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EIXO 4 - Seguridade Social: Assistência Social, Saúde e Previdência

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:30:02

Description: Seguridade Social: Assistência Social, Saúde e Previdência

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sobrecarregado pelas demandas de cada política. A construção de uma rede de atendimento intersetorial supõe uma mudança cultural, pois parte de um entendimento de uma conjuntura social mais ampla, que supera os muros institucionais. A construção de um rico espaço coletivo de atuação, haja vista as experiências diversas ali presentes. Como produto desse processo cabe ressaltar o intenso diálogo sobre o fluxo de atendimento ao Benefício de Prestação Continuada, cuja alteração das formas de requerimento do benefício, em 2019, impactou fortemente a população mais vulnerável. Ainda que os desafios estejam ancorados numa escala mais ampla, tendo em vista essa alteração ter sido firmada a nível federal, as discussões entre os CRAS, INSS e Ministério Público permitiram identificar os desafios locais. Ademais, a fecunda interlocução iniciada entre técnicos que atuam no Sistema Prisional e a Proteção Social Básica apontou, concretamente, como o trabalho social com famílias pode atuar junto aos núcleos que vivenciam as expressões da questão social em seu cotidiano, possibilitando inserir nos serviços da proteção social básica aquele público prioritário aos serviços. Essa perspectiva permite atender aos objetivos mais profundos a que se destina essa proteção social dentro da assistência social. Apesar dos significativos desafios vivenciados, o estreitamento dos vínculos entre as instituições constitui um importante ganho desse processo. Nesse aspecto, o uso da tecnologia tem sido fundamental para facilitar a comunicação entre as instituições, com a criação de grupo de comunicação entre trabalhadores da rede de atendimento em Timon, que tem sido de grande importância no período da pandemia do Covid-19. A esse respeito, Teixeira (2002, p. 3) já chamava atenção para esse processo: A tecnologia da informação revolucionou os modelos organizacionais vigentes, produzindo soluções inovadoras no processo de planejamento, coordenação e controle das atividades e viabilizando uma articulação virtual, em tempo real, dos indivíduos e das organizações. A complexa conjuntura social contemporânea tem desafiado as inúmeras instituições sociais, diante de um cenário que, impactado pela pandemia do vírus Covid- 19, certamente ampliará as demandas às inúmeras políticas sociais. Pensar estratégias de trabalho na perspectiva da intersetorialidade, da (re)construção de redes de 1905

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI atendimento intersetorial é estratégico para enfrentar o cenário presente, haja vista os novos desafios vivenciados. Os caminhos que se abrem apontam para a urgência na consecução de ações participativas e democráticas, com a integração de setores da sociedade civil nas ações intersetoriais. 5 CONCLUSÃO Frente a uma conjuntura social em que as inúmeras expressões da questão social ganham contornos cada vez mais complexos, pensar a intersetorialidade, enquanto estratégia de intervenção, envolve uma dinâmica que considere a totalidade da realidade social vivenciada pelos sujeitos. A estruturação de uma rede de atendimento intersetorial consiste num processo que vai além de encontros mensais entre as instituições. Envolve planejamento, integração, através de um olhar refratário às inúmeras políticas e serviços ali presentes. Apesar dos desafios envoltos, pensar em integrar políticas intersetoriais evidencia um compromisso em garantir atendimento pensando o ser social como ser holístico. Sob essa perspectiva, revela-se imperioso que a rede de articulação intersetorial se (re)construa na realidade de Timon, fortalecendo os vínculos institucionais construídos. (Re)construir por ser este um processo complexo, carregados de desafios e de correlações de força que ensejam o planejamento e execução de políticas sociais. Portanto, a (re)construção é permanente, num contínuo devir. REFERÊNCIAS BIDARRA, Zelimar Soares. Pactuar a intersetorialidade e tramas as redes para consolidar o sistema de garantia de direitos. In: Revista Serviço Social &Sociedade. São Paulo, v.99, 2009. p.483-497. Disponível em: http://http.scielos.org/article/physis/2017.v27n4/1265-1286 Acesso em: 25 Mai. 2020. BRASIL. Lei orgânica da assistência social – LOAS. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Brasília: Distrito Federal, 1993. _____. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília, 2005. 1906

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI _____. NOB SUAS. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Brasília, 2012. COUTO, Berenice Rojas; YAZBEK Maria Carmelita; RAICHELIS, Raquel. A política nacional de assistência social e o SUAS: apresentando e problematizando fundamentos e conceitos. In: COUTO, Berenice Rojas et all. (Orgs.). O Sistema Único de Assistência Social no Brasil: uma realidade em movimento. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2014. p: 55-88. GUIAQUETO, Adriana. A Descentralização e a Intersetorialidade na Política de Assistência Social. In: Revista Serviço Social & Saúde. Campinas, v. IX, n. 10, 2010. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/sss/article/view/8634883. Acesso em 15 Mai 2020. JUNQUEIRA, Luciano A. Prates. Novas formas de gestão na saúde: descentralização e intersetorialidade. In: Saúde e Sociedade, 6(2), 1997. p: 31-46. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/barbaroi/n39/n39a09.pdf . Acesso em 15 Jun. 2020. JUNQUEIRA, Luciano A. P.; INOSOJA, Rose Marie; KOMATSU, Suely. Descentralização e intersetorialidade na gestão pública municipal no Brasil: a experiência de Fortaleza. In: XI Concurso de ensayos del Clad Caracas: “El trânsito de la cultura burocrática al modelo de la gerencia pública: Perspectivas, possibilidades y limitaciones”. Caracas, 1997. p: 1-75. Disponível em https://editora.pucrs.br/anais/sipinf/edicoes/I/9.pdf. Acesso em 25 Mai. 2020. MACHADO, Lourdes A. Construindo a intersetorialidade. 2008. Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/index.php/informacoes-gerais-documentos/conferencias- e-encontros/conferencia-estadual-de-saude-mental/textos/3153-construindo-a- intersetorialidade/file . Acesso em 25 Mai. 2020. MACIEL, Heloisa Helena Mesquita. Transversalidade e Intersetorialidade das Políticas Públicas: desafios da Gestão Social. In: I Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa do Campo de Publicas-ENEPCP, 2015. Disponível em: https://anepcp.org.br/anaisenepcp/20161128180325_st_06_heloisa_helena_mesquit a_maciel.pdf?direct_ms=acp&direct_config=acpsys_core_Config. Acesso em 15 Mai. 2020. NASCIMENTO, Sueli do. Reflexões sobre a intersetorialidade entre as políticas públicas. In: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 101, 2010. p: 95-120. PEREIRA. Potyara A. Como conjugar especificidade e intersetorialidade na concepção e implementação da Política de Assistência Social. In: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 77, 2004. p: 54-62. 1907

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI SPOSATI, Aldaíza. Especificidade e intersetorialidade da Política de Assistência Social. In: Revista Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 77, 2004. p. 30-53. _____. Gestão pública intersetorial: sim ou não? Comentários de experiência. In: Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 85, 2006. p: 133-141. TEIXEIRA, Sonia Maria Fleury. O desafio da gestão das redes de políticas. In: Congresso Internacional Del Clad Sobre La Reforma Del Estado Y De La Administración Pública, 7, Lisboa, Portugal, 2002. p. 1-24. 1908

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA DIREITOS SOCIAIS NO ÂMBITO DA FAMÍLIA E INFÂNCIA: AS REPRESENTAÇÕES AO SISTEMA DE JUSTIÇA CATARINENSE SOCIAL RIGHTS IN THE FIELD OF FAMILY AND CHILDHOOD: THE REPRESENTATIONS TO THE CATARINENSE JUSTICE SYSTEM Michelly Laurita Wiese 1 Carla Rosane Bressan 2 Keli Regina Dal Prá 3 RESUMO O estudo debate sobre a atual operacionalização das Políticas Sociais, em especial o fenômeno de judicialização do acesso a direitos sociais legalmente reconhecidos. Objetiva-se analisar as representações ao Sistema de Justiça Catarinense, a partir do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e de seu prosseguimento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no campo da efetivação dos direitos sociais básicos no âmbito da família e infância. A pesquisa tem natureza qualitativa e como proposta metodológica de coleta de dados envolve revisão de literatura e pesquisa documental. Como resultados esperados, pretende-se avançar na discussão sobre a judicialização das políticas sociais, avaliando como a efetivação dos direitos sociais no âmbito da família e infância são atendidas, ou não atendidas, pelos serviços públicos e como são encaminhadas para avaliação e ação do MPSC. Palavras-chaves: Política Social. Direitos Sociais. Família. Infância. Judicialização. Justiça. ABSTRACT The study debates the current operationalization of Social Policies, in particular the phenomenon of judicialization of access to legally recognized social rights. The objective is to analyze the 1 Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós- graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 2 Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós- graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 3 Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós- graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 1909

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI representations to the Santa Catarina Justice System, from the Public Ministry of Santa Catarina (MPSC) and its continuation in the Santa Catarina Court of Justice, in the field of the realization of basic social rights in the scope of the family and childhood. The research has a qualitative nature and as a methodological proposal for data collection, it involves literature review and documentary research. As expected results, it is intended to advance the discussion on the judicialization of social policies, evaluating how the realization of social rights in the family and childhood scope are served, or not attended, by public services and how they are referred for evaluation and action by the MPSC. Keywords: Social Policy. Social rights. Family. Childhood. Judicialization. Justice. INTRODUÇÃO O presente artigo trata da exposição da pesquisa intitulada “As Representações ao Sistema de Justiça Catarinense, a partir do Ministério Público e seu prosseguimento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no que se refere à efetivação dos Direitos Sociais Básicos no âmbito da Família e Infância”. A pesquisa vem sendo desenvolvida através da articulação entre o Núcleo de Pesquisa Interdisciplinar Sociedade, Família e Política Social (NISFAPS) e o Núcleo de Estudos da Criança, Adolescente e Família (NECAD). Esta articulação para o desenvolvimento da pesquisa visa consolidar a aproximação de estudos conjuntos no âmbito do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ao estabelecer uma parceria internúcleos somando os recursos institucionais em prol do conhecimento da realidade catarinense nos âmbitos dos temas da Família e Infância e Política Social. Brevemente destacamos que o NECAD possui longa trajetória de estudos e pesquisas centradas nas seguintes linhas: a) Criança, Adolescente e Família: Políticas Sociais e intervenção profissional; b) Educação, Cidadania e Direitos; c) Família: violência familiar e regulação pública. Já o NISFAPS tem desenvolvido estudos em duas linhas: a) Política social, família e trabalho com ênfase em estudos sobre os sistemas de proteção social e o familismo; família, trabalho e políticas de conciliação; família e perspectivas demográficas e, b) Política social e serviços sociais com ênfase em estudos sobre as políticas sociais setoriais e por segmentos, as redes de apoio e acesso a serviços sociais; 1910

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a organização em serviços sociais e processos coletivos de trabalho; as relações intersetoriais e a integralidade dos serviços sociais; e o trabalho social com famílias. Além do desenvolvimento de pesquisas, ambos os Núcleos se dedicam às ações de extensão universitária, expressando o compromisso com uma relação orgânica entre Universidade e Sociedade. O NECAD tem se dedicado à assessoria dos órgãos relacionados à Criança e ao Adolescente (Assessoria ao Fórum da Sociedade Civil do Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente - Fórum DCA). O NISFAPS tem desenvolvido nos últimos cinco anos projeto de formação continuada para profissionais atuantes nas Políticas Sociais de Assistência Social e Saúde dos setores governamentais e não governamentais, da região catarinense da Grande Florianópolis, em trabalho social com famílias. Esta atividade de extensão visa também refletir com os profissionais a temática da família e suas múltiplas e contraditórias interfaces com as políticas sociais de proteção a partir do cotidiano dos serviços, e construir metodologias integradas no trabalho social com famílias nos serviços de assistência social e saúde na perspectiva de práticas interdisciplinares e fundamentadas teórica, ética e criticamente. Os projetos de extensão dos Núcleos colaboraram para que a presente proposta de pesquisa fosse articulada à realidade dos serviços sociais e da intervenção profissional no âmbito das Políticas Sociais. Destaca-se também que o projeto foi contemplado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através da chamada do Edital Universal MCTIC/CNPq n. 28/2018 e conta com uma equipe de cinco docentes, duas bolsistas com bolsa de iniciação científica pelo projeto, um bolsista com bolsa de iniciação científica pela UFSC, uma bolsista voluntária e duas colaboradoras mestrandas, cujos temas de pesquisa possuem relação com a pesquisa. Em termos de objetivo geral a pesquisa centra-se em analisar as representações ao Sistema de Justiça Catarinense, a partir do Ministério Público e de seu prosseguimento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no campo da efetivação dos direitos sociais básicos no âmbito da família e infância. Numa primeira etapa iniciou-se a identificação das principais violações aos direitos sociais básicos (assistência social, educação e saúde) no âmbito da família e infância, a partir de levantamento quanti- qualitativo junto ao banco de dados do MPSC, para que na sequência seja possível 1911

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI analisar o conteúdo das representações relacionadas aos direitos sociais básicos violados no âmbito da família e infância. O percurso metodológico prevê analisar a realidade social de forma dialética entendida essencialmente como contraditória e em permanente transformação, como um “momento de um determinado todo” (KONDER, 2009), sendo necessária uma postura crítica, que busque romper com o imediato, com a aparência. Para tanto, é necessário adotar procedimentos metodológicos específicos, vinculado a cada uma das diferentes instâncias de intervenção. O princípio metodológico da investigação dialética da realidade social é o ponto de vista da totalidade concreta, que antes de tudo significa que cada fenômeno pode ser compreendido como momento de um todo. Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é examinado como momento de um determinado todo; desempenha, portanto, uma função dupla, a única capaz dele fazer efetivamente um fato histórico: de um lado, definir a si mesmo, e de outro definir o todo; ser ao mesmo tempo produtor e produto; ser revelador e ao mesmo tempo decifrar a si mesmo; conquistar o próprio significado autêntico e ao mesmo tempo conferir um sentido de algo mais (KOSIK, 1976, p.40). Nesta direção, o estudo proposto tem enfoque qualitativo, pois este possibilita estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intrincadas relações sociais estabelecidas em diversos ambientes além de permitir a compreensão do fenômeno a partir do contexto em que ele ocorre e do qual é parte devendo ser analisado numa perspectiva integrada com o contexto mais amplo. A necessidade de aprofundar o tema da política social e a judicialização de direitos legalmente reconhecidos, fez com que se escolhesse esta perspectiva metodológica; porque: O objeto das ciências sociais é essencialmente qualitativo. Se falamos de Saúde ou Doença, essas categorias trazem uma carga histórica, cultural, política e ideológica que não pode ser contida apenas numa fórmula numérica ou num dado estatístico [...]. Isso implica considerar sujeito de estudo: gente em determinada condição social, pertencente a determinado grupo social ou classes com suas crenças, valores e significados. Implica também considerar que o objeto das ciências sociais é complexo, contraditório, inacabado e em permanente transformação (MINAYO, 1994, p.21-22). A abordagem qualitativa privilegia de um modo geral, a análise de microprocessos, através do estudo das ações sociais individuais e grupais, buscando 1912

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI desvelar a relação desses microprocessos com o contexto mais amplo do sujeito como ser social e histórico (MARTINS, 2004; TRIVIÑOS, 1987). É importante salientar também que, na abordagem da pesquisa qualitativa, não há neutralidade do saber científico; este, ao contrário da perspectiva positivista, encontra-se permeado pelo conhecimento teórico dos pesquisadores. Em relação à abrangência do estudo, o projeto tem delimitado como universo de estudos duas instâncias de aproximação. A primeira o Estado de Santa Catarina, com levantamento geral de abrangência estadual, no que se refere a instância do Ministério Público (tomado enquanto porta de entrada das demandas), e, na sequencia a capital de Santa Catarina e, consequentemente, os órgãos de justiça com circunscrição neste município: Comarca da Capital e Promotorias de Justiça da Comarca da Capital. Demarcada a natureza do estudo e no sentido de atender aos objetivos propostos indica-se o instrumental metodológico a ser utilizado na pesquisa para coleta de dados e informações: revisão bibliográfica e pesquisa documental. A revisão bibliográfica como modalidade de estudo ocorre a partir da análise de documentos de domínio científico tais como livros, periódicos, enciclopédias, ensaios críticos, dicionários e artigos científicos. É um tipo de “estudo direto em fontes científicas, sem precisar recorrer diretamente aos fatos/fenômenos da realidade empírica” (OLIVEIRA, 2007, p.69). O objetivo da revisão bibliográfica é proporcionar o contato direto com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo: “o mais importante para quem faz esta opção é ter a certeza de que as fontes a serem pesquisadas já são reconhecidamente do domínio científico” (OLIVEIRA, 2007, p.69). Nesta direção à revisão bibliográfica para a referida proposta tem como finalidade localizar e analisar as produções e pesquisas já realizadas no âmbito da política social e judicialização das demandas sociais. Já a pesquisa documental ocorrerá em processos judiciais elaborados no âmbito do MPSC, em andamento e/ou finalizados entre os anos de 2014 a 2018, a fim de identificar e caracterizar os processos de judicialização das políticas sociais. A pesquisa documental embora pouco explorada nas áreas das ciências sociais deve ser apreciada e valorizada. Segundo Sá-Silva et al (2009, p.02) a riqueza de informações que pode-se 1913

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI “extrair justifica o seu uso em várias áreas das Ciências Humanas e Sociais porque amplia o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural”. Para Sá-Silva et al (2009), embora a pesquisa documental seja muito próxima da pesquisa bibliográfica, o que os diferencia está na natureza das fontes: a pesquisa bibliográfica remete para as contribuições de diferentes autores sobre o tema, atentando para as fontes secundárias, enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento analítico, ou seja, as fontes primárias. “Na pesquisa documental, o trabalho do pesquisador (a) requer uma análise mais cuidadosa, visto que os documentos não passaram antes por nenhum tratamento científico” (OLIVEIRA, 2007 apud SÁ-SILVA et al, 2009, p.06). Em relação ao tratamento e análise das informações coletadas se utilizará do método de análise de conteúdo por favorecer o estudo das motivações, atitudes, valores, crenças, tendências e, para o desvelar das ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc., que, à simples vista, não se apresentam com a devida clareza. Por outro lado, o método de análise de conteúdo, em alguns casos, pode servir de auxiliar para instrumento de pesquisa de maior profundidade e complexidade, como, por exemplo, o método dialético. Neste caso, a análise de conteúdo forma parte de uma visão mais ampla e funde-se nas características do enfoque dialético (TRIVIÑOS, 1987, p.159-160). Utilizar-se-á a técnica de Análise Temática, proposta por Minayo (1994), seguindo-se operacionalmente três etapas: 1) Pré-Análise – trata-se da escolha dos documentos a serem analisados e leitura flutuante do conjunto das comunicações a fim de tomar contato exaustivo com o material deixando-se impregnar pelo seu conteúdo; 2) Exploração do Material – consiste na operação de codificação, em que se realiza a transformação dos dados brutos a fim de alcançar o núcleo de compreensão do texto e 3) Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação – nesta etapa, propõem-se inferências e realizam-se interpretações previstas conforme o quadro teórico, mas sem deixar de levar em conta outras pistas em torno de dimensões teóricas sugeridas a partir da leitura do material. 1914

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 POLÍTICA SOCIAL E JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS O tema central da pesquisa refere-se ao debate sobre a Política Social e a judicialização dos direitos sociais legalmente reconhecidos no campo da família e infância. Parte da constatação da crescente demanda para o setor judiciário de questões vinculadas a garantia de direitos, tanto sociais como civis, principalmente após a década de 1990. Justamente uma década marcada pela institucionalização desses direitos com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) e suas leis infraconstitucionais. Tem destaque os direitos sociais como à saúde, à assistência social, à educação, bem como a proteção estabelecida à criança, ao adolescente, ao idoso e às pessoas com deficiência pelos respectivos estatutos (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Estatuto do Idoso e Estatuto da Pessoa com Deficiência). Tais direitos, embora assegurados formalmente não encontraram condições objetivas de concretização através das políticas públicas responsáveis por garanti-los de fato. Nesse contexto de afirmação dos direitos legalmente constituídos e da ausência de respostas do poder público para atender as demandas dos cidadãos se iniciam os processos de reivindicação desses direitos através da Justiça. Esses processos vêm sendo largamente conhecidos como processos de judicialização das políticas sociais. Para Esteves (2006) este fenômeno, tem sido chamado de “judicialização dos conflitos sociais”, ou “judicialização da política”, numa “amplitude que revele a problematização da atividade política a qual, muitas das vezes, trás nela embutidas questões de ordem social” (p. 41). Para o referido autor é possível indicar dois motivos para a busca do judiciário na consolidação da cidadania social: a) o excesso de leis definidoras de direitos sociais, reguladas pela constituição ou nela inscrita diretamente, não mais justifica a simples luta parlamentar travada nas últimas décadas, uma vez que a positivação dos direitos já ocorrera, carecendo de efetividade; b) a consolidação das instituições democráticas sob uma ótica de defesa dos interesses das minorias, que para asseguramento de seus direitos, não podem contar somente com o parlamento ou outras instituições que efetivamente são controlados pela maioria (ESTEVES, 2006, p. 50). Neste sentido, o processo de judicialização aparece como um recurso das minorias contra as maiorias parlamentares a que, agrega-se o papel de decidir em matérias de política econômica e de justiça social. 1915

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Para Sierra (2011, p.257), a judicialização das políticas públicas se acentua na democracia brasileira, no contexto de avanço da política neoliberal e pode ser entendida “como o aumento desmesurado de ações judiciais movidas por cidadãos que cobram o direito à proteção social”. A autora indica que o cenário de garantia de direitos do final da década de 1980, positivou direitos fundamentais, “mas também atribuiu ao Poder Judiciário a função de intérprete do controle de constitucionalidade. As implicações políticas e sociais oriundas destas mudanças tendem a alterar significativamente a cultura jurídica nacional, até então moldada pelo formalismo legalista e pela subordinação do Poder Judiciário ao Poder Executivo” (SIERRA, 2011, p.257). Em grande parte, o fenômeno da judicialização das políticas públicas pode ser compreendido a partir da contradição que expressa, por um lado, a existência de uma inflação de direitos, mas que, por outro, degrada a proteção social. Este fenômeno tem trazido o Poder Judiciário à cena política, alterando a dinâmica da relação entre os Poderes (SIERRA, 2011, p.257). Andrade (2006, p.12), no entanto, aponta a ambiguidade que constitui o Poder Judiciário, no que se refere às funções, politicamente contraditórias, que lhe foram atribuídas, a saber, “de ser um dos protagonistas da construção social da criminalidade (da criminalização) e da construção social da cidadania. Daí seu exercício de poder como justiça que deve operacionalizar as promessas cidadãs da Constituição, potencialmente emancipatórias, e as promessas criminalizadoras da legislação penal que, não deixando de estar contidas no projeto constitucional, são abertamente reguladoras”. Segundo a autora, “o exercício da primeira função concorre para distribuir seletivamente crimes e penas: o status negativo de criminosos e vítimas; no exercício da outra, para distribuir seletivamente direitos e deveres sociais, provendo o status positivo de cidadania”. As duas funções se expressam antagonicamente nos binômios “punir x prover e regulação violenta x emancipação”. Essa contraditoriedade das “funções” do Poder Judiciário se apresenta no cotidiano de acesso aos direitos sociais, via requisição pelas políticas sociais, especialmente como as políticas de saúde, assistência social, criança e adolescente e educação. Para fins de exemplificação, no que se refere à política de saúde, observa-se o crescente número de ações judiciais no sentido de viabilizar o acesso a exames, procedimentos e medicamentos de médio e alto custo. Segundo Gomes e Amador (2015, p.452) “em 2009, 10.486 novos processos surgiram contra a União, em 2010 o 1916

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI número foi de 11.203, em 2011, 12.811 e em 2012, 13.051 novos processos. De acordo com dados oficiais, a maioria da demanda está relacionada aos medicamentos”. Nos referidos processos as alegações dos autores das ações, advogados ou defensores e juízes, para justificar a demanda judicial e requerer o acesso ao direito foi o direito fundamental à saúde que é garantido pelo artigo 196 da CF/1988 e a Lei no 8.080/1990 (GOMES; AMADOR, 2015; VENTURA, et al, 2010). Os autores ainda indicam que a prevalência das ações judiciais foi individual e não coletiva e que a advocacia privada – onde atuam os profissionais liberais e bacharéis em direito que defendem direitos contratados por pessoa ou iniciativa privada – foi o recurso predominante nos processos judiciais. No caso da política de educação e mais especificamente no âmbito da Educação Básica (delimitação específica do projeto de pesquisa), a busca pela garantia de vagas na educação infantil (creche e pré-escolas) no sistema público e a oferta de atendimentos especializados, conforme previsto na legislação (por exemplo, a oferta do segundo professor em sala de aula regular, para o caso de alunos com determinadas deficiências) é o que tem mobilizado significativamente famílias para recorrerem à ações nas diferentes instâncias do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) nas instâncias mais imediatas, ou seja, mais próximas das famílias (instância ainda extrajudicial) como o Conselho Tutelar, demanda que tem adentrado significativamente ao sistema judiciário. Conforme indica Silveira (2011) em pesquisa realizada acerca das decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) onde envolve o direito à educação, após a implantação do ECA, “entre o período de 1991 a 2008, com a análise de 483 documentos, evidenciou o uso do Poder Judiciário para a efetivação e/ou questionamento das políticas públicas envolvendo à educação, (...) o levantamento das decisões judiciais denota com mais expressão o uso do Poder Judiciário em algumas áreas (p.11). A referida autora indica ainda que “o recurso judicial para requisição de uma vaga na educação básica e para o oferecimento de serviços que impedem a permanência do aluno na escola foram os conflitos mais presentes no conjunto estudado” (p.11). Na política de assistência social, observa-se um movimento diferente, onde a população beneficiária dos serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social parece não requisitar este direito via judicialização. Segundo relatos o acesso à 1917

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI justiça e a garantia dos direitos socioassistenciais parecem estar mediados pela organização dos serviços, pela intervenção dos profissionais que atuam nessa política social e na sua estreita relação com o Poder Judiciário. Este, que demanda, por meio de intervenções profissionais nos serviços, o provimento da proteção social de duas maneiras, seja pelo requerimento de que o Estado cumpra seu papel de provedor de direitos ou pelo requerimento de que a família seja a responsável pela garantia da proteção social daqueles que a compõem. Considerando o atual estágio de coleta de dados, que objetiva fazer uma delimitação geral do que se apresenta como demanda que chega ao MPSC (via suas promotorias), os dados preliminares já dão “indícios” a cerca do conteúdo resultante dessa aproximação. Pode-se afirmar, que muitas das questões encontram-se em conformidade com o que pesquisas anteriores já referenciam, tais como no campo da saúde as demandas relacionadas à oferta de medicamentos; no campo da educação, relacionadas à oferta de vagas da educação infantil; como também na assistência social a organização de serviços, principalmente aqueles especializados de competência da Proteção Social Especial. Porém, pode-se indicar ainda que tem sido uma tônica comum a identificação de questões como “negativa de fornecimento de fármacos padronizados pelo SUS”, ou a “demora na realização de atendimento de saúde prescritos”, ou a falta de transparência na fila de espera para cirurgias específicas, todas questões voltadas especificamente à política de saúde. No que se refere à política de educação, observa-se que para além das questões citadas anteriormente, pode-se observar que está presente de forma significativa desde questões voltadas à infraestrutura tais questões como: falhas na oferta regular da merenda escolar, “laudo pericial indicando a existência de algumas pendências a serem efetuadas na estrutura física da escola” ou “disponibilização indevida das quadras esportivas (...)”, ou ainda “ônibus que realizam o transporte escolar em condições precárias”. Até questões voltadas aos aspectos pedagógicos, ou seja: “possíveis agressões e atos de violência contra alunos, praticados, em tese, por professora”, apuração de “motivos da evasão escolar de adolescente”, dificuldade de “adaptação ao Centro de Educação Infantil” até “suposta ocorrência de ato de racismo/injúria racial em Instituição de Ensino”. 1918

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Outra situação que tem sido recorrente nos registros até o presente momento abordados e que envolvem as três políticas aqui pesquisadas, são as condições de “acessibilidade” aos diferentes serviços nas unidades básicas de saúde; seja nas salas de aula (na educação infantil e escolas de ensino fundamental), ou ainda aos equipamentos referenciados pela Política de Assistência Social. Exemplos que denunciam a fragilidade das Políticas Sociais, que teria como princípio concretizar os direitos sociais previstos em suas regulamentações específicas, reconhecendo-os enquanto um direito social básico e universal. Ao se propor “pensar os caminhos que transformam direitos reconhecidos em ações judiciais” no âmbito da família e infância este estudo precisa, inevitavelmente, identificar as portas de entrada das demandas sociais no Sistema de Justiça. Elas podem acontecer com o ingresso direto da ação judicial pelo usuário/cidadão que busca a efetivação de seu direito através da intervenção de advogados particulares (profissionais autônomos) ou públicos (Defensoria Pública e outros órgãos que ofereçam os serviços de maneira gratuita); ou então por intermédio do Ministério Público (MP), que pode ser mobilizado tanto pelo usuário diretamente, quanto pelos profissionais dos serviços públicos que estão prestando atendimento àquele usuário. Para esta proposta de estudo, a intenção é investigar a segunda possibilidade. A fim de contextualização, é importante sinalizar que a promulgação da CF/1988 trouxe no âmbito dos Ministérios Públicos Estaduais novos princípios e diretrizes como a desvinculação desta instituição do Poder Executivo para assim permitir que, através de uma atuação independente, o MP passasse a atuar de forma a contribuir “para o controle e fiscalização também, dos atos da administração pública que possam afrontar, ameaçar ou lesar os direitos de cidadania da sociedade civil, que até então, a ligação orgânica do MP com o Poder Executivo não permitia” (MANFRINI, 2007, p.28). O MP tem como atribuições promover ações objetivando garantir os interesses individuais e sociais indisponíveis, os direitos coletivos e difusos, além de defender a ordem jurídica e o regime democrático. Dentre estes pontos constam os direitos sociais e constantes no Art. 6° da Constituição. Os interesses sociais são, através de simples definição, os interesses da sociedade ou coletividade, das quais, decorrem os valores da educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, especificados no 1919

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI art. 6° da Carta Magna. Ao MP cabe a atribuição de intervenção ativa na busca de prestações positivas do Poder Público em favor destes interesses sociais (MANFRINI, 2007. p. 30). A partir disto, defender a ordem jurídica é parte das atribuições do MP, o que lhe incumbe do papel de fiscalizador do cumprimento das legislações vigentes no país, ingressando com ações civis públicas quando estas são desrespeitadas, atuando assim na defesa do Estado de Direito brasileiro, quando defende e resguarda os interesses públicos, impedindo que estes direitos sejam violados. Análises sobre o acionamento do MP para a efetivação de direitos sociais legalmente reconhecidos ainda são insipientes e requerem um urgente aprofundamento. Da mesma forma é imperioso analisar em que medida as demandas sociais judicializadas caminham para a efetivação de um direito social – seja individual ou coletivo – ou, tendem a se direcionar para a responsabilização das famílias pela proteção social de seus membros. Com base nessa obrigatoriedade as famílias têm sido cada vez mais requisitadas pelo Estado a assumir responsabilidades na gestão de determinados segmentos, como: criança e adolescente, idosos, pessoas com deficiência, conforme estabelecem os estatutos de todos estes segmentos, que é “dever da família, da comunidade, da sociedade civil e do Estado, assegurar atendimento e a garantia de direitos dos mesmos”. Segundo Gomes e Pereira (2005, p.361), diante da ausência de políticas de proteção social à população pauperizada, em consequência do retraimento do Estado, a família é “chamada a responder por esta deficiência sem receber condições para tanto. O Estado reduz suas intervenções na área social e deposita na família uma sobrecarga que ela não consegue suportar tendo em vista sua situação de vulnerabilidade socioeconômica”. Assim, pretende-se avançar na discussão sobre a judicialização das políticas sociais no âmbito da família e infância, avaliando como as demandas sociais (de assistência social, educação e saúde) atendidas, ou não atendidas, pelos serviços públicos são encaminhadas para avaliação/ação do MPSC e os possíveis encaminhamentos posteriores ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). 1920

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A temática da judicialização das demandas sociais tem sido de pauta de discussões e estudos em diferentes áreas de conhecimento como Direito, Serviço Social, Sociologia e outras áreas afins, ao passo que este “fenômeno” tem se apresentado com mais expressividade na sociedade brasileira dos dias atuais. Centrar esforços em desvelar o universo destas expressões permanece um desafio, sobretudo pela relevância e emergência do tema. Neste sentido, se faz necessário contribuir, somar e materializar pesquisas loco- regionais que venham a fortalecer o oferecimento de políticas e serviços sociais públicos de suporte às famílias e a infância, adentrando na produção teórica acerca das especificidades dos processos de judicialização que envolvem Famílias, Infância e Direitos Sociais. Portanto, é fundamental sistematizar a literatura que proporciona o contato direto com obras, artigos ou documentos que tratem das instituições em estudo como o MPSC e TJSC, bem como, é mister identificar os percursos das representações realizadas nas instituições acima referidas. REFERÊNCIAS ANDRADE, V. R. A colonização da justiça pela justiça penal: potencialidades e limites do Judiciário, na era da globalização neoliberal. Revista Katálysis, Florianópolis, v. 9, n. 1, 2006, p.11-14. ESTEVES, D.C.R. Cidadania e judicialização dos conflitos sociais. Revista de Direito Público, Londrina, v.4, n.2, 2009, p. 41-54. GOMES, V. S.; AMADOR, T. A. Estudos publicados em periódicos indexados sobre decisões judiciais para acesso a medicamentos no Brasil: uma revisão sistemática. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, n.31, v.3, 2015, p. 451-462. GOMES, M. A.; PEREIRA, M. L. D. Família em situação de vulnerabilidade social: uma questão de políticas públicas. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, n.10, v.2, 2005. p 357-363. KOSIK, K. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1976. MANFRINI, D. B. A intervenção profissional do Serviço Social no Ministério Público de Santa Catarina e as questões de gênero. Florianópolis: UFSC, 2007. Dissertação 1921

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI (Mestrado). Disponível em: <http://www.tede.ufsc.br/teses/PGSS0057-D.pdf>. Acesso em: 06 de abr de 2018. MARTINS, H. H. S. Metodologia qualitativa de pesquisa. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.2, 2004, p. 289-300. MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 3ed. São Paulo-Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco, 1994. OLIVEIRA, M. M. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis, Vozes, 2007. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. SÁ-SILVA, J.R; ALMEIDA, C.D de; GUINDANI, J.F Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História e Ciências Sociais, Rio Grande, n.1, 2009, p. 1-15. Disponível em: https://www.rbhcs.com/rbhcs/article/viewFile/6/pdf. Acesso em: 13 de abr de 2018. SIERRA, V. M. A judicialização da política no Brasil e a atuação do assistente social na justiça. Revista Katálysis, Florianópolis, v.14, n.2, 2011, p.256-264. SILVEIRA, A. A. D. Judicialização da educação para a efetivação do direito à educação básica. Associação de Escolas Reunidas – Rio Claro, 2011. Disponível em: https://anpae.org.br/simposio2011/cdrom2011/PDFs/trabalhosCompletos/comunicac oesRelatos/0003.pdf. Acesso em: 19 de jun de 2020. VENTURA, M., et al. Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis, Rio de Janeiro, n.20, v.1, 2010, p.77-100. 1922

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA IMPACTOS DO NEOLIBERALISMO NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: uma análise a partir de suas tendências contemporâneas IMPACTS OF NEOLIBERALISM ON SOCIAL ASSISTANCE POLICY: an analysis from its contemporary trends Maria Augusta Bezerra da Rocha1 RESUMO O presente estudo buscou explorar e sistematizar algumas das tendências contemporâneas que configuram a Política de Assistência Social a partir dos impactos das orientações neoliberais centrando-se no período do pós-golpe institucional de 2016. Pautou-se numa pesquisa de tipo exploratória baseada em ampla revisão de literatura e levantamento de informações documentais. A análise foi fundamentada no materialismo histórico-dialético. Percebeu-se que as tendências contemporâneas de moralização da questão social evidenciadas na Política de Assistência Social fazem parte dos impactos das orientações neoliberais expressas nos organismos internacionais somado ao avanço de tendências conservadoras que mesclam-se para conformar o desenho dos programas e ações socioassistenciais. Palavras-chaves: Assistência Social; Neoliberalismo; Conservadorismo ABSTRACT: The present study sought to explore and systematize some of the contemporary trends that shape the Social Assistance Policy based on the impacts of neoliberal guidelines focusing on the 2016 post-coup institutional period. It was guided by an exploratory research based on a broad literature review and survey of documentary information. The analysis was based on historical-dialectical materialism. It was noticed 1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Questão Social, Política Social e Serviço Social do Departamento de Serviço Social/UFRN. E-mail: [email protected] 1923

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI that the contemporary trends of moralization of the social issue evidenced in the Social Assistance Policy are part of the impacts of the neoliberal orientations expressed in the international organizations added to the advancement of conservative tendencies that mix to conform the design of the social assistance programs and actions. Keywords: Social Assistance; Neoliberalism; Conservatism. INTRODUÇÃO Enquanto uma política situada na matriz conservadora nacional marcada pelo compadrio, favor e clientelismo, a Assistência Social se apresenta historicamente como espaço propício para reprodução de tais práticas, sendo apresentada aos subalternos como favor ou vantagem, aquilo que é direito. Como resistência ao padrão arcaico dessas relações, desponta nos anos 1970 e 1980 as lutas dos movimentos sociais com vistas a redemocratização e afirmação dos direitos sociais desembocando na Constituição Federal de 1988 que incorporou um novo padrão de seguridade social e na instituição da Lei Orgânica da Assistência Social (1993). Marcos que contribuem para a formação de uma cultura de direitos, ao colocar a Assistência no patamar de política social, como direito de cidadania sob a responsabilidade do Estado, e não mera caridade entregue a sociedade. Apesar das conquistas, na década de 1990, recai na realidade brasileira os impactos da reorganização capitalista em cenário de crise com destaque para o processo de contrarreforma do Estado orquestrado pelo ideário neoliberal. O processo de contrarreforma do Estado afeta historicamente o funcionamento das políticas sociais, dentre elas a Assistência que passa a sofrer após o golpe institucional de 2016 maiores restrições orçamentárias e o avanço de tendências conservadoras no desenho de alguns programas da política ao centrarem na responsabilização/culpabilização das famílias. Diante de tal cenário, o presente estudo se propõe a explorar e sistematizar algumas das tendências contemporâneas que configuram a Política de Assistência Social a partir dos impactos das orientações neoliberais no pós-golpe institucional de 2016. Assim, o percurso metodológico com enfoque qualitativo abarcou tanto uma ampla revisão de literatura quanto levantamento documental, com análise das informações ancorada no materialismo histórico-dialético, método de analisar o real que permite o conhecimento concreto do objeto ao desvelar suas múltiplas determinações. 1924

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Dessa forma, para apreender as determinações reais dos impactos das orientações neoliberais para a Política de Assistência o artigo encontra-se dividido em uma primeira parte que caracteriza as determinações atuais da assistência social no século XXI, seguido de uma análise sobre as tendências conservadoras que a permeiam e, por último, uma reflexão sobre esse conjunto de implicações. 2 ASSISTÊNCIA SOCIAL E NEOLIBERALISMO: determinações atuais A Política de Assistência Social1 ao estar inserida na realidade social faz parte de uma totalidade concreta, rica em múltiplas determinações, que ao se movimentar e se transformar repercute nas configurações e características da política social em questão. Isso implica salientar que a realidade concreta da crise estrutural do capital em curso (MÉSZÁROS, 2011) desdobra transformações políticas, econômicas e ideológicas que impactam nas configurações assumidas pela Política de Assistência Social na contemporaneidade. Nesse contexto, ao afetar a totalidade social, forjam-se estratégias políticas, econômicas e ideológicas para reverter os impactos da crise destacando-se a ascensão do receituário neoliberal enquanto doutrina das práticas político-econômicas que propõe a reforma do Estado, tornando-o forte em sua capacidade de combater o poder da organização sindical da classe trabalhadora, bem como na política monetária em favor do capital financeiro especulativo, mas parco nos investimentos sociais e nas intervenções econômicas estruturais, conforme destacam Sader e Gentili (1995). O Estado reformado, então, para atender às novas necessidades do capital em crise, configura-se como Estado mínimo para o social e máximo para o capital, tendo em vista assegurar liberdade de movimento para o capital financeiro e retirada dos direitos dos trabalhadores. Nesse solo histórico se propaga (desde os anos 1980) aos quatro cantos do país, a crise fiscal do Estado e a necessidade de ajustes nas contas públicas. Como consequência direta do ajuste fiscal, a população vem sofrendo com a baixa 1“A assistência social constitui-se [...] do conjunto de práticas que o Estado desenvolve de forma direta ou indireta, junto às classes subalternizadas, com sentido aparentemente compensatório de sua exclusão. O assistencial é neste sentido campo concreto de acesso a bens e serviços, enquanto oferece uma face menos perversa ao capitalismo. Obedece, pois, a interesses contraditórios, sendo um espaço em que se imbricam as relações entre as classes e destas com o Estado” (YAZBEK, 2006, p.53). 1925

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI qualidade dos serviços prestados nas áreas sociais. Cenário que vem sendo cada vez mais acentuado, posto que: Os últimos anos foram fortemente marcados pelo contingenciamento dos recursos públicos para gerar o superávit primário. A política de austeridade fiscal, iniciada por Fernando Henrique Cardoso e mantida pelo governo Lula, faz parte de um conjunto de medidas adotadas – advindas do receituário neoliberal – preconizadas pelas agências financeiras internacionais (STICOVSKY, 2010, p. 148-149). Assim, o contingenciamento dos recursos públicos para as políticas sociais ao mesmo tempo em que se prioriza o pagamento dos juros da dívida e geração do superávit primário para alimentar o capital portador de juros compõe o ajuste fiscal enquanto uma das estratégias do capital em cenário de crise. Dessa forma, o ajuste concentra medidas desenvolvidas pelo Estado orientadas pelos organismos internacionais2, para criação de superávits primários com vistas a garantir o pagamento dos juros, encargos e amortização da dívida pública (SALVADOR, 2017). Esse processo de contingenciamento - historicamente configurado nos governos de Fernando Henrique Cardoso bem como nos governos petistas de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff -, angaria maior latência com a construção do golpe jurídico- parlamentar concretizado com o processo de impeachment que empossa o então vice- presidente Michel Temer (ARCOVERDE et al, 2019). Nesse contexto, a lógica das orientações neoliberais que já se espraiava na condução da política econômica nacional adquire maior centralidade com o discurso também sendo expresso em documentos produzidos ora pelo próprio governo ora pelo Banco Mundial enfatizando a crise fiscal do Estado e a continuidade das contrarreformas. A Travessia Social (2016) enquanto segunda publicação do Partido do Movimento Democrático Brasileiro3 (PMDB) sobre a situação do Brasil demarca o acirramento dessas orientações neoliberais e não tarda em enfatizar a insuficiência estatal: “O Estado brasileiro expandiu demasiadamente as suas atribuições e acabou desabando sob seu próprio peso. [...], o Estado terá que renunciar a funções de que hoje 2A condução política do pós-Segunda Guerra Mundial, no cenário internacional, com o regime econômico internacional estabelecido pelos acordos de Bretton Woods contribuiu para o ressurgimento das ideias liberais elaborando novas regras do jogo que devia reger o funcionamento da reconstituída economia mundial e a criação de organismos internacionais que garantam sua vigência, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM). (SADER; GENTILI, 1995). 3 Em 2018 volta a ser nomeado como Movimento Democrático Brasileiro (MDB), mas como nas publicações citadas ainda se registrava a sigla antiga será a utilizada no presente artigo. 1926

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI se ocupa, e terá mesmo que amputar partes de sua arquitetura” (PMDB, 2016, p.5). Ao passo que propaga o peso do Estado, aponta a necessidade de medidas de equilíbrio fiscal (ao sabor das medidas de ajuste fiscal que historicamente já vinham se configurando) e reafirmam a primazia do setor privado nos investimentos governamentais para retomar o crescimento. O documento expressa, também, as orientações de organismos internacionais vinculados ao capital, revelando a preocupação com a focalização das políticas sociais em detrimento de perspectivas universalizantes, quando propõe, por exemplo, o foco nos programas de assistência social nos 10 milhões de brasileiros que compõe os 5% mais pobres. Para isso não prescinde de uma ampliação das políticas sociais brasileiras (sobretudo a Assistência Social ainda residual e compensatória) mas sim: “Um aprofundamento daquilo que já fazemos bem, com mais descentralização, [...]. Isso significa manter e aprimorar os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família” (PMDB, 2016, p. 9-10). Na defesa do ajuste fiscal e da continuidade das contrarrefomas, “Uma ponte para o futuro” (2015), publicado pelo PMDB em 2015, demonstra continuidade e interligação das orientações neoliberais em curso. Alinhado com a perspectiva do documento supracitado, este afirma que a crise fiscal do Estado está atrelada com os excessos cometidos pelo Governo na criação ou ampliação de novos programas, aumento das despesas públicas primárias acima do Produto Interno Bruto, vinculações constitucionais estabelecidas (saúde e educação) e indexação de benefícios (Benefício de Prestação Continuada) e programas a um patamar mínimo (PMDB, 2015). Com as diretrizes contidas nos dois respectivos documentos publicados em fins de 2015 e início de 2016, foi encaminhada ao Congresso Nacional a PEC 241/2016, aprovada em dezembro do mesmo ano e instituída como Emenda Constitucional 95/2016. Consoante ao discurso de contenção de gastos nas áreas sociais, essa EC impõe um Novo Regime Fiscal (NRF) com um teto de gastos para as despesas primárias pelo prazo de vinte anos, sem impor restrições – do mesmo modo – ao pagamento dos juros e amortizações da dívida. A Política de Assistência Social, que já possuía baixa destinação orçamentária e sendo desprovida de vinculações obrigatórias, é uma das políticas sociais que mais recebe os impactos dessa contenção de gastos. 1927

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Desde seu primeiro ano de vigência, em 2017, o NRF impõe uma redução significativa à política de assistência, exposto na redução do teto destinado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) de R$ 85 bilhões para R$ 79 bilhões, representando corte orçamentário de 8%. A redução se prolonga ao passo do tempo e o cenário previsto aponta redução orçamentária de 32% em 2026 podendo alcançar até 54% em 2036, ou seja, corte de mais da metade dos recursos que a política necessita (PAIVA, A. B.et al, 2017). O impacto latente dessas restrições orçamentárias interliga-se com as orientações neoliberais contidas nos documentos supracitados que antecedem a própria estipulação do NRF, como também ao documento que respalda a continuidade desse processo, o “Ajuste Justo” (2017) publicado pelo Banco Mundial (BM). Consoante aos cortes estipulados no NRF, o Banco Mundial aponta que o Benefício de Prestação Continuada (BPC), em contraste ao Bolsa Família, não é um benefício progressivo, já que somente 12% dos benefícios cabem aos mais pobres da população, e sugere sua desvinculação ao salário mínimo, o que pode reduzir as despesas de longo prazo do programa em 20% (BANCO MUNDIAL, 2017). Além das adequações ao BPC, o BM também propõe uma reformulação e integração de todos os benefícios não contributivos– incluindo o BPC, a aposentadoria rural, a assistência social e o Salário-Família – em um programa consolidado baseado no Bolsa Família que contaria com 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), e ao longo da próxima década geraria uma economia de 1,3% do PIB (Ibidem, 2017). Com base nesse contexto regressivo, o orçamento da Assistência Social aprovado para o exercício de 2019 conta com 53,3% a menos do recurso previsto para as ações de Proteção Especial, aprovadas pelo Conselho Nacional de Assistência Social, baseado no levantamento que a Secretaria Nacional de Assistência Social realiza das necessidades para continuidade das ações de apoio, gestão e execução dos serviços. A restrição rebate em cerca de 10 milhões de pessoas e famílias em situação de desemprego, fome, iminência de violência doméstica que ficarão sem atendimento anualmente nos Centros de Referência de Assistência Social (CNAS, 2017). Contraditoriamente a redução orçamentária nos serviços socioassistenciais em 2019, assim como já se desenhava em 2016 e 2017, na defasagem de R$ 471 milhões de reais, o MDSA instituiu o Programa Criança Feliz com orçamento de R$ 328 milhões. A 1928

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI confederação Nacional dos Municípios deduz que, com essas medidas, o remanejamento de recursos destinados aos serviços socioassistenciais para implementação do novo programa federal, de modo que o governo não assume comprometimento com a manutenção dos serviços e ações do Sistema Único de Assistência Social (CNM, 2017). Nesse cenário crítico para a efetivação dos serviços socioassistenciais, devido ao conjunto de restrições orçamentárias com base no NRF, o Governo Temer priorizou a destinação orçamentária para um programa específico, o Criança Feliz. Essa contradição no contexto das orientações neoliberais prescinde de análises que desvelem as tendências contemporâneas que permeiam a Política de Assistência Social brasileira, conforme o tópico seguinte. 3 TENDÊNCIAS DE CONSERVADORISMO NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Como o significado assumido pela Política de Assistência Social se explica a partir e no conjunto das relações sociais historicamente datadas, os rebatimentos da contrarreforma do Estado, minando os direitos sociais e impondo restrições orçamentárias para as políticas sociais, afetam a maneira como as políticas sociais se estruturam. Assim, com as orientações neoliberais, percebe-se o retraimento da atuação do Estado enquanto convoca-se a família para exercer determinadas funções com o intuito de atender às suas próprias necessidades sociais. Ou seja, o Estado se retrai enquanto se destina ao mercado, ao terceiro setor e as famílias o atendimento de suas necessidades, demandando maior participação da sociedade civil no provimento da proteção social, conforme assevera Arcoverde et al (2019). Dessa forma, na cena contemporânea o pensamento neoliberal estimula o vasto empreendimento de refilantropização do social operando uma profunda despolitização da questão social4 ao não concebê-la como uma questão pública, política e nacional (YAZBEK, 2001). Em cenário de despolitização, o Estado atua com políticas residuais, focalizadas e compensatórias, ao passo em que culpabiliza a pobreza e imputa 4 “[...] diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana –o trabalho -, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos” (IAMAMOTO,2001, p. 17). 1929

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI obrigações às famílias pobres que devem assumir papéis referentes à reprodução social dos sujeitos, exacerbadas em razões do crescimento da desigualdade social. Assim, a despolitização da questão social somada às orientações neoliberais culmina com a ascensão, a partir do golpe institucional de 2016, em políticas que focam na culpabilização da família expressos no Programa Criança Feliz e nas cartilhas de economia financeira destinadas aos usuários do Programa Bolsa Família. Nesse chão histórico, o conservadorismo se enraíza nos programas neoliberais conduzidas na Assistência, pois como uma tradição de pensamento plural possui tendências que salientam traços moralizantes aliados com a perspectiva unitária de preservação da ordem burguesa. Tais traços moralizantes constituem características do conservadorismo clássico ao colocar como centralidade a família com seu dever de manutenção da propriedade e a mulher como agente socializador responsável pela educação moral dos filhos. Pilares, então, fundamentais para manutenção da tradição e autoridade a fim de manter a ordem social estruturalmente harmônica e estável. Assim: A moral adquire, no conservadorismo, um sentido moralizador. É porque faz parte das propostas conservadoras buscar reformar a sociedade, entendendo que a questão social decorre de problemas morais. É assim que se apresentam sob diferentes enfoques e tendências, objetivando a restauração da ordem e da autoridade, do papel da família, dos valores morais e dos costumes tradicionais. (BARROCO, 2009, p.174-175) Nesse âmbito, as tendências conservadoras se espraiam de antemão no Programa Criança Feliz ao ser lançado em 2016 pela então primeira-dama Marcela Temer, salientando traços históricos que conformam a Política de Assistência ligada ao primeiro-damismo e à filantropia. Isto porque ao colocar a infância pobre para um programa de governo como ajuda, e não como modalidade de política pública, Marcela temer entra em cena pela figura do amparo e da filantropia descaracterizando a concepção de direitos e deslegitimando as políticas públicas (AKERMAN, 2018). Isto se explica dado o foco do Programa na primeira infância destinado a atender alguns usuários da Política de Assistência: gestantes e crianças de até 3 anos de famílias beneficiárias do Bolsa Família, de até 6 anos, beneficiárias do BPC e crianças afastadas do convívio familiar em razão da aplicação de medida de proteção de acolhimento institucional. O objetivo do programa é promover o desenvolvimento infantil integral 1930

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI através do apoio a gestantes e a família na preparação para o nascimento da criança, bem como fortalecer os vínculos afetivos e o papel da família no cuidado (Ibidem, 2018). A ênfase no desenvolvimento infantil através das orientações e fortalecimento de vínculos para famílias e gestantes é respaldada em critérios científicos - segundo o Secretário Nacional de Desenvolvimento Humano, Halin Antônio -, pois a neurociência aponta estudos de incremento das sinapses cerebrais, com atitudes comportamentais, como por exemplo, ao conversar olhando no olho das crianças. A utilização de abordagem médico-científica para justificar ações discriminatórias com a população pobre não é novidade na realidade brasileira, e remonta ao final do século XIX com o desenvolvimento da puericultura que visava no âmbito doméstico a tarefa de educar as famílias, sobretudo as mães, treinando-as no cuidado com as crianças (Ibidem, 2018). Ao possuir como principal metodologia as visitas domiciliares, a ênfase em ensinar as mulheres mães em como educar seus filhos presente na vertente higienista da puericultura se reatualiza com o Criança Feliz tendo em vista que permanece o enfoque disciplinador abordando as mulheres individualmente em sua moradia e não na coletividade (como em grupos de convivência). A perspectiva moralizante do atendimento às famílias pobres, dessa forma, se sobressai rebatendo principalmente nas mulheres embora no discurso estatal discorra sobre a centralidade da família: [...] na realidade, este sujeito é a mulher, especificamente a mulher-mãe- esposa-dona-de-casa e/ou a trabalhadora desempregada, cujas identificações sociais de gênero estão intimamente relacionadas com a reprodução e lugar prático e simbólico, tanto nos espaços privados, quanto nos públicos da produção e do emprego remunerado. Daí porque a figura feminina, a mulher/mãe/dona-de-casa fica diluída na expressão “família”, que assim a silencia. São mulheres que passam a ser, de fato, as co- responsáveis dos programas de enfrentamento da pobreza [...] (DUQUE- ARRAZOLA, 2010, p. 243). Além de enfatizar traços moralizantes, o Programa conta com o adicional das visitas a serem realizadas por profissionais de nível médio que, apesar de contarem com a supervisão de assistentes sociais ou psicólogos, são eles que estabelecem a relação direta com as famílias, em sua residência, que pode contribuir para um atendimento pautado no senso comum, abrindo brechas importantes a pressupostos morais pré- estabelecidos (AKERMAN, 2018). Dessa forma, a estigmatização das famílias pobres como as que não sabem educar seus filhos tende a ser acirrada numa perspectiva 1931

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI higienista que se coaduna com a concepção de proteção social neoliberal reduzindo as expressões da questão social ao âmbito familiar/privado na individualização e centralização de ações sociais. Desse modo, as orientações neoliberais que impactam a Assistência Social, salientam a reatualização de traços conservadores que historicamente marcam esta Política, contribuindo para o quadro de responsabilização das famílias. Posto que a conformação dos serviços socioassistenciais pode resultar na penalização das famílias em resolver seus próprios problemas e atender às suas necessidades, que de fato são questões inerentes ao próprio sistema capitalista (ARCOVERDE et al, 2019). Diante da tendência de moralização das famílias que permeiam o Programa Criança Feliz, salienta-se também questionamentos a respeito da própria legitimidade do programa, posto que seus recursos poderiam ser direcionados para serviços tipificados que já estão sendo executados na política e visam o fortalecimento de vínculos familiares: Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos ou Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família. Com essas lacunas em aberto, o programa continua sendo o carro-chefe da Política de Assistência em termos de prioridade orçamentária, de modo que 80% dos municípios aderiram ao Programa Criança Feliz por receio de perder recursos para a assistência social uma vez que os orçamentos são menores a cada ano, seguindo a Emenda Constitucional nº 95/2016 (Ibidem, 2019). A destinação orçamentária para serviços da Política de Assistência Social que atuam na perspectiva de viabilização de direitos e fortalecimento de vínculos considerados em sua coletividade e não no contexto restrito e moralizador não perfaz a prioridade das ações governamentais. Na verdade, a lógica moralizadora e disciplinadora tende a aumentar, conforme vislumbrado em 2018, com a instituição do Programa de educação financeira (parte do Programa Futuro na Mão: dando um jeito vida financeira), voltado às beneficiárias do Bolsa Família com vistas a melhorar a gestão do orçamento familiar. O programa consiste em oficinas realizadas em três encontros desenvolvidas no Centro de Referência de Assistência Social no âmbito do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), de modo que cada encontro possui objetivos específicos e os participantes recebem um determinado material. Três eixos demarcam os objetivos do material a serem desenvolvidos com os usuários: formação de reservas, planejamento financeiro e controle de dívidas. De 1932

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI acordo com esses eixos são realizadas as oficinas: na primeira oficina são entregues os “cofrinhos da Família” três cofrinhos de papel destinados a armazenar o dinheiro para despesas do dia a dia, emergências e os sonhos e projetos da família; na segunda, de planejamento financeiro, as mulheres recebem a “Agenda da Família”, com divisórias e adesivos coloridos que ajudam a visualizar as fontes de renda e os tipos de gastos da família, fazendo uma “fotografia financeira; e por último recebem a “Carteira da Família”, kit composto por uma carteira e duas cadernetas. As beneficiárias poderão utilizar as cadernetas para anotar as entradas e saídas de dinheiro, compreendendo as dívidas e evitando a inadimplência (CASTRO, 2018). Além do nítido recorte voltado para as mulheres beneficiárias do Bolsa Família, o Programa de educação financeira conta com financiamento do Banco Mundial ao estar em consonância com suas diretrizes de políticas focalizadas e residuais. Silveira (2018) aponta que as históricas propostas higienistas de controle dos pobres adquirem ênfase no contexto neoliberal, pois educar os pobres que recebem a “grande” complementação de renda é a prioridade para aqueles que defendem uma assistência social orientada pela perspectiva liberal, gerencialista e meritocrática. Dessa forma, percebe-se com a caracterização do Criança Feliz e do Programa de educação financeira às beneficiárias do Bolsa Família um forte apelo moral de responsabilização do sujeito família ao passo que o Estado se desresponsabiliza da atuação enquanto vetor sociopolítico que assegura proteção social. 4 CONCLUSÃO Percebe-se que as orientações neoliberais impactam em restrições orçamentárias para a Política de Assistência com base no NRF afetando os serviços e programas prestados, mas que contraditoriamente em tal contexto, amplia-se a destinação orçamentária para programas específicos: Criança Feliz e Futuro na Mão. Tal contradição pôde ser desvelada na análise das tendências contemporâneas que configuram a Assistência Social posto que ao estipular o retraimento da atuação do Estado, as orientações neoliberais convocam a família a serem responsabilizadas pela proteção social, outrora atribuição estatal de resguardar direitos. Um cenário então no qual se aprofunda a refilantropização da questão social ao despolitizá-la e não concebê- 1933

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI la como questão pública e nacional, contribuindo para o florescimento de programas que apelam para o teor moral de culpabilização das famílias (vide item 3). Assim, o capitalismo em cenário crise estrutural desenvolve estratégias para enfrentar momentos de crises, expressas nas orientações neoliberais e nas tendências conservadoras que se espraiam na Política de Assistência Social. Realocando a questão social da cena pública, adentra-se em uma discussão moralizadora de um sistema que necessita expropriar cada vez mais as garantias estabelecidas, responsabilizando os sujeitos e destituindo-os dos direitos sociais sob um protagonismo alienado. Assim, as tendências contemporâneas de moralização da questão social evidenciadas na Política de Assistência Social, fazem parte dos impactos das orientações neoliberais expressas nos organismos internacionais somado ao avanço de tendências conservadoras que mesclam-se para conformar o desenho dos programas e ações socioassistenciais. No entanto, por situar-se na dinâmica contraditória da sociedade capitalista, a Assistência Social, ao mesmo tempo em que recebe essas determinações que impactam nos programas e ações, também é um espaço de confronto, disputa e resistência dos que fazem uso desses serviços e dos profissionais que o implementam. Espaço, então, que expressa a trama das relações de confronto e conquista no qual pode-se disputar o fortalecimento da Assistência Social no patamar de política social com a perspectiva de assegurar e ampliar direitos e não como liberal, higienista e moralizadora. REFERÊNCIAS AKERMAN, Deborah. Infeliz programa: criança feliz é aquela que vive em famílias com proteção social. V Congresso Brasileiro Psicologia: Ciência e Profissão. São Paulo, 2018. ARCOVERDE, A. C. B et al. A responsabilização da família na cena contemporânea: particularizando o Programa Criança Feliz. EM PAUTA, Rio de Janeiro, 2º Semestre de 2019 - n. 44, v. 17, p. 181 – 195. BANCO MUNDIAL. Um ajuste justo: análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Grupo Banco Mundial, Novembro 2017, Volume I: Síntese (BRASIL- REVISÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS). BARROCO, Maria Lúcia S. Ética: fundamentos sócio-históricos – 2 ed – São Paulo: Cortez, 2009. 1934

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI CASTRO, Clarice. MDS – LANÇA INCIATIVA DE EDUCAÇÃO FINANCEIRA VOLTADO ÀS BENEFICIÁRIAS DO BF. Disponível em: <http://mds.gov.br/area-de- imprensa/noticias/2018/maio/mds-lanca-programa-de-educacao-financeira-voltado- as-beneficiarias-do-bolsa-familia>. Acesso em 19 de nov de 2019. CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Sem recomposição no Orçamento da Assistência Social outras políticas públicas podem ficar sobrecarregadas. Disponível em:<http://www.mds.gov.br/cnas/noticias/sem-recomposicao-no-orcamento-da- assistencia-social-outras-politicas-publicas-podem-ficar-sobrecarregadas>. Acesso em 19 de nov de 2019. CONSELHO NACIONAL DE MUNICÍPIOS. Governo reduz orçamento da Assistência para criar Programa Criança Feliz. 2017. Disponível em: <https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/governo-reduz-orcamento-da- assistencia-social-para-criar-programa-crianca-feliz> Acesso em 19 de nov de 2019. Duque-Arrazola, Luana Susana. In: MOTA, Ana Elisabete (org). O Mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. O sujeito feminino nas políticas de assistência social. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2010. FUNDAÇÃO ULISSES GUIMARÃES (PMDB). A travessia Social. Brasília: 2016. _____. Uma ponte para o futuro. Brasília, 29 out. 2015. IAMAMOTO, M.V. A questão social no capitalismo. Temporalis, Brasília, n. 3, 2001. MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2011. PAIVA, A. B. de et al. O Novo Regime Fiscal e suas implicações para a política de assistência social no Brasil. Nota Técnica nº 27 do IPEA. Brasília, 2016. SADER, Emir & GENTILI, Pablo (orgs.) Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23 SALVADOR, Evilásio. O desmonte do financiamento da seguridade social em contexto de ajuste fiscal. In: Revista Serviço social e sociedade. n.130, p.426-446, set/dez. 2017. SILVEIRA, Jucimeri Isolda. A velha moralização dos pobres é a novidade do MDS do governo Temer: Programa propõe a educação financeira dos pobres. 2018. STICOVSKY, Marcelo. In: MOTA, Ana Elisabete (org). O Mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. Particularidades da expansão da Assistência Social no Brasil. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2010. YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. - 5 ed - São Paulo: Cortez, 2006. 1935

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ______. Pobreza e exclusão social: expressões da questão social no Brasil. In: Revista Temporalis n. 3, ano 2, jan-jun. Brasília: ABEPSS, 2001 (p. 33-40). 1936

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA NAS ENTRELINHAS DOS ATAQUES E RESISTÊNCIAS: IMPACTOS NEOLIBERAIS NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL IN THE LINES OF ATTACKS AND RESISTANCE: NEOLIBERAL IMPACTS ON SOCIAL ASSISTANCE POLICY Gleidiane Almeida de Freitas 1 Aryanny Fadja Bernardo do Nascimento 2 Juliana Grasiela da Silva Dantas3 Paula Thais Santos de Oliveira Cardoso 4 RESUMO Neste artigo buscamos debater o caráter histórico da Política de Assistência Social, os impactos do receituário neoliberal sobre a mesma, bem como o cenário político, econômico e social da contemporaneidade brasileira. Destarte, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental nas quais foi possível apreender a dialética entre o passado e o presente que perpassam a política. Dentre os principais resultados, os dados apontam para consistência de cortes orçamentários que vem impactar diretamente na vida da população usuária que faz uso dos equipamentos sociais, da rede sócio assistencial, em seus diversos serviços, programas, projetos e benefícios, aprofundando desigualdades e vulnerabilidades. Palavras-chaves: Assistência Social. Política Social. Neoliberalismo. ABSTRACT In this article we sought to discuss the historical policies of social, economic and social assistance of Brazilian contemporaneity. Thus, it 1 Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected] 2 Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected]. 3 Mestra em Serviço Social e Direitos Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Assistente Social na política de Assistência Social na Prefeitura Municipal de Mossoró-RN e Docente em Serviço Social na Universidade Potiguar (UnP), Brasil. E-mail: [email protected] 4 Assistente Social. Perita do Núcleo de Perícia Judicial (NUPEJ). Graduada pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: [email protected] 1937

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI was a bibliographical and documentary research in which it was possible to apprehend a dialectic between the past and the present that crossed a politics. The results of the results point to the consistency of budget cuts that have a direct impact on the life of the person who uses social devices, the assistance network, services, programs, projects and benefits, deepening inequalities and vulnerabilities Keywords: Social assistance. Social Policy. Neoliberalism INTRODUÇÃO O campo da Assistência Social sempre esteve atrelado ao assistencialismo e clientelismo devido suas práticas estarem alicerçadas nos pilares da Igreja Católica, e este cenário atual continua a trazer traços passados, de quando a mesma não era considerada uma política pública. Diante disso se apresentam alguns desafios, principalmente no que se refere aos cortes de verbas destinadas a esta política, ocasionando precarização do trabalho, aprofundamento das desigualdades, entre outros aspectos. Dessa maneira, podemos perceber como o modelo neoliberal e neoconservador tem repassado para o Estado e vem repercutindo no campo da proteção, em que daremos ênfase na Política de Assistência Social que tem vivenciado múltiplos processos de precarização, privatização, focalização e seletividade, o que acaba ocorrendo o verdadeiro desmonte e reversão de direitos, penalizando profundamente a classe trabalhadora que detêm a força de trabalho para subsistir. Estamos vivenciando a perspectiva do Estado mínimo em que as políticas sociais não são colocadas como prioridades, e sim como segundo plano. A máquina estatal que deveria garantir e efetivar direitos para todos(as) os cidadãos, acaba fortalecendo e privilegiando o mercado financeiro, por meio do (des)financiamento de recursos públicos para serem injetados no nicho da financeirização dos capitais, vislumbrando a lucratividade. Desse modo, este artigo objetiva analisar a dialética da Política de Assistência Social associada aos impactos da contrarreforma do Estado brasileiro na respectiva política. Para tanto, realizamos a pesquisa bibliográfica e documental respaldada na perspectiva crítico-dialética, a qual iremos enfatizar as contradições e rebatimentos da ofensiva neoliberal no campo da Assistência Social. 1938

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Para compreensão desses elementos, tivemos como embasamento a pesquisa bibliográfica, apresentando as perspectivas de alguns autores, tais como: Raichelis (1998), Behring; Bochetti (2011) e Silva (2014), bem como a pesquisa documental a partir de dados e registros oficiais em campo nacional. Neste prisma, buscamos interagir e elucidar sobre a Assistência Social no cenário pós 1980, dando ênfase aos impactos/rebatimentos do receituário neoliberal sobre a respectiva política, abordando o cenário político, econômico e social da contemporaneidade brasileira 2 A POLÍTICA PÚBLICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: O CENÁRIO PÓS 1980 Em conformidade com Colin e Jaccound (2013), nos últimos anos, a assistência social vem percorrendo uma nova trajetória, com organização sob novos padrões e afirmando-se e ou reafirmando-se como parte integrante do sistema brasileiro de proteção social. Por meio do seu reconhecimento pela Constituição Federal de 1988, enquanto política social asseguradora de direitos no âmbito da seguridade social, a assistência social passou por expressivas alterações. É possível pontuar que tem início a superação de um quadro histórico de quase ausência da ação pública ancorada pelo clientelismo e patrimonialismo, pelos auxílios e doações, pelas iniciativas fragmentadas, voluntaristas e mesmo improvisadas do assistencialismo. A década de 1980 se tornou destaque no contexto brasileiro por se verificar uma nova redefinição e possível passagem do Estado autoritário para o aparato estatal democrático em direitos. Conforme Dagnino (2004), essa transição do sistema teve como marco decisivo, a participação intensiva da sociedade civil que estava em ebulição nesta conjuntura, por meio dos movimentos sociais, populares, trabalhadores e trabalhadoras de todo o Brasil reivindicavam por modificações radicais em toda a estrutura política, econômica e social no país. Essa mobilização dos segmentos populares tinha o intuito de construir e elaborar um novo desenho da Constituição Cidadã para a ampliação do acesso aos bens e serviços públicos para toda população. A começar da Constituição Cidadã de 1988, a Assistência Social é inserida no Sistema de Seguridade Social, juntamente com a Previdência Social e Saúde que deve ser assegurada e garantida pelo aparelho estatal, porém necessitando da participação contínua da sociedade civil, para que tenha uma funcionalidade em razão da 1939

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI materialização dos direitos sociais para todos os destinatários da política explicitada (BOSCHETTI, 2000). Em conformidade com Pereira (1998), a Constituição Federal de 1988 teve grande relevância para o panorama brasileiro na ampliação de direitos, devido à emersão da Seguridade Social se constituir como campo de proteção social e de responsabilidade do Estado em assegurá-la e garanti-la para todos os cidadãos. Dessa forma, a Política da Previdência Social está pautada na lógica do seguro social, a Política de Saúde sendo caracterizada pelo caráter universal e não contributivo e a Política de Assistência Social seguindo o mesmo caráter da não contributividade e da universalização, sendo destinada para quem dela necessitar. Nesse sentido, foi aprovada a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) de nº 8.742, em 07 de dezembro de 1993 que teve o intuito de regulamentar a Política de Assistência Social, sendo voltada para o atendimento das necessidades sociais dos usuários, estando em consonância com os respectivos artigos de nº 203 e 204 da CF/1988 de 1988, constituindo assim, uma política de caráter público no campo da proteção social, de acordo com 1º art. da LOAS: Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 1993). Nesse sentido, a Assistência Social acaba se configurando como uma política de caráter público e não contributivo. Na interpretação de Simões (2009), o direito do cidadão aparece como algo “subjetivo” e o dever do Estado emerge como uma “obrigação objetiva” de executá-la e, principalmente, efetivá-la com qualidade para o provimento dos “mínimos sociais”51. Com isso, delimita-se o padrão básico de inclusão de assegurar o “atendimento às necessidades básicas”62na dimensão da qualidade de vida, desenvolvimento humano, a equidade e a autonomia, sendo necessária a 5 “O mínimo [...] tem a conotação de menor, de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada como patamares de satisfação de necessidades que beiram a desproteção social, [...] O mínimo pressupõe a supressão ou cortes de atendimentos, tal como a ideologia liberal, [...]” (PEREIRA, 2007, 26). 6 “O básico expressa algo fundamental, principal, primordial, que serve de sustentação indispensável e fecunda ao que se acrescenta. [...] constitui o pré-requisito ou as condições prévias suficientes para o exercício da cidadania em acepção mais larga” (IDEM, 2007, 26). 1940

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI participação de todos da sociedade nesse processo democrático para lutar na garantia desse mínimo as necessidades básicas. Segundo Raichelis (1998), a LOAS foi construída pelos intensos processos de mobilizações e lutas sociais ativadas pela participação popular que reivindicavam por melhores condições de vida e trabalho, ainda nos anos de 1980. Portanto, podemos esclarecer que não é a benemerência ou a “boa face” do Estado, conforme Couto (2015), e sim, a existência do direito legal da Política da Assistência Social que se deu pela participação ativa de toda a sociedade civil, inclusive da classe trabalhadora que lutou para que esses direitos fossem materializados. Vale considerar o avanço da Assistência Social, ao ser assumida como estatuto do direito pela LOAS/1993, como uma política pública e integrada ao triângulo da seguridade social. A partir desse avanço no campo jurídico da LOAS, surge outras normativas legais para a materialização dos direitos sociais, instituindo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004 para dar o respaldo às demandas sociais da população usuária. Logo em seguida, temos o aparecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005 que ratificam a legalidade e a operacionalização dessa política pública, ancorado pela proposta de descentralização no âmbito político- administrativa para a incorporação e aproximação da sociedade civil nos processos de decisão no controle da gestão pública. Portanto, a partir da promulgação e afirmação das normativas em nível nacional o campo da Assistência Social passa a ter uma nova concepção no “lócus da política” e não mais da lógica do favor e da benemerência, afirmando, assim, a questão da primazia do Estado na condição de garantir o direito do cidadão na esfera pública (SILVA, 2014). 3 O NEOLIBERALISMO NO CAMPO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL Ao ser assumido como uma política pública de direitos, a Assistência Social configura-se como destinada para pessoas, grupos ou famílias que necessitam dela. Em contrapartida, existe um limite estabelecido para se ter o acesso ao campo da proteção social, concernente a existência de um recorte pautado na condição da renda, resultando assim, uma política seletiva e focalizada para a população em situação de risco e vulnerabilidade social (BOSCHETTI, 2000). 1941

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O neoliberalismo chegou ao Brasil nos anos 1980 e foi implantado nos anos 1990, como uma pedra no caminho para regredir à perspectiva semelhante ao Welfare State no tocante ao alargamento de direitos sociais, civis e políticos previstos da CF de 1988. O contexto regressivo de direitos nos anos de 1990 veio recheado da ideologia neoliberal para que o Estado brasileiro viesse difundir suas concepções alienantes fortalecendo a defesa da “liberdade individual à propriedade privada” e a priorização do Estado mínimo para as políticas e máximo para o mercado financeiro, (HARVEY, 1995). O caráter contraditório no cenário brasileiro em 1990, ocorre com a implementação do ideário neoliberal no Brasil, no governo de Collor de Mello (1990- 1992) e acentuado fortemente na gestão de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998), pela criação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), elaborado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) em 1995. Essa Reforma do Estado tinha o objetivo de realizar uma reformulação institucional, principalmente, no campo das políticas públicas, a mencionar a Assistência Social com a implementação do Programa Comunidade Solidária com a abertura para a iniciativa privada em prol da estabilidade do país (BEHRING; BOSCHETTI, 2011), (BEHRING, 2003), (RAICHELIS, 1998). Nesse sentido, Silva (2014) ressalta que o neoliberalismo foi desenvolvido em meados da década de 1980 na conjuntura brasileira, no qual já traçava as suas estratégias para retirada e destruição de direitos sociais, previsto na Constituição Cidadã. O ideário neoliberal, segundo Dagnino (2004) tem a intenção de reduzir a atribuição do Estado e de diminuir os gastos orçamentários no campo das políticas, no qual as políticas públicas estão aderindo ao caráter emergencial, seletivo e temporário devido ao contexto perverso de um Estado mínimo, para a área social e máxima para a esfera do mercado. A Política Assistência Social não se limita ao “universo” apenas na intervenção ou execução do aparato estatal, mas sendo relevante a inclusão da sociedade civil no alargamento da esfera do Estado, o que corresponde à elaboração e instauração da gestão pública na consolidação do controle social. Há também as relações de parcerias entre a esfera do governamental com a sociedade civil sendo implementado no contexto de regressão dos direitos conquistados na década de 1990, existindo assim, um caráter contraditório na própria política; de um lado, no campo dos direitos e de 1942

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI outro, as difusões de ações associativas na área empresarial, emergindo o fortalecimento da solidariedade via terceiro setor. (RAICHELIS, 1998). Nesse contexto, o Estado embebido da ideologia neoliberal é reduzido em suas funções, tornando-se mínimo e débil para as políticas sociais e máximo para o capital, a ponto de restringir a alocação dos recursos públicos, principalmente na área social, tendo em vista que o fundo público é canalizado para alimentar o mercado financeiro, “[...] prevalecendo o [...] trinômio articulado do ideário neoliberal para as políticas públicas, qual seja: a privatização, a focalização e a descentralização’. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p.156). Desse modo, o Estado “[...] privilegia o superávit primário para o pagamento de juros, retirando recursos de investimentos e reduzindo os ‘gastos’ sociais reais [...] (BOSCHETTI, 2007, p.81). De acordo com a afirmação do site da Auditoria Cidadã da Dívida73em 20/07/2017 o economista Rodrigo Ávila, aponta sobre a questão da priorização do Estado para com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública, para o aumento da lucratização dos grandes banqueiros, ocasionando assim, a inferiorização dos investimentos para com as políticas públicas que somente penaliza a classe trabalhadora. Como assevera Behring (2003), o Estado burguês para promover o equilíbrio das taxas monetárias, ocasiona a destruição dos direitos garantidos pela proteção social, cortando os “gastos sociais” nas políticas públicas contidas na CF/1988. Nessa perspectiva, compreende-se que as decisões do aparato estatal estão ancoradas nas políticas econômicas e ao mercado financeiro, na intenção de minimizar o seu dever na disponibilização das políticas públicas de qualidade referentes à Assistência Social, Saúde, Educação e outras políticas públicas. Consequentemente, essa diminuição acaba inviabilizando o direito do cidadão, tornando inacessível o acesso aos bens e serviços públicos com qualidade, na qual o aparato estatal acaba penalizando os direitos sociais para promover um “suposto equilíbrio na esfera pública” (BEHRING, 2003). Com isso, muito embora com as conquistas atingidas, a partir da implantação da LOAS e de outras normativas jurídicas, tais como: PNAS (2004), a Norma Operacional 7 Mentiras E Verdades Sobre A Dívida Pública – Parte 3. Disponível em: <https://auditoriacidada.org.br/conteudo/mentiras-e-verdades-sobre-a-divida-publica-parte-3> Acessado em 16 de março de 2018. 1943

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Básica do SUAS NOB-RH/(SUAS) (2005) contendo algumas modificações em 2012, ainda temos uma extensa caminhada a ser percorrida no âmbito da efetivação dos serviços socioassistenciais, articulando assim, toda rede da política pública para a garantia do direito à população usuária ter o acesso aos serviços com qualidade. Em relação à longa caminhada a ser trilhada em relação a sua efetivação, a Política de Assistência Social na atualidade ainda é afetada pelo “estigma do assistencialismo”, sendo visualizada como uma política voltada para as parcelas mais pobres que necessitam de alguma caridade, ou o apelo à solidariedade da sociedade civil para realizar os serviços públicos atribuídos à esfera privada, ainda sendo comum a utilização do jargão governamental sobre a assistência social ser chamada de “prima pobre” da Seguridade Social (RAICHELIS, 1998). Dessa maneira, podemos observar como a Política da Assistência Social é estigmatizada pelos seus traços históricos dos quais foram estruturados e incorporados (CAMPOS, 2006) pela cultura assistencial e clientelista. É importante ressaltar a necessidade de superar o desafio da “herança assistencialista” para reafirmar a Política de Assistência Social no âmbito público que ratifique direitos sociais para todos os usuários e também que se configure no modelo de gestão democrática, descentralizada e participativa. 3.1 Política de Assistência Social: um misto de ataques e resistência Desde os últimos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Luís Inácio, conhecido como Lula, Dilma Roussef, Michel Temer, e principalmente no atual governo do Jair Bolsonaro tem tomado propostas e medidas regressivas ancoradas pelo rigor do ideário neoliberal, a qual vem se concretizando um verdadeiro desmonte e destruição dos direitos sociais, políticos e humanos para a classe trabalhadora que sustenta toda a economia e o desenvolvimento desse país. Podemos dizer que nos últimos anos, a ofensiva conservadora tem representado cada vez mais um perigo para as políticas sociais em geral, e na Política de Assistência Social vem se expressando nitidamente. Salvador (2018) nos chama a atenção para o ano de 2015, segundo ele, este foi “marcado por um profundo ataque aos direitos sociais e humanos no parlamento brasileiro e pelo governo brasileiro”. (2018, p. 25), o autor nos traz referência de algumas medidas que foram tomadas desde então, como 1944

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI as medidas provisórias (MP) que impactavam diretamente na classe trabalhadora, propondo mudanças na Previdência Social, o que rebateria também nas outras políticas. Estamos vivenciando múltiplos desmontes na proteção social como um todo, podemos apresentar a questão da reforma previdenciária que reflete profundamente na Política de Assistência Social, no que se refere aos benefícios assistenciais. Na perspectiva do governo anterior, e principalmente do atual, a problemática da crise econômica está pactuada no aumento da dívida pública com os outros países, diante disso, usa-se a justificativa de que há elevados custos com as políticas sociais, sendo preciso a implementação de “reformas” para solucionar a profunda crise na economia e a sua inviabilidade nos recursos públicos, efetivando o encolhimento dos direitos para a camada subalterna. Referente a Política de Assistência Social, da qual estamos tratando neste artigo, temos como exemplo desses ataques temos o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2019), resolução CNAS Nº 16, de 11 de julho de 2018, vem impactar diretamente na vida da população usuária que faz uso dos equipamentos sociais, da rede sócio assistencial, em seus diversos serviços, programas, projetos e benefícios, o que vem a ocasionar um aumento nos índices de desigualdades e vulnerabilidade social. As mudanças postas pelo projeto apresentam um corte de mais ou menos 50% nos recursos destinados a política. O Benefício de Prestação Continuada para pessoas com deficiência, idosos e renda mensal vitalícia, os cortes sofrem uma queda abruta, isto nos permite perceber que a lógica do governo é tornar cada vez mais a população vulnerável, e que isto representa uma manutenção do capital financeiro, mantendo um paralelo com uma política de assistência social que realmente se mostre enquanto política pública, e oferte os serviços da qual a população necessita e com qualidade. Tais ataques demonstram em alguma medida a reorganização do capital financeiro e sua hegemonia, impondo à classe trabalhadora um cenário de extrema degradação humana, precarização e barbárie social, na medida em que restringe a competência do Estado em implementar políticas sociais que venham garantir a reprodução social da classe trabalhadora, [...]. (CASTILHO, LEMOS, GOMES, 2017, p. 458). Posterior a esta resolução, o Conselho Nacional de Assistência Social lança uma outra, a resolução CNAS nº 20, de 13 de setembro de 2018, propondo a recomposição 1945

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI do orçamento proposto anteriormente, devido ser insuficiente para a aplicação nos diversos serviços ofertados pela política. O que vem ocorrendo é uma disputa pelas arrecadações do fundo público, pois segundo dados disponibilizados pelo Conselho Federal de Assistência Social (CFESS) houve aumento no orçamento da seguridade social: Entre 2002 e 2017, o Orçamento da Seguridade Social (OSS) cresceu 71,2%, passando de R$ 540,2 bilhões em 2002 para R$ 924,7 bilhões em 2017, enquanto o Orçamento Geral da União (OGU) cresceu 53,2% no mesmo período, passando de R$ 1,3 trilhão para R$ 2 trilhões (CFESS, 2018). De acordo com Behring (2003), a insustentabilidade em relação aos encargos da proteção social disseminada pelo Estado e por toda a mídia burguesa, serviu e ainda serve para justificar o verdadeiro discurso das reformas estruturais, ou melhor, da contrarreforma para realizar os devidos ajustamentos na estrutura do Estado para colocar o país em ordem, por meio da diminuição orçamentária da seguridade social que acaba penalizando a classe trabalhadora. E as mudanças provocadas pelos governos de cunho mais conservador não param de recair sobre a Política de Assistência Social, recentemente na gestão do governo Michel Temer (2016- 2019) extinção dos Ministérios, em particular o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome, ministério responsável por políticas de Assistência Social, SUAS, “perdeu sua atribuição de ‘combate à fome’” (MOROSINI, STEVANIM, 2016, p. 10) passando a ser o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Já neste ano, tivemos a transformação do Ministério de Desenvolvimento social, em Secretaria Especial do Desenvolvimento Social, realizada pela gestão do então presidente Jair Messias Bolsonaro, passando a fazer parte do Ministério de Cidadania. Essas mudanças promovidas pelo governo nos permitem reafirmar que a preocupação não está na garantia dos direitos, mas na preservação dos pilares do capitalismo, sendo assim “o que se depreende daí é que o Estado sempre será, de um jeito ou de outro, uma força conservadora, na medida em que precisa atuar na preservação das formas sociais básicas do capitalismo” (ALMEIDA, 2018). O autor faz uma análise das “formas sociais” do capitalismo, quais sejam a forma dinheiro, mercadoria, Estado e a Jurídica, e de como o Estado age de modo a manter essas formas. 1946

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI E nessa preservação são as políticas sociais, os direitos da população que ficam a margem, sem contar com a defesa desse mesmo Estado, dito de direito. 4 CONCLUSÃO Diante das discussões realizadas até o momento, pudemos compreender os impactos do neoliberalismo na proteção social, especialmente na política de assistência, todos os preceitos postos resultam na redução dos investimentos para as políticas sociais, ocorrendo um maior investimento nas políticas econômicas. Sendo assim, o Estado investe em políticas que gerem retornos financeiros, mesmo que isto rebata negativamente na esfera dos direitos sociais, atingindo as camadas mais vulneráveis da sociedade brasileira, que já é estruturalmente desigual. As mudanças e reformas propostas pelo governo são combinadas com um amplo processo de privatização, sucateamento dos serviços e equipamento públicos, políticas fragmentadas e seletivas, é com essa combinação que o governo passa a disseminar a necessidade de reformas, através de medidas provisórias, propostas de emenda constitucional, ocasionando cada vez mais a perda da qualidade desses serviços, e impactando também no acesso. Com isto, diante dessas mudanças se torna um desafio e também uma necessidade a defesa intransigente do tripé da Seguridade Social, particularmente podemos destacar o campo da Assistência Social que deve romper com todos os traços da cultura assistencialista e filantrópica, afirmando sua luta/ rebeldia enquanto uma política pública de caráter não contributivo. Desse modo, é necessário a mobilização de todos para o fortalecimento do terreno do direito para aqueles que mais necessitam do acesso aos serviços oferecidos pela Assistência Social, para que estes tenham seus direitos garantidos. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Silvio Luiz de. Neoconservadorismo e Liberalismo. In: O Ódio como Política: A Reinvenção das direitas no Brasil. (Org) Esther Solano Gallego. Boitempo, 2018. 1947

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA. 2017. Disponível em: < https://auditoriacidada.org.br/conteudo/mentiras-e-verdades-sobre-a-divida- publicaparte-3/.> Acesso em: 16 de Mar. 2018. BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: Fundamentos e história. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica de Serviço Social; v.2). BEHRING, Elaine, Rossetti. Contra-reforma do Estado, seguridade Social e o lugar da filantropia. Serviço Social e Sociedade. Nº73. São Paulo; Cortez, 2003, p.101-117. ______. Os direitos da seguridade social no Brasil. In: CARVALHO, Denise et all. Política social, justiça e direitos de cidadania na américa latina. Brasília: UNB, 2007. BOSCHETTI, Ivanete. As Políticas Brasileiras de Seguridade Social: assistência social. In: Módulo de Capacitação CEAD/UNB, vol.2. Brasília, 2000. BRASIL. Lei Nº 8.742, de 7 DE Dezembro de 1993 - Lei Orgânica da Assistência Social. Brasília-DF: Ministério do Desenvolvimento Social e combate á Fome, 1993. ______. Lei Orgânica de Assistência Social. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 1993. ______. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência – NOB/SUAS. Brasília, 2012. Ministério do Desenvolvimento Social. ______. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS). Aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução n. 130, de 15/07/2005. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, 2005. ______. Política Nacional de Assistência – PNAS. Brasília. 2004. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. ______. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social, Resolução n. 145, de 15/10/2004. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2004. ______. RESOLUÇÃO nº 20 de 13 de setembro de 2018. Conselho Nacional de Assistência Social. Disponível em: < http://www.mds.gov.br/cnas/legislacao/resolucoes/arquivos-2018/cnas-2018-020-13- 09-2018.pdf > acesso em: 25 Fev. 2019. CAMPOS, Edval Bernardino. Assistência Social do descontrole ao controle social. In: Serviço Social e Sociedade. São Paulo Cortez, ano XXVII, nº. 88. Novembro de 2006, p.101-121. COLIN, Denise; JACCOUD, Luciana. Assistência Social e Construção do SUAS - balanço e perspectivas: O percurso da Assistência Social como política de direitos e a trajetória necessária. IN: CRUZ, José Ferreira da Crus [et al]. 20 anos da Lei Orgânica de 1948

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: Brasília: MDS, 2013.CASTILHO, Daniela Ribeiro. LEMOS, Esther Luíza de Souza. GOMES, Vera Lúcia Batista. Crise do capital e desmonte da Seguridade Social: desafios (im)postos ao Serviço Social. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n130/0101-6628- sssoc-130-0447.pdf. Acesso em: 25 Fev. 2019. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. 2º Seminário Nacional Sobre o Trabalho do/a Assistente Social NA Política de Assistência Social. CFESS Manifesta, agosto de 2018. COUTO, Berenice, Rojas. Assistência Social: direito social ou benesse? In: Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, nº124, Outubro/ Dezembro de 2015, p. 665 - 676. DAGNINO, Evelina. “Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?” (2004 a) En Daniel Mato (coord.), Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, dados, p. 95-110. HARVEY, David. NEOLIBERALIMO: história e implicações. Tradução: Sobral Maria, Adail; Gonçalves, Stela. São Paulo, 2005. Disponível em:< https://www.uc.pt/feuc/citcoimbra/Harvey2008> Acesso em: 04 de Março de 2020. MOROSINI, Lisiane. STEVANIM, Luiz Felipe. “Na Contramão”. In: RADIS. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ. Junho de 2016, n 165, p 10-14. OLIVEIRA, I. M. Assistência Social após LOAS em Natal, a trajetória de uma política social entre o direito e a cultura do atraso. Programa de estudos pós-graduados em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, 2005. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/17548/1/Assistencia%20Social%20Pos%2 0LOAS%20em%20Natal.pdf>Acesso em: 05 Mar. 2019. PEREIRA, Potyara Amazoneida; STEIN, Rosa H. Política social: universalidade versus focalização: um olhar sobre a América Latina. In: BOSCHETTI, Ivanete et al.(org.). Capitalismo em crise, política social e direitos. São Paulo: Cortez: 2010, p.106-130. PEREIRA, Potyara, A. P. A política social no contexto da seguridade social e do Welfare State: a particularidade da assistência social. In: Serviço Social e Sociedade. São Paulo; Cortez, ano XIX, n º56. 1998, p.60-76. ______. Necessidades humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 26-36. RACHELIS. Assistência social e esfera pública: os conselhos no exercício do controle social. Serviço Social e Sociedade. São Paulo; Cortez, ano XIX, 1998, p.77-96. SALVADOR, Evilásio. Crise do Capital e (des)financiamento da seguridade social. In: 5º Encontro Nacional Serviço Social e Seguridade Social. Brasília, CFESS, 2018. 1949

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI SILVA, Marta, Borba. Assistência Social e seus usuários: entre a rebeldia e o conformismo. São Paulo: Cortez, 2014. SIMÕES, Carlos. Curso de Direito do Serviço Social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. 1950

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: Desafios da realidade brasileira THE SOCIAL ASSISTANCE POLICY IN CONTEMPORARY CAPITALISM: Challenges of the Brazilian reality Nayara de Holanda Vieira1 RESUMO O presente artigo objetiva refletir e analisar sobre o desenho da política de assistência social no Brasil frente aos desafios postos no cenário do capitalismo contemporâneo em tempos de contrarreforma que opera através do desmonte das políticas sociais e dos direitos, que vai na contramão da democracia e impactando na materialização da proteção social. Trata-se de um artigo decorrente de pesquisa teórica do tipo bibliográfica, com metodologia qualitativa e escolha intencional das referências. Conclui-se que na contemporaneidade capitalista, em um contexto global de radicais transformações societárias e de ampliação de desigualdades sociais, a Seguridade Social, e, em especial, a política de assistência social, marcada normativamente pela universalidade e pela responsabilidade do poder público, vai sendo capturada pelos interesses do capital, diante de suas impossibilidades de operacionalização em função da política econômica adotada, colocando-a no cenário de desmontes, ambiguidades e paradoxos. Palavras-chaves: Assistência Social. Capitalismo Contemporâneo. Garantia de Direitos ABSTRACT This article aims to reflect and analyze the design of social assistance policy in Brazil in the face of the challenges posed by contemporary capitalism in times of counter-reform that operates through the dismantling of social policies and rights, which goes against democracy and impacting in the materialization of social protection. It is an article resulting from theoretical research of the bibliographic type, with 1 Assistente social e mestranda em políticas públicas pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: [email protected] 1951

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI qualitative methodology and intentional choice of references. It is concluded that in the capitalist contemporaneity, in a global context of radical societal transformations and expansion of social inequalities, Social Security, and, in particular, the social assistance policy, marked normatively by the universality and the responsibility of the public power, goes being captured by the interests of capital, in view of its impossibility of operationalization due to the economic policy adopted, placing it in the scenario of dismantling, ambiguities and paradoxes. Keywords: Social assistance; Contemporary Capitalism; Rights Guarantee INTRODUÇÃO Discutir sobre a política pública de assistência social na sua interface com os desafios postos pela sociedade capitalista contemporânea perpassa por diálogos de radicais transformações societárias e de crescentes desigualdades sociais. Adentra às políticas públicas, especialmente as de Seguridade Social, frente à realidade brasileira que põe cada vez mais desafios à agenda pública estatal. O contexto contemporâneo de análise desta política protetiva, traz em seu âmbito significativas questões políticas e sociais e, ainda, numerosos desafios. Como parte do tripé da seguridade social, juntamente com as políticas de saúde e de previdência social, a assistência social na realidade brasileira tem se estruturado pela marca normativa da universalidade e pela responsabilidade do poder público. No cenário vigente, tais políticas sofrem revés decorrentes dos interesses do capital e de uma conjuntura marcada pela crise do capitalismo, do Estado, crise fiscal, e em resposta a esse cenário temos o avanço do neoliberalismo e sua política de desregulamentação do Estado. As motivações para o aprofundamento de reflexões conceituais sobre as mudanças ocorridas na Política de Assistência Social desde a Constituição Federal (CF) de 1988 até o cenário atual, como parte das políticas de proteção social e do sistema de Seguridade Social; e ainda como política pública que visa garantir direitos não contributivos, é que no atual contexto brasileiro, na conjuntura neoliberal, que se inicia ainda nos anos 1990, o sistema de proteção social ao invés de avançar na consolidação da proposta de universalização dos direitos sociais ancorados na carta magna, é tocado por tentativas de desmonte pela adoção da lógica neoliberal mediante os interesses do 1952

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI capitalismo globalizado e competitivo que se propõe a reduzir a responsabilidade pública na condução das políticas sociais. Dito isto, o presente estudo visa refletir e analisar o desenho da política de assistência social no Brasil, frente ao cenário capitalista contemporâneo e são levantadas três questões problematizadoras: Como a política de assistência social tem se apresentado na viabilização da garantia de direitos no cenário brasileiro contemporâneo? Qual o seu papel protetivo nesse processo? E, por fim, quais os desafios desta política pública no cenário neoliberal brasileiro? O artigo é decorrente de uma pesquisa teórica, de base bibliográfica e documental. Sendo assim, adota uma metodologia qualitativa, com escolha intencional da literatura de apoio para responder aos problemas levantados. Tem como perspectiva teórica-metodológica a marxista, o que nos leva a analisar o desenho da política de assistência social no Brasil, na conjuntura do capitalismo contemporâneo a partir da abordagem do método histórico dialético. Para atender aos objetivos, o artigo encontra-se dividido em duas seções: a primeira apresenta as discussões acerca do desenho da política de assistência social no cenário brasileiro contemporâneo. Traz reflexões sobre a emergência da política de assistência social com o advento da CF de 1988 e, mais recentemente, com a Política Nacional de Assistência Social (2004) e com a Norma Operacional Básica/Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS, 2005, 2012), com base em um resgate histórico das principais legislações que legitimam a assistência social como política pública, que a caracteriza como política de proteção social, enquadrando-se no sistema de Seguridade Social e garantindo direitos não contributivos; e, a segunda seção avança com as discussões acerca das dimensões da política de assistência social no cenário do capitalismo contemporâneo, seus principais desafios frente às reformas neoliberais no país. 2 O DESENHO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NO CENÁRIO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO Em todas as sociedades é possível identificar o desenvolvimento de algum tipo de proteção social como forma de defesa dos riscos naturais e sociais. Para tal, há a necessidade de alocação de recursos, de bens e serviços perpassados por relações de 1953

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI poder. Dentre as modalidades históricas de agentes que promoveram a proteção social, Teixeira (2016) destaca, que dentre estas, sobressaem-se os privados tradicionais que são definidos pela família, comunidades, igrejas e a filantropia. Têm os privados mercantis caracterizados pelo mercado com a oferta de serviços. E ainda, o público que abrange as políticas públicas de caráter social. Historicamente, a proteção social e seus agentes variaram de acordo com a relação entre eles, seja como complementares entre si ou algum deles como responsável principal, mas sem eliminar os demais. Nas distintas fases do capitalismo é possível visualizar diferentes posturas do Estado. Sendo assim, no capitalismo concorrencial, frente ao Estado liberal, a estrutura estatal intervém de forma pontual. Com o capitalismo monopolista instaurou-se o Estado Democrático de Direito ou o Estado de Bem-Estar Social no qual este regula, produz e gerencia a proteção social pública. Mas, como é possível caracterizar o papel protetivo do Estado capitalista contemporâneo e a sua configuração no cenário brasileiro? A tendência inicial do sistema de proteção social no Brasil remete aos anos 1930 com o estabelecimento do capitalismo, período este no qual o país assume o modelo urbano-industrial e abandona a base econômica prioritariamente agroexportadora. Tem-se a ascensão da burguesia industrial emergindo a classe trabalhadora urbana, duas forças antagônicas que fazem existir conflitos sociais e demandam intervenção direta do poder público, que o faz mediante à sistematização de um sistema de proteção social de natureza meritocrática e particularista, voltada para os trabalhadores assalariados com carteira assinada, denominado por Santos (1987 apud TEIXEIRA, 2007) de cidadania regulada, baseada na estratificação ocupacional e na renda adquirida no nível dessa estrutura, o que reforçava as desigualdades sociais no país, baseada em uma conotação corporativista. Dessa maneira a ação do Estado pautava-se pela segregação socioterritorial com mediações entre as classes sociais e ajustamento do país aos processos de urbanização, industrialização e modernização que notadamente no Brasil instaura-se a criação de grandes instituições como a Legião Brasileira de Assistência (LBA) que era baseada em diretrizes assistencialistas e paternalistas e que não conseguia materializar o enfrentamento das expressões da questão social advindas da relação capital trabalho, que no capitalismo tem relação com a contradições e explorações. 1954


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