ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A segurança de acolhida supõe à garantia de provisões básicas como de alimentação, vestuário e abrigo (BRASIL, 2004). Tal proteção supõe construir a possibilidade de cobertura às várias vulnerabilidades em que podem se encontrar os indivíduos (invalidez, deficiência, velhice, maternidade, morte, acidente, violência, dentre outras) (SPOSATI, 2007). E a segurança de vivência familiar diz respeito a não aceitação da situação de reclusão, pois busca que os indivíduos possam fortalecer suas relações sociais (BRASIL, 2004), supõe “políticas de incentivo e de criação de recursos, como centros de convivência onde as pessoas com situações comuns ou diversificadas possam criar laços, encontrar saídas para sua situação de vida e resguardo para os riscos que têm pela frente” (SPOSATI, 2007, p. 454).1 Outro marco importante foi a instituição do SUAS3 em 2005, um sistema que articula nacionalmente as “responsabilidades, vínculos e hierarquia, do sistema de serviços, benefícios e ações [...], executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério de universalidade e ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil” (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 2010, p.38) na assistência social. Os serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais devem ser executando preferencialmente nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) que são unidades públicas descentralizadas da PNAS. Sendo assim, o CRAS é unidade pública estatal do SUAS, com a função de organizar e ofertar serviços de proteção social básica e “prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidades e riscos sociais nos territórios por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania” (BRASIL, 2009, p. 9). Conforme analisa Yazbek et al., (2010), a implementação do CRAS materializa direitos a proteção social – serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais – e “realiza concomitantemente as funções de proteger famílias, defender direitos e de vigilância das exclusões e violações sociais podendo, dessa forma, 3 PNAS de 2004, NOB/SUAS de 2005, NOB/RH de 2006, e a nova NOB/SUAS de 2012 são normatizações responsáveis pelo fortalecimento da política de assistência social e do SUAS. 1705
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI captar necessidades de proteção social e agir preventivamente antecipando-se à ocorrência de riscos e aos agravos a vida” (YAZBEK et al., 2010, p. 152). O CREAS, por sua vez, é unidade pública responsável pela oferta, orientação e apoio especializados e continuados a indivíduos e famílias que já vivenciaram ou estão no processo de violação de seus direitos, destacando-se nesta unidade o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI). O papel do CREAS, conforme define o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), é “ofertar e referenciar serviços especializados de caráter continuado para famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, por violação de direitos, conforme dispõe a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais” (BRASIL, 2011, p. 23). Em síntese, a assistência social a partir da Constituição Federal de 1988 e das legislações posteriores avançou na construção como política pública de proteção social. A partir disso, passou a garantir benefícios assistenciais e serviços sistemáticos e continuados com atenção as necessidades/demandas históricas da população trabalhadora frente às crises do capital (COUTO, 2016). Sendo assim, para análise desta política pública, procuraremos discutir no tópico seguinte o significado da assistência social a partir da percepção de mulheres acompanhadas pelo CRAS Serrinha em Fortaleza/Ceará. 3 SIGNIFICADO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL PARA MULHERES ACOMPANHADAS PELO CRAS SERRINHA Frente as discussões acima realizadas, buscamos saber das mulheres acompanhadas pelo CRAS Serrinha o entendimento que elas têm acerca de assistência social, política de assistência social e CRAS. Vale ressaltar que tivemos o cuidado em respeitar os termos éticos expressos na Resolução 510/2016, dentre eles: a explicação dos objetivos e da metodologia da pesquisa às mulheres; a não obrigatoriedade de sua participação, bem como a possibilidade de desistência a qualquer momento; a não remuneração pela disponibilização da entrevista; a garantia da privacidade; e o sigilo das informações prestadas. A autorização para realização e gravação das entrevistas foi firmada através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). 1706
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Participaram da pesquisa oito mulheres, na faixa etária entre dezenove e cinquenta e cinco anos, todas inseridas no Programa Bolsa Família (PBF), residentes dos bairros Serrinha e Parque Dois Irmãos em Fortaleza/CE. Ao analisarmos as condições de habitação foi possível identificar que três possuem casa própria, duas residem em casa alugada, duas em casa cedida e uma reside em ocupação. Ao que se refere ao saneamento básico, afirmaram acessarem os serviços de energia elétrica e abastecimento de água. Em relação a renda familiar, constatamos que sete recebem um valor mensal entre R$ 230,00 e R$ 998,00 e uma recebe o valor mensal de R$ 2.000,00. Cabe salientar que as mulheres incluíram como renda mensal os valores adquiridos de trabalhos informais e do programa de transferência de renda Bolsa Família. Conforme a pesquisa de campo, mais da metade das entrevistadas (cinco) reportam-se a assistência social à profissional de Serviço Social (assistente social), aquela que é educada, gentil (ENTREVISTADA 1), que soluciona seus carecimentos, “cuida” das pessoas, realiza assistência, a conselheira, o alicerce forte (ENTREVISTADA 2), a “incentivadora, a visitadora e a ajudadora” (ENTREVISTADA 4). [...] elas são muito educadas [assistentes sociais] e trata a gente bem, tudo que a gente fala, tudo que a gente quer consegue com elas. Se você não conseguir com elas com outra pessoa você não consegue, porque ela é uma assistente social nas comunidades de Fortaleza (ENTREVISTADA 1). Assistência social é a pessoa que cuida das pessoas né, cuidas das pessoas da comunidade, tá entendendo, as pessoas da comunidade que precisam de assistência. Por exemplo: tem um filho que tá fora da escola e tá usando droga, aí a assistente social vai lá conversa com a família, conversa com o adolescente pra ver o que é que vai resolver. Assistente social é mais do que um amigo da família. Ela me ajudou muito com o meu outro filho que tem problema de droga, o meu suporte foi a assistente social [...] o assistente social ele é um alicerce bem forte que a gente se encosta nele pra puder a gente resolver os problemas (ENTREVISTADA 2). [...] Assim, eu acho que assistente social é uma ajuda né, porque fica ali incentivando a pessoa fazer suas obrigações do Bolsa Família, como o cadastro, se acontecer alguma coisa vai procurar você na casa, porque isso que a assistente social faz, procura a gente todo dia que tem alguma coisa errada. E quando precisa ir na justiça ela dá declaração, ela ajuda muito a gente (ENTREVISTADA 4). O que observamos a partir das falas das entrevistadas foi a associação entre assistência social e Serviço Social. Essa semelhança que as mulheres atribuíram pode ter ligação a histórica relação entre a área da assistência social e a profissão de Serviço 1707
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Social. A atuação profissional constitui-se como “uma expressão especializada da prática social e se insere na dinâmica contraditória das relações sociais” (SPOSATI et al., 1998, p. 39). Historicamente, a institucionalização da assistência social foi responsável por estabelecer o Serviço Social como profissão, onde de um lado o assistente social torna- se responsável por dar conta da face assistencial das políticas de corte social e de outro constitui-se indispensável para os programas de assistência social pública (SPOSATI et al., 1998). Além disso, o Serviço Social no Brasil foi concebido como a própria superação da assistência - benemerência, voluntarismo, solidariedade; tratou de afirmar a profissão (ação profissional técnico-científica) contrapondo-a a ações voluntaristas da Igreja (SPOSATI et al., 1998). Nos dias atuais, a Política de Assistência Social identifica em suas principais normatizações o assistente social juntamente com o pedagogo e o psicólogo como profissionais que compõe a equipe técnica de trabalhadores do SUAS para o atendimento e acompanhamento das famílias e indivíduos demandatários desta política (COUTO, 2015). Sendo assim, um dos desafios que se apresentam a esses profissionais é a busca por romper com o discurso do senso comum de que a assistência social é o mesmo que a profissão de Serviço Social e que o assistente social promove “ajuda”. As constatações das entrevistadas também se justificam pelo papel que o assistente social desempenha no CRAS. Ao trabalhar com as expressões da questão social (desemprego, pobreza, violência, dentre outras), no âmbito da política de assistência social, este profissional realiza escuta qualificada, visita domiciliar, acompanhamento familiar e viabilização de programas, “benefícios” e serviços executados no CRAS. Nesse sentido, a Entrevistada 3 reitera o protagonismo atribuído à assistente social na política pública em questão: Assim, ser acompanhado por ela, ela vem aqui e sou bem recebida, quando tem alguma coisa, assim... Uma novidade eu sou convidada, toda vez que chego aqui sou bem recebida por ela, ela visita minha casa. (ENTREVISTADA 3). Ainda questionamos sobre o entendimento que elas tinham acerca da política de assistência social. A quase totalidade das entrevistadas disse não saber o significado do tema em questão, ficou perceptível que não se sentiam seguras para falar acerca do assunto abordado. Entretanto, a Entrevistada 8 expôs o seu entendimento sobre a 1708
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI política de assistência social, remetendo-a a políticos partidários. Diz ela: “Político, bicho mentiroso, diz que vai dar isso, vai dar aquilo, não dar é nada. Sabe o que que eles querem? Uma cadeirinha lá na Prefeitura. Eles botam até um saco de lado e vai botando o dinheiro dentro”. Conforme o exposto podemos afirmar que há uma avaliação negativa em relação aos políticos e, ao mesmo tempo, uma associação desses sujeitos ao assistencialismo. Já a Entrevistada 7 disse que assistência social são os serviços de saúde, educação e o programa de transferência de renda Bolsa Família. Em sua análise, a assistência social constitui-se responsabilidades do governo no âmbito federal, estadual e municipal. Ela diz: Bom, pode ser que eu não entenda muito. Mas eu acredito que seja os serviços pro outros como saúde, educação, esse Bolsa Família, isso é uma assistência social, ou não? Pelo menos é o que entendo, é uma assistência para com a sociedade, assistência do governo do estado, do município, seja o que for com a população. Eu acredito que seja os responsáveis diretamente para esses programas, o governo (risos), o presidente, os senadores, os vereadores, os prefeitos (ENTREVISTADA 7). A entrevistada caracteriza a assistência social à uma assistência estatal, aproximando-lhe do conceito de benemerência - ato de solidariedade, ajuda e auxílio (SPOSATI et al., 1998; MESTRINER, 2008). Isso pode ser explicado pelo processo de construção da assistência social, que historicamente esteve atravessada pela caridade e filantropia, ações assistenciais promovidas por ONGs e subsidiadas pelo Estado, portanto, alheia a garantia de direito social (IPEA, 2019). A entrevistada ainda confunde a assistência social com outras políticas setoriais (saúde e educação) e o Bolsa Família, o que pode ser elucidado pelo seu caráter intersetorial, ou seja, a PNAS só se realiza complementarmente em articulação com outras políticas públicas. Preocupamo-nos, ainda, em saber os significados atribuídos pelas mulheres ao CRAS. Algumas entrevistadas o consideraram um espaço “bom”, que promove assistência, “ajuda”, afirmaram ser uma instituição de apoio para as suas demandas. O CRAS aqui pra mim é coisa boa, porque ajuda muita gente em tudo. Ajuda no Bolsa Família pra gente conseguir ter, ajuda em outros benefícios que não é o Bolsa Família também, ajuda os idosos (ENTREVISTADA 3). O CRAS eu acho que é tipo uma associação pra gente sem condições, os pobres. Ajuda muito aqui com o nosso Programa Bolsa Família, com cursos que ajuda muito a gente (ENTREVISTADA 4). 1709
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O CRAS, acho que é um ponto pra quem possa ter essa assistência, que eles colocaram ali pra gente ter essa assistência, acredito que seja isso (ENTREVISTADA 7). O CRAS ele é um prédio que a gente deve procurar. Até pra tirar uma declaração, se eu for fazer alguma coisa que precisa eu tenho que vim aqui pegar uma declaração. (ENTREVISTADA 8). A impressão que elas têm do CRAS como uma unidade promovedora de ajuda e assistência (características do assistencialismo) se explica porque as ações, os programas e projetos de assistência social constituíram-se ao longo de sua história como espaço de busca de “ajuda” (SILVA, 2012), isso significa dizer que, as ações e as pessoas não eram vistas e percebidas como sujeitos sociais de direitos, e historicamente a operacionalização da assistência social se fez através de instituições filantrópicas e da Legião Brasileira de Assistência (SPOSATI et al., 1998), ou seja, os CRAS, dentre outras instituições, são as primeiras unidades públicas estatais criadas para materializar o SUAS, ao organizar e coordenar a rede de serviços socioassistenciais locais da política de assistência social. (BRASIL, 2004). Uma observação a ser considerada é compreender que antes da Constituição Federal de 1988, a assistência social constituía-se como um campo predominante da caridade, da filantropia e da benemerência, externo à concepção de direito social. Talvez o entendimento que as mulheres têm de assistência social e consequentemente da porta de entrada desta política – o CRAS –, ao remetê-los à ajuda, se justifique porque os cotidianos delas “são marcados por incertezas e destituições, inclusive de cidadania. A simplicidade com que vivem em seu cotidiano, por vezes, não lhes permite essa percepção de sujeito político, de cidadãos de direitos” (SILVA, 2012, p. 116). Entretanto, as mulheres expressaram que a política de assistência social garante direitos sociais por intermédio dos serviços ofertados na unidade de proteção social básica – o CRAS – como reuniões com famílias do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) e atividades com crianças, adolescentes e idosos do território inseridos no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), como é possível identificar nas falas seguintes: Significa pra mim muita coisa né. Só em eu tá aqui e meus filhos também já é uma ajuda, não tá no meio da rua praticando coisa feia, coisa errada. Eu sei que eles vêm pra cá, eu fico mais conformada, sei que eles estão aqui participando das coisas [Refere-se ao SCFV] (ENTREVISTADA 1, grifo nosso). 1710
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O CRAS para mim é um local onde as pessoas se divertem, quando é dia de se divertir. Tem a diversão quando é dia de diversão, reuniões, eu conheço o CRAS como isso, da terceira idade [Refere-se ao SCFV] (INTERLOCUTORA 2, grifo nosso). Conforme as falas, a política de assistência social tem se materializado através dos serviços executados pelo CRAS. Ainda podemos dizer que, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários como preconiza a PNAS tem sido construído por intermédio da execução do principal serviço ofertado, o PAIF, e complementar a ele, o SCFV, ambos tipificados na política de assistência social. CONCLUSÃO Como podemos observar no percurso deste estudo é somente em 1988 que a assistência social alça o estatuto de política pública de direitos. A partir de então, com orçamento advindo da seguridade social, seus serviços, programas, projetos e benefícios se deram de maneira descentralizadas político-administrativas, com participação da população na formulação da política e no controle das ações governamentais nesta área. A assistência social nos anos 2000 avançou em sua implementação por intermédios de suas legislações e normatizações como sinalizamos no desenvolvimento deste trabalho. Entretanto a vigência da Ementa Consitucional n. 95 de 2016, conhecida como emenda do teto de gastos tem impactado no orçamento de gastos públicos para as políticas sociais, entre elas a assistência social (IPEA, 2019). Conforme análise do IPEA (2019), no ano de 2017 houve um crescimento real de 1,9% das despesas obrigatórias com a política de assistência social. Entre as despesas obrigatórias do orçamento, incluem-se o pagamento do BPC e do Bolsa Família. No caso do BPC, o incremento de seu gasto em 2017 correspondeu ao pagamento de 4,55 milhões de benefícios, aumento de 3,13% em relação à quantidade de benefícios pagos em 2016. Diferentemente, o gasto com o Bolsa Família caiu 2,6% (de R$ 28,5 bilhões em 2016 para R$ 27,7 bilhões em 2017, em termos reais). O crescimento de recursos para programas e serviços do SUAS chamou atenção de R$ 1,56 bilhão para R$ 1,88 bilhão, aumento de R$ 314 milhões. Entretanto, as despesas pagas em 2017 ficaram aquém da despesa paga em 2013, que foi de R$ 2,15 bilhões. Quanto as despesas discricionárias 1711
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ocorreram reduções em 2017, uma queda real de 12% em relação a 2016 afetando programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (segurança alimentar) e o Brasil Carinhoso (auxílio-creche) (IPEA, 2019). Sobre os significados atribuídos pelas mulheres acerca da assistência social, concluímos que elas associam esta área à assistente social (profissional de Serviço Social). Para elas, por ser protagonista nos atendimentos realizados no CRAS, à assistente social é a própria expressão da assistência social. No que tange ao CRAS, embora algumas mulheres o tenham descrito como espaço que promove ajuda e assistência, outras evidenciaram ser uma unidade que garante direito social. Nesse sentido, o desafio que se coloca aos profissionais e as famílias e indivíduos inseridos na política de assistência social é o fortalecimento do protagonismo destas últimas, sobretudo o poder de fala, a sua valorização como sujeitos sociais e a inserção em movimentos sociais e em grupos de discussão (SILVA, 2012). REFERÊNCIAS BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política social: fundamentos e história. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2009. (Biblioteca básica do serviço social, v.2). BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_20 16.pdf>. Acesso em: 25 out. 2019. ______. Câmara dos Deputados. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS): Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências, e legislação correlata. 3. ed. Brasília, DF: Edições Câmara, 2016. p. 1-71. ______. Ministério da Economia. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Políticas sociais: acompanhamento e análise. Brasília: Ipea, 2019. 44 p. _____. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 07 de Abril de 2016. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 maio. 2016. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf. Acesso em: 07 de fev. 2020. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. 2009. Disponível em: 1712
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orient acoes_Cras.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2019. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. 2011. Disponível em: <http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/documentos/04-caderno-creas- final-dez. pdf>. Acesso em: 02 nov. 2019. _____. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social (2004) Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2005. COUTO, Berenice Rojas. Assistência social e crise do capital: política social com que característica. Argumentum, Vitória, v. 8, n. 2, p.30-34, maio 2016. ______. Assistência Social: direito social ou benesse. Serv. Soc. Soc, São Paulo, n. 124, p.665-677, out. 2015. COUTO, Berenice Rojas; YAZBEK, Maria Carmelita; RAICHELIS, Raquel. A Política Nacional de Assistência Social e o SUAS: apresentando e problematizando fundamentos e conceitos. In: COUTO, Berenice Rojas et al (Org.). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. São Paulo: Cortez, 2010. p. 32-65. MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e assistência social. São Paulo: Cortez, 2008. SILVA, Marta Borba. Entre a rebeldia e o conformismo: o debate com os sujeitos demandatários da política de assistência social. 2012. 147 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) Pós-graduação da Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. SPOSATI, Aldaiza de Oliveira et al. Assistência na Trajetória das políticas sociais brasileiras: uma questão em análise. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1988. SPOSATI, Aldaíza. Proteção e desproteção social na perspectiva dos direitos socioassistenciais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 6., 2007, Brasília, DF. Anais... Brasília, DF: Conselho Nacional de Assistência Social, 2007. p. 17- 22. SPOSATI, Aldaíza. A menina LOAS: um processo de construção da assistência social. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2008. SUPLICY, Eduardo Matarazzo; NETO, Bazileu Alves Margarido. Políticas sociais: o Programa Comunidade Solidária e o Programa de Garantia de Renda Mínima. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, v. 12, p.40-63, jun. 1995. 1713
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI YAZBEK, Maria Carmelita et al. O Sistema Único de Assistência em São Paulo e Minas Gerais: desafios e perspectivas de uma realidade em movimento. In: COUTO, Berenice Rojas (org.). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. São Paulo: Cortez, 2010. p. 1-301. 1714
EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA A MESA MUNICIPAL DE NEGOCIAÇÃO E GESTÃO DO TRABALHO DO SUAS: A organização ético-política dos trabalhadores em Teresina. THE MUNICIPAL TABLE OF NEGOTIATION AND MANAGEMENT OF THE WORK OF SUAS: The ethical-political organization of workers in Teresina. Dannylo Cavalcante Alves1 Anderson Oliveira Sousa2 Antonio Ronaut Soares Pedrosa Júnior3 1 RESUMO O Movimento de Trabalhadores (as) do SUAS de Teresina é recente dado a própria história da Política de Assistência Social. Assistentes Sociais e Psicólogos (as) estão à frente desse processo de organização que culminou no salto ontológico em prol dos direitos sociais, para além da defesa corporativa. Em Teresina, no ano de 2015, advinda do acúmulo dos/as trabalhadores/as do SUAS, surge a proposta da criação da referida instância de pactuação. No seu percurso de funcionamento, pode-se observar conquistas, como a instituição da Lei Municipal do SUAS, do Plano de Educação Permanente, a defesa das prerrogativas dos (as) trabalhadores (as) frente às mudanças no fluxo do BPC, bem como descaminhos, período de inatividade. Entende-se como fundamental para a manutenção do funcionamento da Mesa a participação ativa da gestão e dos (as) Trabalhadores/as do SUAS, de forma que a mesma seja, além de instrumento de gestão do trabalho, afirmação da democracia real. Palavras-Chaves: Mesa de Negociação. Gestão do Trabalho. Assistência Social. 1 Assistente Social do CRAS Sudeste III/SEMCASPI/PMT. Especialista em Família e Políticas Públicas. E-mail: [email protected] 2 Psicólogo do CRAS Sudeste IV do CRAS Sudeste IV/SEMCASPI/PMT. Graduado em Psicologia pela UESPI. Email: [email protected] 3 Psicólogo do CRAS Sudeste III/SEMCASPI/PMT. Especialista em Gestalt-Terapia, com ênfase em Clínica pela FESVIP. Email: [email protected] 1715
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT: SUAS Workers’ Movement, in Teresina-PI, is recent given the very history of the Social Assistance Policy. Social Workers and Psychologists are at the forefront of this process of organization that culminated in the ontological leap towards social rights, beyond corporate defense. In Teresina, in 2015, as a result of the accumulation of SUAS workers, the proposal for the creation of the aforementioned agreement arises. In its course of operation, it can be seen achievements, such as the institution of the SUAS Municipal Law, the Permanent Education Plan, the defense of workers' prerogatives in the face of changes in the flow of BPC, as well as mishaps. period of inactivity. It is understood as fundamental for the maintenance of the functioning of the Bureau the active participation of the management and Workers of SUAS, so that it is, besides being a work management instrument, affirmation of a real democracy. Keywords: Management Bureau. Labor Management. Social Assistance. INTRODUÇÃO No Brasil, a caridade e a desprofissionalização caracterizaram, por muito tempo, as ofertas para o público socialmente vulnerável. As mudanças vieram a ocorrer na primeira década do século XXI, com o estabelecimento de regulações e parâmetros que balizam o financiamento e a operacionalização da Assistência Social, agora com status de Política Pública. O capital humano é a principal matéria prima do Sistema Único de Assistência Social - SUAS, constituindo uma diversidade e complexidade de atores, por nível de escolaridade, formação profissional, área de atuação, entre outros aspectos. O Sistema Único de Assistência Social de Teresina/PI é composto por uma gama de profissionais de nível superior, médio e fundamental. Tais profissionais atuam em diferentes órgãos que materializam os níveis de Proteção Social, Básica e Especial, da Política de Assistência Social (BRASIL, 2005), e enfrentam diferentes desafios na implementação dos seus serviços. Além da operacionalização de uma política recentemente organizada, os/as trabalhadores/as lidam com questões relativas: à falta de estrutura física/material para a execução de serviços; à quantidade de profissionais abaixo do mínimo determinado para o atendimento da quantidade de famílias em uma metrópole, no PAIF e PAEFI; e às demandas inadequadas ao atendimento pela Política de Assistência Social, permeiam o cotidiano dos/as trabalhadores/as do SUAS Teresina. 1716
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Desta forma, aqueles/as que trabalham no SUAS precisam lidar com demandas que superam o cumprimento de objetivos da política e metas estabelecidas pelo Ministério da Cidadania. A maior parte da equipe de nível superior do SUAS de Teresina é composta por profissionais do Serviço Social e da Psicologia, orientados pela necessidade de compreender o contexto da vulnerabilidade social de forma crítica, para a construção de propostas que superem a fragmentação do usuário (CFP & CFESS, 2007). Neste sentido, tal compreensão também deve ser utilizada para a organização coletiva dos/as trabalhadores/as, de forma a ressignificar o sentido que atribuem à política de Assistência Social. A Gestão do Trabalho é uma necessidade e aposta da Política de Assistência Social. A mesma prevê a democratização através da criação da Mesa de Negociação do Trabalho no SUAS. Em Teresina a referida instância de pactuação está diretamente relacionada ao Movimento dos/as Trabalhadores/as do SUAS de Teresina e a relação destes/as com a gestão no município. 2 A MESA MUNICIPAL DE NEGOCIAÇÃO E GESTÃO DO TRABALHO DO SUAS TERESINA A Política de Assistência Social percorreu um longo e tortuoso percurso até constituir-se enquanto política pública de direito. Nesse trajeto um dos principais desafios é a qualificação da força de trabalho. Anterior ao status de política pública, a Assistência Social configurava-se por ações descontínuas, pontuais, sobrepostas, sem definição dos critérios de seleção e em especial pela não profissionalização das ações. (RAICHELIS, 2010, p. 760) A contratação da mão de obra alinhava-se ao desenho da política, carecendo de um corpo técnico especializado, com vínculos precários e temporários. Com o redesenho da Política de Assistência Social iniciado em 2004, um dos focos de atenção passa a ser a força de trabalho. Nesse sentido estrutura-se a Gestão do Trabalho no Sistema Único de Assistência Social. A Norma Operacional Básica do SUAS justifica a Gestão do Trabalho como estruturante da Política de Assistência Social, na medida em que configura-se como “eixo delimitador e imprescindível à qualidade da prestação de serviços da rede socioassistencial”. (FERREIRA, 2011, p. 15). 1717
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Depreendem-se da Gestão do Trabalho dois movimentos envolvendo a força de trabalho: um que parte da gestão pública e outro dos/as trabalhadores/as. Se de fato a investidura na qualificação da mão de obra deve ser uma prioridade do Estado, igualmente deve ser um compromisso dos/as trabalhadores/as inseridos/as na política pública. Organizar trabalhadores do SUAS é uma questão premente e um desafio constante. Em Teresina a organização política dos/as trabalhadores/as do SUAS pode ser dividida em dois momentos: antes e depois de 2015. Período esse que marcou o primeiro movimento paredista da história da assistência social no município de Teresina, representando um acúmulo na organização e unidade política dos/as trabalhadores/as. Um ponto interessante é que, anteriormente a esse período, os trabalhadores, enquanto corpo político que estrutura a política de assistência social, não apresentava unidade política e/ou organizacional. Havia um distanciamento entre técnicos das proteções básicas e especial, bem como um certo “desconforto silencioso” entre as duas principais profissões da política pública em Teresina, Assistentes Sociais e Psicólogos. Notava-se a ausência de instrumentos de participação, de maneira democrática, contínua e direta, dos/as trabalhadores/as na gestão do trabalho do SUAS em Teresina. Além disso, a organização política dos/as trabalhadores/as era incipiente. Havia dificuldade de articulação, pactuação e organização entre trabalhadores/as de forma a ressignificar as demandas e trabalhar as fragilidades do processo de trabalho. Um dos fatores que favoreceu esse processo de organização foi a qualificação da mão de obra municipal, composta por um conjunto de profissionais efetivos, especificamente de nível superior. O movimento paredista de 2015 foi motivado pela demanda de condições de trabalho e a oferta de serviços socioassistenciais com qualidade para população usuária do SUAS. Em essência, a Política de Assistência Social propõe, incentiva e promove, a participação de trabalhadores/as e usuários/as na sua construção e execução, em vários momentos. Na NOB RH existe uma previsão, para os gestores, da instituição de Mesa de Negociação entre trabalhadores/as e gestores/as, com o objetivo de discutir e deliberar questões afetas aos processos de trabalho no SUAS (FERREIRA, 2011). Nesse contexto foi proposto a criação da Mesa de Negociação e Gestão do Trabalho no SUAS Teresina. Carmo e Ferreira afirmam: 1718
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A Mesa de Negociação se constitui, portanto, num espaço fundamental para a democratização das relações de trabalho na assistência social e, ao funcionar como estratégia de tratamento dos conflitos, reafirma e reforça uma característica essencial do SUAS: a lógica da negociação e pactuação entre os diversos atores que atuam no sistema. (2011, p. 174-175) De 2015 e 2016 a referida Mesa Municipal de Negociação reuniu-se regularmente, tendo como pautas prioritárias a criação da Lei Municipal do SUAS, a defesa da realização de concurso público e convocação de profissionais. À época foi constituída a primeira formação do coletivo, com representantes da secretaria e dos/as trabalhadores/as dos CRAS das quatro zonas de Teresina e da Proteção Especial de Média Complexidade. Em 2017 o instrumento de negociação não funcionou regularmente em razão da mudança de gestão. Em 2018, a Câmara Técnica Sudeste, organização técnica-política dos/as trabalhadores/as das equipes de referência dos CRAS e CREAS do macroterritório Sudeste de Teresina, requereu formalmente a reativação da Mesa. Em 2019 foram dados os encaminhamentos, entre os quais recomposição dos/as integrantes da gestão e provimento, a finalização e publicação da Portaria Nº 2, de 23 de setembro de 2019, que institui a Mesa Municipal de Negociação; e a finalização do Regimento Interno, tarefa inicial dos componentes da mesma (CARMO & FERREIRA, 2011). Observa-se que, apesar do surgimento anos atrás, só a partir deste período, instauram-se as bases formais que fundamentam e legalizam o funcionamento da Mesa de Negociação. O ano de 2019 foi marcado pelo pleno funcionamento da Mesa de Negociação, tendo sido cumprido o calendário de reuniões ordinárias, bem como garantida a execução das deliberações encaminhadas pelo pleno. Um destaque é a diversidade de composição atingida na atual formação da Mesa. De acordo com Ferreira (2011) a composição da Mesa de Negociação deve ser paritária, com representantes da gestão e trabalhadores/as da Assistência Social. Em Teresina, a indicação dos membros da gestão respeitou a estrutura administrativa da Assistência Social na SEMCASPI, sendo constituída pelas diferentes gerências do SUAS Teresina. Com relação aos/as trabalhadores/as foi respeitada a indicação por territórios, níveis de proteção, com destaque para a proteção social especial de alta complexidade, que inseriu-se mais nesse processo. 1719
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Outro destaque foi a participação efetiva de assistentes sociais e psicólogos/as na composição da Mesa. Vale situar também a maior aproximação de psicólogos/as na instância de pactuação supracitada. Nesse sentido, afirma-se que a participação de assistentes sociais na mesa de negociação coaduna com o Projeto Ético Político do Serviço Social em alinhamento ao Projeto de Assistência Social (BRAGA, 2018), bem como está consonante com a visão da Psicologia como uma ciência que busca mudanças sociais (YAMAMOTO, 2012). De acordo com a Portaria que institui a Mesa de Gestão e Negociação em Teresina, suas competências são: I – acompanhar a implementação da Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS - NOB-RH/SUAS, aprovada pela Resolução nº 269, de 13 de dezembro de 2006, do CNAS, estabelecendo-se espaço para o diálogo e a negociação de pautas de reivindicações, conforme diretrizes da política nacional de assistência social e regulação local em vigor; II – apreciar propostas relativas a melhorias das condições de trabalho e de desempenho dos(as) servidores(as), visando a viabilidade do cumprimento de metas e a qualificação dos serviços públicos municipais do SUAS; III – Acompanhar a execução do Plano Municipal de Educação Permanente do SUAS – PMEP SUAS em articulação com o Núcleo Municipal de Educação Permanente do SUAS - NEP e os usuários, em consonância com os princípios e diretrizes da Política Nacional de Educação Permanente do SUAS, instituída pela Resolução nº 4, de 13 março de 2013, do CNAS; IV – promover o debate e acompanhar a execução das ações voltadas à gestão do trabalho no âmbito do SUAS; V - propor a criação de Comissões Temáticas Temporárias, com o objetivo de orientar e aprofundar temas específicos, mediante a participação de convidados e assessorias técnicas. (TERESINA, 2019, p. 18) Observa-se, através dos objetivos supracitados, que a Mesa mira demandas para além das questões salariais ou de vínculos trabalhistas. Embora essas não sejam esquecidas, a Mesa também inclui matérias de gestão do trabalho que são transversais, discutidas ou reposicionadas de acordo com a competência de cada instância responsável pelas mesmas (SILVEIRA, 2011). O pleno funcionamento da Mesa de Negociação demonstra o amadurecimento ético-político e técnico-operativo da relação entre a gestão e o provimento dos serviços. 1720
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ao mesmo tempo que representa o reconhecimento do órgão gestor em assumir a pactuação e negociação como exigência para a democratização da política de Assistência Social, significa o compromisso dos/as trabalhadores/as em participar das decisões sobre os rumos do SUAS, deixando de serem meros executores e passando a interferir na gestão da política pública A Gestão do Trabalho é um dos pilares da política de Assistência Social, na medida em que, de acordo com Silveira (2011), organiza referências de atuação, regulamenta aspectos específicos do trabalho social, promove a formação permanente e controla os processos de informação e capacitação, podendo os/as trabalhadores/as serem considerados a “espinha dorsal” do Sistema Único de Assistência Social (TERESINA, 2017). O aprimoramento do SUAS está diretamente vinculado a gestão do trabalho e as respostas dadas a ela. Nesse sentido, é salutar acompanhar a dinâmica estabelecida no trato das expressões manifestas (ou não) pelo trabalho. A Mesa de Negociação pode ser considerada uma aposta para responder à necessária relação entre gestão e provimento dos serviços. Isso posto, investir na gestão do trabalho é mais do que o cumprimento previsto na norma legal, constituindo condição salutar para a defesa e aprimoramento do Sistema Único de Assistência Social. 3 ÊXITOS E DESAFIOS DA MESA DE GESTÃO E NEGOCIAÇÃO DO SUAS: A organização ético-política dos/as trabalhadores/as em Teresina. Apesar da irregularidade do funcionamento da Mesa durante certo período de sua breve existência (2017-2018), houve avanços significativos para a Assistência Social do município, derivados do trabalho da mesma Dentre as experiências exitosas ao longo deste funcionamento é possível citar a construção e discussão democrática da Lei Municipal do SUAS, a criação do Núcleo de Educação Permanente do SUAS Teresina, a defesa das prerrogativas dos trabalhadores do SUAS frente às mudanças no fluxo do BPC, dentre outros. Um dos principais impactos alcançados pela Mesa de Negociação e Gestão do Trabalho no SUAS foi a provocação da construção da Lei Municipal do SUAS Teresina para adequação a Lei 12435, de 6 de julho de 2011. Decorreu um processo democrático 1721
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI e participativo de discussão e pactuação da proposta que culminou com a Lei Municipal do SUAS Teresina, Lei 5050, de 18 de julho de 2017. A minuta da referida foi analisada e discutida pelos/as integrantes da instância de pactuação à época e o texto consensuado foi apresentado e discutido amplamente entre o conjunto de trabalhadores/as, usuárias/os, entidades e gestores da Assistência Social. A criação do Núcleo de Educação Permanente do SUAS foi uma resposta à necessidade de qualificação da política pública em Teresina. Nesse sentido, o processo de criação também ocorreu de forma democrática e participativa. O coletivo foi constituído por representantes do órgão gestor e por representantes dos/as trabalhadores/as das proteções básicas e especial. A minuta da política municipal de educação permanente do SUAS Teresina foi discutida pelos representantes do Núcleo e apresentados para o conjunto dos/as trabalhadores/as, entidades, usuários e gestores, tendo sido acolhidas as propostas de alteração do texto. O plano foi aprovado pela Resolução 56, de 25 de julho de 2018 do Conselho Municipal de Assistência Social de Teresina. O Benefício Prestação Continuada (BPC) da Assistência Social integra o Sistema Único de Assistência Social, entretanto é operacionalizado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. Com o advento do INSS Digital e as mudanças no fluxo de acesso ao BPC, advindos do Ofício-Circular Conjunto N° 7 /DIRAT/DIRBEN/INSS de 12 de Junho de 2019, os processos de trabalhos dos profissionais dos CRAS foram significativamente afetados. O BPC está inscrito na Proteção Social Básica, cabendo aos profissionais dos CRAS a inscrição e/ou atualização no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e o atendimento e/ou acompanhamento através do Serviço de Proteção e Atendimento à Família (PAIF). O Artigo Nº 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei Nº8742) afirma que “são requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal” (BRASIL, 1993). A mudança no fluxo do BPC dificultou o acesso a um direito constitucional, significando também uma violação de direitos institucional, uma vez que o tempo para 1722
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI obtenção tem aumentado significativamente, os canais presenciais reduziram significativamente, os canais remotos não dão conta da realidade em que vivem os usuários do SUAS e há uma intensificação dos atravessadores. Além dos impactos para a população, a mudança no fluxo de acesso ao BPC tem acarretado sobrecarga de trabalho para os trabalhadores do CRAS, constituindo desvio de função para realização do trabalho técnico no INSS. Nesse sentido a Mesa de Negociação discutiu o assunto e tomou os devidos encaminhamentos para enfrentamento da realidade vivenciada pelas equipes dos CRAS e pela população usuária do SUAS. Entre as deliberações pode-se destacar: a realização de uma audiência conjunta com o INSS, o encaminhamento da situação para a Defensoria Pública da União - DPU e a reafirmação das competências e atribuições das equipes do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF. Considerando que as mudanças no fluxo são uma realidade nacional, a mesa pretende provocar a Defensoria Pública da União com vistas ao retorno do atendimento presencial às famílias usuárias do SUAS, de forma a garantir o acesso ao direito socioassistencial, o BPC, por meios minimamente humanizados. Para além disso, registra-se a defesa das prerrogativas dos/as trabalhadores/as do SUAS reafirmada pela mesa de negociação e traduzida pelo órgão gestor nos encaminhamentos realizados até o momento. A motivação inicial dos trabalhadores/as, que culminou com a criação da mesa municipal de negociação, foi a defesa de condições de trabalho como exigência precípua para a qualidade dos serviços ofertados no SUAS. Reiterando o valor do capital humano na política de Assistência Social, o movimento de trabalhadores/as desde o princípio de sua organização em 2015 tem pautado a defesa da realização de concursos públicos, com vistas ao aprimoramento da gestão pública em Teresina. Essa realidade tem sido refletida na postura do gestor público municipal, considerando a convocação de técnicos para atuar no provimento e na gestão da SEMCASPI. Vide quadro I e II. 1723
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI QUADRO I- LOTAÇÃO POR NÍVEL DE ESCOLARIDADE ESCOLARIDADE TOTAL LOTAÇÃO ENS. FUND. ENS. MÉDIO ENS. SUPERIOR 485 156 285 GPSB 112 217 102 119 60 889 GPSE 40 143 318 SEDE 06 53 TOTAL GERAL 158 413 Fonte: BRASIL apud TERESINA, 2018. QUADRO II- TÍPO DE VÍNCULO TIPO DE VÍNCULO SEMCASPI TOTAL ENS. FUND. ENS. MÉDIO ENS. SUPERIOR ESTATUTÁRIO 59 40 124 23 COMISSIONADO 04 40 82 26 CELETISTA 19 76 27 22 OUTROS* 76 257 85 18 TOTAL 158 413 318 89 * Nesta discriminação encontram-se os trabalhadores temporários ou contratados mediante parceria entre organizações da sociedade civil e o órgão gestor municipal. Fonte: BRASIL apud TERESINA, 2018. Um dos desafios para consolidação da Mesa de Negociação é o funcionamento regular da mesma, considerando que a referida instância de pactuação encontrou-se desativada durante um certo período desde sua criação (2017-2018). Além da garantia do calendário de reuniões faz- se necessário que seja assegurada a participação efetiva dos membros, titulares ou suplentes. De modo que as questões afetas à gestão do trabalho possam ser problematizadas e consensuadas, fomentando encaminhamentos rumo à qualificação e defesa do Trabalho. Condição necessária para o aprimoramento do Sistema Único de Assistência Social e em consequência otimização da oferta para população usuária, razão de ser e existir da Política de Assistência Social. Cabe registrar ainda que em Teresina o espaço de pactuação seguiu as diretrizes nacionais, constituindo-se em Mesa de Negociação e Gestão do Trabalho do SUAS. À nível federal constitui-se enquanto Mesa de Gestão do Trabalho do SUAS, ainda no governo Dilma Rousself, descumprindo a prerrogativa da norma instituída. Outro 1724
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI diferencial é que a Mesa Municipal tem cumprido o calendário de reuniões ordinárias (bimestralmente), além das reuniões extraordinárias. À nível federal a periodicidade foi abruptamente reduzida a uma reunião ordinária por ano, já no governo Jair Bolsonaro. CONCLUSÃO O mundo do trabalho tem passado por significativas transformações no século XXI. Teresina possui a peculiaridade no que toca a força de trabalho que integra a Prefeitura Municipal de Teresina. O investimento na qualificação da mão de obra através da investidura por meio de concurso público é um indicador dessa realidade. A Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas de Teresina possui um capital humano considerável, sendo um desafio constante a qualificação e a capacitação continuada. Nesse sentido dois avanços consideráveis vão ao encontro dessa necessidade imperiosa para o aprimoramento do SUAS: a realização de concurso público, com a progressiva convocação de Assistentes Sociais e Psicólogos/as e a criação do Núcleo de Educação Permanente do SUAS. Tais avanços traduzem o canal de comunicação estreitado entre gestão e trabalhadores/as do SUAS, reflexo do amadurecimento entre o órgão gestor e os/as operacionalizadores/as da política pública. Isto posto, é considerável o acúmulo do movimento de trabalhadores/as do SUAS, tendo como protagonistas Assistentes Sociais e Psicólogos/as. Através do que foi exposto, fica evidente a evolução da participação política dos trabalhadores/as da Assistência Social, em termos de equipamentos e possibilidades. O contexto que permitiu tal avanço pode ser caracterizado pela estabilização e organização regulamentar da Política de Assistência Social a nível federal, investimento de recursos próprios do município nesta, aumento considerável de profissionais com vínculo estável nas unidades de oferta da ponta e pela organização destes (as) no debate das situações que interferem diretamente na operacionalização do seu trabalho. Ultrapassando a mera execução de serviços, os/as trabalhadores/as se inserem na gestão, planejamento e avaliação da Política de Assistência Social. A Mesa de Negociação e Gestão do Trabalho no SUAS Teresina constitui importância fundamental 1725
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI para afirmação dos pressupostos anteriormente expostos. A democratização da Assistência Social é o fenômeno chave para o avanço da Política de Assistência Social, bem como para manutenção das conquistas históricas do SUAS em Teresina e ainda para evitar retrocessos no campo dos direitos sociais. Destarte, além dos desafios inerentes ao pleno funcionamento da Mesa de Negociação e Gestão do Trabalho do SUAS Teresina, faz-se necessário que os inegáveis avanços na comunicação entre órgão gestor e trabalhadores/as ultrapassem a endogenia técnica. Para isso é fundamental que o Movimento de Trabalhadores/as do SUAS não perca de vista a imperiosa necessidade de fortalecimento da participação e controle social pelos/as usuárias do SUAS. Nesse sentido a Mesa de Negociação e Gestão do Trabalho no SUAS é um instrumento fértil para o aprimoramento da Política de Assistência Social, mas sobretudo para afirmação da democracia real, para além da mera legalidade formal. REFERÊNCIAS BRAGA. Iracilda Alves. O trabalho do Assistente Social no SUAS: Reflexões sobre a relativa autonomia no exercício profissional dos assistentes sociais de CRAS e CREAS no município de Teresina- PI, Tese de Doutorado, Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2017. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Norma Operacional Básica (NOB/Suas). Brasília: MDS, 2005. . Presidência da República. Lei Orgânica da Assistência Social, n. 8.742, de 7 de setembro de 1993. CARMO, Eliana Teles do; FERREIRA, Rosário de Maria da Costa. Mesa de Negociação: Instrumento de Gestão no SUAS. In: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Gestão do Trabalho no Âmbito do SUAS: Uma Contribuição Necessária. Brasília: MDS, 2011. Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal de Serviço Social. Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos (as) na Política de Assistência Social. Brasília, CFP/CFESS, 2007. FERREIRA, Stela da Silva. NOB-RH Anotada e Comentada. Brasília: MDS, 2001. 1726
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI RAICHELIS, Raquel. Intervenção profissional do assistente social e as condições de trabalho no SUAS. Serviço Social e Sociedade, v. 104. São Paulo, out. dez., 2011. SILVEIRA, Jucimeri Isolda. Gestão do Trabalho: Concepção e Significado para o SUAS. In: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Gestão do Trabalho no Âmbito do SUAS: Uma Contribuição Necessária. Brasília: MDS, 2011. TERESINA. Portaria Nº 02 de 23 de setembro de 2019. Diário Oficial do Município de Teresina. Poder Executivo, Teresina, PI, 27 set. 2019. Nº 2.616. p. 18-19. __________. Lei 5.050, de 18 de julho de 2017. Diário Oficial do Município de Teresina. Poder Executivo, Teresina, PI, 27 08 ago. 2017. Nº 2.098. p. 01-09. __________. Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas. Plano de Qualificação e Educação Permanente do SUAS. Teresina: SEMCASPI, 2018. YAMAMOTO, Oswaldo Hajime: 50 anos de profissão: responsabilidade social ou projeto ético-político? Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 32, n. esp. p. 06-17, 2012. 1727
EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA CÂMARA TÉCNICA SUDESTE: trabalho em rede e gestão do território dos CRAS e CREAS. SOUTHEAST TECHNICAL CHAMBER: networking and territory management of CRAS and CREAS. Dannylo Cavalcante Alves1 Antonio Ronaut Soares Pedrosa Júnior 2 Anderson Oliveira Sousa 3 1 RESUMO Em Teresina-PI, os/as trabalhadores/as dos CRAS e CREAS do macroterritório Sudeste compuseram um espaço coletivo em 2015, denominado Câmara Técnica Sudeste, com o objetivo de discutir questões afetas ao trabalho cotidiano, otimizar funções de referência e contrarreferência e elaborar estratégias que atendessem às demandas de gestão territorial e do trabalho social com famílias. Ações de impacto territorial foram realizadas, como: a promoção de Encontros Técnico-Operativos com outras políticas públicas no território, execução de capacitações entre técnicos do território para o manejo de sistemas (BPC na Escola e Prontuário Eletrônico SUAS), reativação da Mesa Municipal de Negociação e Gestão do Trabalho, planejamento de Seminários Semestrais de Avaliação do macroterritório Sudeste, a reorganização do fluxo de acesso ao Passe- Livre Interestadual da Pessoa Idosa no município, entre outras. Tais ações, provocadas ou produzidas pela Câmara Técnica, se constituem como indicadores positivos enquanto experiência de articulação em rede 1 Assistente Social do CRAS Sudeste III/SEMCASPI/PMT. Especialista em Família e Políticas Públicas. E-mail: [email protected] 2 Psicólogo do CRAS Sudeste III/SEMCASPI/PMT. Especialista em Gestalt-Terapia, com ênfase em Clínica pela FESVIP. Email: [email protected] 3 Psicólogo do CRAS Sudeste IV do CRAS Sudeste IV/SEMCASPI/PMT. Graduado em Psicologia pela UESPI . Email: [email protected] 1728
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Palavras-Chaves: Assistência Social. Trabalho em Rede. Câmara Técnica. ABSTRACT: In Teresina-PI, CRAS and CREAS workers from the Southeast macroterritory composed a collective space in 2015, called the Southeast Technical Chamber, with the objectives of discuss issues related to everyday work, the optimization of reference and counter- reference functions and the elaboration of strategies that meet the demands of territorial management and social work with families. Actions of territorial impact were carried out, for example: the holding of Technical-Operative Meetings with other public policies in the territory, training for local professionals to manage systems (BPC na Escola and Prontuário Eletrônico SUAS), reactivation of the Municipal Bureau of Negotiation and Labor Management, semester planning of Southeast macroterritory Evaluation Seminars, the reorganization of the flow of access to the Elderly Interstate Free Pass in the municipality, among other actions. Such actions, provoked or produced by the Technical Chamber, constitute as positive indicators for the as experience of articulation in network. Keywords: Social Assistance. Networking. Technical Chamber. INTRODUÇÃO A Política de Assistência Social, no enfrentamento às desigualdades sociais e territoriais, tem como objetivos a universalização dos direitos sociais, o provimento de serviços para atendimento de necessidades e a garantia de mínimos sociais. Para tanto, é prevista a oferta e a realização de serviços de forma integrada a outras políticas públicas. Dada a complexidade destes objetivos, entende-se a incompletude como uma característica intrínseca à Política de Assistência Social, a mesma política da resistência e do inconformismo (BOSCHETTI, 2011). O perfil do público do Sistema Único de Assistência Social, em situação de vulnerabilidade, impõe desafios na execução do trabalho social com famílias, considerando que as necessidades das mesmas não se encerram nas possibilidades de ofertas socioassistenciais. Isto posto, observa-se que o fazer cotidiano dos/as trabalhadores/as da Assistência Social deve possuir ações de articulação setorial e intersetorial entre os atores envolvidos, visando o atendimento integral às necessidades dos/as usuários/as do SUAS. Carneiro aponta o trabalho em rede como “uma das estratégias que propicia a construção de novos paradigmas, possibilitando uma gestão pública que articule descentralização e intersetorialidade” (2009, p. 145). A palavra “articular” remete, 1729
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dentre outras acepções, a “unir(-se) por uma ou mais articulações, juntas ou encaixes; tornar(-se) ligado; juntar(-se), ligar(-se), relacionar(-se), unir(-se)” (MICHAELIS, 2019). No sentido abordado neste trabalho, a ação de articular significa a união entre pessoas, trabalhadores/as, órgãos e políticas públicas diferentes, para a troca de experiências, firmamento de acordos, definição de fluxos, planejamento e execução de ações. No Brasil o percurso da Política de Assistência Social, entre a instituição do direito na Constituição Federal e a sua implementação prática, foi longo e cheio de nuances. A partir de 2004, em todo o país, equipamentos de Proteção Social Básica e Especial foram implementados, observando-se, à época, o compromisso do poder público com o financiamento da supracitada política. Segundo o Censo SUAS de 2017 todos os municípios do país contam com pelo menos um equipamento de Assistência Social (BRASIL, 2018). Em Teresina, o Sistema Único de Assistência Social encontra-se formado por uma gama de serviços e atores: possui 19 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), 04 Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) e 1 Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CENTRO POP), além dos centros de convivência, casas de acolhimento, albergues, entre outros serviços. Considerando a oferta das políticas públicas e a estruturação do município, existe uma organização por meio da divisão em macroterritórios, a saber: zonas Sul, Leste, Norte e Sudeste. O SUAS demanda uma divisão específica de territórios, pois a oferta dos serviços de Proteção Social Básica deve capilarizada. Na mesma direção, a Zona Sudeste de Teresina possui quatro CRAS e um CREAS, de acordo com o número de famílias que devem ser referenciadas por esses equipamentos segundo a NOB-SUAS (BRASIL, 2012b). As equipes de referências previstas na NOB-RH-SUAS são compostas por Assistentes Sociais e Psicólogos/as, que executam o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF, ofertado no CRAS, e o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado à Famílias e Indivíduos- PAEFI, ofertado no CREAS (FERREIRA, 2011). A execução do trabalho social com famílias requer expertise no trato das demandas postas, constituindo desafio constante para os/as trabalhadores/as do Sistema Único de Assistência Social. O público alvo dos serviços socioassistenciais são pessoas e/ou famílias que vivam situações de vulnerabilidades e/ou riscos sociais: perda ou fragilidade de 1730
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI vínculos de afetividade, sociabilidade e pertencimento; ciclo de vida com fragilidades específicas (infância, adolescência, velhice); identidades estigmatizadas; ser ou ter na família pessoa com deficiência; exclusão pela pobreza e pelo acesso precário às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; violências geradas no núcleo familiar ou comunitário; desemprego ou emprego informal; estratégias diferenciadas de sobrevivência que possam representar risco pessoal e social (BRASIL, 2005). Somadas tais situações às singularidades do Território Sudeste do SUAS Teresina, ficam evidentes a complexidade das demandas e a necessária articulação em rede. Frente a essas fragilidades, cotidiano daqueles/as que trabalham na Assistência Social, surgiu no macroterritório sudeste a proposta da criação de um espaço coletivo, entre os/as técnicos(as) de CRAS e CREAS, para discussão e construção de possibilidades de enfrentamento, com vistas à otimização da realização do trabalho social com famílias. 2 TRILHANDO CIDADANIA EM REDE: A Câmara Técnica Sudeste O trabalho social com famílias, enquanto prática profissional, objetiva a proteção e o apoio às famílias em situação de vulnerabilidade, dado que cabe ao Estado o provimento de condições de vida aos mais vulneráveis (BRASIL, 2012a). Porém, os desafios que tal prática profissional suscita surgem das mais variadas formas. O trabalho não se realiza sem adesão da família, uma vez que se considera proteger o direito da mesma. Para tal faz-se necessário que a oferta dos serviços dialogue com as necessidades das famílias e indivíduos, de modo que usuários não sejam meros receptáculos da ação profissional. As necessidades apresentadas pelas famílias extrapolam as possibilidades das ofertas socioassistencias. Outras vezes se encontram essas possibilidades, mas não há condições materiais de ocorrer oferta de qualidade. Surgimento de novas demandas, que exigem dos/as trabalhadores/as novos conhecimentos, manejo de novos instrumentais, para o enfrentamento da nova realidade. Ausência de equipamentos públicos no território, para o provimento de serviços à população. Observando as sugestões advindas do seminário de avaliação no ano de 2014, das ações da então Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social 1731
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (SEMTCAS), atual Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (SEMCASPI), os/as trabalhadores/as do macroterritório Sudeste propuseram, durante o seminário de planejamento de ações 2015, a formação de um coletivo entre os/as técnicos(as) de referência dos CRAS e CREAS, considerando que a reunião de técnicos/as proporciona a criação de ações de enfrentamento a situações de vulnerabilidade nos territórios (CFP & CFESS, 2007), que afetam tanto usuários/as como trabalhadores/as. O objetivo, a princípio, era discutir e alinhar processos de trabalho, potencializando o trabalho da rede socioassistencial, respeitadas as diferenças e particularidades dos territórios de abrangência das unidades de CRAS e do CREAS. Assim nasce a Câmara Técnica Sudeste, experiência piloto no âmbito da Política de Assistência Social de Teresina, enquanto espaço de formação e discussão entre os técnicos de referência de CRAS e CREAS Sudeste. O primeiro encontro ocorreu no CRAS Sudeste III no qual foi realizado o planejamento das atividades propostas para 2015, considerando-se temas impactantes no trabalho social com famílias e no trabalho em rede. Nesse sentido, o espaço criado constituiu-se enquanto lócus de formação técnica, com os seguintes objetivos: 1) Socializar e discutir experiências relativas ao trabalho social; 2) Construir ou realinhar fluxos de Referência e Contrarreferência; 3) Realizar estudos técnicos; 4) Debater acerca de processos de trabalho e; 5) Propor e aprimorar ações de Impacto Territorial. De 2015 a 2017 a coordenação da Câmara Técnica ficou a cargo da Equipe Técnica do CRAS Sudeste III. As reuniões ocorriam no turno da manhã, alternando os locais de ocorrência entre as unidades sedes, com frequência mensal. Extraordinariamente reuniões quinzenais eram marcadas de acordo com a necessidade. Já nessa época os encontros possibilitaram uma melhoria na articulação entre CRAS e CREAS, aprimorando os processos de referência e de contrarreferência entre os níveis de proteção social. Em 2018 o funcionamento passa a ocorrer em turnos alternados, permanecendo a liderança com o CRAS Sudeste III. Na primeira reunião o coletivo de trabalhadores/as deliberou pela eleição de uma “presidência” e “vice-presidência”, para a realização das seguintes funções: organização das pautas, facilitação dos 1732
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI encontros, redação de relatoria e convocações. Durante o ano os encontros mantiveram a alternância das sedes e passaram a ocorrer nos turnos manhã e tarde. Nos primeiros encontros de 2019 foi problematizado a concentração de atribuições da Câmara em alguns técnicos/unidades, e a deliberação de funcionamento dos encontros da Câmara Técnica se voltou para uma definição de “funções” básicas do coletivo, a serem desempenhadas alternadamente entre os (as) técnicos (as), de acordo com a unidade sede da respectiva reunião. Desta forma, a execução das funções da Câmara Técnica foi distribuída entre todos os/as trabalhadores/as do macroterritório Sudeste de maneira mais equânime. Encontra-se em discussão a proposta de um Regimento Interno com o propósito de regular o funcionamento da organização. A Câmara Técnica fortalece a relação entre as unidades do macroterritório sudeste e, por conseguinte, impacta nas ações das unidades de referência da Assistência Social no território. Dessa forma passa a integrar o rol de ações desenvolvidas pelo território sudeste (inclusive integrando o calendário de atividades) alimentando e retroalimentando a oferta dos serviços de proteção social básica e especial. No que tange o fortalecimento dos processos de referência e contrarreferência proporcionados no espaço da Câmara Técnica, trata-se de um enfrentamento à fragmentação das ações e um incentivo a práticas coerentemente articuladas, como propõe a NOB- RH/SUAS (FERREIRA, 2011). Equipes de referência discutem ações e encaminhamentos possíveis em situações reais; definem, dessa forma, padrões de ação que são pactuados, caso logrem êxito em seus objetivos, o que se pode considerar um aperfeiçoamento de processos de trabalhos, materializando a articulação das redes socioassistenciais do território (BRASIL, 2009). Ainda segundo Carneiro, o trabalho em rede e por conseguinte o trabalho desenvolvido na Câmara Técnica constitui uma estratégia de gestão “essencial para ultrapassar o traço histórico de ações fragmentadas, sobrepostas e, principalmente, que não articulam as dimensões e os sujeitos, locais, regionais e globais” (2009, p. 146). A gestão de território passa a ser fortalecida e incrementada pela participação ativa dos/as técnicos/as de referência junto às gerências e divisões técnicas. Seja no planejamento, seja na execução, a Câmara Técnica adquire centralidade na articulação 1733
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI territorial, definindo os rumos da gestão territorial alinhado ao trabalho social com famílias. As deliberações da Câmara Técnica servem de fundamento para a realização de ações socioassistenciais, sendo encaminhadas ao coletivo de gerentes e divisões técnicas do mesmo território, denominado Comissão de Articulação Territorial do Território Sudeste, para as providências logísticas e operacionais. Isso vai ao encontro da operacionalização da Política de maneira técnica, com ações de impacto territorial apoiadas no PAIF (BRASIL, 2012a) e no PAEFI. Dada a consolidação da Câmara Técnica, a mesma adquire destaque para além da abrangência do território sudeste e seu lastro de atuação passa a ser reconhecida pela órgão gestor da política de assistência social em Teresina. Esse reconhecimento é perceptível no acolhimento de demandas provocadas pelo território junto à secretaria, bem como pela legitimidade alcançada pelo protagonismo do coletivo. Tal fato é explicitado pela saudação realizada em diversos eventos da secretaria, assim como pela iniciativa de multiplicação da Câmara Técnica para outros territórios de Teresina, entre os quais Leste e Sul. Disso pode-se evidenciar as principais potencialidades da organização: aprimoramento do processo de trabalho das equipes de referência de CRAS e CREAS, bem como dos processos de referência e contrarreferência; gestão do território; planejamento e avaliação da Política de Assistência Social; e ordenamento e reordenamento da rede, através da discussão e alinhamento de fluxos. 3 AÇÕES PROPOSTAS E RESULTADOS OBTIDOS A Câmara Técnica possui cinco anos de existência, em que podem ser destacadas algumas ações de impacto no território sudeste, na SEMCASPI e na relação com outras políticas públicas. Uma vez que as demandas que chegam aos CRAS/CREAS por vezes extrapolam as possibilidades de oferta da Política de Assistência Social, as(os) técnicas(os) destas unidades procuram estruturar caminhos para a intersetorialidade, que segundo Teixeira (2017, p.106) “vem em oposição à fragmentação dos setores ou políticas sociais, que historicamente despolitizaram as atenções às expressões da questão social[...]”. 1734
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A primeira ação de articulação realizada no início do seu funcionamento foi o I Encontro Técnico Operativo com a Habitação, em 2015, envolvendo a Superintendência de Desenvolvimento Urbano - SDU Sudeste, Superintendência de Desenvolvimento Rural – SDR e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Habitação - SEMDUH. Problemáticas na relação entre a política de assistência social e a habitação foram trabalhadas. A partir dos atendimentos realizados nos CRAS, orientações e encaminhamentos, vislumbrava-se uma demanda habitacional reprimida, seja pela ausência seja pela oferta precária de unidades habitacionais à população. Compromissos sobre a melhoria no atendimento à população e sobre o aperfeiçoamento na relação entre a Assistência Social e a Política de Habitação foram firmados, reconhecendo as atribuições e as competências de cada uma das instituições públicas. Posteriormente foi realizado o II Encontro com a Habitação, com o objetivo de dar resolutividade aos acompanhamentos às famílias inseridas no Programa Cidade Solidária. O programa atende famílias atingidas por enchentes, alagamentos ou incêndios e que tiveram suas residências comprometidas estruturalmente. Cabe à política de assistência social o acompanhamento das famílias, entretanto o desligamento do programa tardava ou não ocorria, posto que algumas ações de competência da política de habitação eram frágeis, por exemplo: em alguns casos, o material para construção das casas, quando fornecido, era insuficiente para a realização da obra. No encontro foram apontados caminhos para minimizar a problemática vivenciada pelas políticas, de forma a não violar os direitos das famílias atendidas. Ainda sobre os Encontros Técnico-Operativos, fica o destaque para o “Encontro Intersetorial Sudeste: combatendo o abuso e a exploração sexual infantil”, que ocorreu em maio de 2019, com o objetivo de reunir as unidades de atendimento à população do macroterritório sudeste: escolas, postos de saúde e outros, num evento onde foram convidados outros atores envolvidos na proteção da criança e do adolescente: Conselho Tutelar, Delegacia de Proteção à Criança e o Adolescente, 1ª Vara da Infância e Juventude e outros, para a discussão de conceitos básicos que envolvem o fenômeno e (re)afirmação, ou (re)construção, de fluxos de atendimento às vítimas. No que tange à Política de Segurança Pública, nos quatro anos de existência, a 1735
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Câmara Técnica participou ativamente da convocação e da realização de três Encontros Técnicos. Objetivou-se a aproximação com essa política e a solicitação de respostas da Segurança Pública em relação a assaltos, furtos e arrombamentos que atingiram as unidades da Assistência Social. Os encaminhamentos foram feitos e os processos de implementação das medidas discutidas ainda estão em desenvolvimento, dada a complexidade das demandas apresentadas. Foram realizados outros Encontros Técnicos Operativos, entre os quais com a Educação e Políticas Públicas para Mulheres. Nesse sentido, a Câmara Técnica consolida-se enquanto importante instrumento catalisador do trabalho em rede, em especial da rede socioassistencial, contribuindo também para as ações de gestão, vigilância, avaliação e planejamento da Política de Assistência Social, em especial à nível de zona sudeste. Sobre os processos de trabalho, a Câmara Técnica problematizou questões cotidianas que os(as) técnicos(as) costumam enfrentar. Dentre elas, as dificuldades do “Programa” BPC na Escola foram debatidas, e ocorreu capacitação à nível de território na Câmara sobre o sistema. A referida capacitação foi estendida em dois momentos posteriores, à pedido da Gerência de Proteção Social Básica. Da mesma maneira ocorreu com o Prontuário SUAS Eletrônico: debate de dificuldades e capacitação territorial. As capacitações foram facilitadas por técnica (o) do território com expertise nas pautas propostas pelo coletivo de trabalhadores/as. A Zona Sudeste, enquanto macroterritório de ação da Política de Assistência Social, procurou se antecipar ao planejamento da Secretaria, realizando Seminários semestrais de avaliação, de forma a fazer a manutenção do processo avaliativo, prestar contas com a comunidade sobre a oferta de serviços no território e se preparar para a avaliação anual da Secretaria Municipal. À Câmara Técnica coube o planejamento da Avaliação em si: eleger os dados a serem utilizados, os indicadores, definir o cronograma de apresentação, criar o instrumental a ser utilizado, entre outros aspectos técnicos. À Comissão de Articulação Territorial coube as providências logísticas para realização dos Seminários de Avaliação, com destaque para o ano de 2019 em que houve participação da Gerência de Proteção Social Básica, Gerência de Gestão do Trabalho no SUAS e Assessoria Técnica do SUAS. 1736
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI No trato com o órgão gestor da Política de Assistência Social de Teresina a Câmara Técnica Sudeste estabeleceu canais de comunicação proveitosos. Em 2018 foi solicitado a Reativação da Mesa de Negociação e Gestão do Trabalho no SUAS Teresina uma vez que a mesma encontrava-se desativada a aproximadamente um ano. O requerimento foi realizado formalmente e em 2019 foram tomadas as providências para reativação da Mesa de Negociação. Ainda sobre a mesma, a Câmara de Negociação constitui o espaço porexcelência de articulação entre os/as representantes do território sudeste no referido canal de negociação e demais atores do território. Outra demanda levantada pelo Território Sudeste foi em relação ao passe livre interestadual do idoso. A secretaria realizava a emissão do passe livre apenas para idosos sem renda comprovada e com inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais. O Território Sudeste realizou contato com o Ministério da Cidadania, responsável pela expedição do Passe Livre Federal do Idoso, e constatou que não havia impedimentos a emissão, ficando à cargo do município a definição dos critérios. A motivação do Câmara Técnica foi requerer providências para emissão do passe livre federal do idoso, independente de comprovação de renda. Após isso ocorreu reunião entre representantes do território e o órgão gestor. Após o trâmite alterou-se o fluxo de operacionalização do passe livre federal da pessoa idosa, passando a emissão a ocorrer para idosos/as com renda de até dois salários mínimos com inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, independente de comprovação de renda. CONCLUSÃO O Sistema Único de Assistência Social de Teresina encontra-se consolidado, possuindo várias experiências em ação. O Território Sudeste tem produzido iniciativas exitosas no que toca o trabalho em rede e a gestão de território. A Câmara Técnica Sudeste é um coletivo constituída pelas equipes técnicas de CRAS e CREAS, assistentes sociais e psicólogas/os. A Câmara Técnica reflete o compromisso ético-político em ofertar serviços de qualidade para fortalecimento dos laços familiares e sociais, promoção do acesso à informação e defesa intransigente dos direitos socioassistenciais (FERREIRA, 2011). Tal 1737
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI comprometimento é traduzido de forma técnica e operativa através do canal coletivo pactuado entre as unidades da Proteção Social Básica e Especial do território. A existência da mesma justifica-se pela necessidade de dar corpo à Política de Assistência Social e ao mesmo tempo garantir um nível básico do trabalho social com famílias entre as unidades do território. Na mesma direção, Carneiro e Costa (2011) apontam a necessidade de otimizar a oferta dos serviços disponíveis no território, bem como de trocar experiências para superação de dificuldades individualmente enfrentadas no cotidiano do trabalho social com famílias. Isso ocorre em razão da história relativamente recente do SUAS enquanto política de direito, bem como da necessidade de instrumentalizar a força de trabalho com um espaço coletivo para discussões com objetivo de aprimoramento técnico, ao mesmo tempo que contribui para a organização política dos/as trabalhadores/as do SUAS. É peculiar ao trabalho social com famílias a falta de modelos para a realização das ações, dada a natureza do trabalho, bem como as singularidades advindas das demandas provenientes das famílias e indivíduos usuários/as do SUAS. Demandas aquelas que apresentam necessidade de integração e alinhamento entre serviços, inclusive a nível de município e territórios, em se tratando de um Sistema Único de Assistência Social. Entre os indicadores que traduzem os impactos positivos da Câmara Técnica Sudeste estão as ações realizadas à nível de território e de secretaria, que foram provocadas pelo coletivo, ou ainda que foram produzidas pela Câmara, demonstradas no decorrer do artigo, com destaque para os seminários de avaliação e planejamento; a reativação da Mesa de Negociação e Gestão do Trabalho no SUAS; a proposta de alteração do fluxo do passe livre federal da pessoa idosa e as discussões e aprimoramentos de fluxos da rede e de processos de trabalhos. REFERÊNCIAS BOSCHETTI, I. S. O trabalho do assistente social no SUAS. In.: CFESS. O trabalho do assistente social no SUAS: Seminário Nacional. Brasília: CFESS, 2011. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Censo/SUAS 2017. Brasília, 2018. 1738
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica (NOB/Suas). Brasília: MDS, 2012b. . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Orientações técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Brasília, 2009. . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Orientações técnicas sobre o PAIF Vol 2: Trabalho Social com Famílias do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF. 1 ed. Brasília, 2012a. . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Norma Operacional Básica (NOB/Suas). Brasília: MDS, 2005. CARNEIRO, Mauricéia L. N. da C. A estratégia do trabalho em rede no SUAS/CRAS Teresina-PI: uma experiência em movimento. Tese (Doutorado em Serviço Social). Programa de Pós-graduação em Serviço Social. São Paulo: PUC, 2009. CARNEIRO, M. L. N. da C.; COSTA, T. C. da. A Perspectiva do Trabalho Social em Rede nos CRAS de Teresina-PI: o olhar dos assistentes sociais. V Jornada Internacional de Políticas Públicas. 2011. Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal de Serviço Social. Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos (as) na Política de Assistência Social. Brasília, CFP/CFESS, 2007. FERREIRA, Stela da Silva. NOB-RH Anotada e Comentada. Brasília: MDS, 2011. MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php>. Acesso em: 04 out. 2019 1739
EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA REDE, INSTITUIÇÕES E ARTICULAÇÃO: avanços e desafios da intersetorialidade na zona sul de Teresina-PI NETWORK, INSTITUTIONS AND ARTICULATION: advances and challenges of intersectoriality in the south zone of Teresina-PI Eduarda Ketilly Martins Santos1 Sofia Laurentino Barbosa Pereira2 1 RESUMO Este artigo tem como objetivo apresentar o projeto “Rede, Instituições e Articulação” – RIA, bem como, seus avanços e desafios para a materialização da intersetorialidade na rede de serviços da Zona Sul da cidade de Teresina, Piauí. Constatou-se que a RIA se apresenta como uma proposta inovadora que contribui para a promoção da intersetorialidade entre as políticas sociais, bem como, se configura como um potencializador da rede de serviços do território, contribuindo para a promoção de saúde mental, na medida em que os serviços e profissionais nela envolvidos passam a desenvolver ações articuladas para oferecer à população um cuidado de forma integral. Todavia, ainda existem desafios, sobretudo no que diz respeito à necessidade de avançar na construção de uma cultura de trabalho intersetorial entre os profissionais e os diferentes níveis de gestão das políticas sociais. Palavras-Chaves: Saúde Mental; Intersetorialidade; Políticas Sociais. ABSTRACT This article aims to present the project “Network, Institutions and Articulation” – RIA, as well as its advances and challenges for the materialization of intersectoriality in the network of services of the South Zone of the city of Teresina, Piauí. It has been noted that RIA presents itself as an innovative proposal that contributes to the 1 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected] 2 Professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. Doutora em Políticas Públicas. E-mail: [email protected] 1740
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI promotion of cross-sectoral social policies, as well as, it is a potentiator of the territorial network of services, contributing to the promotion of mental health, to the extent that the services and professionals involved in it begin to develop articulated actions to offer the population a comprehensive care. However, there are still challenges, especially with regard to the need to make progress in building an intersectoral work culture between professionals and the different levels of management of social policies. Keywords: Mental Health; Intersectoriality; Network. INTRODUÇÃO O presente artigo, elaborado com base nos resultados do trabalho de monografia da autora, tem como objetivo apresentar o projeto “Rede, Instituições e Articulação” – RIA, que é uma iniciativa de profissionais da saúde mental de Teresina-PI, bem como, seus avanços e desafios para a materialização da intersetorialidade na rede de serviços da Zona Sul do município, partindo da análise dos depoimentos dos profissionais aqui identificados enquanto Sujeitos da pesquisa. Os dados foram coletados no segundo semestre do ano de 2019 e a amostra utilizada conta com a participação de 4 Sujeitos: 2 da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e 2 da Rede Socioassistencial, onde foram questionados sobre as conquistas e os desafios que a RIA Sul enfrenta para consolidar-se enquanto potencializador da rede de Teresina. É necessário destacar que os profissionais integrantes da pesquisa foram apresentados ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), elaborado de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e, após concordarem participar da investigação, foram submetidos a entrevistas elaboradas a partir de um roteiro semiestruturado. Destaca-se, também, que a autora se utilizou da técnica de observação participante durante a coleta de dados, estando presente em 3 (três) reuniões da RIA Sul, e para a construção das informações obedeceu aos aspectos éticos da pesquisa, de acordo com as exigências dispostas na Resolução 510/2016 (CNS). Além disso, a pesquisa foi submetida e aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa, via Plataforma Brasil, com o CAEE de número 21514619.6.0000.5214 e Parecer nº 3.697.963. A RIA é um espaço produzido para articular diferentes políticas, a partir das necessidades da saúde mental, isto, pois, entende-se a necessidade de 1741
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI complementariedade entre as políticas sociais e as determinações jurídico-legais que apresentam a intersetorialidade como uma diretriz que baliza as ações técnico-político e administrativas desenvolvidas nos diversos dispositivos de atuação profissional, em seus diversos níveis. Sendo assim, o presente artigo enfatiza a importância da RIA Sul enquanto um novo modo de dinamizar as políticas, os serviços e o fazer profissional, tendo na intersetorialidade as diretrizes bases para a sua atuação. 2. INTERSETORIALIDADE NA SAÚDE MENTAL A perspectiva intersetorial remete a uma abordagem de enfrentamento da departamentalização das políticas sociais que afeta o modo como a atenção aos sujeitos é prestada através dos serviços públicos e privados. Nesse sentido, no âmbito da Política de Saúde Mental (PSM), a intersetorialidade se apresenta nas entrelinhas do processo de reforma psiquiátrica mediante o conceito de desinstitucionalização da loucura e a perspectiva do cuidado em liberdade. A desinstitucionalização da loucura remete ao rompimento com o modelo manicomial/asilar que exclui a pessoa com transtorno mental do convívio social, incitando, assim, a adoção de serviços substitutivos que visam a construção da cidadania desses sujeitos. Nesse sentido tem-se a construção do que Costa-Rosa (2000) denomina como modo psicossocial referindo-se a uma nova maneira de perceber a saúde mental dos sujeitos, através do envolvimento das categorias condicionantes e determinantes no seu processo de formação, tais como, trabalho, habitação, educação, lazer, dentre outras. Cada uma dessas categorias tem um papel fundamental na busca pela efetividade do que é proposto pela Reforma Psiquiátrica, que remete a superar o modo como a loucura é vista e compreendida, além de transformar a maneira como se cuida da loucura (ROTELLI; AMARANTE, 1992 apud SAYEG, 2017) estendendo o cuidado às demais políticas sociais e à sociedade, trabalhando por uma organização societária livre da opressão, dos estigmas e da exclusão social. Esse compartilhamento do cuidado entre a rede de serviços e a sociedade remete a caráter descentralizador da intersetorialidade que, de acordo com Andrade 1742
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (2004), pode potencializar a integração das políticas sociais presentes no território. Nesse sentido, está previsto na Portaria nº 3.088, que um dos objetivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) é “desenvolver ações intersetoriais de prevenção e redução de danos em parceria com organizações governamentais e da sociedade civil” (BRASIL, 2011), acionando, além dos seus dispositivos integrantes, os demais serviços prestados pelo Estado e pela sociedade. É no sentido de reforçar a importância da intersetorialidade na PSM que a IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial (CNSM-I), de 2010, sob o tema “Saúde Mental direito e compromisso de todos: consolidar avanços e enfrentar desafios”, promoveu o debate acerca do aspecto intersetorial convocando não só atores diretamente envolvidos com as políticas públicas, mas também todos aqueles que têm indagações e propostas a fazer sobre o vasto tema da saúde mental. A IV CNSM-I vem para reafirmar “o campo da saúde mental como intrinsecamente multidimensional, interdisciplinar, interprofissional e intersetorial, e como componente fundamental da integralidade do cuidado social e da saúde em geral”. (BRASIL, 2010) As autoras Dimenstein e Liberato (2009) chamam a atenção para o que se propõe enquanto ação intersetorial, visto que: À medida que investimos prioritariamente na ampliação da rede de serviços assistenciais, estamos trabalhando com uma concepção muito limitada de rede, estreitando o circuito por onde a loucura pode transitar, estamos tomando-a como objeto específico da saúde, criando poucas possibilidades de reinserção social e de co-responsabilização pelas diversas políticas públicas. (DIMENSTEIN; LIBERATO, 2009, p. 7) Desse modo, é importante frisar que a intersetorialidade na PSM deve ser construída para além dos muros da política de saúde, reforçando o princípio da integralidade na atenção ao sujeito. O texto da IV CNSM-I também acentua esse aspecto através do processo de desinstitucionalização da pessoa com transtorno mental (PCTM), ao considerar crucial para o desenvolver dessa política de forma intersetorial a utilização de instrumentos existentes nas Políticas de Habitação, Assistência Social, Direitos Humanos, entre outras. Contudo, é importante destacar que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) têm um importante papel enquanto articulador da rede. Segundo o Manual do CAPS (2004): 1743
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Os Centros de Atenção Psicossocial(CAPS) deverão assumir seu papel estratégico na articulação e no tecimento dessas redes, tanto cumprindo suas funções na assistência direta e na regulação da rede de serviços de saúde, trabalhando em conjunto com as equipes de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde, quanto na promoção da vida comunitária e da autonomia dos usuários, articulando os recursos existentes em outras redes: sociosanitarias, jurídicas, cooperativas de trabalho, escolas, empresas etc. (BRASIL, 2004, p. 12). Percebe-se que o CAPS, além de ser posto como serviço promotor de saúde e de cidadania às PCTM, também é um componente de otimização das redes a partir do momento em que, enquanto articulador, convoca os diferentes serviços e políticas sociais a trabalharem em prol de um objetivo em comum. Nesse ponto, é importante frisar que o modelo intersetorial reforça a interdisciplinaridade enquanto horizontalização da prática profissional, considerando- se que a articulação entre as diferentes áreas da política de saúde mental se dá por meio de seus representantes profissionais. Noutras palavras, Vasconcelos (2002, p. 60) destaca a importância de criar uma “vontade política o mais consensuada possível entre os trabalhadores da equipe em torno de um projeto teórico, político e assistencial que contemple as novas perspectivas e experiências concretas”, ou seja, a intersetorialidade é construída tanto pelos profissionais, quanto pelas instâncias políticas correspondentes. A perspectiva cronológica/demográfica se assenta na idade cronológica para definir o que se considera uma pessoa velha (países desenvolvidos a partir de 65 anos e em países em desenvolvimento a partir de 60 anos), também de forma universalizante e generalizante. Destarte, a materialização da intersetorialidade pode se apresentar em diferentes formas, seja através de articulações realizadas entre diferentes serviços, tendo em vista o cuidado compartilhado da PCTM; seja por intermédio de delimitações políticas que tenham como finalidade garantir a atenção integral à PCTM, mediante o fortalecimento dos pontos de atenção presentes no território; ou por meio da criação de programas e/ou projetos que visem pactuações de trabalho em rede. 3 REDE, INSTITUIÇÕES E ARTICULAÇÃO “Rede, Instituições e Articulação” – RIA é um projeto criado em 2015 em Teresina-PI, período em que ocorreu a primeira reunião com profissionais da rede 1744
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI socioassistencial e da rede de atenção psicossocial da Zona Sul do município. A RIA tem como principal finalidade articular a rede formal e informal do seu território, criando um espaço de comunicação contínua entre os diversos atores sociais que compõem a rede, sobretudo no que diz respeito à saúde mental. O projeto idealizado pelas assistentes sociais Sayonara Genilda de Sousa Lima e Diaponira Vitória da Silva Santos, representa uma importante estratégia de integração entre os diferentes serviços, políticas e profissionais de Teresina, pois colabora para o atendimento às necessidades postas, principalmente, pelas pessoas com transtornos mentais e seus familiares (PEREIRA, 2019). De acordo com as idealizadoras do projeto, a RIA foi instituída para articular e integrar os dispositivos que compõem: a Rede Socioassistencial que corresponde às iniciativas públicas e da sociedade, que ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos relacionados à proteção social; a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que, como já foi apresentado, busca ampliar e articular os pontos de atenção à saúde; e as demais redes e serviços que demonstrarem interesse na proposta, como ONG’s, serviços do setor privado, entre outros. Nesse sentido, para promover o cuidado integral à PCTM, a RIA tem como objetivos base: [...] articular a rede formal e informal de cada zona territorial de Teresina –PI; mapear os dispositivos localizados em cada zona territorial de Teresina; proporcionar a comunicação continua entre os diversos atores sociais que compõem a rede formal e informal do município de Teresina; realizar ações intersetoriais nos diversos espaços da rede; planejar atividades intergeracionais a serem executadas em cada território, sem critérios de exclusão; favorecer a reinserção social da pessoa com transtorno mental no território. (LIMA; SANTOS, 2017, p. 131) Vale destacar que para atingir tais objetivos a RIA se utiliza de estratégias de intervenção – (reuniões mensais, realização de atividades compartilhadas no território, discussão de casos, matriciamento, visitas conjuntas, entre outros) – que visam fortalecer e tornar menos burocráticas a comunicação e a relação entre os profissionais, bem como entre os serviços da rede e suas respectivas políticas de atuação. Conforme consta no discurso do sujeito 1: [...] são as reuniões que proporcionam essa comunicação interna, quebra um pouco a burocracia, a gente não precisa tá fazendo relatório sem saber se a pessoa recebeu, sem ter uma resposta; a RIA facilita essa discussão de caso, 1745
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI quebra essa burocracia, a gente já tem um contato mais íntimo; a gente já vincula, já conversa, já discuti os casos, já faz uma coisa tanto mais ágil como sem tanta burocracia. (SUJEITO 1) Nesse sentido, através do planejamento e da execução de ações intersetoriais, a RIA busca enfrentar a abordagem fragmentar que, tendenciosamente, caracteriza os serviços estatais, atribuindo-lhes um perfil saturado, burocrático e ineficiente. Ações como: Reuniões mensais, Capacitações locais, Discussão e Estudos de Casos, Fórum da Luta Antimanicomial e Seminários de Avaliação2, visam tanto a constante comunicação entre os profissionais e entre os serviços, bem como a integração entre as pessoas com transtornos mentais e os diferentes públicos atendidos pelas políticas sociais envolvidas. Percebe-se que um dos avanços da RIA corresponde a uma maior visibilidade tanto das discussões acerca da política de saúde mental, quanto das pessoas com transtornos mentais na luta pelos seus direitos. Desse modo, as atividades promovidas pela articulação entre os atores da RIA Sul permitem que a PCTM tenha um contato mais aberto com a comunidade, no sentido de estar mostrando à população que as pessoas usuárias dos CAPS, assim como qualquer outra, devem ter a sua cidadania e os seus direitos respeitados. Outro aspecto de destaque, que foi observado durante as reuniões da RIA e através das entrevistas, corresponde ao maior envolvimento entre os profissionais da assistência social e da saúde mental, principalmente no que diz respeito aos dispositivos: CAPS, CRAS e CREAS, o que demonstra o envolvimento dessa categoria profissional em estar buscando meios de promover a intersetorialidade, como destaca a fala do Sujeito 2: Inicialmente, aqui no (serviço), eu percebi que foi uma ação das assistentes sociais do serviço e ficou centralizado nelas, elas que articulavam as reuniões, elas que participavam das reuniões e a equipe ficava a parte dessa RIA. [...]. No início eu percebi mesmo as assistentes sociais articulando as reuniões e participando das reuniões, ficando à frente desse trabalho. (SUJEITO 2) 2O Seminário de Avaliação é o momento em que os atores envolvidos na RIA avaliam as ações que foram planejadas e executadas durante um determinado período – geralmente, ocorre a cada dois anos. Um de seus objetivos é mostrar para os gestores públicos a importância da RIA e como ela pode contribuir para fortalecer a rede de serviços de Teresina-PI, mas, para isso, são necessárias condições dignas de trabalho e investimentos na manutenção dos serviços. O Seminário busca também atrair a participação da rede informal e apresentar para a sociedade civil o que vem sendo feito em prol da melhoria da qualidade de vida da população. 1746
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Dentre as prerrogativas legais que dão base à atuação dos(as) assistentes sociais, destaca-se aqui que tal envolvimento na promoção da intersetorialidade está em consonância com as previsões propostas tanto na PNAS (BRASIL, 2004) que, afim de operacionalizar a política de assistência social em rede, apresentam a territorialização, a descentralização e a intersetorialidade como principais pressupostos necessários para superar a fragmentação na prática dessa política, quanto nas delimitações da NOB/SUAS-2012, no que diz respeito à “integração e articulação da rede socioassistencial com as demais políticas e órgãos setoriais. Esse maior envolvimento dos(as) assistentes sociais é destacado na fala do Sujeito 3, quando perguntado sobre os serviços e os profissionais que estão mais presentes nas ações da RIA: Os principais parceiros são a Política de Saúde Mental, no CAPS, e a assistência na questão do CRAS e CREAS; a participação um pouquinho maior da Proteção Social Básica, no caso dos CRAS. Os atores que estão mais ativos e que já vem com uma certa constância de tempo é, principalmente, o pessoal dos CAPS e CRAS. Profissionais são: assistentes sociais, psicólogos, agente de Proteção Social e as gerentes; alguns profissionais da educação, de forma pontual, já participaram também. (SUJEITO 3) No entanto, apesar do destaque do Serviço Social na RIA Sul, é essencial que outros profissionais estejam envolvidos com essa estratégia para que se faça, realmente, a intersetorialidade entre as políticas sociais/entre os serviços da rede, uma vez que sem eles não há a interdisciplinaridade necessária à horizontalização dos saberes e das relações de poder entre os campos (VASCONCELOS, 2002), ou seja, as políticas voltariam a setorializar suas ações e a fragmentar a atenção voltada para os sujeitos. No que diz respeito à proposição da RIA em articular a rede formal e informal do território, através das observações, verificou-se a carência da rede informal nas articulações propostas pela RIA Sul, isso se dá, principalmente, pela falta de mapeamento e registro dos serviços da rede informal presentes no território Sul – o que está associado a dificuldade de mobilidade dos profissionais e ao desinteresse dos órgãos de gestão de estar colhendo e divulgando esses dados. 1747
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Entretanto, vale destacar que a Associação Âncora3, que tem como foco proporcionar condições para favorecer o convívio social da pessoa com transtorno mental, tem estado presente nos eventos promovidos pela RIA, todavia, a mesma não é convidada para as reuniões e nem para o planejamento dos eventos realizados, portanto, não há uma articulação efetiva entre ambas. Destaca-se, também, que ao longo dos seus 4 (quatro) anos de execução, a RIA foi se expandindo para os demais territórios da cidade de Teresina que agora conta com a atuação das RIA’s: Sul, Sudeste, Leste e Norte. Tal avanço demonstra que os profissionais da rede, bem como pontuais membros da gestão, reconhecem a necessidade da articulação entre os serviços e as políticas sociais, e que a RIA cria o espaço para a intersetorialidade no território. Contudo, ainda é um desafio para a RIA Sul conseguir envolver os diferentes serviços das políticas sociais em seus diversos níveis, isto é, promover a comunicação, a articulação entre gestores, técnicos e demais profissionais, de modo a horizontalizar as relações e os saberes profissionais. Como destaca o depoimento do Sujeito 4: [...] Eu vejo que ainda é um desafio, vamos dizer, essa expansão da articulação intersetorial. Eu acho que expandir mesmo esse movimento pra outros atores, de certo modo, estimular essa cultura nas nossas equipes técnicas, de que participar da RIA Sul é um momento de fortalecimento da ação que vai impactar diretamente na nossa condição de oferta de serviços; e que os técnicos se oportunizem esse espaço de encontro, de diálogos, de discussão de casos e de efetivação de propostas concretas para nossa atuação. (SUJEITO 4) Observa-se no depoimento que ainda é necessário avançar na criação de uma cultura do trabalho intersetorial, o que revela uma atuação ainda muito departamentalizada. Os representantes políticos e a gestão dos serviços reforçam que as políticas públicas ainda são tratadas de forma setorial, sobretudo no que diz respeito aos gestores das políticas de saúde e assistência social do município, que são as políticas mais envolvidas nas ações da RIA, que pouco pactual responsabilidade e planejam ações conjuntas. Isso impacta também na atuação dos profissionais, que no geral ficam 3 A Âncora é uma associação sem fins lucrativos, criada em 2001, que não representa uma alternativa aos tratamentos médicos e psicológicos, mas um grupo complementar a esses tratamentos que visa a ampliação da assistência ao portador de transtorno mental a partir das relações sociais e oferece maior conscientização dos seus transtornos e dos seus direitos. (ÂNCORA, 2020) 1748
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI restritas a ações pontuais, de um trabalho baseado em encaminhar e repassar responsabilidades. Daí a importância de validar iniciativas como as da RIA, de dar visibilidade ao projeto, pois, a partir do momento que as ações promovidas não só apresentam resultados, como também revelam um novo modo de dinamizar as políticas, os serviços e o fazer profissional, isso incita numa mudança de paradigmas, ou seja, a intersetorialidade ganha forças enquanto um novo modelo sócio-político. Mas para isso a gestão também precisa criar condições para que os profissionais possam materializar a intersetorialidade. Diante do que foi exposto, percebe-se que do projeto RIA apresenta uma proposta inovadora à promoção da intersetorialidade entre as políticas sociais – partindo da necessidade de se trabalhar a promoção de saúde mental mediante a descentralização das ações, a horizontalização das práticas e saberes profissionais e o fortalecimento da rede de serviços territoriais. Porém, ainda existem desafios a serem superados, como: a falta de uma cultura de trabalho intersetorial entre os diferentes níveis de organização das políticas sociais; a dificuldade de adesão de outros profissionais que não só assistentes sociais, psicólogos ou gerentes dos serviços, nas ações da RIA; além das precárias condições de trabalho em alguns serviços que acabam dificultando o deslocamento dos profissionais para dinamizar as comunicações intersetoriais. Desse modo, o fortalecimento do projeto RIA implica numa maior efetividade das ações intersetoriais propostas para articulação da rede de serviços do território, na melhoria dos serviços prestados à população, bem como na otimização dos espaços que integram a rede. 4 CONCLUSÃO Pode-se compreender que a intersetorialidade na Política de Saúde Mental visa estender o cuidado desses sujeitos às demais políticas sociais. Criar e validar projetos de base intersetorial amplia as possibilidades de construção de uma rede integral de atenção e cuidado às pessoas com transtornos mentais e aos demais sujeitos que vivem em condições de vulnerabilidade social. 1749
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Incitar o trabalho em rede traz contribuições tanto para o público alvo das políticas sociais quanto para os profissionais que prestam serviços à população, partindo do entendimento que a intersetorialidade gera o compartilhamento das responsabilidades institucionais, das práticas e dos saberes profissionais. Nesse sentido, ela proporciona uma diminuição na sobrecarga dos profissionais e na burocratização das relações, facilitando a circulação e o acesso da população aos serviços. Assim, o projeto “Rede, Instituições e Articulação” – RIA contribui para o fortalecimento da rede de Teresina, promovendo a articulação entre os serviços das diferentes políticas sociais e realizando ações que buscam atrair os mais diversos atores para a construção de uma rede integral. A RIA tem na intersetorialidade a diretriz base das suas ações, pois, como seu principal objetivo é promover a integralidade do cuidado da pessoa com transtorno mental, ela precisa que os dispositivos da rede estejam articulados e trabalhando sob um mesmo ideal para que, assim, consiga concretizar seus ideais. Apesar das contribuições que a RIA promove, o estudo também revelou que ainda existem fragilidades nos diálogos entre os profissionais que participam do projeto e entre os gestores dos serviços da rede. Os desafios a serem superados necessitam que se avance na cultura de trabalho intersetorial entre os diferentes níveis de gestão e entre as equipes, bem como a necessidade de integrar a rede informal às ações da RIA e do território em geral. Isto, pois, verificou-se que a RIA ainda não foi incorporada como um projeto institucional, sendo vista, muitas vezes, como uma iniciativa de responsabilidade de apenas alguns profissionais, o que se apresenta como uma grande fragilidade para garantia de continuidade e fortalecimento de suas ações enquanto potencializadora da rede. Assim, o projeto Rede, Instituições e Articulação – RIA precisa ser institucionalizado, mediante decreto, portaria ou outro documento que torne a sua materialização um dever da gestão e dos profissionais da rede de serviços de Teresina. REFERÊNCIAS ANDRADE, L. O. M. A saúde e o dilema da intersetorialidade. 2004. 365 p. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) - Faculdade de Ciências Medicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. 1750
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ÂNCORA. Associação de Usuários, familiares e pessoas interessadas na causa da saúde mental no Piauí. Quem somos? Disponível em: https://associacaoancorapiaui.wordpress.com/about/ Acesso em: 26 de fevereiro de 2020 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html. Acesso em: 26 de fevereiro de 2020. _______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica do Sistema Único da Assistência Social – NOB/SUAS, Brasília, 2012. _______. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. _______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004. Brasília: MDS, 2005. _______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atendimento à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os Centros de Atenção Psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2004, 86 p. COSTA-ROSA, Abilio. O modo psicossocial: um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In: AMARANTE, Paulo (Org.) Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade [online]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2000, p. 141-168. Disponível em: http://books.scielo.org. Acesso em: 25 de fevereiro de 2020. DIMENSTEIN, Magda; LIBERATO; Mariana Desinstitucionalizar é ultrapassar fronteiras sanitárias: o desafio da intersetorialidade e do trabalho em rede. Caderno Brasileiro de Saúde Mental, v. 1, n. 1, jan./abr. 2009. Disponível em: http://stat.ijkem.incubadora.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/1016/1142. Acesso em: 28 de fevereiro de 2020 LIMA, Sayonara Genilda de Sousa; SANTOS, Diaponira Vitória da Silva. Rede, Instituições e Articulação: O desafio de levar saúde mental para o território. In: PEREIRA, Sofia Laurentino B. et al. (Org.). A política de saúde mental no Piauí sob a égide da RAPS. Teresina: EDUFPI, 2017, p. 123-138. PEREIRA, Sofia Laurentino Barbosa. Rede, Instituições e Articulação: contribuições de uma experiência local para refletir sobre a intersetorialidade na saúde mental. Barbarói, Santa Cruz do Sul, n.53, p. 185-207, jan./jun. 2019. Disponível em: 1751
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/article/view/12806/8453. Acesso em: 20 de fevereiro de 2020 SAYEG, Evelyn. Desafios da intersetorialidade entre trabalho e saúde mental. 2017. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017. VASCONCELOS, Eduardo Mourão. Serviço Social e Interdisciplinaridade: o exemplo da saúde mental. In: VASCONCELOS, Eduardo Mourão et. al. (Org.). Saúde mental e serviço social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002. 1752
EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL E SUAS PARTICULARIDADES: a centralidade das famílias em debate SOCIAL POLICIES IN BRAZIL AND ITS PARTICULARITIES: the centrality of families under debate Erica Natacha Guterres1 Brenda Luanda Silva Costa2 RESUMO O presente artigo tem como objetivo discutir as características das políticas sociais brasileiras, sobretudo a Seguridade Social implementada no país a partir da Constituição Federal de 1988. Pretende-se discorrer sobre o papel das famílias no âmbito das políticas sociais e a sobrecarga imposta a estas famílias enquanto principal instância para o atendimento das demandas de seus membros, bem como o recorte de gênero presente neste contexto. Palavras-chaves: Política Social - Famílias - Cuidado ABSTRACT This article aims to discuss the characteristics of Brazilian social policies, especially the Social Security implemented in the country since the Federal Constitution of 1988. It is intended to discuss the role of families in the context of social policies and the burden imposed on these families as the main instance to meet the demands of its members, as well as the gender focus present in this context. Keywords: Social Policy- Families – Care 1 Assistente Social da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos de Niterói-RJ. Especialista em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: [email protected] 2 Assistente Social da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos de Niterói-RJ. Mestranda em Política Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: [email protected] 1753
ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO Este trabalho visa proporcionar a reflexão sobre as particularidades da construção e implantação das políticas sociais no Brasil. Esta discussão tem extrema relevância para o entendimento das características presentes no âmbito das políticas sociais e contribui para uma análise crítica sobre a temática. Inicia-se a discussão abordando a Seguridade Social brasileira, desenvolvida a partir da Constituição Federal de 1988 e sua característica híbrida. Em seguida, aborda- se o encaminhamento das políticas sociais ao longo da década de 1990, período em que o Neoliberalismo é implementado no país, trazendo impactos diretos às conquistas sociais expressas na Constituição Federal. Aborda-se também como a instituição família é considerada no contexto das políticas sociais como instância essencial na produção de bem estar de seus membros. Tal abordagem traz uma sobrecarga sobre as famílias para o atendimento das demandas de seus membros em âmbito privado, sobretudo, sobre a figura feminina, visto que as mulheres ainda são consideradas como provedoras preferenciais do cuidado. Finaliza-se a discussão, enfatizando-se o necessário movimento de refletir sobre a necessidade do fortalecimento da família em detrimento de sua penalização pelo cuidado com os seus membros. 1 POLÍTICAS SOCIAIS BRASILEIRAS E SUAS CARACTERÍSTICAS Segundo Boschetti (2009), a Seguridade Social brasileira possui característica mista, ou seja, são constituídas, ao mesmo tempo, pela lógica contributiva e pelo acesso universal. A política de saúde pública é constituída com característica universal em seu acesso, gratuita e de responsabilidade estatal, a política previdenciária segue a lógica estritamente contributiva e política de assistência social é direcionada a população que dela necessitar sem necessidade de prévia contribuição. Deste modo, [...] estabeleceu-se um sistema de seguridade social que, teoricamente, manteve o princípio de universalidade e integralidade no âmbito da saúde com Sistema Único de Saúde (SUS), que passou a re-estruturar, a partir de 2004, a política de assistência social, com base no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e que fortaleceu a lógica do seguro no âmbito da previdência, sobretudo com as reformas de 1998 e 2003. A seguridade social brasileira, desse modo, não avançou no sentido de fortalecer a lógica social. 1754
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