (BRASIL, 1993). Observando a importância em discutir acerca desta política pública, elegemos como objetivo geral para este trabalho compreender o significado da assistência social 1702
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a partir da percepção de mulheres inseridas no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da Serrinha, em Fortaleza/Ceará. Para tanto, dividimos nossas reflexões em dois pontos centrais: no primeiro, contextualizamos o reconhecimento da assistência social como política pública pela Constituição Federal de 1988 e sua regulamentação pela LOAS em 1993. Sobre o segundo ponto, desenvolvemos reflexões, a partir das entrevistas semiestruturadas realizadas com mulheres inseridas no Programa Bolsa Família (PBF) e acompanhadas pelo CRAS Serrinha, acerca da assistência social. 2 RECONHECIMENTO E DESAFIO DE EFETIVAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL A Constituição Federal brasileira de 1988 foi responsável por colocar a assistência social em um novo status, o de política pública de direito, compondo junto a saúde e a previdência o tripé da Seguridade Social (BRASIL, 1988). Sua regulamentação ocorre por intermédio da Lei n. 8.742 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social). Tal legislação significou o reconhecimento da assistência social como política pública de direito do cidadão e responsabilidade do Estado, sendo este último responsável por provê os mínimos sociais para garantir o atendimento às necessidades básicas da população demandatária (BRASIL, 1993). Sendo assim, a regulamentação da assistência social através da LOAS objetiva a proteção social, a vigilância socioassistencial e a defesa de direitos, a fim de garantia a vida, reduzir danos, prevenir a incidência de riscos, promover a integração ao mercado de trabalho, a habilitação e a reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária, bem como garantir o Benefício de Prestação Continuada (BRASIL, 1993). Mesmo reconhecida como política pública de Seguridade Social pela Constituição Federal de 1988 e regulamentada pela LOAS em 1993, a assistência social vai ser confrontada, a partir dos anos de 1990, pelo capitalismo contemporâneo, o neoliberalismo no cenário brasileiro. A principal característica do neoliberalismo, no campo da política social, é a desresponsabilização do Estado diante das políticas públicas ao incentivar o voluntariado e a iniciativa de instituições privadas ao diminuir o 1703
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI orçamento destinado à Seguridade Social e ao privatizar a coisa pública (BEHRING; BOSCHETTI, 2009). No contexto político e econômico neoliberal, onde se apresenta um Estado mínimo para as políticas sociais, efetivar a assistência social torna-se um grande desafio, pois, [...] se por um lado, os avanços constitucionais apontam para o reconhecimento de direitos e permitem trazer para a esfera pública a questão da pobreza e da desigualdade social, transformando constitucionalmente essa política social em campo de exercício de participação política, por outro, a inserção do estado brasileiro na contradição dinâmica e impacto das políticas econômicas neoliberais coloca em andamento processos desarticuladores, de desmontagem e retração de direitos e investimentos no campo social (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2010, p. 34). Como referência desta contradição dinâmica das políticas econômicas neoliberais (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2010), ganhou destaque o Programa Comunidade Solidária criado pela Medida Provisória n. 813 de 1995, no primeiro governo FHC. Tal programa que tinha como alvo populações em situação de extrema pobreza no país, inseridas em patamares inferiores a condições dignas de vida (SUPLICY; NETO, 1995) caminhava na contramão da assistência social, “por grande apelo simbólico, com ênfase em ações pontuais, focalizadas em ‘bolsões de pobreza’, direcionadas apenas aos indigentes, aos mais pobres entre os pobres” (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2010, p. 36), o que descaracterizava a assistência social enquanto política pública de proteção social. Contudo, mesmo diante do ideário neoliberal brasileiro, a política de assistência social nos anos 2000 avançou em sua implementação com à aprovação da nova Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004 (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2010). A PNAS/2004 preconizou que a assistência deverá garantir as seguranças de sobrevivência, acolhida e vivência familiar a população que a ela requisitar. Nesse sentido, a segurança de sobrevivência refere-se à garantia de uma renda monetária mínima que assegure a sobrevivência de populações que se encontram com limitações de rendimento ou de autonomia (BRASIL, 2004). Esta segurança “deve operar como um mecanismo de equidade no apoio ao cidadão, à família, para desenvolver condições de superar e enfrentar o cotidiano com dignidade” (SPOSATI, 2007, p. 454). 1704
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