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EIXO 4 - Seguridade Social: Assistência Social, Saúde e Previdência

Published by Editora Lestu Publishing Company, 2021-01-22 14:30:02

Description: Seguridade Social: Assistência Social, Saúde e Previdência

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ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Assistência Social. MINISTÉRIO DA CIDADANIA. Portaria nº 2362/2019. Dispõe sobre acompanhamento do cofinanciamento do SUAS. MOTA, Ana Elizabete. A centralidade da assistência social na Seguridade Social brasileira nos anos 2000. In: O mito da assistência social: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade. MOTA, Ana Elizabete (Org.). 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. PAIVA, Luiz Henrique.; SOUZA, Pedro. H. G. Ferreira de Souza; BARTHOLO, Letícia.; SOARES, Sergei. Evitando a Pandemia da pobreza: possibilidades para o Programa Bolsa Família e Para O Cadastro Único em resposta àCovid-19. In: Nota Técnica/IPEA. 2020. SILVA, Mossicleia Mendes. Desenvolvimento capitalista e assistência social no Brasil: a encruzilhada da modernização com o Plano Brasil sem Miséria, 2011-2016. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Serviço Social /Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2018. 2005

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA REVISÃO SISTEMÁTICA SOBRE OS CUIDADORES FAMILIARES DE PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL SYSTEMATIC REVIEW ON FAMILIES OF PEOPLE WITH MENTAL DISORDER Anne Piauilino Leopoldo1 Lucia Cristina dos Santos Rosa2 RESUMO O estudo debate sobre a atual operacionalização das Políticas Sociais, em especial o fenômeno de judicialização do acesso a direitos sociais legalmente reconhecidos. Objetiva-se analisar as representações ao Sistema de Justiça Catarinense, a partir do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e de seu prosseguimento no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no campo da efetivação dos direitos sociais básicos no âmbito da família e infância. A pesquisa tem natureza qualitativa e como proposta metodológica de coleta de dados envolve revisão de literatura e pesquisa documental. Como resultados esperados, pretende-se avançar na discussão sobre a judicialização das políticas sociais, avaliando como a efetivação dos direitos sociais no âmbito da família e infância são atendidas, ou não atendidas, pelos serviços públicos e como são encaminhadas para avaliação e ação do MPSC. Palavras-chaves: Cuidadores; Familiares; Saúde Mental. ABSTRACT The study debates the current operationalization of Social Policies, in particular the phenomenon of judicialization of access to legally recognized social rights. The objective is to analyze the representations to the Santa Catarina Justice System, from the Public Ministry of Santa Catarina (MPSC) and its continuation in the Santa Catarina Court of Justice, in the field of the realization of basic social rights in the scope of the family and childhood. The research has a qualitative nature and as a methodological proposal for data 1 Mestranda da Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. E-mail: [email protected] 2 Professora da Pós-Graduação em Políticas Públicas e do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí. Universidade Federal do Piauí. Doutora em Serviço social. Email: [email protected] 2006

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI collection, it involves literature review and documentary research. As expected results, it is intended to advance the discussion on the judicialization of social policies, evaluating how the realization of social rights in the family and childhood scope are served, or not attended, by public services and how they are referred for evaluation and action by the MPSC. Keywords: Caregivers; Family members; Mental Health; INTRODUÇÃO Os processos de reforma psiquiátrica de alterações paradigmáticas e assistenciais na saúde mental, no contexto brasileiro, significaram, no primeiro nível de investimento, a substituição das instituições fechadas e totais, pautadas num modelo coercitivo e segregador, para a construção de uma rede de serviços de base comunitária. Nesta nova perspectiva de assistência, o que se propõe é a reinserção social das pessoas com transtorno mental por meio da tríade: trabalho, família e comunidade (GOES, 2007). Nesse novo contexto, a família também é redimensionada em seus lugares e em suas obrigações, obtendo, quando existente, destaque enquanto parceira, membro imprescindível ao cuidado e à execução e implementação da política de saúde mental na direção desinstitucionalizante. No âmbito das políticas de saúde mental, nos processos de desinstitucionalização e nas discussões reformistas, a família ganha uma multiplicidade de sentidos que podem ser enquadrados como: 1) um segmento que tem necessidade de assistência e cuidado; 2) um recurso ou possível lugar de convivência; 3) fornecedora de cuidados; 4) avaliadora de serviços; 5) sujeito político, incluindo a condição de gestora de serviços. Todas essas perspectivas não são excludentes, pelo contrário, entrelaçam-se em um mosaico complexo de possibilidades, encontros e até desencontros (ROSA, 2009). No Brasil, nas políticas de saúde mental, tem-se que a realidade econômica da maioria das famílias que acessam e utilizam o Sistema Único de Saúde é de baixa renda (BARATA, 2009). Identifica-se uma sobrecarga em múltiplas dimensões, onde as famílias muitas vezes são culpabilizadas pelo mau desempenho no cuidado, sem ser ponderado que na promoção do cuidado familiar à pessoa com transtorno mental há um conjunto de necessidades que devem ser consideradas previamente. Exemplo disso é a 2007

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI dificuldade de compreender o diagnóstico e o tratamento, do mesmo modo da falta de preparo para o provimento do cuidado doméstico, como reconhecido na literatura, um cuidado complexo, principalmente em se tratando de pessoas adultas situadas em contexto de intensa estigmatização e destituição, inclusive de direitos. Dado a relevância deste tema, este estudo tem como objetivo realizar uma revisão sistemática dos trabalhos publicados durante o período de 2015 a abril de 2020 para identificar o que se tem produzido sobre cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental e quais são as principais categorias e aspectos destacados nos estudos publicados nos últimos cincos anos, a fim de processar um balanço e contribuir no debate sobre a temática. Desse modo, foi realizada uma revisão sistemática da literatura científica acerca dos cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental. Esta revisão trata de um tipo de investigação proposta para identificar, selecionar, avaliar e sintetizar as evidências relevantes e disponíveis sobre uma questão bastante definida. Para realização desta revisão foram percorridas cinco etapas: definição da pergunta norteadora; definição dos critérios de inclusão e estratégia de busca; busca dos trabalhos; seleção; coleta e classificação dos eixos de análise predominante e síntese dos resultados. A pergunta norteadora foi: como os estudos científicos dos últimos cinco anos têm abordado a temática dos cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental? Passou-se então para a definição dos critérios de inclusão e estratégia de busca: artigos completos publicados em periódicos científicos nos anos de 2015 a abril de 2020, nos idiomas português, indexados nas bases da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Scielo, por serem consideradas bases de dados virtuais de referência para publicações nacionais. Foram escolhidos os trabalhos que investigaram e/ou abordaram os cuidadores familiares na saúde mental, cuidadores e saúde mental como assunto principal. Aqueles que incluíam saúde mental e cuidados a idosos, crianças e adolescentes, usuários de drogas, pessoas com doenças crônicas, foram excluídos. Para a busca na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) foram utilizadas as seguintes palavras chave: cuidadores, transtornos mentais, família e saúde mental. Já quanto à seleção dos trabalhos, foram verificados seus resumos para a aplicação dos critérios de inclusão e posterior análise. Por fim, passou-se à coleta e síntese dos dados a partir das 2008

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI seguintes variáveis: ano de publicação, abordagem metodológica e principais resultados. Com a utilização das palavras-chave supracitadas foram identificados 52 trabalhos nas plataformas indicadas, dos quais 18 foram publicados entre 2015 e abril 2020, contudo, sete tratavam de cuidadores familiares fora do critério estabelecido de inclusão. Após análise dos resumos dos 18 trabalhos selecionados pelos assuntos e pelo tempo da publicação, apenas 11 foram contemplados, em função do formato de artigo. 2 RESULTADOS Observou-se que em relação ao ano de publicação, entre o período estabelecido (2015-2020) houve publicações em quase todos os anos remetidos ao quinquênio, exceto em 2016. O ano que teve o maior número registrado foi em 2018, com quatros artigos; seguido do ano de 2017, com três artigos e dois artigos publicados no ano de 2015 e no ano de 2019. Para a análise dos resultados, os estudos utilizaram majoritariamente a abordagem de orientação fenomenológica como aporte teórico e norteador da pesquisa, estudos tais de natureza exploratória-descritivo, analíticos, avaliativos, com delineamento transversal e com modelo teórico hierarquizado. A análise dos dados permitiu apreender as seguintes categorias temáticas: “perfil sociodemográfico dos cuidadores familiares”; “impactos do transtorno mental, traduzido em sobrecargas” e “estratégias de enfrentamento”. 2.1 Perfil dos cuidadores Dos onze trabalhos analisados, dez apresentaram o perfil dos cuidadores, sendo este marcado pelo gênero feminino, destacando-se como principais traços: mães, casadas, com faixa etária de 50 a 60 anos, o que indica a persistência da divisão sexual do trabalho na produção e provisão do cuidado doméstico de pessoas enfermas, com participação masculina ainda reduzida. Está evidente a presença feminina no papel de cuidadora principal, o que converge com a histórica divisão sexual do cuidado estabelecido pela sociedade moderna associada a valores socioculturais, na qual todo e qualquer cuidado é reportado ao universo feminino, em razão da maternidade, uma vez que houve a 2009

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI associação, naturalização, entre o feminino e o “instinto” materno. No entanto, não há um indício probatório da existência do instinto do amor materno; o que há, na verdade, é uma história construída e apropriada, pois, o amor materno não é algo naturalmente dado e a sua concepção não pode ser considerada de forma a-histórica (BADINTER, 1985). Nos estudos que investigaram os dados sociodemográficos sobre trabalhos remunerados, as mulheres cuidadoras formavam uma minoria em trabalhos remunerados em relação aos homens cuidadores, o que reforça a divisão sexual do trabalho, o qual pauta a divisão do trabalho social a partir das relações sociais de sexo. Aos homens é designado o espaço produtivo e remunerado, socialmente reconhecido; às mulheres é destinada a esfera reprodutiva, doméstica, trabalho este que não diz respeito só a reprodução da vida, mas também sobre a estrutura de cuidados na sociedade que muitas vezes não é vista como cuidado. É um trabalho não pago, e quando o é, é mal remunerado. Essa maneira de divisão sexual e social do trabalho tem como fundamentos orientadores a separação do que é trabalho de homens, do que é trabalho de mulheres e a hierarquização de um trabalho valer mais que o outro. No caso, o trabalho do homem tem mais valor econômico e social do que o trabalho da mulher (HIRATA, 2009). Quanto ao predomínio do grau de escolaridade, os estudos que apresentaram esse dado demonstraram que a maioria só possuía ensino fundamental incompleto (ARAÚJO; PEDROSO; 2019; e MAGALHÃES; LOPES; et al; 2018; OLIVEIRA; ELOIA; LIMA et al; 2017), ou com escolaridade de zero a oito anos de permanência na escola (REZENDE; MOLL; VENTURA; PIRES; 2018), o que sinaliza para pessoas que necessitam de maior investimento para compreender ou ter a linguagem biomédica traduzia. Essa linguagem se associa ao universo assistencial e cria barreiras na comunicação com esse segmento. Em relação à ocupação ou ao trabalho, as pesquisas que apresentaram esse dado trouxeram que a maioria revelou que era doméstica, encontrando-se, além destas, apenas uma professora aposentada (MAGALHÃES; LOPES; et al; 2018), outros estudos apresentaram um número grande de desempregados ou do lar (OLIVEIRA; ELOIA; LIMA et all, 2017). Nesse sentido, observa-se pessoas “disponíveis” para cuidar, contudo, sem renda que proporcione anteparo. 2010

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Apenas em um trabalho houve predomínio do sexo masculino como cuidador (REZENDE; MOLL; VENTURA; PIRES, 2018). Neste trabalho específico, participaram da pesquisa 10 familiares de pessoas hospitalizadas nos leitos psiquiátricos. Enquanto os demais estudos, que apresentaram a maioria feminina, foram realizados em Centros de Atenção Psicossocial, o que nos leva a compreensão que, quando se trata do cuidado diário, doméstico e contínuo, as mulheres estão à frente, à medida que homens aparecem majoritariamente em cuidados pontuais em hospitais. Além disso, em relação à ocupação, eles não trabalhavam por estarem aposentados ou afastados do emprego, com renda mensal aproximada de dois salários mínimos. Ao passo que, em outros estudos, as mulheres cuidadoras aparecem sem trabalho remunerado e com renda de até dois salários mínimos (KANTORSKI; JARDIM; et al, 2017). No estudo que trouxe os fatores associados à sobrecarga subjetiva de homens e mulheres cuidadores de pacientes psiquiátricos (BATISTA; BANDEIRA; OLIVEIRA, 2015), participaram 50 homens e 50 mulheres cuidadores de pacientes psiquiátricos, usuários de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e de Ambulatório de Saúde Mental. Nessa pesquisa a maioria dos cuidadores do sexo masculino eram pais dos pacientes e um pouco mais de trinta por cento eram irmãos, enquanto, no grupo das mulheres cuidadoras, 42% eram cônjuges do paciente e 28% eram irmãs. Enfatiza-se que tantos homens, quanto mulheres cuidadores têm os (as) irmãos (ãs) com o nível de parentesco que exige a segunda maior demanda de cuidado. 2.2 Os impactos das requisições que perpassam o cuidado: sobrecargas em destaque A existência de uma pessoa com transtorno mental grave e persistente no meio familiar vai requerer a provisão cotidiana do cuidado. Cuidar configura um trabalho, socialmente invisível, sem valoração social, sobretudo entre os segmentos de baixa renda, realizado sem remuneração. Implica tanto a dimensão material como imaterial, requerendo proximidade e vínculo afetivo e emocional (GAMA, 2014). As pesquisas sinalizam que a provisão de cuidado por tempo prolongado, como acontece nas situações de pessoa com enfermidades consideradas crônicas não transmissíveis, como os transtornos mentais, tende a impactar a família como um todo, mas, de maneira singular a cuidadora, que tende a centralizar sobre si as principais 2011

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI tarefas da produção e provisão de cuidado. Nesse contexto, o cuidado, apreendido como um trabalho, é atravessado por sobrecargas sobre as cuidadoras, tanto na dimensão objetiva (material, palpável) quanto subjetiva, percebidas e descritas como aquelas que repercutem emocionalmente. Entre as sobrecargas objetivas, materiais, destacam-se: questões financeiras, realização de tarefas de casa, administração de medicamentos, levar às consultas médicas. Dentre as sobrecargas subjetivas, destacam- se, além das preocupações com a segurança, exaustão emocional e indefinição quanto ao futuro familiar. No estudo sobre os fatores associados à sobrecarga subjetiva de homens e mulheres cuidadores de pessoas com transtornos mentais (BATISTA; BANDEIRA; OLIVEIRA; 2015), os resultados apontaram que do ponto de vista subjetivo, a sobrecarga expressa dos cuidadores de gênero feminino era maior quando não havia crianças morando na mesma casa; apesar de outros estudos mostrarem que a presença de crianças em casa contribuiu para elevar a sobrecarga dos familiares. No entanto, os autores deduzem que a presença de crianças em casa, nesta pesquisa específica, seja um fator que reduz o grau de sobrecarga subjetiva, na perspectiva de que as crianças podem proporcionar momentos de alegrias, descontração, o que pode amenizar o estresse provocado pela atividade do cuidado de uma pessoa com transtorno mental. Entretanto, não há consenso sobre a questão. A sobrecarga subjetiva das cuidadoras era maior quando as pessoas com transtorno mental não desempenhavam atividades fora de casa, pois requeria maior tempo de vigilância e atenção, e quando as pessoas com transtorno mental apresentavam um outro diagnóstico associado ao diagnóstico principal. Além disso, quanto maior era o número de comportamentos problemáticos do paciente, maior era a sobrecarga do familiar, ou seja, mais de um diagnóstico conjugado tende a estar associado a dificuldades de manejo comportamental. Os resultados indicaram que a sobrecarga subjetiva dos homens cuidadores era maior quando eles não moravam com os pacientes e quando possuíam renda, isso porque o fato do cuidador estar distante da pessoa com transtorno mental significava uma menor supervisão de suas atividades, o que poderia ocasionar maior preocupação com a segurança da pessoa cuidada, além de todo o desgaste do deslocamento entre as casas para dar o suporte. No entanto, este dado diverge dos estudos de Loukissa (1995) 2012

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI que verificou que os familiares que moravam com os pacientes eram os mais afetados. Assim, não há consenso sobre as repercussões do cuidador e da pessoa cuidada estarem ou não morando na mesma residência. Outro ponto apresentado pelos homens cuidadores sobre a sobrecarga diz respeito à pessoa que era cuidada não possuir quarto individual, o que é associado a diminuição de privacidade e o aumento de incômodos com os comportamentos complexos durante a noite. Além disso, a sobrecarga desses homens era maior quando eles relatavam apresentar alguma doença decorrente do fato de cuidar e quanto maior era o número de filhos dos familiares cuidadores. Ou seja, quando a saúde do cuidador(a) já estava comprometida ou tinha que desdobrar o cuidado com outros membros da família. Outro elemento que este estudo apresentou foi a menor idade da pessoa cuidada estar relacionada com o maior o grau de sobrecarga subjetiva, o que pode ser explicado pelo fato de as pessoas com transtorno mental mais jovens apresentarem condições clínicas menos estabilizadas. A sobrecarga subjetiva dos homens cuidadores era maior quando a pessoa cuidada apresentava doenças físicas e quando tomava maior quantidade de medicação, o que está relacionado com a gravidade de seu quadro clínico e por isso requer mais cuidados e mais atenção. Esses estudos apresentam que homens e mulheres cuidadores possuem distintas formas de reação e de dificuldades em relação ao papel do cuidado(r). O reconhecimento dessas diferenças permite identificar as necessidades específicas em função do gênero, parentesco, idade, renda, escolaridade, composição familiar, possibilitando que os serviços tenham uma abordagem diferenciada e mais completa no atendimento desses familiares. 2.3 Estratégias de enfrentamento: da autoexigência para recursos externos Quando analisamos a sobrecarga subjetiva emocional dos cuidadores, encontramos falas carregadas de responsabilidade e de secundarização das próprias necessidades, com abdicação das necessidades inerentes à saúde, projetos de estudos e até futuro, para dar prioridade às demandas da pessoa com transtorno mental e se amoldar à realidade de seus familiares que necessitam de cuidados (MAGALHÃES; LOPES; et al.; 2018). Nesse contexto, alguns cuidadores entendem que não há com quem dividir a responsabilidade do cuidado cotidianamente, figurando como únicas e 2013

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI solitárias cuidadoras, o que por si mesmo é fator de sobrecarga. Em razão disso, muitas apresentam sintomas de ansiedade, cansaço físico e emocional e chegam a fazer o uso de medicamentos (SANTOS; EULÁLIO; BARROS, 2015 e ALMEIDA; MENDONÇA, 2017), com risco de atingir a exaustão e também necessitarem ser cuidadas. No período de internação da pessoa com transtorno mental há um maior impacto na rotina familiar, citado em estudo no qual predominou os homens como cuidadores, pois o cuidador é demandado a permanecer como acompanhante no dia a dia do hospital, o que faz com que renunciem às suas atividades, inclusive no cuidado com outros membros da família, como crianças, para acompanhar e cuidar do familiar com transtorno mental (REZENDE; MOLL; VENTURA; PIRES, 2018). Em pesquisa que buscou compreender as ressonâncias psicossociais em familiares que convivem com uma pessoa em situação de transtorno mental, Almeida e Mendonça (2017) relatam que alguns familiares declararam que recebiam suporte somente dos familiares que moram na mesma casa, ou seja, de quem está muito próximo geograficamente. Já outros familiares cuidadores também se referiram ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) como um lugar de auxílio, quer porque dividem o tempo de cuidado com esse equipamento, visto como espaço de troca entre pares (entre os cuidadores e entre as pessoas com transtornos mentais) e de convivência para ambos; quer por se constituir como recurso de informação, orientação e suporte mútuo. Neste sentido, quanto às estratégias de Enfrentamento de Mulheres Cuidadoras de Pessoas com Esquizofrenia, os cuidadores mencionaram as atividades grupais do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) como um recurso que ameniza os sentimentos de solidão e possibilita as trocas de experiências (MAGALHÃES; LOPES; et al, 2018), visto que a percepção dos familiares acerca das atividades grupais está relacionada a um espaço de apoio mútuo e de fortalecimento, pois percebem que não são os únicos a enfrentar aquele tipo de experiência (DUARTE; CARVALHO; BRENTANO, 2018). É um recurso de solidariedade e trocas de conhecimento, que redunda em maior segurança e sentimento subjetivo de partilha de um contexto em comum, sentindo-se apoiadas por terem interlocutores que configuram par no sofrimento similar e nos desafios cotidianos. Os estudos mostram que familiares cuidadores mencionam a necessidade de conhecer o diagnóstico, causas, tratamento e aprender sobre como abordar a pessoa 2014

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI com transtorno mental (DUARTE; CARVALHO; BRENTANO, 2018). A maioria não sabe nomear o transtorno mental, nem o que fazer ou como intervir em momentos de crise, apesar de o parente estar em tratamento há algum tempo (ALMEIDA; MENDONÇA, 2017). Logo, o desconhecimento sobre o diagnóstico, tratamento e o manejo configuram esfera de sobrecarga, pois ficam à mercê do desconhecido. Na pesquisa sobre a relação entre emoção expressa e variáveis sociodemográficas, estresse precoce e sintomas de estresse em cuidadores informais de pessoas com transtornos mentais (ARAUJO; PEDROSO; 2019), levantou-se que é provável que cuidadores que possuem menor escolaridade insistam menos que a pessoa com transtorno mental tenha uma maior independência e autonomia. No entanto, sobre esse dado, não foram encontrados estudos com resultado semelhante na literatura nacional para que se possa melhor discorrer, o que indica a necessidade de estudos adicionais. Pontuou-se também que a idade do cuidador constituiu fator de risco para alta emoção expressa, isso quer dizer que cuidadores de maiores idades possuem um maior nível de estresse, pois essa é uma fase na qual essas pessoas deveriam estar recebendo cuidados, e não ofertando; ademais, há o temor de morte, e preocupação de como ficará a pessoa a ser cuidada. Os resultados ainda de Araújo e Pedroso (2019) mostraram que os cuidadores que sofreram com a negligência e/ou abandono durante a infância se tornam exageradamente superprotetores e preocupados com a pessoa da qual cuidam. Também pontuaram a eficácia de intervenções psicoeducativas e de apoio fornecidas a familiares cuidadores de pessoas com transtorno mental, como medidas de diminuição do sofrimento psicológico dos cuidadores. Percebeu-se que o investimento na espiritualidade se configura também como um significativo anteparo de aceitação e ressignificação do status quo e suporte para as cuidadoras. No trabalho que analisa a sobrecarga em acompanhantes de pessoas com transtorno mental internados em hospital geral, Rezende, Moll, Ventura e Pires (2018) constataram que 90% afirmaram professar alguma religião e 70% ser praticante regular. No trabalho de Araújo e Pedroso (2019), 84% também disseram seguir alguma religião. No entanto, apesar do suporte da religião, percebeu-se, em estudos sobre a família e o cuidado em saúde mental no contexto da religião pentecostal na região Amazônia, o quanto a família é responsabilizada pelo adoecimento do familiar. Isso 2015

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sinaliza que, paradoxalmente, o suporte em algumas denominações religiosas também pode ser fator de possível agravo à saúde mental das cuidadoras, por sua tendência à associação ao pecado, a algo demoníaco, a possessões. (ANDRADE; CEDADO; BATISTA; 2018). 3 CONCLUSÃO A temática dos cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental não é uma temática relativamente recente, no entanto, para a revisão sistemática das pesquisas realizadas nos últimos cinco anos, a definição do melhor descritor foi um fator de dificuldade, o que pode ter colaborado para a não identificação de outros importantes trabalhos que podem ter sido publicados com os requisitos estabelecidos. Apesar disso, nesta pesquisa, observou-se que os estudos científicos dos últimos cinco anos têm abordado a temática dos cuidadores familiares de pessoas com transtorno mental na perspectiva dos sentidos do cuidar, da análise da percepção de familiares de pessoas com transtorno mental sobre os grupos de apoio e sobre os indicadores de sobrecarga do cuidador em saúde mental, demonstrando ser uma temática atual e de grande relevância para o desenvolvimento de pesquisas e de novas práticas de assistência à saúde mental. Em alguns estudos houve a presença de dados que contrariam outras pesquisas nacionais, sinalizando para ausência de consensos em algumas questões, tais como a coabitação da pessoa com transtorno mental e crianças; e o impacto de uma internação sobre o cotidiano do cuidador, mas a grande maioria dos artigos utilizados nesta revisão reforçou importantes elementos já apresentados nos estudos nacionais sobre cuidadores familiares. A revisão possibilitou identificar o interesse de pesquisadores pela temática dos cuidadores, principalmente na perspectiva da sobrecarga objetiva e subjetiva, envolvendo o emocional, qualidade de vida, emoções, estratégias e marcadores de gênero. No entanto, percebeu-se que nesses estudos não se apresenta o elemento raça entre os determinantes sociais de saúde e no perfil dos cuidadores. Desse modo, aponta-se a interseccionalidade como uma proposta para levar em conta as diversas fontes de identidades dos familiares cuidadores, visto que nos remete a uma teoria que 2016

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI visa apreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um enfoque integrado. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), por serem um dos principais serviços substitutivos na assistência em saúde mental, destacaram-se como o único apoio de cuidado para os familiares, o que pode ser questionado frente à crescente precarização dos serviços públicos, com a sobrecarrega pela intensa procura dos cuidadores e da própria pessoa com transtorno mental a um cuidado complexo, que exige intersetorialidade e integralidade na ação, para além da política de saúde, em um contexto de persistência do estigma ao segmento em tela. Não temos elementos nas pesquisas analisadas sobre as (im)possibilidades dos Caps. Neste contexto, a atenção ao cuidador familiar ainda precisa de maiores estudos para elucidação de seus direitos - tanto por parte de profissionais de saúde, quanto pela própria política. A carência de estudos sobre os direitos dos familiares cuidadores no provimento do cuidado doméstico de pessoa com transtorno mental nos aponta a reflexão e revela a necessidade de desenvolvimento de mais pesquisas sobre a temática de forma a contribuir para a qualidade de vida e a garantia de direitos do cuidador e de quem é cuidado. Um dado que chamou a atenção foi a quantidade de irmãos que cuidam um do outro. Vale lembrar que, juridicamente, não há obrigatoriedade da produção de cuidados entre irmãos, figurando apenas no plano da ética do dar, receber e retribuir, como detalha Cintia Sarti (1996). Desse modo, pode-se indagar em futuras pesquisas: quais direitos são atribuídos àqueles que cuidam? Os cuidadores se reconhecem como sujeitos que têm direitos na política de saúde mental? O cuidado é uma responsabilidade exclusiva da família? Em que condições se produz o cuidado? Merece ainda mais ações na perspectiva de minimizar danos e afirmar direitos, não apenas deveres. REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. H. S.; MENDONÇA, E. de S. Um olhar à família: ressonâncias psicossociais em familiares que convivem com uma pessoa em situação de transtorno mental. Barbarói; (49): 1-24, jan.-jun. 2017. 2017

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ANDRADE, O. M; BATISTA, E.C.; CEDRADO, J.J. A família e o cuidado em saúde mental no contexto da religião pentecostal na região Amazônia. Barbarói, Santa Cruz do Sul, n. 52, p.<1-21>, jul/dez, 2018. ARAUJO, A. da S.; PEDROSO, T. G. A relação entre emoção expressa e variáveis sociodemográficas, estresse precoce e sintomas de estresse em cuidadores informais de pessoas com transtornos mentais. Cad. Bras. Ter. Ocup., Dez 2019, vol.27, no.4, p.743-753. ISSN 2526-8910 BADINTER, E. Um amor conquistado – o mito do amor materno. 8ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BARATA, R.B. Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2009. BATISTA, C.F.; BANDEIRA, M.; OLIVEIRA, D.R. Fatores associados à sobrecarga subjetiva de homens e mulheres cuidadores de pacientes psiquiátricos. Ciênc. saúde coletiva; 20(9): 2857-2866, Set. 2015. DUARTE, M.L.C.; CARVALHO, J.; BRENTANO, V. Percepção dos familiares acerca do grupo de apoio realizado em uma unidade de internação psiquiátrica. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0115. doi: https:// doi.org/10.1590/1983- 1447.2018.20170115. GOES, A. M. R. Cuidadores(as) de portadores de transtorno mental e a família no contexto de desinstitucionalização.2007. Dissertação (Mestrado) –Universidade Estadual de Londrina, Paraná, 2007. GUANILO, M.C; TAKAHASH, R.F; BERTOLOZZ, M. R. Revisão sistemática: noções gerais. Rev Esc Enferm USP, 2011; 45(5):1260-6. HIRATA, Helena et al. (Org.). Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: Editora UNESP, 2009. OLIVEIRA, E. N.; ELOIA, S. M. C. et al. A família não é de ferro: ela cuida de pessoas com transtorno mental. Revista online de pesquisa cuidado é fundamental. 2017. jan./mar. 9(1): 71-78. KANTORSKI, L. P. et al. Gênero como marcador das relações de cuidado informal em saúde mental. Cad. saúde colet., Mar 2019, vol.27, no.1, p.60-66. ISSN 1414-462X. KANTORSKI, L. P. et al. Fatores associados a uma pior avaliação da qualidade de vida entre familiares cuidadores de usuários de Centros de Atenção Psicossocial. Cad. saúde colet., Dez 2017, vol.25, no.4, p.460-467. ISSN 1414-462X. LOUKISSA, A.D. Family burden in chronic mental illness: a review of research studies. J Adv Nurs 1995; 21(2):248-255. 2018

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI MAGALHÃES, J.J.; LOPES, R.E. et al. Estratégias de Enfrentamento de Mulheres Cuidadoras de Pessoas com Esquizofrenia. Revista online de pesquisa cuidado é fundamental online 2018. jul./set. ROSA, L.C. dos S. A família como usuária de serviços e como sujeito político no processo de reforma psiquiátrica. In. VASCONCELOS, E. M. (org.). Abordagens psicossociais, vol. III: perspectivas para o serviço social. São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2009. REZENDE, N. F. F.; MOLL, M. F.; VENTURA, C. A. A.; PIRES, F. C. Sobrecarga em acompanhantes de pacientes psiquiátricos internados em hospital geral. REME rev. min. enferm; 22: e-1081, 2018. SANTOS, C. F.; EULÁLIO, M. do C.; BARROS, P. M. O sentido do cuidar para familiares de pessoas com transtorno mental: um estudo descritivo. Mudanças – Psicologia da saúde; 23(2): 27-35, jul.-dez. 2015. SARTI, C.A. A família como espelho – um estudo sobre a moral dos pobres. Campinas: Editora Autores Associados, 1996. SPOSATI, A. Vida urbana e gestão da pobreza. São Paulo: Cortez, 1988. 2019

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA A POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (PNAS): DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO TRABALHO SOCIAL COM AS FAMÍLIAS NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA THE NATIONAL SOCIAL ASSISTANCE POLICY (PNAS): CHALLENGES AND POSSIBILITIES OF SOCIAL WORK WITH FAMILIES IN BASIC SOCIAL PROTECTION Carmem Letícia dos Santos 1 Francislane Viana da Cruz 2 Maria de Jesus da Silva Lopes 3 Thais Tássia Pereira da Silva4 RESUMO O presente artigo traz uma abordagem sobre a Política Nacional de Assistência Social, dando ênfase ao trabalho social com as famílias na proteção social básica. É um estudo de abordagem qualitativa. Os métodos utilizados permitiram uma reflexão a respeito do tema discutido, capaz de atender aos objetivos propostos. As conclusões obtidas demonstraram que a proteção social básica às famílias por meio do trabalho social apresenta desafios, mas com a efetivação das políticas públicas, as possibilidades se tornam presentes. Diante dos desafios temos a mínima intervenção do Estado, a fragilidade dos vínculos familiares, comunitários e das redes de proteção, assim como a intersetorialidade nos serviços públicos, dentre outros. O estudo demonstrou como possibilidades o caráter protetivo do Estado, a ampliação do acesso aos direitos, dentre outros que superem as situações de vulnerabilidades sociais. Palavras-chaves: Proteção Social Básica. Trabalho Social. Famílias. 1 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: [email protected] 3 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: [email protected] 4 Bacharel em Serviço Social, pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: [email protected] 2020

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ABSTRACT This article presents an approach on the National Social Assistance Policy, emphasizing social work with families in basic social protection. It is a study of qualitative approach. The methods used allowed a reflection on the topic discussed, capable of meeting the proposed objectives. The conclusions obtained demonstrated that basic social protection for families through social work presents challenges, but with the implementation of public policies, the possibilities become present. In view of the challenges, we have the minimum intervention by the State, the fragility of family, community bonds and safety nets, as well as the intersectorality in public services, among others. The study demonstrated as possibilities the protective character of the State, the expansion of access to rights, among others that overcome situations of social vulnerabilities. Keywords: Basic Social Protection. Social work. Families INTRODUÇÃO A Proteção Social Básica (PSB), na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), traz desafios e possibilidades no que se refere ao trabalho social com as famílias na PSB, tendo em vista, que a mesma estabelece caráter preventivo dos direitos sociais, objetivando fortalecer os vínculos familiares, proteger o ciclo de vida de indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade social. Vale ressaltar que a PSB visa fortalecer os vínculos familiares e comunitários, a fim de garantir os mínimos sociais a população referenciada pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), por meio de ações socioassistenciais, programas, projetos, benefícios e serviços executados em todos os municípios em diferentes territórios, articulados a projetos de geração de renda e trabalho social com as famílias (BRASIL, 2004). Esse artigo visa compreender como é desenvolvido o trabalho social destinado às famílias referenciadas, na PSB. Assim, o presente trabalho tem como objetivos, discorrer sobre a PSB na Política de Assistência Social; identificar as características do trabalho social com as famílias; discutir os desafios e possibilidades do trabalho social com as famílias no âmbito da PSB em situação de vulnerabilidade. Desse modo, o presente estudo encontra-se estruturado e dividido em três etapas: explanar a Política de Assistência Social com abordagem sobre a proteção social básica, seguida das características do trabalho social com as famílias na proteção social 2021

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI e traça desafios e possibilidades do trabalho social na proteção social das famílias em situação de vulnerabilidade. 2 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA A Constituição Federal de 1988 (CF) trouxe uma nova abordagem para a Política de Assistência Social (PNAS), a mesma passa a integrar a Seguridade social como sistema de proteção social, juntamente com a saúde e a previdência social. Os marcos legais foram fundamentais nessa nova percepção como política pública, de caráter não contributivo e de responsabilidade do Estado (PRISCO, 2012). Com a aprovação da Lei orgânica de Assistência Social (LOAS) em 1993, foi reforçado um novo olhar sobre a PNAS, tendo em vista a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado, que provê os mínimos sociais, realizadas mediante um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (BRASIL, 1993). A LOAS passou a ser uma política pública garantida por um conjunto de direitos articulados as políticas públicas, onde a proteção social na assistência social para se constituir com efetividade de política pública, foi sendo estruturada anos depois com a PNAS em 2004. A PNAS passou a ser política de proteção social que aborda ações de proteção com caráter preventivo aos riscos sociais no acesso a bens e serviços socioassistenciais às pessoas que vivem em situação de pobreza, fragilização dos vínculos familiares, afetivos, comunitários, com abrangência e referência territorial. A proteção social passou claramente a ser provida pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que se refere a uma rede que consiste em desempenhar ações de proteção social ofertada “para redução e preservação do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva, e relacional” (BRASIL, 2005, p.90). Nesse sentido, a lógica de ações estruturadas no sistema de proteção social previstos pela PNAS e o SUAS, visam melhorar as condições de vida das famílias, para que as mesmas possam ser protagonistas de sua história. O SUAS materializa o que é preconizado na LOAS, com o objetivo de efetivar os direitos de cidadania e inclusão. Assim, tanto a PNAS e o SUAS reconhecem “a família 2022

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI como o núcleo primário de afetividade, acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e referência no processo de desenvolvimento e reconhecimento da cidadania” (BRASIL, 2004, p.41). De maneira geral, as regras provocadas pela proteção social pautam-se na referência e contra referência dos serviços assistenciais com pilares na assistência social: matricialidade sociofamiliar e o da territorialidade. Outro avanço na assistência por meio da PNAS e do SUAS é a criação dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). Onde os mesmos se dividem por níveis de proteção, a proteção social básica, pode ser encontrada nos CRAS: O CRAS tem a responsabilidade de pôr em pratica os conceitos de centralidade na família, por abrigar o Programa de Atenção integral a Família – PAIF, buscar atender as demandas das famílias na rede social e desenvolver trabalho socioeducativo com grupos de famílias, e o da territorialidade, na medida em que deve se instalar em áreas de vulnerabilidade social, exercer sobre elas as funções de vigilância social, articular a sua rede socioassistencial e coordenar nesta a prestação de serviços do sistema (TEIXEIRA, 2013, p.123). A proteção social básica tem o objetivo de prevenir situações limites, tendo que potencializar e fortalecer os vínculos comunitários. Teixeira (2013, p.125) relata que nos “CRAS são ofertados serviços, programas, projetos e benefícios de proteção básica relativos à segurança de rendimento, autonomia, acolhida, convívio ou convivência familiar e comunitária e de sobrevivência a riscos circunstanciais”. A autora destaca que a PSB deve materializar, junto com o trabalho social com a família, os eixos estruturantes da política, entre eles o da matricialidade sociofamiliar e territorialidade. Brasil (2005, p.15) diz que um “dos objetivos do PAIF é o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, o direito a proteção social básica e ampliação da capacidade de proteção social e prevenção de risco no território de abrangência do CRAS”. Além do PAIF, outros serviços são ofertados, como serviços socioeducativos de convivência geracionais (para crianças, adolescentes, jovens e idosos); serviços de enfrentamento a pobreza; serviços de transferência de renda como o programa Bolsa Família (BF), benefícios eventuais e demais serviços, programas, projetos e benefícios que tem por alcance os objetivos propostos pela proteção social básica (TEIXIERA, 2013). Nesse sentido compreendemos que os avanços na política de assistência foram indispensáveis, assim como nas perspectivas de trabalho com as famílias. Pois, com a 2023

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI política temos serviços, programas, projetos e benefícios direcionados as famílias em situação de vulnerabilidade, dessa forma a PSB se torna mais eficaz e fortalecida no âmbito da proteção social para os indivíduos. É possível destacar que os serviços, programas e projetos não correspondem apenas ao combate à pobreza, mediante os benefícios de transferência de renda, mas também busca por meio de atividades individuais e coletivas, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Portanto, compreende-se “que o trabalho realizado com as famílias referenciadas tem como objetivo, proteger direitos sociais, quando, na verdade, quem deve ser protegida e ajudada é a família, mas essa é a forma do Estado garantir o direito das pessoas de viverem em família” (TEIXEIRA, 2017, p.40). No capitulo a seguir será explanada as características do trabalho social realizado com as famílias referenciadas pela proteção social. 3 CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO SOCIAL COM AS FAMÍLIAS NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA A intervenção da proteção social básica na Política de Assistência Social (PNAS) deve ser concebida a partir da compreensão da realidade social das famílias, vinculado ao trabalho social sustentado por matrizes teórico-metodológicas com bases no tripé da seguridade social brasileira voltada para atender as necessidades e demandas pelas famílias. Brasil (2016) considera a importância de destacar que os subsídios teóricos e metodológicos do trabalho social na PNAS, são referenciados para dar apoio aos serviços de proteção social referenciados pelo Sistema Único da Assistência Social (SUAS) especialmente do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF) e o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI). O trabalho social com as famílias se tornou uma demanda das políticas sociais nos serviços, programas e projetos que são ofertados pela política de assistência social, política de saúde e as demais políticas no desenvolvimento do trabalho social com as famílias. Para Teixeira (2017), a caracterização do trabalho social refere-se aos procedimentos de ação coletiva junto às famílias para modificar as situações e vivências de instabilidades visando ações em longo prazo. Essas características de trabalho social 2024

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI com as famílias vão muito além do que a efetivação da política, pois sem planejar, monitorar, executar e avaliar, as políticas sociais não são efetivadas, conforme destacado pela autora, o trabalho social com as famílias envolve esses fatores. Esse trabalho social também envolve o fazer profissional, o trabalho em equipe. E referindo-se ao processo de trabalho, a PNAS coloca que o “trabalho social com as famílias não é dado a priori. Ele se desenvolve, de forma coletiva, por meio de um conjunto de ações profissionais que envolve diferentes profissionais, serviços e instâncias políticas e administrativas” (BRASIL, 2016, p.16). Nesse entendimento, o trabalho social envolve ainda a necessidade de compreender a definição da família, e como a mesma vem se alterando ao longo dos anos, até mesmo como uma instituição que é mutável e que sofre alterações diante de contexto econômico, social, cultural e político. Esse cenário faz perceber que além dos laços consanguíneos, o fator afetivo é o que tem ganhado destaque. Assim, “família é definida como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas, ou não, por laços consanguíneos” (MIOTO, 1997, p.120). Compreender essas novas definições sobre família possibilita superar as visões conservadoras e moralizadoras que normatizam as relações e caracterizam a família na sociedade atual com novos conceitos e arranjos, em que não se cabe mais visões conservadoras. Dessa forma, o trabalho social tem a finalidade de atender as necessidades das famílias com conhecimento das diversas situações, desenvolvendo um trabalho de proteção social que alcance direitos de cidadania, necessidades humanas e familiares, processa na intercessão entre família e sociedade inseridas na política e nos serviços sociais (TEIXEIRA, 2017). O trabalho social articula as políticas, como saúde, educação, habitação e outras, contemplando a interdisciplinaridade e intersetorialidade com recursos necessários para viabilizar a autonomia e emancipação da família (GUEIROS, 2010). Entretanto, o trabalho social com as famílias em situação de vulnerabilidade, torna-se essencialmente necessário superar múltiplos desafios e constituir novas possiblidades, como será visto no item a seguir. 2025

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 4 DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO TRABALHO SOCIAL NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA DAS FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE O desafio da proteção social na cena contemporânea pode ser caracterizado pela falsa sensação de dever cumprido por parte do Estado, quando combina a supervisão indireta de ação do mesmo, a uma proteção social direta gerida pelo terceiro setor, além de compor a responsabilidade da proteção social do Estado com a sociedade civil organizada (PRISCO, 2012). A sociedade civil, chamada de Terceiro Setor, assume o papel protetivo das mazelas sociais enfrentadas pelas famílias reforçando a cultura solidarista na prestação de serviços sociais, bem como defendem o retorno da solidariedade para o interior da sociedade, família e comunidade na relação Estado/sociedade (TEIXEIRA, 2008). Observa-se que a família tem sua função de proteção instaurada no meio social, porém, tais funções a cada mudança e transformação societária tem sido cada vez mais difícil de ser cumprida, sobretudo pela falta de proteção do Estado que jogou para o núcleo familiar a responsabilidade em enfrentar todas a mazelas produzidas e reproduzidas pelo capitalismo. A família é retomada na política pública como espaço de proteção social e alvo dessa proteção com a provisão de serviços e subsídios por parte do Estado, e por outra, por meio da sociedade civil organizada no apoio social as famílias (TEIXEIRA, 2012). Nessa perspectiva, percebe-se que o trabalho social com famílias é contraditório, quando não conseguem dar respostas as demandas individuais e familiares, com uma ação que deve ser encontrada pela própria família para que a responsabilização do Estado seja mínima, e assim, as propostas apresentadas no trabalho social acabam por não resultar na autonomia e protagonismo das famílias. Outro ponto a ser considerado como desafiador para a realização do trabalho social, no paradigma da patologia social, são os recursos terapêuticos do trabalho psicossocial individualizante e as práticas socioeducativas que são desenvolvidas em uma dimensão normatizada e disciplinadora para famílias desestruturadas, incapazes (TEIXEIRA, 2010). Nesse entendimento, pode-se averiguar que o trabalho social com as famílias assume um caráter reprodutor de relações sociais, quando não conseguem transformar as condições de vida dessas famílias que tem seus laços afetivos e 2026

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI comunitários fragilizados, portanto, os resultados do trabalho social atingem meramente o atendimento emergencial de suas demandas. Nesse aspecto, a possibilidade de mudança da realidade das famílias atendidas pelo trabalho social acaba corroborando para uma reprodução de desigualdades, onde as mesmas continuam no mesmo patamar de pobreza e exclusão. Na prática centram a atuação nos vínculos familiares e apresentam dificuldade em articular ações no contexto comunitário e com o sistema informal de apoio. É importante destacar que a territorialização é pouco realizada, que existe falta de articulação entre as instituições públicas e que a falta de intersetorialidade nos serviços públicos dificulta o acesso da população, cujas ações executadas no campo da assistência podem desempenhar mais tutela e controle do que a autonomia e a emancipação focos chave da proteção social básica (PIZINATTO et al, 2018). Assim, para promover o protagonismo e a autonomia sem solucionar o conjunto de problemas que as famílias vivenciam não pode ser visto como mera estratégia, tendo em vista que as famílias necessitam de condições para sobreviver, mas diante das expressões da questão social, em que o Estado não assume seu papel, potencializar e capacitar as famílias para resolverem sozinhas os seus problemas (TEIXEIRA, 2017). O Estado deve proporcionar o acesso a benefícios e serviços a partir de uma lógica de direitos, do processo reflexivo de luta por mais direitos e serviços, como também prover aquisições (materiais, financeiras, de ocupação do tempo livre, de cuidados, dentre outros) que colabore para o empoderamento e a emancipação social das famílias (CARVALHO; TEIXEIRA, 2018). Assim, é preciso antes de tudo, ter acesso a direitos sociais basilares para uma vida digna, dessa forma, o trabalho social voltado para o fortalecimento dessas famílias poderá trazer autonomia e empoderamento social, de fato. Demonstra-se a proteção presente somente em situações extremas, em que se materializa e é identificada a partir de tensões, com paradigmas assistencialistas e de promoção de direito à medida que elas representam um embate mais significativo nas dimensões relacionais e acionais do discurso sobre o trabalho social com famílias (FADUL, 2014). Diante da falta de proteção social, o trabalho social com as famílias fica no limite de sua ação. 2027

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Teixeira (2010) relata que trabalhar o indivíduo com a perspectiva de ultrapassar a subjetividade individual para a dimensão coletiva, aparece como possibilidades para os sujeitos de direitos concretamente buscarem sua autonomia pressionando o Estado para garantir a proteção social que lhe é de responsabilidade legal. A fim de que as famílias tenham suas demandas acolhidas, tenham acesso a informações e orientações, encaminhamentos na rede, acesso a benefícios socioassistenciais, direito a convivência familiar e comunitária, ampliação da capacidade protetiva, defesa da cidadania e justiça social, construção de projetos individuais e coletivos, melhora da qualidade de vida no território de abrangência do CRAS (OLIVEIRA, 2013). Desse modo, as famílias além do trabalho social, devem ter acesso a uma gama de ações e serviços que muitas vezes a assistência social não assegura por não dispor de uma rede de proteção social articulada e eficaz, capaz de transformar a realidade das famílias em situação de vulnerabilidade (TEIXEIRA, 2010). A perspectiva do trabalho em rede visa à atenção integral e o acesso a direitos, voltado para a construção de projetos de vida e de novas possibilidades de relacionamento, de superação, desenvolvimento de potencialidades, ressignificação de vivências, elaboração do Plano de acompanhamento individual e/ou familiar (OLIVEIRA, 2013). As possibilidades e potencialidades das famílias podem ser trabalhadas a partir da atenção individualizada para identificar singularidades no percurso de vida e convívio visando alcançar o caráter coletivo em prol da reivindicação de seus direitos sociais (GUEIROS, 2010). Desse modo, devem-se trabalhar as famílias para se reconhecerem como grupo de pertencimento que precisam protagonizar uma luta travada por direitos sociais, pois é fundamental para que a superação das situações de vulnerabilidades em que se encontram, sejam amenizadas. Mas para isso, é preciso realizar um trabalho que vá além das suas possibilidades, que sirva de apoio para reforçar os recursos e apoios familiares por um viés que recuse o familismo e uma política desfamiliarizante, que atua com a perspectiva de responsabilização das famílias (TEIXEIRA, 2009). É preciso que sejam ofertados serviços e apoio as famílias com bases no que elas têm direito, e não as responsabilizando para serem protagonistas da sua história de vida. 2028

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 5 CONCLUSÃO No presente estudo pode-se concluir que a Política de Assistência Social ganha destaque a partir de sua integralidade no tripé da Seguridade Social, conforme prevista na Constituição Federal (CF) de 1988. Diante disso, a Assistência Social vem reforçando seu caráter de política com os avanços, a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS). Portanto, com a aprovação do SUAS no ano de 2005, os Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) materializou-se como instituições públicas, ofertando a Proteção Social Básica (PSB), dirigida aos indivíduos em vulnerabilidade. Tendo como principal serviço o Programa de Atenção Integral a Família (PAIF). Constatou-se que o trabalho social se caracteriza a partir da compreensão da realidade social das famílias, matrizes teórico-metodológica da Política de Assistência Social envolvendo instrumentos e procedimentos de ação coletiva junto às famílias no desempenho da proteção e socialização, ações preventivas, protetivas e proativas articuladas às demais políticas públicas e sociais, incluindo diferentes profissionais e um trabalho em equipe, serviços e instâncias com a finalidade de atender as necessidades e diversas situações, integrando os serviços socioassistenciais, a interdisciplinaridade e intersetorialidade. Observou-se nesse estudo que o trabalho social com as famílias, enfrenta desafios quando o Estado atribui sua responsabilidade da proteção social ao terceiro setor, reforça a cultura solidarista, familista, diminui demandas como mecanismo de redução dos gastos sociais, produzindo e reproduzindo relações sociais capitalistas, quando há falta de preparo dos profissionais em implementar o trabalho social e dificuldade em articular ações no contexto comunitário e intersetorialidade nos serviços públicos. Considerando as possibilidades averiguadas, pode-se ressaltar a necessidade do Estado assumir o seu papel protetivo, bem como proporcionar o acesso a benefícios e serviços a partir de uma lógica de direitos, emancipação, fortalecimento, autonomia e empoderamento social das famílias. Para que, o trabalho social possa ampliar a concepção do grupo familiar e vínculos na comunidade, superar as questões internas e 2029

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI externas que ultrapassem a subjetividade individual para a dimensão coletiva, por meio de uma rede de proteção social articulada e eficaz na construção de projetos de vida que superem as situações de vulnerabilidades sociais das famílias. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n° 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Brasília: MDS/SNAS, 2004. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica da Assistência Social (NOB/SUAS). Brasília: MDS /SNAS, 2005. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Fundamentos ético-políticos e rumos teórico-metodológicos para fortalecer o Trabalho Social com Famílias na Política Nacional de Assistência Social. Secretaria Nacional de Assistência Social. Departamento de Proteção Social Básica Departamento de Proteção Social Especial. Brasília, 2016. CARVALHO, Poliana de; TEIXEIRA, Solange Maria. O trabalho social com famílias na Proteção Social Básica da assistência social. EM PAUTA, Rio de Janeiro, n.42, v.16, p.151-166. 2º Semestre de 2018. Disponível em: <https://www.e- publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/viewFile/39426/27890>. Acesso em: 05 abr 2020. FADUL, Fabiana Meijon. O trabalho social com famílias no âmbito da proteção social básica: diálogos e conflitos no campo discursivo da Assistência Social. 2014. 152f. Dissertação (Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local) - Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, 2014. Disponível em: <https://docplayer.com.br/7364423-O-trabalho-social-com-familias-no-ambito-da- protecao-social-basica-dialogos-e-conflitos-no-campo-discursivo-da-assistencia- social.html>. Acesso em: 10 abr 2020. GUEIROS, Dalva Azevedo. Família e trabalho social: intervenções no âmbito do Serviço Social. Rev. Katál, Florianópolis, v.13, n.1, p.126-132, jan/jun, 2010. MIOTO, R.C.T. Família e Serviço Social: contribuição para o debate. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n.55, p.115-130. 1997. OLIVEIRA, Ingrid Anne Soares de. Trabalho Social com Famílias na Política de Assistência Social: perspectivas e limites. 2013. 80f. Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social. Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, Brasília. 2013. Disponível em: 2030

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EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA POLÍTICA DE ASSISTENCIA SOCIAL E A VULNERABILIDADE DO TRABALHADOR(A) IDOSO(A) SOCIAL WELFARE POLICY AND THE VULNERABILITY OF THE ELDERLY WORKER Nanci Soares1 Thomas André Vendrame Rodrigues2 RESUMO Este artigo pretende discutir a “Política de Assistência Social e a vulnerabilidade do trabalhador(a) Idoso(a)”. Para tal vamos analisar primeiramente a problemática social do envelhecer na sociedade capitalista brasileira, numa perspectiva de totalidade. Refletiremos sobre a Política de Assistência Social, com ênfase na vulnerabilidade social e demonstraremos os resultados de uma pesquisa sobre a vulnerabilidade social do(a) trabalhador(a) idoso(a). O método eleito é materialismo histórico dialético. Os resultados esperados é desvendar a realidade dos velhos(as) trabalhadores(as) em situação de riscos e vulnerabilidade social, contribuindo para a efetivação dos direitos sociais. Palavras-chaves: Política de Assistência Social, Envelhecimento, Serviço Social e Vulnerabilidade Social. ABSTRACT This article aims to discuss the \"Social Assistance Policy and the vulnerability of the elderly worker\". For this we will first analyze the social problem of aging in Brazilian capitalist society, in a totality perspective. We will reflect on the Social Assistance Policy, with emphasis on social vulnerability and we will demonstrate the results 1 Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/UNESP de Franca. Pós Doutorado pela Universidade de Aveiro-Portugal. Professora Assistente Doutora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós Graduação em Serviço Social do Campus de Franca. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa: Envelhecimento, Politicas Públicas e Sociedade. 2 Graduando do Curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP – Campus de Franca. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa: Envelhecimento Políticas Públicas e Sociedade. Aluno bolsista PIBIC/CNPq durante a realização da pesquisa 2032

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI of a research on the social vulnerability of the elderly worker. The method chosen is dialectical historical materialism. The expected results are to unveil the reality of old workers in situations of risk and social vulnerability, contributing to the realization of social rights Keywords: Social Assistance Policy, Aging, Social Service and Social Vulnerability INTRODUÇÃO A temática do III Simpósio Internacional Estado, Sociedade e Políticas Públicas- SISNESP “Democracia, Desigualdades e Políticas Públicas no Capitalismo Contemporâneo” é um tema atual e relevante, complexo e contraditório, principalmente para a sociedade capitalista brasileira, marcada pela desigualdade social historicamente. E um desafio para o século XXI, principalmente pelo desmonte das políticas públicas pela ofensiva neoliberal, cuja as “ideologias é contrárias à universalidade ou à universalização de políticas públicas, defendendo proteção social residual aos estritamente pobres” (TEIXEIRA, 2019, p.28). Aos empobrecidos da classe trabalhadora envelhecida, isso agrava ainda mais, devido as condições de trabalho e de vida que foi submetida ao longo de sua trajetória, tendo uma “Velhice Trágica”, de acordo com Eneida Haddad (1993), devido a vulnerabilidade social, uma fase da vida que deveria ser marcada pelo descanso do trabalho, protegida pela família, pelas políticas sociais, acolhida pela sociedade, ser a evidencia do coroamento da decrepitude, do abandono e da negação de qualquer indicio de realização da emancipação humana. Esse contexto, nos fez refletir sobre o papel social do trabalhador(a) idoso(a) na sociedade capitalista e como ele se constitui frente a uma situação de vulnerabilidade social imposta pelo avanço neoliberal. Levando em consideração que a etimologia da palavra vulnerável, segundo Janczura (2012) em sua raiz é originária do verbo latim vulnerare que faz alusão a lesões ou ferimentos, sendo um termo utilizado para referenciar uma situação de suscetibilidade e desamparo. Colocando assim, os pesquisadores em uma situação de indignação, fazendo com que buscassem na realidade municipal de Franca – SP, respostas objetivas e concretas acerca do trabalho social fornecido a população idosa e aos seus familiares, através das políticas socioassistenciais. Já que envelhecimento do(a) trabalhador(a) 2033

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI brasileiro segundo Teixeira (2009) se torna uma das expressões da Questão Social, pois, o descaso do Estado frente a essa demanda social, junto a perda do valor de uso de sua força de trabalho contratada para sustentar o capital, faz com que a massa envelhecida vivencie desamparadamente em situação vulnerabilidade social. 1 A PROBLEMÁTICA SOCIAL DO ENVELHECER NA SOCIEDADE CAPITALISTA BRASILEIRA, NUMA PERSPECTIVA CRÍTICA Os pesquisadores que se debruçam sob o tema: velhice do (a) trabalhador (a), se depararão de qualquer forma com o conceito de “envelhecimento ativo”, segundo Costa Soares (2018) esse termo foi adotado pela Organização Mundial de Saúde no fim dos anos noventa, onde as ciências gerontológicas se uniram, em prol do aprofundamento sob temas específicos das condições objetivas e biológicas da população idosa. Esse aprofundamento não aconteceria segundo as autoras sem as Assembleias Mundiais sobre o Envelhecimento, pois, é a partir da primeira assembleia realizada em Viena em 1982, que fora criado o Plano de Viena, precursor no debate acerca da garantia e eficácia econômica-social dos (as) velhos (as). Contudo, esse plano favorecia apenas os (as) idosos (as) de países desenvolvidos, não contemplando aqueles que viviam em países cuja economia ainda era dependente, no caso o Brasil. Somente no ano de 2002 que essa reflexão é levantada numa segunda assembleia que ocorre em Madri, na qual dedicou-se maior atenção aos países emergentes, levando em consideração suas especificidades e sua transição demográfica. A nível nacional, no ano de 1994 temos o ganho de uma normativa, destinada às pessoas idosas, assegurada pela efetivação da Lei n. 8842/94, mais conhecida por Política Nacional do Idoso (PNI). Soares, Di Gianni (2008, p. 13), afirmam que essa lei “dispõe sobre normas para os direitos sociais dos idosos, garantindo autonomia, integração e participação efetiva como instrumento de cidadania”. Outra conquista para a nação, segundo as autoras foi criação e a efetivação do Estatuto do Idoso (Lei no 10.741/2003), vigorada em janeiro de 2004, tendo como premissa básica a regulamentação oficial dos direitos da população idosas em suas variadas esferas, particularidades e dimensões. Contudo, Costa e Soares (2018) afirmam que mesmo com a criação destas diretrizes, o processo de envelhecer neste país permanece heterogêneo 2034

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI e contraditório, pois, o (a) velho (a) é o reflexo dos valores que compõem uma sociedade, todo seu trabalho fundamenta e constitui este país, e ao mesmo tempo em que essa civilização cria a ideologia da velhice, a mesma também cria um sistema socioeconômico que impede a chegada da velhice para o trabalhador e quando essa ocorre, o mesmo já se encontram lesionado e sem saúde, a não ser que o mesmo pertença a classe dominante. Nesta perspectiva, podemos afirmar que é a classe que vive do trabalho, que é protagonista da “tragédia do envelhecimento, considerando-se a impossibilidade de reprodução social e de uma vida cheia de sentido e valor, na ordem do capital, principalmente, quando perde o ‘valor de uso’ para o capital, em função da expropriação dos meios de produção e do tempo de vida” (TEXEIRA, 2009, 64). Portanto, não é para toda classe que vamos ter a “velhice trágica” mencionada por Haddad (1993), mas sim a que sofreu péssimas condições de trabalho ao longo de sua trajetória. Na velhice, o envelhecimento vai promover “efeitos imediatos de isolamento, de exclusão das relações sociais, do espaço público, do mundo produtivo, político, artístico, dentre outras expressões fenomênicas dos processos produtores de desigualdades sociais”. (TEIXEIRA, 2009, p. 64) Assim podemos afirmar que o envelhecimento de uma fração da classe trabalhadora é expressão da questão social, e vai se “constituir em problemática social na ordem do capital, em virtude da vulnerabilidade social em massa dos trabalhadores, em especial, ao perderem o valor de uso para o capital, pela idade”. (TEXEIRA, 2009, p.67). Com essas informações, podemos ver a relevância em verificar o rumo em que o Serviço Social, o Estado, as políticas sociais e as normativas jurídicas, vem tomando acerca da situação de vulnerabilidade do (a) trabalhador (a) idoso, principalmente a Política de Assistência Social, oferecendo ao leitor e a outros pesquisadores um mapeamento atual sobre tal temática. 2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, COM ÊNFASE NA VULNERABILIDADE SOCIAL O estudo de Fontenele (2016) fornece maior aprofundamento histórico dessa temática, ao ratificar que as políticas sociais do nosso país, preconizadas pela esfera estatal, teve marcos históricos relevantes, que respaldaram intensamente na forma de 2035

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI se lidar com a questão social, merecendo assim ser recordados. Segundo a autora esses marcos foram: a revolução de 1930-1964, a ditadura militar de 1964-1985, a fomentação da Constituição Federal de 1988, promulgada pelo movimento da Nova República e o ganho dos programas de transferência de renda em 1990. Pereira (2007, p. 64) é assertiva completar que “nessa época predominava o que denominamos assistencialismo, isto é, o uso distorcido e perverso da assistência [...] porque a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos não constituía o alvo dessas ações ditas assistenciais”. O debate acerca da garantia de direitos pela via estatal só vem a acontecer segundo Benedito (2017) a partir da aprovação Carta Cidadã (Constituição Federal de 1988), a autora certifica que a partir desse marco, a assistência social integra- se a seguridade social, garantindo assim o acesso a qualquer cidadão. Outro marco essencial segundo Fontenele (2016) é a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993, através dessa homologação, não só a formação de assistentes sociais se torna mais crítica, mas sim a visão da população frente a assistência social, seus princípios que antes eram entendidos como assistencialistas e filantrópicos, agora são pautados pela: Supremacia das necessidades sociais sobre a rentabilidade econômica; a universalidade dos direitos sociais; o respeito a dignidade, a autonomia e ao direito do cidadão, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; a igualdade de direitos no acesso ao atendimento e divulgação ampla dos benefícios e serviços. (FONTENELE, 2016, p. 82). Segundo Pereira e Sousa (2016) foi sob a égide do governo Lula e sua nova forma de fazer política, que a assistência social se redesenha, pois, no ano de 2004 e através desse governo que cria-se a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), passando a ser operacionalizada dentro do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), sua formação organizacional prioriza espaços de referência, tanto na proteção básica e preventiva, a partir dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), quanto na proteção especializada, através dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). E como tentativa de superar a vulnerabilidade social a PNAS fornece programas Benefício de Prestação Continuada (BPC), tratando-se aqui de um benefício não-contributivo, previsto pela Constituição de 1988 e regulamentada pela LOAS que 2036

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI visa fornecer suporte aos idosos que não possuem condições objetivas e materiais de prover sua subsistência. Dentro da Política Nacional de Assistência Social, “um dos desafios expressos é a necessidade de se criar indicadores de vulnerabilidade social territorial, para além do acesso à renda, que indiquem, também, a capacidade de dar Vulnerabilidade Social, abordagem territorial e proteção na política de Assistência Social”. (SEMZEZEM, ALVES, 2013, p.148). Mas em 2009, é aprovada a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (TNSS) Resolução n.109, de 11 de novembro de 2009, e determina a organização destes serviços no seu Art. 1º. “organizados por níveis de complexidade do SUAS: Proteção Social Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade”, de acordo com a disposição abaixo: I - Serviços de Proteção Social Básica: a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF); b) Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos; c) Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas. II - Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade: a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI); b) Serviço Especializado em Abordagem Social; c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), e de Prestação de Serviços à Comunidade (BRASIL, 2014, p. 5) O objetivo principal das ações de Proteção Social Básica, constitui-se então na prevenção de “[...] situações de risco por meio do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, sendo destinada à população que vive em situação de vulnerabilidade social, decorrente da pobreza, privação e/ou fragilização de vínculos afetivos”. (BRASIL, 2011, p. 2). O Programa de Proteção Social Especial caracteriza-se por um conjunto de serviços de proteção voltados às famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social instalado, com violação dos direitos em decorrência de abandono, maus tratos físicos e psiquiátricos, abuso sexual, uso de substancias psicoativas cumprimentos de medidas socioeducativas, situação de rua e trabalho infantil. (BRASIL, 2009). No próximo item, procurando dar visibilidade as situações de risco e vulnerabilidade social da pessoa idosa, vamos apresentar os resultados de uma pesquisa realizada no Grupo de Estudos e Pesquisa: Envelhecimento, politicas públicas e sociedade, com pessoas idosas que frequentam os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFVI), na cidade de Franca - SP. 2037

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Vimos no tópico anterior a importância de refletir sobre vulnerabilidade e risco social do (a) trabalhador (a) idoso (a), dentro do sistema nacional de proteção social existente na Política de Assistência Social, por isso o objetivo deste estudo consiste em verificar as demandas e estratégias das políticas de segmento idoso no município de Franca – SP. Assim, realizamos uma pesquisa intitulada “Vulnerabilidade social e o trabalhador(a) idoso(a)”, tendo como objetivo geral foi analisar a garantia e a efetividade das estratégias asseguradas pelas políticas socioassistenciais para o enfrentamento da vulnerabilidade social do trabalhador idoso no município. Tendo como método eleito o materialismo histórico-dialético que segundo Masson (2007) enriquece a ciência através da sua compreensão do real, pois, este método marxiano capta através da superficialidade do cotidiano e da rotina humana, aspectos que compõem o real, sendo esses os aspectos que constituem a totalidade do ser. O presente estudo também possui viés qualitativo, pois faz uso da pesquisa bibliográfica, documental e de campo. Sendo assim, na primeira etapa deste trabalho foi realizado um levantamento de produções acadêmicas referentes ao tema, na segunda efetuou-se a coleta de dados, presentes nos estatutos, regimentos e nos prontuários dos usuários que frequentam o Centro de Convivência do Idoso (CCI) e da Universidade Aberta a Terceira Idade (UNATI), a terceira etapa, no entanto, optou-se pelas visitas a instituições não residenciais voltadas ao público idoso. Sendo elas: “Lions Sobral”, “Avelina Maria de Jesus”, “Nelson de Paula Silveira”, “VOSF”, “Rodolfo Ribeiro Vilas Boas” e UNATI. Nestas visitas foram aplicadas entrevista semiestruturadas, direcionadas por um formulário e pelo termo de consentimento livre e esclarecido, substituindo assim os nomes e respeitando a Resolução Nº 466/12 das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde e Resolução 510/16. Os participantes dessa pesquisa foram trabalhadores (as) idosos (as) que frequentam grupos de convívio social das instituições supracitadas, Foram elegida quatro pessoas idosas de cada instituição para participar desse estudo, com idade igual ou superior a 60 anos e que frequentaram os grupos citados 2038

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI acima, no período de 2017 a 2018, sendo que nove são mulheres, com idade entre 60 a 77 anos de idade. Utilizou-se da entrevista como um recurso, para que se levasse em integralmente em consideração a realidade que compunha narrativa citada por cada um dos participantes. Sendo assim, a partir das entrevistas realizadas os pesquisadores separaram por categoria tópicos que foram levantados a partir da análise crítica do discurso sendo eles: o significado de envelhecer na sociedade capitalista brasileira; as situações de riscos e vulnerabilidades sociais, as políticas socioassistenciais, o trabalho do assistente social e por último as situações de riscos e vulnerabilidades sociais da pessoa idosa. Neste artigo, vamos apresentar os resultados e discussões da categoria: as situações de riscos e vulnerabilidades sociais e as políticas socioassistenciais, sendo que “os termos vulnerabilidade e risco social são adotados, sobretudo, a partir da década de 2000, no campo das políticas sociais, no qual receberam e vêm auferindo enfoques variados, como territorial, relacional, econômico, dentre outros”. (COSTA et al, 2019, p.362) Assim sendo, nesta categoria foram verificados nas falas dos sujeitos/participantes seguintes termos: território, relacional, econômico. Vulnerabilidade social e território – Segundo Souza (2016, p. 141) na Cidade de Franca o que se refere a Politica de Assistencial, passou por “intensas transformações que mudaram o perfil, a quantidade de atendimento e de entidades prestadores de serviços. Em 2009, estavam cadastradas no Conselho Municipal de Assistência Social aproximadamente 97 entendidas assistenciais”. Ainda segundo a autora em 2012, o Plano Municipal de Assistência Social de Franca (FRANCA, 2012, p.60) demonstra a quantidade de serviços socioassistenciais: Tabela – I – Entidades e Organizações de Assistência Social que compõem a rede Municipal de Franca no exercício 2012* Tipo de Proteção Número de Entidades Proteção Social Básica 27 Proteção Social Especial 11 Total 38 Fonte: Lei 7.623 de 28/11/2011 (Subvenções e auxílios). *Rede socioassistencial da Politica de Assistência Social no Brasil no município. Fonte: Tabela (Fran, 2012, p. 60 apud Souza, 2019, p. 142) 2039

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Ainda segundo Souza (2019, p. 144) no município de Franca a materialização da Política de Assistência Social “é materializada através de um conjunto integrado de ações operacionalizadas pela ‘rede própria’, ou seja, CRAS e CREAS e ‘rede provida’, através de entidades privadas sem fins lucrativos conveniadas com a Secretaria de Desenvolvimento e Ação Social da cidade”, a saber: Tabela 2 – Serviços oferecidos diretamente pela Política de Assistência Social (rede própria) – Franca – SP Nível de Complexidade Serviço Composição do Serviço de Franca Proteção Social Básica Serviço de Proteção e CRAS Atendimento Integral à Família (PAIF) CREAS Proteção Social Especial (média - Serviço de proteção e Atendimento e alta complexidade) Especializado a famílias (PAEF); - Serviço de proteção e Atendimento Especializado a famílias e Indivíduos (PAEFI); - Serviço de Proteção Social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC); Serviço Especializado para Pessoas em Centro POP Situação de rua Família acolhedora Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora Fonte: Dados elaborados por Lucélia Cardoso Gonçalves (SOUZA, 2019, p.145) Os sujeitos/participantes da pesquisa foram pessoas idosas frequentam o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e a UNATI – UNESP – Campus de Franca. Em seus depoimentos apontaram que o fato de participarem do serviço, ajudou muito na situação de risco e vulnerabilidade que estavam vivenciando. Vulnerabilidade social e relacional: – a dimensão relacional é “entendida como dimensão material da vulnerabilidade; e aqueles cujas características sociais e culturais são desvalorizadas e discriminadas, compreendendo também os vínculos afetivos fragilizados”. (COSTA, et al, 2019, p. 362). O relacional mostra que ao ser questionado sobre o que é vulnerabilidade social e/ou situação de risco, a maioria já passou por vulnerabilidade social, tais como fragilidade nos vínculos familiares; filho portador de necessidades especiais; diferentes 2040

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI formas de violência. Em relação aos vínculos familiares, tivemos vários depoimentos destacamos, que precisaram do Assistente Social, enquanto situações extremas de violação de direitos, o seguinte: [...] porque eu casei, tive três filho e... meu marido morreu com trinta e oito ano, faz trinta e seis ano que ele morreu... tive que cuidar dos filhos e depois... minha filha mais velha, com 14 anos arrumou 3 filhos solteira e um de cada pai, (...) (Azaleia). Em outro depoimento dos participantes da pesquisa, vemos a violência entre o casal (homem e mulher), em sua fala da pessoa idosa mostra estar [...] recebendo ameaça ainda, porque ultimamente eu tava com ele (se referindo ao ex marido abusivo), ele me ameaçava, e assim, vim me agredir fisicamente”. A violência de gênero, embora diga respeito as relações que envolvam homens e mulheres, incide principalmente sobre as pessoas do sexo feminino e constituem uma questão de saúde pública, além de ser uma violação explicita dos direitos humanos. Em uma estimativa brasileira mostra que pelo menos 35% das queixas levadas pelas mulheres aos serviços de saúde estejam associadas a violências que sofrem, preferencialmente nas relações conjugais. Vulnerabilidade social e econômico - No econômico mostramos no referencial teórico que a problemática social do envelhecer dos trabalhadores é constituída “pelas novas formas de exploração, pelas precariedades no trabalho e pelo desmonte da proteção, historicamente, construída em resposta as mazelas sociais”. (TEIXEIRA, 2009, p. 69). No depoimento desta participante podemos as péssimas condições de vida, [...] eu precisava de dinheiro ele “não vou te dar dinheiro não, se você quiser, vai pedir pro seu filho” e eu falei “não, não sou casada com ele, sou casada com você. (Violeta) 4 CONCLUSÃO O processo de envelhecimento e velhice na ordem e no tempo do capital, na perspectiva de totalidade, requer uma visão contextualizada historicamente, pois não é uma simples soma de fatores, e nem mesmo uma interposição dos mesmos, mas sim uma complexa teia de determinantes sociais, políticos, econômicos e culturais. Através da reflexão sobre políticas sociais destinadas ao segmento, o estudo permite concluir que os trabalhadores idosos através de lutas e reivindicações, conquistaram políticas sociais públicas, entretanto, percebemos contradições. Pois, a compreensão dos direitos 2041

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI sociais e das políticas sociais, mostram que o bem envelhecer ainda é visto como responsabilidade exclusiva de cada um, fato esse que, reitera o discurso ideopolítico de cunho neoliberal. No tocante, as situações de risco e vulnerabilidade social, concluímos que são frutos dos próprios determinantes sociais do sistema capitalista, que engendram a problemática social de envelhecer na sociedade brasileira. E que estas situações de vulnerabilidade social são resultado da precarização de condições de vida oriundas do processo de trabalho. Os dados apreendidos neste estudo mostram a heterogeneidade da velhice, apontando que as pessoas vivenciam de forma diferente a sua vida, e que mesmo estando na mesma faixa etária não significa que tenham passado pelas mesmas vivências, nem tão pouco apresentam as mesmas necessidades e características. Já que os sujeitos/participante mostraram que a participação nas atividades oferecidas nos SCFVIs, constituem importantes mecanismos de resgate da cidadania do segmento idoso. A participação nos debates grupal proporciona convívio com pessoas da sua geração e mais jovens, troca de experiências, novas relações de amizade, aquisição de novos conhecimentos, fortalecendo a autonomia e a independência, fatores importantes para o envelhecimento digno e ativo, colaborando assim com a manutenção da vulnerabilidade e do risco social. REFERENCIAS BEAUVOIR, S. A velhice: realidade incômoda. V.1, São Paulo: Difusão Européia do Livro, 2018. BENEDITO, J. C. Reflexões acerca da proteção social para os velhos do Brasil. In: COSTA, et al (Orgs.) Aproximações e ensaios sobre a velhice. Franca: UNESP, 2017. p. 35-51 BRASIL. DOU. Diário Oficial da União. Resolução Nº 33, DE 12 De Dezembro De 2012. Aprova A Norma Operacional Básica Do Sistema Único De Assistência Social -Nob/Suas. Brasília: DF. 2012. ______. DOU. Diário Oficial da União. Lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília: DF, 2003. ______. DOU. Diário Oficial da União. Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Brasília: DF, 1994. 2042

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI ______. Constituição Federal do Brasil. 1988. ______.DOU. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Lei 8.742/1993 (Lei ordinária) 07/12/1993. D.O. de 08/12/1993, p. 18769. ______. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Resolução Nº 109, de 11 de novembro de 2009. Reimpressão 2014. Disponível no Site: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/tipific acao.pdf. Acesso em 20/06/2020. ______. Resolução Nº 466/12 das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional de Saúde e Resolução 510/16. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. COSTA, J. S; POLTRONIERI, C. A; SOARES, N. Notas Críticas: Risco e Vulnerabilidade Social no Processo de Envelhecimento e Velhice. SER Social 45, jul.-dez. 2019. P. 390- 410. COSTA, D. G. S; SOARES, N. Envelhecimento e velhices: heterogeneidade no tempo do capital. Serviço Social & Realidade, v. 25, n. 2, 2018. Disponível em: <https://ojs.franca.unesp.br/index.php/SSR/article/view/2519>. Acesso em: 11 de Junho. 2020. FONTENELE I. C. A trajetória histórica da assistencia social no Brasil no contexto das politicas sociais. In: TEIXEIRA, S. M. Política de Assistência Social e Temas Correlatos (Org). 1. ed. Campinas: Papel Social, 2016. p. 65-92. HADDAD, E. G. M. O direito à velhice: os aposentados e a previdência social. São Paulo: Cortez, 1993. JANCZURA, Rosane. Risco ou vulnerabilidade social? Textos & Contextos (Porto Alegre ), v. 11, n. 2, p. 301 308, 2012. Disponivel em: <https://www.redalyc.org/pdf/3215/321 527332009.pdf> Acesso em: 11 de Junho. 2020. MASSON, G. Materialismo histórico e dialético: uma discussão sobre as categorias centrais. Práxis Educativa, v. 2, n. 2, p. 105-114, 2007. Disponível em: <https://revistas.apps.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/312> Acesso em: 19 de junho. 2020. PEREIRA, P. A. P. A assistência social prevista na Constituição de 1988 e operacionalizada pela PNAS e pelo SUAS. 2007. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/6982> Acesso em 09 de junho. 2020. PEREIRA, M. E. F. D; SOUSA, S. M. P. S. Trabalho e trabalhadores no contexto do SUAS: notas sobre a questão da competência profissional do assistente social. In: TEIXEIRA, S. 2043

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI M. Política de Assistência Social e Temas Correlatos (Org). 1. ed. Campinas: Papel Social, 2016. p. 251-268. SANTOS, M. F; RIOS, T. I; SILVA, A. L. O. A proteção social básica na velhice: assistência social e familiar. In: COSTA, et al (Orgs.) Aproximações e ensaios sobre a velhice. Franca: UNESP, 2017. p. 66-83 SEMZEZEM, P; ALVES, J. M. A. Vulnerabilidade social, abordagem territorial e proteção na política de assistência social. Serv. Soc. Rev. Londrina, v. 16, n.1, P. 143-166, jul./dez. 2013. SOUZA, L. C. Política de Assistência Social e envelhecimento humano: dos Centros de Convivência de Idosos aos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Pessoas Idosas. (2016) SOARES, N; DI GIANNI, V. M. P. UNATI/FRANCA: construindo cidadania na era do envelhecimento. In: SOARES, Nanci e JOSE FILHO, Mário (Org.) UNATI: construindo a cidadania. Franca: UNESP, 2008. P. 11-24. TEIXEIRA, S. M. Conjuntura politica brasileira e impactos nas politicas públicas. In: TEXEIRA, S. M. et al. (Orgs). Envelhecimento e politicas sociais em contexto de crises e contrarreformas. Curitiba: CRV, 2019. P. 25-44. TEIXEIRA, S. M. Envelhecimento do trabalhador e as tendências das formas de proteção social na sociedade brasileira. Argumentum. Vitória: ES. v. 1, n. 1, p. 63-77, jul./dez. 2009. Disponível em: <http://periodicos.ufes.br/argumen-tum/article/view/13/0>. Acesso em: 12 de Maio. 2020. p. 63-77. 2044

EIXO TEMÁTICO 4 | SEGURIDADE SOCIAL: ASSISTÊNCIA SOCIAL, SAÚDE E PREVIDÊNCIA UMA EXPERIÊNCIA MUNICIPAL NA IMPLEMENTAÇÃO DA ARTICULAÇÃO DA REDE SOCIOASSISTENCIA A MUNICIPAL EXPERIENCE IN THE IMPLEMENTATION OF THE ARTICULATION OF THE SOCIO ASSISTANCE NETWORK Analú Lopes1 Keli Regina Dal Prá2 RESUMO Apresentar as informações sobre a implementação da Rede Socioassistencial a partir da experiência de um município localizado no Estado de Santa Catarina é o objetivo central do presente artigo. A coleta das informações ocorreu no ano de 2019, por meio de pesquisa campo com a realização de grupo focal. Os resultados apontaram para a importância dos burocratas de nível de rua, dispondo do poder discricionário e da relativa autonomia profissional no processo de implementação. Por outro lado, identificam-se a necessidade de maiores investimentos das burocracias de médio escalão na implementação da articulação da Rede Socioassistencial e, a relevância do planejamento e sistematização dos dados como ferramentas essenciais para viabilização da proteção socioassistencial ofertadas pela articulação da Rede Socioassistencial. Palavras-chaves: Política de Assistência Social; Implementação; Burocratas de Nível de Rua; Articulação da Rede Socioassistencial. ABSTRACT To present information on the implementation of the Social Assistance Network from the experience of a municipality located in the State of Santa Catarina, or the main objective of this article. The collection of information took place in 2019, through field research with the realization of a focus group. The results pointed to the importance of street levels of bureaucracy, available for discriminatory power and 1 Assistente Social. Doutoranda em Serviço Social no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected] 2 Assistente Social. Doutora em Serviço Social. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós- graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 2045

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI relative to professional capacity in the implementation process. On the other hand, it is necessary to identify the need for greater investments by middle-level bureaucracies in the implementation of the articulation of the Social Assistance Network and, a relevance of planning and systematization of data, as tools used to enable the social assistance protection offered by the articulation of the Social Assistance Network. Keywords: Social Assistance Policy; Implementation; Street-level bureaucrats; Articulation of the Social Assistance Network. INTRODUÇÃO Adentra-se o ano de 2020 em conjuntura de crise mundial do capitalismo. No Brasil, têm-se na agenda governamental ultraliberal, autoritária e fundamentalista de Jair Messias Bolsonaro, o desmonte da Seguridade Social, dos direitos trabalhista, o aumento exponencial do número de desempregados, da fome, consolidando o retorno do país ao mapa da fome. Contudo, aprofunda-se de forma bárbara a conjuntura, com a pandemia provocada pela Covid-19, que evidencia a extrema desigualdade social que o país se estrutura, eleva os níveis de superexploração já vivenciada pela classe trabalhadora, aumentando colossalmente o exército de reserva, precarizando e mercadorizando a vida, colocando milhares de trabalhadores desprotegidos e de frente do dilema genocida, empregado pelo projeto de governo, entre não trabalhar e morrer de fome, ou trabalhar e correr o risco de ser infectado e morrer (devido a letalidade) pela Covid-19. Os trabalhadores em condições de precarização e exploração do trabalho na crise sanitária do ano de 2020 passam a recorrer ao Estado e somam-se ao público-alvo da política de assistência social milhares de trabalhadores desprotegidos de renda e emprego que procuram proteção. Contudo, se deparam com políticas sociais sucateadas, resultado das constantes políticas de reajuste fiscais promovidas principalmente nos últimos anos, sendo a mais severa provocada pela Emenda Constitucional n. 95 (BRASIL, 2016) que garante o congelamento dos tetos de gastos das políticas da Seguridade Social e da Política de Educação, desfinanciando, sucateando e desmantelando as conquistas auferidas nas últimas décadas na área da Assistência Social e demais políticas sociais. 2046

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI As políticas sociais ocupam papel central na vida das pessoas (esfera coletiva e privada) por serem fatores determinantes para o desenvolvimento do bem-estar na sociedade. O Estado, através de seus governos, possui a responsabilidade de dar suporte para a satisfação das necessidades sociais da população e desenvolve ações de cunho preventivo aos eventuais riscos que se agravam em tempos de adversidade e diante dessas, as políticas são respostas dadas à sociedade, realizando-se no primeiro momento a identificação da problemática e entrada nas agendas governamentais (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). Destaca-se as décadas de 1980 e 1990 período no qual as políticas sociais foram direcionadas para atender a reforma do Estado, “[...] com ênfase nos resultados e na desresponsabilização/devolução/privatização da provisão de bens e serviços sociais” (FARIA, 2005, p.99), intensificando e legitimando o enlaçamento da sociedade civil na implementação conjunta da promoção de serviços públicos e direitos. O período caracteriza-se por maior racionalização do Estado e da política social, sob uma racionalidade governamental de hegemonia neoliberal e gerencialista. As políticas sociais são organizadas levando em consideração uma cronologia de desenvolvimento, o Ciclo da Política (Policy Cycle), que se define por um esquema de visualização e interpretação que permitem organizar a vida de uma política social em fases sequenciais e interdependentes, que buscam desde identificar problemas à prever e controlar ações, reduzindo possíveis riscos e ampliando a eficiência na tomada das decisões dos governos (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). As etapas do Ciclo da Política são: 1ª Montagem da Agenda – é o momento que diferentes grupos levantam os problemas que poderão ser inseridos ou não nas atividades de um grupo no poder; 2ª Formulação - etapa que “faz-se a identificação, o refinamento e a formalização das opções políticas que poderão ajudar a resolver as questões e os problemas reconhecidos no estágio de montagem da agenda” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p.123); 3ª Tomada de Decisão – é a fase em que uma, mais de uma, ou nenhuma das opções, levantadas no estágio anterior, são aprovadas oficialmente; 5ª Avaliação “[...] estágio do processo em que se determina como uma política de fato está funcionando na prática” (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p.199). A 4ª etapa, é a fase que se localiza o diálogo proposto neste artigo, denominada como Implementação - momento no qual a decisão política chegará à população. A 2047

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI implementação da política é realizada através do provimento de serviços/ações e pode ser efetivada tanto pelos servidores públicos ligados a administração pública, como pela sociedade civil (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013). A implementação por diferentes esferas se dá através da ação de servidores que trabalham diretamente nos territórios e com os problemas reais da população. Os profissionais que implementam as políticas sociais, para a autora Lotta (2010), esses possuem as chaves para a cidadania, pois podem tanto garantir como não o acesso aos direitos e serviços, o acesso da população administração pública. O poder de decisão dos profissionais é atravessado pelos impactos da condição de ser um trabalhador assalariado; da pressão institucional (empregador) para aumentar a efetividade, responsabilidade e reprodução do controle do Estado; tensionamento dos cidadãos que buscam acesso aos serviços e direitos ofertados de forma sucateados ou desmantelados pelo Estado. Adensa-se também na construção (teleologia) do poder de decisão os valores das categorias profissionais, da condição de funcionário público, valores pessoais e de projetos societários. A importância do poder de decisão na implementação das políticas sociais é identificada pioneiramente nos estudos do autor Michael Lipsky (1980) que lança o debate localizando na discussão street level bureaucracy - burocracia de nível de rua3.1. O Estado, portanto, é convocado a organizar a prestação de serviços através de políticas sociais, todavia implica-se diretamente no cenário onde o capital se amplia, a financeirização controla, o trabalho é precarizado (IAMAMOTO; CARVALHO, 1998). Neste cenário a política de assistência social que se institui de forma dinâmica e atrelada ao desenvolvimento das relações sociais na sociedade, têm em seus primórdios ações pontuais ofertadas consideravelmente pela esfera privada, pois nesse nicho o capital não vê visibilidade de mercadorização e produção de valor. A relação entre o mix público e privado na oferta da proteção socioassistencial é legitimada na reorganização dos serviços, programas, projetos e benefícios da área da assistência social em 2005 com a constituição da Rede Socioassistencial, considerado um avanço histórico para oferta dos direitos socioassistenciais. 3 São profissionais como professores, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, educadores sociais, etc. - funcionários públicos que trabalham diretamente no contato com a população e viabilizam o acesso à direitos sociais através da implementação de políticas sociais (LOTTA, 2012). 2048

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI O trabalho em redes de serviços e políticas busca o rompimento com a departamentalização e a integração vertical, dentro de estruturas hierarquizadas, integrando diferentes setores, serviços através da mobilização, abertura de espaço de negociações, etc., construindo novas formas de relação entre Estado e Sociedade (LOIOLA; MOURA, 1997). Para que ocorram essas novas formas de governança política as redes “[...] dependem, em boa medida, do empenho e da vontade política dos governos municipais e do status de participação e corresponsabilidade da sociedade local” (GUARÁ, 2010, p. 59). Partindo da lógica de nova governança política, o objetivo do artigo é apresentar informações sobre a implementação da Rede Socioassistencial a partir da experiência de um município localizado no Estado de Santa Catarina. O trabalho resulta da aplicação de uma pesquisa de caráter qualitativo, que permite elucidar os processos e/ou fenômenos complexos que uma intervenção em rede pressupõe, que envolvem um espaço institucional composto por diferentes atores que se relacionando, possuem compreensões, projetos profissionais semelhantes e/ou dispares, que impactam no poder discricionário e na relativa autonomia que direcionam a implementação de políticas sociais (MINAYO; SANCHES, 1993). A definição do lócus de pesquisa ocorre após a identificação da relevância e pioneirismo na construção de frentes e ferramentas de trabalho por profissionais de um município de pequeno porte I do Estado de Santa Catarina. Para a coleta de dados utilizou-se da técnica de grupo focal (TRAD, 2009) por possibilitar a compreensão do processo de implementação da articulação da Rede Socioassistencial pelos trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), considerando um processo de trabalho coletivo, que prevê diferentes atribuições e responsabilidades, que se fundamenta ao mesmo objetivo que a oferta da proteção socioassistencial. Para isso, foram selecionados 15 profissionais, dos quais 10 participantes compuseram como sujeitos da pesquisa. Os dados coletados foram organizados, interpretados a partir da análise de conteúdo (BARDIN, 1977), que permitiu identificar três importantes etapas de implementação no município que perpassaram pela: reorganização da oferta da Política de Assistência Social no território municipal; implementação da Rede Socioassistencial; e, implementação da Rede Socioassistencial. 2049

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI Os resultados expostos demonstram a relevância do trabalho da burocracia de nível de rua nos três processos de implementação, balizadas pelo poder discricionário e a relativa autonomia profissional dos profissionais tanto da área da assistência social como de outras políticas sociais. Destaca-se que um dos elementos fundantes do processo de implementação foi a atuação do profissional assistente social que disposto da relativa autonomia profissional, articula as dimensões do exercício profissional e do processo técnico-operativos. De outro lado, demonstram a necessidade de empreendimento de maiores esforços da burocracia de médio escalão, do investimento na sistematização dos dados e planejamento de ações. Por fim, o contexto de 2020 inicia com cortes orçamentários brutais na área da assistência social, ocasionando o fechamento de serviços nos territórios municipais e/ou executados de forma precária. Adensadas a uma conjuntura complexa, de pandemia da Covid-19 e superexploração do trabalho, nos coloca enquanto profissionais de frente ao desafio de desenvolver ações sob novas metodologias de intervenção, requer planejamento, sistematização, organização e trabalho coletivo, construções que divergem e diferenciarão ação de política social das ações de cunho caritativas promovidas pela sociedade. Como forma de dialogar sobre a organização do trabalho coletivo na implementação da Rede Socioassistencial apresentar-se-á a experiência do município catarinense. 2 EXPERIÊNCIA MUNICIPAL NA IMPLEMENTAÇÃO DA REDE SOCIOASSISTENCIAL Os 10 sujeitos da pesquisa perfilam-se em nove participantes do sexo feminino e um do masculino; todos com nível superior, formados nas especificidades de Serviço Social, Psicologia, Pedagogia e Administração; e eram funcionários públicos concursados, com experiência superior há dois anos na área da política de assistência social. Uma política implementada por mulheres e para um público majoritariamente feminino, expressando o atrelamento entre gênero, pobreza e cuidado centralizado na mulher, tanto na esfera doméstica do trabalho não remunerado quanto trabalho remunerado. Na experiência municipal, não divergente do contexto nacional, o início de implementação da assistência social ofertada no âmbito público é demarcado pela 2050

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI incipiência, pontual, vinculada à primeira dama, focalizada na infância, mulher, velhice e apresenta viés caritativo. O município tem população de 18.261 mil habitantes, sendo considerado de pequeno porte I. Desta população, o público prioritário do SUAS cadastrado no ano de 2018 no CADUNICO são de 830 pessoas e 237 famílias beneficiarias do Programa Bolsa Família (PBF). Em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), o município possui 195 beneficiários (BRASIL, 2018). A estrutura organizacional da política de assistência social no período da aplicação da pesquisa é: Proteção Social Básica: Serviço de Proteção a Famílias e Indivíduos (PAIF), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV); Proteção Social Especial de Média Complexidade: Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) e Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço Comunitários (PSC); Proteção Social Especial de Alta Complexidade: Serviços de Acolhimento Casa Lar para crianças e adolescentes e Serviço Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI). Toda a oferta de serviços é viabilizada pelo âmbito público, somente a ILPI é ofertado através de convênio pela esfera privada. No que tange aos benefícios, o município possui setor específico para os benefícios eventuais. Entretanto, à chegada até essa estrutura organizacional apresenta alguns elementos importantes para dialogar com os direcionamentos que são dados para efetivar a implementação, como poderão ser vistos no decorrer da exposição. O percurso histórico da implementação do SUAS no território brasileiro tem início em 2005, e ganha cobertura nacional, mas no município pesquisado a trajetória de implementação fora distinta, como pode-se observar: [...] somente eu... {profissional assistente social} até 2011, porque aí foi quando foi instituído o CRAS, aí eu fui alocada para o CRAS, e foi contratada uma assistente social pra gestão e aí também foi instituída a Casa Lar, né? E aí foi contratada a equipe técnica da Casa Lar também. Foi aí que começou a se moldar né, os padrões da Política de Assistência Social no município (Grupo Focal 01, 2019). Até o ano de 2011 a Política de Assistência Social do município era implementada somente por um profissional assistente social. Ao realizar a habilitação para oferta do SUAS (Gestão Inicial) o município implementa os serviços PAIF, Casa Lar e contrata 2051

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI profissional assistente social para a Gestão. Esta primeira organização já ultrapassa o que considera critérios para o nível de habilitação, situação que impacta diretamente no financiamento, pois o município oferta serviços de outros níveis de proteção, referentes a Gestão Plena que não foram pactuados, sobrecarregando a esfera municipal para cofinanciamento. Outro dado, diz respeito a opção pela implementação de serviços de extremidades (básica e alta complexidade – CRAS e Casa Lar), estratégia que resulta da necessidade de resposta ao Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para oferta do serviço de alta complexidade para crianças e adolescentes, deixando descoberto o nível de proteção de média complexidade que poderia evitar, fazer um gargalo de crianças em situação de medida protetiva de afastamento do convívio familiar. Conforme Lotta (2010) as políticas sociais são o que o governo escolhe fazer ou não fazer, e a implementação é a produção de resultados do que o governo decidiu fazer. A estrutura organizacional passa a ser modificada na contratação do profissional assistente social para atuar na Gestão, em condição de sobrecarga de trabalho é responsável pela implementação dos serviços de medidas socioeducativas LA e PSC, benefícios eventuais e secretaria executiva do Conselho Municipal de Assistência Social. O acúmulo de funções na área da assistência social é uma realidade do trabalho precarizado e polivalente. Tendo como referência a atuação do assistente social abriu frentes de trabalhos no território, mobilizando tanto a gestão como as equipes de referência. A primeira frente de trabalho deu-se pelo fornecimento de informações e forma com que conduziu a transmissão do conhecimento à equipe de Gestão, deixando evidente a execução de mobilização e mediação. a) Oferta de informações - media e mobiliza a criação de vagas para concurso público. Os profissionais, assistente social e psicólogo advindos do certame, comporão a equipe de referência de média complexidade e serão responsáveis pela implementação do PAEFI e Medidas Socioeducativas. Essa ação rompe a lacuna na organização estrutural da proteção socioassistencial ofertada pelo município e orienta-se pelo direito a convivência familiar e comunitária, diferente de uma estrutura de oferta de serviços já direcionada à institucionalização; b) com a implementação dos serviços da equipe de referência, inicia- 2052

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI se a reorganização do espaço físico para oferta dos serviços, separando as atividades do CRAS, dos serviços de Média Complexidade e das atividades da gestão. Disposta de nova estrutura organizacional, outra frente de trabalho aberta pela assistente social se dá junto aos demais burocratas de nível de rua, a qual mobiliza os profissionais das equipes de referência para o debate sobre o trabalho em rede e a importância da implementação. As equipes dos serviços socioassistenciais aderem a mobilização, reconhecem a importância do debate da implementação e passam a tomar frente na implementação da Rede Socioassistencial. Firmam parcerias, debatem, dialogam e mobilizam outros autores para construir o trabalho em rede. Por outro lado, na implementação de redes de trabalho, as relações interpessoais, disputas de projetos profissionais e societários atravessam o cotidiano e podem ser complicadores ou até comprometedores para efetivação viabilização da proteção sociassistencial de forma integral. Identificou-se disputas de projetos societários e profissionais, comuns no cotidiano profissional. O direcionamento ético-político leva a problematização sobre a atuação e responsabilidade enquanto funcionário público, burocrata de nível de rua, profissional do SUAS e das atribuições e competências técnicas. A disparidade ou atravessamentos de compreensões é um espaço de disputa, de negociação e de pactuação, que podem determinar a forma que a proteção socioassistencial será implementada no território. Mas de outro modo também ocorre a adesão dos demais burocratas de nível de rua para construir o trabalho em rede. Das reuniões da Rede Socioassistencial o coletivo de profissionais mobilizado atuando na rede identificam a necessidade do trabalho em rede intersetorial, fundamentada numa perspectiva da integralidade, compreendendo a complexidade das demandas sociais e necessidade de respostas de um conjunto de políticas sociais. As reuniões da Rede Intersetorial [...] acontecem normalmente mensal, né? A gente, né, vê todas as políticas do município, vem a participação do judiciário. [...] cada setor pode trazer, explicar, porque nem todo mundo sabe. Ah, mas o que o CRAS faz? Que que o NASF faz? Que que é o serviço de acolhimento? Que que é a média complexidade? Então nessas... essas reuniões acabam que tem aquele mmento onde os seus setores falam, né? (Grupo Focal 01, 2019). 2053

ANAIS III SINESPP 2020 SIMPÓSIO INTERNACIONAL ESTADO, SOCIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS | PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS - PPGPP UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI A compreensão da matéria de cada serviço permite a Articulação da Rede Intersetorial que se caracteriza pelo fortalecimento da transferência do conhecimento e atribuições dos diferentes setores, buscando-se a legitimidade e essencialidade das políticas no território e determina a forma com que a política chegará até a população. A Rede Intersetorial é resultado das reuniões dos profissionais da Rede Socioassistencial “que se mobiliza{ram} em torno de temas que afetam o dia-a-dia, reforçando a colaboração e a solidariedade como instrumentos eficazes para a ação e a experimentação de novas formas de resolução de problemas” (JACOBI, 2000, p.133). Das novas formas de resolução dos problemas a Rede Intersetorial construiu: fluxo de atendimento para crianças vítimas de violência; teatro para prevenção da exploração sexual infanto-juvenil e divulgação das atividades da Rede Intersetorial: Na ação da rede observa-se o direcionamento de três frentes de trabalho: a) atividade de prevenção da exploração infanto-juvenil (foco principal de intervenção); b) divulgação do trabalho da Rede Intersetorial, construindo bases de legitimação (foco secundário da intervenção); c) mobilização dos demais burocratas de nível de rua (que não compõe diretamente a rede) à adesão, compromisso e responsabilidade (adulto de confiança) à vítima da exploração infantil (foco terciário de intervenção). Para realizar o trabalho em rede os burocratas de nível de rua identificaram o compromisso com o usuário, a mobilização, a comunicação, a energia, a persistência e a organização como elementos importantes para pensar sua articulação. A rede pode se constituir em um veículo socialmente construído, que tem como propósito a ação para mobilização de energias que se constituem por esforços individuais e coletivos que se direcionam por objetivos comuns “que podem ser sociais, de produção ou de manutenção, mas necessitam de ação coletiva para que sejam alcançados” (FREY, 2008, p.10). Destaca-se articulação das dimensões do processo técnico-operativo nas ações implementadas, sendo possível visualizar a potencialidade da dimensão gestão e planejamento (MIOTO; NOGUEIRA, 2009), que se resulta da articulação da dimensão sócio-educativa. E, destas mediações, no horizonte pode-se caminhar para implementação da dimensão político organizativa tendo como referência a perspectiva da análise dos interesses coletivos da população. 2054


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