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EIXO 4 - Seguridade Social: Assistência Social, Saúde e Previdência

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:30:02

Description: Seguridade Social: Assistência Social, Saúde e Previdência

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ao contrário, caminhou na direção do fortalecimento da lógica do contrato, o que levou Vianna (1998) a caracterizá-la como “americanização perversa”, visto que, em sua análise, o sistema público foi se “‘especializando’ cada vez mais no (mau) atendimento dos muito pobres”, ao mesmo tempo em que “o mercado de serviços médicos, assim como o de previdência, conquista adeptos entre a classe média e o operariado” (VIANNA, 1998, p. 142). Essa imbricação histórica entre elementos próprios à assistência e elementos próprios ao seguro social poderia ter provocado a instituição de uma ousada seguridade social, de caráter universal, redistributiva, pública, com direitos amplos fundados na cidadania. Não foi, entretanto, o que ocorreu, e a seguridade social brasileira, ao incorporar uma tendência de separação entre a lógica do seguro (bismarckiana) e a lógica da assistência (beveridgiana), e não de reforço à clássica justaposição existente, acabou materializando políticas com características próprias e específicas que mais se excluem do que se complementam, fazendo com que, na prática, o conceito de seguridade fique no meio do caminho, entre o seguro e a assistência. (BOSCHETTI, 2009, p.10) Apesar dos avanços conquistados na área de proteção social com a aprovação da CF -1988, a década de 1990 representa um período de fortes ataques às políticas sociais conquistadas na década anterior, pois, este processo de ampliação dos direitos sociais na década de 1980 é concomitante a um período de crise fiscal do Estado no Brasil e no mundo. Configurando-se um contexto de embate entre o projeto de ampliação dos direitos sociais, previstos na constituição, de caráter democrático e vinculado às demandas das camadas populares, e o projeto neoliberal, de direção política das classes dominantes baseado na restrição dos direitos sociais e na concepção de Estado mínimo como solução para a referida crise (ANDERSON,1995). A Reforma do Estado está inserida no contexto de crise do modelo de produção fordista, ocorrido a partir da década de 70. Esta crise possibilitou profundas mudanças nos mecanismos de acumulação, provocando não só a reestruturação do modelo de produção, bem como das relações sociais e dos aparatos estatais. Segundo as prerrogativas do Neoliberalismo a razão para a crise estava no “poder excessivo e nefasto dos sindicatos, e de maneira mais geral, do movimento operário” (MONTAÑO, 1999, p.10) resultando no comprometimento da base de acumulação capitalista, devido a suas reivindicações sobre salários e o aumento dos gastos sociais por parte do Estado. A solução era, portanto, a redução da intervenção estatal, característica do Estado de Bem-Estar Social, no sentido de conter os gastos sociais, e em intervenções econômicas e no enfraquecimento do poder sindical. 1755

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Desta maneira, a crise provoca uma reestruturação global, reorientando relações sociais e as funções anteriormente atribuídas ao Estado, causando seu redimensionamento, como colocado por Soto (1999). A estratégia neoliberal tinha como proposta o desmonte do Estado intervencionista, e consequentemente dos direitos sociais a fim de possibilitar a “acumulação flexível” sem prejuízos para o Capital, solucionando assim, as questões que eram características da rigidez do modelo de produção Fordista. Deste modo, verifica-se na década de 1990 a consolidação do processo de Contrarreforma do Estado, que culminou na desregulamentação dos direitos sociais conquistados na década de 1980 (YASBEK,2009). 2 NEOLIBERALISMO E POLÍTICA SOCIAL A proposta Neoliberal de legitimação baseia-se na transferência da lógica da democracia para a lógica da concorrência do mercado através das privatizações das políticas sociais e do aumento da intervenção da sociedade civil no trato da “questão social”. Contudo, a reorientação dos papéis executados pelo Estado não significa uma absoluta ausência de sua intervenção, pois este, ainda que marginalmente, permanece oferecendo certo nível de atuação sobre a “questão social”. Porém uma intervenção, em um contexto de redução das despesas estatais no âmbito social, implica em políticas públicas focalizadas voltadas para os segmentos mais pauperizados da população, desconcentradas e à precarização através de políticas sociais reduzidas em quantidade, qualidade e variabilidade, passando de serviços sociais estatais pobres a pobres serviços estatais (MONTAÑO,1999). As modificações implantadas pela Contrarreforma do Estado provocaram um amplo retrocesso na garantia dos direitos sociais uma vez que a redução dos gastos no âmbito social implicou em sua precarização e consequente focalização, devido ao reduzido orçamento destinado à execução de políticas públicas neste âmbito. Neste sentido, as políticas públicas que compõem a proteção social brasileira vêm sendo afetadas diretamente pelo reordenamento das atribuições do Estado, impostas pelo projeto neoliberal em vigor. Outra tendência no âmbito das políticas sociais a partir da Contrarreforma do Estado é o repasse para a sociedade civil de ações de proteção social. O Estado passa a se eximir das responsabilidades no atendimento às 1756

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI múltiplas demandas da população, transferindo-as para a sociedade civil. Estimula-se a refilantropização e a, desprofissionalização da proteção social, bem como a promoção de políticas focalizadas nas camadas mais empobrecidas da sociedade, sem de fato alterar as condições de vida da população pobre do país em nome de uma suposta solidariedade. Somado às particularidades supramencionadas referentes à proteção social brasileira no contexto Neoliberal, observa-se ainda a centralidade na família enquanto instância principal para provisão de bem-estar social. Esta é mais uma característica presente no âmbito das políticas sociais e da discussão sobre proteção social na atualidade. Tal centralidade situa-se na tendência de que as demandas sociais apresentadas pelos sujeitos sejam contempladas no âmbito familiar, privado, ou seja, a família sendo considerada como área privilegiada para promover o cuidado e proteção e, portanto, no atendimento das demandas sociais. Esta é mais uma estratégia de desresponsabilização e repasse das obrigações sociais do Estado para outra esfera, neste caso, a sociedade civil. Neste sentido, estimula-se esgotar todas as possibilidades de atendimento às demandas sociais dos sujeitos no seio da própria família; o Estado só passa a intervir no caso de insucesso, fracasso das famílias enquanto provedoras de proteção social. 3 CENTRALIDADE DA FAMÍLIA E RECORTE DE GÊNERO NAS POLÍTICAS SOCIAIS Diante Do exposto no tópico anterior, verifica-se que a centralidade da família nas políticas sociais é na verdade a responsabilização destas na provisão de bem-estar social a seus membros. No sentido contrário a esta perspectiva, a família poderia ter destaque nas políticas sociais, de forma positiva, como centrais em parceria com o Estado com proposta de trabalho mútuo, em conjunto, para garantia de melhores condições de vida da população. As autoras Alves e Mioto (2015) denominam a centralidade da família no âmbito das políticas sociais como “familismo” ou o “caráter familista das políticas sociais”, caracterizando a retirada do Estado na provisão de proteção social e a valorização das famílias como âmbito principal e privilegiado de promoção de bem estar, desta forma, 1757

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O familismo é uma expressão que vem ganhando força no contexto do debate da política social, particularmente, a partir dos anos de 1990, e caracteriza-se pela máxima designação de obrigações à unidade familiar. A constituição e a oferta de recursos e serviços pressupõem a responsabilidade primeira e máxima às famílias na organização do bem-estar de seus membros em correlação com a falta de provisão de bem-estar estatal (ESPINGANDERSEN, 2000). Cabe refletir o familismo como elemento organizativo da política social, que admite a gestão pública de riscos atrelada ao desempenho doméstico/familiar (FRANZONI, 2008), e pelo estabelecimento de diferentes possibilidades – ou impossibilidade – de correspondência entre as necessidades a serem atendidas pelas famílias e as condições efetivas para atendê-las quando inseridas em diferentes contextos sociais, econômicos, culturais e de classe. Assim, a família é componente fundamental das políticas sociais, na produção e no usufruto de bens e serviços. (Id. Ibid., p.209) É diante destas características que Pereira (2010) realiza uma crítica às configurações das politicas sociais no Neoliberalismo e o papel das famílias neste contexto. A autora discorre sobre o que denomina como pluralismo de bem-estar social, que se refere justamente a desresponsabilização do Estado na provisão da proteção social e o repasse a outras instâncias da sociedade: sociedade civil, mercado, família. Trata-se de uma das estratégias de enfrentamento da “questão social” no contexto neoliberal, como forma de eximir o Estado de suas atribuições no atendimento às demandas de proteção social e assim reduzir os gastos com a área social, que não é uma prioridade deste modelo econômico. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS - 2004), traz o conceito de “matricialidade sociofamiliar”, que merece ser problematizado para não se tornar apenas mais uma ferramenta do Estado para se eximir de suas responsabilidades. De acordo com o texto da PNAS, entende-se que a família é o elo entre o público e o privado, ou seja, entre os sujeitos e a coletividade. Por outro lado, considera-se que a família é um espaço contraditório e cuja dinâmica cotidiana gera conflitos e geralmente desigualdades. (PNAS, 2004). Observa-se um movimento de penalização e desproteção das famílias brasileiras, pois são responsabilizadas pelo cuidado com seus membros sem que haja o suporte para fazê-lo. Desta forma, a proposta da matricialidade sociofamiliar é primeiramente fortalecer e proteger essas famílias para que elas possam oferecer a proteção que lhes cabe no cuidado com seus membros.Diante do exposto, cabe aqui algumas considerações sobre família como instância principal de proteção social e cuidado no cerne das políticas sociais. As últimas décadas têm experimentado 1758

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI alterações nas configurações familiares antes consideradas como padrão, o número das denominadas famílias nucleares tem diminuído substancialmente no decorrer das últimas décadas. O que significa que famílias compostas por pai, como único provedor do sustento do lar, mãe, como responsável exclusiva pelas tarefas domésticas, cuidado e criação dos filhos não representa a realidade das famílias brasileiras. Como alterações na composição das famílias brasileiras, inicialmente, verifica-se a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho e, portanto, o acúmulo de responsabilidades. É importante destacar que a mulher passa a contribuir e/ou assumir a provisão do sustento, contudo, seu papel social de prover o cuidado com a família e o lar se mantém inabalável diante do legado machista e patriarcal ainda fortemente mantido. Além disso, cresceu o número de mulheres que assumem, sozinhas, o cuidado, criação e sustento dos filhos. São as chamadas famílias monoparentais (podendo ser composta também somente pelo homem/pai). Tal situação reflete a desigualdade de gênero presente e arraigada na sociedade brasileira, onde o papel social da mulher ainda é o de casar, ter filhos e cuidar da casa e da família com adendo de contribuir na provisão do sustento da mesma. Conforme, A partir da década de 1960, (…) em escala mundial, difundiu-se a pílula anticoncepcional, que separou a sexualidade da reprodução e interferiu decisivamente na sexualidade feminina. Esse fato criou as condições materiais para que a mulher deixasse de ter sua vida e sua sexualidade atadas à maternidade como um “destino”, recriou o mundo subjetivo feminino e, aliado à expansão do feminismo, ampliou as possibilidades de atuação da mulher no mundo social. A pílula, associada a outro fenômeno social, a saber, o trabalho remunerado da mulher, abalou os alicerces familiares, e ambos inauguraram um processo de mudanças substantivas na família. (SARTI, 2005, p. 21). Atualmente, convém que a mulher desempenhe atividade remunerada se inserindo no mercado de trabalho e auxilie na provisão do sustento da família, porém também lhe é exigido desempenhar com perfeição todas as funções do âmbito doméstico. O papel social do homem permanece inalterado, com poucas exceções. É esperado pela sociedade que o homem desempenhe atividade remunerada para prover o sustento de sua família. Importante destacar, que a inserção das mulheres no mercado de trabalho vai além da questão abordada do sustento da família: ela representa a luta feminista pela conquista de outros espaços como sinônimo de independência e igualdade de gênero. 1759

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI É fato que ao longo dos anos, as mulheres ganharam protagonismo e se organizaram na luta por seus direitos a partir do movimento feminista, o qual levanta a bandeira da igualdade entre os gêneros no âmbito desta sociedade extremamente machista e patriarcal. O direito ao voto, a oportunidades no mercado de trabalho formal, direito ao divórcio, entre outros, são conquistas obtidas a partir da organização política das mulheres. Contudo, atualmente, existem novas pautas na luta das mulheres pela igualdade de gênero, como: a igualdade salarial entre homens e mulheres, a descriminalização do aborto, o próprio rompimento com a visão conservadora sobre a mulher, dentre outras, fato que demarca que apesar do avanço e conquistas de algumas reivindicações alcançadas pelo movimento organizado, ainda há a necessidade do fortalecimento destes grupos em prol das pautas feministas, para que se torne possível caminhar nas conquistas da mulher nesta sociedade. Além disso, o movimento feminista ainda enfrenta o estigma da sociedade sendo por muitas vezes rechaçado e diminuído de sua real importância. Para além da questão abordada no tópico anterior da centralidade da família nas políticas sociais, pode-se perceber que há um recorte de gênero, ou seja, dentro da família é atribuída a responsabilidade do cuidado à mulher, mãe, esposa, filha, irmã. 4 CONCLUSÕES Na discussão sobre o cuidado, considerando o papel da família no âmbito das políticas sociais na atualidade e a partir de uma perspectiva marxista, esse papel seria “a relação direta de um indivíduo com outro no intuito de suprir as necessidades ontológicas primárias daqueles que não podem provê-las por si só, devido a fases naturais da vida” (PASSOS, 2018, p.66) e, conforme discussão realizada no decorrer deste trabalho, entende-se que este é mais um elemento que compõem a sobrecarga das famílias na provisão de proteção social, sobretudo das mulheres. A responsabilidade em prover o cuidado aos entes pertencentes à família compõe o papel social da mulher na sociedade, a prestação de cuidado é percebida no âmbito das atividades domésticas. Conforme a autora, [...] as metamorfoses dos modos de produção e da sociabilidade transformaram o cuidado em algo privado, invisível e vinculado ao sexo feminino, naturalizando-o como uma atribuição exclusiva das mulheres. Logo, 1760

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI denominamos essa naturalização e essencialização como cuidado feminino. [...] o cuidado tornou-se uma das dimensões do trabalho doméstico, não sendo diferenciado nem reconhecido de forma distinta em relação à função, ao exercício e às atribuições. (Id. Ibdem) Sendo assim, verifica-se que a sobrecarga e responsabilização das famílias acaba por penalizar os sujeitos que a compõe, considerando que muitas vezes as famílias não dispõem dos recursos (materiais/financeiros/emocionais/estruturais) para oferta de proteção social. Considerando os sujeitos e o cenário desta pesquisa, tal situação pode ocasionar no atendimento insuficiente ou não atendimento das demandas de cuidado dos usuários atendidos pelo serviço. Pereira (2010) aborda alguns elementos que “encerram muitas ilusões a respeito da família” (p.36) enquanto instância privilegiada para provimento do bem estar social de seus membros, ressalta o caráter contraditório da família, como espaço de proteção e cuidado e ao mesmo de conflitos, tensões e rupturas. As transformações na composição das famílias contemporaneidade e, portanto, os diversos arranjos familiares, a diminuição das famílias nucleares, ainda consideradas como padrão para os formuladores de políticas sociais, segundo a autora, afetam diretamente na provisão de proteção social no âmbito das famílias. REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. IN: SADER, Emir e GENTILLI, Pablo (orgs.). Pós-neoliberalismo - As Políticas Sociais e o Estado Democrático, São Paulo: Paz e Terra, 1995. BOSCHETTI, Ivanete. Seguridade social no Brasil: conquistas e limites à sua efetivação. CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. (Org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CEAD/Ed. UnB, 2009. BRASIL. Senado Federal (BR). Constituição: República Federativa d o Brasil. Brasília (DF): Centro Gráfico; 1988. MONTAÑO, Carlos. Das \"lógicas do Estado\" às \"lógicas da sociedade civil\". In: Serviço Social e Sociedade nº59. São Paulo, Cortez, ano XX, mar.1999, p.47-79. PASSOS, Rachel Gouveia. Teorias e filosofias do cuidado: subsídio para o serviço social. Papel Social. Campinas, 2018. PEREIRA-PEREIRA, Potyara Amazoneida. \"Mudanças estruturais, política social e papel da família: crítica ao pluralismo de bem-estar\". In: SALES, Mione Apolinário; MATOS, 1761

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Maurílio Castro de; LEAL, Maria Cristina (Orgs.). Política social, família e juventude: uma questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2010. POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – PNAS/ 2004. Resolução 145/2004. Brasília: CNAS, 2004 SARTI, Cynthia Andersen. A Família como Espelho: Um estudo sobre a moral dos pobres. 4. ed. – São Paulo: Cortez, 2007. SOTO, F. S. Neoliberalismo, matriz asistencial y Trabajo Social: reconstrucción de la acción profesional. In: Serviço Social e Sociedade nº60. São Paulo, Cortez, 1999, p.9-40. YAZBEK, M. C. Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social. Serviço Social: direitos e competências profissionais. Brasília: CFESS-ABEPSS, 2009, p. 143-164. 1762

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA SERVIÇO SOCIAL, ASSISTÊNCIA SOCIAL E OS PROCESSOS DE DEMOCRATIZAÇÃO SOCIAL SERVICE, SOCIAL ASSISTANCE AND DEMOCRATIZATION PROCESSES Lizandra Inês Both1 1 RESUMO O artigo que segue consta de uma parte de um capítulo do Trabalho de Conclusão de Curso, onde são apresentados os resultados da pesquisa empírica e discussão sobre o compromisso ético-político com a socialização da informação e a construção de espaços democráticos. Sendo assim, nesse artigo objetiva-se analisar as repostas das lideranças comunitárias, usuários/as e assistentes sociais dialogando com a atuação profissional na Política de Assistência Social, reconhecendo a dimensão político-pedagógica e o acesso a informação, importantes estratégias na construção de espaços coletivos de participação e mobilização Palavras-chaves: Dimensão político-pedagógica, Projeto ético- político, Assistência Social. ABSTRACT The following article is part of a chapter of the Course Conclusion Paper, where the results of the empirical research and discussion on the ethical-political commitment to the socialization of information and the construction of democratic spaces are presented. Thus, this article aims to analyze the responses of community leaders, users and social workers dialoguing with professional performance in the Social Assistance Policy, recognizing the political-pedagogical dimension and access to information, important strategies in the construction of spaces collective participation and mobilization. 1 Graduada em Serviço Social pela UFRGS, Pós Graduação em Gestão de Projetos Sociais pela Fundação Brasileira de Tecnologia e Educação – FUNBRATEC. Docente da UNICENTRO, Barra do Corda, MA. [email protected] 1763

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Keywords: Political-pedagogical dimension, Ethical-political project, Social Assistance. INTRODUÇÃO Debater a participação dos/as usuários/as na política de Assistência Social é pensar além dos espaços já instituídos. Nesse sentido, o/a assistente social tem compromisso com o processo educativo de participação, que acontece através da conscientização, organização e capacitação contínua e crescente da população ante a sua realidade social concreta (SOUZA, 2004). Cabe ao/à assistente social, enquanto trabalhador/a da Política de Assistência Social retomar e assumir o potencial das atividades coletivas de participação nos espaços de trabalho, a partir de seu projeto ético-político profissional. O Conselho Federal do Serviço Social (2011) reconhece como competências, estratégias e procedimentos do/a assistente social na Política “instituir espaços coletivos de socialização de informação sobre os direitos socioassistenciais e sobre o dever do Estado de garantir sua implementação”. Relacionada a essa defesa do Conselho Federal do Serviço Social, encontra-se no Código de Ética em seu Princípio 3º a ideia da “ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticas das classes trabalhadoras”. Diante disso, pode-se perceber o explícito compromisso profissional com a socialização da informação, construção de espaços coletivos que venham possibilitar a luta e o acesso aos direitos sociais. O artigo que segue busca estabelecer um diálogo entre o material produzido durante o período de estágio obrigatório em Serviço Social realizado no CRAS Ampliado Lomba do Pinheiro, as entrevistas realizadas com os/as 04 usuários/as que participaram das Rodas de Conversa, as 02 Lideranças Comunitárias da Lomba do Pinheiro e os/as 06 assistentes sociais do GT (Grupo de Trabalho) Assistência do CRESSRS, bem como relacionar com a pesquisa documental. A pesquisa empírica realizada a partir de entrevistas semi-estruturadas foi submetida a Comissão de Pesquisa e ao Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da UFRGS, sendo a última submissão feita através da Plataforma Brasil, ambos aprovado. As reflexões aqui postas buscam compreender como se efetivam os processos de participação e mobilização na realidade atual. 1764

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Importante destacar que as atividades do estágio obrigatório foram realizadas no PAIF (Serviço de Proteção e Atendimento Integral as Famílias), sendo que o projeto de intervenção teve como foco as Rodas de Conversa22, ou seja, atividade coletiva aberta à participação dos usuários e comunidade. 2 COMPROMISSO PROFISSIONAL COM A SOCIALIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E PARTICIPAÇÃO O/a assistente social é reconhecido/a historicamente como executor/a terminal de Políticas Públicas, como por exemplo, da Política de Assistência Social (NETTO, 2001). Essa política, reconhecida enquanto um direito social, nasce na sociedade capitalista permeado por intensas contradições e num campo de disputa de projetos societários. O Direito à Proteção Social, enquanto uma política pública ainda em implementação, é disputado pelo ideário econômico neoliberal, onde é posto a precarização dos serviços oferecidos através de políticas focalizadas, fragmentadas, despolitizadas e privatistas, processo fortalecido pela atual contrarreforma com seus cortes nos direitos sociais. O/a assistente social trabalha nesse contexto, permeado de contradições e resistências, na perspectiva da “efetivação das políticas sociais em favor da universalização dos serviços públicos de qualidade” (SOUZA et al., 2013, p. 04). Nesse cenário, o PEP (Projeto Ético-Político) do Serviço Social se encontra em constante resistência com o sistema neoliberal que encontra suas estratégias [...] para camuflar um enfrentamento a essa questão é a elaboração de políticas sociais focalizadas (direcionadas apenas a uma parcela da sociedade em que possuem carências pontuais); despolitizadas (falta de ações do estado para o combate das demandas sociais em prol do acesso universal aos serviços); privatistas (a responsabilidade passa a ser do mercado e da sociedade, sendo utilizada num processo econômico rentável); compensatórias (oferecem somente os mínimos sociais precarizando os serviços) e excludentes (exclui os não contribuintes, pois possui caráter contratualista) que requer profissionais que simplesmente executem essas políticas e não profissionais críticos, com capacidade teórica e compromisso ético-político (SOUZA et al, 2013, p. 05). Diante disso, pode-se perceber que a Assistência Social tem sido um campo de disputa de projetos societários, sendo que atualmente as políticas públicas são 2 O Projeto de Intervenção como título: “Rodas de Conversa com famílias do Cadastro Único no CRAS Ampliado Lomba do Pinheiro: Instituindo espaços coletivos de reflexão sobre os Direitos Sociais”. O mesmo foi desenvolvido com a supervisão da Assistente Social Clarissa M. Baldini e com a parceria do colega estagiário Ricardo de Souza. 1765

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI marcadas por cortes nos investimentos sociais, garantindo apenas os mínimos sociais. O Serviço Social, por sua vez, está inserido nesses espaços de trabalho, na perspectiva de gerar e construir práticas que viabilizem o acesso aos direitos. A fim de orientar a categoria profissional, o CFESS (Conselho Federal do Serviço Social) produziu uma Cartilha com os “Parâmetros para a Atuação do Assistente Social na Política de Assistência Social”, sendo essa uma importante ferramenta no que se refere ao direcionamento e ao entendimento da atuação profissional nessa política. Os Parâmetros orientam que o perfil do/a assistente social [...] para atuar na política de Assistência Social deve afastar-se das abordagens tradicionais funcionalistas e pragmáticas, que reforçam as práticas conservadoras que tratam as situações sociais como problemas pessoais que devem ser resolvidos individualmente (CFESS, 2011, p. 18). Esses Parâmetros são resultado, tanto do avanço crítico da profissão, que resultou no Projeto Ético Político da profissão, quanto da presença crítica e atuante do/a assistente social na luta pelo reconhecimento da Assistência Social enquanto um direito, exercendo a profissão em consonância com essa nova compreensão da política, constatando a necessidade de afirmar um novo perfil profissional para a atuação na mesma. Esse novo perfil, é gestado a partir da intenção de ruptura, quando a profissão assume um novo aporte teórico metodológico, o qual interfere diretamente na forma como a profissão vai realizar suas intervenções juntamente com os usuários. Processo educativo de participação é [...] o processo que se expressa através da conscientização, organização e capacitação contínua e crescente da população ante a sua realidade social concreta. Como tal é um processo que se desenvolve a partir do confronto de interesses presentes a esta realidade e cujo objetivo é a sua ampliação enquanto processo social (SOUZA, 2004, p. 84). Essa nova compreensão do processo educativo da participação encontra respaldo no Código de Ética da profissão, enquanto resultado do protagonismo da profissão nos seus setores progressistas, contando com o processo de reorganização das classes trabalhadoras e dos movimentos democrático-populares, no contexto de redemocratização da sociedade brasileira dos anos 80. O Código é um grande avanço para a categoria profissional, que assume seu PEP ligado a uma nova ordem societária, reconhecendo-o a partir da leitura crítica marxista, que movimenta a categoria a assumir 1766

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI a luta da classe trabalhadora, pautada pela liberdade e democracia (BARROCO, 2011). O Código de Ética, no seu artigo 5º, apresenta pela primeira vez o compromisso ético- político com os usuários, dentre os quais se destaca a garantir a plena informação aos usuários (BRASIL,1993). O/a assistente social tem um compromisso ético de viabilizar espaços onde os usuários/as possam participar ativa e democraticamente, tendo acesso às informações quanto aos seus direitos e aos serviços. Pode-se assim dizer que o/a assistente social tem o compromisso ético de viabilizar em todos os atendimentos, individuais ou coletivos, o acesso à informação e espaços de possibilitem que as decisões sejam tomadas de forma democrática. O serviço de Assistência Social é da comunidade, onde ela deve participar, sentir- se em casa, debater suas demandas, ser acolhido e encontrar formas de resistir e construir pautas coletivas. Tem sido um grande desafio aproximar-se da realidade, adentrar no território, uma vez que muitos serviços não dispõem de recursos, como por exemplo, carro que possibilite aos trabalhadores circular pelo território, construir processos mais próximos da população. Por outro lado, o acesso dos/as usuários/as ao serviço se dá por demandas pontuais e individuais, que não produz processos de mobilização e participação mais efetivos. O CRAS, enquanto um serviço da Assistência Social, é reconhecido pela população como um espaço de informação, onde se tem a possibilidade de reconhecer os direitos e se informar quanto a conjuntura. O/a usuário/a relata a experiência de participação nas Rodas de Conversa e nos grupos do CRAS, reconhecendo os mesmos como espaço de informação. “Sim, pra mim é bom, porque a gente vai descobrindo vários benefícios que a gente tem e às vezes o governo tá cortando muitos benefícios nossos, assim. Nós temos direito né e eles estão tirando” (Usuário/a 01). O acesso à informação é um constitutivo indispensável nos espaços de participação, pois possibilita aos/as usuários/as o conhecimento dos seus direitos, uma visão crítica da realidade e a possibilidade de se organizar e lutar pelos mesmos. Nos espaços de trabalho, nem sempre é possível garantir o direito, devido a toda conjuntura e precarização, porém é possível socializar a informação, contribuindo para a organização da população na luta pelo direito. 1767

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI As entrevistas demonstram que a população reconhece no/a assistente social um profissional comprometido com a realidade, que precisa conhecer, estudar e se informar quanto às mudanças e situações que envolvem o espaço, território onde está atuando. O/a profissional é identificado/a como um agente propulsor de espaços de formação e informação para com a população, pois tem apropriação da realidade, sabe a dificuldade do acesso ao direito à educação, à saúde, à água potável, à luz elétrica e outros. Essas são demandas que precisam chegar aos espaços de trabalho e despertar para atividades coletivas de mobilização. Nesse sentido, para além dos espaços de atendimento individual, é necessário criar novos espaços, através de atividades coletivas junto com a comunidade, através de articulações com as lideranças comunitárias, a fim de conhecer a realidade, democratizar as informações e construir processos de resistência. Esses espaços, por vezes não estão instituídos, precisam ser criados e gestados pelos profissionais, pois tal tarefa se refere a um compromisso ético-político da profissão, na perspectiva da construção de uma nova ordem societária. A informação é fundamental para construção de relações de igualdade e democráticas. Quem é detentor de informações e do conhecimento pode fazer escolhas que sejam compatíveis com suas necessidades e possibilidades e pode desenvolver sua capacidade crítica à medida que recebe e que tem acesso aos meios de informação (BARROCO; TERRA, 2015, p. 174). Nesse sentido, cabe ao/à assistente social criar espaços onde possam ser democratizadas as informações quanto aos programas disponíveis nos diferentes espaços de trabalho, bem como informações que possam vir a mobilizar os usuários e a participar na luta pelos direitos. Por vezes, os serviços de Assistência Social são assim reconhecidos, conforme constata o/a usuário/a. Ah, de que forma tem muita gente que é mal informado, que não sabe das coisas e indo pra lá fica bem informada e, como é que eu vou dizer, sabe os seus direitos. O CRAS precisa de mais participação da comunidade né. Pra ficar mais informada das coisas da comunidade, porque tem muitas pessoas, por exemplo, ali na Lomba mesmo que não sabem dos seus direitos, que são bem mal informados. Não é burra como o pessoal fala, são tipo mal informada mesmo (Usuário/a 02). Conforme consta, nos serviços de Assistência Social é depositado o compromisso de informar a população, que não encontra outro lugar onde possa tomar conhecimento 1768

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI de seus direitos. Reconhece-se o/a assistente social como um/a trabalhador/a que tem a sensibilidade e proximidade com a população. Essa população é reconhecida pelo/a usuário/a como sujeito de direito que precisa ser informado para que possa construir espaços coletivos nos quais participe, de fato, enquanto comunidade. A partir dessa reflexão, é possível constatar que os serviços de assistência precisam favorecer espaços de informação para a população usuária, especialmente no que tange aos direitos sociais. Um/a usuário/a entrevistado/a relata que a integração em grupos, como por exemplo, os grupos de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Idosos, possibilita a construção de estratégias coletivas na luta pelos direitos. A participação no grupo tem favorecido a implantação da Política Nacional do Idoso, bem como os demais direitos dessa parcela da população. Na medida em que a comunidade acessa o serviço e reconhece sua função, é possível constatar que são construídas formas de resistências e o fortalecimento do mesmo. Usuários/as e lideranças comunitárias relatam que “na hora que o CRAS fecha, que necessita da ajuda da comunidade, nós, enquanto liderança, juntamos a parte que nós, que pode vir com a gente soma, né. E a gente vem junto porque é um objetivo nosso, da comunidade manter isso aqui” (Usuário/a 04). Há um reconhecimento da função e da importância do serviço do/a Assistência Social na e para a comunidade, especialmente na medida em que ela participa e que o serviço é aberto para as questões da mesma. A partir do exposto, pode-se concluir que dentre as funções dos serviços de Assistência Social, uma das principais está diretamente relacionada ao acesso à informação e à promoção do diálogo com as demandas da comunidade. O/a assistente social é o trabalhador/a reconhecido/a como ‘o/a responsável’ e ‘o/a técnico/a’ que tem apropriação para construir os espaços coletivos e a comunicação com a comunidade. Ao passo que os/as usuários/as reconhecem a importância da participação, também apontam o quanto esse serviço tem contribuído na construção da luta pelos direitos sociais. 3 ESTRATÉGIAS DE CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS COLETIVOS DE PARTICIPAÇÃO E MOBILIZAÇÃO 1769

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ao se discutir a construção de espaços coletivos de participação e mobilização na Política de Assistência Social, faz-se necessário abordar a dimensão político- pedagógica33 do Serviço Social que encontra na educação popular grande contribuição. A profissão se aproxima da educação popular no período da formulação do ‘Método BH’, que surge em Belo Horizonte, MG, nos anos de 1972 a 1975, através de um grupo de professores, estudantes e assistentes sociais que constituíam um Grupo de estudo da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC- MG). Esse trabalho foi reconhecido como um dos grandes expoentes que marcaram o processo de ‘intenção de ruptura’, “na redefinição do papel da profissão a partir de uma dimensão político-pedagógica” (VARGAS, 2014, p. 36). No que se refere a aproximação com a Educação Popular, tem-se ali um movimento de romper com a suposta neutralidade do Serviço Social brasileiro. “Trata- se de uma ação educativa baseada numa ação-reflexão junto aos usuários, contribuindo para sua organização, que visava a conquista de espaços políticos” (VARGAS, 2014, p. 38). Nesse período, a profissão constrói processos de educação popular com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a partir da proposta da Teologia da Libertação, bem como com movimentos de cultura e outros. Nesses processos, é possível constatar vários equívocos teóricos e ecletismos. Ao mesmo tempo, o Método BH foi importante na construção da ‘intenção de ruptura’, pois possibilitou ao Serviço Social a aproximação com a teoria marxista, assumindo como objeto de atuação profissional as expressões da questão social (MACHADO, 2012). Para Marx e Freire, o processo de conscientização é de suma importância no trabalho de base. Para Marx esse processo acontece através da ruptura com o senso comum, com a alienação, reconhecendo a totalidade da realidade, a fim de construir uma consciência crítica frente ao sistema capitalista posto. Marx compreende que a consciência crítica passa pela classe trabalhadora que construirá uma nova ordem social. Em outras palavras, Freire pensa a transformação, a conscientização a partir do espaço 3 Vargas (2014) compreende a prática político-pedagógica da profissão na ótica da educação popular, porém com o diferencial da atuação do/a assistente social a partir da perspectiva crítica e do PEP. Nesse sentido a prática profissional precisa levar em conta o contexto com experiências importantes para aprofundar o debate sobre as potencialidades de uma atuação voltada para a constituição de processos emancipatórios. 1770

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI da educação, porém Marx reconhece essa transformação num sentido mais amplo de sociedade capitalista, onde a transformação necessária é de ordem societária como tal. A partir dessas observações é possível criar aproximações e caminhos junto à educação popular, nos diferentes espaços de intervenção profissional, uma vez que o processo de conscientização pode vir a gerar processos de mobilização e revolução. No entanto “as ideias de Freire e as ideias da proposta de Belo Horizonte podem ainda contribuir, na atualidade, para pensar a dimensão política da prática profissional, no fortalecimento da classe trabalhadora” (VARGAS, 2014, p. 37). A partir dessa reflexão e da prática político-pedagógica da profissão, a construção de espaços coletivos pressupõe que o/a profissional reconheça e construa os processos a partir do que os/as usuários/as já têm de conhecimento. Nisso percebe- se que há uma mudança considerável no processo de construção dos espaços coletivos a partir do momento em que são consideradas as contribuições e o conhecimento que já estão presentes na realidade e na vida dos/as usuários/as para, a partir de então, construir processos de reflexão. O/a assistente social, como qualquer trabalhador/a, precisa reconhecer o que o/a usuário/a tem de compreensão e de conhecimento da política pública, conhecimento que passa pelo acesso que tem aos serviços e como esses se efetivam. O/a usuário/a 04 relata que pode perceber que todos tinham algum conhecimento sobre o tema que era discutido. Esse dado confirma que há um conhecimento que precisa ser potencializado nos/as usuários/as e, ao mesmo tempo, partilhado, discutido, a fim de que seja sempre mais amplo no que se refere aos direitos, à cidadania, para que a mesma se efetive. Primeiro a gente tem que ouvir deles a opinião, o que eles acham, se é realmente ‘interessante essas oficinas’, ‘bah, participaria’, ‘acho que tem a ver mesmo com o que a gente está vivendo’. [...] A gente precisa conhecer qual é a realidade e se isso vai fazer a diferença pra eles, se não faz diferença pra nós, pode ser que a gente tenha esse, mas se pra eles não faz diferença vai ser um tempo que não vai ser bem aproveitado e não vai haver a participação. Se eles não se sentirem implicados eles não vão participar (Assistente Social 06). O fato de considerar o conhecimento já presente na realidade, ou ainda reconhecer a realidade da população, está diretamente implicado com a efetivação e a participação da população. Para além de participar, esses espaços precisam significar 1771

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI algo para a vida das pessoas, para seu processo de protagonismo. Esses espaços também favorecem a troca de informações de profissional e usuários/as, onde ambos trazem um conhecimento a partir dos espaços onde participam e se envolvem. Um/a assistente social entrevistado/a relata que no seu espaço de trabalho é constante essa troca de informação. “E eles também trazem pra mim as informações, porque eles também estão no movimento. [...] Eles também trazem. Trazem o jornalzinho com as fotografias. Então isto é uma troca constante na questão da participação e no todo” (Assistente Social 01). Nesse sentido, pode-se reconhecer que nos espaços de intervenção é importante haver troca de saberes, de informações, a fim de possibilitar um espaço onde a comunidade possa discutir sobre seus direitos, suas lutas e continuar a se mobilizar. A prática político-pedagógica está diretamente relacionada “à capacitação, mobilização e participação populares, mediante, fundamentalmente, processo de reflexão, identificação de necessidades, formulação de demandas, controle das ações do Estado de forma qualificada, organizada e crítica” (ABREU, 2016, p. 255). Reconhecer as demandas dos/as usuários/as é de fundamental importância no processo de organização da população, pois isso possibilitará um novo jeito de construir o serviço, a fim de que se efetivem os processos de reflexão. A prática político-pedagógica possibilita construir espaços coletivos a partir das demandas, das necessidades e dos próprios espaços onde os/as usuários/as já se reconhecem, como praças, associações de bairro, etc, potencializando a organização que já existe. Ao mesmo tempo os serviços de Assistência Social também apresentam espaços onde é possível potencializar a organização e a socialização de informações, identificado pelos/as entrevistados/as como Assembleias semanais, Cine Debate, Oficinas, Acolhida Coletiva, grupos de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, dentre outros. Esses espaços são identificados pelos/as entrevistados/as como parte do processo de participação e mobilização. O primeiro momento de mobilização e participação é socializar as informações, é poder fazer com que eles se sintam pertencentes a aquela política, entendam o que que é aquilo ali, pra que serve a política. O segundo passo da mobilização e da participação, eles já tendo as informações aí é o deixar eles conduzir, deixar eles fazerem enfim o que tem que ser. A poder gente respeitar, respeitar os espaços deles, respeitar a voz deles, respeitar o que eles têm a contribuir [...] (Assistente Social 05). 1772

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A prática profissional precisa possibilitar o protagonismo dos/as usuários/as num sentido de que os mesmos possam ter a autonomia para contribuir e opinar na luta pela efetivação de seus direitos. Nesse sentido é importante citar a experiência construída durante o Estágio Obrigatório no CRAS Ampliado Lomba do Pinheiro onde, a partir do Projeto de Intervenção, foram criados espaços coletivos, reconhecidos como “Rodas de Conversa sobre Direitos e Cidadania”. Aconteceram 08 Rodas, abordando temas de interesse da população e relacionados com os direitos sociais que estavam sendo discutidos no contexto de cortes de direitos e da contrarreforma, a fim de informar a população. No caso das Rodas de Conversa desenvolvidas no processo de estágio, elas foram um espaço de discussão e informação, desencadeando outras atividades coletivas como Audiência Pública, Mobilizações de Rua contra a PEC 241/2016 e da Reforma da Previdência e outras. As mesmas foram realizadas em articulação com lideranças comunitárias, Conselho Popular da Lomba do Pinheiro, Rede da Criança e Adolescente, serviços da Assistência Social (CRAS, CREAS, SAFs, SCFV conveniados, etc) do território e outras. Nesse sentido é importante reconhecer os processos de mobilização já construídos pela comunidade e que ainda precisam ser fortalecidos, em articulação com outros segmentos sociais empenhados na luta pelos direitos sociais. Um/a liderança comunitária entrevistada apresenta que as mobilizações também favorecem processos de conscientização, num sentido de fortalecer uma visão crítica diante da realidade posta de cortes nos recursos e investimentos sociais, agravados com os projetos de contrarreforma. Os relatos das duas mobilizações demonstram possibilidades construídas no coletivo dos serviços, usuários/as, lideranças e outros, a fim de possibilitar que a comunidade tome consciência da situação e da conjuntura. “A mobilização, ela pressupõe a possibilidade da gente fazer com que mais pessoas possam compreender a necessidade, que juntos eles são mais forte, né” (Liderança comunitária 01). Ou seja, a mobilização atinge mais pessoas, tem maior repercussão e torna conhecida a pauta da luta, da reivindicação, por isso ela é na rua e outros espaços de maior proximidade com a população. Ou ainda, “mobilização pra mim é mobilizar o povo pra entender a real situação dos problemas, né [...] é uma maneira de mostrar que tu, mostrar que é tu que manda e não os políticos (Usuário/a 01). Então mobilização é uma expressão do protagonismo do cidadão, que tem uma consciência 1773

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI crítica, que protagoniza processos de reivindicação de seus direitos e exige sua efetivação. Conforme consta, os processos de mobilização possibilitam chegar a diferentes espaços e pessoas, especialmente das que se encontram distantes dos serviços e das informações quanto aos seus direitos. Sendo assim, a mobilização gera processos de aproximações e de conhecimento da realidade, que, por vezes, está invisibilizada pelos serviços públicos, ou seja, “visitando locais bem distantes”, que estão sem o acesso a tais serviços e equipamentos públicos sociais. Nesse sentido, importante reafirmar que cabe ao/à assistente social, enquanto trabalhador/a na Política de Assistência Social, retomar e assumir o potencial das atividades coletivas no espaço de trabalho, a partir de seu projeto profissional e ético-político. Faz parte da dimensão pedagógico-interpretativa do trabalho do/a assistente social na Política de Assistência Social a socialização de informações e saberes no campo dos direitos, da legislação social e das políticas públicas, dirigida aos/às diversos/as atores/atrizes e sujeitos da política: os/as gestores/as públicos/as, dirigentes de entidades prestadoras de serviços, trabalhadores/as, conselheiros/as e usuários/as (CFESS, 2011). Reitera-se que o/a assistente social tem o compromisso ético-político de socializar a informação com os/as usuários/as, em todos os espaços de intervenção, sejam eles em atendimentos individuais, bem como em intervenções coletivas, em espaços de mobilizações. Nesse sentido, é preciso reconhecer o contexto de ataque aos Direitos Sociais vivenciado no atual momento histórico, bem como a manipulação de informações realizadas pelos MCS, deixando a população à mercê da verdade. Por sua vez, o conjunto CFESS/CRESS e Associação Brasileira de Pesquisa e Ensino em Serviço Social (ABPESS) tem contribuído na sistematização de informações que possibilitam ao profissional uma leitura crítica da realidade e do cenário dos direitos, bem como o acesso à informação. “A gente fala do constante aprimoramento intelectual, a gente também está falando de a gente se subsidiar, de estar preparados pra poder fazer isso também” (Assistente Social 05). A organização da profissão é uma ferramenta importante no processo formação continuada, possibilitando o acesso a subsídios que possibilitam a leitura crítica dialética da realidade e um posicionamento ético político orientado pelo projeto profissional. 1774

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI É bom lembrar que essa legitimidade política está presente no Código de Ética e nos marcos legais que regulamentam o exercício profissional e seu processo formativo, assim como nas múltiplas decisões, deliberações que reafirmam o fortalecimento do projeto ético-político profissional e a organização coletiva da categoria profissional (YASBEK, 2014 p. 690). É importante que a categoria profissional possa reafirmar o PEP colocado em disputa em tempos de avanço do neoliberalismo. O projeto societário, assumido pela profissão, respalda e orienta, no sentido de criar espaços e articulações com a comunidade, a fim de gerar espaços coletivos de participação e de mobilização. Por dentro dos serviços, da própria Política de Assistência Social, é possível fortalecer os espaços coletivos a partir do posicionamento profissional, da democratização dos espaços, a fim de que os/as usuários/as possam ser protagonistas dos processos e da luta pelos direitos sociais. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A discussão desse artigo proporciona reconhecer o quanto a profissão está implicada na construção e efetivação de processos de participação e mobilização social, construindo-os a partir das atividades realizadas em seus espaços de trabalho, com a socialização da informação. A relação com os usuários, a partir da perspectiva de direito, passa a potencializar os espaços coletivos de intervenção onde é possível desencadear o protagonismo dos usuários, desde que esse processo seja continuado e não pontual. Um dos pontos mais relevantes que resultaram da pesquisa foi reconhecer o quanto os processos de mobilização e participação fazem parte da identidade do Serviço Social, tanto que as pessoas entrevistas identificaram o/a assistente social como o/a profissional que realiza a mediação da informação para com a comunidade, possibilitando assim a participação e a mobilização da mesma. Todos/as os/as profissionais relataram a importância de efetivar atividades/estratégias de intervenção coletiva, sendo que cada serviço tem sua especificidade como assembleias, oficinas, rodas de conversa, troca de informações, dentre outras. Essas atividades/estratégias puderam ser identificadas nas entrevistas como algo que é realizado nos espaços de trabalho e em espaços descentralizados como associações de moradores, praças, etc. Pode-se perceber que essas atividades/estratégias estão respaldadas tanto na Política 1775

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI como no PEP, ou seja, os profissionais as reconhecem como uma prática imprescindível nos diferentes espaços. REFERÊNCIAS ABREU, Mariana Maciel. Serviço Social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2016. BARROCO, Maria Lucia Silva. Barbárie e neoconservadorismo: os desafios do projeto ético-político. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 106, p.205-218, jun. 2011. Trimestral. BARROCO, Maria Lucia Silva; TERRA, Sylvia Helena. Código de ética do/a Assistente Social comentado. São Paulo: Cortez, 2015. BRASIL. Conselho Federal do Serviço Social. Código de Ética do/a Assistente Social. nº 60. Código de Ética do/a Assistente Social. Brasília, 13 mar. 1993. CONSELHO FEDERAL DO SERVIÇO SOCIAL. Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Sociais: Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social. Brasília: Cfess, 2011. 38 p. MACHADO, Aline Maria Batista. Serviço Social e educação popular: diálogos possíveis a partir de uma perspectiva crítica. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 109, p.151- 178, mar. 2012. Trimestral. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n109/a09n109.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2018. NETTO, J.P. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. 5. Ed. São Paulo, Cortez, 2001. SOUZA, Maria Luiza de. Desenvolvimento de comunidade e participação. 8 ed, São Paulo: Cortez, 2004 SOUSA, Julise Cristina de et al. A efetivação do Projeto Ético Político Profissional no âmbito da Assistência Social. In: ENCONTRO CATARINENSE DE ASSISTENTES SOCIAIS, 1., 2013, Florianópolis. Anais. Florianópolis: Cress - Sc, 2013. p. 1 - 9. YAZBEK, Maria Carmelita. A dimensão política do trabalho do assistente social. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 120, p.677-693, dez. 2014. Trimestral. VARGAS, Tatiane Moreira de. Serviço Social e Educação Popular: caminhos que se cruzam na direção de processos emancipatórios. 2014. 237 f. Tese (Doutorado) - Curso de Serviço Social, Programa de Pós-graduação em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014. 1776

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA REDUZINDO DESIGUALDADES: A INTERSETORIALIDADE NO CUIDADO A MULHER USUÁRIA DE DROGAS REDUCING INEQUALITIES: INTERSECTORIALITY IN CARE FOR WOMEN USING DRUGS Indira Aragão1 RESUMO Este trabalho foi executado através de pesquisa bibliográfica, a qual objetivou fazer uma breve reflexão sobre como a intersetorialidade pode estabelecer-se como mecanismo de redução das desigualdades no cuidado á saúde da mulher que faz uso problemático de drogas. Foi realizado, portanto, um recorte e discussão sobre a questão da desigualdade associada à categoria gênero, vulnerabilidades e a intersetorialidade para a integralidade no cuidado. Palavras-chaves: Intersetorialidade; Mulher; Uso de Drogas ABSTRACT This work was carried out through bibliographic research, which aimed to make a brief reflection on how intersectoriality can be established as a mechanism to reduce inequalities in health care for women who make problematic use of drugs. Therefore, a cut and discussion was carried out on the issue of inequality associated with the category of gender, vulnerabilities and intersectoriality for comprehensive care. Keywords: Intersectoriality; Woman; Use of drugs. 1 Assistente Social. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, da Linha Cultura, Identidade e Processos Sociais, sob orientação da Professora Dra. Lucia Cristina dos Santos Rosa. Email: [email protected]. 1777

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO A intersetorialidade é um tema que tem ganhado destaque no processo de implementação das politicas sociais na medida em que a eficácia no desempenho de seus papéis para garantia de acesso a direitos tem sido questionada em face ao cenário neoliberal de desresponsalização do Estado, que tem assumido cada vez mais apenas a função de regular e coordenar serviços. Realizado por meio de revisão bibliográfica, este trabalho possui como objetivo a reflexão sobre como a intersetorialidade, enquanto forma de ação na e da politica de saúde, pode estabelecer-se como mecanismo para a redução das desigualdades no cuidado à saúde da mulher que faz uso abusivo de substâncias psicoativas. Partimos do entendimento de que a questão de gênero, presente nas estruturas da sociedade, produz desigualdades, as quais influenciam diretamente nos condicionantes de saúde e, além disso, dificultam a acesso a saúde entre as mulheres. Deste modo, assumimos a intertesetorialidade como tema neste estudo, em face de sua relevância para a institucionalidade das práticas em saúde, e por compreendermos esta como estratégia eficaz para a garantia da integralidade em saúde. Nesse sentido, entendemos que o aprofundamento sobre o tema pode contribuir para a melhoria da execução das políticas públicas de modo a atender os preceitos constitucionais de garantia de direitos sociais dessas mulheres que encontram-se muitas vezes em intensas situações de vulnerabilidade. 2. DESIGUALDADES DE GÊNERO E A SAÚDE Ao contemplar a atenção e cuidado às mulheres, torna-se necessário analisar brevemente algumas questões envolvidas no “ser mulher” da sociedade em que estamos inseridos. É necessário, assim, considerar toda a desigualdade que historicamente foi construída nas relações sociais entre homens e mulheres, presentes nas estruturas de poder e tradições culturais. O modelo tradicional de dominação patriarcal, apreendido enquanto um sistema cultural e social de valores que reproduz a dominação masculina sobre as mulheres, moldando a organização das responsabilidades familiares e sociais na vida de mulheres e homens, e também designando papéis e condutas pré-estabelecidas. 1778

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O patriarcado não designa o poder do pai, mas o poder dos homens, ou do masculino, enquanto categoria social. O patriarcado é uma forma de organização social na qual as relações são regidas por dois princípios básicos: 1) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e, 2) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos. A supremacia masculina ditada pelos valores do patriarcado atribuiu um maior valor às atividades masculinas em detrimento das atividades femininas; legitimou o controle da sexualidade, dos corpos e da autonomia femininas; e, estabeleceu papéis sexuais e sociais nos quais o masculino tem vantagens e prerrogativas (MILLET, 1970; SCOTT, 1995 apud NARVAZ E KOLLER, pág. 50, 2006). Na sociedade com base nas determinações do patriarcado, as mulheres estão em desvantagens em relação aos homens, e são, portanto, mais vulneráveis socialmente, pois são colocadas como sujeitos sem autonomia e sem o controle do próprio corpo, devendo estas viver sob a proteção masculina. Esta realidade histórica, na perspectiva de gênero, é previamente estabelecida para cada individuo, delimitando a relação entre os indivíduos e com quem virá a conviver socialmente, e ao longo do tempo, vem construindo relações de desigualdades entre homens e entre mulheres marcadas pelas diferenças entre os sexos. Assim, como destaca Saffioti (1999): Entender que as diferenças pertencem ao reino da natureza, por mais transformada que esta tenha sido pelo ser humano, enquanto a igualdade nasceu no domínio do político, parece fora do horizonte de uma ideologia de gênero que naturaliza atribuições sociais, baseando-se nas diferenças sexuais (SAFFIOTI, pag. 85, 1999). Deste modo, Barata (2009), ao tratar da questão no cerce da saúde, aponta que é possível perceber que a variável sexo, não dá conta das questões de inerentes à categoria gênero, pois um dos aspectos mais evidentes dessas relações é a assimetria de poder que se estabelece entre homens e mulheres na maioria das sociedades e praticamente em todos os âmbitos da vida social. A autora traz a discussão sobre como as desigualdades sociais influenciam na saúde da população, e ressalta que esta discussão em torno das desigualdades sociais em saúde colocou a questão do direito à saúde na pauta política em todo o mundo, e na realidade brasileira, elas não são nenhuma novidade. Por isso a necessidade de teorias que possibilitem compreender não apenas a distribuição da doença, mas 1779

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI principalmente seu processo de produção em diferentes contextos sociais (BARATA, 2009). Ao direcionar sua análise e discussão das desigualdades em saúde relacionadas com a posição de classe social, a renda, o gênero e a etnia, Barata (2009) retrata inclusive que é presente a confusão entre os termos sexo e gênero em pesquisas epidemiológicas e de saúde em geral, revelando um grave erro conceitual. De maneira que a utilização inadequada do termo gênero se remete muitas vezes, para tratar exclusivamente de problemas relacionados com as mulheres, especialmente aqueles ligados à saúde reprodutiva. As condições no estado de saúde são piores para mulheres em praticamente todas as classes sociais, porém, verifica-se que a incidência de distúrbios psiquiátricos menores estão associados com a dupla jornada das mulheres pobres e também com jornadas de trabalho de mais de dez horas diárias, e ainda há maior risco para transtornos mentais comuns em mulheres desempregadas ou trabalhadoras do setor informal, donas de casa ou inativas, em comparação a mulheres empregadas no setor formal (BARATA, 2009). A partir dos dados apresentados pela autora, é possível perceber que a presença de algumas condições que afetam diretamente a saúde mental das mulheres, encontra- se associada de forma tênue às questões de emprego, renda, a em especial a atividades designadas para as mulheres conforme os papeis socialmente determinados para o “ser mulher”. Ao tratar de aspectos biologicos, alguns estudos também desvendam que, em comparação com os homens, as mulheres com problemas de uso de substâncias psicoativas, apresentam taxas mais altas de sintomas psiquiátricos ou transtornos psiquiátricos diagnosticados; sendo mais comum a ansiedade, depressão, transtorno de personalidade limítrofe e distúrbios alimentares. E ainda, em termos de diferenças fisiológicas, há evidências de que as mulheres, em comparação com os homens, podem tornar-se dependentes mais rapidamente que estes, e além do mais, há dados de que as substâncias psicoativas freqüentemente afetam diferentes fases do ciclo da menstruação da mulher (ONU, 2004). Com relação ao uso de álcool, verifica-se que a morbimortabilidade associada ao consumo deste, encontrasse acentuada entre as mulheres, que apresentam taxas mais 1780

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI elevadas de cirrose hepática que os homens; provavelmente, ações hormonais contribuem de forma atenuante no dano hepático causado pelo álcool. Igualmente, hipertensão arterial, anemia, desnutrição, úlceras gastrintestinais, cardiopatias e transtornos psiquiátricos avançam mais rápido entre as mulheres (MARANGONI e OLIVEIRA, 2013). Portanto, Barata (2009) direciona que, não é possível estabelecer de maneira única e permanente uma hierarquia rígida entre as diferentes categorias de determinação do processo saúde-doença. Em cada tipo de problema analisado, haverá a necessidade de elaborar modelos explicativos específicos nos quais a categoria gênero pode tanto ocupar a posição de determinação, quanto à posição de mediação entre diferentes aspectos da organização social. Quando trazemos a discussão para o contexto do uso problemático de drogas, a questão ganha intensidade, ao ser considerado que, na condição de mulher usuária, são comumente destinados estereótipos de maior vulgaridade, promiscuidade e descuido com base nos papeis sociais e familiares direcionados a esse público, caracterizando assim, todo o estigma social que passa a ser compelido às mulheres usuárias de drogas, uma vez que se estabelecem enquanto desviantes das condutas moralmente destinadas ao “ser mulher”. O estigma social no qual se encontram designadas essas mulheres podem, portanto, influenciar de forma negativa tanto na busca de informações e recursos de prevenção e promoção em saúde, na dificuldade em buscar os serviços de atendimento e cuidado, ou até mesmo no descuido com comorbidades associadas, que muitas vezes estão presentes no contexto do uso problemático de substancias psicoativas. Deste modo, fica evidente que grupos populacionais de “homens” e de “mulheres” não constituem grupos homogêneos, devendo, assim, serem investigadas especificidades individuais e de grupos com vistas a uma assistência igualitária relacionada ao consumo de drogas. Ficando então demarcada a necessidade de estudos que contemplem questões de gênero, no sentido de ampliar as possibilidades de intervenção e, consequentemente, de redução das vulnerabilidades (OLIVEIRA E PAIVA, 2007). 1781

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 USO DE DROGAS POR MULHERES E VULNERABILIDADES Ao trabalharmos na perspectiva de compreensão da vulnerabilidade enquanto questão presente no uso de drogas por mulheres devemos, a priori, esclarecer como esta deverá ser reconhecida neste trabalho. A vulnerabilidade social é então entendida como situação em que os recursos e habilidades de um dado grupo social são insuficientes e inadequados para lidar com as oportunidades oferecidas pela sociedade, as quais essas oportunidades compõem uma forma de ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deterioração das condições de vida de determinados atores sociais (ABRAMOVAY, 2002). Sua compreensão está vinculada igualmente às diferenças individuais e às formas de lidar com as dificuldades ambientais, reconhecendo-se, dessa forma, a complexa interação entre a predisposição individual à vulnerabilidade, o ambiente vivenciado e a presença/ausência de estrutura social. (PARENTE, 2011). O ser vulnerável é, portanto, alguém que não lhes é dada condições para exercer seu direito à integridade física e psicológica, como condição de acesso à plenitude existencial em sociedade (ALMEIDA, 2010). Assim, ao ser abordada a discussão sobre o tema vulnerabilidade, é necessário considerar, sobretudo, os fatores inerentes à condição social vivenciada por essas mulheres, as quais, como já citado, vivem em condição de desigualdade histórico-social, estão submetidas à estigmas que influenciam diretamente no seu acesso à saúde, e vivem em condição socialmente desviante da uma conduta pré-determinada. Outros aspectos que se encontram presentes na realidade das mulheres que fazem o uso problemático de drogas são as situações de violência, pois enquanto usuária de substâncias como o crack, as mulheres também se expõem a situações de violência nas cenas de uso, como quando é contratada para acompanhar um homem durante o uso de drogas e para comprar drogas, servindo de “avião” (SOUSA, OLIVEIRA, CHAGAS e CARVALHO, 2016). E ainda o uso do corpo/prostituição como estratégia para obter o consumo da droga (OLIVEIRA, NASCIMENTO e PAIVA, 2007). Nesse contexto, a prostituição associada ao consumo de drogas pode se estabelecer como situações de risco para que essa mulher seja acometida por algumas outras demandas de saúde, tais como doenças sexualmente transmissíveis; e tendo em vista o estigma social, já abordado, esses possíveis quadros de saúde estão passiveis à negligência dos órgãos públicos. 1782

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI É possível supor que a invisibilidade das demandas específicas das mulheres prostitutas corresponda a uma postura do Estado Brasileiro de laissez-faire na abordagem do tema, de não criminalizar a prostituição e sim as atividades associadas a ela. Tal postura deixa as mulheres que se prostituem em situação de extrema desproteção, dado que não podem exigir condições de trabalho higiênicas e seguras. Ou seja: sob a aparência de que se respeita o direito da mulher se prostituir, ocorre, de fato, uma desassistência a suas necessidades de conforto e segurança no trabalho, o que dificulta o enfrentamento das situações de violência e do estigma de que são alvo (VILELA e MONTEIRO, 2015, p. 533). Em pesquisa realizada com mulheres presas, sobre o seu envolvimento com drogas, Thomaz, Oliveira e Bispo (2016) mostram que mulheres envolvidas com drogas estão vulneráveis a sofrimentos causados não somente a si mesmas, mas também a toda a sua família, ocasionando, principalmente o afastamento dos filhos, o estigma de ser mulher, usuária de drogas e traficante e as consequências de ingressar na criminalidade. O conjunto de elementos relacionados à vulnerabilidade identificados nesta pesquisa mostra como um dos aspectos predominante nos resultados, as mulheres como vítimas de um sistema social marcado por desigualdades de gênero permeado por ações de violência, dificuldades financeiras e convivência com pessoas do sexo oposto, usuário e/ou participante do narcotráfico, Neste contexto, o consumo e/ou o tráfico de drogas se mostra como uma estratégia de enfrentamento que gera outras situações de vulnerabilidade (THOMAZ, OLIVEIRA e BISPO, 2016). É possível analisar conforme o exposto, que a questão do uso problemático de drogas por mulheres requer um olhar mais apurado para um trato da questão de forma ampliada, de maneira que, ao ser desejado uma oferta de cuidado que venha a estabelecer alterações significativa nas condições sociais e de saúde dessas mulheres, esse cuidado extrapola o campo unicamente biológico, e exclusivo da politica de saúde, devendo então haver uma intervenção de diversos campos e saberes. 4 A INTERSETORIALIDADE PARA INTEGRALIDADE DO CUIDADO E REDUÇÃO DE DESIGUALDADES A intersetorialidade é uma temática que orienta as politicas sociais na atualidade. Consiste num conceito amplo, que pressupõe a troca de experiência e informações, construção de redes de interação e a cooperação social entre gestores, 1783

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI profissionais, usuários. Implica em conflitos, disputas, mas também demanda consensos; deve considerar o contexto e a cultura ambiente, sempre em mutação, com avanços e recuos, conduzindo mudanças na forma do desenvolvimento das politicas sociais (SILVA, 2014). Conforme define Yasbek (2014), a intersetorialidade consiste em transcender o caráter especifico de cada política, potencializando as ações desenvolvidas por estas, e possibilitando um atendimento de forma mais integral aos cidadãos que dela se utilizam. A Intersetorialidade configura-se, portanto, na articulação entre politicas públicas por meio do desenvolvimento de ações conjuntas; supõe a implementação de ações integradas e a superação de fragmentação na atenção às necessidades da população, envolvendo a agregação de diferentes setores sociais em objetivos comuns. Para Potyara Pereira (2014) quanto à matéria da intersetorialidade, a autora identifica que há a existência de uma imprecisão terminológica acerca desta nas politicas sociais, revelando ambiguidades e incoerências, e deste modo, a melhor forma de trabalhar questão seria através da interdisciplinaridade, por meio de uma proposta dialética. A abordagem interdisciplinar pressupõe um processo aglutinador de saberes desconexos e independentes, evocando vínculos entre especialidades, sou seja, o estabelecimento de um processo eminentemente politico e, portanto, vivo e conflituoso. De acordo com Pauli (2007), o processo saúde/doença necessita de uma abordagem para a intervenção junto aos sujeitos que possua a amplitude e a cientificidade que o conceito de saúde exige. É preciso assim, focar no conceito ampliado de saúde e observar a necessidade do conhecimento interdisciplinar, trabalhando de forma intersetorial, na busca de ações que envolvam uma prática que vise à integralidade das ações em saúde como articulação administrativa e política. A Integralidade então pode ser entendida como a articulação entre promoção, prevenção, recuperação e restauração da saúde, que são postas para a realização do cuidado em saúde por meio de ações que se estruturam em um mesmo espaço, com saberes e ações que se interpenetram. O sistema de cuidados à saúde/doença é um coletivo constituído pela totalidade das práticas, das atitudes e do conhecimento dos 1784

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI vários profissionais que dão sustentação à dinâmica do cuidado. A organização do sistema deve sustentar-se na ação e no saber compartilhado dos vários profissionais e no trabalho em equipe, gerando uma teia entre usuários e profissionais, por meio de práticas interdisciplinares (PAULI, 2013). Com base na compreensão que o uso problemático de substâncias psicoativas por indivíduos é uma questão que transcende a dimensão puramente biológica e patológica, é necessário o entendimento de que para um tratamento mais aguçado da questão, é imprescindível a confluência das diversas políticas públicas que compõem a rede intersetorial no atendimento às necessidades desse público. Conforme determina a lei 8.080 de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços, saúde possui como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; definindo ainda que os níveis de saúde da população são responsáveis por expressar a organização social e econômica do País. Com base nisso, fica evidente que promover cuidado às mulheres em situação de uso problemático de drogas, requer não somente um engajamento dos setores concernentes à politica de saúde. Mas um esforço entre as demais politicas sociais, com base no atendimento territorializado, articulados, hierarquizados e regionalização, conforme os princípios os quais se propõem constitucionalmente, atendendo a população de forma indissociável. É valido ressaltar ainda que a Constituição Federal de 1988 trouxe uma proposição universalista de políticas públicas, passando a valorizar a ideia de intersetorialidade entre estas, de maneira a realizar um trabalho com vistas a promover efetividade e eficiência dos seus diversos setores, com o objetivo de atender às demandas da população usuária. Assim, um dos eixos observado como de grande importância para na garantia de visibilidade a estas demandas, é a participação social. Carmo e Guizardi (2017) em seu estudo sobre a importância que o trabalho integrado entre setores governamentais e sociedade possui no sentido de analisar que 1785

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI interesses sustentam tal parceria e qual seu papel no modelo de Estado que faz ofertas públicas que objetivam a redução de vulnerabilidades sociais, respeito aos seus usuários e garantia de equidade no acesso a direitos. Nesse sentido, o que provou ser, particularmente, bem sucedido em sociedades com forte tabus culturais e, por vezes, poucos recursos, foi a prática de repasse de informações e educação nas comunidades sobre o assunto e treinamento de membros desta, especialmente mulheres, no sentido de desenvolvimento de ações de apoio à prevenção e tratamento. A capacitação de profissionais, particularmente prestadores de cuidados primários e redes provedoras de serviços sociais e de saúde podem também ajudar no processo de identificação e encaminhamento de mulheres com uso problemático de drogas, ajudando também a garantir que os usuários possam acessar os serviços dos quais necessitam. Em especial, relações colaborativas de pré- natal, bem-estar infantil, saúde mental e serviços de crise. (ONU, 2004). Portanto, promover a saúde significa promover a vida, o que se traduz em um conjunto de princípios, valores, atitudes, procedimentos e tecnologias dirigidas a aumentar a capacidade de indivíduos, populações e organizações para enfrentar os determinantes pessoais, sociais, ambientais e econômicos, melhorando a qualidade da vida. Assim, quando se trata de uma política intersetorial entende-se que a participação da comunidade não é uma questão de escolha, e sim de estratégia, uma forma de legitimação e fortalecimento (PAULI, 2013). Deste modo, compreende-se que a atuação junto às mulheres usuárias de drogas com vistas ao atendimento às demandas inerentes à condição vulnerável a qual podem encontrar-se submetidas, pressupõem articulações intersetoriais como estratégia de promoção e recuperação em saúde. 5 CONCLUSÃO Este trabalho teve o propósito de demonstrar como a intersetorialidade, enquanto forma de ação na politica de saúde, pode estabelecer-se como um mecanismo para a redução das desigualdades no cuidado à saúde da mulher que faz uso abusivo de substâncias psicoativas. Deste modo, com base no que foi apresentado, ficou manifesto 1786

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que o processo de construção das ações intersetoriais voltadas para a promoção da saúde implica na convergência de ações articuladas entre as instâncias governamentais, e ainda a troca e construção coletiva de saberes. Assim, verifica-se a importância da implementação de ações integradas diante da complexidade presente na questão do uso de drogas por mulheres. O atendimento às demandas inerentes a essa problemática, necessita que esta seja considerada na sua totalidade e não de forma fragmentada por apenas uma política. Deste modo, a responsabilidade pela equidade no que se refere ao processo saúde/doença dessas mulheres pertence aos vários setores e suas políticas, pois uma vez que os determinantes de saúde, com base nas garantias constitucionais, extrapolam os aspectos biológicos, o olhar para as necessidades de saúde dessas mulheres deve ser ampliado. REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. D. Suscetibilidade: novo sentido para a vulnerabilidade. Revista Bioética 18.3 (2010). ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G.; PINHEIRO, L. C.; et.al. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina:desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO, 2002. Disponível em: < http://www.unesco.org/ulis/cgi- bin/ulis.pl?catno=127138&set=51ED460E_1_210&gp=1&lin=1&ll=1> Acesso em: 22 fev 2015. BARATA, R. B. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Editora Fiocruz, 2009. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Lei 8080/90. 1990. CARMO, M. E. Do; GUIZARDI, F.L. Desafios da intersetorialidade das politicas públicas de saúde de assistência social: uma revisão da arte. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 27 [ 4 ]: 1265-1286, 2017. MARANGONI, S.R; OLIVEIRA, M.L.F; Fatores desencadeantes do uso de drogas de abuso em mulheres. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2013 Jul-Set; 22(3): 662-70. OLIVEIRA, Jeane F. PAIVA, Miriam S. Vulnerabilidade de mulheres usuárias de drogas ao HIV/AIDS em uma perspectiva de gênero. Esc Anna Nery 11.4 (2007): 625-31. 1787

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EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA ENVELHECIMENTO E SERVIÇO SOCIAL: análise bibliográfica em torno do envelhecimento AGING AND SOCIAL SERVICE: bibliographical analysis around aging Sthefany Francisca de Alencar Tito1 Tamires Letícia Cardoso da Silva2 1 RESUMO Este artigo busca discutir a temática do envelhecimento a partir das referências da gerontologia crítica. Propõe-se ainda, apontar as conclusões de estudos que fizeram uma revisão da literatura do Serviço Social sobre a temática do envelhecimento e apontar a emergência de um novo campo, no interior da gerontologia, denominado de crítico e as contribuições advindas do Serviço Social. Conclui-se que essas contribuições desvendam os determinantes macrossociais do envelhecimento em interação e intercessão com os determinantes biológicos e psicológico, com uma interpretação mais ampla, rica, ontológica e crítica. Palavras-chaves: Serviço Social. Envelhecimento. Gerontologia. ABSTRACT This article seeks to discuss the theme of aging from the references of critical gerontology. It is also proposed to point out the conclusions of studies that did a review of the Social Service literature on the theme of aging and point out the emergence of a new field, within gerontology, called critical and the contributions coming from Social Service. It is concluded that these contributions unveil the macrosocial determinants of aging in interaction and intercession with biological and psychological determinants, with a broader, rich, ontological and critical interpretation. Keywords: Social Word. Aging. Gerontology 1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí - UFPI, bolsista PIBIC/CNPQ pelo projeto de pesquisa Envelhecimento e proteção social da assistência social: analise dos serviços socioassistenciais para as pessoas idosas em Teresina-PI. E-mail: [email protected] 2Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal do Piauí- UFPI, voluntária no projeto de pesquisa Envelhecimento e proteção social da assistência social: analise dos serviços socioassistenciais para as pessoas idosas em Teresina-PI. E-mail: [email protected] 1789

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI INTRODUÇÃO A dinâmica do processo de envelhecimento tem sido nos últimos anos, motivo de preocupação para muitos estudiosos que percebem o envelhecimento como algo a ser analisado de forma crítica e minuciosa. O envelhecimento é um processo natural e social da vida humana, por isso, deve ser levado em consideração que existem diversas formas de envelhecer. Há um leque de áreas de estudos e pesquisas que analisam o processo de envelhecimento – principalmente áreas que são voltadas para a saúde e o bem-estar humano – e chegam a definir o processo de envelhecimento como homogêneo, geralmente como um declínio, muitas vezes doloroso, dado a ocorrência de uma diversidade de perdas que os envelhecentes acumulam durante a vida (biológica, psicológicas e sociais). São essas mesmas áreas que buscam “melhorar” o envelhecimento, ou deter seus efeitos mais nefastos, no entanto, o que essas pesquisas, em muitos casos, não ponderam é que o envelhecimento ocorre de maneiras diversas entre os indivíduos e que eles geralmente não dominam e controlam suas condições de existência. Para tanto, consideramos necessário discutir as diferenças e as desigualdades que afetam a vida das pessoas durante toda sua trajetória de vida, em especial, na fase da velhice. As diferenças estão relacionadas a determinantes estruturais como classe social, de gênero, de cor, de etnia e/ou regionais, dentre tantas outras. Assim, exploração e opressão são geradas ou agudizadas por desigualdades sociais engendradas pela sociedade burguesa. É baseado nessas diversas desigualdades, que o Serviço Social junto a Gerontologia crítica, chegaram à conclusão de que o processo de envelhecimento, é diversificado e heterogêneo, e logo, não deve ser tratado e analisado de forma homogênea em todos os casos. O objetivo deste artigo é fazer uma análise da categoria envelhecimento com base na gerontologia crítica e nas contribuições do Serviço Social. Além de apontar as análises feita da produção científica do Serviço Social sobre envelhecimento e as tentativas de superar o conservadorismo dessas. Trata-se de um artigo decorrente de pesquisa bibliográfica, de escolha intencional das referências, tais como Teixeira (2017; 2018), Alves (2014), Bernardo (2019), dentre outros. 1790

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 2 A DIVERSIDADE E A HETEROGENEIDADE DO ENVELHECIMENTO O envelhecimento demográfico é um fenômeno que nos últimos anos têm chamado a atenção em nível mundial e ganhando ênfase em diversos países. Estudos demográficos preveem que a até o ano de 2050, o envelhecimento populacional tende a se quantificar drasticamente, quando, cerca de 1/3 da população tende a fazer parte deste grupo. O Brasil, olhando por essa perspectiva estará na sexta posição entre os países com maior população idosa do mundo. Conforme o IBGE, em 2015 a quantidade de idosos no Brasil de 60 anos ou mais, chegava a 14,3% crescendo então cerca de 4,5% no período em questão, enquanto a quantidade de jovens diminuiu cerca de 3,8% no mesmo período, conforme pode-se observar no gráfico abaixo. Gráfico 1: Distribuição da população por grupos de idade Brasil – 2005/2015 FONTE: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005/2015. Podemos observar, portanto, que o aglomerado de pessoas consideradas idosas vem crescendo em demasia e rapidamente, o que aponta ainda mais para uma preocupação com políticas públicas para atender esta população e suas necessidades e para o campo científico em estabelecer estudos mais aprofundado acerca do tema, visto que, nos próximos anos possivelmente estas investigações poderão proporcionar maiores e melhores alternativas para políticas públicas para esta parcela populacional. Todavia, é preciso considerar que as estatísticas do envelhecimento demográfico camuflam as acentuadas diferenças e desigualdades no modo de envelhecer, 1791

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI apresentando dados agregados e generalizantes do que denominam população idosa. Entretanto, um setor da gerontologia denominada de crítica, no qual sociólogos, antropólogos, assistentes sociais e outros, fazem parte, utilizando referenciais críticos, como o marxismo, apontam que nesta população idosas, há na verdade diversos grupos populacionais com essa idade. E que as diferenças são tantas internas, como definida por fatores externos e estruturais. Baseado na temática do envelhecimento, principalmente do envelhecimento da classe trabalhadora, pode-se destacar e afirmar que o processo de envelhecimento é heterogêneo. Que as classes sociais envelhecem de formas diferentes e essa condição é definida pela inserção nas estruturas produtivas. Os que tem os meios de produção e os que tem apenas sua força de trabalho. O modo de ser das classes, encontra outras formas e diferenças como a de gênero, raça/etnia, geracional. Essas diferenças são vividas como desigualdades sociais e se cruzam acentuando as vulnerabilidades, fragilidades e precariedades das formas de existência. Nas palavras de Bernardo (2019, p. 132): “As distintas inserções no mundo do trabalho, na vida econômica, social e cultural, os diferentes itinerários objetivos e subjetivos de vida, conferem diversidade e complexidade para esse grupo populacional”. Tratar o envelhecimento e a velhice como um processo heterogêneo é levar em conta a história dos indivíduos, o modo como a força de trabalho foi e é utilizado pelas classes dominantes e suas variações se são homens ou mulheres, negros ou brancos, migrantes, indígenas, quilombolas ou não, velhos e velhas ou jovens. As propagadas ideias e imagens da velhice como terceira idade, ativa, participativa, de lazer e hedonismo são também generalizantes e escondem outras formas de envelhecer doentia, abandonada, pobre, dependente, dentre outras. Nas palavras Suelen Alves (2014, p. 35): “o processo de envelhecimento da classe trabalhadora, alienada pelo trabalho, torna-se peculiar no sentido de não representar o tempo da liberdade, do descanso e do lazer tal qual difunde o mercado e a cultura capitalista”. Essa mesma autora, ainda retratando a realidade do velho da classe trabalhadora, parafraseia com Simone de Beauvoir, e cita: Simone de Beauvoir [...] ocupou-se de caracterizar a velhice expressando duas espécies de realidade totalmente diferentes: a velhice da classe exploradora em oposição à velhice das classes exploradas (BEAVOUIR, 1990, 1792

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI p.261). A autora afirma que, dependendo da classe à qual pertence, um homem pode ser velho aos 50 anos ou apenas aos 80 [...] (ALVES, 2014, p.36) Discutiremos em primeiro momento a questão da heterogeneidade da velhice considerando a classe social a qual esse idoso(a) está inserido(a), pois as classes sociais são capazes de diferenciar o envelhecimento, uma vez que a posição social a qual o idoso pertence é elemento relevante e imprescindível nesta discussão. Logo, “os idosos da classe trabalhadora vivem em situação de dupla vulnerabilidade, enquanto pobre e enquanto idosos” (TEIXEIRA, 2017, p. 42). Dito isso, afirma-se que o envelhecer da classe explorada da sociedade capitalista é bem mais desvantajoso do que o envelhecimento da outra classe, principalmente se observado o critério da vulnerabilidade social e da desproteção social, o que acarreta para esse idoso o sentimento de fardo para a família, de ser um indivíduo que não pode mais contribuir para sanar as necessidades da família, especialmente, quando este é doente, dependente de cuidados dos familiares. Observemos um exemplo: existem dois idosos do sexo masculino, ambos com 70 anos de idade, um deles vem de família rica, é branco, desfrutou da melhor forma sua infância e sua juventude, gozou de boa educação escolar e acadêmica, sempre trabalhou nas empresas da família e nunca se expôs a um trabalho degradante durante sua vida e teve uma boa alimentação e cuidados com a saúde; agora, vamos para a realidade do outro idoso, negro, que trabalha desde os 10 anos de idade na lavoura para poder ajudar na renda familiar, exposto a um sol escaldante, viveu nessa realidade até os 19 anos de idade quando resolveu mudar para a capital do estado, também em busca de uma melhor qualidade de vida, e quando lá chegou trabalhou em diversas profissões como vendedor ambulante, ajudante de pedreiro, dentre outras, que lhe exigiam grande força física e exposição excessiva ao sol ou a chuva, com recursos escasso para a alimentação e dificuldade de acesso a saúde pública. Poderemos afirmar que eles terão os mesmos problemas na velhice? Que envelheceram de forma igual? Que o que definirá sua velhice são os fatos biológicos, genéticos e psicológicos? Quem poderá fazer de sua velhice uma terceira idade? Com certeza, o primeiro idoso possivelmente desfrutará de sua velhice com a família em viagens e lazeres. Poderá haver gastos com medicamentos ou com consultas médicas, porém, ele possuirá condições financeiras suficientes para poder arcar com 1793

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI todos os custos que o avançar da idade o traga, além de “estar livre” do preconceito racial. Já o outro idoso, provavelmente continuará a ser o provedor principal de renda da sua família com sua aposentadoria ou benefício assistencial, sendo esta insuficiente para suprir as suas necessidades básicas, além dos gastos com a saúde e medicamentos para as diversas doenças que o mesmo adquiriu ao longo de sua grande jornada de trabalho no decorrer de sua vida. Pois bem, o que queremos ressaltar nessa pequena ilustração é o seguinte ponto: a velhice é diferente drasticamente se observado o fator classe social, gênero, raça/etnia. Outras diferenças poderiam ser observadas se ao invés de um homem, fosse uma mulher aos 70 anos de idade, se ela fosse negra, indígena, migrante, dentre outras. Sendo uma da classe dominante e outra da classe trabalhadora. Vivemos em uma sociedade em que a desigualdade de gênero é assustadora, e ela não se manifesta somente na fase jovem/adulta, apresenta-se também na fase da velhice, especialmente as da classe trabalhadora. Outro agravante é que grande parte dessas idosas acumulam desvantagens na velhice pelo fato de que, durante toda a sua vida as mesmas exerceram uma tripla jornada de trabalho, pois além de trabalhadoras, foram mães e donas de casa, e esse excesso de trabalho durante a sua vida acumula-se e ecoa bem mais fortemente na fase da velhice. Ainda em relação a classe social que o velho estar inserido, deve ser levado em conta os anos de trabalho que cada idoso tem durante sua vida, as condições do trabalho, as insalubridades deste trabalho, ou a ausência deste trabalho formal e a submissão às formas informais e precárias ao longo da vida. Segundo Bernardo, “[...] as histórias sobre vivência trabalhistas ampliavam as reflexões acerca do processo de adoecimento [...]”; logo deve-se levar em conta quais foram esses trabalhos, pois baseado em diversos dados, fica evidente que muitos dos idosos começaram a trabalhar bem cedo, já que lhe haviam poucas escolhas, cujo destino traduziu-se em escassas opções e a busca de subsistência através do trabalho (BERNARDO, 2019). Por conseguinte, a velhice desse idoso da classe proletária será “uma velhice empobrecida, adoecida e desprotegida socialmente” (ALVES, p. 35, 2014). Outro ponto a ser analisado são os idosos que permanecem no mercado de trabalho após os 60 anos para garantir recursos para as suas necessidades e de seus familiares, considerando os baixos valores das aposentadorias, pensões e benefícios 1794

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI assistências e as necessidades ampliadas de filhos/as, netos/as desempregados/as. Conforme gráfico abaixo: Gráfico 2: Nível de ocupação dos idoso por sexo e desigualdade entre os sexos Brasil - 2005/2015 FONTE: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005/2015. Observa-se que o número de idosos homens que ainda permanecem no mercado de trabalho é bem superior (45%) que o número de mulheres idosas (20%), característica da sociedade desigual na qual vivemos, onde esses números são distintos desde a juventude. Um fator relevante que se pode chegar através do gráfico exposto é que o mercado de trabalho procura priorizar a mão de obra masculina para exercer certas profissões, retrato da desigualdade de gênero que o país reproduz. Podem-se apontar como fatores que justifiquem os números do quadro acima: as constantes reformas previdenciárias que excluíram grande parte dos idosos de acessar a alguns benefícios sociais, ou rebaixaram os valores das aposentadorias que os mesmos dispunham, pelo aumento das alíquotas de contribuição mesmo depois de aposentados, ou até mesmo a falta ou precariedade da assistência do Estado a essa população. A conclusão que se pode chegar é que muitos idosos homens, mesmo após a aposentadoria continuam inseridos no mercado de trabalho como provedores de renda e as idosas são as que vivem em função do lar, são as cuidadoras dos seus netos e em alguns casos, são idosas que cuidam de outros idosos (seus pais, mães, sogros, sogras, tios, tias, etc.). No entanto, observa-se que no ano de 2014, o número de idosos ocupados, de ambos os sexos, caiu de 30% para cerca de 25%, esse fato pode ser explicado pela maior qualificação da mão-de-obra que o mercado de trabalho atual exige, ou até mesmo pelo 1795

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI fato da discriminação da força de trabalho do velho, visto que em muitos casos os mesmos são vistos como indivíduos incapacitados para o exercício profissional, além do crescimento do desemprego. Alves (2014) afirma e concorda que os termos “terceira idade” e “melhor idade” (utilizados entre aspas por não serem palavras que se aplicam aos idosos de uma maneira em geral, visto que, como já foi debatido no decorrer da discursão, o desfrute da velhice saudável e ativa é, em boa parte, realmente aproveitado pela parcela mais abastada da população) referem-se apenas à velhice de determinada classe privilegiada, e são discursos que homogeneízam as experiências de envelhecimento, pois é para os velhos da classe trabalhadora que as desigualdades e a vida empobrecida e adoecida tornam-se mais claras (ALVES, 2014). Muitos idosos quando deveriam usufruir da aposentadoria deparam-se com a dura realidade: a de que a própria aposentadoria, conquistada com muito suor e através de longos anos de exploração da sua mão-de-obra, já não é mais suficiente para garantir a própria subsistência. Os altos custos da velhice pesam sobre os mais vulneráveis e muitos se veem obrigados a retornar ao mercado de trabalho para garantir condições mínimas de sobrevivência, mesmo que isso signifique um trabalho precarizado, informal e por isso mesmo, inseguro e sem proteção social. Essa reinserção do idoso no mercado de trabalho mesmo após a aposentadoria ocorre por motivos diversos e, geralmente, de maneira mais precarizada do que o trabalho que o mesmo realizava antes da sua aposentadoria. Entre esses trabalhos o maior número é o trabalho por conta própria, os trabalhos informais (como “bicos”). Esses “novos trabalhos” são vistos pela população idosa da classe trabalhadora como uma renda a mais. Ou seja, o velho da classe trabalhadora chega a chamada “terceira idade” enfraquecido pela sua vida sofrida de trabalho, debilitado pelas doenças que o mesmo adquiriu no decorrer da sua vida inserido em um mercado de trabalho informal e abusivo. Isso posto: A probabilidade de o idoso ser saudável é bem maior entre aqueles grupos socioeconômicos mais privilegiados, considerando-se a disponibilidade de recursos para investir em saúde, bem como o nível cultural de informações adquiridos pelos que têm maiores níveis de escolaridade. (TEIXEIRA, 2017, p. 45) 1796

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Outra temática debatida na heterogeneidade do processo de envelhecimento é a questão da desigualdade racial, visto que os negros na sociedade brasileira, especialmente os da classe trabalhadora pobre, são discriminados durante toda a sua história de vida, e na velhice essa discriminação não é diferente. Grande parte das pesquisas apontam que os velhos negros são os que mais estão inseridos no mercado de trabalho informal, mesmo após a aposentadoria. São os que recebem pelo menos um salário mínimo de aposento e são os que mais sofrem com a discriminação. Isso porque, desde a sua infância, boa parte da população negra vê-se obrigada a se inserir no mercado de trabalho para poder garantir o seu sustento e o da sua família, consequência disso é que esse indivíduo não terá, uma vida escolar ou a tendo esta será precária. Posteriormente, este mesmo indivíduo não conseguira inserir-se no mercado de trabalho formal, por não possuir uma escolaridade básica, e o mesmo vê-se na obrigação para sobreviver a se submeter ao mercado de trabalho informal. A conclusão que se chega é que esse indivíduo sofrerá uma tripla desigualdade: por ser negro, pobre e velho. Apesar de ressaltar as heterogeneidades deve-se deixar claro que a gerontologia crítica não comunga com visões singularizantes, subjetivistas e individualistas dessas diferenças. Os diferenciadores estruturais, permitem vivências comuns nas condições de vida e trabalho, gerando certas similitudes também na forma como se vive a velhice. 3 O SERVIÇO SOCIAL E AS TENDÊNCIAS NA ABORDAGEM DO ENVELHECIMENTO Na perspectiva da gerontologia crítica, campo científico que o Serviço Social vem ajudando a construir, um dos traços marcantes é análise na perspectiva da totalidade social. Compreendendo o envelhecimento como uma totalidade parcial a ser relacionado e desvendado mediante relações com essa totalidade social, como as condições de produção e reprodução social. Nessas discussões são fundamentais compreender e delimitar o envelhecimento de certos grupos de classes como manifestação da questão social. O envelhecimento da população, a maior longevidade e sobrevida das pessoas idosas colocam novos desafios a sociedade. Entretanto, apenas o envelhecimento da 1797

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI classe trabalhadora e suas frações mais empobrecida constituem novas formas de expressão da questão social. O envelhecimento da classe trabalhadora é pontualmente uma expressão da questão social, porque os problemas enfrentados nesta idade atingem coletivos inteiros e são decorrentes das estruturas sociais geradoras de desigualdades sociais. Essas desigualdades estão presentes e precarizam as condições de existência dessas pessoas em todo a transcurso de sua história de vida, e se reproduzem e ampliam na velhice quando se deparam com a falta (ou falho) acesso às políticas públicas de saúde, moradia, educação, assistência social agravando estados de vulnerabilidade decorrentes de doenças de diversas naturezas, que se somam a falta de respeito, preconceitos, estigmas, violências das mais diversas, baixas rendas (ou até mesmo nenhuma renda). Segundo Teixeira (2017), [...] o envelhecimento do trabalhador é uma expressão da questão social, o que significa atribuir centralidade ao seu modo de envelhecer e as condições objetivas e subjetivas em que se dão, na constituição da problemática social do envelhecimento humano na sociedade capitalista. (TEIXEIRA, 2017, p. 34) No Serviço Social, o processo de envelhecimento, principalmente da classe trabalhadora, sempre foi um objeto de intervenção profissional, e segundo Alves (2014) é através da intervenção profissional, da produção de conhecimento e da participação política, que os profissionais do serviço social vêm se apropriando das questões que dizem respeito à condição de velhice dos sujeitos trabalhadores. Os assistentes sociais têm-se tornado cada vez mais presentes nos espaços públicos e privados e nas discussões sobre o envelhecimento da população brasileira. Alves (2014) reconhece o Serviço Social como um campo privilegiado de análise sobre o processo de envelhecimento, especialmente da classe trabalhadora, pois ele lida com essa expressão da questão social desde a sua gênese. Mesmo antes ligado à Igreja Católica, à filantropia, e hoje como uma profissão ligada ao setor público, e por vezes ao setor privado, que reconhece a assistência à essa parcela da população como uma questão de direito e não mais de caridade, que requer políticas públicas de enfrentamento. 1798

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Apesar dessas mudanças, a profissão precisa ainda romper definitivamente com o conservadorismo, também presente nas formas de produzir conhecimentos na gerontologia, especialmente o positivismo que se preocupa em descrever o processo e não em explicar suas determinações mais profundas. Nas palavras de Teixeira (2017) ainda se faz necessário não apenas nessa temática do envelhecimento, mas também de outras expressões da questão social análises críticas: Esse avanço não tem sido suficiente para gerar tradição na abordagem de inúmeras expressões da questão social, como o envelhecimento pobre, doentio, isolado, com acesso precário ou insuficiente às políticas públicas, que caracterizam o envelhecimento do trabalhador, de maneira a aborda-lo a partir do método histórico dialético e a gerar conhecimento na temática capazes de iluminar o trabalho profissional crítico e materializador do Projeto Ético-Político da profissão. (TEIXEIRA, 2017, p. 193) As análises da literatura feitas por Teixeira (2018), Alves (2014) sobre a temática do envelhecimento mostram que a profissão tratava esse tema de um modo menos qualificado e superficial, e buscava responder as demandas da velhice de um modo homogêneo, tratando todos os casos da mesma maneira ou de forma semelhante. Constataram que os profissionais tratam e trabalham com essa temática de maneiras conservadora, além de dar pouca visibilidade às particularidades das ações profissionais e da forma de produzir conhecimento sobre o fenômeno. Outra consequência de a pesquisa sobre o envelhecimento ser uma temática precoce no Serviço Social, é que os profissionais pesquisadores buscam conhecimentos em outras áreas que estudam o envelhecimento, como a Gerontologia Social, ainda marcada pelo modelo biomédico ou psicossocial. Apesar de ser uma área voltada para o social, não oferece uma análise da contribuição dos fatores macrossociais como determinantes do envelhecimento, em simbiose e interseção com o biológico e o psicológico, mantendo a subalternidade não apenas na prática profissional, mas na produção do conhecimento. 4 PERSPECTIVA CRÍTICA NA ABORDAGEM GERONTOLOGICA Dentre as áreas do conhecimento que fazem parte da gerontologia social, por pesquisarem ou intervirem na realidade do envelhecimento, destaca-se o Serviço Social. Mas, somente nos últimos anos, essa área vem ingressando as fileiras do pensamento crítico sobre o processo do envelhecimento. 1799

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A criticidade do Serviço Social se torna “legalizada” por assim dizer, a partir da construção do seu Projeto Ético Político, com seu código de ética, com o projeto de formação profissional e com a lei que regulamenta a profissão. As respostas do Serviço Social aos vários contextos presentes na sociedade capitalista e expressões da questão social em que são produzidas e reproduzidas, devem ser munidas, segundo Teixeira (2018) de um caráter crítico, apoiado pelo fator ético – político e teórico-metodológico. Sabemos que o Serviço Social enquanto área de conhecimento é algo relativamente jovem, abrangendo em seu campo científico temáticas referentes ao seu campo de formação e atuação profissional. Contudo, muitas dessas temáticas necessitam de aprofundamento devido as interpretações que não superam a imediaticidade dos fenômenos, a falta de criticidade e por vezes, até mesmo pouca ou a ausência de motivação do profissional em se aprofundar em determinados temas. A temática do envelhecimento é uma dessas abordadas recentemente pela profissão em que fica evidente a debilidade da produção científica. A temática do envelhecimento nos últimos anos, tem sido alvo de numerosas, embora insuficientes, discussões, devido ao envelhecimento demográfico acelerado e os desafios que imprime à sociedade, daí a importância de estudá-la. Por sua “jovialidade”, a temática do envelhecimento no âmbito investigativo científico do Serviço Social, muitas pesquisas e relatos de experiências publicados sobre o envelhecimento ou intervenção junto às pessoas idosas, utilizam como referencial teórico as abordagens do campo gerontológico tradicional. (TEIXEIRA, 2018). Nesse estudo da literatura do Serviço Social, Teixeira (2018) observou a predominância de referenciais biomédicos, do envelhecimento como fenômeno natural, parte de ciclo da vida, determinado biologicamente para a espécie humana. Logo, uma apreensão sem críticas e sem abordagens das determinações sociais (socioeconômicas e socioculturais) fundamentais para compreender a generalização da longevidade no contexto contemporâneo. Alves (2014) também na revisão das teses e dissertações sobre envelhecimento no Serviço Social, observou fenômeno similar, a predominância de referenciais positivistas (funcionalistas e sistêmicos). Ou seja, a não difusão de análises críticas, marxistas, amplamente difundidas e adotadas pela profissão, não se mostrava predominante nas análises do envelhecimento. 1800

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Entretanto, as autoras apontam também o surgimento de um grupo de pesquisadoras sobre o envelhecimento no Serviço Social que vem publicando em conjunto e realizando estudos e pesquisa sobre o envelhecimento numa perspectiva crítica e antenadas com o Projeto Ético-Político da Profissão, cujas contribuições estão ampliando um campo da gerontologia social, denominada de crítica. Nessa perspectiva crítica, a dialética entre fatores biológicos, psicológicos e sociais são amplamente abordados, aprofundando em suas análises os determinantes macroestruturais (sociais e culturais) do envelhecimento humano. Assim, a forma como o indivíduo se insere no trabalho e suas condições de vida são fatores determinante para a projeção de seu envelhecimento, bem como a presença do Estado social e das políticas sociais públicas. Na perspectiva da Gerontologia Social Crítica considera-se que a velhice, assim como toda a vida do trabalhador, é aviltada pelas condições concretas desfavoráveis à valorização do que é humano e a favor do desenvolvimento do capital. Os velhos fazem parte e estão inseridos na estrutura que sustenta o sistema de produção capitalista, tendo suas vidas afetadas pelo conjunto de medidas que priorizam a obtenção de lucro para empresas e indivíduos privados. (ALVES, 2014, p. 42). O que Alves (2014) destaca é que a velhice do trabalhador assalariado de certa maneira, é afetada pela sua forma de viver, visto que, o grande capital procura em maior parte prezar pelo lucro, desprezando e segregando aqueles considerados desajustáveis ou inúteis para o lucro. Daí os estigmas, visões negativas, de improdutividade, inutilidade, de estorvo para família e sociedade. Essas imagens criadas socialmente não atingem os segmentos da classe dominante, nunca considerados velhos demais para se casarem, para tomada de decisões, para se dedicarem à política, à arte, dentre outras atividades humanas 5 CONCLUSÃO O Serviço Social sempre teve processos interventivos juntos à parte da população idosa, especialmente, aqueles que necessitavam de maior assistência pelo acúmulo de vulnerabilidades. Mas, pouco produziu conhecimentos sobre os processos interventivos com esses grupos ou produziu conhecimento sobre o processo de envelhecimento. 1801

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O processo de reconceituação do Serviço Social marcou sua tentativa de ruptura com a tradição conservadora e criou e adotou massivamente um novo Projeto Ético- Político fincado em bases críticas na forma de intervir e produzir conhecimento. Entretanto, os estudos da literatura feita por autores da profissão apontaram ainda a presença de produções alimentadas pela referencial teórico da gerontologia social, predominantemente biomédico e psicossocial, que não rompem com o positivismo. Um grupo de autores assistentes sociais, docentes, discentes e pesquisadores da área vem contribuindo para a difusão da gerontologia social crítica, que parte do paradigma da totalidade social. As contribuições apontam para o caráter heterogêneo do envelhecimento, para as desigualdades geradas ou agudizadas pela sociedade do capital que geram inúmeros problemas sociais que atravessam a trajetória da classe trabalhadora, com o qual esse estudo se filia e contribui. REFERÊNCIAS ALVES, Suéllen Bezerra. Serviço Social e envelhecimento: estudo dos fundamentos teórico-político sobre velhice na produção de conhecimento do Serviço Social no Brasil. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. Pernambuco, RE: Universidade Federal de Pernambuco, 2014. BERNARDO, Maria Helena de Jesus. Envelhecimento da classe trabalhadora, dependência e cuidados familiares: desafios para a proteção social no município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2019. BRASIL, IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro, 2016 BRASIL, Lei N° 10.741, de 1° de Outubro de 2003. Estatuto do Idoso. Brasília, DF: 2003. TEIXEIRA, Solange Maria. Envelhecimento do trabalhador na sociedade capitalista. In: TEIXEIRA, Solange Maria (Org.). Envelhecimento na sociabilidade do capital. Campinas, SP: Papel Social, 2017. p. 31-49. TEIXEIRA, Solange Maria. Serviço Social e envelhecimento: perspectivas e tendências na abordagem da temática. In: COSTA, Joice Sousa (Org.). Aproximações e ensaios sobre a velhice. Franca, SP: UNESP-FCHS, 2018. p. 193-209. 1802

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA OS IMPACTOS DO NEOLIBERALISMO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: atuação do governo Bolsonaro e o Terceiro Setor na operacionalização da Política de Assistência Social THE IMPACTS OF NEOLIBERALISM ON PUBLIC POLICIES: performance of the Bolsonaro government and the Third Sector in the operationalization of the Social Assistance Policy Claudilene de Sousa Rocha1 Dayane Santos Nascimento2 3“O momento que vivemos é pleno de desafios. Mais do que nunca é preciso ter coragem, é preciso ter esperanças e enfrentar o tempo presente.” (Marilda Iamamoto) RESUMO O presente artigo apresenta uma discussão sobre os impactos do Neoliberalismo nas Políticas Públicas e a atuação do governo Bolsonaro e do Terceiro Setor frente à operacionalização da Política de Assistência Social. No entanto, cabe pontuar que dentro do contexto neoliberal o Estado exerce um outro papel de atuação, apenas de regulador de políticas públicas e não de garantidor de direitos sociais, isto é, transferindo às responsabilidades de garantias e execução das Políticas Públicas à setores secundários da sociedade Mercado e Terceiro Setor. Desse modo, elevando o Estado a uma verdadeira desresponsabilização do seu papel de obrigatoriedade e intervencionista frente a garantia do “Bem- Estar Social.” Assim, para aprofundar e desenvolver o estudo fez-se uso de metodologias com pesquisas de cunho documental e bibliográfica. Pois trata-se de um 1 Graduada em Serviço Social (FAEPI). Especialista em Serviço Social, Direitos Sociais e Políticas Sociais com Habilitação em Docência do Ensino Superior (FAR). Mestranda em Políticas Públicas (UFPI). E-mail: [email protected] 2Graduada em Serviço Social (FAEPI). Especialista em Serviço Social, Direitos Sociais e Políticas Sociais com Habilitação em Docência do Ensino Superior (FAR). E-mail:[email protected] 1803

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI estudo organizado em cima de revisões literárias sobre o tema proposto. Palavras-chaves: Neoliberalismo. Política de Assistência Social, Terceiro setor. ABSTRACT This article presents a discussion on the impacts of Neoliberalism on Public Policies and the performance of the Bolsonaro and Third Sector government in the implementation of the Social Assistance Policy. However, it is worth noting that within the neoliberal context, the State plays another role, only regulating public policies and not guaranteeing social rights, that is, transferring the responsibilities of guarantees and enforcement of Public Policies to secondary sectors of the Market and Third Sector society. In this way, elevating the State to a real lack of responsibility for its mandatory and intentional role in terms of the guarantee of \"Social Welfare.\" Thus, in order to deepen and develop the study, methodologies with documentary and bibliographic research were used. For it is a study organized on the basis of literary reviews on the proposed theme. Keywords: Neoliberalism. Social Assistance Policy. Third sector. INTRODUÇÃO A primeiro momento pontua-se a definição de Estado, como o correspondente ao governo de um povo em determinado território, sendo que este governo pode ser de regimes democráticos ou autoritários. Bobbio (1987), aponta alguns tipos ideais de Estado na visão dos clássicos; Hobbes com o Estado absoluto, Locke com monarquia parlamentar, Montesquieu com o Estado limitado, Rousseau com a democracia, Hegel com a monarquia constitucional e assim por diante. Em suma define-se como Estado Moderno, Estado Liberal Clássico, Estado de Direito e Estado Democrático. Bobbio (1987), pontua que na obra o “Príncipe de Maquiavel” o autor diz que todos os Estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, foram e são repúblicas ou principados. E é nisto que dá-se uma certa razão, como esforço de combinação do pensamento de racionalidade com a política e a necessidade de ter no Estado o suporte do espaço comum de convivência. Então, nesse âmbito, nasceria a Razão de Estado. Bobbio (1987), pontua que no Estado de Direito obrigatoriamente todos os direitos fundamentais do homem devem ser protegidos pelo Estado: tanto os direitos políticos, como os sociais e os econômicos. O Estado Democrático de Direito está baseado no cumprimento por parte dos governos das normas de direito e no 1804


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